Revista Mediação - Número 14

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ISSN 1808-2564

revista de educação editada e produzida pelo colégio medianeira

Diretor Pe. Rui Körbes, S.J. Vice-diretor

CRÔNICA

Olhos que sobem ao céu e estrelas que caem

Prof. Adalberto Fávero Coordenador Administrativo e Financeiro Gilberto Vizini Vieira Coord. Comunitário e de Esporte Prof. Francisco Alexandre Faigle

Francisco Carlos Rehme ...............................................................................................................

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O melhor presente Geraldo Vieira de Magalhães ...................................................................................................... 8

Coordenação Editorial Nilton Cezar Tridapalli Luciana Nogueira Nascimento (MTB 2927/82v)

É tudo culpa do Altair! Leandro Guimarães ...................................................................................................................... 10

Revisão Nilton Cezar Tridapalli Projeto Gráfico e Diagramação Sonia Oleskovicz Ilustrações Jessica Candal Ulisses Candal Sonia Oleskovicz (tratamento e edição)

A experiência transmidiática Vinícius Soares Pinto .................................................................................................................. 13

Novas expectativas em Tempos de Paz ou por um humanismo sempre em xeque Carlos Renato Moiteiro .................................................................................................................

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Colaboraram nesta edição Adilson Felício Feiler, SJ, Ana Paula Ferreira da Luz, Carlos Renato Moiteiro, Claudio Adriano Piechnik, Elenir Almeida Santos, Francisco Carlos Rehme, Geraldo Vieira de Magalhães, Guilherme Dal Moro, Leandro Guimarães, Mábile Borsatto, Marcelo Weber, Maria Célia Martirani, Patrícia Meyer, Rita Waldrigues e Vinícius Soares Pinto.

Como Albert se tornou Einstein Guilherme Dal Moro .................................................................................................................... 19

Meu lixo, teu lixo, nosso lixo, lixo deles Cláudio Adriano Piechnik ........................................................................................................... 24

Tiragem 3000 exemplares Papel Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo) Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa) Número de Páginas 52

EQUIPE PEDAGÓGICA Educação Infantil e Ensino

A idade do lixo Elenir Almeida Santos ................................................................................................................ 28

O jornal educa? Patrícia Meyer ................................................................................................................................

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Nietzsche e a meditatio generis futuri Adilson Felicio Feiler, SJ ........................................................................................................... 36

Fundamental de 1ª à 4ª séries Coordenadora Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries

O leite da pedra Maria Célia Martirani ................................................................................................................... 39

Coordenadora Profª Eliane Dzierwa Zaionc Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries Coordenadora

Educação Artística crítica como desconstrução Ana Paula Ferreira da Luz ............................................................................................................ 42

Profª Roberta Uceda Ensino Médio Coordenador Prof. Marcelo Pastre Coordenador de Pastoral Pe. Guido Valli, S.J. Coordenador de Midiaeducação Nilton Cezar Tridapalli

É tudo novo de novo. A dança do leva e traz Mábile Borsatto ............................................................................................................................. 45

CRÔNICA

Almôndegas Marcelo Weber ...............................................................................................................................

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Assessoria de Comunicação e Marketing Luciana Nogueira Nascimento Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

Linha Verde • Av. José Richa, 10546 Prado Velho • Curitiba • Paraná fone 41 3218-8000/ fax 41 3218-8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

CRÔNICA

O atraso Rita Waldrigues ..............................................................................................................................

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Lixo: seus léxicos e seus nexos Alguns assuntos vêm aparecendo constantemente na pauta das discussões contemporâneas. O lixo é um deles. E, de tanto aparecer, às vezes pode nos dar a impressão de que já sabemos tudo. Mas, assim como apenas ler as manchetes do jornal não nos garante a informação e o conhecimento, também é importante uma leitura mais detida sobre esse tema que é despejado e reciclado a todo instante nas páginas, nas telas, nas ondas. É que são muitas as nuances. Do comportamento individual à ação - ou inação - das grandes corporações, ou seja, da micro à macropolítica, a reflexão acerca dos rastros residuais que deixamos pelo mundo afora se torna uma questão de importância gigantesca dentro da consciência planetária que buscamos. Ao falar de resíduos, ou lixo mesmo, podemos pensar em lixo cultural (existe?), em lixo eletrônico, em lixo orgânico, reciclável, pessoas tratadas como lixo (resíduo, sobra sem serventia....) etc. Quando falamos de conhecimento em rede, percebemos que também as questões ligadas aos problemas ambientais não são ilhas, mas entrecruzamentos de fatos interligados. É por isso que o consumo das reluzentes vitrines, embora não aparente, pode ter relação com a sujeira do rio, escondido, obscuro, mal cheiroso... Também a tecnologia, com sua vertiginosa - e, vamos e venhamos, fascinante - corrida de aperfeiçoamentos ininterruptos, tornando as pessoas felizes e sorridentes com novos brinquedinhos diários, pode ter relação com a intoxicação de crianças nigerianas... Por tudo isso, achamos importante dar destaque ao tema do lixo nesta edição da Revista Mediação. O que podemos fazer individual e coletivamente? Acreditamos que a discussão exaustiva do assunto seja um começo necessário. Mas, como você já está acostumado a ler aqui, Mediação sempre fala de assuntos variados. As formas como a tecnologia muda o comportamento de crianças e jovens e suas implicações no jeito como a escola se relaciona com isso é um tema que mais uma vez marca presença aqui. Do campo das artes, uma reflexão sobre Artes Plásticas e Dança, numa busca de inovações na forma de ensinar e na própria linguagem artística. Inovações, no entanto, jamais desvinculadas do diálogo com elaborações teóricas e práticas anteriores - é bom que se diga.

Um gênio, mesmo gênio, ainda é humano. Na trilha de eventos tão catastróficos quanto grandiosos, saiba mais sobre Albert Einstein, esse sujeito que modificou radicalmente a forma de compreendermos o universo. Três belas crônicas também são destaque desse décimo quarto número da revista: temos uma cronista apaixonada por ensinar, um cozinheiro que explica solenemente a importância das almôndegas na história da humanidade e um caçador de estrelas cadentes, sempre à espreita, pronto para surpreendê-las. O cinema aparece com dois artigos falando da vida por meio de filmes: "O leite de pedra", apresentando o lírico filme italiano Nuovo Mondo e "Novas expectativas em Tempos de Paz ou Por um humanismo sempre em xeque", comentando a produção nacional Tempos de paz, mote para uma reflexão sobre iluminismo, civilização e barbárie. Parece que foi hoje que Nietzsche escreveu sobre a educação escolar. Comprove isso ao ler o artigo de Adilson Felício Feiler, SJ. Apenas levar o jornal para a sala de aula garante criticidade ou algum diferencial didático? Saiba como o jornal pode e deve fazer parte das estratégias metodológicas e o que ele tem a oferecer tanto para ganhos pedagógicos quanto democráticos ("O jornal educa?"). Por fim, comportamento familiar, nas palavras do psicólogo Geraldo Vieira de Magalhães, que fala da presença dos pais como o melhor presente para seus filhos. Esperamos sempre ansiosos pelo contato de nossos leitores. Não deixe de escrever e de compartilhar suas impressões sobre nossa revista. Você pode fazer isso escrevendo para mediacao@colegiomedianeira.g12.br. Outra opção para trocar ideias conosco é visitando nosso site (www.colegiomedianeira.g12.br) e nosso blog, que diariamente traz reflexões, debates, sugestões de eventos, vídeos, etc (http://midiaeducacao.wordpress.com). Aliás, a revista Mediação agora está também online. Basta acessar nosso blog! Formas de contato não faltam. Vamos conversando.

Nilton Cezar Tridapalli

mediacao@colegiomedianeira.g12.br 4


Por Francisco Carlos Rehme

Longe de ser uma desafinação no concerto do céu, a passagem de um meteoro é mais um acorde elétrico um allegro de rock'n'roll em meio aos sons de violinos e cellos ou o absolutamente inusitado algo encontrável, quem sabe, num disco dos mutantes

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Eram mais de nove horas e o fuso no campo me parece adiantado em umas duas horas. Anoitece mais cedo na área rural de Rio Negro, a noite se delonga e ela mesma se desdobra entre um dedo a mais de prosa e uns muitos goles sorvidos de mate. Escolhemos um descampado para olhar - eu e meus filhotes - para o céu espirrado de estrelas. Via Láctea esparramada, deitada no divã, cabeça suavemente descansada sobre travesseiros de nebulosas. O natal se aproximava e sempre achei que as Plêiades lembram um pequeno pinheirinho com lâmpadas pisca-pisca. Pois, eis que apontava para esse agrupamento de jovens estrelas taurinas, dizendo aos pequenos que elas são conhecidas como as Sete Cabritinhas, quando vimos passar uma estrela cadente. Para as crianças tremenda surpresa: Uau! tem estrela arisca que foge, sai correndo! Para mim, foi bem mais que apenas ver outra estrela cadente. É que, de repente, me acenderam as lembranças das imagens de dezenas de meteoros que vi, sobretudo entre os dezesseis e os vinte e poucos, quando olhava - e vivia - mais para o céu do que para o chão em que caminhava. O céu parecia que brincava de estátua comigo. Ah... quantas vezes ganhei, pois quando ele não aguentava mais uma coceirinha, pronto! Extravasava a noite num riso estourado, meio disfarçado, é verdade. Ou seja: lá vinha escorregando, veloz, a estrela cadente... Vitória dos meus olhos que quase não se deixavam piscar para poder surpreender esse deslize do firmamento. Firmamento? Firmamento que nada: Afrouxamento... Então, se armava um curto circuito entre meus olhos, o coração e o cérebro. Descargas de alta voltagem, sinapses endoidecidas que me disparavam uma taquicardia... E, no ritmo acelerado das sístoles e diástoles, acho que via até o que não era possível ou, quem sabe, o que não era permitido aos demais mortais. Via nada, absor(via) aquele momento tão íntimo e, diga-se de PASSAGEM, nesse espetáculo da estrela cadente tudo é tão passageiro, tão es-

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petacular - do meteoroide, que é quando ele é incinerado na atmosfera. Divinos fogos de artifício! Ou seriam fogos de artifício divinos? Enquanto meus olhos fotograficamente flagravam o furtivo show, um nó me apertava a garganta. A gravata apertada não me deixava gritar aos outros "Olha: a estrela cadente!" O ar subitamente me faltava, como se tivessem me golpeado na boca do estômago, uma mistura de sensações: insegurança, fascínio, fragilidade... uma coisa, cuja fusão é apenas a sensação de se (vi)ver a passagem da estrela cadente. Talvez porque, no rastro de sua inflamada visita pelos nossos ares, está a dolorosa compreensão da finitude de tudo. Da minha finitude, por mais que me achasse imortal naqueles adolescentes idos, na finitude da vida na Terra - que outras estrelas cadentes, meio crescidinhas, já a andaram regulando -, na finitude do cosmos. Pois teve aquela estrela cadente que eu vi, quando estava no mar. Era no Mar de Fora, lá na Praia de Encantadas, na doce Ilha do Mel. Ela sobreviveu alguns segundos, descendo quase perpendicularmente à linha do horizonte, e descia como quem alertasse "sai de baixo!!!" E aí, quando ela parecia que ia mergulhar no veludoso, negro e prateado oceano, ela se partiu em duas. E as duas, cada qual foi


para um canto, entre elas um ângulo de uns sessenta graus, deram seu último suspiro que é quando elas subitamente parecem brilhar mais - e aí se apagaram. Isso tudo a poucos milímetros do horizonte, ao menos para os meus olhos e de quem mais viu. Alguém mais viu? Por pouco não sai aquele vapor do mar, que é quando algo incandescente beija a água. Mas que naquela noite farelos, cinzas da estrela cadente pousaram e repousaram em algum lugar, ah... isso aconteceu. Pela direção, foi sobre a África... Tem umas estrelas cadentes que passam "horizontalmente" sobre nós - na realidade, descrevendo uma curva tangencial, superficial ao planeta, descrevendo uma parábo... - basta, às favas os geômetras! - essas não deviam se chamar "estrelas cadentes"... Afinal, não parecem cair, apenas passar. São as estrelas viajantes! Outro dia - melhor seria dizer "outra noite" -, estava em minha casa, que era a dos meus pais e dos quatro irmãos, na Hugo Simas, deitado de costas sobre a calçada, como tantas outras noites. Olho para cima, mas não fixando um ponto, relaxando as pupilas, seguindo uma metodologia de autoria própria para caçar estrelas cadentes. É como aquele paciente pescador que não precisa pregar a vista na boia para perceber que alguém, no caso um peixe, está engatado no anzol. Ele sente o puxão e, quase simultaneamente, o confirma ao verificar o remexer da boia. Pois senti que algo me chamava; na verdade, berrava, esbranquiçado e brilhante que era contrastando com a noite de lua nova. Despontava no horizonte e parecia decolar. "Nossa, uma estrela levante!" - devo ter pensado, quando virei o rosto para aquele lado e distingui o meteoro. Era um bólido. Daqueles que dava para chamar quem estivesse próximo e nem apontar precisaria, todos veriam. Toda a família, porém, estava dentro de casa. Enquanto passavam-se quatro, cinco, seis segundos, a estrela - cadente ou o que quer que fosse, de branco passava a avermelhada. Cada vez mais vermelha, encarnada, sangue no carpete negro da noite. Passou sobre o meu corpo que, ao contrário do astro celeste, jazia estático como nunca estivera. Foi aí que, ainda

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hoje, duas décadas depois, juro ter ouvido o bólido chiar. Tssssss... exatamente o som de algo que passa, rasgando o ar, ardendo em chamas. Como as setas incandescentes daqueles filmes sobre as guerras medievais que sempre duravam cem anos (as guerras e às vezes os filmes também!). A tocha, depois de lançada pelo arqueiro a oeste, cruzou a abóbada celeste que eu podia vislumbrar e afogou-se no horizonte oriental, enrubescida, mais furiosa do que envergonhada. Confesso que esperei por um rápido clarão, vindo de uma explosão lá do seu sumidouro. Mas ele não veio. Pensando bem... ainda bem! Houve outras também fantásticas, como aquela que se insinuou por detrás de um fino nevoeiro que vestia o anoitecer curitibano. Mas, muitas das lembranças já me passam escorregadias e não as consigo segurar. Pensamentos fugazes, meteóricos. Quanto à estrela cadente de ontem, com o perdão da redundância, ela foi - e se foi - muito rápida. Não chegou a um segundo. Tão logo o céu a cuspiu, ele mesmo a tomou de volta. Saiu por uma janela, entrou por outra, no instantâneo acender e apagar de uma lâmpada no velho sobrado celeste. Minha mulher me pediu: "Rápido, faça um pedido!" Fiz, não tão rápido, mas fiz. Não sei se valeu: a estrela já tinha desaparecido no céu. Da minha memória, não.

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Francisco Carlos Rehme (o Chicho) é geógrafo, professor da 6ª série do Ensino Fundamental e da 3a. série do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Especialista em Geografia Física - análise ambiental, pela UFPR, em Currículo e Pratica Educativa (PUC-Rio) e mestre em Geografia pela UFPR.

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O melhor

PRESENTE Por Geraldo Vieira de Magalhães

Quando o melhor presente é a presença...

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As necessidades, cobranças e pressões dos dias atuais acarretam, via de regra, encontros mais espaçados e desencontros mais constantes. O cadenciado estudo básico e sequencial passa a concorrer com os mais variados tipos de cursos. Os já tradicionais requerem outros, em paralelo, suplementares ou complementares. A profissão, imprescindível, necessita da especialização, e esta requer aperfeiçoamento constante. O trabalho, fator de subsistência, exige maior conhecimento, e tem de recorrer a complementos diversos.

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E a concorrência exige tempo, que se dilui, no daqui pra ali, no ali pra lá, de lá para acolá e, quem sabe, de acolá para outra necessidade. São as exigências do mercado... Profissional capacitado, possibilidades mais elevadas. Melhor salário almejado, maior o esforço a ser despendido. Pessoa mais escolarizada, melhores chances oportunizadas. É a concorrência pela abertura do próprio espaço. É a necessidade de novas chances de crescimento profissional e pessoal, de novas funções ou cargos. É a necessidade de mais conhecimento e melhor aperfeiçoamento. E tudo isso, ao ser alcançado, proporciona mais estabilidade, mais segurança e confiança, mais satisfação... Inserida nesse contexto, a família moderna se esforça pela manutenção do conquistado ou pelo alcance de determinado padrão. E na busca desses objetivos, uma subjetividade é esquecida. Uma subjetividade que não entende muito a ausência, a distância... É a subjetividade infantil, dos filhos... Que podem ganhar grande variedade de brinquedos, roupas, calçados e outras utilidades, mas que não se equivalem, no entanto, ao melhor presente: a presença dos pais... É a creche para alguns, a babá para outros. São atividades as mais diversas, que lhes são proporcionadas com o intuito de preencher o tempo, para acelerar a preparação e familiarizá-los com a competitividade... E, assim, tudo pode ser ofertado e acrescido às crianças, amenizando-lhes o afastamento; porém nada substitui os exemplos, a referência, os valores legados pelos pais... É certo que progresso, prosperidade, ascensão são aspirações do adulto, pensando também nos filhos. Mas que essas aspirações não impeçam os pais de se lembrar da festinha na escola, da brincadeira espontânea, da pergunta que não quer ficar sem resposta. Não podem ainda se esquecer do momento da historinha, do tempo de brincar juntos,

pois a hora dedicada à criança no presente será uma herança inesgotável, com a qual os filhos muito se beneficiarão ao longo da vida. Criança quer e necessita de atenção, de ser ouvida e entendida. Precisa de carinho, diálogo e compreensão, como também de regras e limites, tão necessários ao seu desenvolvimento. E a presença, tanto materna quanto paterna, é fundamental para lhes orientar e proporcionar confiança no porvir, já que o melhor futuro é alicerçado e construído com o melhor presente, e o melhor presente para as crianças é a tão importante, e insubstituível, companhia dos pais. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br) Geraldo Vieira de Magalhães é psicólogo (CRP 08/06392). gvm.vieira@terra.com.br

GRANDES AMIGOS - PAIS E FILHOS CARMEN LÚCIA CAMPOS E NÍLSON JOAQUIM DA SILVA (ORGS.) Editora Panda Books AO livro 'Grandes Amigos - Pais e Filhos', organizado por Carmen Lucia Campos e Nilson Joaquim da Silva, reúne famosos nomes da literatura brasileira que relembram aqui episódios de suas vidas que mostram como é mágica essa ligação. São vinte textos em que jornalistas, escritores, esportistas e educadores abrem as portas de suas memórias para falar do sentimento maior que os une a quem lhes deu a vida ou àqueles que trouxeram novo sentido às suas existências. São histórias de cumplicidade, de alegria e de dor que, certamente, vão mexer com as suas lembranças e emoções mais profundas.

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Por Leandro Guimar達es

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Sim, é culpa dele, o Altair. Ele nasceu em 1974 e seus filhos hoje estão espalhados pelo mundo todo. Provavelmente um deles deve estar em seu quarto agora, ou na sala. Vemos em quase todos os escritórios também. A verdade é que o mundo não "roda" mais sem os computadores. Foi graças ao Altair - que poderia ser chamado de pai do computador pessoal - que o planeta dinamiza as relações entre os indivíduos, rege o mercado financeiro, ajuda nos trabalhos escolares. Enfim, uma gama imensa de atividades está atrelada à computação. Na realidade, o Altair nasceu de uma evolução somente possível por causa do desenvolvimento de um microprocessador chamado 8080, da Intel. Nosso colega tinha apenas 256 bytes de memória - uma piada, menos de 1 KB! Ah, mas vinha com uma placa de expansão para incríveis 4 KB! Era vendido como um kit pela revista Popular Electronics. Em valores atuais, equivaleria a cerca de U$ 4.000,00. Mesmo sendo bem caro, muitos se interessaram. E esse nome? Por que Altair? Bem, um belo dia, seu desenvolvedor (Edward Roberts) mostrou a geringonça para sua filha e pediu para que sugerisse um nome. Ela estava assistindo ao famoso seriado Jornada nas Estrelas e, naquele episódio, a nave Enterprise (do lendário capitão Kirk) estava indo em direção a uma estrela chamada Altair (Altha Equilae).

SICS. Essa carta havia sido escrita por dois jovens que trabalhavam juntos: Paul Allen e Bill Gates. Hoje, dizem que o primeiro trabalha em um empresa chamada Apple e o segundo faz uns bicos numa tal de Microsoft, conhece? Segundo as más línguas, os dois ganham uns belos trocados e até conseguem sustentar suas famílias por causa desse ramo chamado de computação! Realmente podemos perceber que o desenvolvimento da computação foi galopante. Hoje, muitos acreditam ser impossível a realização de determinadas atividades sem o uso de computadores. O resultado disso é uma produção mundial eletrônico-informática gigantesca, mas somente há poucos anos tem ocorrido uma preocupação maior com o descarte dos mesmos. Muitas vezes o lixo resultante acaba sendo enviado para nações em desenvolvimento, como China e Índia, principalmente para o reaproveitamento de alguns componentes. Na Índia, existem casos em que pessoas derretem a solda dos componentes eletrônicos (podendo conter substâncias tóxicas, como estanho e chumbo - sem nos esquecermos de outras presentes em diversos outros componentes, como o arsênio e o mercúrio) para posterior venda. Até aí tudo bem. O problema é que a falta de conhecimento sobre os riscos de contaminação pelos vapores

Aliás, o parto do Altair não foi dos mais fáceis. Sua procura, como já foi dito, era grande e o primeiro lote destes computadores foi enviado para Nova Iorque por meio de um empresa chamada Railway Express Agency (REA). O detalhe é que, durante o transporte, a REA entrou em greve, pois passava por sérios problemas econômicos. Acabou falindo e até hoje não se sabe onde foram parar os primeiros Altair da história. A gente sabe que computador sem software é o mesmo que carro sem roda. Nosso colega Ed Roberts sofria para melhorar a performance do Altair, até que certo dia recebeu uma carta sugerindo o uso de um sistema chamado BA-

Maçã não tão verde: garota chinesa segura um teclado da Apple nas mãos. A empresa de Steve Jobs foi eleita a "menos verde" no ranking do Greenpeace, que avalia redução de elementos tóxicos e políticas de reciclagem dos fabricantes. FONTE: IDGNow!

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deste derretimento, aliada à necessidade econômica, levam a população a derreter estas substâncias na mesma panela em que depois irão fazer o preparo de suas refeições. Isso sem contar impactos de maiores dispersões, como a absorção de substâncias tóxicas pelo solo, poluição atmosférica de vapores, acúmulo do lixo impedindo escoamento de água em ambientes urbanos, dentre outros inúmeros impactos que merecem atenção.

O grande direcionamento que a sociedade mundial precisa envolve uma alteração em relação ao comportamento de consumo e da reciclagem dos descartes (e também de como e por quem este processo é realizado). Quantas pessoas compram produtos eletrônicos hoje apenas por serem meras inovações tecnológicas ou apresentarem um novo design, ao invés da necessidade em si? É só observarmos o atual estágio de consumo de celulares e aparelhos de TV e mp3. Todos somos responsáveis e agentes deste processo. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Leandro Guimarães é professor de Geografia das 8ª séries e 1° Ano do Ensino Médio do Colégio Medianeira. É Mestre em Geografia pela UFPR.

Fogo e fumaça: crianças em Lagos, Nigéria, se expõem inadvertidamente aos efeitos dos gases liberados na queima do lixo eletrônico enviado por países desenvolvidos. FONTE: IDGNow!

A SOCIEDADE DA DECEPÇÃO GILLES LIPOVETSKY Autores Manole

Monitor quebrado: mulher prestes a esmagar tubo de raio catódico de um monitor com martelo para remover cobre. O vidro quebrado é jogado em canais de irrigação que deságuam nos lençóis freáticos, contaminando a água, em Guiyu, na China. FONTE: IDGNow!

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Este livro trata de uma sociedade que vive de excessos, tem mania de consumo e, ao mesmo tempo, desperdiça tudo o que é possível. Gilles Lipovetsky - criador do conceito de hipermodernidade para definir os tempos de hoje - explica porque a sociedade vive um momento tão triste, com elevados índices de suicídios, depressão e dependências diversas.


A experiência

TRANSMIDIÁTICA Por Vinícius Soares Pinto

A escola não precisa necessariamente fazer uma adaptação total àquilo que o ufanismo do mercado profetiza. No entanto, abrir os olhos para importantes mudanças de comportamento por causa das tecnologias deve ser um horizonte sempre presente.

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Passou o tempo em que a contemplação de uma obra de arte ou de entretenimento resumiase à plataforma para a qual foi produzida. No caso das artes, as obras que se encontravam exclusivamente em galerias, museus e espaços nobres, passaram pelo processo de reprodutibilidade - fruto da cultura de massa - e hoje suas respectivas imagens são exibidas por diversos meios, sendo tanto em réplicas fiéis como em estampas de camisetas e canecas. Como diria o pensador alemão Walter Benjamin, a aura - aquele "quê" de especial - contida apenas nas obras originais é perdida progressivamente conforme o aumento do número de cópias, empobrecendo assim a experiência estética entre a obra e o espectador. Quando pensamos na cultura do entretenimento, também é possível identificar mudanças na maneira de interagir e lidar com as obras. Os ícones da cultura pop, que antes eram construídos passo a passo, de uma plataforma a outra, de acordo com a aceitação do público, hoje transformaram-se em avalanches de itens de consumo destinados a todos os bolsos e gostos. Por exemplo, um tempo atrás não era raro vermos personagens do universo infanto-juvenil aparecer, primeiramente, nas revistas em quadrinhos, para anos depois virarem desenhos, brinquedos, filmes etc, evoluindo de acordo com a aceitação do público. No entanto, para que hoje um filme, um personagem seja sucesso de aceitação do público, torna-se necessário oferecer ao espectador uma continuação, extensão da obra original em diversas outras plataformas. Perceba, simultaneamente a um grande lançamento da indústria hollywoodiana nos cinemas, uma série de outros produtos relacionados ao filme também é lançada, como brinquedos, camisetas, conteúdo online, jogos para videogame, ou seja, o máximo de informação possível para que a pessoa se torne uma fã e dedique tempo - e dinheiro - a essa nova franquia. Acontece então o que pensadores denominam de "Experiência Transmidiática", que é o contato do espec-

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tador com a obra/conteúdo por diferentes interfaces, acompanhando, interagindo e participando das histórias e conteúdos aos quais é submetido. A continuação e a extensão das obras em outras plataformas tornou-se praticamente uma obrigação para a aceitação do público, principalmente quando falamos de nativos digitais, já que não se contentam mais em sentar diante de uma tela e receber de maneira passiva uma história pronta e finalizada. Sendo assim, "roteiristas e outros criadores pensam na narrativa, hoje, em termos de criação de oportunidades para a participação do consumidor. Ao mesmo tempo, os consumidores estão utilizando novas tecnologias midiáticas para se envolver com o conteúdo dos velhos meios de comunicação, encarando a internet como um veículo para ações coletivas - solução de problemas, deliberação pública e criatividade alternativa" (JENKINS, 2009). Bom, a partir desta breve descrição das relações entre obra e espectador deste início do século XXI, quero trazer a discussão para o ambiente escolar. Pensar no desafio que é para a escola também desenvolver estratégias pedagógicas que alimentem e saciem essa necessidade de nativos digitais de participarem de maneira direta e coletiva na construção do saber, através da utilização de diferentes linguagens e plataformas de comunicação. Talvez o primeiro passo a ser dado é a aceitação do professor - também conhecidos como imigrantes digitais - de que a tecnologia é um grande aliado das salas de aula, ainda mais diante de uma massa de alunos enfastiados por uma avalanche de informação recheada de simulacros. Então, o computador, a internet, as redes sociais, o vídeo, a imagem, quando aliados às discussões e conteúdos trabalhados em sala de aula, tornam-se ferramentas tecnológicas importantes para estimular o educando a produzir, pesquisar e construir o saber não apenas na sala de aula, local onde está sob interferência direta do professor, mas também fora do ambiente escolar. Faz com que o jovem, aluno, deixe de apenas flutuar no dilúvio de informação que a


internet e os meios de comunicação lhe proporcionam, e aprenda a usar as ferramentas que estão a sua disposição - enciclopédias online, ferramentas de busca, redes sociais, gadjets etc - realmente como utensílios de produção e orientação na geração e localização de conteúdo para discussão e pesquisa. O filósofo francês Pierre Lévy defende a ideia de que nesta realidade em que a informação e o conhecimento estão propagados e acessíveis na internet por diversos veículos eficientes, o papel do professor não é mais de ser apenas um difusor de conhecimento, mas um incentivador e mediador da aprendizagem e do pensamento coletivo entre seus alunos não só na sala de aula, mas também nesta nuvem de conhecimento chamada de internet. No entanto, o papel do professor de ser mediador e incentivador do aprendizado numa interface - computador/internet - na qual, muitas vezes, ainda não se sente à vontade, pode ser que seja encarado com dificuldade. Porém, a falta de domínio das ferramentas não pode ser vista como um entrave, mas uma oportunidade para iniciar a participação dos alunos - que geralmente têm mais facilidade com as novas tecnologias - na elaboração de atividades em conjunto com o professor. Desta forma, o processo de inteligência coletiva, que é característico pela troca de conhecimento entre pessoas para

a construção de um saber, tem início na própria sala de aula para depois estender-se em ambientes virtuais na rede de computadores. Portanto, para o ambiente escolar saciar e superar expectativas desses alunos super conectados - nativos digitais - que, apesar da facilidade em lidar com a tecnologia, encontram-se, muitas vezes, perdidos e sem saber como utilizar e usufruir de maneira inteligente e construtiva os recursos a que têm acesso, torna-se necessário que educadores se aproximem e entendam essa realidade de múltiplos meios e plataformas com que os jovens estão em contato a todo momento. Com isso, além do desafio de escolas buscarem o saber construído e fundamentado na busca da Transdisciplinariedade, torna-se também necessário pensar de maneira Transmidiática, ou seja, além de buscar o encontro e o diálogo entre as diferentes disciplinas para a formação do indivíduo, procurar formas que integrem a difusão desse conhecimento pelas diferentes interfaces que estão à disposição de educadores e educandos. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Vinícius Soares Pinto é formado em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda. No Medianeira, trabalha no Laboratório Audiovisual.

CULTURA DA CONVERGÊNCIA HENRY JENKINS

HOMO ZAPPIENS - EDUCANDO

Editora Aleph

NA ERA DIGITAL

Henry Jenkins investiga o alvoroço em torno das novas mídias e expõe as importantes transformações culturais que ocorrem à medida que esses meios convergem. Ele nos introduz aos fãs de Harry Potter, que estão escrevendo suas próprias histórias, enquanto os executivos se debatem para controlar a franquia. Ele nos mostra como o fenômeno Matrix levou a narrativa a novos patamares, criando um universo que junta partes da história entre filmes, quadrinhos, games, websites e animações.

BEN VRAKKING E WIM VEEN Editora Artmed

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Novas expectativas em Tempos de Paz ou

por um humanismo sempre em xeque

Por Carlos Renato Moiteiro

A fronteira entre a civilização e a barbárie, no mundo contemporâneo, está bem visível diante de nossos olhos? Veja como fatos, atos, comportamentos podem nos fazer questionar a "civilização" na qual vivemos. 16


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Admito que o tema iluminista de um processo civilizatório em transcurso histórico incessante sempre me incutiu várias sombras. Afinal, não posso deixar de lado tudo aquilo que aprendi de Hobbes (filósofo do século XVII, autor de O Leviatã) e de Rousseau (século XVIII, autor de Emílio, ou Da Educação) - o homem lobo versus o homem bom por natureza; o homem vassalo versus o homem livre; homens e mulheres, de certa forma, existentes em todos nós e, por isso, sempre em contraposição... Inda mais com a crítica severa dos frankfurtianos - tais como Theodor Adorno e Max Horkheimer (ambos sociólogos do pós-segunda guerra) - à falência dos ideais civilizatórios frente à barbárie humana, que a Europa e o mundo todo presenciaram tantas vezes no decorrer do século que Hobsbawm define como o mais curto e mais impetuoso da história. Mas não posso negar também que o filme Tempos de Paz, brilhantemente dirigido em toda sua carga emocional e afetiva por Daniel Filho, com interpretações intensas de Toni Ramos (no papel de um ex-oficial da polícia política de Getúlio Vargas) e de Dan Stulbach (na figura de um ex-ator polonês que tenta recomeçar a vida no Brasil como agricultor após os horrores da cruzada hitlerista) comoveu - no sentido de provocar um terremoto - minhas expectativas em relação a um humanismo possível em pleno século XXI, o século das tecnologias e da lógica do indivíduo "logado" no virtual do mundo. A ambiguidade do título desse diálogo com o caro leitor revela, por um lado, a antítese dos sentimentos por mim experimentados durante o filme, e, por outro, do agonismo entre os personagens centrais da narrativa, Segismundo, o exoficial, e Clausewitz, o ex-ator polonês. Ambos expatriados, não apenas de sua terra natal (como é o caso de Clausewitz, emigrante empobrecido tais como tantos outros que chegaram naquela época nos portos brasileiros, mas também o de Segismundo, migrante gaúcho em

plena capital federal - à época, Rio de Janeiro), mas de muitas outras pátrias: a família, a vida, a arte... Ambos sem saber se reconhecerem no espelho das memórias perdidas e contadas... Expatriados de suas próprias lembranças, que já não são mais recordações (do latim re-cordare, trazer novamente ao coração), mas meras experiências vividas. "Eu não vivi, apenas estive presente", lembra com certa distância no olhar o polonês Clausewitz. "Eu não fiz por ser melhor ou pior que você, apenas porque cumpria ordens", rememora Segismundo com certa frieza na voz. Pensei então como o mundo pode ser bárbaro, sem necessariamente estar em guerra ou ter passado por uma... Pensei nos quase 20 mil jovens que morrem por causas violentas no Brasil por ano. Pensei em Curitiba, a cidade com o segundo maior índice de vitimização juvenil do país - 53% do total de homicídios, perdendo apenas para o Recife -, enquanto cidade onde as fronteiras entre civilização e barbárie parecem se perder cada vez mais. Pensei nas 40 mil crianças que são abusadas sexualmente por ano só na região Sul... Nos 42 pais, mães ou irmãos que não voltam para casa nos finais de semana no Paraná, vítimas da violência no trânsito. Pensei que não estamos tão longe da barbárie o quanto pensávamos estar, e que talvez o projeto iluminista de liberté, égalité, fraternité continue sendo só para uma minoria de "esclarecidos". Estaria Hobbes correto em sua afirmação, homo homini lupus ("o homem é lobo do homem")? Mas a arte me "esclareceu". Não só a arte do dramaturgo Bosco Brasil, autor da peça teatral que inspirou o filme - de cujo nome original, Novas Diretrizes em Tempos de Paz, recordo a inspiração - e que já foi encenada nos palcos brasileiros pelos mesmos atores, mas sobretudo a arte de representar a própria arte, desse feito meta-artístico tão bem desenhado por Bosco Brasil: talvez apenas a arte possa arrancar, em dez minutos, lágrimas de quem se acostumou com a

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frieza da barbárie-pão, dessa barbárie cotidiana que se faz companheira de todos nós... E entendi então como pode ser simples a arte. Apenas um gesto, uma fala, uma cena, uma ausência pode ser suficiente para fazer saltarem lágrimas aos corações entorpecidos! E talvez reste tão só àqueles que, como Drummond cantava em “Mãos Dadas”, não querem ser "poetas de um mundo caduco", a arte de construir um mundo novo, pela magia da palavra, pelas mãos dadas em roda, pelo ofício do poeta, pela eterna dialética entre razão e sensibilidade...

"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente" (Carlos Drummond de Andrade).

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO THEODOR W. ADORNO Editora Paz E Terra Em Emancipação e Educação, Theodor W. Adorno reafirma sua importância na discussão de temas em favor da cultura e contra a 'falsa cultura'. Contrariando a imagem de um pensador denso e de difícil acesso, Adorno reúne ensaios arrebatadores e atuais como "O que significa elaborar Auschwitz" e "Elaborar o passado", considerados verdadeiras aulas de dialética, além de textos como "A filosofia e os professores" e "Tabus acerca do magistério", "Televisão e formação", "Educação contra a barbárie", entre outros.

REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. ANDRADE, Carlos Drummond de. "Mãos Dadas". In: Sentimento do mundo. São Paulo: Círculo do Livro, 1995.

ECLIPSE DA RAZÃO

HOBBES, Thomas. O Leviatã: ou a matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martins Fontes, 2003. HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2003. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da educação. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Carlos Renato Moiteiro é professor de Filosofia e Sociologia do Colégio Medianeira. Graduado em Filosofia pela PUCPR, atualmente cursa o Mestrado em Filosofia também pela PUCPR e a graduação em Farmácia pela UFPR, desenvolvendo pesquisa sobre as relações entre a ética antiga e seus resgates contemporâneos, bem como na área de Bioética. Faz parte da RedBioética da Unesco como ex-aluno e atua na articulação arquidiocesana da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) em Curitiba. Página na web: www.blogdonatao.blogspot.com

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MAX HORKHEIMER Editora Centauro As reflexões contidas neste livro buscam relacionar o impasse atual do pensamento filosófico com o dilema concreto das perspectivas humanas para o futuro. Os problemas econômicos e sociais da hora atual já foram ampla e completamente enfocados por outros escritores em diversos países. A abordagem deste livro é diferente. Seu objetivo é indagar desde dentro o conceito de racionalidade subjacente em nossa cultura industrial contemporânea, a fim de descobrir se esse conceito não contém falhas que, essencialmente, o tornam vicioso.


Como

Albert

se tornou

EINSTEIN Por Guilherme Dal Moro

Einstein foi o protagonista de grandes eventos da humanidade, alguns deles catastróficos, é verdade, mas também da construção de uma nova percepção sobre o Universo.

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E

Em 27 de abril de 1900, um dos mais famosos cientistas da época, o escocês Willian Thompson (Lord Kelvin), enviou ao Instituto de Física da Grã-Bretanha uma carta afirmando que a Física do século XIX havia esclarecido quase todos os mistérios científicos da natureza. Para ele, as recentes teorias sobre a termodinâmica e o eletromagnetismo estavam quase todas bem estabelecidas. Nesta carta, intitulada "Nuvens sobre as teorias dinâmicas de calor e luz" (Nineteenth-Century Clouds over the Dynamical Theory of Heat and Ligh), Lord Kelvin revelou que pouco havia ainda para ser descoberto a respeito dos fenômenos físicos naturais e fez alusão a somente dois problemas - nas teorias do eletromagnetismo e da termodinâmica - que ainda precisavam de melhores explicações: o primeiro referia-se a experimentos sobre a velocidade da luz e suas propriedades; o segundo sobre o calor emitido pelos corpos. Cinco anos após a publicação de Kelvin, um (até então) desconhecido Físico alemão, chamado Albert Einstein, com 26 anos, realizou um feito histórico para a ciência ao publicar quatro trabalhos fantásticos e completamente revolucionários na revista científica Anais de Física de Berlin (Annalen der Physik scientific jounal). Destes, três estavam diretamente associados às previsões de Kelvin, mas revelavam que ao invés de pequenas "nuvens que obscureciam a beleza e clareza das teorias eletromagnéticas e do calor", deveriam ser comparadas a dois grandes icebergs, de natureza ainda totalmente oculta.

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Em seu primeiro artigo, de 1905, o ano miraculoso (milagroso) de Albert Einstein, publicado em 17 de março ("Um Ponto de Vista Heurístico Sobre a Produção e Transformação da Luz” - “On a Heuristic Viewpoint Concerning the Production and Transformation of Light"), sobre o efeito fotoelétrico, o físico alemão apresenta uma nova concepção a respeito das propriedades da luz. Até então, entendia-se que a luz possuía uma natureza puramente ondulatória, isto é, a luz era compreendida como uma onda, bem como aquelas produzidas na água quando deixamos uma pedra cair sobre sua superfície. Einstein não podia refutar a teoria ondulatória da luz, pois inúmeros fenômenos e experimentos eram somente compreendidos com o auxílio desta teoria. Por outro lado, o chamado efeito fotoelétrico, correspondente às faíscas produzidas por um objeto de metal dentro do forno de micro-ondas, não era bem contemplado pela teoria ondulatória. Com enorme coragem e ousadia, Einstein propôs uma compreensão revolucionária da luz, na qual sua natureza é formada por corpúsculos, ou pacotes de energia denominados quantum. Em seu entendimento, a luz ora se comporta como onda, ora como partícula, ou melhor, ela possui uma natureza dualística: a dualidade onda-partícula. O trabalho de Einstein forneceu elementos para a construção das bases da mecânica quântica, e deu subsídios para a ruptura da visão de precisão e localidade da mecânica de Newton. A mecânica quântica, que rege as leis da dinâmica do microcosmo (de átomos e moléculas), parecia um mundo fantasioso que Albert Einstein e outros cientistas acessavam. Neste mundo, as partículas, como elétrons, não poderiam ser localizadas com precisão absoluta. Esta perda de localidade deve-se a dois motivos: o primeiro, em acordo com o princípio da incerteza de Heisenberg, refere-se ao fato de que para a medida da localização do elétron a própria presença do instrumento de mensuração afeta o estado de localidade do elétron; o segundo se


deve ao princípio de De Broglie, e ao caráter de onda que as partículas assumem na mecânica quântica. Este segundo motivo, em particular, ressoou como um enorme absurdo que a mecânica quântica trazia à tona. A ideia de que não somente a luz, mas a própria matéria é uma mistura dualística de onda-matéria custou para ser aceita na comunidade científica, mesmo após experimentos que validassem a teoria. Embora Einstein tenha recebido o prêmio Nobel de Física em 1921 pelo seu trabalho sobre o efeito fotoelétrico, sua maior contribuição científica revelou-se no segundo artigo de seu ano milagroso, publicado em 30 de junho de 1905 e intitulado "A Eletrodinâmica de corpos em movimento" ("On the Electrodynamics of Moving Bodies") e que originou o princípio da Relatividade Especial. O princípio da Relatividade está associado às realidades macrocósmicas, e passa a reger os fenômenos em que as grandes dimensões de espaço e de velocidade são observadas. Na teoria de Einstein, o tempo e o espaço não são mais propriedades absolutas da natureza, mas sim uma entidade contínua chamada tempo-espaço.

O universo de Einstein não é tridimensional: consiste de três dimensões espaciais associadas a uma quarta dimensão, o tempo. Até mesmo a astronomia ganhou novo sentido com as novas interpretações que a relatividade proporcionou às propriedades da luz. As palavras do professor do Instituto de Física Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Davidovich, descreve precisamente as implicações das ideias de Einstein: "A luz que nos traz a imagem de uma estrela distante, pode ser a estrela de milhões de anos atrás; um acontecimento ocorrido na Terra há milhares de anos só agora poderia estar sendo presenciado por um observador em outro planeta, que, por conseguinte, o considera como um episódio atual. O que é hoje em nosso planeta, pode ser ontem num outro planeta, e amanhã em um terceiro, pois o tempo é uma dimensão do espaço, e o espaço é uma dimensão do tempo." Einstein propõe um novo entendimento da própria relação entre a matéria e o espaço. Para Newton, um objeto cai ao chão porque existe uma força gravitacional que o acelera e o faz cair. É assim que aprendemos quando estudamos a segunda lei de Newton, a lei das Forças, ou o princípio fundamental da dinâmica. Einstein, por outro lado, cria um novo conceito revolucionário para a gravidade, no qual a presença de um objeto produz modificações permanentes no espaço ao seu redor, provocando uma curvatura espacial. Isto é, a gravidade é resultado de uma deformação no espaço proporcionada pela presença de um objeto. Em "A inércia de um corpo depende de sua energia de repouso?" ("Does the Inertia of a Body Depend Upon Its Energy Content?"), publicado em 27 de Setembro, Einstein apresenta uma nova relação entre matéria e energia. Neste pequeno artigo de três páginas, ele demonstra a equivalência entre energia e matéria através sua mais famosa equação, E=mc2, na qual a energia de repouso de um corpo é proporcional a sua massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado. Esta simples expressão evi-

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dencia que uma pequena quantidade de matéria pode resultar em quantias enormes de energia, em virtude da magnitude elevada da velocidade da luz (300.000.000m/s). A comprovação prática da equivalência entre massa e energia proposta teoricamente por Einstein em 1905 ocorreu em 1945, quando duas bombas nucleares foram detonadas nas cidades de Hiroshima e Nagazaki. No processo de fissão nuclear, que ocorre na bomba atômica, átomos de Urânio enriquecido se rompem, quando colapsados por nêutrons com grande velocidade. A ruptura do urânio libera três ou quatro outros nêutrons que atingem outros átomos provocando uma reação em cadeia. No entanto, a liberação de energia se deve à transformação de parte da matéria - no processo de ruptura do átomo - em energia. A soma da massa dos átomos restantes e das partículas remanescentes não se equivale à massa do átomo de Urânio inicial. Quatrocentos e cinquenta gramas de Urânio enriquecido produzem a liberação de energia equivalente à explosão de 3.785.412 litros de gasolina. Albert Einstein, que já vivia nos Estados Unidos durante a segunda Guerra Mundial, não participou do projeto Manhattan, destinado à construção das duas ogivas nucleares (Fat Man e Little Boy), mas escreveu, em 2 de agosto de 1939, uma carta ao então presidente norte-americano Roosevelt. Nesta, o físico alemão alerta o político para a possibilidade de construção de uma bomba nuclear com uso de Urânio enriquecido. Einstein também ressalta a exploração de Urânio na Tchecoslováquia pelos alemães, e aconselha Roosevelt a "manter permanente contato com grupos científicos americanos que pesquisam sobre reações em cadeia" e a "acelerar as pesquisas experimentais sobre o assunto, que no presente momento estão limitadas pelo orçamento dos laboratórios universitários".

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Alguns anos após a explosão das bombas nucleares no Japão, Einstein se defendeu e justificou sua iniciativa em escrever a carta a Roosevelt. Minha responsabilidade na questão da bomba atômica se limita a uma única intervenção: escrevi uma carta ao Presidente Roosevelt. Eu sabia ser necessária e urgente a organização de experiências de grande envergadura para o estudo e a realização da bomba atômica. E o disse. Conhecia também o risco universal causado pela descoberta da bomba. Mas os sábios alemães se encarniçavam sobre o mesmo problema e tinham todas as chances de resolvê-lo. Assumi, portanto, minhas responsabilidades.

Em síntese, Einstein foi o protagonista de grandes eventos da humanidade, alguns deles catastróficos, é verdade, mas também da construção de uma nova percepção sobre o Universo. O brilhantismo destes seus três trabalhos científicos, produzidos em apenas um ano, foi capaz de ofuscar as teorias da mecânica clássica e o próprio paradigma racionalista que Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton e René Descartes haviam construído e que durava mais de 200 anos. Enquanto a teoria da Relatividade reinventou os conceitos de tempo, espaço, matéria e gravidade, e pôs em xeque a exatidão das leis naturais daqueles pensadores, a teoria da mecânica quântica reconstruiu uma nova visão sobre o micro mundo, sustentado no princípio da incerteza, na dualidade natural da luz e matéria e na probabilidade de localização das partículas subatômicas. Vale encerrar este breve artigo com a resposta de Einstein quando, em 1952, foi convidado oficialmente pelo primeiro ministro de Israel, David Ben Gurion, para o cargo de presidente: "não posso aceitar o convite, pois nada sei de relações sociais. Sei somente um pouco de Matemática e Física". (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Guilherme Dal Moro é ex-aluno do colégio Medianeira. Formou-se em Física na UFPR e atualmente faz mestrado na UTFPR, em fotônica. No Medianeira, é professor de Física do 1º. Ano do ensino Médio.


COMO VEJO O MUNDO ALBERT EINSTEIN Editora Nova Fronteira Einstein trata dos problemas fundamentais do ser humano nos campos social, político, econômico e cultural - e torna clara sua posição diante deles - a de um sábio radicalmente consciente de que, sem a liberdade de ser e agir, o homem, por mais que conheça e possua, não é nada.

NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS ALBERT EINSTEIN Editora Nova Fronteira Considerado 'O Homem do Século XX' pela revista Time, Albert Einstein faz neste livro um retrato do desenvolvimento de sua mente e do modo como evoluiu sua visão dos problemas da física. Nestas notas, o leitor encontrará uma personalidade crítica, marcada pela coragem e pela coerência de quem nunca se submeteu.

A EVOLUÇÃO DA FÍSICA ALBERT EINSTEIN E LEOPOLD INFELD Editora Jorge Zahar Este livro foi publicado originalmente na década de 1930, com a finalidade de divulgar a teoria da relatividade. Mas as criações e conceitos expostos aqui conservam plena validade. O texto é escrito por Einstein e explica os fundamentos essenciais da física, por meio de gráficos e diagramas. Traça um esboço das tentativas feitas pela mente humana para encontrar uma conexão entre o mundo das idéias e o dos fenômenos.

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MEU lixo,

TEU lixo,

NOSSO lixo, lixo DELES Por Cláudio Adriano Piechnik

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Quando o assunto é lixo, uma preocupação nossa é com o destino dele. Mas por que não podemos pensar melhor sobre como evitar que ele seja produzido?


O

O maior perigo e o maior trunfo da ecologia podem estar em sua popularização. Esta frase soa estranha. Estamos acostumamos aos discursos ecológicos apresentados pela mídia assim como nos acostumamos à violência, à corrupção na política, ao vírus H1N1. Tudo não passa de mais uma notícia veiculada por um programa, noticiário, revista ou jornal qualquer. Por outro lado, a partir da problemática ambiental vivida a cada dia pelas pessoas nos grupos e espaços de convivência e na busca humana da felicidade, constrói-se a consciência ecológica e inicia-se a mudança de mentalidade. A vida diária é o lugar do sentido da ecologia, pois a condição humana passa inevitavelmente por ela. A ecologia implica uma mudança radical de mentalidade em relação à qualidade de vida e

clagem, e a reutilização de produtos e embalagens com a criação de protocolos para reduzir o fluxo de resíduos até chegarmos ao virtual zero de lixo. Isso mesmo, esta ideia já é realidade em muitas cidades canadenses e europeias. A questão do lixo é erroneamente deixada sob responsabilidade da política local (municipal), quando deveria estar dentro do âmbito estadual, federal e internacional de jurisdição. Um município não será capaz de chegar ao zero, sem lixo, delegando ao produtor a responsabilidade da legislação. O que isto quer dizer na prática? Sabe aquela garrafa de refrigerante pet jogada no terreno baldio da sua rua? Ela deixa de ser responsabilidade de quem a jogou e passa a ser responsabilidade da empresa que concebeu e colocou à venda aquele refrigerante no mercado e não pensou em o que fazer com a garrafa após o refrigerante ser consumido. Ou, como já acontece no Brasil, a responsabilidade das empresas de telefone celular em receber e reciclar aparelhos e baterias já utilizadas. Protocolos internacionais que regulamentam a concepção dos produtos são parte inevitável da solução para o lixo. Todos os produtos e as embalagens devem ser concebidos - desde o início da cadeia produtiva - para serem reparáveis, reutilizáveis e recicláveis, reembolsáveis ou compostáveis.

ao meio ambiente, que está diretamente ligada ao tipo de convivência que mantemos com nós mesmos, com os outros e com a natureza. A definição de sociedade sustentável se opõe à produção de lixo. Em uma floresta ou um oceano não temos a produção de lixo. Na verdade, o lixo é realmente apenas subutilização de recursos; é como enterrar dinheiro no chão. Há uma tendência mundial em legislar a redução, a reci-

O que estou falando é que devemos rever todos os nossos processos produtivos para poder chegar a 100% sem lixo através do desenvolvimento de um bom design. Ou seja, nos acostumamos à ideia de que o lixo é um problema a ser resolvido no final da cadeia produtiva. Nos acostumamos ao fato de que devemos ter lixeiras separadas por cores para poder colocar metais, vidros, orgânicos e papel. Não no início, antes que um produto ou serviço seja posto no mercado. Não pensamos no porquê de termos que nos livrar de objetos que nem solicitamos ter. Para pensar em processo produtivo, é preciso planejamento, é preciso design. Design é um processo espiral de coleta de informação, criação de conceitos, tomada de decisões e avaliação de resultados. Concepção sustentável significa que todos os produtos ou

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materiais que dão entrada em meu processo não são tóxicos, toda a energia utilizada é renovável, os processos de fabrico são seguros para os trabalhadores e os produtos finais não acabam em aterros. Isso vale para tudo, desde escovas de dente até veículos e edifícios. Expandir os lixões ou aterros sanitários existentes ou iniciar novos já não é solução viável. As comunidades rurais não devem ser forçadas a aceitar o cheiro, o tráfego de caminhão, as moscas, as doenças, a ameaça às águas subterrâneas e a redução dos valo-

não cair num falso sentimentalismo. Tempos em que o leite e iogurte vinham em recipientes de vidro, que eram levados de volta para o comerciante. Muitas das frutas e hortaliças vinham dos quintais. É claro que existia comércio, compras. Mas neste caso tudo era embalado em sacos de papelão ou apenas finos sacos de papel. As sobras diárias da cozinha eram transportadas e dadas como lavagem aos animais e, por incrível que pareça, este era praticamente o único resíduo gerado em nossas cozinhas. Nada de

res de suas propriedades, coisas que o lixo pode trazer.

embalagens de plástico, isopor, sacolas.

Pode-se pensar em incineração. Mesmo hoje, os incineradores não são mais limpos do que no passado, as emissões continuam a conter partículas tóxicas, mesmo com os mais modernos dispositivos de controle da poluição. E o que não é liberado na atmosfera acaba virando cinzas ácidas, o que é um composto tóxico, o que representa 30% da massa inicial, que deve ser enterrado em um local para resíduos perigosos representando um perigo adicional para a água subterrânea. Além disso, a incineração tem o dobro do custo em relação à deposição em aterros. Ou seja, se não revermos o desenho de nossos processos, continuaremos a varrer a sujeira pra debaixo do tapete. Anseio por aqueles tempos que não vivi (ou vivi parcialmente), de viver em harmonia com a natureza. Claro, sei também do cuidado de

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A vida na fazenda, no campo era extremamente difícil para os nossos avós e gerações anteriores. Porém, como os problemas e necessidades impostas, as soluções também eram mais simples. Hoje podemos rir quando vemos a recente multiplicação de livros, glorificando a força de voltar para a terra, e as velhas formas de viver. Simplesmente porque eram formas sustentáveis e que garantiram nossa existência até bem pouco tempo atrás.

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Cláudio Adriano Piechnik é biólogo, com MBA em Gestão Ambiental e mestrado em Biologia Celular e Molecular (UFPR). No Medianeira, é professor de Biologia do 3º. ano do Ensino Médio. É pesquisador do projeto Evolução e Biodiversidade na Antártica: a resposta da vida a mudanças (PROANTAR).


Se você se interessou por estas ideias e quer começar a fazer algo, uma dica é implementar pelo menos uma dica para um "Consumo Ecoético". (A lista abaixo é uma adaptação do material de Patrícia Abuhab e Guilherme Blauth, do Instituto Harmonia da Terra - http://www.harmonianaterra.org.br). Pense muito antes de comprar algo, reflita se é realmente necessário. Compre produtos cujas embalagens possam ser reutilizadas. Compre produtos de limpeza concentrados e que podem ser diluídos em água, dê preferência aos biodegradáveis. Leve a sua própria sacola na feira, no mercado ou na padaria se for usar a sacolinha plástica, coloque o máximo de produtos na mesma sacola. Evite comprar e consumir produtos descartáveis como copos ou canudinhos. Adote uma caneca para não consumir copos plásticos descartáveis. Procure comprar pilhas e baterias recarregáveis; após o uso devolva-as ao fabricante pois ele é responsável pelo destino final destes materiais. Compre produtos que tenham refil. Evite comprar frutas e verduras embaladas.

Prefira consumir sucos naturais e chás aos refrigerantes. Para as crianças essa recomendação é ainda mais importante. Caso você tenha um quintal em casa, recicle o seu lixo orgânico e faça uma horta com o composto (adubo) produzido. Preste atenção aos programas de TV que você "consome". Quais deles contribuem para a melhoria de sua vida? Troque a TV por um bom livro ou um bom papo. Atenção sempre ao consumir água e energia, evite desperdícios. Para que estes bens cheguem até a sua casa uma grande quantidade de recursos naturais é utilizada. Sempre que possível, locomova-se a pé, de bicicleta ou utilize o transporte coletivo. Seja um consumidor ativo e crítico, questionando aos fabricantes sempre que houver alguma dúvida em relação ao produto ou embalagem.

PESCADORES DE LIXO: GLOBALIZAÇÃO E

DESIGN SUSTENTÁVEL:

EMPRESAS BRASILEIRAS

CAMINHOS VIRTUOSOS

ANTONIO ALBERTO PRADO Editora SENAC/SP O que podem fazer as empresas brasileiras diante dos desafios da Globalização? Este ensaio do jornalista Antonio Alberto Prado que, através de entrevistas com empresários e administradores traça um panorama de uma situação que, segundo o autor, apesar de tantas dificuldades, pode evoluir para 'uma retomada do desenvolvimento brasileiro como nossa gente participando do desenho de nosso destino'.

VÁRIOS AUTORES Editora SENAC/SP Este livro explora as linhas de reflexão e as diretrizes de progresso inerentes à problemática das embalagens, propondo para elas soluções em matéria de ecodesign e de concepção ecológica.

Sugerimos ainda o ótimo blog Sustentopia (http://sustentopia.wordpress.com), do designer curitibano Nelson Smith Jr.

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A

idade do

LIXO Por Elenir Almeida Santos

Quando falamos de consciência planetária, muitas coisas estão interligadas. Você verá aqui, por exemplo, qual a relação entre consumo exagerado, lixo jogado em qualquer canto, contaminação da água e propagação de doenças.

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Se todos os refugos humanos e animais que o mundo perde fossem devolvidos à terra, em vez de serem lançados na água, seriam suficientes para nutri-la. Os montes de lixo jogados nas esquinas, os barris de lodo transportados aos trancos pelas ruas durante a noite, os carros nojentos empregados na limpeza, os fétidos esgotos subterrâneos encobertos pela pavimentação das ruas, sabeis o que são? São os prados floridos, a erva verde, o limo, a lavanda, a sálvia perfumada; são os pássaros e os animais dos bosques; são os rebanhos, os mugidos alegres que os bois emitem; são o feno perfumado, a espiga loira, o pão sobre a mesa, o sangue quente que corre nas veias, a saúde, a felicidade, a vida... Aquela misteriosa criação quer que na Terra tudo seja transformação e no Céu, transfiguração. Devolvam tudo ao grande cadinho e dele sairá a abundância. A nutrição dos vegetais produz a alimentação dos homens. Vós sois livres para perder essa riqueza e, acima de tudo, para julgar-me ridículo; será a obra-prima de vossa ignorância. " Victor Hugo (1802 - 1885): Os Miseráveis

A

As grandes cidades têm responsabilidade muito grande sobre os problemas ambientais globais, especialmente em função dos impactos que causam aos vários ecossistemas, não só onde estão localizadas, mas também nos lugares de onde importam recursos ou para onde exportam seus resíduos. É sobre os resíduos que gostaria de fazer uma breve reflexão. Resíduo sólido urbano pode ser considerado sinônimo de lixo. Trata-se de uma designação mais técnica e que surgiu no início da década de 60. "O lixo é todo e qualquer resíduo que resulte das atividades do homem em sociedade" (LIMA, 1986), mas, diferenciar seus tipos ou analisá-los é uma atividade mais facilmente desenvolvida se comparada à busca de uma definição precisa. Em parte, isso se deve à complexidade dos fatores envolvidos na sua origem e formação e até mesmo dos processos relacionados com a sua disposição final. O conceito de utilidade pode ser inversamente proporcional ao que se considera como lixo. Esta preceituação não é de todo válida e há como justificar: a partir de que momento se deixa de considerar útil um objeto qualquer e se passa a considerá-lo como lixo? Alguns aspectos, como o tempo e formas de uso, influem nesta categorização. Assim, o

conceito de utilidade é fundamental na compreensão deste processo. Muitas definições encontradas na literatura especializada sobre lixo consideram este material sem valor para reaproveitamento. Exemplo é a definição encontrada no trabalho intitulado "A Coleta e Disposição de Lixo no Brasil", realizado para a Fundação Getúlio Vargas, citado em Aisse et alii: "Lixo são objetos que não possuem mais valor ou utilidade, são porções de materiais sem importância econômica, sobras de processamentos industriais e domésticos a serem descartadas e qualquer outro material que tenha igual destino". O mesmo ocorre na literatura não especializada, a exemplo dos dicionários de língua portuguesa, que geralmente se referem ao lixo como sendo "tudo que não presta e se joga fora". Estas definições sobre o lixo são desatualizadas e inapropriadas para a atual época e o futuro da humanidade.

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A maior ou menor relevância do problema dos resíduos sólidos nas cidades, quanto aos aspectos sanitários, físicos, ecológicos, sociais, econômicos ou políticos está relacionada diretamente com a execução completa ou incompleta das fases que integram o processo de exclusão e/ou eliminação dos mesmos. Estas fases compreendem a coleta, transporte e tipo de tratamento final implantado, que pode ser mais de um. Uma quarta fase pode ser incluída, e se relaciona com as consequências advindas do destino final impróprio, ou seja, das repercussões sobre o ambiente. Por muitos anos, as administrações públicas acomodaram-se na confortável e falsa alternativa do "custo zero" para a disposição dos resídu-

os sólidos. Ou seja, aparentemente era mais barato jogar o lixo de forma e em locais inadequados, deixando de investir em sistemas compatíveis para seu recebimento. Mas o "custo zero" não existe. Quem dispõe o lixo inadequadamente deve ter consciência de que está transferindo o custo ambiental diretamente para a sociedade, onerando-a, pois além de se constituir em prática ilegal, é passível de penalização (multas) de acordo com a legislação ambiental vigente, pois seus danos futuros são inevitáveis. Um exemplo é o caso de um lixão que, ao estar inadequado, poderá contaminar o manancial da cidade, acarretando prejuízos inestimáveis. Os impactos ambientais causados pela disposição de resíduos sólidos no meio urbano são:

Poluição e contaminação do aquífero e lençol freático conferindo patogenicidade e toxidade às águas subterrâneas; Redução da fauna e flora do solo e das águas superficiais; Poluição e contaminação de bacias hidrográficas; Permanência de produtos não biodegradáveis no ambiente; Eutrofização (acúmulo de nutrientes minerais no solo e nas águas); Acúmulo de vetores* (artrópodes, roedores) que, eventualmente, pode constituir veículos de doenças em cães, suínos, aves e população carente; Poluição atmosférica; Detrimento de aspectos estéticos (visuais do meio ambiente). * Trata-se dos chamados macro-vetores, onde se incluem os ratos, baratas, moscas e animais de maior porte e os micro-vetores, que são os vermes, bactérias, fungos, actinomicetes e vírus. São uma ameaça constante à saúde da população, das comunidades, porque as possibilidades de transmissão de doenças são inúmeras (febre tifóide, leptospirose e as infecções de pele), além de que constituem-se também, em agentes potenciais de contaminação dos recursos hídricos, pedológicos e atmosféricos - neste último recurso, referindo-se principalmente aos artrópodes.

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A discussão acerca dos resíduos, assim como as questões sociais e ambientais mais amplas, remete-nos a uma análise mais profunda do paradigma atual, entendido aqui como o conjunto de valores que norteiam as várias sociedades e suas relações. Portanto, muito antes da discussão tecnológica, a questão deve ser analisada a partir de suas raízes, discutindo-se os estilos de desenvolvimento e as estruturas de consumo das sociedades, a distribuição espacial das populações, as limitações materiais e a sustentabilidade ambiental do planeta, as desigualdades sociais entre os povos e suas implicações na exportação de processos produtivos residuosos, a visão utilitária do ambiente, entre outros temas. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

REFERÊNCIAS AISSE, M.M. et alii. Aproveitamento de Resíduos Sólidos. Curitiba, PUC, LHISAMA, 1981. 18-22 pp.

LIXO - TRATAMENTO E BIORREMEDIAÇÃO LUIZ MÁRIO QUEIROZ LIMA Editora Hemus Luiz Mário Queiroz Lima descreve em detalhes e com grande rigor científico as técnicas que hoje estão sendo aplicadas em diversos lugares do mundo para o aproveitamento físico-químico e biológico do lixo, o que se apresenta de utilidade imediata para técnicos, engenheiros e autoridades responsáveis pelo saneamento público, assim como para todos aqueles interessados em soluções para os graves problemas que ameaçam o equilíbrio de nosso ecossistema. Sumário - 1) Origem e produção do lixo no meio urbano, classificação, características e análise; 2) Lixo e poluição; 3) Aterro sanitário; 4) Compostagem; 5) Incineração 6) Pirólise; 7) Conversão biológica do lixo com recuperação de energia; 8) Alimento a partir do lixo.

LIMA, L.M.C. Tratamento de Lixo. São Paulo, Hemus, 1986. 240 p.

OBS. Este texto é parte da monografia de graduação intitulada "O Município de Curitiba e a Política de Gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos". Elenir Almeida Santos- USP-1999.

Elenir Almeida Santos bacharel é licenciada em Geografia pela Universidade de São Paulo. No Medianeira, é professora de Geografia da 7ª. série desde 2003.

GESTÃO COMPARTILHADA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL PEDRO JACOBI (ORG.) Editora Annablume Os trabalhos apresentam um panorama atual da problemática destacando o caso de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Londrina e um consórcio no Estado de Santa Catarina, e trazem ao leitor experiências inovadoras de gestão compartilhada, um exemplo muito elucidativo das possibilidades de obter resultados relevantes em programas municipais de coleta seletiva em parceria com catadores de materiais recicláveis organizados. a partir do lixo.

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O JORNAL

EDUCA? Por Patrícia Meyer

Se a escola se incumbir da responsabilidade de ensinar pela e para a comunicação, os veículos deixarão de ser estranhos e se tornarão aliados na formação dos cidadãos.

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A

Antes mesmo de encerrar a faculdade de jornalismo, especulava se a elaboração de um jornal por estudantes de ensino fundamental ou médio poderia contribuir para a formação de sujeitos mais críticos. Entendia criticidade como a capacidade de o indivíduo analisar e construir uma opinião própria sobre diferentes temas. Apesar de ter estas questões sempre presentes em minhas reflexões sobre meu "papel no mundo", nunca imaginei que elas pudessem compor uma pesquisa científica. Por isso, me surpreendi quando me deparei com uma produção acadêmica vasta que interligava comunicação e educação. Como jornalista, acredito que o acesso à informação por meio de notícias veiculadas pela mídia abre a qualquer indivíduo uma infinidade de oportunidades. Uma delas é a de realizar associações com diferentes conteúdos e novas informações e, a partir disto, construir um olhar próprio sobre um objeto específico ou sobre qualquer questão presente na sociedade. Para que isso ocorra, no entanto, é necessário um despertar para a importância do consumo consciente das informações; o que pode começar na escola. O olhar com criticidade para as informações é uma lição que se leva para toda a vida. É como se cada indivíduo desenvolvesse uma metodologia própria para decodificar as informações que recebe e aplicar em seu contexto, gerando conhecimento e, simultaneamente, sua identidade como cidadão. Abrese ainda outra oportunidade: além de (re)interpretar o mundo, o sujeito pode romper com a ilusão de que ele é apenas um receptor de informações e passar a elaborar conteúdos e publicá-los, divulgando suas ideias, pensamentos e valores.

Educomunicação - De forma sintética, é este o conceito de Educomunicação. No Brasil, a definição é atribuída a Ismar Soares, professor e pesquisador da USP. Entretanto, Soa-

res assegura que apenas se apropriou e ampliou o conceito de Mário Kaplun, que falava de "educación a los medios" ou comunicação educativa. O educador Mário Kaplun foi um dos pioneiros do campo da Comunicação da América Latina e a considerava uma ferramenta básica para a cidadania e a inserção social. Soares define educomunicação como "conjunto de ações com objetivo de integrar às práticas educativas o estudo dos sistemas de comunicação". A educomunicação tem o intuito de tornar a educação mais "pragmática, eficiente, formadora e crítica" e a mídia "mais comprometida, séria e cidadã". Mais do que inserir a tecnologia nas mãos dos professores para melhorar a relação ensino aprendizagem, Soares defende a educomunicação como capaz de transformar a escola e a sociedade contemporânea. Quando falamos em tecnologia, lembramos de mídias novas e outras já não tão recentes assim, como televisão, rádio, DVD e as diferentes possibilidades da Internet, como blogs, Orkut, Twitter e outras mais. Na prática, ainda há uma crença bastante enraizada nas escolas brasileiras de que o jornal só serve para educar nas aulas de português. Seria um recurso interessante para incentivar a leitura, a produção de textos, a exemplificação de diferentes gêneros textuais e a oralidade. Esta visão - de que o jornal motiva a leitura e a escrita - foi defendida pelo francês Celestin Freinet. Ele desenvolveu a técnica da imprensa na escola e o conceito "jornal educação" nos anos 20 do século XX. Segundo Freinet (1974), "só faremos educação se deixarmos que cada criança realize a sua própria experiência e adquira os mecanismos em estreita ligação com a elaboração do seu pensamento". Por isso, defendia que o envolvimento das crianças na produção de jornais ou mesmo cartas era uma maneira natural de desenvolver a escrita. Esta consciência de que o jornal na escola não serve apenas para forrar as mesas das salas de artes é essencial, porém, a sua pro-

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posta de integração precisa ir além. As profundas modificações que têm ocorrido na tecnologia, no mundo do trabalho e nos costumes, vêm trazendo novos desafios para a educação. Desafiada, a educação escolar tenta se renovar para não se tornar obsoleta em seus métodos e os professores em suas práticas. Taxada várias vezes de desinteressante, diante da competição cruel com a velocidade das tecnologias da comunicação e informação, a escola deve se renovar para se manter capaz de formar indivíduos para o trabalho e para a vida. E para isso, a comunicação pode ser uma aliada e não uma inimiga. Para os educomunicadores, não basta uma adaptação à sociedade da informação. É preciso construir um novo modelo de comunicação. Neste sentido, não se pretende apenas promover o conhecimento sobre como a comunicação funciona, mas propor ações voltadas para a construção, no espaço da educação, de uma nova prática comunicativa. Neste contexto, o jornal amplia suas possibilidades. Torna-se capaz de desenvolver múltiplas inteligências, adota um papel transformador possibilitando a construção da autonomia, criticidade e autoestima. Pode ainda resgatar o gosto pela aprendizagem e relacionar as disciplinas.

Uma experiência de educomunicação - Há oito anos, a Prefeitura Municipal de Curitiba possui um projeto denominado "Extra, extra". Trata-se de um jornal eletrônico escolar, desenvolvido em dezenas de escolas públicas, que veicula, por meio da Internet, notícias e reportagens produzidas por alunos do ensino fundamental. O projeto possibilita o desenvolvimento de um jornal online e pretende estimular os professores a simular, em sala de aula, um ambiente de redação de jornal. Há, portanto, um momento para definir os assuntos (pautas) que serão tratados, reunião de equipes para levantamento de informações e redação dos textos, produção de imagens (fotos ou ilustrações), até a revisão e publicação na Internet. Todas as etapas da atividade são realizadas com acompanhamento do professor regente ou do laboratório de informática. Os pesquisadores Muniz, Rodrigues e Vosgerau (2007), após analisarem relatos de atividades desenvolvidas pelos professores utilizando o projeto "Extra, extra", apontam para o fato de que a produção de textos visando um público leitor torna os alunos mais cuidadosos em relação à ortografia, pontuação, gramática e vocabulário. Há, portanto, maior atenção dos alunos na redação e mais qualidade quando o texto é produzido não apenas para a correção do professor, mas dentro de seu verdadeiro contexto: comunicar algo para um público específico. Os professores que aplicam o jornal eletrônico em sala de aula também afirmam que os alunos passam a expor com mais clareza suas ideias, tem a curiosidade despertada e melhoram a autoconfiança e autoestima. O jornal também respeita as diferenças entre os alunos. Eles identificam no veículo a possibilidade de publicar textos sobre os mais diversos assuntos. Além disso, ao tornar-se "repórter", o aluno se envolve com a proposta. Estudantes afetivamente envolvidos com as atividades tornam para si o aprendizado mais prazeroso.

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É importante destacar que o aluno tem a consciência de que a notícia veiculada no jornal eletrônico transpõe os portões da escola, chegando até a comunidade e a todo e qualquer "internauta" que acesse o conteúdo disponibilizado. Não há fronteiras territoriais. Entretanto, existem obstáculos. Para que o jornal efetivamente eduque, os professores precisam estar sensibilizados para as possibilidades da utilização da comunicação na educação. Para manter a participação dos alunos, é preciso um intenso envolvimento. Também é indispensável coragem e ousadia para se transpor a visão conteudista e permeada por preconceitos. Mais do que discursar, é necessário crer firmemente no aluno como sujeito de sua aprendizagem, capaz de gozar de autonomia. E principalmente, além de rechaçar, é necessário utilizar a própria mídia para desenvolver indivíduos críticos, capazes não apenas de consumir informações de forma consciente, mas com excelente capacidade de comunicar. Desta forma, o jornal educa e as novas gerações construirão uma nova mídia. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

GESTÃO DA COMUNICAÇÃO: NO MUNDO DO TRABALHO TRABALHO,, EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO,, TERCEIRO SET OR E COOPERA TIVISMO SETOR COOPERATIVISMO ROSELI FÍGARO (ORG.) Editora Atlas Esta obra reúne um elenco de especialistas em suas respectivas áreas, com visão ampla sobre temas e problemas envolvidos com a gestão da comunicação, contribuindo em aspectos fundamentais para o planejamento da comunicação e que devem fazer parte da formação do comunicador. A obra, com 15 capítulos organizados em quatro partes, trata de temas, como - cultura da organização, mudanças no mundo do trabalho, subjetividade no mundo do trabalho, OMC e educação, mídias e educação, comunicação e educação, definições e experiências sobre o terceiro setor e cooperativismo.

REFERÊNCIAS FREINET, Célestin. O jornal escolar. Lisboa: Estampa, 1974. MUNIZ, C, P ; RODRIGUES, Márcio de Oliveira; VOSGERAU, D. S. A. R. O jornal eletrônico e a função social da escrita na Rede Municipal de Educação de Curitiba. In: IV Conegov - Conferência Sul-Americana em Ciência e Tecnologia Aplicada ao Governo Eletrônico, 2007, Palmas. Anais da conferência sul americana em ciência e tecnologia aplicada ao governo eletrônico. Curitiba: Revista Pontogov, 2007. v. Ano IV. p. 56-63. SOARES, Ismar de Oliveira. Mas, afinal, o que é educomunicação? Disponível em: http://www.usp.br/ nce/educomunicacao/saibamais/textos. Acesso em: 26 de abril de 2008. SOARES, Ismar de Oliveira. Uma educomunicação para a cidadania. Disponível em: Http://www.usp.br/nce/ educomunicacao/saibamais/textos Acesso em: 26 de abril de 2008. SOARES, Ismar de Oliveira. A Educomunicação como processo de gestão comunicativa. In: FÍGARO, Roseli (org). Gestão da Comunicação: no mundo do trabalho, educação, terceiro setor e cooperativismo. São Paulo: Atlas, 2005. p. 53-60.

Patrícia Meyer é jornalista e ex-aluna do Medianeira. Tem pós-graduação em Planejamento Estratégico e também em Jornalismo Empresarial e Comunicação Corporativa. Atualmente, é mestranda em Educação na PUC/PR.

JORNAL ESCOLAR E VIVÊNCIAS HUMANAS: UM ROTEIRO DE VIAGEM JORGE KANEHIDE IJUIM Editora Edusc O livro apresenta a proposta e os resultados de uma ação pedagógica que aproxima o Jornalismo da Educação, através da abordagem sóciohistórica, para a qual o sujeito do conhecimento se constrói, historicamente pelo precesso de interação com o outro e o meio. O autor defende a prática do "Jornalismo humanizado", na produção do jornal escolar, que venha garantir ao aluno direito à informação e à opinião, preparando-o para a cidadania crítico-participativa.

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NIETZSCHE ea

meditatio generis futuri Uma reflexão sobre os estabelecimentos de ensino

Por Adilson Felicio Feiler, SJ

Friedrich Nietzsche, embora tenha vivido na distante segunda metade do século XIX, parece estar se questionando sobre a educação atual, tamanha é a contemporaneidade dos assuntos levantados por ele.

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E

Em sua crítica à cultura ocidental, Nietzsche aponta a educação como uma das razões de sua decadência, já que ele conta os "(...) estabelecimentos de ensino entre as instituições consagradas à verdadeira cultura" (NIETZSCHE, Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, 2ª Conferência). O imediatismo e o tecnicismo são apresentados pelo filósofo como dois elementos responsáveis pela decadência dos estabelecimentos de ensino. O gosto pela leitura meditada e refletida dá espaço à produtividade, ao lucro econômico e ao progresso. O nosso ensino está proporcionando uma formação que leve em consideração a dinamização da capacidade reflexiva de nossos aprendizes? Nietzsche coloca em primeiro lugar a "(...) necessidade de filosofia" (NIETZSCHE, Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, 5ª Conferência). Como é possível fazer da filosofia um veículo de libertação e conscientização tendo em vista o desenvolvimento de uma cultura superior pautada sobre uma prática solidária? "Não queríamos significar nada, nada representar, nada nos propor, queríamos não ter futuro, não queríamos ser úteis para nada, confortavelmente estendidos no limiar do presente e estávamos. Como éramos felizes!" (NIETZSCHE, Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, Primeira Conferência). Para além de um resultado utilitário e imediato que se pode adquirir das coisas, a reflexão nietzschiana nos leva a mergulhar na plenitude do instante. Experimentando o transbordar daquilo que se realiza num momento dado; como se passado, presente e futuro estivessem percorrendo uma multiplicidade de epiciclos. Esta perspectiva do produzir hoje para usufruir amanhã, própria da lógica da indústria e do mercado modernos, passa a se desmantelar. O que resta não é mais nada senão o instante, o dado sustentado pela infinda capacidade anímica. Ao invés do resultado utilitário, Nietzsche introduz o júbilo afirmativo e proativo. Neste sentido, tais reflexões aplicadas ao âmbito educacional nos trazem importantes pistas para repensar a prática pedagógica própria dos estabelecimentos de ensino de hoje e de amanhã. Nietzsche realiza isto dentro de um contexto em que

eram emergenciais as mudanças. Mas tais pistas e mudanças apontadas pelo filósofo alemão não seriam válidas ainda hoje? A cultura e a educação que presidem a nossa vivência atual não respiram enfado e conformismo? As reflexões sobre a educação que se depreendem do conjunto da literatura nietzschiana nos colocam diante da imperiosa necessidade de revisão do atual modelo educativo. Aquela "mediocrização", fruto de um conformismo e de uma reprodução de um modelo de organização de sociedade pré-determinado, continua a campear, deixando atrás de si as marcas da inanição, do rebaixamento e da miséria humana, cultural e material. Tal quadro parece se reproduzir ainda hoje, de tal modo que a felicidade, ao invés de estar identificada com a capacidade de reinventar, de criar sempre mundos novos, está sempre mais identificada à utilidade e ao dinheiro a fim de responder às demandas de um mercado exigente e competitivo. Este espírito do progresso e do desenvolvimento, da especialização e da técnica irá repercutir na formação de um homem dividido, segmentado e, por isso, sujeito a uma visão de mundo compartimentada e limitada. Urge então para Nietzsche a necessidade premente do resgate de uma visão de conjunto do ser humano, que, por sua vez, pode ser viabilizada pela filosofia. Por essa razão, cabe uma revisão dos estabelecimentos de ensino de então. Que modelo educacional favoreceria a promoção de um ensino mais aberto, voltado para a totalidade da existência humana? A nossa época já dispõe de tal modelo? Ou continuamos a fortalecer, promover e a defender um modelo que assegure a passividade e o conformismo? A tendência moderna uniformizadora e particularizadora, em seu esforço de dissecação, acaba enfraquecendo o organismo e reduzindo a disponibilidade anímica, minando a cultura clássica a partir de suas bases. O resultado deste processo acaba sendo o estreitamento de horizonte, razão essa pela qual só uma ciência dotada de uma capacidade de visão ampla sobre a realidade fornece as condições necessárias para o estabelecimento da verdadeira cultura. Desse modo, como vimos, a filosofia em seu esforço de pensar a realidade sem se deter por uma ou outra determinação é capaz de atingir o cerne das

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questões sobre as quais se assentam os baluartes da erudição e da criação. É, por isso, central o papel da filosofia dentro dos estabelecimentos de ensino, enquanto a única ciência capaz de pensar a totalidade num plano que vai muito além daquele promovido pela moderna ciência segmentada e especializada. Permite ela libertar-se das amarras do imediatismo eficientista. Ao invés do presente imediato eficiente, o futuro impreciso e criador. Aí sim mudanças poderão ser esperadas. Só homens que experimentaram um programa educacional erudito são promessa de anúncios cataclismáticos na cultura. Só estes possuem as condições necessárias para refletir sobre a geração futura, pois estão livres das amarras do instante imediato e eficiente. Somente pela capacidade de um uso acertado dos meios que se nos dispõem para o aprendizado possibilitarão a capacitação necessária para uma agudeza de olhar que veicule a passagem de tudo o que é baixo, pequeno, fechado para uma altura, grandeza e abertura, promotores da verdadeira cultura. E, ao se falar em meios de aprendizado, Nietzsche não está tocando em outra coisa senão no uso adequado da educação, pois, assim, como a educação pode trazer mediocridade, escravizar, da mesma forma, por ela também se é capaz de libertar, dando razão ao poderoso arsenal crítico, próprio do humano. Tal é, pois, o papel do filósofo, daquele que tem como princípio fundamental o "sensus meditationis", aquele que ousa pensar o distante e inaudito, o para além de toda a estabilidade e inércia, aquele cujo interesse é o constante desmantelar pelo poder prodigioso de ser extemporâneo, tendo o gênero do futuro como meta. Oxalá os nossos estabelecimentos de ensino promovam, pela reflexão filosófica, homens que, despreocupados pela utilidade imediata e apenas pragmática, próprios do mundo e da indústria atuais, encarem tudo o que pronto se apresenta como uma possibilidade sempre aberta e dinâmica. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Adilson Felicio Feiler, SJ, é formado em Filosofia pela FAJE Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte. É mestre em Filosofia pela Unisinos. No Medianeira, trabalha no Serviço de Orientação Religiosa, com 7ª. e 8ª séries.

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ESCRITOS SOBRE EDUCAÇÃO FRIEDRICH NIETZSCHE Editora Loyola Escritos sobre Educação é uma reunião de cinco conferências - proferidas pelo filósofo na época em que era um jovem professor no Paedagogium, na Universidade da Basiléia - e do texto 'Schopenhauer educador', em sua versão completa. Esta publicação pretende contribuir com as discussões contemporâneas acerca dos rumos do ensino brasileiro. Os textos abordam a importância dada por Nietzsche à educação e ao ensino dos jovens para a formação e para o desenvolvimento do pensamento e da cultura. Ele propunha uma educação que formasse e não apenas profissionalizasse o estudante. Nas Conferências proferidas na Basileia ele aponta os objetivos, os métodos, os conteúdos e as formas da educação dos jovens, considerando especificamente as relações didáticas entre professor e aluno.

NIETZSCHE, DAS FORÇAS CÓSMICAS AOS VALORES HUMANOS SCARLETT MARTON Editora UFMG Esta obra, em sua 2ª edição, constitui-se num referencial para aqueles que se interessam pela filosofia nietzschiana. Reconstrói, de forma precisa e rigorosa, um estudo sistemático do texto de Nietzsche, ao elaborar uma visão de conjunto da sua obra, refazendo a trama dos conceitos nela presente e reconstituindo o percurso intelectual do filósofo. Conduzido pelo fio de uma escrita elegante e equilibrada, o leitor de 'Nietzsche- das Forças Cósmicas aos Valores Humanos tem, enfim, acesso a uma excelente elucidação de um universo filosófico conseqüente, que mantém, ainda hoje, vivos e plausíveis seus desafios à cultura ocidental.


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O LEITE

PEDRA Por Maria Célia Martirani

Palavras e imagens unidas para dar sentido e significado a experiências da vida, do mundo. Essa parece ser uma das funções do cinema. Acompanhe uma leitura lírica do filme italiano Novo Mundo.

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A primeira cena que abre o filme Novo Mundo, de Emanuele Crialese, é impactante. Dois homens, pai e filho, sobem uma montanha altíssima de pedra. Hábeis, pisam a aridez daqueles rochedos apenas com a planta dos pés, que sangram, habituados, desde sempre, à dureza daquele chão. E é, também, pedra o que carregam nas bocas totalmente cerradas. Estão sós e sua solidão é ampliada num mundo de calcário branco acinzentado, a se perder de vista, nesta espécie de agreste siciliano. Os dois escalam o cume escarpado. A única música que se ouve é a dos ruídos dos corpos em movimento, quase como a batida compassada de seus corações aflitos e dos pios de aves agourentas. Para onde estarão indo essas criaturas abandonadas, que palmilham aquelas pedras com tamanha desenvoltura, carregando, no olhar, apenas, urgências? O que se descobrirá, após esse árduo

Mas o que parece excepcional, neste caso, é a nova linguagem com que Crialese traduz esse tema. Rompe o previsível já de saída, apresentando uma figura feminina de cabelos vermelhos, muito elegante, uma inglesa, que não se sabe ao certo o que estaria fazendo ali, em meio àqueles italianos rudes, desprovidos de qualquer refinamento. Ela destoa dos demais, como um estranho no ninho. Trata-se de uma mulher errante, uma prostituta, que precisava do respaldo de um marido, para poder entrar na América. Percebendo a disponibilidade de Mancuso, vai se aproximando dele, para que consiga alcançar seu objetivo. Ela encarna uma espécie de luminosidade, não apenas pelas tonalidades acobreadas dos cabelos contrastantes com a alvura da pele, mas principalmente por aquilo que lhe é único, numa complexidade feminina de mistério e sedução. Luce representa o diferente, o que, desde o início, também seduz - talvez como o próprio sonho americano - com promessas de renovação e beleza. Como tudo que é novo, atrai e amedronta...

trajeto, é que estão indo ao alto, em direção a um Santuário. Lá depositam as pedras que retiram da boca, em oferecimento ao Senhor, em penitência, para que Ele os oriente, dando-lhes um sinal qualquer que indique a melhor escolha: ficar ou partir.

Não é à toa a rejeição por parte da velha mãe de Salvatore, Fortunata, em relação a Luce. Simbolicamente, teríamos, por trás das máscaras do preconceito, a rigidez de um velho mundo arcaico, que se fecha a qualquer possibilidade de mudança.

E o veredicto será o mesmo que impulsionou tantas levas de italianos meridionais a se aventurarem nos navios, que os levariam à América, ao Novo Mundo, na esperança de uma vida digna. Com uma tomada de cena em que a câmera, lentamente, se afasta dos dois e flagra-os do alto, cria-se uma plasticidade singular. Os dois homens vão se tornando diminutos, até a diluição total no relevo silencioso e absoluto das pedras. E a partir daí terá início a travessia de Salvatore Mancuso, seus dois filhos e a mãe, além de duas moças, que ele se incumbe de fazer chegarem à América. Aparentemente estamos diante de mais um filme sobre a saga de imigrantes, como por exemplo, os dos irmãos Taviani: Caos ou Bom Dia Babilônia, o de Tornatore: A lenda do pianista do mar, ou de Gianni Amelio: America.

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Fortunata decide voltar sozinha à terra natal. Naquele novo mundo, não há lugar para ela, signo fidedigno de uma Sicília longínqua, tão rígida como o teor das pedras que a constituem. Na cena da partida, apenas o apito doloroso do navio que, lentamente, se afasta do porto. Uma nesga de mar se interpõe entre a multidão de homens que fica e a outra que parte, como se a integridade de um corpo fosse cindida ao meio. A tênue linha de água que os separa se amplia, dando conta do decisivo afastamento dos que vão para nunca mais voltar. Quase como morrer um pouco, nessa despedida. Quase como deixar pra trás toda uma vida, uma história, em que só resta o apego obstinado à ideia da reinvenção do ser no novo mundo que se anuncia. E o navio, um ventre gigante que abriga a todos, irmãos transitórios da mesma embarcação. A travessia, então, assume o papel de prota-


gonista e aqueles homens, antes dispersos, passam a se reconhecer. Tocante, a cena da tempestade em alto mar retrata corpos desgovernados, jogados de um lado para o outro, acompanhando a fúria das ondas que oscilam impetuosas. Finalmente, a chegada: o Golden Gate, a porta de entrada à América. Os imigrantes que chegam a Ellys Island são submetidos a uma série de exames e testes para que possam ser admitidos no novo mundo. Percebe-se profunda arrogância e postura extremamente preconceituosa dos "civilizados", em relação aos pobres ignorantes "bárbaros" que acabam de chegar. Toca-se aqui, de modo explícito, na ferida, ainda aberta e muito atual, das teorias xenófobas de Eugenia, sustentadas pelos regimes nazi-fascistas. A ferrugem corrosiva do preconceito e da política de higienização, camuflada no Portão Dourado de entrada às facilidades da nova terra e o preço para nadar nos amenos rios de leite da Califórnia é muito mais alto do que, de longe, se poderia supor. Têm-se a ânsia e a necessidade de sair da terra de origem e a integração esforçada, na difícil assimilação dos novos padrões da terra de chegada. Na última cena, quase surreal, a câmera se aproximará, num close, de Mancuso, Lucy e os dois filhos, de quem só veremos as cabeças, já que os corpos estão submersos no grande mar de leite em que nadam. A câmera vai se distanciando em movimento de ascensão, como se os sobrevoasse e o que

se nos apresenta é um imenso fundo branco, o oceano de leite em que milhares de cabeças, com seus chapéus negros, nadam. Na abertura e no final, de modo coincidente, os peregrinos sicilianos diluem-se no universo montanhoso das pedras, que parece absorvê-los por completo. Ao final, também, como que se diluem na imensidão branca do mar de leite da América. Talvez, a diferença resida em que, no primeiro momento, sejam ainda seres autênticos que integram aquele ambiente, meio homens meio pedras, num íntimo convívio com a terra que só se conhece por meio da raiz umbilical da identidade e do reconhecimento. Nadando no mar de leite, ao contrário, ainda que com as facilidades da nova vida, os Mancuso deixam a pedra ancestral e correm o risco de não saber mais quem, de fato, são, na multidão anônima dos que perambulam errantes, talvez, na eterna busca de uma simples, mas verdadeira, identidade. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Maria Célia Martirani é escritora, autora dos livros de contos Recontando e Para que as árvores não tombem de pé. Pós-graduanda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, da área de Língua e Literatura Italiana, desenvolve sua pesquisa em torno da obra do escritor italiano contemporâneo Alessandro Baricco, a quem entrevistou, em material bilíngue Português-Italiano publicado pela Travessa dos Editores, na Revista de Literatura e Arte Etcetera n. 9: Alessandro Baricco: à procura do velho narrador que habita em cada um de nós. É mãe de aluno do Colégio Medianeira.

NOVO MUNDO (NUOVOMONDO) DIREÇÃO DE EMANUELE CRIALESE Novo Mundo é um filme que conta a história da família Mancuso, originaria das montanhas da Sicilia, e que vende todos seus bens e abandona sua terra natal para embarcar numa viagem em busca de uma terra sonhada e nunca vista, que promete a conquista de riqueza e uma nova vida, o Novo Mundo, os EUA. Durante a viagem uma jovem inglesa, de origem misteriosa, Lucy, se junta à família Mancuso nesta longa jornada. Chegando lá as leis de imigração se tornam tão restritas que a família seria quase que certamente separada e enviada de volta para a Itália, e assim nem todos terão o privilégio de atravessar as portas do paraíso.

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Educação Artística CRÍTICA como

DESCONSTRUÇÃO Por Ana Paula Ferreira da Luz

"A educação artística, como um processo colaborativo, emerge e se desenvolve através de espaços interdiscursivos, desenvolve a partir daí um crescimento crítico, um 'apoderarse' de todos os agentes envolvidos como elementos produtores de conhecimento e de cultura".

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A partir da Pedagogia Crítica1 se gerou uma grande quantidade de investigações e textos que tentam fundamentar o caráter institucional, político e cultural que engloba e define os diversos centros educativos e, desta maneira, as diversas práticas que surgem a partir daí. É notável a ênfase que se coloca cada vez mais na necessidade de gerar investigações e práticas que surjam da realidade dos alunos, de suas próprias experiências culturais e de um contexto social que finalmente possa refletir a identidade de diversas comunidades. Atualmente, a partir do campo da filosofia, assistimos a uma revisão da Teoria Crítica e sua posterior diversificação ou ramificação em tendências de corte crítico que estão afetando igualmente o mundo educativo (Tadeu da Silva, 2002; Gore, 1996; Giroux, McLaren e Peters, 1996). A partir da contribuição de determinadas investigações, como a feminista, a ética radical, a hermenêutica crítica e o pós-colonialismo, estamos assistindo a uma mudança de paradigma nas tendências da Teoria Crítica. Estas absorvem e se posicionam de uma maneira interessante, mesclando e desenvolvendo novas perspectivas que propõem novos modelos de ressignificar e conceber as práticas culturais. Existem revisões da Teoria Crítica recentes que propõem novas formas de (re)pensar a atuação dentro destas perspectivas: uma genealogia do poder aplicada ao corpo como espaço de atuação (Butler, 1993): a sociedade civil como espaço de resistência (Asheden, 1998); o paradigma comunicativo e a autonomia da arte (Wellmer, 1992), e as condições de ação do indivíduo ou grupos culturais a partir de uma dimensão de cultura performativa (Yúdice, 2002). Perspectivas, todas elas, que estão organizando novas estruturas e comportamentos frente ao fenômeno da institucionalização, instrumentalização e absorção de práticas culturais por parte dos artefatos de poder ou de determinados discursos. As práticas críticas subversivas já não aparecem mais como resis-

tência aos discursos em relação aos centros de poder dominantes ; agora se complementam e se articulam a partir do interior dos mesmos sistemas. Esta perspectiva pode redefinir e posicionar as periferias como centros nevrálgicos onde as diferenças são assimiladas e articuladas como formas de resistência dentro dos parâmetros performativos dos sistemas políticos. Esta mudança de atitude deve ser entendida através dos parâmetros da pedagogia crítica, e em concreto pela pedagogia crítica da arte. Partindo desta perspectiva, a educação artística deve estabelecer-se dentro de um processo de co-construção de condições de visibilidade de sujeitos e suas culturas. Isso quer dizer que a educação artística deve atender a construção de sua tecnologia do olhar (Haraway, 1995), de seu poder de visualização e subversão como arma crítica para poder apropriar-se e gerar seus próprios modos de produção e distribuição cultural, da mesma forma em que se criam e desenvolvem suas próprias narrativas. O fenômeno educativo passa a ser a estruturação de condições específicas de performatividade e da construção de relações, produção e distribuição das vozes que representam a comunidade participante na ação educativa.

Educação artística como desconstrução: o surgimento de micronarrativas articuladas O conceito de educação artística como desconstrução parte da perspectiva pragmatista de educação artística, assim como propõe Eva Sturm (2002). Esta professora parte da experiência prática como condição inicial e essencial de qualquer atividade de educação artística. O lema de Sturm é "a arte não existe a menos que não seja aplicada" (2002), assim que o que está em jogo é o conhecimento da arte, é necessário revê-lo desde um modo de ser, desde uma forma de atuação. Aqui é precisamente onde Eva Sturm propõe a educação artística como a busca constante de reinterpretações e suas aplicações constantes desde o discurso da arte. Esta autora compreende

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a desconstrução como uma estratégia crítica de aproximação a textos (obras de arte) que permitem a possibilidade de visualizar relações intertextuais e diversas aplicações e perspectivas diferentes a partir da mesma obra de arte. As possibilidades de interpretar a educação artística como um fenômeno desconstrutivo deveriam não só se limitar a uma metodologia ou aplicação crítica da arte em determinados discursos, mas sim analisar as consequências e as novas relações que se estabelecem nos discursos. Por isso, a desconstrução potencializa a emergência de olhares periféricos e a aplicação do discurso da arte em outros discursos, rompendo e dilatando barreiras. A desconstrução é entendida como uma reconstrução polifônica de todos os processos colaborativos do sistema cultural chamado educação artística. Os sujeitos ou participantes não só discutem sobre arte como também analisam, representam e materializam uma forma de distribuição que se infiltra nos mesmos espaços de poder que o sistema da Arte como instituição constrói. A educação artística, como um processo colaborativo, emerge e se desenvolve através de espaços interdiscursivos, desenvolve a partir daí um crescimento crítico, um "apoderar-se" de todos os agentes envolvidos como elementos produtores de conhecimento e de cultura. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Nota: 1

A Pedagogia Crítica recusa a tese de que o conhecimento e a escola são neutros e que, portanto, os professores devem ter uma atitude neutra. "A escola é um processo político, não apenas porque contém uma mensagem política ou trata de tópicos políticos de ocasião, mas também porque é produzida e situada em um complexo de relações políticas e sociais das quais não pode ser abstraída". (GIROUX, 1987)

Referências: BUTLER, Judith. Bodies that Matter. On the Discursive Limits of "Sex". Nova York: Routlege, 1993. FOUCAULT, Michael. Microfísica del poder. Madrid: La Piqueta, 1992. GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. São Paulo: CORTEZ : AUTORES ASSOCIADOS, 1987 GORE, Jennifer, M. Controversias entre las pedagogías. Discursos críticos y feministas como regímenes de verdad. Madrid: Morata, 1996. HARAWAY, Donna. Ciencia, cyborgs y mujeres. Madrid: Cátedra, 1995. STURM, Eva. Give a voice. Patcicipación educative en projeto na Normandia. En Posch, Herbert R. y Sturm, Eva (ed.). Viena: Turia Kant Verlag, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu. Espacios de identidad. Nuevas visiones sobre el currículum. Barcelona: Octaedro, 2001. YÚDICE, George. El recurso de la cultura. Usos de la cultura en la era global. Barcelona: Gedisa, 2002.

Ana Paula Ferreira da Luz é mestranda no programa de pós-graduação Artes Visuais e Educação: um enfoque construcionista, na Universidade de Barcelona (2008 - 2009). Possui licenciatura em Educacão Artística hábilitacão Artes Plásticas, pela Faculdade de Artes do Paraná (2004). É especialista em História da Arte Moderna e Contemporânea pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (2005). Atualmente, é professora de Artes do Colégio Medianeira. anapaulaluz@hotmail.com

ESCOLA COM ARTE - MUL TICAMINHOS P ARA A TRANSFORMAÇÃO MULTICAMINHOS PARA ANGELA CARRANCHO DA SILVA Editora Mediação O que o leitor tem nas mãos, diz Alberto Tornaghi, no prefácio deste livro, não é um texto sobre educação, são vários. Vários autores, artigos, temas, abordagens e focos distintos, mas cujo traço-de-união fica por conta de uma mesma luta - tratam todos eles dos desafios do ensino da arte na educação básica e das artes em suas variadas manifestações. Os autores deste livro lutam contra o tolo desperdício de riqueza e de força transformadora que ocorre na escola quando as artes não fazem parte dos currículos escolares. O livro traz os seguintes temas - Um hipertexto sobre arte na educação; Ensino da arte na escola; do abracadabra ao abre-te sésamo; A arte entra em cena na escola; O teatro de Brecht - Prazer e transformação social; Cirandas virtuais - Tradição e tecnologia parceiras de um novo tempo; TV e multiculturalidade na escola; O começo é o fim pelo avesso; crianças ilustrando narrativas.

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É

tudo NOVO deNOVO

A dança do leva e traz

Por Mábile Borsatto

Assim como na reciclagem dos resíduos sólidos (lixo), também a arte não joga fora o saber acumulado pelas tendências artísticas do passado.

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N

Na arte pós-moderna, encontramos novas versões para o conceito de repertório corporal, ou seja, agora se fala que modernizar o passado é atualizar-se através de processos artísticos, utilizando o passado para valorizar seu produto. Mas reciclar produtos culturais não é exatamente como reciclar detritos sólidos. Na reciclagem de lixo, os produtos serão utilizados novamente, com novas funções, novos formatos com praticamente a totalidade de aproveitamento desse material. Na reciclagem artística, há o risco de efeito inverso. Como o procedimento é amplo, podendo ser utilizado nos mais diversos contextos, serão consideradas pertinentes à cultura da reciclagem apenas as práticas criativas

que exploram a materialidade das linguagens, manipulando com postura crítica o material tratado, especialmente nos casos em que isso acontece na dança. Isso é justamente uma tentativa de entender que as relações são possíveis entre momentos e estudos passados e a formulação do conhecimento que se oferece nas produções presentes em dança. É o retrato de um processo que envolve análises e principalmente consciência do que se está utilizando em um novo contexto. A favor dessa relação, um conceito aparece como um dos grandes temas da dança contemporânea, o hibridismo das manifestações artísticas. Talvez a questão central esteja presente no eixo evidente de sua organização, o uso de estudos, movimentos, técnicas desenvolvidas ante-

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riormente às nossas produções, obrigando-nos no bom sentido à leitura de uns poucos parágrafos resultantes da busca das motivações para a tentativa adiante, buscando nas raízes encontrar inúmeras manifestações de igual importância e relevância cultural. O presente artigo sugere então que a reciclagem, um dos exemplos de como o ideário dessa cultura se insere progressivamente em setores sociais cada vez mais amplos, acontece também na arte. Por isso, o símbolo de uma sociedade preocupada em preservar suas reservas naturais e reaproveitar os detritos sólidos pode também ser apontado nos valores artísticos. Assim, parece razoável aproximar a dança do universo em que a pesquisa entre corpo, espaço e tempo faz-se extremamente im-

portante para construções coerentes capazes de (re)viver sua história, corporificar conceitos e equilibrar pesquisas passadas/presentes que dialogam. Reciclar é um estímulo constante na troca de experiências e conhecimentos. A troca é feita não apenas na apreciação dos espetáculos, mas também na criação de espaços de diálogo, sejam eles teóricos ou práticos. Essa aproximação implica um novo tipo de relação de autoria, resultado do diálogo frágil entre criadores. O grande problema dessa reciclagem é que na grande maioria não acontecem grandes mudanças na estrutura coreográfica e na organização cênica, que geralmente aparecem apenas com uma nova roupa sem qualquer relação com o tempo e espaços atuais. Apenas reproduções desfocadas com o propó-


sito fraco de manter vivos os ideias de outra geração distante das nossas problemáticas. A recontextualização de objetos e obras dos mais diversos tipos não pode favorecer as idéias de reprodução. Ainda que isso aproxime a prática das diversas formas de intertextualidade, é preciso deixar claro que só há reciclagem com intuito de renovação quando existe um reaproveitamento dos materiais e conceitos que compõem o texto de partida, mas com transformações e práticas de reutilização coerentes com o que o presente pretende comunicar. Nesse contexto, reciclar é marca de uma sociedade em que o excesso, a velocidade, e a multiplicidade interessam porque são nossos. Vivemos mais as sujeiras e as belezas do passado buscando na diversidade o direito de exercer autonomia, aceitando e re-configurando todos os padrões e pré-conceitos sobre o corpo e, simultaneamente, sobre arte e sociedade. A articulação das ações desenvolvidas pela reciclagem artística aponta para a sua consistência. A ampliação do diálogo potencializa as ações de intercâmbio e disseminação de conhecimento no terreno da dança. A manutenção dessa rede de trocas entre passado/presente/futuro resulta em bons frutos para a cena que ganha espaço de difusão para criação em dança. Enfim, a dança do leva e traz é a novidade antiga que, feita de maneira consciente, guarda continuidade, pois possibilita a troca, o diálogo e principalmente o caráter mutável tão presente na arte e na sociedade. E assim trabalhamos com a dança como uma expressão de um corpo sóciopolítico-cultural. Pesquisa-se então a arte que trabalhe com os significados e que trace relações diretas entre dança e contexto, formando uma imensa rede de relações. Ligações intimamente unidas na produção de conhecimento e novos questionamentos de mundo. Desse modo, reciclar é realmente preciso. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Mábile Borsatto é professora de Dança do Colégio Medianeira. É formada em Bacharelado e Licenciatura em Dança pela FAP (Faculdade de Artes do Paraná), mesma instituição onde faz especialização em Artes e Ensino das Artes. Pesquisadora em Dança Contemporânea na Attraverso Cia de Dança.

O FFAZER-DIZER AZER-DIZER DO CORPO CORPO:: DANÇA E PERFORMA TIVID ADE PERFORMATIVID TIVIDADE JUSSARA SOBREIRA SETENTA Editora da UFBA

O livro parte da premissa de que dança e política compartilham o mesmo processo de constituição das propostas e idéias artísticas e coletivas. Afirma que, é possível pensar a dança como um fazer que é dizer, onde, dança e política co-existam e acionem outros modos de agir artisticamente, capaz de discutir, com o seu fazer, qual o "lugar" da dança na sociedade atual. Para isso, divide-se em três capítulos: o primeiro e o segundo abordam o corpo que dança com ênfase na organização da fala do corpo e nas questões de poder contidas nesses corpos. Já o terceiro revela as implicações políticas provenientes do fazer-dizer performativo. A obra possui, ainda, diversas ilustrações que fazem uma conexão direta com o texto escrito e que facilitam a compreensão do leitor.

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ALMÔNDEGAS Saiba mais sobre a importância histórica, sociológica, filosófica e gastronômica das... almôndegas. Ah, e aprenda como fazêlas, é claro.

Por Marcelo Weber Não adianta subestimar a importância e a superioridade da cultura árabe em vista da cultura cristã da Europa medieval. O árabe ensinou o europeu a tomar banho, fazer cálculos, geometria, gostar de arte, cozinhar decentemente, barbear-se, curar doenças, ver estrelas, fazer fontes e regaços, escrever história, fazer amoníaco, Al-kool, poesia e também... almôndegas. Al-bundqa, ou al-bondoca, como eles chamavam, o que quer dizer bolinha, bolinha de carne picada. Já se roíam almôndegas nas caravelas durante a epopeia portuguesa. Pero Vaz de Caminha relata a El Rei Don Manuel, na carta do Achamento do Brasil, que dois índios levados a bordo experimentaram biscoitos e fugiram de uma galinha, mas esqueceu-se de dizer que estes dois pioneiros foram recebidos primeiro às almôndegas - que mastigaram e cuspiram fora, contorcendo-se em caretas de desgosto. Maior sucesso fizeram os espelhinhos, anzóis, bugigangas de 1,99 e finalmente as hóstias dos batismos. Pero Vaz não sabia que os índios seriam por mais de 600 anos adiante bacamarteados, arcabuzados e espingardeados, resfriados, sifilizados, dizimados e, os que sobrassem, civilizados. A Carta, aliás, é muito vaga, visto que não nos dá notícia de receita alguma. As almôndegas mudaram muito com o passar do tempo, acompanhando a evolução dos povos. No princípio eram duras, indigestas, grandes, secas, de carne picada, sal, pimenta do reino, ovo, farinha, mas com o advento das navegações - e o ouro, a prata e principalmente os tomate de Potosi - os europeus puderam experimentar a almôndega umedecida, navegando em molhos vermelhos nunca dantes

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mergulhados. Era o requinte, era a Renascença.... e as almôndegas ganharam com isso. Por que não ganhariam? As raspas de noz moscada, ou uma pitada de chili, ou pimenta calabresa ou murupi são algumas das tantas benesses da circunavegação e da modernidade penetrando no seio da civilização arcaica Greco-romana, Católica Apostólica, através, também, da almôndega. Do mesmo modo que o pintor Masaccio e o arquiteto Brunelleschi deram corpo ao espírito renascentista imprimindo os cânones da nova

estética em todos os cantos da terra onde houvesse civilização, Parma estigmatizou com seu queijo as velhas almôndegas da Idade Média, o pão as tornou macias, o molho as elevou a esferas supra-lunares, o macarrão as platonizou. La divina pasta con polpette, diria Dante Alighieri no relato do paraíso... mas o coitado morreu antes de conhecer o molho de tomates... Hoje, crianças, mulheres grávidas, idosos, místicos, artistas plásticos, reitores, bacharéis comem e recomem almôndegas. Índios comem almôndegas com Lévi-Strauss e dançam e cantam com Sting.

Almondêgas RECEITA PARA 4 PESSOAS: 400 g. carne moída de primeira (um dia ensino como comprar carne e como se comportar no açougue) ¼ de linguiça Blumenau 1 molho salsinha 1 cebola ralada 1 tomate Dois pães amanhecidos Queijo parmesão Dois dentes d'alho Folha de louro Noz moscada raspada Raspas de limão Dois ovos Leite

MODO DE PREPARAR: Misture a carne moída com a linguiça Blumenau, e o alho picado e a salsinha e a pimenta do reino. Acrescente o pão descascado e molhado no leite, mas espremido na mão para que saia o excesso. Acrescente à noz moscada as raspas de limão e o queijo ralado. Faça bolinhos com ajuda de farinha de rosca ou de trigo. Deve ficar firme. Não precisa passar no ovo e farinha, nem fritar. Prepare um molho refogando uma cebola, dois dentes de alho com uma folha de louro, e acrescente 3 ou 4 tomates maduros e sem pele. Deixe apurar e coloque mais salsinha e cebolinha. Terminada esta operação, coloque as almôndegas com cuidado para não desmanchar e abaixe o fogo. Veja que as almôndegas soltarão água. Se o molho não estiver previamente apurado, ele fica muito líquido.

Farinha de rosca fresca Na próxima edição, tem mais.

Marcelo Weber é artista no seu sentido mais amplo, renascentista. Ex-aluno do Medianeira e agora pai de aluna, é autor do Mural do Conhecimento, obra em azulejo em exposição na entrada principal do Colégio.

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O ATRASO Por Rita Waldrigues

Amanheceu o dia, escutei o barulho do avião, do cachorro e dos carros. Tenho cinco minutos para chegar à escola, passei a mão no pente, batom e perfume, saí em disparada ao encontro dos meus alunos. O cabelo todo bagunçado precisou sair enlaçado. Calça desbotada, um tênis nos pés e muitos sonhos na cabeça. Ah, este dia foi todo atrapalhado, mas um dia inesquecível, ganhei mais beijinhos do que imaginava e todos sentiram o cheiro forte da minha correria, que estava com gosto de quero ensinar, quero dar o meu melhor a vocês.

Que saudade da turma de 2005, um ano difícil para enfrentar, um ano de coragem pessoal e um desafio a conquistar, ensinar o significado das letras, construir os "sentidos" de que podemos expressar nossas emoções por meio dos nossos desenhos, palavras, frases e textos, e com muita ternura e sabedoria expressar a emoção de sempre. De chorar escondida no banheiro, de falar que está com os olhos brilhantes cheios de tanta emoção e da saudade que sentirei quando a aula terminar... E quando o sonho da vida real acabou... O jeito é continuar a sonhar...

No desespero de chegar no horário, senti que o momento era bom, dividir o que aprendi e sonhei com meus alunos é muito mais que sentir a brisa bater nos meus pensamentos, e esta trouxe todos os sonhos da noite passada, agora entendi porque dormi demais, sonhei tanto com as minhas aulas que compreendi que uma noite era pouco para sentir o brilho dos olhos da Gabriele, enfrentar os desafios do Reginaldo, entender o choro da Ale, compreender as queixas do Washington, em meu sonho deu tudo certo, mas a realidade transcendeu!

Ufa! Cheguei antes do sinal bater, e o sonho se tornou realidade, ainda penso e entro em conflito, pois vivi todas as emoções que o sonho permitiu, assim como as perguntas, as traquinagens, as macaquices que fizemos para chamar atenção daqueles amontoados de letrinhas coladas na parede, que quando estão juntinhas revelam concretamente os nossos sonhos e desejos de ensinar sempre da melhor forma. Ainda me atraso, ainda sonho e ainda ensino com emoção. E continuo ganhando muiiiiiitos beijinhos.

Sentir o cheiro da infância, do espaço escolar, das perguntas de todos os dias, das conclusões incertas, certas e apressadas que me fazem querer sonhar todos os dias com as minhas aulas e entender que sem sonhos não existe aula, e sem aula não existe sonho!

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Rita de Cassia Gomes Waldrigues é formada em Pedagogia (PUCPR), especialista em Psicopedagogia (UTPPR) e mestranda em Educação (PUCPR). É pedagoga da rede municipal e, no Medianeira, atua no Acompanhamento de Aprendizagem com 2° e 3° anos nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, no período da tarde.


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