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ISSN 1808-2564
revista de educação editada e produzida pelo colégio medianeira
Diretor Pe. Rui Körbes, S.J. Vice-diretor Prof. Adalberto Fávero Coordenador Administrativo e Financeiro Gilberto Vizini Vieira Coord. Comunitário e de Esporte
O jogo teatral e a formação do sujeito Juliana Cavassin ............................................................................................................................... 5
Prof. Francisco Alexandre Faigle Coordenação Editorial e Revisão Nilton Cezar Tridapalli Luciana Nogueira Nascimento
Água: reuso, redução do uso ou conservação? Gladimir Nascimento ....................................................................................................................... 9
(MTB 2927/82v) Projeto Gráfico e Diagramação Sonia Oleskovicz Ilustrações Kelly Tavares Viviane Vallim
As vozes do documentário Michaud: entre os crocodilos e as serpentes Eduardo Tulio Baggio ....................................................................................................................
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Sonia Oleskovicz (montagens e tratamento) Colaboraram nesta edição André Tezza, Carlos Renato Monteiro, Eduardo Túlio Baggio, Fabiana Hitomi Ono
Tecnologia e escola: Inte(g)rações Nilton Cezar Tridapalli ...................................................................................................................
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Ishiruji, Francisco Carlos Rehme, Geraldo Vieira de Magalhães, Gladimir Nascimento, Juliana Cavassin, Juliana Cristina Heleno, Marcelo Weber e Maria Célia Martirani. Tiragem
Sequestro do CO2 Fabiana Hitomi Ono Ishiruji ..........................................................................................................
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3000 exemplares Papel Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo)
Reflexões sobre a leitura
Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa)
Juliana Cristina Heleno .................................................................................................................
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Número de Páginas 48
Em cena: o leitor EQUIPE PEDAGÓGICA
Maria Célia Martirani .....................................................................................................................
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Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª à 4ª séries Coordenadora Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro
A infância por um fio Geraldo Vieira de Magalhães .......................................................................................................
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Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries Coordenadora Profª Eliane Dzierwa Zaionc Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries Coordenadora
A filosofia enquanto exercício do cotidiano Carlos Renato Moiteiro .................................................................................................................
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Profª Roberta Uceda Ensino Médio Coordenador Prof. Marcelo Pastre Coordenador de Pastoral
Relativismo cultural e o filme Quem quer ser um milionário André Tezza ....................................................................................................................................
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Pe. Guido Valli, S.J. Marketing Luciana Nogueira Nascimento Coordenador de Midiaeducação Nilton Cezar Tridapalli
Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.
Linha Verde • Av. José Richa, 10546 Prado Velho • Curitiba • Paraná fone 41 3218-8000/ fax 41 3218-8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Itupava: úmidas e silenciosas, pedras que contam história Francisco Carlos Rehme ...............................................................................................................
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CRÔNICA
Prefação Marcelo Weber ...............................................................................................................................
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Ler ou não ler, eis a questão!? Na verdade, não deveria haver questão ou dúvida quando se trata de leitura. Ela é imprescindível para a formação de sujeitos críticos, reflexivos e capazes de compreender seu contexto e agir a partir dele para a transformação da sociedade. Ler é construir, elaborar, alimentar e realimentar corpo, mente e alma. É ato de pesquisar constantemente as tramas da história, do ser humano e do futuro que queremos para nós e nossos filhos. Ler é caminhar na contramão da massificação, do desrespeito a diversidade e do preconceito. Quem nos fala sobre isto nesta edição é a professora Juliana Heleno e também a escritora Maria Célia Martirani quando trata da relação entre o leitor e seu livro. Não existe livro ou autor sem o leitor. Ler é sentir e permitir ser sentido, é troca e reciprocidade entre leitor, autor e a própria obra. Nesta mesma linha de relações passa o trabalho do Teatro e do jogo teatral, importante no relacionamento do sujeito consigo mesmo, seja ele ator, diretor ou plateia. O cinema, outra forma de leitura de contexto, está nas análises do filme "Quem quer ser um milionário?" e do documentário "Michaud: entre os crocodilos e as serpen-
tes". Para completar o círculo de mídia e comunicação, a tecnologia, mocinha e vilã do contexto escolar no qual estão inseridas diferentes gerações, enfrenta uma realidade de interações que precisa ser constantemente revista e atualizada, sob o risco de se falar linguagens que se opõem, que não conversam, em um mesmo ambiente, em um mesmo contexto. Partindo para outro extremo, mas que não deixa de envolver a leitura, veremos maneiras simples de conservar o meio ambiente voltando nossas ações para o reuso, redução e conservação da água e para o seqüestro de carbono - termo que ainda causa estranhamento e dúvidas entre a maioria das pessoas. E, a partir desta edição, publicamos uma seqüência de crônicas do artista e historiador Marcelo Weber que se aventura em uma mistura de humor, ideias e receitas. Delicioso. Aproveite tudo e depois de saborear, experimentar, construir, refletir, desconstruir... escreva para nós: mediacao@colegiomedianeira.g12.br. Boa leitura. Luciana Nogueira Nascimento
A respeito do artigo sobre eBlogs, de autoria das Profªs Letícia e Luciane, gostaria de manifestar a minha admiração pelo trabalho. O conteúdo dos três blogs apresentados é vasto e muito estimulante para os jovens aprendizes. Nota-se que, mais do que consistir de um artefato tecnológico, o blog tem o poder de ampliar ilimitadamente as dimensões da sala de aula, tornando a experiência dos alunos ainda mais motivadora.
blogs de outros Professores do colégio, bem como de suas sugestões; criar uma página, dentro do site do colégio, com links para os blogs dos seus professores, além de links com sugestões dos mesmos; criar uma oficina de construção de blogs para os Professores que desejarem desenvolver também a sua ferramenta de comunicação. Um abraço que transfoma
Parabéns às Professoras "blogueiras" pela proatividade em buscar novas ferramentas didáticas.
Alberto Heitor Molinari
Aproveito a oportunidade para sugerir ao Colégio Medianeira que fomente esta expansão para o espaço cibernético no seu meio acadêmico, tomando medidas, tais como: efetuar uma enquete entre todos os professores visando obter informações de
Sempre aluno (Colégio Medianeira) Graduado em Bacharelado em Informatica (UFPR) Especialista em Tecnologia da Informação (UFPR) Mestrando em Informática Industrial (UTFPR) E o mais importante: Pai do Davi e do Caio (1º ano e 3ª série)
mediacao@colegiomedianeira.g12.br 4
O jogo
TEATRAL
ea
formação do
sujeito
Por Juliana Cavassin
Além de sermos homo sapiens, somos também homo ludens, e isso diz respeito à nossa capacidade lúdica para o jogo. Veja como o jogo teatral é importante para o relacionamento do sujeito consigo mesmo e com o outro, seja ele ator, diretor, plateia... 5
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Dentre algumas das metodologias do ensino do Teatro, uma de grande importância é a denominada "Jogos Teatrais", da norte-americana Viola Spolin (1906-1994). Além da contribuição para o ensino e a prática da arte cênica, as técnicas abrangem o campo da arte-educação. Também conhecido como método de teatro improvisacional (Improvisação para teatro é o nome do primeiro livro publicado no Brasil, em 1979, pela editora Perspectiva), no que se refere à aplicação para atores e diretores/professores, tem-se nele o auxilio técnico de todas as fases do processo de ensaio de uma peça: seleção, escolha de elenco, harmonia, aquecimento, criação de espaço cênico, superação de ansiedade de estreia, amadurecimento e integração de participantes ao projeto teatral... No que diz respeito ao campo da arte-educação, pode-se apontar o quanto a metodologia é capaz de influenciar na formação emocional, social e cognitiva não só de atores, mas de qualquer participante, o que contribui amplamente para a formação do sujeito.
METODOLOGIA DO JOGO TEATRAL Nos Jogos de Viola Spolin, sempre se têm bem definidos para diretor/professor os objetivos que apontam o principal resultado que se espera obter para resolver questões da pessoa, do grupo e/ou do ensaio da peça (como dificuldades de relacionamento, projeção de voz, unidade, cena, foco, etc). Esse último, especificamente, tem uma importância fundamental em todos os jogos, já que é o foco que permite ao jogador manter o olho mental vivo como um atleta o mantém na bola em movimento. Ele também garante o envolvimento de todos os participantes em cada momento durante o processo. O foco coloca o Jogo em movimento e todos se tornam parceiros na medida em que prestam atenção aos mesmos problemas a partir de diferentes pontos de vista; todos os jogadores devem confiar no foco e
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deixá-lo trabalhar como se fosse a bola de um jogador de futebol. Mas o Jogo Teatral, ao contrário do futebol, não possui um "foco material", "físico" como levar a bola ao gol. As regras são específicas para cada Jogo, dadas através da instrução do professor/diretor, e levam os jogadores a resolverem o problema com consciência, criatividade e uso do corpo. Deve-se responder a situação proposta de forma cênica, mantendo claramente para a plateia (também considerada, junto ao professor/diretor, como "jogadora") os princípios da unidade dramática: quem, onde e o que está acontecendo. Enquanto ocorre o Jogo, o professor/diretor emite as instruções para abrir espaço de tempo, movimento e transformação. São expressões simples e diretas que surgem espontaneamente no momento em que os jogadores estão em ação, mas cujo vocabulário elimina a orientação autoritária e a síndrome da aprovação/desaprovação. Por exemplo, fala-se "compartilhe sua voz com a plateia" ao invés de "projete sua voz!" A instrução deve gerar ou manter a energia crescente, pois é o apoio entre jogadores e diretor/professor para atingir o organismo total do que se processa. Mesmo assim, apesar da instrução, cada indivíduo deve encontrar seu próprio caminho através do esforço pessoal e consequente harmonia coletiva. Com a prática, jogar se torna cada vez mais lúdico, orgânico e
espontâneo, principais fundamentos do método spoliniano; Na medida em que o valor do jogo e do próprio ato de jogar tornavam-se mais claros, a palavra "jogo" substituiu a expressão "solução de problemas". As explicações sobre técnicas, intenções, etc. tornaramse desnecessárias. A procura lógica e racional dessas informações tinha sido ultrapassada pelo foco do jogo teatral. (SPOLIM, p. 15, 2001)
Ao fim de cada Jogo, plateia, professor/diretor e jogadores de palco participam de uma avaliação. Nela, discute-se se a proposta foi realizada de maneira efetiva, as dificuldades que surgiram e como foram resolvidas, se o foco se manteve, as oportunidades, outros jogos e ideias relacionados, etc. Enfim, nesse momento, todo o grupo revela o que foi aprendido, percebido e/ou realizado no curso do Jogo.
socializador, ou seja, é a transformação da subjetividade pessoal em objetividade coletiva, um pressuposto do ser sujeito e cidadão. Isso porque resolver os problemas propostos no jogo exige além das habilidades racionais: exercita-se, com o jogo, a emoção e a intuição. A intuição emerge no lado direito do cérebro, na mente metafórica, área x, a área do conhecimento que está além das restrições de cultura, raça, educação, psicologia e idade; ela é mais profunda do que as máscaras de maneirismos, preconceitos, intelectualismos que a maioria de nós veste
A FORMAÇÃO DO SUJEITO Percebe-se que, no contexto da arte-educação, a importância dos Jogos se aplica à educação estética pelo teatro, às demais linguagens artísticas (que sempre se relacionam) e também à aprendizagem cognitiva, afetiva e psicomotora, uma vez que se tratam de experiências que envolvem o grupo, o corpo e a mente para responder os desafios. Maior divulgadora de Viola Spolim no Brasil, a pesquisadora Ingrid Koudela (ECA/USP) apresenta estudos que revelam o desenvolvimento humano que os jogos proporcionam de acordo com o modelo piagetiano de desenvolvimento intelectual. Os estudos mostram que a criatividade dramática proporciona um meio de atividade adaptativa para a criança que influencia na descentralização cognitiva, social e moral. No desafio intelectual do criador, ator, plateia e/ou crítico, utilizam-se esquemas cognitivos e afetivos para a estruturação da realidade objetiva; ao jogar, o individuo e/ou grupo precisam efetivar a passagem do teatro concebido como ilusão para a uma realidade cênica. Essa passagem é a quebra do egocentrismo do indivíduo e seu mundo particular para que se transforme em jogo
no cotidiano. (SPOLIM, p.18, 2001).
Dessa forma, intuir também implica estar livre de opiniões, atitudes, preconceitos e julgamentos pré-concebidos para vivenciar soluções no momento presente. É por isso que o ato de jogar requer presença "aqui e agora"; é necessário viver no tempo presente e não no tempo da memória, já que o jogo só acontece no tempo presente. Nesse sentido, Spolim diferencia o estar à espera (permitir que o desconhecido se aproxime: momento de arte/vida) do esperar por (passado/futuro) no ato do Jogo, e, consequentemente, na vida. A autora afirma: Como indivíduos, somos isolados uns dos outros, cheios de limitações, medos, tensões, competitividade, preconceitos e atitudes preconcebidas. Se a nossa abertura for mais do que apenas uma esperança, um sentimento, uma palavra, então certas condições deverão ser atendidas. A primeira delas deveríamos chamar de mutualidade ou confiança. O verdadeiro jogo produzirá confiança. (SPOLIM,p.18, 2001)
Então, vemos que as relações intra, extra e interpessoais são desenvolvidas, pois a prática dos Jogos possibilita a aproximação de si mesmo e dos outros jogadores, exercitando o pensar, agir e sentir e revelando que a técnica é sim
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muito importante, mas o processo é tão amplo, dinâmico e lúdico no que se refere às relações humanas que vão além da metodologia e do teatro: são parte da comunicação e relacionamento humanos, princípio básicos para que o indivíduo se desenvolva plenamente como sujeito. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br) REFERÊNCIA:
Juliana Cavassin é formada em Educação Artística - Artes Cênicas (FAP) e Jornalismo (PUCPR), com especialização em Fundamentos do Ensino das Artes (FAP) e Mestrado em Educação (PUCPR). É ex-aluna e professora de Teatro desde 2003 do Colégio Medianeira; também é professora do curso de Licenciatura em Teatro da Faculdade de Artes do Paraná (2007) e presta serviços na área de Artes, Educação e Comunicação para várias instituições como SENAC-PR, ITDE e UFPR. Contato:jupalomar@hotmail.com.
SPOLIM, V. O jogo teatral no livro do diretor. Perspectiva, 2001.
JOGOS TEATRAIS - O FICHÁRIO DE VIOLA SPOLIN VIOLA SPOLIN Editora Perspectiva Viola Spolin figura seguramente entre os maiores professores de teatro, não só nos Estados Unidos. Onde quer que seu método e seus ensinamentos tenham chegado, não importando o país ou a língua, eles fizeram escola. 'Improvisação para o teatro', sua famosa coleção de jogos, exercícios de atuação e comentários, continua tão atual hoje quanto na época de sua aparição inicial, assim como sua crescente difusão na rede escolar brasileira vem comprovando. Para melhor instrumentá-la na prática de sua aplicação, Viola Spolin fez uma seleção especial de jogos teatrais, dispostos em fichas separadas em uma caixa, servindo ao trabalho em sala de aula. Por meio de 'Jogos Teatrais', professores e alunos podem viver a experiência teatral, com grande benefício para seu ensino e aprendizado.
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O JOGO TEATRAL NO LIVRO DO DIRETOR VIOLA SPOLIN Editora Perspectiva Este livro é uma aplicação prática do famoso método pelo qual Viola Spolin foi chamada 'a grã-sacerdotisa do teatro improvisacional'. A autora mostra, de forma lúdica, como suas técnicas podem ser utilizadas em larga variedade de situações, e também para o amadurecimento e a integração dos participantes do projeto teatral.
ÁGUA: reuso,
REDUÇÃO DO USO ou
conservação?
Por Gladimir Nascimento
Muitas vezes a tecnologia tem sido vista como instrumento redentor de todos os problemas. Em muitos casos, no entanto, outras soluções se tornam mais eficazes e econômicas, desde que acompanhadas por conscientização e mudança de pequenos hábitos. Com dados e contas surpreendentes, este artigo nos revela formas simples de economia de água. 9
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A coisa chata sobre a pesquisa é que frequentemente ela nos desaponta, ao comprovar o oposto daquilo que acreditávamos ser verdade. O método científico não tem charme, nem senso de humor, nem compromisso com as nossas convicções, e pouco se lhe dá se o resultado da investigação é sem graça, contrário às nossas expectativas ou uma completa afronta ao senso comum. Lamento-me dessa maneira porque investi dois anos em uma pesquisa para comprovar que o reuso de águas servidas (água que sai da pia, do chuveiro, das lavadoras e tanques) é uma alternativa viável e até mesmo imprescindível contra a escassez de água em Curitiba e região metropolitana. Era uma ideia arraigada e a pesquisa deveria servir simplesmente para embasá-la, assim como pretendia defender a lei municipal que tornou esse reuso de água obrigatório para novas construções em Curitiba. Bem, esse era o resultado esperado, porém... Porém o fato é que a defesa do reuso de água chega a ser uma ingenuidade, quando o consideramos no contexto da nossa cidade e dos municípios vizinhos. Há aqui uma pergunta: por que sempre imaginamos uma solução tecnológica para os problemas ambientais? Será uma desculpa para nosso comportamento poluidor? Será, ao contrário, uma punição autoimposta? (pois um "remédio" como o reuso de água equivale à autoflagelação). Será que não queremos enxergar o simples e o necessário, então nos pomos a divagar sobre soluções radicais? Reaproveitar a água é nobre, mas a tecnologia para fazê-lo, embora sedutora, não se justifica enquanto não tomarmos muitas outras medidas urgentes e óbvias no nosso contexto. Então vamos ao contexto: em 1970, a população da região metropolitana de Curitiba era de 1 milhão de habitantes; em três décadas e meia, ela triplicou. A maior parte desses moradores instalou-se justamente nas áreas que pressionam os mananciais de onde tiramos nossa água de beber. É um problema parecido com aquele da cobra que engole o próprio rabo: quanto
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mais população, maior o volume de água necessário, e menor o volume disponível, já que esses habitantes degradam justamente as nascentes, rios, matas ciliares e áreas de aquífero. Este fato deve ser o alvo prioritário das políticas públicas, leis, debates, aulas, pesquisas e todo tipo de esforço contra a falta de água potável. O problema é grave e caro. Baseada em um estudo dos engenheiros Osvaldo Dalarmi e Cléverson Andreolli (que, aliás, é pai de uma aluna do Medianeira), a Sanepar elaborou um imenso e imensamente dispendioso plano de investimentos, a ser cumprido até o ano de 2050. Os dois engenheiros acreditam que entre 2025 e 2050 atingiremos o limite da exploração dos recursos hídricos mais próximos. Depois teremos de captar água a mais de 50 quilômetros de distância e a uma altitude 500 metros abaixo do planalto curitibano, com um custo de bombeamento 10 vezes maior que o atual, que corresponde a 10% da tarifa, aproximadamente. Portanto, o que pagamos hoje na conta de água vai dar somente para o bombeamento. E não é apenas porque a população vai crescendo, mas principalmente porque vai crescendo em cima dos mananciais. Logo, cada centavo que deixamos de gastar na conservação desses mananciais será cobrado com juros altíssimos quando tivermos de procurar água em outra freguesia. Reuso é a medida adequada para regiões onde a água praticamente não existe. No deserto da Namíbia, por exemplo, onde foi pela primeira vez praticado inclusive para fornecer água "potável". Não é o nosso caso, nossa região tem água, só precisamos cuidar bem dela. Nosso problema é que não damos a mínima para os recursos naturais. Se as coisas continuarem assim, então de fato um dia só nos restará beber a água com a qual já tomamos banho. Os recursos hídricos devem ser compreendidos no conjunto de cada bacia hidrográfica e gerenciados de maneira integrada, considerando: Conservação dos mananciais; Educação conservacionista; Melhores práticas na captação, tratamento e distribuição da água;
Combate metódico ao desperdício; Lógica tarifária e Generalização do uso de dispositivos e métodos economizadores nas edificações. Vamos checar? O que a nossa valorosa companhia de saneamento investe na conservação dos mananciais dos quais tira água e dinheiro? No ano passado, esse valor cresceu um pouco, graças aos recursos federais do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), mas, descontando esse reforço, vemos que no ano de 2005, por exemplo, a Sanepar investiu em Meio Ambiente R$ 1,9 milhão. No ano seguinte, R$ 1,2 milhão e em 2007 R$ 2,5 milhões, dos quais somente R$ 51 mil viriam de recursos próprios. Para dar uma ideia de como são míseros esses recursos, basta mostrar a Ata da 43ª Assembleia Geral Ordinária da Sanepar, que avaliou o balanço de 2006 da companhia, distribuiu aos acionistas o lucro de R$ 49,7 milhões e provisionou, para remuneração dos conselheiros e administradores, para o exercício de 2007, o valor de R$ 4,3 milhões. Ou seja, a empresa destinou para remuneração dos conselheiros e administradores 70% mais do que todo o seu investimento em Meio Ambiente. E o combate ao desperdício? Em julho de 2007, a diretoria da Sanepar apresentou as obras da Estação de Tratamento de Água Miringuava, que custou R$ 143 milhões. Ela adiciona ao sistema mil litros de água por segundo. Com a conclusão de obras complementares, chegará a 2 mil litros por segundo, o que representa um aumento de 25% na oferta de água tratada, que antes do Miringuava encontrava-se em torno de 8 mil litros por segundo. Recapitulando: a companhia investiu R$ 143 milhões, pagos por nós, para aumentar o fornecimento em 25%. E sabe quanto ela deixa vazar na própria rede distribuidora? 32%. As perdas nas redes de abastecimento ocorrem em todo o mundo e a média brasileira é de assustadores 42%. Existe um limite técnico para além do qual não se consegue impedir o vazamento, porém falar de reuso de água quando um terço de toda a água captada e tratada simples-
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mente é jogado fora antes de chegar aos imóveis é, no mínimo, um desvio de prioridade. E a educação conservacionista? Você já foi atingido por algum programa desse tipo? Seus filhos foram? Qual foi o resultado? Qual foi a insistência? E as tecnologias economizadoras, elas foram divulgadas para você? Existe alguma em sua casa? A companhia de Saneamento estimulou você a adotá-las? Pelo menos informou a respeito? E a lógica tarifária? Se fôssemos pagar pelo que a água realmente custa, não daríamos conta. Só conseguimos pagar a fatura todo mês porque não estão incluídos ali os custos ambientais da operação. Mas esses custos existem, e, como sabem os contabilistas, não dá para esconder custos por muito tempo. Em algum ponto a dívida será cobrada. Reuso de água é um recurso interessante para indústrias e alguns tipos específicos de construções. Hotéis, por exemplo. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, o Brasil possui aproximadamente 25 mil hotéis e pousadas. Um hotel com 100 apartamentos, usados em média 10 horas por dia, consome diariamente cerca de 15 mil litros de água. Curitiba tem 18 mil leitos de hospedagem. Admitindo-se 2 leitos por apartamento, chega-se a um consumo diário de água no setor hoteleiro na cidade em torno de 8,226 milhões de litros. Considerando uma ocupação média de 70%, reduz-se para 5,758 milhões de litros. O reuso, desde que combinado com outras tecnologias economizadoras, pode baixar em 50% o consumo de um hotel, o que teoricamente significaria poupar 2,879 milhões de litros por dia. Cada curitibano consome, em média, 240 litros por dia, ou 7.200 litros por mês; logo, a economia de 2,879 milhões de litros na rede de hotéis substituiria o consumo de 11.995 curitibanos. É como economizar toda a água consumida pelo bairro do Atuba, por exemplo, que, segundo o IBGE, tem 12,6 mil habitantes. Ou suprimir o consumo da população do Tingui, que é de 11,6 mil pessoas. Uma economia interessante. Porém, fora dessas edificações especiais, como os hotéis, o reuso é a última medida tecnológica em uma lista que tem 6 itens e que está
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no quadro a seguir. Ele ilustra de modo rudimentar as vantagens relativas entre dispositivos economizadores simples, como os aeradores de torneiras e os redutores de vazão, e aqueles que exigem mudanças no sistema hidráulico: uso de água de chuva e reuso de águas servidas.
CONSIDERARAM-SE TRÊS NÍVEIS DE QUALIFICAÇÃO POSITIVOS:
A aplicação desses três níveis sobre cada diferente aspecto de cada uma das tecnologias consideradas permite uma comparação simplificada entre elas, sendo o conceito resultante de cada medida um posicionamento numérico direto em relação às demais. Os conceitos, no entanto, são atribuídos pelo Autor, considerados um em relação aos outros, e naturalmente admitem avaliações destoantes.
E TRÊS NÍVEIS DE QUALIFICAÇÃO NEGATIVOS:
BOM =
RUIM =
ÓTIMO=
PÉSSIMO=
EXCELENTE=
PROIBITIVO=
AERADORES DE TORNEIRAS
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REDUTORES DE VAZÃO
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DESCARGA DE CAIXA ACOPLADA
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CAVALETES INDIVIDUAIS
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ÁGUA DE CHUVA
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REUSO DE ÁGUA
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(3 = excelente; 2 = ótimo; 1 = bom; -1 = ruim; -2 = péssimo; -3 = proibitivo )
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CONCEITO FINAL
MANUTENÇÃO
RETORNO DE INVESTIMENTO
RESISTÊNCIA CULTURAL
DIFICULDADE TÉCNICA
POTENCIAL DE ECONOMIA
CUSTO
COMPARAÇÃO DE TECNOLOGIAS ECONOMIZADORAS DE ÁGUA
Senhores, apresento-lhes o aerador de torneiras, o redutor de vazão e a descarga de caixa acoplada. Juntas, essas 3 tecnologias tremendamente simples e baratas têm um efeito economizador comparável ao do dispendioso, complexo e temerário reuso de água. A descarga acoplada todo mundo conhece, é aquela que tem uma caixa sobre o assento sanitário, em vez da válvula Hydra (mas cuidado, sem manutenção ela acaba tendo vazamentos terríveis). Aerador é aquela peneirinha que se coloca na ponta da torneira e redutor de vazão é uma espécie de registro que se instala no encanamento e que regula a pressão da água nos nossos chuveiros, por exemplo. O uso dessas geringonças é altamente positivo. Melhor que isso, para economizar, só mesmo o conselho do meu encanador: nada de banho gostoso. Para ter uma ideia do que custa um único banho demorado, use uma banheira e feche a saída. Ao final do banho compare o que ficou estancado, multiplique pelo número de moradores da sua casa e pelo número de dias do mês. O resultado é um volume de água e um peso na consciência que não tem reuso que resolva. Para concluir, resta dizer que a utilidade do reuso de água é a de ser uma ameaça. Não é solução, mas sim a punição que infalivelmente virá para os que não fizeram o dever de casa. Que ele nos sirva como advertência para que acabemos com o desperdício em nossas próprias residências e locais de trabalho e lazer. E, principalmente, que sirva de instrumento de pressão sobre nossos políticos e gestores públicos, para que levem a sério esse problema explosivo que é a progressiva escassez de água em Curitiba e nas cidades vizinhas. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)
Gladimir Nascimento é jornalista profissional (UFPR), mestre em Tecnologia e Meio Ambiente (UTFPR) e especialista em Sistema de Gestão Ambiental (PUC-PR). É pai de dois alunos e dois ex-alunos do Medianeira e um dos idealizadores da nova webradio http://jornalismofm.com.br
A ÁGUA JOSÉ GALIZIA TUNDISI TAKAKO MATSUMURA A água é cada vez mais um recurso estratégico para a humanidade, pois mantém a vida no planeta Terra, sustenta a biodiversidade e a produção de alimentos e suporta todos os ciclos naturais. As grandes civilizações dependem e dependerão da água para sua sobrevivência econômica e biológica, e para o desenvolvimento econômico e cultural. Folha Explica A Água aborda, de forma didática, questões como as propriedades essenciais de água, seus usos múltiplos, os impactos nos recursos hídricos e suas consequências.
A ÁGUA - UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL JOÃO MARCOS ADEDE Y CASTRO Editora Nuria Fabris A presente obra referese aos direitos humanos e direitos fundamentais referidos ou não na Constituição Federal. Ela traça panorama histórico da legislação ambiental brasileira, com ênfase aos recursos hídricos, examina a legislação constitucional e infraconstitucional, a legislação esparsa sobre águas e incursiona sobre o direito internacional das águas. Com isto, permite o conhecimento sobre a legislação, mas chama o leitor para refletir sobre a importância da água como elemento de dignidade, desenvolvimento sustentável e, sem sombra de dúvida, como direito humano fundamental. Ou seja, rompe o paradigma de exame exclusivamente legal para propor uma discussão de caráter social, humano e sistêmico.
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As vozes do documentário
MICHAUD: ENTRE OS CROCODILOS E AS SERPENTES
Por Eduardo Tulio Baggio
Um dos gêneros cinematográficos mais desenvolvidos no Brasil, o documentário mostra inúmeros meios de mostrar a sua voz. Acompanhe algumas reflexões sobre isso a partir do documentário paranaense Michaud: entre os crocodilos e as serpentes.
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As teorias do cinema documentário tratam constantemente das vozes ou estilos dos filmes. Esses conceitos buscam demonstrar quais as opções discursivas dos filmes e, por consequência, seus pressupostos éticos e suas características de linguagem. Este texto propõe uma observação sob o ponto de vista dos quatro principais estilos do cinema documentário - de um filme roteirizado e dirigido por mim, que se chama Michaud: entre os crocodilos e as serpentes. Esse documentário foi idealizado a partir da análise das possibilidades de estratégias e estilos desenvolvidas no decorrer da história do cinema documentário. Desde os primeiros filmes de Robert Flaherty, Joris Ivens, John Grierson, Dziga Vertov, Alberto Cavalcanti, Paul Rotha, Basil Wright, e outros pioneiros, o documentarismo busca colocar-se ideologicamente. Essa busca constante por uma colocação que seja ideologicamente interessante, dadas as circunstâncias e o contexto em que o documentarista está inserido, geraram maneiras diferentes de relação do documentarista com o tema e com o público. Bill Nichols diz que o documentário usa estratégias de estilo variadas, que mudam com o passar do tempo, e que nesse sentido sua evolução ocorre da mesma forma que a evolução do filme ficcional, que também mudou e muda de estratégias dentro de sua história. E mudam em grande parte pelas mesmas razões: os modos dominantes do discurso expositivo mudam, assim como a arena de debate ideológico. O realismo confortavelmente aceito por uma geração parece um artifício para a geração seguinte. Novas estratégias precisam ser constantemente elaboradas para representar "as coisas como elas são", e outras para contestar essa representação (2005, p.47).
Segundo Nichols, a história do documentário apresenta quatro estilos principais e cada um deles tem suas características próprias quanto à forma e no que diz respeito às posturas ideológicas. Esses estilos têm seu ponto central marcadamente determinado pela "voz".
Frame do vídeo documentário Michaud: entre os crocodilos e as serpentes
(...) na evolução do documentário a disputa entre formas centrou-se na questão da "voz". Por "voz" refirome a algo mais restrito que o estilo: aquilo que, no texto, nos transmite o ponto de vista social, a maneira como ele nos fala ou como ele organiza o material que nos apresenta. Nesse sentido, "voz" não se restringe a um código ou característica, como o diálogo ou o comentário narrado. Voz talvez seja algo semelhante àquele padrão intangível, formado pela interação de todos os códigos de um filme, e se aplica a todos os tipos de documentário (NICHOLS, 2005, p.50).
A primeira dessas vozes é a do estilo de discurso da tradição griersoniana1 , também conhecida como "voz de Deus". A segunda, a do Cinema Direto2 , que "prometia um aumento do 'efeito verdade' graças à objetividade, ao imediatismo e à impressão de capturar fielmente acontecimentos ocorridos na vida cotidiana de determinadas pessoas." (NICHOLS, 2005, p.48). A terceira voz é representada pelos filmes de entrevistas, "às vezes profundamente reveladores, às vezes fragmentados e incompletos, esses filmes forneceram o modelo para o documentário contemporâneo." (NICHOLS, 2005, p.49) Por fim, Nichols cita o que seria a voz mais recente do documentário, a voz do estilo autorreflexivo. "Esse novo documentário autorreflexivo mistura passagens observacionais com entrevistas, a voz sobreposta do diretor com intertítulos, deixando patente o que esteve implícito o tempo todo: o
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documentário sempre foi uma forma de re-presentação, e nunca uma janela aberta para a 'realidade'." (NICHOLS, 2005, p.49). Nichols ainda apresenta a condição evolutiva desses estilos ao tentarem corrigir problemas encontrados em seus antecessores: "o cinema direto e suas variantes procuraram resolver certas limitações da tradição 'voz de Deus'. O filme de entrevistas buscou resolver as limitações de grande parte do cinema direto (…)" (NICHOLS, 2005, p.64).
possíveis enquanto mediadores, é que as vozes do cinema documentário foram pensadas para o documentário Michaud: entre os crocodilos e as serpentes. A principal intenção deste documentário era mostrar o encontro da equipe de realização do documentário com as pessoas que são as herdeiras de um momento histórico tão particular como foi a colonização da então península de Superagui (após a abertura do Canal do Varador, a península tornou-se uma ilha).
Essa é uma forma típica da evolução paradigmática, em busca da razão a partir de pressupostos que negam a razão de quem anteriormente procurou estabelecer seus princípios. Neste sen-
Sendo assim, a voz que foi utilizada como estilo principal do documentário foi a voz do Cinema Verdade, ou do documentário interativo, pois o vídeo documentário trabalha fundamentalmente com o deslocamento, as conversas e entrevistas e a condução da equipe. A forma como foi constituída a equipe, que viajou para fazer as captações de imagens e sons para o documentário, demonstra a intenção de trabalhar essencialmente como no Cinema Verdade. Os registros foram feitos em duas câmeras que eram dispostas de forma livre, em movimento, e permitindo que uma fizesse o registro da outra e ambas mostrassem a equipe. Da mesma forma, um fotógrafo still fez parte da equipe e registrou imagens estáticas que fazem parte do vídeo. Tais imagens demonstram em muitos momentos a atividade da equipe e enfatizam a intenção de marcar e abrir para o público o processo de realização do documentário.
Frame do vídeo documentário Michaud: entre os crocodilos e as serpentes
tido, as teorias do cinema documentário enfrentam-se entre si e geram uma contraposição que Fernão Pessoa Ramos chamou de um "diálogo de surdos" (2000). As vozes dos documentários são as suas marcas características. Mais ainda, são o registro das posturas dos documentaristas, das suas intenções, das suas perspectivas teóricas e, principalmente, das suas proposições enquanto mediadores e a consequente responsabilidade ética dos condutores desse processo. Partindo desse princípio, das proposições
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Porém, a sequência inicial do vídeo tem características que remetem a duas vozes distintas. Por um lado, mostra a equipe se reunindo para a viagem que resultaria no vídeo documentário, características típica da voz do documentário interativo, ou Cinema Verdade. Por outro lado, exibe textos explicativos sobre a vida de William Michaud, o que caracteriza um procedimento do Documentário Clássico ou Documentário Expositivo É possível notar também pequenos trechos do vídeo, especificamente de fotografias estáticas, em que aparecem marcas do documentário de observação, ou do Cinema Direto, através do registro cotidiano da vida dos morado-
FICHA TÉCNICA DO VÍDEO res de Superagui; mas essas são menos numerosas e representativas. Posso então concluir que o vídeo Michaud: entre os crocodilos e as serpentes é um documentário de múltiplas vozes, como são muitos outros documentários. Mas, mais do que isso, que a definição dessas vozes reflete o caminho ético proposto pelos realizadores no sentido de expor os processos de realização, marcar a característica de mediação e criar um discurso aberto e não absoluto. Esses são pressupostos típicos do Cinema Verdade e que foram entrecortados em alguns poucos momentos pelos pressupostos do Documentário Clássico e do Cinema Direto. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)
Roteiro
Adriano Justino e Eduardo Baggio
Direção
Eduardo Baggio
Pesquisa e Assistência de Direção
Adriano Justino
Direção de Fotografia Assistência de Câmera e Microfonista Fotografias Câmera Adicional Produção Assistência de Produção Edição Assistência de Edição Trilha Sonora
Vinícius Sguarezi e Osvaldo Santos Lima Ricardo Brown de Oliveira
Osvaldo Santos Lima Adriano Justino Diana Moro Cleiton Saviski Eduardo Baggio Heloísa Todeschini Paisagem Progressiva #1
Frames do vídeo documentário Michaud: entre os crocodilos e as serpentes
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Eduardo Baggio é graduado em Jornalismo pela UFPR, especialista em Comunicação Audiovisual pela PUCPR e mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP. Trabalhou em televisões, rádios, agências de publicidade e produtoras de cinema. Teve seus vídeos e filmes independentes exibidos em festivais nacionais e internacionais, com mais de 10 prêmios no Brasil e no exterior. É professor de cinema.
N OTA S 1 John Grierson foi diretor e produtor de documentários. Líder da Escola Inglesa de documentários, desenvolveu, junto com seus colegas, uma forma descritiva e didática de compor seus filmes. 2 Escola de documentários norteamericana que teve muito impacto por sua observação distanciada da realidade. Os principais diretores foram Robert Drew, Albert e David Maysles, Richard Leacock, D.A. Pennebaker e Frederick Wiseman.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
NICHOLS, Bill. A Voz do Documentário. In: RAMOS, Fernão Pessoa. (org). Teoria Contemporânea do Cinema (Volume II). São Paulo : Editora Senac, 2005. p. 47 - 67. PENAFRIA, Manuela. O Filme Documentário: história, identidade, tecnologia. Lisboa : Edições Cosmos, 1999. _________________ O plano-sequência é a utopia - O paradigma do filme-Zapruder. In: Congresso de Pós-Graduação em Comunicação, 2003. RAMOS, Fernão Pessoa. O que é documentário? In: Estudos de Cinema 2000 - SOCINE. Editora Sulina e FAMECOS, 2000. ______________________ Cinema Verdade no Brasil. In: TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. (org). Documentário no Brasil: tradição e transformação. São Paulo : Summus, 2004. p. 81 - 96.
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O Colégio Medianeira dispõe de uma cópia do documentário discutido neste artigo (Michaud - entre crocodilos e serpentes) e pode ser emprestado à sua comunidade de alunos, pais e educadores.
DOCUMENTÁRIO NO BRASIL FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA (organizador) Editora Summus Uma coletânea exclusivamente voltada para um domínio importante na cultura audiovisual contemporânea: o campo do documentário cinematográfico. Trata-se da primeira iniciativa deste gênero no Brasil. Embora com uma vasta e rica cinematografia documentária, nossa cultura carece inteiramente de obras de referência para os estudiosos do assunto e o público em geral. O livro reúne textos de doze especialistas no tema, de São Paulo e do Rio de Janeiro, recobrindo cerca de oitenta anos de nossa produção documental.
Tecnologia
Sainte-Chapelle, Paris
e escola:
INTE(G)RAÇÕES Por Nilton Cezar Tridapalli
“O avanço tecnológico no campo das comunicações torna indispensável e urgente que a escola integre esta nova linguagem audiovisual que é a linguagem dos alunos - sob pena de perder o contato com as novas gerações” (Maria Luiza Belloni)
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A
A foto do vitral da página anterior é da belíssima Sainte-Chapelle, localizada em Paris e construída no século XIII, por Luís IX - depois, São Luís. Trata-se de uma capela de dois andares. Isso mesmo; existe uma capela sobre a outra e ao conjunto se deu o nome de Sainte-Chapelle, que, numa tradução literal, é Santa Capela. Esse é apenas um exemplo dos inúmeros vitrais espalhados pelo mundo e pelo tempo, e que tiveram seu apogeu na Europa e durante a Idade Média. Fascinante. Visitar um lugar desses mais de sete séculos depois de edificado é um maravilhamento para os olhos. E, se os olhos forem mesmo a janela da alma...
Essa louca mistura entre arte e religiosidade, entretanto, não se dava apenas por motivos estéticos. Os vitrais tiveram, na maioria dos casos, uma função na sociedade para a qual foram idealizados e construídos. Não havia, como hoje há, a noção de que a arte deveria ser livre de funções pedagógicas. Com um forte controle da Igreja, os vitrais serviram para fins didáticos e tinham - de forma mais ou menos convencional uma estrutura narrativa, geralmente a serviço de histórias bíblicas. Sim, as Bíblias existiam, mas quem as poderia ler? Uma multidão de analfabetos constituía a grande parte dos povos medievais. Com pregações em latim e com a palavra inacessível, qual seria um meio eficaz de levar a público o que a Igreja julgava interessante para o espírito dos pobres pecadores? Mais do que capricho, mais do que a utilização em si dos murais, eles contribuíram, com sua função pedagógica, para a educação religiosa de uma população sem acesso à linguagem escrita por parte de quem controlava os conteúdos julgados apropriados. As edificações góticas, com suas torres apontadas virtualmente para o infinito, bem como as igrejas barrocas e seus virtuosismos rebuscados e tamanhos descomunais, fazem do homem um ser apequenado perante a grandeza e beleza de algo infinitamente maior do que ele. Pergunta: faz sentido querer saber se, ao entrarmos em uma dessas igrejas, o que nos arrebata é a forma ou o conteúdo delas?
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Os conteúdos, com suas narrativas bíblicas ou suas torres pontiagudas ou seus anjos rebuscados, são a sua própria forma. E funcionam como meios de fazer algo chegar até alguém; se, de um lado, como no exemplo, vemos a Igreja querendo dizer algo a alguém, ela se utiliza de meios com forma e conteúdo em um pacote único e indissociável - para chegar a esse alguém. Utiliza-se, portanto, de recursos mediatos, e não imediatos, já que há algo - no nosso caso, vitrais e edificações - servindo de interface que traduz o interesse de um grupo para outro grupo. Se interface é, segundo o Dicionário de Comunicação de Barbosa & Rabaça, a "união física e geralmente também lógica entre dois sistemas que não poderiam ser conectados diretamente", esses me parecem bons exemplos do que queremos dizer. A história das religiões é um prato cheio de exemplos para mostrar aquilo que Marshall McLuhan, em parceria com Quentin Fiore, vai falar em 1967, na obra The medium is the message. É claro, porém, que o espectador é mais do que espectador, já que ele não apenas recebe (à tabula rasa) a intenção do meio. Ele interage com ela e lhe empresta significados. Porque se a linguagem funcionasse linearmente, e em sentido único, todos entenderiam a suposta Mensagem da mesma forma. E ninguém teria morrido na fogueira ou carnavalizado os dogmas eclesiásticos... A seguir por esse raciocínio, chegamos à conclusão de que mídia é algo que conjuga forma e conteúdo e que remonta aos tempos de antanho na História da humanidade. Poder-se-ia dizer até aos tempos da Pré-História, já que mídia é qualquer interface que se interponha entre duas ou mais instâncias da comunicação, com o objetivo, em tese, de facilitar o contato que seria difícil de acontecer de forma imediata. O mediato pode, em muitos casos, ser um facilitador de contatos na impossibilidade ou dificuldade de a comunicação se dar de forma imediata. Não podemos ter nosso articulista preferido do jornal diretamente na nossa casa o tempo todo. Mas queremos lê-lo. Para isso, existe uma mídia (ou o jornal impresso, ou o rádio, ou a TV, ou o jornal do site de notícias etc) que dá condições e facili-
ta esse acesso. Não consigo viajar com os alunos para o espaço para mostrar a eles a configuração do planeta; para isso preciso de um mapa em escala no papel ou preciso visitar com ele algum site do tipo Google Earth. São meios. O que acontece atualmente é que a tecnologia, da maneira como a conhecemos, tem ajudado a aprimorar as mídias de acesso à comunicação e à informação, criando e disponibilizando meios que facilitam o contato entre o usuário dessas tecnologias e os recursos de que elas dispõem. Pode-se sobrevoar o planeta, fazer transações financeiras, assistir a vídeos do mundo todo, ouvir música de todos os cantos, conversar com pessoas, mandar mensagens, transportar arquivos, ler desde trabalhos acadêmicos até a vida das "celebridades" da novela. Maravilha, não? Falando assim, até parece que a tecnologia resolve tudo. Com ela, porém, vêm os problemas de (in)segurança na rede, crimes virtuais, pornografia para quem quiser ver, redes de pedofilia e de tráfico de pessoas, de influências e de drogas, apenas para citar alguns dos problemas mais pesados. Da mesma forma que não é verdade que toda a leitura faz bem, só pelo fato de ser leitura, também a tecnologia, por si mesma, não representa a redenção da humanidade; nem tampouco sua ruína. O que determina, então, a boa leitura ou o bom aproveitamento da tecnologia (por favor, vamos tolerar a não discussão, aqui, do que é que seja "boa leitura" ou "bom aproveitamento da tecnologia")? Fechados os parênteses, volta a pergunta: se o objeto livro, por si só, não é bom nem ruim; se a tecnologia/mídia, por si só, não é boa nem ruim, do que depende o desequilíbrio dessas balanças, para que pendam para o lado da "boa" comunicação, criativa, solidária, crítica? É óbvio: depende das pessoas. Depende da boa formação e informação das pessoas. Pensando em uma instituição de ensino, quem forma e informa as pessoas? Pessoas bem formadas e informadas... e por aí vai... O humanismo continua sendo a chave para abrir as portas da liberdade, do respeito, da solidariedade, sejam estas portas imediatas ou mediatas.
Depois de um rápido passeio por vitrais da Idade Média, por igrejas góticas e barrocas, eis que aqui estamos, passageiros dessa primeira metade de século XXI. "Tanto a recusa quanto a apologia da técnica significam uma omissão do humanismo frente ao pensamento tecnicista" (Bernard Blandin)
Em muitos casos, uma informação que se enquadra dentro do que chamamos de senso comum, costuma ser imediatamente posta de lado, por ser considerada uma verdade menor, ou simplesmente algo que todos já sabem. No entanto, pode-se muitas vezes partir desse senso comum, ressignificá-lo e trazê-lo para nosso contexto mais imediato. Quer ver um exemplo de senso comum, algo que todo mundo já ouviu? "As tecnologias invadiram o mundo contemporâneo e a escola precisa encontrar formas de integrá-las de modo significativo" Pois bem. Por ser um clichê, um chavão, uma afirmação como essa aí de cima corre o risco de ir se desgastando até o ponto de não nos dizer mais nada. Ocorre uma letargia devido à overdose causada por uma afirmação como essa, que nos martela a todo o instante e amortece o sentido do que diz. Embora seja uma frase feita, precisamos concordar com ela; mas, em vez de concordarmos e deixá-la de lado, é necessário investigá-la, desdobrá-la e descobrir modos que possam nos fazer, de fato, pensar sobre mídia e tecnologia e experimentar estratégias de uso que colaborem para o aperfeiçoamento do processo de ensinoaprendizagem. Mídia e tecnologia são ferramentas utilíssimas para tecermos conhecimento na escola e elas podem ser usadas como ferramentas, mas também como próprio objeto de estudo. Um exemplo: utilizo uma filmadora para a realização de um documentário, certo? Evidentemente, a produção de um documentário mobiliza o estudo do assunto a ser retratado, além de uma equipe responsável por diversas etapas de produção do vídeo. A utilização de uma filmadora será um instrumento, uma ferramenta para que o documentário migre do mundo das ideias para o mundo físico, com a forma desejada (do-
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cumentário). Porém, nesse meio tempo da produção do vídeo, alunos experimentam enquadramentos, cortes (edição e montagem), escolhas de imagens, trilha sonora etc, e descobrirão que determinadas escolhas de enquadramento, utilização de um close-up, posição da câmera, escolha de uma ou outra trilha, tudo isso altera de forma radical a história que se quer contar. Nesse exemplo, embora simples e simplista, podemos perceber o uso da mídia tecnológica como uma ferramenta para produzir um material desejado (e, assim como um martelo, é preciso dominar determinadas técnicas, sob o risco de acertar o dedo ou não conseguir imagens adequadas para contar a história desejada). Mas, ao saber que há inúmeras formas de contar uma mesma história, os alunos passam a perceber mais do que botões para serem acionados, e sim ideologias que podem ser expressas de acordo com áudios e imagens escolhidas. Assim, uma filmadora e um programa de edição passam a ser também objetos de estudo, tanto técnicos quanto conceituais e reflexivos. São poderosas armas de contar histórias. Isso possibilita maior criticidade, por exemplo, quando assistimos aos telejornais diários, às pobrezas teledramatúrgicas da nossa TV, entre outras produções audiovisuais. Outro casamento, além desse entre mídia/ tecnologia como ferramenta e como objeto de estudo, também precisa ser celebrado para que a frase feita possa ser de fato algo vivo e presente em nossas práticas: ele diz respeito à união entre material adequado e educadores preparados para a utilização desses materiais. Não se pode cobrar de cada um dos educadores conhecimentos profundos de Teorias da Comunicação, por exemplo. Mas, como educador, conhecer características da contemporaneidade, como a velocidade da informação, o conhecimento como algo que nunca é neutro e está sempre servindo a interesses determinados, a utilização de ferramentas como computador e internet, são tarefas simples e inerentes ao trabalho. Assim como a leitura é atividade inerente ao trabalho de todo o professor, seja ele de qual disciplina for, a contemporaneidade impõe - e se ainda não impõe, vai impor logo, logo - o uso das Tecnologias da Informação e da Comu-
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nicação (TIC) como atividade igualmente fundamental a educadores de qualquer área. Para finalizar, gostaria de citar o professor Pedro Demo, em palestra intitulada "Os desafios da linguagem do século XXI para a aprendizagem na escola" (disponível em http:// www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/escola/ modules/noticias/article.php?storyid=316). Ele diz: "não acho que devemos abraçar isso de qualquer maneira, é preciso ter espírito crítico - mas não tem como ficar distante. A tecnologia vai se implantar aqui 'conosco ou sem nosco'". (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)
Nilton Cezar Tridapalli é formado em Letras (UFPR), especialista em Leitura de Múltiplas Linguagens (PUCPR) e mestre em Estudos Literários (UFPR). No Colégio Medianeira, é co-editor da Revista Mediação e coordenador de Midiaeducação. (http://midiaeducacao.wordpress.com)
O QUE É MÍDIA-EDUCAÇÃO MARIA LUIZA BELLONI Autores Associados Coletânea de textos baseados em pesquisas sobre duas vertentes do tema mídia-educação: de um lado, os públicos jovens, as formas como as novas gerações se apropriam das técnicas de informação e comunicação; de outro lado, os modos como a instituição escolar e especialmente os professores vão se apropriando destes instrumentos e os integrando (ou não) ao cotidiano da escola.
de
Por Fabiana Hitomi Ono Ishiruji
Os problemas climáticos causados por gases de efeito estufa já são conhecidos há décadas. Numa linguagem atraente e descomplicada, saiba como o sequestro de carbono começa a se mostrar uma solução possível para a mitigação do problema.
N
Nos últimos anos, o desenvolvimento humano e tecnológico promoveu um aumento considerável na emissão dos chamados GEE (gases de efeito estufa) que culminou no problema ambiental mais discutido e citado do momento: o aquecimento global. Um dos componentes do GEE é o dióxido de carbono (CO2) produzido, principalmente, pela queima de combustíveis fósseis, como a gasolina, o óleo diesel e o carvão mineral. Um dos efeitos mais proeminentes do aquecimento global é o surgimento de uma nova ilha, denominada warming island (ilha do aquecimento), que foi descoberta pelo explorador americano Dennis Schmidt e possui o formato
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de uma mão de três dedos (cf. fig. 1). Esta porção de terra se depreendeu da Groenlândia devido ao derretimento da geleira que a mantinha unida, fato este causado pelas atuais mudanças climáticas. A Groenlândia é a maior ilha do mundo e a segunda maior em concentração de gelo do planeta, perdendo somente para a Antártica. Se os seus 2,5 milhões de quilômetros cúbicos de gelo derretessem, os oceanos aumentariam em sete metros o seu nível. Uma das medidas utilizadas para compensar a emissão de carbono e consequentemente frear o avanço do aquecimento global é o sequestro de carbono (termo criado na Conferência de Kyoto em 1997) que consiste na absorção de grandes volumes de CO2 da atmosfera. A forma mais primitiva e natural de absorção deste gás é realizada pelas florestas. Estudos revelaram que cada hectare de mata verde em crescimento tem a capacidade de absorver aproximadamente de 150 a 200 toneladas de carbono. Esta capacidade de absorção e retenção deve-se ao processo de fotossíntese, em que há a conversão do CO2 em O2. Quando já formadas (as florestas), a captura de carbono cai para níveis insignificantes.
Fotos de satélite mostram o surgimento da ilha do aquecimento causado pelas atuais mudanças climáticas. Fonte: http:// landsat.usgs.gov/images/gallery/90_L.jpg
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Um dos mercados em eminente crescimento é justamente o mercado de carbono. Há prognósticos que indicam que esta será a maior indústria do século XXI. As
grandes corporações, para atenderem as exigências firmadas no Protocolo de Kyoto, estão destinando quantias consideráveis para o desenvolvimento de projetos que unem responsabilidade ambiental e desenvolvimento sustentável. No Paraná, há três projetos em andamento financiados pelas empresas Texaco, General Motor e American Electric Power, que injetaram aproximadamente 18 milhões de dólares em projetos de florestamento e reflorestamento que visam à geração de créditos de carbono para contrabalancear as suas emissões de CO2. Além do armazenamento de carbono pelas florestas (sequestro por biomassa), existem outras possibilidades de retenção, como o sequestro oceânico e o sequestro geológico (cf. fig. 2): pesquisas mostraram que o CO2 gerado em áreas industrializadas ou em usinas termoelétricas (unidades estacionárias) pode ser captado, comprimido e injetado em campos de petróleo maduros (já explorados ou em fase terminal de exploração), em aquíferos salinos (reservatórios de água salobra imprópria para o consumo) ou ainda em camadas de carvão. Dentre os reservatórios elencados, aquele que apresenta a maior capacidade de armazenagem de CO2 é o aquífero salino: especialistas estimam que estes reservatórios possam reter até 10 mil gigatoneladas de carbono. Entretanto, a injeção de CO2 em campos petrolíferos maduros apresenta um forte apelo econômico, pois o gás diminui a viscosidade do óleo promovendo uma maior mobilidade no interior do reservatório, aumentando em 40% a extração do petróleo residual, prolongando a vida útil da reserva. Os principais entraves para a utilização, em larga escala, desta tecnologia são os custos elevados envolvidos na captura e na injeção do CO2 nos reservatórios. Além disso, há uma questão político-estratégica que prima por um olhar mais cuidadoso e criterioso sobre a captura de carbono, pois esta tecnologia pode burlar o compromisso firmado no Protocolo de Kyoto de redução das emissões domésticas deste gás pelos países mais desenvolvidos e industrializados. Dentro desta perspectiva, foi inaugurado, no dia 16 de Outubro de 2007, o primeiro Centro de
Excelência em Pesquisa sobre Armazenagem de Carbono Brasileiro, o CEPAC. Esta é uma iniciativa conjunta entre a Petrobras e a PUC-RS que visa à análise da potencialidade, do risco, capacidade, durabilidade e rentabilidade das atividades de armazenamento geológico de dióxido de carbono. Esta nova consciência ambiental e planetária também forneceu suporte e incentivo para o desenvolvimento de fontes de energia alternativas e mais limpas, como o álcool, biodiesel e células a combustível. É notável que o modo de produção esteja modificando o clima global; entretanto, a atividade econômica - e sua relação com o meio ambiente - também está sendo alterada pelas atuais mudanças climáticas. Para a mitigação do aquecimento global é importante ressaltar que o sequestro de carbono deve ser uma ação conjunta envolvendo investimentos em tecnologias mais eficientes, a substituição de combustíveis fósseis por energias renováveis e uma política ambiental preventiva que vise à sustentabilidade ambiental das atividades humanas, principal agente modificador do clima mundial.
Fabiana Hitomi Ono Ishiruji é bacharel e mestre em Química pela UFPR e laboratorista de Química do Colégio Medianeira.
(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)
SEQUESTRO FLORESTAL DE CARBONO NO BRASIL CHANG MAN YU Editora Annablume Este livro proporciona ao leitor um panorama sobre a atuação e posição do governo brasileiro frente ao mercado e sequestro de carbono.
Para obtenção de maiores informações sobre sequestro de carbono, uma ótima fonte de pesquisa é o site http:// www.pucrs.br/cepac/
DOCUMENTÁRIO:
UMA VERDADE INCONVENIENTE Direção: DAVIS GUGGENHEIM Elenco: AL GORE Este registro cinematográfico foi criado com base nas palestras realizadas pelo ex-vice-presidente dos EUA Al Gore ao redor do mundo alertando sobre as atuais mudanças climáticas e suas consequências. Este filme faturou o Oscar de melhor documentário de 2007 e Al Gore foi laureado, no mesmo ano, com o Prêmio Nobel da Paz pelo seu ativismo sobre as questões climáticas mundiais.
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REFLEXÕES sobre a
LEITURA
Por Juliana Cristina Heleno
'Ler' é um verbo que sempre teve íntima ligação com 'colher' e 'escolher' que, por suas vezes, mantêm contato etimológico com 'cultivo' e 'cultura'. E o professor só poderá mediar a relação entre o texto literário e seu aluno-leitor se souber - como leitor que é - cultivar e ampliar as escolhas interpretativas das leituras.
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E
Existe hoje no Brasil uma preocupação em superar índices de analfabetismo, considerados marcas do atraso do país; basta ver os programas veiculados na mídia o tempo todo. Porém, o que está por trás destes programas na maioria das vezes é a concepção de uma alfabetização que "ensina a ler e escrever". Pouco ainda se percebe de uma concepção, na qual acredito, que pressupõe que letrado é o sujeito que é capaz de exercer práticas sociais de leitura e de escrita e não aquele que sabe codificar e decodificar o alfabeto, na maioria das vezes em práticas escolares. Talvez estejamos sendo benevolentes em dizer que o objetivo é ensinar a ler e escrever, quando muitas vezes, como já era há algumas décadas, é apenas ensinar a escrever o próprio nome. Para que sejam formados os cidadãos letrados, é imprescindível que a escola trabalhe, desde a Educação Infantil, com diferentes gêneros textuais. Ao trabalhar com a diversidade de gêneros, é possível dar ao aluno diferentes possibilidades de prática de leitura e fazê-lo compreender que lemos por diversos motivos, como, por exemplo, para obter informações, para conhecer uma opinião a respeito de um tema, para nos localizarmos, etc. Dentro desta diversidade, me interessa em especial discorrer sobre a leitura da Literatura que será entendida como Arte, que, segundo Paulo Venturelli é "um dos últimos espaços do homem contra a homogeneização do pensamento, a pasteurização da vida, a bovinização do homem colocado num redil em direção a determinadas lanchonetes, como se ali se vendesse a felicidade". (in: Mediação, nº 3, ano 1, p.23). Trabalho então com concepção de letramento literário, que visa promover a formação do leitor - intérprete, capaz de lidar com um discurso que é, normalmente, mais complexo e mais elaborado do que o encontrado nos outros textos veiculados na sociedade.
Sabemos que o acesso à Literatura e às outras formas de expressão artística é ainda muito restrito na sociedade brasileira deste início do século XXI. Por isso, quando o assunto é o trabalho, a difusão do texto literário, a escola (feliz ou infelizmente) ocupa um lugar muito especial, pois uma parcela significativa dos alunos das escolas brasileiras não tem contato com a Literatura fora da escola e muitas vezes, bem sabemos, também não o tem dentro da escola. Importa-nos falar sobre a relação com o texto ficcional porque nela há uma possibilidade de interação entre o leitor e a obra e a possibilidade então de desconstruir a imagem de leitor passivo, aquele que recebe algo pronto e consome. Nesta concepção de leitura, o leitor é um sujeito intencionado, que vai agir sobre o texto, à medida que constrói significados para ele. Segundo Wolfgang Iser, "os textos só adquirem sua realidade ao serem lidos"; esta afirmação dá ao leitor um papel de destaque, pois não há obra sem leitor. Iser defende também que todo texto ficcional traz em sua estrutura um leitor implícito "que não tem existência real; pois ele materializa o conjunto das pré-orientações que um texto ficcional oferece". Isso significa dizer que é possível perceber nos textos ficcionais um leitor que foi pressuposto pelo autor e isto não está muitas vezes explícito nas linhas do texto, mas está nas entrelinhas, nas referências que o texto traz, na intertextualidade que ele apresenta, nas lacunas que ele deixa para o leitor preencher, etc. Quanto mais próximo o leitor real estiver do leitor implícito do texto, mais haverá possibilidade de leitura; por outro lado, quanto mais distante, mais difícil será a penetração no texto. Quando a distância entre o leitor real e o leitor implícito é grande, uma possibilidade de leitura que se constrói é a da leitura mediada. O professor pode e deve, como leitor mais experiente que é, mediar a leitura dos seus alunos. Esta mediação não é algo que se faça apenas com crianças pequenas.
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Mesmo para graduandos ou pós-graduandos, muitas vezes, há a necessidade da interferência do professor. Segundo Marlene Carvalho e Maurício da Silva, "o professor universitário, tanto de graduação quanto de pós-graduação, é responsável pelo desenvolvimento da competência dos alunos em leitura" (in: Ciência Hoje, volume 20, número 119, página 72). Porém, mediar a leitura não significa levar o aluno a compreender o significado do texto, pois, quando falamos de Literatura, o texto não tem um significado, ou seja, não existe uma leitura correta. Existem possibilidades de leitura. O mesmo leitor pode fazer diferentes leituras do mesmo texto, dependendo da época de sua vida em que lê, pois uma leitura está sempre "contaminada" por outras leituras. É o que a Professora Eliana Yunes chama de leitura solidária. O leitor, por mais que esteja lendo sozinho, na verdade está acompanhado dos autores e das obras que já leu anteriormente. Por outro lado, numa mesma época, diferentes leitores podem atribuir significados diferentes ao mesmo texto. Antes que possa parecer que estou concedendo ao leitor um poder ilimitado de interpretação, é preciso deixar claro que não se pode considerar válida toda e qualquer interpretação. Segundo Vincent Jouve, se "não se pode reduzir a obra a uma única interpretação, existem, entretanto, critérios de validação. O texto permite, com certeza, várias leituras, mas não autoriza qualquer leitura". É no texto que devemos buscar as referências para considerar ou desconsiderar uma possibilidade de leitura, pois segundo Jouve há uma leitura programada pelo texto, que não pode ser desconsiderada por completo. Tratando um pouco mais sobre o tema da interpretação dos textos, vale a pena retornar a Jouve para trabalhar com dois conceitos sobre leitura: leitura hermenêutica e leitura plural. Dissemos há pouco que o texto literário apresenta, por natureza, possibilidades de leitura. Porém, segundo o autor, existem textos que têm uma proposta de leitura hermenêutica, que acaba sendo mais fechada, pois as leituras autorizadas são desdobramentos de uma mesma matriz de interpretação. E existem textos que possuem uma
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proposta de leitura plural, na qual existem camadas diferentes de leitura e que estas são mais ou menos acessadas pelo leitor a depender das suas experiências de leitura, do seu repertório, da mediação que recebe, entre outros. A leitura de textos com propostas plurais é muito importante para a formação do sujeito leitor, pois é uma leitura que desafia, que oferece diversas oportunidades, que amplia os horizontes de quem lê. O conceito de horizonte relacionado à leitura é trabalhado por Hans Robert Jauss. Ele trabalha com o conceito de "horizonte de expectativa" como sendo aquilo que se espera de uma obra a partir daquilo que já foi produzido até então. Quando uma obra se distancia do horizonte de expectativa do público receptor, ela provoca um estranhamento, o que pode resultar numa mudança de horizonte e isso pode mensurar o valor artístico da obra. Os bestsellers, por exemplo, não provocam nenhum tipo de mudança; pelo contrário, repetem uma fórmula conhecida e assim facilitam a leitura. Como já dissemos anteriormente, a Arte cumpre o papel de resistência à homogeneização do pensamento, então não dá para chamar de Arte aquilo que é feito em série e que não desacomoda o leitor. Este incômodo que a boa Literatura provoca é importante para a formação de sujeitos críticos é isso, enfim, que se pretende com a Leitura. A preocupação com a formação de leitores não é uma preocupação estética apenas, não é uma preocupação individual. Trata-se de acreditar que um sujeito leitor consegue levantar os olhos das páginas dos livros ou da tela do cinema para ler o mundo. O leitor que queremos formar é aquele que reflete sobre a sua realidade e que constrói caminhos para a transformação da sociedade. O sujeito que é capaz de lidar com a complexidade de uma boa obra, pode ter mais condição de lidar com a complexidade e com a pluralidade do contexto social. A leitura contribui para que possamos nos libertar de um processo de massificação, que desrespeita individualidades, desrespeita minorias
e que reforça preconceitos. Pretende-se a fuga do senso comum, pretende-se que a leitura afaste o sujeito da intolerância, da ignorância e das certezas, pois um leitor experiente, maduro, é sim um sujeito que duvida e, duvidando, reconstrói sua visão de mundo. É importante deixar claro que não pretendemos afirmar que a Literatura por si só transforma o modo de vida das pessoas; contudo, ela contribui com a formação dos sujeitos, dando possibilidades de agir e de compreender o mundo. Além disso, é uma forma de conhecer, por exemplo, quando o texto explora o passado, outras civilizações ou épocas. Serve como ponto de partida para reflexões a respeito de questões morais que tantas vezes aparecem nas consciências das personagens, serve como espelho da humanidade, graças à imensa diversidade de personagens aos quais recorre. Na Literatura é possível que partilhemos com aqueles que não conhecemos experiências que não vivemos e isto amplia nossa vida, que é por natureza limitada a um espaço muito curto de tempo. Para encerrar, é possível afirmar que compreendo a Literatura como forma de humanização e de construção da subjetividade que se opõe à massificação e ao processo de subjetivação dos sujeitos, que é criado pela cultura de massa, e que coloca o sujeito no lugar de objeto, aquele que está sujeito e não aquele que é sujeito.
Juliana Cristina Heleno é professora desde 1995. Hoje é supervisora pedagógica da Educação Infantil à 4ª série do Ensino Fundamental do Colégio Medianeira; é graduada em Letras (UFPR) e pósgraduanda em Leituras de Múltiplas Linguagens da Comunicação e da Arte (PUCPR), tendo como foco de pesquisa a formação do professor leitor.
A LEITURA VINCENT JOUVE Editora da UNESP A leitura de textos literários é um desafio para a linguística. Análises totalmente subjetivistas, meramente historicistas ou excessivamente estruturalistas não dariam conta da riqueza do complexo e rico fenômeno da leitura. A estética da recepção, ponto de partida deste livro, surge então como alternativa de análise, enfocando a importância do receptor do texto literário e as variadas formas como ele intepreta a obra.
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A HISTÓRIA DA LITERATURA COMO PROVOCAÇÃO À TEORIA LITERÁRIA HANS ROBERT JAUSS REFERÊNCIAS CARVALHO, MARLENE; SILVA, MAURÍCIO DA. Como ensinar a ler a quem já sabe ler. R. Ciência Hoje. v. 20, n. 119, p. 68-72 abril. 1996. ISER, Wofgang. O ato da leitura - uma teoria do efeito estético. São Paulo: Ed.34, 1996, v. 1, p. 72-75. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. JOUVE, VINCENT. A leitura. São Paulo: UNESP, 2002.
Editora Ática A presente obra é um textobase para compreender uma das mais fecundas propostas da moderna teoria literária: a Estética da Recepção.
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Em cena:
o leitor
Por Maria CĂŠlia Martirani
Durante muito tempo, pensou-se que para um livro ganhar vida bastaria um escritor que materializasse ideias. Esquecia-se, porĂŠm, do leitor, esse ente fundamental sem o qual obra nenhuma teria razĂŁo de existir.
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Afinal, quem somos nós ou em quem nos transformamos, diante das páginas de um livro?
Nas diversas abordagens que se desenvolvem em torno da Teoria da Leitura¹, o leitor vem recebendo, talvez hoje, mais do que em outros tempos, especial atenção. Há estudiosos que conferem um poder desmedido às suas mãos, pois sem o receptor e sua infinita capacidade interpretativa, a obra jamais se completaria. Todo ato criador, dirá Sartre em O que é a Literatura?, é apenas um "momento incompleto e abstrato da produção de uma obra: se o escritor existisse sozinho, poderia escrever o quanto quisesse e a obra enquanto objeto jamais viria à luz: só lhe restaria abandonar a pena ou cair no desespero[...]. É o esforço conjugado do autor com o leitor que fará surgir esse objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito²" Não são tão diversos os argumentos da conhecida Teoria da Recepção de Robert Jauss³ e, guardando as devidas medidas e respectivas diferenças, os das chamadas "comunidades interpretativas" de Stanley Fish4 que, em essência, abrem o leque das possibilidades de interpretação. Umberto Eco, entretanto, ao tratar do tema em Seis passeios pelo bosque da ficção, encara o problema sob outro enfoque, valorizando certas marcas inerentes ao texto, como sinais bem definidos, que limitariam leituras demasiado livres, totalmente aleatórias, à vontade do repertório imaginativo de quem lê5. Seja como for, o mais que poderoso e controverso leitor rouba a cena, também em interessantes produções cinematográficas contemporâneas.
É o que acontece, por exemplo, no filme Fahrenheit 451, de Truffaut, baseado na obra homônima do escritor americano Ray Bradbury que conta a história do "bombeiro" Montag, cuja função não será a de apagar o fogo, mas a de ateá-lo, queimando livros de bibliotecas, em uma sociedade no futuro, em que o regime de governo totalitário proíbe a leitura, à maneira dos nazistas. Embora, inicialmente, soldado fiel ao sistema, o protagonista, aos poucos, se deixará seduzir pelo poder dos livros. Passará, então, a ler clandestinamente.
Quando descoberto, se refugia no local onde se encontram os perseguidos que, em atitude de consciente resistência, criam a comunidade dos "livros vivos". Cada um deles tem a missão de memorizar obras literárias, pois, sabendo-as de cor, elas se mantêm, não mais sujeitas à devastação, causada pela ignorância e arbitrariedade do fogo totalitário, marca dos que abominam a cultura em todas as suas formas. Mas o que se quer fazer notar aqui, em particular, é essa espécie de ritual de passagem que Montag precisa cumprir, para se salvar. É, exatamente, quando começa a ler que o autômato alienado, submisso ao sistema, desperta. Melhor dizendo, quando nasce o leitor, naquele que era um mero executor de ordens, nasce a liberdade de pensamento e expressão e, de certa forma, a esperança dos que creem em sociedades mais justas e humanas. Em boa medida, a transformação sofrida por Montag não se distancia daquela sofrida por Gerd Wiesler, o agente exemplar da Stasi - polícia secreta da Alemanha Oriental - do filme A vida dos outros, escrito e dirigido pelo cineasta Florian Henckel Von Donnesmarck, Oscar de melhor filme de Língua Estrangeira de 2007. Neste caso, não se trata de queimar livros, mas de perseguir, a fim de incriminar, o escritor Dreyman, que questiona a ideologia da RDA. O núcleo dramático do filme está na quebra total de expectativas, quanto ao comportamento do frio e calculista agente. Como seria previsível, a partir do momento em que se instalam, na casa do "suspeito" escritor, uma série de aparelhos de escuta e interceptação, Wiesler deveria, em pouco tempo, torturá-lo e prendê-lo, já que a vida desse "outro", contrária ao sistema, precisava ser eliminada. Porém, ao espioná-lo, o espião vai se dando conta do vazio de sua própria vida, da apatia de sua existência, comparada à complexa e plena daquele ser, que vai crescendo, dia-a-dia, diante das imagens que a tela invasiva e secreta do computador revela. Teremos, de um lado, a sensibilidade, a cultura, o amor, os amigos, a dignidade de lutar por uma nobre causa - enfim, uma vida constituída de mil faces, que é a encarnada pelo escritor Dreyman - e, de outro, em vertiginoso contraponto, o abismo do nada, bem representado pelo policial.
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A grande reviravolta se dá a partir do momento em que Wiesel adquire consciência sobre si mesmo, quando passa a ser leitor/espectador da vida de Dreyman. Assim como Montag, que, de saída, sub-repticiamente, vai se deixando enredar pelas tramas do primeiro livro que consegue obter, Wiesler, ao entrar, sigiloso, na casa do suspeito, lhe rouba um livro de poemas de Brecht. O maravilhamento de seus olhos, diante daquelas páginas, é de uma beleza singular. O leitor, então, nasce, em êxtase, nessa metamorfose e, no lugar do carrasco da Stasi, surgirá o homem comovido com a presença do outro, a quem decidirá proteger até as últimas consequências. No recente filme O leitor (2008), dirigido por Stephen Daldry, adaptação da obra homônima de Bernhard Schlink nos anos 50, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o jovem Michael Berg viverá uma intensa história de amor com Hanna Schmitz, uma bela e estranha mulher, que tem o dobro de sua idade. Dentre as possíveis análises do filme, uma das mais destacadas é a que problematiza a culpa alemã, no regime nazista, já que, ao final, Hanna será condenada por ter sido cúmplice ativa, no extermínio dos judeus do holocausto. Mas o que gostaríamos de tratar aqui é da sutileza dos caminhos pelos quais Hanna se tornará uma "leitora". No caso, o leitor oficial, encarnado por seu jovem amante, será o instrumento, agente de transformação da vida daquela mulher analfabeta, cuja sensibilidade faz com que ela passe a depender da leitura que ele leva a cabo, em cada encontro amoroso. Por meio dessa experiência vicária, ao ouvir os textos, também ela, que não está apta a ler, torna-se uma leitora em potencial. A entrega amorosa, assim, se nutre do alimento espiritual (o êxtase inspirado pelo contato com os livros), concretizando-se no plano material, na busca desenfreada dos prazeres do corpo. O impacto dessa troca é tão determinante na vida dos dois que, mesmo depois de totalmente distantes, pelo tempo e circunstâncias do que acontece com cada um, criarão um vínculo que não se romperá jamais. Já na prisão, em que passará todo o resto de sua existência, Hanna receberá de presente - do agora bem sucedido ad-
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vogado Michael - fitas gravadas, em que todos os textos fruídos prazerosamente, em tempos de outrora, renascerão. Dessa forma, injetada de ânimo novo, como se renascesse, ainda que dentro do cárcere, aquela que era atenta ouvinte construirá sua trajetória de leitora, num difícil e perseverante desafio de autoalfabetização. A ouvinte/leitora em potencial se transforma em leitora real, capacitada também à escrita. No contexto mais amplo que aproxima os três filmes, há a denúncia dos sistemas repressores que alienam o homem, embrutecendo-o, extraindo-lhe a capacidade de discernimento. Importa notar que Montag e Wiesel conseguem romper com o que os submetia a agir como meros cumpridores de ordens, arriscando-se e levando a cabo a decisão de se reinventarem. Hanna não consegue escapar concretamente do emaranhado das teias nazistas que a envolvem. Assim como milhares de alemães condenados à época, a certa altura, pergunta ao juiz do tribunal: "- O senhor, em meu lugar, teria agido de outro modo?" Os heróis de Truffaut e Von Donnesmark responderam que sim, que, tal como propugna Hanna Arendt, a consciência da condição que nos faz humanos é a centelha de esperança que consegue reagir à violência dos preconceitos, das discriminações, dos crimes hediondos que continuam a nos assombrar. O melhor de tudo isso, talvez, seja saber que o personagem em cena, eleito por todos, unanimemente, que resiste a qualquer sistema é o leitor, capaz de nascer e se reinventar, a cada obravida-página aberta em que, por ventura, pousarem seus olhos...
Maria Célia Martirani é escritora, autora dos livros de contos Recontando e Para que as árvores não tombem de pé. Pós-graduanda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, da área de Língua e Literatura Italiana, desenvolve sua pesquisa em torno da obra do escritor italiano contemporâneo Alessandro Baricco, a quem entrevistou, em matéria bilíngue PortuguêsItaliano, na matéria publicada pela Travessa dos Editores, na Revista de Literatura e Arte Etcetera n. 9: Alessandro Baricco: à procura do velho narrador que habita em cada um de nós”. É mãe de aluno do Colégio Medianeira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ¹ A respeito das Teorias da Leitura, entre outras, vale lembrar o interessante estudo de Alberto Manguel: Uma história da leitura. Trad: Pedro Maia Soares. São Paulo: Cia das Letras, 1997. ² SARTRE, J.P. Que é a literatura? Trad: Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989, p.37. ³ JAUSS, H.R. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. 4
FISH, S. Como reconhecer um poema ao vê-lo, Palavra, Deptº de Letras da PUC - Rio. N.1. Rio de Janeiro, 1993.
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ECO, U. Seis passeios pelo bosque da ficção. Trad: Hildegard Feist. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
SEIS PASSEIOS PELOS BOSQUES DA FICÇÃO UMBERTO ECO
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Editora Companhia das Letras O que é o texto de ficção? Em que medida ele difere da verdade histórica? E o que ocorre quando o leitor mistura os papéis e considera como reais personagens fictícias ou vice-versa? Estas e outras questões cruciais da arte narrativa são discutidas, por Umberto Eco, nestas seis conferências que realizou em 1993 na Universidade Harvard. De Esopo a Ian Fleming, de Edgar Allan Poe e Nerval aos modernos experimentos de Georges Perec, passando ainda pela Paris de Alexandre Dumas, o noticiário da Guerra das Malvinas, os filmes pornográficos e seus próprios romances, Eco investiga os diversos aspectos da leitura, expandindo nossa percepção não apenas do mundo ficcional, mas também da própria realidade.
FAHRENHEIT 451 - O FILME
FAHRENHEIT 451 - O LIVRO
Dirigido por FRANÇOIS TRUFFAUT
RAY BRADBURY
Num futuro muito próximo os bombeiros locais têm por função queimar todo tipo de material impresso que é considerado como propagador da infelicidade. Até que um dos bombeiros começa a questionar os motivos que fazem com que ele e seus colegas queimem livros e revistas. Dirigido por François Truffaut e com Julie Christie no elenco. Mais uma obra prima, intrigante e maravilhosa. O título Fahrenheit 451 é uma referência à temperatura que os livros são queimados. Convertidos para Celsius esta temperatura equivale a 233 graus.
Imagine uma época em que os livros configurem uma ameaça ao sistema, uma sociedade onde eles são absolutamente proibidos. Para exterminá-los, basta chamar os bombeiros - profissionais que outrora se dedicavam à extinção de incêndios, mas que agora são os responsáveis pela manutenção da ordem, queimando publicações e impedindo que o conhecimento se dissemine. As casas são dotadas de televisores que ocupam paredes inteiras de cômodos, e exibem 'famílias' com as quais se pode dialogar, como se estas fossem de fato reais. Guy Montag, personagem central do romance, desafia o sistema e experimenta a crueldade do sistema repressivo dessa sociedade antilivros.
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A
infância por UM FIO Por Geraldo Vieira de Magalhães
Equilíbrio parece ser palavra-chave quando se fala em educar crianças. Na atual era digital, cabem algumas reflexões acerca das conexões e desconexões entre infância, aparatos tecnológicos e família.
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H
Há algumas décadas, o desenvolvimento infantil tinha as suas fases bem definidas. Sabia-se não ser necessária a aceleração dos processos, de prontidão física e mental. Era tudo à sua hora e ao seu tempo e, consequentemente, natural. As pressões e cobranças, tão comuns na atualidade, não serviam de regras para aqueles que tinham a incumbência de cuidar dos pequeninos, bem como, e principalmente, para eles. Não existiam tantas novidades e facilidades, principalmente as técnicas e científicas, mas existia maior tranquilidade e mais oportunidades para que fossem desenvolvidas a curiosidade e a criatividade, inerentes às crianças.
As brincadeiras eram criadas, inventadas, e praticamente todas colaboravam para que, de alguma forma, o físico, o intelecto e o sentimento de grupo se fizessem presentes, contemplando todo o necessário ao desenvolvimento infantil. Nada fugia à imaginação fértil dos menores, que transformavam uma infinidade de utensílios e materiais nos mais variados tipos de brinquedos. Mas o tempo foi passando, os brinquedos elétricos e à pilha foram sendo descobertos, e passaram a competir com o grupo. A partir daí, o crescente avanço tecnológico e científico não deixaria de ofertar à infância as mais diferentes inovações, em termos de brincadeiras e diversões. O mais moderno, o eletrônico, aos poucos foi ganhando espaço. Descobriu-se que as utilidades do computador não serviam apenas aos adultos, pois poderiam perfeitamente ser estendidas às crianças, oferecendo-lhes o encanto, a fantasia, a dinâmica das cores e do movimento. Vieram os jogos em suas mais diversas versões e, de forma solitária, as crianças ficaram ligadas aos fios de energia que as levavam a um mundo totalmente novo, mais inovador e excitante do que a TV, através do qual puderam interagir. E, aos poucos, a criatividade da equipe foi dando lugar à competitividade solitária, com o quebrar de recordes, com o superar de fases...
Não se podem negar os benefícios trazidos pela informática, despertando a curiosidade, auxiliando a coordenação motora, desenvolvendo a concentração. Não se pode esquecer da importância do computador, mormente na área educacional, facilitando trabalhos escolares e proporcionando, através da internet, mais quantidade e maior velocidade nas pesquisas. Mas, diferente da máquina, sabe-se que a infância é uma preparação, e que essa fase requer todos os cuidados necessários, principalmente os da atenção, afeto, compreensão e diálogo. Ao se atentar para isso, certamente esses equipamentos serão sempre um moderno aliado da criança e não se transformarão em refúgio perante a insatisfação, não serão sua acolhida, em momentos de fuga e nem seus companheiros, na carência afetiva. Devemos, portanto, lembrar não serem poucos os elos que nos unem às crianças, e não esquecer que são muitos os cabos, fios e conectores que podem fazer com que elas se afastem de nós. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br) Geraldo Vieira de Magalhães é psicólogo (CRP 08/06392). gvm.vieira@terra.com.br
A LIGA, RODA, CLICA - ESTUDOS EM MÍDIA, CULTURA E INFÂNCIA MONICA FANTIN Editora Papirus A velocidade das mudanças nos processos e nas tecnologias de comunicação, assim como na subjetividade e na cultura contemporâneas, acarreta desafios tão grandes para quem trabalha com crianças que é freqüente um sentimento de vertigem e desorientação, particularmente entre professores. Este livro leva em conta esse sentimento, reunindo artigos de pesquisadores que há muitos anos investigam possibilidades de crítica e também de construção de alternativas para o campo de cruzamentos entre educação, infância, cultura e comunicação. Entre os temas desenvolvidos estão o papel da memória e das mediações na experiência das crianças com a mídia, a importância da produção cultural infantil nas novas linguagens e a mídia-educação na formação de crianças, jovens e professores. Esses estudos buscam contribuir para uma redefinição das idéias de escola e de cidadania, e para uma ação educativa e cultural sintonizada com as necessidades das crianças de hoje.
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FILOSOFIA enquanto
exercício do cotidiano
Por Carlos Renato Moiteiro
Constantemente estamos buscando os porquês dos acontecimentos para entender melhor o mundo e as pessoas que nos cercam. Refletir sobre o mundo vivido é o primeiro passo para superar o óbvio e sair da estreiteza de pensamento. Superar o óbvio, aparente, aliás, não é algo tão fácil como pode parecer.
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V
Você, leitor, já deve ter se deparado com problemas, no mínimo, semelhantes a esse que a tira de Calvin e Haroldo, do cartunista estadunidense Bill Watterson, nos apresenta. Situações como essa são frequentes em nosso "cotidiano moral": volta e meia vemo-nos incitados a dar respostas sobre como devemos agir ou proceder em ocasiões complicadas ou desafiadoras. Um exemplo concreto: é lícito aceitar favores de um funcionário público conhecido, considerando que centenas de pessoas esperam naquele exato momento em uma fila imensa para serem atendidos? Ou ainda: meu amigo de trabalho agiu de forma errada diante de um fato, sem que outras pessoas além de mim soubessem, e isso trouxe consequências sérias para outro colega mais tarde; devo denunciá-lo, agindo em respeito ao colega afetado e à minha própria consciência, ou preservar a amizade de longos anos não o denunciando?
ção (leia-se aí o uso político das descobertas científicas e a relação inseparável entre saber e poder, já que aqueles que detêm o conhecimento acabam exercendo controle sobre aqueles que não têm acesso ao mesmo), e, por fim, do alcance direto dessas relações entre e verdade e poder sobre nossa visão de mundo acerca do Estado, dos governos, das sociedades ocidentais e dos sujeitos sociais que nela estão inseridos. Ou seja, não há como pensar a ética científica sem pensar as ciências como um todo - suas raízes epistemológicas (quer dizer, a noção de "verdade" que fundamenta os conteúdos científicos) e suas consequências no campo da cultura, da Antropologia e da Filosofia Política.
Todas essas perguntas fazem parte de um campo bem delimitado da Filosofia, que todos reconhecemos bem, em graus variáveis de compreensão, que é o campo da Ética. Observamos com exaustão os problemas que afetam a vida política no Brasil, e frases como "é preciso recuperar a ética" ou "o país precisa combater a corrupção" ressoam com constância nas nossas rodas de conversa. Todavia, pouco falamos sobre os pequenos atos de corrupção que permeiam a sociedade em geral. Debater sobre a eticidade de nossas ações é tão importante quanto discutir sobre os rumos do aquecimento global - temas que, aliás, de forma alguma estão desconectados.
Dessa forma, é correto afirmar que a Filosofia está no cotidiano de nossas ações. Constantemente estamos buscando as razões e os porquês dos acontecimentos para entender melhor o mundo e as pessoas que nos cercam. Refletir sobre o mundo vivido - aquilo que os pensadores alemães chamaram de Lebenswelt, literalmente, o "mundo da vida" - é o primeiro passo para superar o óbvio e sair da estreiteza de pensamento que muitas vezes determinam (no sentido mais "domesticador" da palavra determinação) as nossas opiniões e préjuízos. Superar o óbvio, aliás, não é algo tão fácil como pode parecer; como bem-humoradamente nos lembra o pensador brasileiro Roberto Gomes, autor de Crítica da Razão Tupiniquim, a Filosofia pode muito bem ser descrita como a "tentativa, penso, de enxergar um palmo diante do nariz - o que não é tão fácil nem tão inútil quanto muitos pensam. Afinal, o peixe é quem menos sabe da água" (GOMES, 1990, p. 15).
Mas é preciso lembrar que a Ética não é o único assunto possível de atualização no cotidiano dentro do vasto campo da Filosofia: a reflexão ética acerca dos alcances da ciência contemporânea não pode estar desligada do debate sobre o que vem a ser essa tal verdade que as ciências procuram, das relações de poder que essa busca por uma verdade científica definitiva e absoluta acaba instaurando no interior da sociedade do conhecimento e da informa-
Todavia, não basta somente dar vida a uma reflexão para se tornar um filósofo. A despeito da opinião de muitos pensadores que afirmam ser suficiente uma pessoa perguntar-se sobre a origem e a essência das coisas para que seja considerada um filósofo, parece-nos claro que a atividade filosófica exige um certo aguçar da vista, uma tal crítica que transforme nossas simples impressões em ideias, e as ideias em argumentos; ou, nas palavras de Roger-Pol Droit (2005, pp. 24-25):
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Podemos dizer isso de outra forma: ideias todo o mundo tem. Cada um tem suas opiniões, suas crenças, suas convicções. Elas podem dizer respeito à política, à religião, à moral, à justiça, à arte... Esse conjunto de opiniões e crenças que cada um de nós possui não é de fato filosofia. A filosofia começa, como atividade de reflexão, quando nos perguntamos: "De todos esses pensamentos que tenho na cabeça, quais são verdadeiros? Quero saber, vou tentar examiná-los!" [...]. Portanto, é uma atividade específica. Repito, ela não consiste apenas no fato de pensar. Pode-se pensar de muitos jeitos diferentes [...]. O que chamo de estilo dos pensamentos filosóficos, seu "jeito de ser" se você preferir, é se examinar, se interrogar para saber se eles são verdadeiros ou falsos, ou até, mais simplesmente, para saber sobre o que exatamente eles falam. É isso que os torna especiais.
E mesmo que o discurso filosófico contemporâneo nos pareça extremamente hermético (fechado), ou estruturado numa linguagem pouco compreensível, é preciso ressaltar que as coisas nem sempre foram assim na história da Filosofia. Na antiguidade, por exemplo, e até os primeiros séculos do cristianismo, a Filosofia estava totalmente imersa num modo de ser e fazer específicos, que determinavam as diferentes escolas filosóficas: não se tratava apenas da formulação de teorias e dogmas; antes, tratavase de viver filosoficamente. O "viver filosófico" supera as simples inscrições numa determinada escola filosófica ou corrente específica de pensamento. Para compreender melhor, é como dizer que, na época dos gregos e no período imediatamente posterior ao domínio de Alexandre, o Grande, a partir do século III a.C., não poderíamos simplesmente ser platônicos, aristotélicos ou estoicos apenas repetindo os ensinamentos e teorias de Platão, Aristóteles ou dos Estoicos em geral; ao contrário, dizia-se do platônico, do aristotélico ou do estoico que eles viviam conforme os ensinamentos e teorias de cada um de
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seus mestres. A atitude filosófica, portanto, está intimamente relacionada - ao menos para os antigos - a uma atitude e a um posicionamento perante o mundo e a existência. Hoje, a Filosofia tomou ares de um saber sistematizado e estruturado, com suas próprias indagações, seu vocabulário específico e sua forma de dizer o mesmo a partir de várias percepções - em suma, as diferentes correntes filosóficas existentes após a morte dos grandes sistemas (o último foi apresentado pelo filósofo alemão Hegel, no século XIX). Mesmo assim, e devemos recordar aqui o mito do Labirinto do Minotauro, ela nunca pode se esquecer de que é seu dever recuperar o liame, o frágil fio de lã, que nos une à realidade que construímos a partir dos inúmeros e infindáveis labirintos e muros que a linguagem (aquilo que falamos que as coisas são) interpõe entre nós e a essência das coisas (aquilo que elas são de fato). Nossa realidade merece um pouco mais de nossa atenção e reflexão, não parece? Pois é nessa realidade que somos, isto é, que conduzimos a nossa existência. Somos os agentes da construção da realidade em que vivemos; a responsabilidade, portanto, de fazer com que esse liame que nos une à realidade não se perca é de nós mesmos. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)
Carlos Renato Moiteiro é professor de Filosofia e Sociologia do Colégio Medianeira. Graduado em Filosofia pela PUCPR, atualmente cursa o Mestrado em Filosofia também pela PUCPR e a graduação em Farmácia pela UFPR, desenvolvendo pesquisa sobre as relações entre a ética antiga e seus resgates contemporâneos, bem como na área de Bioética. Faz parte da RedBioética da Unesco como ex-aluno e atua na articulação arquidiocesana da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) em Curitiba. Página na web: www.blogdonatao.blogspot.com
CRÍTICA DA RAZÃO TUPINIQUIM ROBERTO GOMES Editora FTD Em Crítica da Razão Tupiniquim, o filósofo Roberto Gomes ataca ostensivamente a falta de personalidade e originalidade da Filosofia brasileira, que se mantém ao longo dos tempos atrelada a modelos de seriedade estrangeiros, fato que reflete não mais do que a dependência cultural que há muito nos acompanha e nos coloca diante daquele complexo de vira-lata do brasileiro, já antes mencionado por Nelson Rodrigues que, entre outras coisas, percebia o brasileiro como um Narciso às avessas.
A FILOSOFIA EXPLICADA À MINHA FILHA ROGER-POL DROIT. Editora Martins Fontes, 2005 Filosofia é uma palavra que costuma meter medo. Imaginamos perguntas terrivelmente complicadas, um vocabulário enigmático, livros dos quais não se entende nem o título. Não seria uma atividade para todo mundo. Engana-se quem acredita nisso, pois todo mundo se indaga sobre o sentido da vida, sobre a morte, a justiça, a liberdade... Todos são capazes de refletir, raciocinar, organizar suas idéias. Aliás, para filosofar não é preciso mais nada, só perguntas e método. A filosofia não é um quebra-cabeça, mas uma atividade que se pode praticar como a música ou o esporte - como principiante, amador ou profissional. O essencial é começar bem...
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Relativismo cultural e o filme
QUEM QUER SER UM
MILIONÁRIO Filme vencedor do Oscar 2009 surpreende ao se afastar da visão pacífica e imaculada da Índia
Por André Tezza
Reconhecer a diversidade cultural trouxe vários benefícios para a contemporaneidade. No entanto, em seu nome, é a barbárie quem muitas vezes corre solta, mostrando sob o escudo da diversidade sua face mais pérfida e contrária a princípios básicos de direitos humanos e de emancipação individual e coletiva. 40
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Há uma compreensível relutância no ocidente contemporâneo - ou pelo menos para a parte mais intelectualizada do ocidente contemporâneo - em criticar ou subjugar outras culturas. Afinal de contas, europeus e seus descendentes insuflaram a demais povos uma longa e impressionante história de extermínio, sob o pretexto de trazer civilização e superioridade cultural. No mea-culpa do nosso tempo, no bem-vindo discurso antropológico que busca a tolerância, não é de bom tom afirmar que outros povos e outras culturas possam ser atrasados ou inferiores - são diferentes, apresentam outros valores, a comparação é indevida e até imoral. Mas talvez, por conta de certo fundamentalismo relativista e por conta de algumas novidades perversas no âmbito da violência, este argumento não tenha mais o mesmo fôlego que apresentou entre o pós-guerra e o final do século XX. Duas hipóteses de declínio: de um lado, os vícios do excesso - o relativismo cultural a qualquer preço é negar qualquer possibilidade de progresso; por outro lado, as manchetes inevitáveis do presente, a dificuldade de se respeitarem culturas que são decididamente contrárias a qualquer diálogo - depois do 11 de setembro, citando um raciocínio perspicaz de Umberto Eco, ficou impossível tolerar tudo aquilo que ameaça a tolerância. Sobre a primeira hipótese de declínio do relativismo, convém historiar o que aconteceu com a ideia de progresso. Afinal de contas, é a impossibilidade de progresso que, em vários sentidos, fundamenta o relativismo cultural. Depois do fracasso do sonho iluminista - a razão, até o momento, não nos libertou da exploração do homem pelo homem -, o discurso inflamado em defesa do progresso enfraqueceu. E, hoje, diante da catástrofe ecológica, há obstáculos colossais para se defender alguma superioridade do presente sobre o passado. Sem a ideia de progresso, não há como hierarquizar valores, não há como contabilizar verdades sobre o desenvolvimento humano: este é um agente inequívoco para o sucesso e a força
do relativismo cultural, que parte do pressuposto que as verdades humanas não ascendem, mas variam conforme o tempo e a geografia social. Entretanto, há um grande perigo aqui: não acreditar em nenhuma possibilidade de progresso é atestar que somos incapazes de qualquer desenvolvimento. Por decorrência, se somos incapazes, qualquer luta para a transformação será inútil - é uma excelente maneira de se sustentar uma visão comodista e arquiconservadora de mundo. Ora, não há progresso, mesmo que simplesmente pontual, em um povo que abandona o regime de escravidão? Se não há progresso, então é uma situação indiferente e podemos defender a escravidão? Não há progresso em uma cultura que abandona a intolerância e admite a diferença? Não há progresso em um povo que promove justiça e desenvolvimento social? Não há progresso entre os povos que dão voz e oportunidades igualitárias para as mulheres? E eis que começam os problemas do relativismo, pois admitir o progresso, mesmo que pontual, é admitir uma régua entre o pior e o melhor, entre o avançado e o atrasado. Mas há mais problemas. O relativismo cultural, historicamente, talvez por decorrência da ressaca das forças que promoveram a destruição em nome de superioridade racional, busca a redenção das minorias e ao mesmo tempo a crítica sistemática das hegemonias - como se fosse lícito estabelecer alguma moral simplesmente pela oposição minoria/hegemonia, num maniqueísmo simplista entre favorecidos e desfavorecidos. Em outras palavras, o relativismo apresenta alguns paradoxos indefensáveis: o mesmo argumento que não tem dúvidas em condenar os problemas das potências econômicas, como o racismo nos Estados Unidos ou o antigo apartheid inglês na África do Sul, apresenta razões multiculturais e respeito à diferença para defender a burka das mulheres afegãs ou o sistema de castas da Índia. Não é de se admirar que mulheres independentes e politizadas, nascidas e criadas no fundamentalismo muçulmano, ao se refugiarem para o ocidente se espantam e
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se indignam com o relativismo cultural que sustenta maleabilidade àquilo que é aceitável para elas, é inadmissível favorecer o assombroso e universal machismo dos países orientais sob o argumento de diversidade da verdade. Moral da história: sim, provavelmente o relativismo não tem mais a mesma força de antes. Mas isto significa o anúncio do seu fim? Torçamos para que não. Naturalmente, não devemos abandonar o pacote completo das prerrogativas do relativismo cultural - não é possível fundar a verdade única e racional sobre todos os aspectos daquilo que deve ser a cultura humana aceitável. Mas é forçoso reconhecer os limites do conceito e apontar os claros equívocos que ele pode eventualmente amparar e disseminar. Em outras palavras: não é, no extremo oposto, a defesa do belicismo à la Bush para justificar o bombardeio de países contrários a um projeto racional de civilização, mas sim a defesa da diplomacia à la Obama para criticar os povos que, conforme a definição do presidente, estão no lado errado da história. Um eventual observador mais crítico poderia afirmar que os próprios norteamericanos estão no lado errado da história, mas, subjetivismo à parte, é salutar imaginarmos uma régua mínima da cultura humana aceitável. E é dentro deste espírito que o filme Quem quer ser um milionário, do diretor inglês Danny Boyle, apresenta uma nova visão da Índia. Desta vez, finalmente, não estamos mais diante do imaginário de uma Índia imaculada e sábia a que nos acostumamos. Desta vez, finalmente, não é a visão do relativismo romântico que prevaleceu, mas a investigação crua do terrível drama político-religioso da segunda maior população do mundo. De certo modo, não é totalmente uma novidade cinematográfica: Passagem parta a Índia (1984), filme de David Lean que também alcançou notoriedade de público e chegou a concorrer a 11 Oscars, já anunciava os problemas inevitáveis de duas visões de mundos distintas e, em certa medida, opostas. Mas o filme de Lean era infinitamente mais sutil - muito longe de uma provocação. Quem quer ser
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um milionário, ao contrário, já diz a que veio pelo título (inclusive no título original inglês Slumdog millionaire): sim, diferentemente do que certa mística relativista propagou, há muitos indianos que desejam ser milionários e estão longe de realizar uma busca abnegada, livre dos prazeres terrenos, supostamente superior aos valores ocidentais. O filme também não mostra uma Índia pobre, porém pacífica e nobre. Ora, a Índia não é um país pacífico: só no conflito na região da Caxemira, na fronteira com o Paquistão, morreram mais indianos do que em todo o período de domínio colonial inglês. Detalhe importante: a Caxemira não é exclusivamente uma disputa militar, de dois Estados lutando por um espaço geográfico, mas também um conflito civil, de origem religiosa. O programa nuclear da Índia, motivado pela defesa contra o Paquistão, tem apoio de mais de 80% dos pacíficos indianos. A narrativa de Boyle (que não parte de um delírio inglês, mas da adaptação do romance Q&A, do indiano Vikas Swarup), ainda que não trate da Caxemira, revela como a relação com os muçulmanos é violentíssima, bem como explicita que a pobreza indiana não é plácida como o imaginário ocidental se acostumou a representar. Finalmente, aquilo que mais choca no filme: a extensão da pobreza. Um importante crítico brasileiro afirmou que o filme "força a mão e transforma a Índia em esgoto a céu aberto". É provável que o crítico não conheça a Índia: quem a conhece (estive na Índia em 1998), ao contrário, entende que forçar a mão é jamais ter tido a sensatez de mostrar a Índia como um esgoto a céu aberto. Vários jornalistas brasileiros e ingleses apontaram semelhanças, na estética da pobreza, entre Cidade de Deus e Quem quer ser um milionário. Como se sabe, os filmes não foram bem recebidos por parte da população indiana e brasileira porque supostamente apresentam uma visão distorcida da realidade - é um mal disfarçado nacionalismo, um discurso facilmente reconhecível: a arte deveria apresentar o melhor de cada país e não as barbáries particulares. Ora, deste modo não seria arte, mas publicidade. A arte, ao contrário, é bem mais incômoda e é bom que seja assim. Certa-
mente, para o progresso dos direitos civis norte-americanos, o cinema foi um recurso relevante, que, sem medo de propagandear o lado negativo do país, escancarou, por exemplo, os horrores do racismo. Corajoso ao investigar a barbárie indiana, talvez justamente porque dirigido por um inglês ciente das sequelas da coroa britânica na terra de Ghandi, o filme de Boyle apresenta a pobreza sem o álibi da religião. Este sempre foi um recurso para justificar a terrível miséria da Índia e, mais do que isto, o sistema de castas: acreditar num mundo sobrenatural, além das questões carnais, faz da vida na terra uma nobre provação fatalista. Mas, para todos aqueles que ou não acreditam no sobrenatural ou acreditam no livre-arbítrio (e não em uma clara determinação religiosa que proíbe a ascensão social), a pobreza é algo a se combater. É nesta condição que está o personagem principal de Quem quer ser um milionário. Jamal Malik, assim como boa parte da população urbana da Índia, não vê problemas na ascensão social e, mais do que isto, na supremacia das escolhas individuais sobre a tradição - algo crucial para os valores ocidentais desde o início da modernidade. E, nesta perspectiva, a pobreza amparada pelo hinduísmo é a barbárie e o atraso.
Por Thadeu Guaraciaba de Aquino
Uma perspectiva de cultura humana digna pode ser algo tolerante às diferenças, mas não algo tolerante à perpetuação da exploração do homem pelo homem. O filósofo Luc Ferry viveu duas interessantes histórias pessoais a respeito daquilo que podemos entender como defesa de uma cultura digna. Na primeira, a lei que tornou Ferry conhecido mundialmente: foi ele o polêmico Ministro da Educação da França que proibiu o véu das estudantes muçulmanas nas escolas públicas francesas. Na argumentação dele, ao contrário daqueles que o interpretaram como um déspota da diversidade religiosa, a ação previa a libertação das mulheres. Para quem desejar conhecer bons argumentos a favor do posicionamento de Ferry, vale a pena conferir ou os quadrinhos ou o desenho animado Persépolis (indicado para o Oscar de melhor animação em 2008), da iraniana radicada na França Marjane Satrapi. Na segunda, talvez um caminho menos polêmico para a régua mínima do que é a cultura humana digna. Durante os anos 90, Ferry foi convidado para palestrar sobre diversidade cultural com universitários argelinos. O clima era o pior possível, pois, como sabemos, a Argélia é uma recente ex-colônia francesa e para aqueles estudantes havia a predisposição combativa de uma geração muçulmana que não queria saber de supostas verdades da razão iluminista francesa. A estratégia de Ferry foi argumentar que podemos, sim, defender valores universais de dignidade e de verdade. E explicitou algo que agradou a plateia: ora, a álgebra é uma grande contribuição árabe à civilização, uma perspectiva racio-
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nal de entendimento de mundo, universalmente aceita. Ainda que muito mais difícil, seria possível, também por uma perspectiva racional, apontar condições mínimas de dignidade humana? Ferry apostou (e no relato dele, que está no livro A sabedoria dos modernos, a plateia aprovou) que a França talvez tenha contribuído para isto: defendeu a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada no seio da Revolução Francesa e que serviu de base para a Declaração dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948. É um caminho no horizonte. E uma esperança.
André Tezza é coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo e mestrando em filosofia da Universidade Federal do Paraná.
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A SABEDORIA DOS MODERNOS
PERSÉPOLIS. 2007
ANDRÉ COMTESPONVILLE E LUC FERRY
FILME DIRIGIDO POR VINCENT PARONNAUD E MARJANE SATRAPI
Editora Martins Fontes Em formato de seminário, abordando 10 grandes temas contemporâneos da filosofia (entre eles: política, arte, educação e mídia), o livro apresenta as ideias de dois expoentes da nova geração francesa de filósofos: André Comte-Sponville e Luc Ferry. Parte do charme do livro está nas diferenças conceituais dos autores, que quase nunca conseguem chegar a um consenso. Para cada tema do livro, há um pequeno artigo de cada filósofo e a transcrição de um debate sobre o assunto, em que participam, além dos autores, pensadores importantes do cenário intelectual da França. Em várias partes da obra, os temas verdade e relativismo cultural estão presentes.
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Baseado em fatos biográficos de Marjane Satrapi, Persépolis é um olhar feminino sobre a história da revolução que transformou o Irã em uma república teocrática. O filme é a adaptação de um quadrinho autobiográfico, também de Satrapi (conforme imagem abaixo).
: A V A P U T I , s a s o i c n e l i úmidas e s
S A R D E P que contam história
me o Carlos Reh Por Francisc
rva, a cada u c a d a c a m a . ltura convers pelo caminho s o Natureza e cu d a lh a p s e aços de telha a sonora das h il pedra ou ped tr a e õ p m o dos rios co E o burburinh pava. Trilhas do Itu 45
“Aos queridos amigos Geovany Roch e Mário Aparecido da Silva, que seguem desvendando os mistérios das florestas e colhendo as pedras dos córregos para forjar nos jardins celestiais as suas trilhas do Itupava”
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Parecia uma estufa. Uma sauna úmida. Na maior parte do ano é assim que se comporta a atmosfera nas entranhas da Floresta Atlântica. Em janeiro então... Uma macrofotografia flagraria o suor que brotava de meu couro cabeludo (verdade seja dita: o meu couro um dia já foi cabeludo) e que deslizava refrigerando a face e a nuca. O instantâneo revelaria três ou quatro córregos inventando seus vales entre as ondulações da face. A hidrografia do suor. Completávamos cerca de cinco horas de caminhada desde que abandonamos os últimos vestígios urbanos. Para trás ficaram Quatro Barras e a vila da Borda do Campo, onde orgulhosamente uma placa revela que ali começa (o que sobrou d) o antigo caminho colonial do Itupava. A ponte recém-construída com toras de eucalipto sobre o Rio São João já se avistava e o rio se anunciava com o seu inconfundível idioma. Os rios, pelo mundo afora, também têm diferentes línguas. Os rios indianos, místicos e lânguidos pela vastidão das planícies entoam mantras. Os da Bacia do Congo, na África Central, zabumbam nas inúmeras corredeiras em inconfundíveis batuques. De modo que os nossos, que descem das serras e se divertem aos pulinhos entre as pedras, têm um jeito de falar que é próprio deles. Uma delícia de sotaque cantadinho, o burburinhês, muito bem falado pelo São João, pelo Ipiranga, pelo Nhundiaquara e pelos outros da mesma região. E foi ali, a poucos passos da ponte, que alguma coisa roubou a atenção, até então reservada às escorregadias pedras da trilha. Um caco de telha. Mais adiante outro, e mais outro... Dezenas por um raio de cerca de cinco metros. Pela quantidade e pela disposição que compunham, não havia dúvida: estávamos diante do que restou de um local coberto por telhas do tipo colonial, daquelas moldadas na coxa. Se o cansaço era indisfarçável, pronto, aí estava mais uma boa razão para uma paradinha. Quem sabia alguma coisa foi logo contando: — Isso aqui é um vestígio de um antigo re-
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gistro, uma espécie de posto fiscal na beira da "estrada". Contabilizava-se a carga e se cobrava uma taxa sobre ela... — Espera aí, já li, não me lembro aonde, que havia estalagens, espécies de pousadas para os que se aventuravam a percorrer a "estrada"... — Uma "estrada" ? — É. Lá pelos anos 1700, o Caminho do Itupava era a mais movimentada "estrada" que ligava o litoral a Curitiba. Uma trilha calçada com grandes pedras tirada do leito dos rios. — E quanto à carga... de quê? — O que mais se transportava era a ervamate. O mate, depois de processado, era colocado em barricas amarradas ao lombo de dezenas de mulas. A tropa de mulas era conduzida por um ou mais tropeiros, que seguiam em cavalos. Eles partiam de Curitiba, em cujos arredores se localizava a maioria dos engenhos. A viagem começava lá onde hoje é o Passeio Público. — É... Lá perto do Passeio e da Reitoria tem a rua Itupava... — Pois é, essa rua era parte inicial do caminho. — E o fim da linha era... — Em Porto de Cima, pertinho de Morretes. Se não houvesse nenhum contratempo, picada de cobra, ataque de onça, chuvarada, podia-se chegar ao Porto de Cima em dois dias. — Dois dias! Hoje em uma hora a gente sai de Curitiba e já está sentado numa mesa esperando chegar um barreado num restaurante de Morretes. — E ali fica esperando por mais uma hora... — Bem, mas voltando para o "nosso" registro aqui na beira do São João... A economia do Paraná, ou melhor, dessa comarca da Capitania de São Paulo, pois que naquela época a ela pertencíamos, fluía por esse caminho. — Por esse e por outros... Pois ouvi alguma coisa que havia outras trilhas...
— Isso. Por um bom tempo o Itupava foi o mais usado. Era mais curto, chegava-se mais rápido. O Caminho da Graciosa também partia de Curitiba, cruzava a Serra da Graciosa e chegava a Antonina. Os políticos e comerciantes de Morretes e Antonina criaram até uma rivalidade em torno do uso desses caminhos para transporte do mate. Havia ainda o Caminho do Arraial, o da Cachoeira, o dos Ambrósios... E todos eles se encontrando na região de Curitiba e dos Campos Gerais. E o mais incrível de tudo: ali esses caminhos se encontravam com a grande via da América antes de Colombo, o longo caminho indígena do Peabiru que ligava os Andes ao Atlântico. Do Peru, território inca, ao litoral paulista, praia dos tupis.
uma regeneração de forças, nossa dosagem de motivação para seguir em frente. Na minha cabeça, acho que na dos outros também, tilintava a esperança de achar semienterrada uma ferradura de cavalo, um facão ou uma cuia de tropeiro. Tivéssemos sorte, quem sabe uma ossada de mula que se desastrara pelas íngremes encostas da trilha, ou então, a de alguma pessoa que ao longo do percurso teve seu infortúnio. Afinal, conflitos e motins deveriam ocorrer pelo caminho por onde seguiam desbravadores e garimpeiros, índios livres, outros fugidios e alguns escravizados; colonizadores e imigrantes italianos, escravos afro-brasileiros, jesuítas, cristãos novos, recém-convertidos, outros nem tanto.
— Uma rede de caminhos antes dos europeus! E atravessando a América do Sul do Pacífico ao Atlântico!
Para quem teima e mete na sua cabeça a ideia de atravessar seus vinte e tantos quilômetros desde a Borda do Campo à vila de Porto de Cima, o Itupava parece interminável. Incólume, ele vai ficando para trás, de arrasto, a cada passo que se avança... Mas há sempre uma nova curva e outra e ainda outra até que se aviste a praça jamais tão aconchegante do Porto de Cima, com a igrejinha e, ao fundo, coroando esse cenário deslumbrante, a Serra do Marumbi. Querer mais o quê?
— Esse é um dos grandes segredos do Itupava: ele é um caminho milenar! Quem sabe tão ou mais antigo que a famosa Via Ápia, do Império Romano. Golpeados diante da longevidade da trilha, seguimos num breve e respeitoso silêncio. Singela e espontânea homenagem ao currículo do Itupava. Antes de seguir pela trilha, mergulhamos nas eternamente geladas águas do São João. Naquele calor, o banho era puramente
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Francisco Carlos Rehme (o Chicho) é geógrafo, professor de Geografia de 5ª. série do Ensino Fundamental e da 3a. série do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Especialista em Geografia Física - análise ambiental pela UFPR e em Currículo e Pratica Educativa (PUC-Rio). É também mestre em Geografia, dentro da linha de pesquisa "Dinâmica das Paisagens" (UFPR).
Site http:// / ontanha.com itupava.altam
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PREFAÇÃO Um pouco de Filosofia, algum diletantismo, muito senso de humor, criatividade e culinária: junte tudo isso e acompanhe a nova seção de crônicas de Mediação, feitas por Marcelo Weber, que nos convida para um banquete de ideias e comida.
Por Marcelo Weber Certa vez sonhei que tinha sido selecionado para trabalhar de auxiliar de cozinha no Paraíso. Tinha ido parar lá por engano. Entre a horta e a granja ficava a cozinha. Sua chaminé, semelhante à de uma olaria, era uma enorme torre circular de tijolo com muitos metros de diâmetro. No interior deste cone colossal, pendiam defumando milhares de salames, linguiças, paios, alheiras, salsichas, morcilhas, chouriços, enfim, todo tipo de embutidos, e mais costelinhas, presuntos pernis marrecos e frangos. Ao meio dia o sol entrava direito pela boca dessa chaminé, iluminando o seu interior num espetáculo esfumaçado e gótico de lebres escaldadas, coelhos e raposas desossados, carcaças destrinchadas de javalis catetos e veados dourados balouçavam entre fieiras de salmões escalonados. Tubarões, atuns, garoupas chernes, melros de bocas abertas engoliam fumaça. Pavões perus, perdizes e sabiás, garças e papagaios, pombas, rolas, maçaricos curicacas, depenados e pendurados pelos pés como morcegos quando dormem. Quatro crocodilos crucificados secavam suspensos em varas cruzadas. Ao redor, pelas paredes de cima abaixo, uma espiral concêntrica de ferro sustentava, oscilantes, centenas de milhares de rãs temperadas e codornas cheias de ervas. E finalmente, sobre duas grelhas paralelas como um mosaico cambiante de luz prateada, vibravam milhões de sardinhas acabadas de chegar. Pelo centro de baixo ao alto subia uma escada de ferro por onde se arrumava e resgatava o que quer que se fosse preparar aos ágapes celestiais. O velho cozinheiro estava cego e cansado de cozinhar e decidira me ensinar tudo que sabia daquela arte.
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Homero em sua cegueira ditou a sua Odisseia, Jeová ditou a Torah a Moisés no monte Sinai. Zarathustra transcreveu as revelações de Ahura-mazda no livro Zend-Avesta. Confúcio compilou os King, livro sagrado dos chineses. Mahomet consignou no Al-Korão as revelações de Allah. E para não se estender muito em religiões reveladas, o divino cozinheiro, meu mestre, ditou-me o seu livro de receitas. Subíamos ao alto da chaminé e sentados no bordo com os pés balouçando no vazio eu anotava os mandamentos da panela, os princípios do cozido e do assado, os conselhos e astúcias de quem cozinhava para a corte celeste. Como não preciso guardar segredos com que me distinguir dos outros, pois não sou maçom não tendo, portanto, ambições de Câmara ou Senado, ou qualquer aspiração política -, posso revelar aos simples mortais como eu e você estes ritos de passagem da cozinha à mesa de jantar... Afinal, o mestre está pronto quando o discípulo está pronto. Ou o mestre aparece quando o discípulo aparece... Estava sentado com meu mestre e percebi no relevo de sua testa que alguma preocupação turvava sua paz interior. E perguntei o que se passava em seu espírito naquele momento. Ele me disse depois de muito ponderar em silêncio: "Sabe, dileto filho, temo que o desperdício que geralmente acompanha a riqueza, o fausto e o luxo desmedidos penetrem nesta casa e que em breve ninguém mais lembre o suor e sacrifício que representa uma espiga de milho, um pezinho de porco defumado, uma farofa de moelas, uns ovos moles de Aveiro..." "Mestre, porque não começamos nós a mostrar o valor dos alimentos, hoje mesmo, reaproveitando o que sobrou de ontem? - perguntei com reverência, e emendei nova pergunta com voz carregada de pesar: Nada há que se fazer com tanto arroz cozido que irá certamente para os pombos? Ao ouvir isto, seu rosto iluminou-se de felicidade e ele inesperadamente me abraçou
emocionado, dizendo: Rapaz, você é um atento anjo da guarda das panelas, tua constante presença de espírito te faz eleito, você é um eletrodo que galvaniza minha memória: Arroz de ontem, que grande lembrança você evocou de meu passado!!! E acrescentou, exortando-me: Vai, toma nota do relato que vai seguir, toma nota da receita de bolinho de arroz: E eu, empunhando a pena com atenção, transcrevi o que ouvia:
Bolinhos de arroz — Há muito tempo, fiz parte de um grupo de estudos genéricos. Buscava a lógica em tudo que fosse absurdo e encontrava razão nas coisas desprovidas de sentido. Estudávamos qualquer nome estranho e incompreensível que nos parecesse digno de ser estudado. Epistemologia, psicanálise, semiótica, Wittgenstein, Adan Shaft, linguística, Hurssel, fenomenologia. Parecia-nos que atrás destas palavras quase impronunciáveis existia um segredo, a chave da porta que nos separava do conhecimento, da sabedoria. Porém, Deus, que é infinito em sua misericórdia, não suportando mais ver aquela perda de tempo, nos deu a luz necessária para que a gente parasse com aquela coisa toda. Esta luz nos foi revelada na forma original de deliciosos bolinhos de arroz. Vou contar as circunstâncias em que esta revelação se deu. Naquele dia fatídico, a questão em que chegamos era a seguinte: determinar por que Napoleão era um gênio para uns e um idiota para outros. Eu defendia baseado nos sólidos argumentos que os dados estatísticos fornecem que ele era um gênio para os idiotas e um idiota para os gênios. Outros, fundamentados em testes vocacionais e teorias de síndromes e complexos, defendiam o contrário. Outros sugeriam ainda que ele fosse bipolar, ou seja: ora idiota, ora gênio. De qualquer modo, sempre que reinava a indeterminação, nós ficávamos sem conclusões e sem lanche da tarde. Cansados, então resolve-
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mos parar e refazer as forças mastigando e bebendo. Mas nossa anfitriã voltou inconsolável da cozinha lamentando muito o não ter mais que um ovo para nós quatro e um punhado de arroz velho e umas vagens verdes para nos oferecer. Ficamos todos em silêncio, governados pela mais pura ignorância do que fazer. Havia na casa uma moça contratada para fazer a limpeza e que nós julgávamos sofrer de profunda alienação mental, visto o silêncio em que vivia, e o desinteresse pelos nossos assuntos, dos quais ainda, percebemos, ela ria balançando a cabeça. Pois bem, estávamos nós desanimados, como eu disse, quando aquela moça entrou na sala trazendo uma travessa cheia dos mais deliciosos, cheirosos e transcendentais bolinhos de arroz. Diante da nossa perplexa ignorância e do aspecto de milagre com que os bolinhos vieram revestidos, deduzimos que a gastronomia era uma ciência oculta misteriosa e mágica. E isto despertou de imediato nosso interesse pelo estudo da culinária e do espiritismo. Este último ramo, porém, abandonamos por conselho da própria moça, que nos mostrou ser não só desnecessário, mas também desaconselhável, para fritar bolinhos de arroz. Diante da lucidez destes argumentos, desistimos de estudar espiritismo e centramos nosso interesse na gastronomia. Eis a receita que ela nos deu, marcando assim a nossa aula inaugural:
Bolinhos de Arroz Para três copos de arroz de ontem:
Numa travessa em que caiba tudo, bata os ovos, acrescente o arroz e tudo mais. A mistura deve formar uma massa onde o arroz fique "pegável" com duas colheres de sopa, uma contra a outra. Faça bolinhos uniformes. Frite em azeite quente pelo tempo do Hino Nacional. Pode usar outros matos: brócolis, couve-flor, talos de couve ou beterrabas, pimentão, milho verde ervilhas; porém, no mais clássico bolinho de arroz, encontramos para alegria e deleite a vagem verde. A combinação é suprema, a vagem integrase no todo da massa, harmoniza-se em cor e sabor e está tão própria em seu lugar como as laranjas na natureza morta de Cézanne, ou o vermelho do sangue no Fuzilamento do Goya. Do mesmo modo que amarelo misturado ao azul produz o verde, arroz misturado a vagem produz o bolinho de arroz. Seja como for, a verdade é que a combinação opera milagres na educação infantil, de maneira que não há orientação pedagógica nem método de ensino que rivalize com a força de persuasão que os bolinhos exercem sobre as crianças. De 100 crianças ranhetas que insistem em não comer verdes, todas as 100 comeram vagem no bolinho de arroz e repetiram até a exaustão e hoje são jovens estudantes determinados, educados, com personalidade marcante e futuro profissional promissor; alguns já se casaram, outros se ordenaram capuchinhos, mas todos comem bolinhos de arroz com vagem. O ministério da Educação deveria constituir uma comissão para avaliar a competência pedagógica e a força moral deste bocado.
- Dois ovos - Uns raminhos de salsinha e cebolinha - Algumas vagens cozidas no vapor e picadas - Três colheres de sopa cheias com farinha - 1/2 xícara pequena de leite - Uma colherinha de fermento Royal - Sal q.b. Pode ornamentar o paladar com um pouco de queijo ralado.
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Marcelo Weber é artista no seu sentido mais amplo, renascentista. Ex-aluno do Medianeira e agora pai de aluna, é autor do Mural do Conhecimento, obra em azulejo em exposição na entrada principal do Colégio.
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