Revista Mediação - Número 26

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revista de educação do colégio medianeira NÚMERO 25

ANO XI

ISSN 1808-2564

Ciberespaço

e Midiaeducação Novos ESPAÇOS, novos SUJEITOS

O livro, o desenho e o espaço vazio a criança criativa

Como você ouve música hoje?

sobre DUAS rodas:

a cidade e

a bicicleta



Diretor Pe. Rui Körbes, S.J.

Diretor Acadêmico Prof. Adalberto Fávero

Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira

Coordenação Editorial Cezar Tridapalli

sumário

expediente

Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564

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A bicicleta na cidade grande: apontamentos sobre uma cultura ciclística urbana à brasileira.

Gustavo Pinheiro

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O espaço como brinquedo ou por um brincar como invenção de espaços

Gladis Tridapalli

Revisão Cezar Tridapalli

Redação

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Convide a criança para desenhar o que ela quiser

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Como escolher livros para crianças?

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Midiaeducador: que sujeito é esse?

Diego Zerwes

Bruno Ruiz

Projeto Gráfico Liliane Grein

Ilustração e imagens Shutterstock

Colaboraram nesta edição

Cláudia Serathiuk

Gustavo Pinheiro, Gladis Tridapalli, Bruno Ruiz, Claudia Serathiuk, Cezar Tridapalli, Andre Tezza, Aldalberto Favero, Ricardo Azevedo, Valdomiro Ruppental, Nara Nunes Dutra, Martinha Vieira e Daniel Zanela.

Tiragem 3300

Papel Capa: Papel reciclato 180g Miolo: Papel reciclato 90g

Música e Educação

Numero de Páginas

22

52

Impressão Gráfica Radial Tel: 3333-9593

Cezar Tridapalli

Educação e Música Considerações sobre a formação do ouvinte em tempos de internet

Andre Tezza Considerações sobre a formação do ouvinte em tempos de Internet

Equipe Pedagógica Supervisão Pedagógica Claudia Furtado de Miranda, Danielle Mari Stapassoli, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy e Fernando Guidini

que espaço é esse? 26 Ciberespaço: Adalberto Fávero

Educação Infantil e E. Fundamental de 1º a 5º ano Coordenação Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro

Ensino Fundamental de 6º e 7º ano

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Coordenação Profª Eliane Dzierwa Zaionc

Ensino Fundamental de 8º e 9º ano Coordenação Profª Ivana Suski Vicentin

Ensino Médio

Vida, cidadania e teatralidade

Ricardo Azevedo

Vida,

cidadania e

TEATRALIDADE

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Por Ricardo Azevedo

Coordenação Profº Marcelo Pastre

Coordenação de Pastoral

Economia: as regras da nossa casa-mundo

Valdemiro Ruppenthal

Pe. Guido Valli, S.J.

Coordenação de Midiaeducação Cezar Tridapalli

Comunicação e Marketing Vinícius Soares Pinto

de

inventos e novos ventos

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Entrevista com Fred Teixeira e Juliana Cortes

Educação para a sustentabilidade: missão de todos por um mundo melhor

Nara Nunes Dutra

De inventos e novos ventos

45 Entrevista com Fred Teixeira e Juliana Cortes Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria. Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR fone 41 3218 8000 Fax 41 3218 8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Martinha Vieira

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Os barulhentos e ingênuos modernistas

Daniel Zanella mediação

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editorial

U

ma boa turma entre nós, leitores desta revista, faz parte de uma geração que está mais ou menos integrada aos novos meios de informação, comunicação, conhecimento e geração de cultura proporcionados pelo famigerado ciberespaço. Já não mandamos mais cartas aos nossos amigos, lambendo selos e indo até uma agência dos correios, já somos fotografados e corremos para o fotógrafo querendo ver como ficou a imagem, não carregamos mais um trambolho enorme para poder ouvir nossas músicas enquanto caminhamos, entre outros exemplos que poderíamos ficar aqui relembrando. No entanto, não há como fugir da ideia de que adultos com mais de trinta anos cresceram em um mundo muito diferente deste atual. Mudanças não são exclusividade desse tempo, mas a velocidade delas é, sim, característica que diferencia nossa vida contemporânea. Muitos de nós crescemos em um mundo com menos ruídos sonoros e visuais, menos estímulos brotando de janelas de telefones celulares, computadores, redes sociais, e-mails, canais de vídeos e tal. Abríamos mapas em papel e estudávamos a fixidez das fronteiras, tínhamos um mundo do trabalho menos movimentado, a estabilidade como sonho de consumo dos nossos pais. Isso moldou nossa visão de mundo de alguma forma. E eis que, numa velocidade inimaginável, tudo mudou. E continua a mudar. A escola tem raízes profundas cravadas na tradição do saber historicamente acumulado. E isso não deixa de ser uma de

suas maiores riquezas. Mas esse passado faz sentido se for trazido e cotejado com o presente. Ele ajuda a nos situar no mundo, mesmo que esse “situar” seja dinâmico. De que forma, então, o ciberespaço pode entrar e fazer parte das rotinas escolares, sendo estudado como objeto de estudo e também como conjunto de procedimentos que geram possibilidades transformadoras tanto na rotina diária da escola quanto na ampliação da visão de mundo e da capacidade criativa do aluno e do educador? Um mantra a ser repetido: “nunca esquecer as mídias tradicionais” (e o livro talvez seja o maior exemplo), mas colocá-las em diálogo com uma nova forma de apreensão dos enigmas do mundo advinda do ciberespaço, da cibercultura. Sobre esse tema é que esta edição da revista se debruçou de maneira mais aprofundada, com dois artigos que tratam com mais acurácia as breves pistas apontadas acima.

Outra pergunta: quando você escuta música, você só escuta música? Ou faz várias coisas ao mesmo tempo e deixa o som rolar como pano de fundo? Vamos falar sobre isso também, trazendo ainda uma entrevista com os dois últimos contemplados do Projeto Medianeira Nossa Música, que apoia e patrocina músicos locais. Juliana Cortes e Fred Teixeira falam a respeito de seus trabalhos e da música feita em Curitiba.

Mas, como sempre, outros temas habitam nossas páginas. Nesta edição, um longo artigo a respeito de Economia esclarece em detalhes algumas chaves de funcionamento da economia de mercado e propõe a discussão de alternativas urgentes. As crianças também aparecem com grande destaque, seja na discussão sobre a escolha de livros para os pequenos, ou sobre a possibilidade de fazer com que o espaço livre do excesso de brinquedos possa ser o maior brinquedo. Além disso, já pensou em deixar uma criança sozinha, apenas com uma canetinha hidrocor na mão e um sofá branquinho à frente? Que tal lhe parece? Você vai entender o porquê da pergunta.

Uma ótima leitura, no papel ou na tela. Visite-nos no www.colegiomedianeira.g12.br ou no www.midiaeducação.com.br. Lá você pode conferir na íntegra todas as edições desta nossa revista.

Muito em voga, a sustentabilidade vem sendo debatida no mundo todo. Além de estudá-la, é preciso arregaçar as mangas e praticá-la. Novamente no campo das artes, encerramos este número com uma revisitação à Revista Klaxon, do Movimento Antropofágico do início do século XX e que contribuiu para o Modernismo brasileiro. O artigo envolve educação e o ensino de arte nas escolas.

Abraços. Cezar Tridapalli

Envie sugestões e comentários para:

mediacao@colegiomedianeira.g12.br Procure essa e as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso blog:

www.midiaeducacao.com.br

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na cidade

artigo

a BICICLETA

GRANDE:

apontamentos sobre uma cultura ciclística urbana à brasileira.

A presença mais comum da bicicleta nas ruas obriga o motorista ao respeito. As muitas campanhas, o envolvimento da mídia, as recentes ações da administração pública, os ainda tímidos implementos à malha cicloviária, e, afinal, a palavra de boca em boca, o somatório das experiências individuais de descoberta da viabilidade e do prazer de locomover-se de bicicleta, tudo isto tem colaborado para um ambiente mais amigável ao ciclista e para uma verdadeira tomada das ruas pelas bicicletas. Por Gustavo Pinheiro mediação

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Tá!

Tudo bem, tatu do bem: quando o tema está muito em voga, o assunto fica logo batido. Mas desde quando, afinal, este tema está em voga? Eu mesmo já nem sei dizer. Quando vim morar em Curitiba, por exemplo, no ano de 2001, eu já utilizava a bicicleta como transporte e o fato é que as ruas da cidade eram muito hostis ao ciclista. Os ônibus praticavam recorrentemente as “finas educativas” – nome odioso dado a este ato de ameaça à vida humana – e as buzinas e ofensas eram constantes. Eu vivera em Paranaguá durante os anos 1990 e a bicicleta, lá, era o meio de transporte predominante. Ainda é. Nas cidades interioranas do Brasil inteiro (à exceção do Estado de Minas Gerais, com sua topografia ultraexigente para a propulsão humana) tem sido assim há décadas.

Mas aqui, na capital paranaense, nestes últimos anos, a mudança é radical. A presença mais comum da bicicleta nas ruas obriga o motorista ao respeito. As muitas campanhas, o envolvimento da mídia, as recentes ações da administração pública, como a via calma da Sete de Setembro e os ainda tímidos implementos à malha cicloviária, e, afinal, a palavra de boca em boca, o somatório das experiências individuais de descoberta da viabilidade e do prazer de locomover-se de bicicleta, tudo isto tem colaborado para um ambiente mais amigável ao ciclista e para uma verdadeira tomada das ruas pelas bicicletas. E pedalar é uma experiência geográfica marcante. Descobre-se a cidade por baixo dos prédios, suas montanhas e seus vales. O automóvel particular encerra um desperdício energético brutal, evidenciado pelo dado elementar de que, ao dirigir sozinho, um ser humano move uma tonelada e meia para transporte de seus oitenta e poucos quilos. A razoabilidade da bicicleta se expressa na sua leveza e agilidade. No trânsito, é comum que os motoristas se assustem com uma bicicleta que se aproxima rapidamente de um cruzamento. O adulto motorista vai esquecendo o que seu corpo, na infância, sabia muito bem. Habitua-se ao peso, à lentidão do enfileiramento das carcaças, ao disparate material de um congestionamento. Mas chega de proselitismo! A mudança radical de contexto que

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estamos experimentando já nos permite avançar na conversa. Pode-se reconhecer o desenvolvimento de uma cultura ciclística própria deste contexto atual, metropolitano e brasileiro, do crescimento do uso da bicicleta como transporte na cidade grande. É possível pensar a cultura ciclística de que falo a partir de seu paralelo com a cultura automobilística. Ela é menos elitista, mais difusa e não irradia necessariamente do modelo de desenvolvimento urbano norte-americano, como no caso do automóvel. Como prática cotidiana e funcional, é menos visível para quem está imerso nela, tanto mais quanto esteja de fato imbricada nos hábitos diários. Assim é que nos lugares onde esta cultura está melhor estabelecida, temos a predominância de determinadas características para as bicicletas, vestimentas, alternativas de transporte de carga, etc… Nas cidades do interior do Brasil, por exemplo, onde sempre se pedalou como transporte, o mais comum são bicicletas com relação simples, ditas “sem marchas”, de quadros de aço carbono, de bicicletas que têm provado sua durabilidade e confiança anos a fio. O trânsito mais tranquilo permite a cena clássica da família sobre a bicicleta: o pai pedalando, a mulher sentada de lado na garupa, um filho no colo e outro numa cadeirinha presa ao guidão, ou “no cano” mesmo. Os modelos “Barra forte” e “Barra circular”, das marcas Caloi e Monark, respectivamente,


embora tenham perdido muito em qualidade nas suas versões mais recentes, ainda são a regra. Paralamas e outros implementos de caráter utilitário também são sintomáticos da consolidação desta cultura: as pessoas se apropriam dos objetos, modificando-os conforme diretrizes estéticas ou funcionais. É curioso notar uma tendência atual de transformar as bicicletas segundo um padrão de modificações que se costuma fazer em automóveis: “rebaixar”, adornar as rodas, instalar suspensões pesadas visando um aspecto de robustez, na grande maioria das vezes em prejuízo da funcionalidade e eficiência da bicicleta. Entretanto, o uso diário da bicicleta num grande centro urbano requer uma especialização da indústria que, no Brasil, vai sendo alcançada a passos lentos. No contexto atual, fica cada vez mais evidente o abismo criado por uma segmentação de mercado que, à semelhança do que ocorre com os eletrônicos, cria ampla oferta de produtos de baixíssima qualidade, praticamente descartáveis, inflacionando o segmento imediatamente superior. Este, por sua vez, distingue-se do nível mais baixo apenas porque sua durabilidade é suficiente para que siga sendo funcional por um prazo significativo. Ainda como no caso dos eletrônicos, este segmento inferior destina-se quase que imediatamente ao lixo e sua produção e comercialização são das manifestações mais vis e irresponsáveis do caráter acéfalo dos mercados e do livre “empreendedorismo” industrial.

Além do desperdício ao aglutinar metais e plástico para componentes que durarão muito pouco servindo àquilo para que foram fabricados, estas bicicletas frustram a experiência das pessoas com o aparelho. Criam a impressão equivocada de que bicicletas são máquinas ineficientes, trambolhosos transtornos. Lamentável, numa época em que a tecnologia do ciclismo está em seu auge e, com um mínimo de orientação, é possível adquirir um maquinário relativamente barato e perfeitamente funcional. Na Europa, em cidades cuja adoção da bicicleta como meio de transporte é absolutamente majoritária, o estágio mais avançado de industrialização faz com que predominem bicicletas essencialmente simples e duráveis, cujos componentes são fabricados em pequena escala, para atender aos mercados locais. Há uma ampla oferta de acessórios, reboques para transporte de crianças e alforjes. Impressiona o ciclista urbano brasileiro a simplicidade das bicicletas de Copenhague, de Amsterdã. “Pretas”, inexpressivas. É que a nossa referência de uma boa bicicleta ainda são as bicicletas esportivas, que se opõem às entulháveis “bicicletas de supermercado”, usadas um par de vezes e destinadas à poeira dos bicicletários de condomínio.

da qual estou falando. Indo a Belo Horizonte, embarco minha bicicleta no avião, despachada num volume compacto, preparado no próprio aeroporto, em cerca de 30 minutos, utilizando uma mala específica para isso. Despacho, também, os alforjes de uso diário como bagagem convencional. Tudo fica ainda muito aquém do limite de peso franqueado. Em Confins, monto a bicicleta e pedalo o trecho de 45Km até Belo Horizonte. As alterosas mineiras, mesmo aplainadas no entorno da metrópole, são um desafio. Não fosse meu tempo, vontade e disposição para encarar a empreitada, poderia ter tomado um ônibus carregando a bicicleta ainda embalada. Devagar, vão se popularizando as práticas, vão acabando os “ineditismos”: o pessoal da companhia aérea lidou com bastante naturalidade com o fato de que eu despachava uma bicicleta.

Escrevo este artigo enquanto faço uma viagem que tem ares desta cultura ciclística urbana em ascensão,

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Cada vez mais, os prédios comerciais dispõem de bicicletários e a pergunta provocativa que eu costumava fazer: “mas ninguém vem de bicicleta aqui?” fica sendo só uma lembrança. Esta cidade por vir segue com as suas muitas mazelas, mas o trânsito é mais limpo, mais silencioso e a presença aberta dos corpos nas ruas torna o espaço urbano, afinal, essencialmente mais humano.

Gustavo Pinheiro é laboratorista audiovisual do Colégio Medianeira, advogado e cicloviajante. Formado em Direito e graduando em Cinema, desdobra-se entre a advocacia e a edição de vídeo. Integra o Água Viva Concentrado Artístico, grupo que realiza diversas ações culturais na cidade de Curitiba. Já viajou de Curitiba ao Rio de Janeiro, de Porto Alegre até Montevidéu, entre outras pedaladas.

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Recomendações A Holanda é conhecida por ser um país em que a bicicleta é utilizada como meio de transporte. Cerca de 84% da população tem uma ou duas bicicletas e 33% dos deslocamentos diários são feitos com ela. Chuva, vento ou frio não impedem que os bicicletários fiquem lotados. Acesse os links abaixo e confira dois vídeos.

Cycling in the Netherlands in the 1950s http://bit.ly/1poOrA6 Uma coleção de imagens coloridas de ciclistas holandeses nos anos 1950. Em vilas, cidades, indo ao trabalho, por puro prazer: os holandeses andam muito de bicicleta por todo o país.

Bicycle Rush Hour Utrecht (Netherlands) III http://bit.ly/1q6m1XT

O tráfego intenso de bicicletas na quarta maior cidade da Holanda: Utretch, que tem mais 300 mil habitantes.

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artigo

O ESPAÇO como brinquedo ou por um

brincar

como invenção de

ESPAÇO Por Gladis Tridapalli

E aí, o que podemos inventar pra hoje? Do que o espaço deixa a gente brincar? Cabana, navio, restaurante, avião? Pular na cama? Se esconder no closet? Brincar de fantasias? Se arrastar pelo chão? Fazer piquenique com as bonecas? Ou nada disso? O que vem pela frente?

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A

prática do brincar geralmente está associada a manusear brinquedos. Isso indica que, quanto mais brinquedos a criança tem, mais possibilidades ela teria de brincar. Uma hipótese aceita. No entanto, nessas linhas que seguem, proponho mais uma hipótese para o brincar. Uma hipótese que, com toda humildade, é testada, todos os dias, nessa inevitável relação de ser mãe, professora e artista da dança ao mesmo tempo. Por isso, trago a ideia de brincar como a arte de inventar espaços.

Um amiguinho da minha filha, que veio brincar em casa, entrou no quarto dela e fez a seguinte observação: “Olívia tem poucos brinquedos”. Na hora, levei um choque e pensei: será que pouco nos dedicamos à compra de brinquedos para a Olívia? Resposta interna imediata: sim, realmente, não somos bons em compras e, por escolha, tentamos comprar poucos brinquedos. Adquirir muitos brinquedos implica o pouco uso dos mesmos e um acúmulo de plástico/lixo/luxo/que é típico do exercício automático e anestesiado da compra capitalista. Comprar porque a criança está entediada e pede novidade. Comprar porque a propaganda instaura a necessidade. Comprar brinquedos porque nós, mães e pais, já não sabemos o que fazer com uma tarde inteira e uma criança. Comprar para preencher, para entulhar as prateleiras. Comprar sabendo que podemos doar no natal e achar que assim salvamos nossa

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consciência, o planeta e as crianças que não possuem brinquedos. Enfim... Mas voltemos à preocupação inicial: Olívia estaria brincando pouco porque não possui muitos brinquedos? Não. Ela brinca muito. Apresentei para o amigo da Olívia os brinquedos reais: bonecas de pano, alguns jogos de madeira, quebra-cabeças, livros infantis, uma cozinha linda que a dinda deu e umas motocas de pedal também. Assim, a dupla de amiguinhos seguiu brincando com o que tinha e por um bom tempo. No entanto, a falência das possibilidades dos brinquedos já era esperada por mim, e a pergunta costumeira vem:

mãnhêeee o que tem mais pra brincar?

O momento da falência do brinquedo e de pânico para as mães (risos) é a hora em que a criança enjoa de tudo que ali está, porque já explorou o que o brinquedo na sua função mais óbvia apresenta como possiblidade. Quando o brinquedo e a sua lógica concreta se esgotam, abre-se mais espaço para que a imaginação e outros modos de brincar com ou sem esses brinquedos possam emergir.

mãnhêeee o que tem mais pra brincar?

Ao tentar responder a pergunta, saí pela casa mostrando os espaços como possibilidades de um habitar brincante. Aqui temos a casa/ap toda para vocês: sala branca grande qua-


se vazia com a parede para desenhar, no quarto o closet e suas escuridões tão cheias de mistério, os corredores, os entre-lugares, as sacadas com plantinhas. E antes de me afastar da dupla de amiguinhos, eu perguntei o que pergunto à Olívia nas manhãs que passamos juntas: - e aí, o que podemos inventar pra hoje? Do que o espaço deixa a gente brincar? Cabana, navio, restaurante, avião? Pular na cama? Se esconder no closet? Brincar de fantasias? Se arrastar pelo chão? Fazer piquenique com as bonecas? Ou nada disso? O que vem pela frente? Cada dia Olívia inventa uma coisa com seus brinquedos reais e também com outros materiais, como panos, lençóis, panelas, travesseiros, cadeiras, grãos, livros, copinhos. Com muita tranqueira, ela preenche o espaço vazio e o tédio de não saber o que fazer e que, aos poucos, é substituído por uma longa brincadeira narrada por sua vozinha em intermináveis invenções. A poltrona vira montanha. O chão branco o mar. As cadeiras portas da cabana. Os lençóis são paredes e até personagens. As bonecas convidadas. As panelinhas aeronaves.

A casa vira virando uma bagunça e antes isso me deixava angustiada. No entanto, no correr do tempo, entendi que não era a bagunça que me fazia mal, porque afinal, depois, arrumamos tudo e juntas. O que me angustiava era a falta de espaço. Como num grande estúdio vazio para se dançar, tivemos que abrir espaços em nosso apartamento para que o espaço realmente se tornasse uma possibilidade para uma criança existir como um ser brincante, inventivo e livre para transformar objetos e lugares, que aparentemente não são brinquedos, em jeitos de brincar.

um apartamento que aparentemente não é tão bonito como antes e não tem um bom sofá para visitas. Ao mesmo tempo, nossas visitas se refestelam nos pufes, tapetes, bolas de pilates, chão.

relações

Abrir espaços no próprio espaço. Desdobrar espaços no aparente espaço único. Abrir espaços. Decisão tomada. Lembro que foi um dia de doar muitas coisas: sofás, tapetes, mesas, utensílios domésticos, roupas e louças. Foi um dia de abandonar certas coisas que não fazem mais sentido porque certas materialidades aprisionam o sentir e o próprio reconhecimento de outros modos de operar no espaço que habitamos no cotidiano como a nossa própria casa. Foi um dia que fizemos escolhas por

Abrir espaços se tornou meta. Espaço. Espaço. Espaço. Espaço físico, espaço da imaginação, espaço para as relações humanas. Abrir espaço para que o pensamento comece a navegar, a enxergar o que está posto e o que vai além, a criar, percorrer além também. Abrir espaço para movermos com o vazio e também ficar no vazio. O tédio e sensação de vazio são inspiradores para renovarmos nossos fazeres. Os fazeres simples e os complexos. Uma criança também pode ficar no vazio, no não saber o que fazer ou na crise de sentir tédio, de enjoar do que está fazendo. A criança não é uma máquina, que precisa sempre estar fazendo, algo atrás de algo, porque nós, adultos, somos pressionados a lhes dar tarefas. É na falência das ações e dos brinquedos que a criança pode escolher o que fazer ou não fazer. É quando podemos olhar para o espaço sem repostas préestabelecidas que temos a chance

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de propor outros sentidos a ele. E isso não é diferente na criança. Olívia, no final da manhã, quando já cansou de todas as brincadeiras, resmunga, chora, vive o seu tédio e entra naquela zona do não-saber. No entanto, quase sempre se resolve quando se propõe a me ajudar no almoço e pede para lavar os legumes ou mexer as panelas, ou limpar os armários, ou lavar o chão da cozinha com muita água e sabão ou ou ou. Nesse momento, confesso que sinto uma preguicinha, mas assim mesmo digo sim e abro

espaço no meu coração e no ESPAÇO para proporcionar essa participação e para ver a lambança, seja qual for a sua escolha. Hoje, ela resolveu lavar legumes. Ela subiu em cima da cadeira, puxei-a para perto da pia e a água começou a jorrar. No pretexto firme de lavar vagens e brócolis, aquele serzinho foi se molhando propositalmente e de corpo inteiro. Banho geral. Restou-me fingir que não via e sorrir. Abri um sorriso secreto, largo e profundo, daqueles que a gente dá com os lábios fechados e que mais doem

do que fazem gargalhar, mas que mostram o quanto algo vale a pena.

Gladis Tridapalli é artista da Entretantas Conexão em Dança e docente/pesquisadora no Curso de Dança da Faculdade de Artes do Paraná. Especialista em Dança Cênica pela UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) e mestre em Dança pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Foi professora de dança do Colégio Medianeira durante 8 anos, atuando em projetos artísticos, educacionais e sociais.

Recomendações Humor é coisa séria Autor: Abrão Slavutzky | Editora: Arquipelago Este livro nos apresenta um panorama inédito e provocativo do revolucionário poder do humor. O psicanalista Abrão Slavutzky constrói uma história cultural do humor na qual discorre, com igual maestria, tanto sobre a sabedoria de Dom Quixote quanto a respeito do nascimento e desenvolvimento do humor infantil. E ainda analisa o humor como centelha para o sexo, antídoto para o desamparo e constante ameaça ao autoritarismo. Humor é coisa séria é um livro para toda e qualquer pessoa que já tenha sentido a fundamental necessidade de sorrir diante dos assombros e das tristezas da vida - como fizeram os judeus que utilizaram o humor como recurso de sobrevivência nos campos de concentração nazistas, como nos ensina um dos mais instigantes capítulos desta obra. Parafraseando Italo Calvino, um dos autores prediletos de Abrão Slavutzky - num mundo pleno de tragédias, devemos tentar identificar aquilo que, em meio ao trágico, é tragicômico ou cômico, e preservar o humor.

Tarja Branca Autor: Cacau Rhoden A partir dos depoimentos de adultos de gerações, origens e profissões diferentes, o documentário discorre sobre a pluralidade do ato de brincar, e como o homem pode se relacionar com a criança que mora dentro dele. Por meio de reflexões, o filme mostra as diferentes formas de como a brincadeira, ação tão primordial à natureza humana, pode estar interligada com o comportamento do homem contemporâneo e seu “espírito lúdico”.

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artigo

Convide a crianca para

desenhar o que ela quiser

A atividade típica da infância é o brincar. Crianças brincam de praticar esporte, brincam de pintar, de correr, de ser adulto. Não por acaso, elas começam a fazer de conta, escolhem seus papéis e adaptam objetos para criar uma realidade desejada. Elas querem limpar a casa! Mas é comum ouvirem um – Agora, não! Assim, não estará sendo ceifada a principal vantagem de ser criança? Ilustração de Teresa Mussi Goulart, 6 anos, com a ajuda de Bruno Ruiz. Material usado: Têmpera de ovo em papel 120g/m² (gema de ovo, água, vinagre e pigmento)

Por Bruno Ruiz

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ense – somando-se os elementos – em uma criança, uma canetinha hidrográfica e um sofá de tecido (novo, para que adultos fiquem mais apreensivos). Na mente adulta, a tendência parece ser a de destacar a tinta e o móvel (objetos da situação) e colocar a criança e principalmente sua subjetividade em um segundo plano. Certamente é mais fácil se ver preparado para a situação assim, em pensamento, teorizando um momento tão marcante para famílias e para aquele pequeno vivente cheio de curiosidade e anseios pelo novo, mas há de se prezar, também na prática, pela imaginação infantil. Por certo que, de imediato, a preocupação pode recair sobre o sofá e o transtorno que o risco azul no aveludado creme deve gerar com custos e prazos de limpeza, porém a maneira como se nega a ação – que é a primitiva busca pela arte e pela descoberta – será a chave que detém o código de muitas portas, trancando/ destrancando. O meio em que se passa a infância e as relações interpessoais que a cercam estarão presentes em todo o desenvolvimento pessoal. Por isso, é importante os envolvidos neste processo estarem cientes da enorme participação do fator emocional sobre o ânimo imaginativo e sobre o desenrolar da capacidade de leitura dos elementos sociais. A atividade típica da infância é o brincar. Crianças brincam de praticar esporte, brincam de pintar, de correr, de ser adulto. Não por acaso, elas começam a fazer de conta que, escolhem seus pa-

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péis e adaptam objetos para criar uma realidade desejada. Elas querem limpar a casa! Mas é comum ouvirem um – Agora, não! Assim, não estará sendo ceifada a principal vantagem de ser criança? Benefício este que é poder, a qualquer momento, desfrutar das suas maleabilidades física e mental, características que aparecem principalmente no infante que ainda não recebeu a cartilha-magna sobre o certo-errado. Isso porque, com as brincadeiras e jogos simbólicos, a criança exterioriza suas fantasias criando uma realidade esperançosa de ter regras menos rígidas, com valorações e possibilidades que nutrirão os seus desejos de solução de todo e qualquer conflito para poder continuar aproveitando alegremente o próprio brinquedo. Ao contrário da convenção da sociedade de consumo em que vivemos, onde o produto justifica o modo de desenvolvimento, “o brincar não produz objetos, mas proporciona prazer” (Rubem Alves em A gestação do futuro). As experiências vividas são as primeiras influências sobre o poder de imaginação, por isso é importante que cada membro da família participe ativamente sabendo que “os primeiros pontos de apoio que a criança encontra para sua futura criação se constituem pelo que vê e ouve, acumulando materiais que então usará para construir suas fantasias”, como aponta Vygotsky em A imaginação e a arte na infância. Quanto mais a criança ouvir, ver, fazer leituras, experimentar, tanto maiores serão as combinações


Teresa Mussi Goulart, com a ajuda de Bruno Ruiz Canetinha hidrocor em guardanapo

possíveis em suas criações imagéticas e em sua criatividade prática. Além da influência sobre nossas criações, ao combinar fantasia, memória e realidade experimentada, todos nos empenhamos na tentativa de compreender realidades com as quais não temos contato. A fantasia que flui na mente infantil, apesar de ser mais pobre em experiências vivenciadas se comparada à dos adultos, tem ainda uma liberdade criativa que muitas vezes nos surpreende. Mesmo tendo energia própria para suas expressões, é importante fornecer materiais, acompanhar a criança em suas atividades e ter interesse por processos e ferramentas. Isso ajuda pais e filhos a terem uma intimidade criadora que não se limita aos aspectos da realidade concreta, ao espaço ou ao tempo. Mesmo com os tão presentes contratempos, o desenhar e o pintar, prática das mais preferidas na infância, são alternativas muito acessíveis de brincadeira e descoberta. As inúmeras possibilidades de materiais e suportes podem ser encontradas todos os dias em nossas casas e o ato de experimentá-las juntos e compartilhar as descobertas estabelece ótimo vínculo entre os familiares. Através de conversas e problematizações, usando temas representados nos desenhos ou sugerindo novos – buscando ampliar as possibilidades e nunca restringilas –, podemos observar registros muito expressivos e de visão particular tão logo os conhecimentos vão sendo adquiridos. Fomentar o repertório de referências objetivas e subjetivas é fundamental para

abastecer o imaginário da criança e possibilitar o desenvolvimento de uma personalidade equilibrada e que encare com naturalidade as diversidades culturais. Vale dizer que a passagem pelas etapas do desenho, conforme o amadurecimento da criança, é gradual e deve ser admirado. Isso porque, de início, partindo dos rabiscos amontoados e manchas de tintas anamórficas, ela estará se familiarizando com as funções dos riscos e suas possibilidades, passando pela fase dos desenhos esquemáticos, para então começar a exigir de si mesma uma busca por representações com formas e proporções mais coerentes com a realidade. Quem sabe também, voltando a ter contato com tais materiais e com suas fantasias, o próprio adulto consiga entender melhor o seu desenvolvimento. Expressar as metáforas internas com rabiscos e manchas coloridas não é apenas coisa de criança e, ganhando melhor organização plástica, logo poderão ter mensagem comunicativa. Portanto, a experimentação de materiais, que dará vazão a expressões subjetivas, é atividade que desenvolve crianças, adultos, a família, pois “o homem, contudo, não é um realista, mas um construtor do mundo (...) e seu mundo é a exteriorização de seus valores e aspirações, a encarnação de sua intenção, a objetivação do espírito” (Rubem Alves, em A gestação do futuro). comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Bruno Ruiz é acadêmico de licenciatura em Artes Visuais na Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e trabalha no setor Audiovisual do Colégio Medianeira.

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recomendação Synthomas de poesia na infância Autor: Gloria Kirinus | Editora Paulinas ‘Synthomas de Poesia na Infância’ é resultado de pesquisa e trabalho da poetisa Gloria Kirinus, sobre a criança que nasce com potencial criativo, intuitivo e intelectual e que pode ser incompreendida por pais, educadores e profissionais da saúde que identificam nela sintomas de transtornos como o Déficit de Atenção - DDA ou Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH.

A imaginação e a arte na infância Autor: Lev Vygostky | Editora Relógio D’Água A Imaginação e a Arte na Infância é uma das primeiras obras escritas pelo psicólogo russo Lev Vygotsky (1896-1934) tendo sido editada pela primeira vez em 1930. Vygotsky aborda neste seu livro a natureza e o desenvolvimento da imaginação artísticas nas crianças a partir dos conhecimentos científicos da sua época mas com intuições que permitiram que este livro continue a ser uma referência para a psicologia contemporânea tendo sido traduzido nas mais diversas línguas, entre as quais a inglesa, a castelhana, japonesa e italiana. A partir do confronto das suas ideias com alguns dos principais investigadores do seu tempo, Vygotsky elabora as suas próprias concepções em relação com as expressões criativas infantis no desenho, na escrita e no teatro. «A psicologia chama imaginação ou fantasia a esta actividade criadora do cérebro humano baseada na combinação, dando a estas palavras, imaginação e fantasia, um sentido científico diferente. Na sua acepção corrente, costuma entender-se por imaginação ou fantasia o irreal, o que não se ajusta à realidade e, portanto, é desprovido de valor prático. Mas, em última análise, a imaginação, como base de toda a actividade criadora, manifesta-se igualmente em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. Neste sentido, absolutamente tudo o que nos rodeia e foi criado pela mão do homem, todo o mundo da cultura, na medida em que se distingue do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana, baseando-se na imaginação.

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Como escolher livros para

crianças?

Quando se pede que o livro saiba mais e ensine sozinho ao filho, destitui-se o lugar do ouvinte, destitui-se a criança da condição de leitora e destitui-se o livro como lugar privilegiado de literatura. Em outras palavras: a criança pode achar o livro chato e perder o vínculo que poderia ser estreitado através da simples curtição de boas histórias. Por Cláudia Serathiuk mediação

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onge de fazer um manual explicativo para familiares e profissionais que lidam com a criança, quero antes levantar algumas questões que suscitem a reflexão na hora de selecionar livros para a criançada. As crianças têm acesso aos livros e tomam ou não o gosto pela leitura sempre através do intermédio do adulto, sejam seus familiares, professores ou bibliotecários. E normalmente esse acesso não é aleatório. São os adultos que escolhem, indicam, especialmente na primeira infância, enquanto o leitor está se desenvolvendo. Pode-se observar nestas escolhas uma série de fatores: culturais, psíquicos, experiências prévias, ideologias, experiências de vida, experiências prévias com textos e diversas outras referências. A própria produção de livros para crianças está relacionada à ideologia, ao mercado, à tradição etc. Na esteira do sucesso da autoajuda para adultos, sintoma contemporâneo, começou-se também a produzir livros de autoajuda para crianças. A maior parte destes livros não veio de forma explícita, mas sim justamente disfarçada de literatura, através de histórias infantis. E se houve uma oferta por parte das editoras é porque houve uma demanda por parte do público leitor. Um livro carrega conhecimento e, muitos adultos acreditam, um saber sobre o mundo e sobre si mesmos. A consequência é que a literatura a serviço das questões parentais ou escolares tornou-se muito popular neste início de século. O cerne deste problema está

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justamente neste conhecimento que muitos pais julgam que os livros possuem sobre as crianças. Obviamente muitas informações e dúvidas encontram eco em livros informativos, mas a resposta exata que os pais querem encontrar é um equívoco e enquadra, muitas vezes em uma situação fechada, questões mais amplas ou profundas. E isso é muito diferente da emoção que um texto literário propicia quase que espontaneamente, na identificação do leitor com personagens ou passagens das histórias. Em Seis passeios pelos bosques da ficção, Umbero Eco destaca: “Qualquer passeio pelos mundos ficcionais tem a mesma função de um brinquedo infantil. As crianças brincam com boneca, cavalinho de Madeira ou pipa a fim de se familiarizar com as leis físicas do universo e com os atos que realizarão um dia. Da mesma forma, ler ficção significa jogar um jogo através do qual damos sentido à infinidade de coisas que aconteceram, estão acontecendo ou vão acontecer no mundo real. Ao lermos uma narrativa, fugimos da ansiedade que nos assalta quando tentamos dizer algo de verdadeiro a respeito do mundo”. Certa vez recebi na livraria uma mãe muito angustiada buscando um livro que “ensinasse seu filho a comer”. E depois dessa frase veio uma longa história de detalhes de como e o quê seu filho não comia. Meu primeiro pensamento foi “por que você mesma não ensina?”

Mas fui além da demanda dessa mãe e começamos a conversar sobre alimentação, fui perguntando mais e assim me aproximando de algo que poderia ser um pouco de sua questão com a comida. Quando se pede que o livro saiba mais e ensine sozinho ao filho, destitui-se o lugar do ouvinte, destitui-se a criança da condição de leitora e destitui-se o livro como lugar privilegiado de literatura. Em outras palavras: a criança pode achar o livro chato e perder o vínculo que poderia ser estreitado através da simples curtição de boas histórias. Outra demanda muito comum, e aí não só dos pais, mas também de alguns livreiros e principalmente professores é definir faixas etárias previamente para cada livro. E quando digo faixa etária não é de 3-7 anos, por exemplo. É um livro para cada idade ou série. Esta demanda é prontamente respondida por muitas editoras. Porém, quando se fixa uma idade exata para um livro, destróise esse livro simbolicamente assim como também é destruído o acesso simbólico e todos os sentidos próprios que a criança pode dar em suas diversas idades ao mesmo livro. Uma criança iletrada pega um livro cheio de ilustrações e repete a história que lhe foi lida;


depois, passa a inventar histórias a partir daquelas imagens; mais tarde, já alfabetizada, passa a ler sozinha seu livro. Os livros se prestam a esta diversidade de sentidos, não só a cada criança, mas à mesma criança em suas diversas etapas de desenvolvimento. Se é certo que muitos pais querem que o livro trate a criança, ao mesmo tempo histórias podem sim servir como um pretexto e como um mediador para assuntos familiares delicados. Quando vemos que alguns temas, tais como a morte, são espontâneos no texto escrito, vindos de uma criação literária autêntica do autor, isso faz toda a diferença. A história muitas vezes emociona e traz significados importantes para cada um. O livro encontra seu leitor. Entretanto, isso não é o padrão hoje em dia na edição de livros infantis e nem sempre o resultado é interessante do ponto de vista

literário. Livros de autoajuda para pais, disfarçados de literatura infantil, tratam de temas em voga, como bullying ou alimentação saudável, mas de forma artificial, sem criatividade, com o tema sendo o personagem principal de um livro que já vem pleno de sentido. Desta forma, a leitura que já vem carregada de um peso e de uma responsabilidade pode se tornar um enfado ou, ainda pior, um martírio para as crianças, leitores em desenvolvimento. Sem conclusões fechadas, cabe aos autores expressarem em sua arte/escrita/literatura a panaceia de sentimentos humanos, através da qual podem eternizar suas obras e propiciar identificação no pequeno público leitor. Buscando a resposta/saber no livro, corre-se o risco de dar respostas prontas para sentimentos e vivências passíveis de interpretação e de um sentido próprio.

Apaga-se a imaginação da criança, o sentido próprio que suas vivências podem ter. Em seu livro O que havia antes de haver algo, o artista argentino Liniers conta a história de um garoto que tinha medo do escuro, porque na escuridão os monstros começavam a aparecer. Então corria para o quarto de seus pais, que o acolhiam e apagavam a luz. Assim os monstros reapareciam. Liniers termina sua emocionante história com uma simples dedicatória: “Dedicado a meus pais, que apagavam a luz e acendiam a imaginação.” Oferecer literatura criativa para as crianças pode ser uma forma de acender sua imaginação. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Cláudia Serathiuk é psicanalista e trabalha com literatura infantil em Curitiba.

Recomendações Escola e leitura - velha crise, novas alternativas Autora: Regina Zilberman | Editora Global Nesta obra, as organizadoras dialogam com as iniciativas de professores motivados a superar problemas que as escolas enfrentam atualmente. Consagrados profissionais discutem e expõem os modos de vivenciar a literatura na escola, dentro e fora da sala de aula, apresentando abordagens inovadoras da poesia infantil, de ações com a literatura no ensino médio e confrontam o livro e o computador, a internet e a biblioteca.

Descobrindo a literatura Autor: Marisa Lajolo | Editora Ática Para que serve a literatura? Essa é uma das muitas perguntas que este livro propõe aos alunos, ao mesmo tempo em que apresenta a literatura universal e algumas obras dos mais importantes escritores brasileiros. Discutindo sobre analfabetismo, escritores e romances, o aluno entra em contato com o mágico universo dos livros, além de acompanhar a eletrizante história ‘A Maldição da Palavra Secreta’.

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Midiaeducador: que sujeito é esse? Assim como as mídias podem nos dar perspectivas mais ricas e amplas da realidade imediata, elas também podem exercer papel contrário: limitar as possibilidades do real, reduzindo-o a esquemas fixos, estereótipos e clichês. A Midiaeducação precisa contribuir para que uma visão de mundo voltada para o aprender a ser, a pensar e a agir ganhe amplitude e possa ser voz forte para a contextura de um ambiente mais sensível, crítico e criativo. Por Cezar Tridapalli

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Os livros, assim como as paisagens, só falam quando são interrogados.

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e tomarmos os livros e as pai-

sagens aí de cima como metonímias (partes representando um todo) que, como tais, permitem ampliações de sentido, não seria um problema entendermos a paisagem como as relações imediatas que temos com o mundo que nos cerca, a natureza viva e pulsante da qual fazemos parte e se nos apresenta em relação direta. E os livros como ícones de uma relação mediada com o mundo, experiência compartilhada de sentidos que se dá por meio de objetos/ sujeitos que ajudam a entender outros meios e, em última instância, também o mundo real, aquele direto e sem mediações. A natureza está aí. Um livro fala dessa natureza, podendo nos dar perspectivas mais complexas dela, em amplitude e em profundidade. As pessoas estão aí. Um vídeo fala de pessoas, dentro de um processo mediado de compartilhamento de uma experiência. Livros, revistas, filmes, obras de arte diversas, softwares, vídeos, comunicação visual, blogs e muitos outros desmembramentos destes suportes citados como exemplo são mídias que interrogam o mundo e dão, a seu modo, respostas a estas questões, propondo sentidos. Tais suportes não são neutros. Eles representam visões de mundo, ideologias, servem a propósitos dos mais diversos. Porque são realizações humanas feitas por sujeitos pertencentes a uma comunidade

(Augusto Meyer)

de sentido própria, com horizontes de expectativas determinados. Não fixos, mas determinados. Assim como as mídias podem nos dar perspectivas mais ricas e amplas da realidade imediata, elas também podem exercer papel contrário: limitar as possibilidades do real, reduzindo-o a esquemas fixos, estereótipos e clichês. Pode parecer uma contradição em termos, mas uma relação mediada com a realidade pode amplificar o reducionismo. Dessa capacidade de manipulação do real é que podemos depreender o poder que as mídias têm. É evidente – embora não seja fácil – que, trabalhando mídias dentro de uma realidade educacional, devemos fazer esse tour de force na direção da abertura à complexidade do real e de suas verdades. Desse modo, a Midiaeducação precisa contribuir para que uma visão de mundo voltada para o aprender a ser, a pensar e a agir ganhe amplitude e possa ser voz forte para a contextura de um ambiente mais sensível, crítico e criativo. Resgatando a afirmação de Augusto Meyer, que serve de prefácio a este artigo: qual a melhor forma de interrogar? Se pensarmos que o filósofo russo Mikhail Bakhtin dizia que todo enunciado é uma resposta ao mundo:

Todo enunciado – desde a breve réplica (...) até o romance ou o tratado científico – comporta um começo absoluto e um fim absoluto: antes de seu início há o

enunciado dos outros, depois de seu fim, há os enunciados-respostas dos outros (ainda que seja como uma compreensão responsiva ativa muda ou como um ato resposta baseado em determinada compreensão. Estaremos novamente em conflito – afinal, nossas ações são perguntas ou respostas ao mundo? – se não entendermos a linguagem e seus suportes (das obras de arte ao papel dos livros às telas de computador) como processo, como movimento, como exercício dinâmico de posicionamento. Por isso, para ações midiaeducativas coerentes, é necessário interrogar a realidade, interrogar as respostas que o mundo nos oferece. E propor soluções, ainda que provisórias, que se tornarão perguntas, e que estarão passíveis de questionamento. Barroquismos à parte, tentemos trocar em miúdos: nossa ação precisa estar ancorada no mundo, sob pena de perder a relação com ele e, em vez de ajudar a ser costura de um tecido coerente, acabar sendo um fio solto que se enrola em torno de si mesmo. Em que medida podemos contribuir para o aprender a pensar, ser e agir? Nossas estratégias são respostas a interrogações e propõem outras interrogações, inquietando mais que domesticando, pois, se queremos ensinar a pensar, então a curiosidade, o questionamento e a inquietação são motores do pensamento au-

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tônomo e original, entendendo como original não o pensamento novo sem conexões com o que já existe, mas uma capacidade de dialogar com o mundo de maneira renovada, espanando a poeira e as teias de aranha dos conceitos inquestionáveis, da realidade dada como imutável.

cesso de contextura do próprio

Tudo educa. Então entendemos que a assessoria midiaeducacional dentro da sala de aula é imprescindível, a fim de que o professor possa desenvolver seu modo de trabalho em consonância com um projeto de escola (softwares, laboratórios, acervo de filmes e livros a serem usados nos espaços formais de aula etc). Mas tão importante quanto esse auxílio ao professor é o fato de o midiaeducador ser um propositor de espaços educativos diferentes da sala de aula. A Midiaeducação precisa tanto ser parceira das atividades regulares (ou à grade curricular tradicional) quanto ser propositora de espaços diferenciados, seja no espaço físico escolar (bibliotecas, acervo audiovisual, comunicação visual, mostras de cinema e vídeo etc) quanto no meio digital (blog, site, produção de vídeos, campanhas on-line, entre outros), ou em ambos, como é o caso desta própria revista, em suas versões impressa e digital.

nente, sempre com o objetivo de

A teoria, portanto, precisa sempre conversar com o sentido prático na escolha de estratégias midiaeducativas na escola. O fundamental na busca pela excelência humana e acadêmica passa obrigatoriamente pelo pro-

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conhecimento, jamais pela assimilação passiva de conceitos, sem a oportunidade de serem revisitados constantemente. É preciso, então, trabalhar de forma a privilegiar todo o tipo de estratégia que possa oferecer uma efetiva possibilidade de discussão permaalcançar a maior interação entre os diversos sujeitos do conhecimento. Garantir a dialogicidade do processo educativo é essencial para possibilitar a tessitura crítica do conhecimento, trabalhando com o conhecimento historicamente acumulado e – a partir das interrogações que fazemos a ele – oferecendo respostas que questionem esse saber, recriando modos de enxergar determinados conceitos. E justamente a partir do entendimento de que a Midiaeducação é um conceito cambiante no tempo e no espaço, deve-se buscar uma pretensão de verdade, sem rigidez, mas sem cair também no polo oposto, no terreno do vale-tudo. A equação entre subjetividade e objetividade não é simples, tampouco direta ou exata. A realidade é notoriamente marcada e vivida de forma complexa, incompleta e imprecisa. Reduzir e formatar o real, com a esperança de controlá-lo, pode fechar os olhos para a aventura cheia de acasos, riscos e inesperados criativos. Ao mesmo tempo, entregar-se à desorganização e à falta de propósitos gera incapacidade criativa. É perder-se


na fluidez do mundo, esvair-se e deixar-se levar sem nenhum traço de autoria no processo. Dessa forma, colocando em outros termos a afirmação feita no parágrafo anterior: a equação entre a verdade pretensamente absoluta e a verdade fluida, “de cada um”, não é simples, tampouco direta ou exata. Seria o resultado da equação uma média simples dos dois tipos de verdade? Nosso jeito de ver o mundo nos dá lastros em torno dos quais podemos balizar nossas ações.

Mediação, Midiaeducação. Mediar, portanto, é palavra que surge como elemento-chave da constituição identitária do termo. Assim, o midiaeducador, por meio de sua cosmovisão, de seus eixos e de seus objetivos, pode estabelecer estratégias que busquem fazer o aluno aprender a pensar, a ser e a agir. E tais estratégias não ocorrem de forma separada. Elas dependem umas das outras, bem como derivam umas das outras. Teia a ser tecida.

Cezar Tridapalli é formado em Letras (UFPR), com especialização em Leitura de Múltiplas Linguagens (PUCPR) e mestrado em Estudos Literários (UFPR). É escritor, autor dos romances Pequena biografia de desejos e O beijo de Schiller (pelo qual recebeu o Prêmio Minas Gerais de Literatura 2013). Integra a coletânea 48 contos paranaenses, com organização do escritor Luiz Ruffato, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná. É coordenador da Midiaeducação do Colégio Medianeira. (cezartridapalli.com.br)

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Recomendações A mídia e a modernidade Autor: John B. Thompson | Editora Vozes O autor desenvolve aqui uma teoria social da mídia e de seu impacto. Sustenta que o desenvolvimento da mídia transformou a constituição espacial e temporal da vida social, criando novas formas de ação e interação não mais ligadas ao compartilhar de um local comum. Interligando vários temas, articula a teoria confrontando-a com questões como - Qual o papel desempenhado pela mídia na formação das sociedades modernas? Como entender o impacto social das novas formas de difusão de comunicação e informação, desde o advento da imprensa até a expansão das redes de comunicação global de hoje?

Educação - Mídia - Cognição Autora: Maria Angélica Seabra | Canal 6 Editora Este livro reúne textos de autores variados, apresentando suas óticas para os diferentes problemas no ensino, bem como as possíveis soluções, no sentido de oferecer alternativas para auxiliar, principalmente, estudantes das licenciaturas e professores em exercício nas escolas de ensino fundamental e médio, no desempenho do magistério no século XXI.

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Música e Educação

Considerações sobre a formação do ouvinte em tempos de internet

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Há uma crise na música? No passado, os indivíduos eram capazes de uma apreciação mais concentrada e mais sofisticada da música? A música, incluindo a que é feita no Brasil, está em decadência? stas indagações parecem típicas da contemporaneidade, mas são mais antigas do que se pensa. Nos anos 30 do século XX, Theodor Adorno, um dos pensadores mais influentes no debate sobre a industrialização da cultura, já se debruçava sobre as condições de produção e audição da música. Adorno não foi somente um pensador original – foi também músico prodígio, capaz de criar composições relevantes e sofisticadas ainda na adolescência (incluindo aí um belo quarteto de cordas que é tocado até os nossos dias) e chegou a ser um dos alunos favoritos de um dos principais músicos do modernismo, Alban Berg. Apesar de ter desistido cedo da carreira musical, Adorno faria da música o tema predileto de suas reflexões e costumava dizer que buscava na filosofia o mesmo que buscava na música. Aliás, a importância de seu pensamento extrapola os limites da filosofia. Na época em que esteve em seu exílio na Califórnia, na mesma condição de tantos outros intelectuais refugiados do nazismo, Adorno foi o consultor musical de seu vizinho de bairro, o romancista Thomas Mann, durante o desenvolvimento de uma das obras-primas da literatura do século XX, Doutor Fausto.

Um dos textos mais relevantes de Adorno é O Fetichismo na Música e a Regressão Auditiva, de 1938. O fetichismo seria considerar as questões comerciais da música mais importantes do que a música em si. No exemplo do próprio Adorno: há algo inusitado sobre o violino Stradivarius – só alguns poucos ouvidos treinados são capazes de diferenciar um Stradivarius de um bom violino e, portanto, não é propriamente o som do instrumento que faz a sua fama. No final das contas, o que realmente chama a atenção de um Stradivarius é o seu preço astronômico, que ultrapassa fácil a cifra de três milhões de dólares nos leilões de hoje – a esta inversão de valores, priorizar o comércio sobre a arte, Adorno chama de fetichismo. Já a regressão auditiva não seria a decadência da audição da música – para Adorno, não temos como comparar a audição do presente com a do passado – mas a infantilização do ouvinte contemporâneo. Para ele, desejamos escutar sempre as mesmas músicas, temos dificuldades para enfrentar estruturas novas e nossa atitude, como ouvinte, é essencialmente conservadora. Para ilustrar a regressão auditiva, a artilharia crítica de Adorno vai se concentrar no jazz, gênero que o autor considerava degenerado, sequestrado

por imperativos econômicos (era a música de maior sucesso comercial nos anos 30 e 40) e, segundo ele, uma das expressões do fascismo no século XX. Os tempos contemporâneos tendem a ler Adorno com desconfiança. Para o historiador inglês Eric Hobsbawm, morto em 2012, “Adorno escreveu algumas das páginas mais estúpidas jamais escritas sobre o jazz”. E certa tradição pós-moderna, que costuma relativizar as verdades estéticas e evidenciar que também há poder e política na escolha dos cânones, avaliará o pensamento de Adorno como anacrônico e dogmático, uma espécie de última tentativa da tradição moderna de ainda estabelecer critérios de qualidade estética. É bem verdade que esta tradição pós-moderna também foi igualmente criticada – Hobsbawm, em uma observação perspicaz e divertida, aponta que os mesmos pensadores relativistas que dizem em público que não há hierarquia possível na qualidade da arte são aqueles que, na vida privada, têm dogmas muito claros sobre o que consideram bom e ruim, dogmas que geralmente se assentam nos cânones. Avaliar a qualidade das coisas faz parte da condição humana, diz Hobsbawm, e, partindo desta premissa, talvez caiba uma pergunta nova

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para este início de século XXI: a democratização do acesso à informação, potencializada pela Internet, foi benéfica para a experiência musical? Pelo menos para certos gêneros de música, para aquelas expressões musicais que não são somente fonte de prazer para o movimento dos corpos, mas também construção de linguagem e discurso, há certo pessimismo no ar. O maestro alemão Nikolaus Harnoncourt, um dos pioneiros nas execuções que buscam a autenticidade de instrumentos de época, argumenta já há algumas décadas que nós banalizamos a experiência musical. Se, no passado, antes da reprodução técnica dos discos e das rádios, a música era um fenômeno raro e extraordinário – por isto mesmo, valorizado –, no presente, imersos em infinitas reproduções de MP3, transformamos a música em uma espécie de decoração das nossas vidas. Nenhuma outra arte é tão onipresente quanto a música – aliás, todos os dias escutamos música: no rádio, no carro, no computador, no supermercado, no elevador, no banheiro do shopping, na trilha do filme ou da novela. Mas ela não está mais em evidência – é um pano de fundo, um adereço, um som ambiente. Compositores populares que criam fora das fórmulas mais repetidas também reclamam. O pianista de jazz Keith Jarrett, que realiza concertos em piano solo totalmente improvisados, afirma que vivemos uma época ruim para

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música, porque a escuta ficou medíocre. E o alagoano Hermeto Pascoal, em entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo, é categórico: “Eu comparo muito a música com a comida. Você não sabe bem porque é boa, tirante a qualidade dos ingredientes, mas é boa. É gosto. Não se faz música boa hoje no Brasil. É tudo a mesma coisa, e eu sou capaz de fazer isso, se quiserem”. O pessimismo também diz respeito às vendas dos formatos que escapam dos modelos de sucesso. A música clássica e o jazz, que no passado movimentavam um mercado bastante expressivo nos Estados Unidos, hoje, no comércio de MP3 e no que restou do mercado de CDs, somados, não ultrapassam 2% das vendas norte-americanas. No tempo e espaço fragmentados da web, de alta ansiedade e de impaciência para tudo o que demanda esforço e concentração, a música que exige uma escuta mais dedicada e atenta parece sofrer mais. Em tese, a escola poderia contribuir para reverter este quadro, porque a formação tem o potencial de enriquecer a experiência estética de qualquer gênero musical – e aqui há boas e más notícias. O maestro Osvaldo Colarusso, um dos principais regentes do país, adverte que no Brasil, infelizmente, a música está praticamente excluída do currículo escolar. Um exemplo notório: no ensino médio, nas aulas sobre o Renascimento, o aluno irá conhecer toda a glória das artes plásticas e toda a grandeza da literatura que

inaugura as primeiras obras nas novas línguas nacionais. Mas este mesmo aluno não saberá absolutamente nada sobre a música dos Gabrieli ou de Palestrina – o que é uma pena, porque até para título de ilustração histórica seria uma experiência fascinante: quais os sons que um homem do renascimento ouvia? Um outro exemplo vexaminoso: a escola gosta de explorar a Semana de Arte Moderna de 1922. Mas praticamente ignora o único artista da Semana que verdadeiramente se tornou universal: Heitor Villa-Lobos. Estudamos os índios brasileiros – mas por algum motivo, não exploramos a sua música, aquela que encantou, entre outros, Mário de Andrade e o próprio Villa-Lobos. Mas nem tudo é pessimismo. Há esperança também. Parece haver uma reação sobre as condições do presente. Orquestras do mundo inteiro, inclusive a OSESP – a principal orquestra brasileira –, multiplicaram os programas de formação de plateia e se dedicam a eventos voltados exclusivamente para crianças. Alguns países fizeram da música um dos pontos principais do currículo escolar – é o caso da Venezuela, que implementou desde 1975 o El Sistema, um exemplar programa de formação de músicos que, além de conseguir sobreviver a todas as turbulências políticas do país dos últimos quarenta anos (um milagre, se considerarmos a instabilidade das ações culturais da América Latina), também revelou músicos de excelência internacional. Aqui e ali, encontramos ver-


dadeiros heróis para preservar um determinado patrimônio musical – no caso do jazz, este herói é o trompetista Wynton Marsalis. Ele é incansável: escreveu vários livros sobre o jazz, realiza workshops de música em todo o mundo, escreve e atua em documentários para a televisão, faz conferências em departamentos de educação de universidades importantes (é uma das personalidades mais frequentes da Universidade de Harvard) e tem concertos-aula para crianças,

jovens e adultos. Faria bem para a música brasileira se tivéssemos um embaixador com este espírito de preservação e educação – é um posto ainda a ser ocupado. Finalmente, naturalmente, a própria Internet é fonte de recursos extraordinários de educação para a música – mas ela, por si mesma, não educa ninguém. É preciso um professor, uma ação consciente para orientar e organizar uma formação verdadeira a partir do oceano infinito da web.

No final das contas, vivemos em paradoxo: nunca foi tão fácil se instruir para a música, nunca foi tão fácil ter acesso à música. Mas a compreensão do discurso da música parece estar ameaçada. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

André Tezza é mestre em Filosofia pela UFPR, professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo e coordenador da pós-graduação Comunicação e Cultura: Interfaces.

Recomendações O resto é ruído: escutando o século XX. Autor: Alex Ross | Editora: Companhia das Letras O jornalista Alex Ross conta de forma divertida e abrangente a história da música clássica no século XX. Há também espaço para a música popular que foi influenciada pelos compositores clássicos e os detalhes de como Mann e Adorno trabalharam em conjunto para a realização de Doutor Fausto.

A imaginação dialética: História da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, 1923-1950, Autor: Martin Jay | Editora Contraponto Ler o filósofo Theodor Adorno não é tarefa das mais simples e é recomendável começar com um bom intérprete. O livro do filósofo norte-americano Martin Jay é um clássico absoluto, uma iniciação de alta qualidade para se compreender as ideias musicais de Adorno.

www.wyntonmarsalir.org O site oficial do trompetista Wynton Marsalis é bem mais do que a divulgação de sua vida e obra. Entre os arquivos, estão suas conferências no departamento de educação em Harvard ou alguns de seus workshops. Também é possível assistir ao vivo, de forma gratuita, concertos e aulas magnas em universidades.

www.digitalconcerthall.com Desde que assumiu o comando da Filarmônica de Berlim, o maestro britânico Simon Rattle se dedicou a popularizar os concertos da orquestra via Internet. Com a assinatura do site, é possível assistir aos concertos ao vivo, direto de Berlim, bem como ter acesso a um dos mais preciosos arquivos de vídeos da música do século XX. Também é possível, mediante cadastro gratuito, ter acesso aos concertos educativos da orquestra, feitos especialmente para crianças.

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Ciberespaço: que ESPAÇO é esse?

O ciberespaço faz confluir o mítico, o racional, o estático, o imagético e o comercial, embora sem superar, ainda, seu caráter binário. O ciberespaço muda a noção de espaço, de tempo, de território, de ser e não ser, de história e de imaginação. Muda a comunicação, gesta (de forma acelerada) novos gêneros textuais, muda a leitura e a pesquisa, entre outras coisas. Por Adalberto Fávero

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Além de alfabetizar pelo texto, imagem e som, faz-se necessário alfabetizar na consciência social, planetária, política, no cuidado com o outro e no ciberespaço.” (Jurjo Torres Santomé)

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ensar o contexto e a educação numa perspectiva formativa da pessoa toda e de todas as pessoas exige preocupação com a aprendizagem significativa e inserida no tempo e espaço em que se situam e atuam a escola e os educadores. Assim, tem sentido pensar o ensinar e o aprender como uma totalidade dialógica e um compromisso pessoal e coletivo em vista do presente e futuro das próximas gerações. Há, no entanto, uma questão que talvez se tenha deixado para segundo plano e que gera certa esquizofrenia no que tange ao modo de proceder, à leitura de mundo, à análise dos alunos e às relações didáticas. Essa problemática tem deixado a cosmovisão pessoal e coletiva pela metade e, provavelmente, excluído as pessoas e o grupo em relação às transformações que afetam diretamente o contexto que circunscreve a ação educativa, a leitura de mundo, o modo de proceder pedagógico e relacional e atinge majoritariamente os alunos em sua essência na forma de ser, pensar e agir. Essa constatação refere-se ao fato de se estar preso numa leitura do “mundo físico”; na análise dos espaços intercontinentais e países com fronteiras e estrutura

construídos na modernidade; no tecer histórico das sociedades originais, fabris, e pós-fabris, industriais e pós-industriais; na leitura da física newtoniana com base cartesiana e suas leis absolutas; na biologia pré-revolução da genética; na filosofia clássica e seus autores condicionados ao olhar do ocidente; nos números naturais, algoritmos, frações abstraídos do mundo da pesquisa e da vida; na química e suas transformações experimentais; nas linguagens humanas expressas nas “falas físicas” ou discursos pré-tecidos no tempo e assim por diante... Nosso currículo e conteúdos ainda são filhos do início da modernidade, do movimento enciclopedista e das descobertas dos séculos XVI e XVII. Essas afirmações têm um lado que revela a distância em que o currículo escolar se situa frente às inovações científicas, tecnológicas e tecnocientíficas, infotecnológicas, bem como o distanciamento do contexto em que atua o educador que pretende instituir processos que gerem aprendizagem e formação. Nesse sentido, a escola está sempre correndo atrás da realidade, das pesquisas e das mudanças societárias. Por outro lado (e esse é um exemplo da afirmação ante-

rior), há algo bem mais palpável e muito próximo, de que se tem transitado à margem ou paralelamente e que está sendo inadvertidamente instrumentalizado: o mundo do ciberespaço. Tem-se tratado o ciberespaço apenas como uma questão de acesso à informação, às redes sociais e a seus softwares e/ou máquinas. Hoje são abundantes as pesquisas e os dados que revelam ser o ciberespaço um lugar real, onde se estendeu o espaço do capitalismo (após se planetarizar), das inovações culturais, da venda de commodities, das relações entre as pessoas com seus sentimentos bem alimentados, do prolongamento da vida “física”... (Leiamse Manuel Castells, Jurjo Torres Santomé, Pierre Lévy, Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, entre outros). O ciberespaço faz confluir o mítico, o racional, o estático, o imagético e o comercial, embora sem superar, ainda, seu caráter binário (ao menos nas versões das máquinas e caminhos de acesso que temos à nossa disposição). O ciberespaço muda a noção de espaço, de tempo, de território, de ser e não ser, de história e de imaginação. Muda a comunicação, gesta (de forma acelerada) novos

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gêneros textuais, muda a leitura e a pesquisa, entre outras coisas. As análises mais recentes apontam que a atual geração de adultos acostumou-se a relegar esse mundo a uma situação virtual problemática (daí a demonização), a uma mera questão de acesso ou aos recursos instrumentais que o possibilitam ou, ainda, às maravilhas da comunicação. Para não poucos, escrever e se comunicar pelo computador, dentro de sua visão e formação do tato e do contato reflexivo, é como esculpir em água. No entanto, é necessário lembrar que a água em seu estado gasoso desenha novos horizontes e imagens e em seu estado sólido possibilita a concretude da criação real. É fato que, como afirma Ilya Prigogine, parafraseando Adorno e Habermas, “a enorme massa de saber quantificável e tecnicamente utilizável não passa de veneno se for privada da força libertadora da reflexão”. Mas isso vale para quaisquer dos espaços reais e/ou das diversas maneiras de acesso às informações ou conquistas tecnológicas. O resultado dessa análise é que a maioria das instituições educativas e dos educadores parou no Power Point ou chegou apenas na interatividade, sem ter sido capaz de perceber que o ciberespaço é um mundo próprio em dialogia com o chamado mundo físico ou como sua continuidade. As previsões sobre a internet são perigosas e variam entre des-

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lumbramentos e distopias. Fazse necessário desconfiar e não prever o futuro, pois mal compreendemos o atual presente, é verdade. Lembre-se, no entanto, que a comunicação consciente (linguagem humana) é o que faz a especificidade biológica da espécie humana (Castells). E ela está intrinsecamente presente nesse mundo novo. Os sistemas tecnológicos são socialmente produzidos e, nesse sentido, representam uma cultura e também mudam o meio e a cultura. Entretanto, cultura é produção coletiva. A internet, como meio de imersão no ciberespaço, cria cultura específica: do empresário, do hacker, das redes comunitárias, das comunidades científicas/acadêmicas etc. A cultura da internet é composta pela articulação dessas várias camadas e se constitui dinamicamente a cada dia. Perceba-se que o ciberespaço é lugar de um grande negócio. Trata-se de um território a ser ocupado pela expansão capitalista, após a expansão global planetária. É novo espaço real de mercado. Em 2012, falava-se em 6,8 trilhões de dólares de comércio pela internet. Esta expandiuse pela força dos negócios e não pela/para democratização da informação. Todas as transnacionais estão nesse mundo de negócios (desde sua origem) para gestão, controle e ações online. Não há como e nem por quê permanecer offline, pois significa estar fora de um pe-

daço efetivo do mundo real. A grande preocupação das escolas tem sido a introdução de máquinas tecnológicas em sala de aula e não o desenvolvimento e criação de softwares adequados ao ensino e aprendizagem. Porém, mesmo que o fizessem, estariam aquém da realidade caso não percebessem ou experimentassem a dialogia entre o chamado mundo físico e o mundo do ciberespaço. Os debates sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) em sala de aula, embora com a relevância de seu uso como ferramenta, estão marcados por interesses comerciais avassaladores. Por isso mesmo, a agenda mais comum é mercantil e não educativa. O computador, o projetor, a lousa interativa, os tablets... vêm antes que o domínio, o entendimento e a função educativa. Costumeiramente, a tecnologia é pensada como máquina e hardware que são visíveis, movimentam o mercado, servem de marketing e dão sensação de progressismo. Nada disso, sozinho, é decisivo para o ensino e a aprendizagem, embora sem conviver com essa realidade facilmente se negue a própria inserção dela. Tais “instrumentos” possibilitam a interatividade, mas não necessariamente mergulham o educador e a escola nesse novo espaço de vida. Trata-se de adquirir, alfabetizar e educar nas novas linguagens e novos saberes delas decorrentes? Sim, porém não apenas isso.


Trata-se de assumir e/ou aceitar a existência de um jeito diferente de constituir e viver a realidade. Um jeito que não é único, mas que precisa ser vivido em conjunto com o mundo físico, que nos acostumamos a analisar, no qual nos acostumamos a viver, questionar, estudar. E que transformamos em conteúdo curricular. Nesse aspecto, há um imenso campo de conteúdos fora de nosso currículo. Nas escolas, os problemas mais corriqueiros diagnosticados referem-se à atenção, concentração, dispersividade, hiperatividade, altas habilidades... A cultura atual multiplicará a dispersão, a dificuldade de atenção e concentração porque é estruturalmente dispersiva e porque multiplica a velocidade da informação sem o tempo anterior à reflexão. Na verdade, esse cuidado com os alunos atuais exige que se some uma nova demanda sociocultural que se multiplica cotidianamente na escola.

Há um conjunto de ações que, ao longo de pelo menos três décadas, transformam tecnologias em novos meios, geram novas formas de interações; redesenham a organização e o funcionamento social; reformulam as lógicas das diferentes práticas sociais; disseminam novas redes; deslocam a problemática da produção do sentido de instâncias fontes e de recepção de mensagens, para o da plataforma da circulação de mensagens; substituem as formas tradicionais pelas quais se estabelecem os laços e vínculos sociais, pela emergência de processos conectivos e de fluxos, culminando em uma nova ambiência que recebe a nomeação de “sociedade mediatizada”. Trata-se de uma sociedade atravessada pelo “modo de existência” de processos, ações e produtos midiáticos, os quais permeiam e capilarizam, indistintamente, todas as instituições, inclusive a universitária, esta, também, cativa das suas manifestações e efeitos. (Antônio Fausto Neto)

zão pela qual não poucos adultos, na atualidade, repetem a leitura de Sócrates sobre a juventude ateniense: “O que será da Grécia com essa geração...?”. Ou mais popularmente, como dizia aquele velhinho em propaganda televisiva dos anos noventa: “Para onde esse mundo vai?”... Não se esqueça, identicamente, que já em 2012 falava-se em apenas 400 milhões de pessoas com computador e acesso efetivo, num mundo de 7 bilhões de habitantes (dados de Castells, 2012). Nasce uma nova forma de desigualdade e de condenação à miséria e a impossibilidade de acesso aos novos empregos e às novas exigências de mercado... Trata-se de uma nova ordem mundial. Somente um quinto da população migra para o ciberespaço, sendo que o resto padece na perspectiva de escassez física básica.

JUDICIALIZAÇÃO Certamente será necessário aprofundar essa reflexão com tempo; entretanto, não parece que se possam discutir metodologia e aprendizagem sem esse pano de fundo claro, seja por razões didáticas e por entendimento e respeito à geração com a qual trabalhamos, mas, sobretudo, porque um mundo visto apenas na dimensão física com a qual estamos acostumados, atualmente, é mundo visto pela metade.

Esse aprofundamento da desigualdade, que costumamos denunciar, essa gritante e absurda exclusão, vem de uma realidade que articula dois mundos e condena ou promove aqueles que vivem das suas possibilidades e anúncios ou são obrigados a se submeter ao cadafalso em busca da sobrevivência, até por não vislumbrarem nenhum futuro para si e para os seus.

DAS RELAÇÕES

As crianças, a cada dia mais intensamente, têm e terão menor atenção e concentração nos moldes escolares centrados no verbal, na escrita e num tipo de organização sistemática como o modelo atual por nós implantado, mantido, cultuado e veementemente defendido. Em vista disso, é necessário voltar-se intencionalmente a esse novo contexto, às novas questões e às dificuldades de aprendizagem, de método e de generalização daí decorrentes.

O modo de proceder educativo está, ao menos parcialmente, encastelado em raízes diversas e com o risco de termos viseiras grossas a nos impedir de enxergar parte do mundo que se desenha à nossa frente. Talvez isso seja a ra-

É grande a possibilidade de que o caipira do futuro seja aquele que não se transportou e não navegue na web, no mundo do ciberespaço. Por outro lado, caso se acredite que a web possa ser

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uma nova e insubstituível ágora

criticamente sobre ele, não usar

pública, o conhecimento e o con-

suas possibilidades de interação e

trole desse espaço pelo povo é a

comunicação, não denunciar suas

nova maior questão política a ser

mazelas, não abrir os olhos para

debatida e enfrentada por todos

a novidade, ou não perceber as

os cidadãos, sobretudo pelos responsáveis pela formação das novas gerações.

dimensões dessa nova realidade,

Não analisarmos esse mundo, não transformá-lo em conteúdo

genuíno de escola e de educador e da responsabilidade/compromisso com um mundo melhor,

curricular, não nos debruçarmos

que vai se impondo gradativamente, é abster-se do papel mais

mais igual e mais solidário, bem como com a formação das novas gerações. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Adalberto Fávero é diretor acadêmico do Colégio Medianeira. Formado em Pedagogia, História e Teologia, é especialista em Currículo e Práticas Educativas (PUCRJ) e mestre em Educação (PUCPR).

recomendações Redes de indignação e esperaça Autor: Manuel Castells | Editora Zahar No início da segunda década do século XXI, muitas rebeliões eclodiram e protestos de massa aconteceram pelo mundo - a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, os movimentos Occupy nos Estados Unidos, Islândia, Tunísia, Egito. Embora os contextos divergissem, a crise era basicamente a mesma - as pessoas não confiavam mais nas instituições públicas e buscavam novas formas de participação na vida política. Em Redes de indignação e esperança, Manuel Castells examina esses diferentes movimentos e oferece ao leitor uma análise pioneira de suas características sociais - conexão e comunicação horizontais; ocupação do espaço público urbano; criação de tempo e de espaço próprios; ausência de lideranças e de programas; aspecto ao mesmo tempo local e global. Tudo isso, observa o autor, propiciado pelo modelo da internet. Em anexos, ele ainda reconstitui passo-a-passo os movimentos abordados, com dados a que não se teve acesso na imprensa e nos canais tradicionais de informação.

Cibercultura Autor: Pierre Lévy | Editora 34 O que é a cibercultura? Que movimento social e cultural encontra-se oculto por trás deste fenômeno técnico? Podemos falar de uma nova relação com o saber? Quais são as mutações que a cibercultura gera na educação e na formação? Quais são as novas formas artísticas relacionadas aos computadores e às redes? Como o desenvolvimento do ciberespaço afeta o espaço urbano e a organização do território? Quais são as implicações culturais das novas tecnologias? Da digitalização à navegação, passando pela memória, pela programação, pelo software, a realidade virtual, a multimídia, a interatividade, o correio eletrônico, etc, este livro apresenta as novas tecnologias, seu uso e suas questões.

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Vida,

cidadania e

TEATRALIDADE Por Ricardo Azevedo

Basta abrir o jornal para ver o número de pessoas que hoje em dia surge nas fotos fazendo esgares e caretas. O mesmo acontece no facebook, blogs, sites e páginas do tipo. Nem sempre foi assim.

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Em outras palavras passaram, tais como os artistas de palco, a cultivar representações exóticas e inesperadas de si mesmos.

sismo, (Imago, 1983), Christopher

É como se o mundo, de pouco em pouco, tivesse sido transformado num imenso palco onde as pessoas desfilam travestidas de cantores, estrelas de cinema, futebolistas famosos, modelos ou garotos-propaganda de anúncios publicitários.

blico e o privado: Big Brother?,

Falo da publicidade porque é nítida a semelhança entre as poPoreRicardo ses, caras bocas Azevedo dirigidas à câmera pelos garotos-propaganda de comerciais de TV e as bocas, caras e poses das pessoas diante das imagens dos celulares e smartphones da vida cotidiana atual.

de da existência cotidiana”).

Vida,

cidadania e Há muito tempo, alguns artistas da música popular passaram a adotar um comportamento cuja tendência tem sido fazer coincidir a maneira teatral com que se apresentam no palco e sua maneira de ser fora dele – refiro-me não apenas a cabeleiras, maquiagens, tatuagens, botas, brincos e adereços (óculos escuros mesmo à noite ou bonezinhos virados para trás), mas também a uma certa aparência ou pose de transgressão e rebeldia fundada principalmente na propaganda e no marketing pessoal.

TEATRALIDADE

Certos jogadores de futebol têm agido mais ou menos de forma similar. Ultimamente, o fenômeno tomou novos rumos e a referida pose, antes peculiar a artistas e estrelas, de alguma forma parece ter migrado para o cidadão comum. Crianças e jovens, assim como alguns adultos, têm copiado com mais e mais afinco a aparência física, as roupagens e o comportamento de seus ídolos.

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Basta abrir o jornal para ver o número de pessoas que hoje em dia surge nas fotos fazendo esgares e caretas. O mesmo acontece no facebook, blogs, sites e páginas do tipo. Nem sempre foi assim. Abro parênteses: faz parte deste processo a exposição alegre e voluntária, feita nas chamadas redes sociais, da vida íntima das pessoas. Já faz um bom tempo, em seu precioso estudo, A cultura do narci-

Lash, referindo-se ao modelo cultural disseminado por aí, sugeria que, entre suas várias outras características, estariam a valorização da “popularidade do modo confessional” (que mistura o púRevista Caras?, Facebook?, Youtube? Whatsap? Selfies?); e o “culto da celebridade” (nas palavras de Lasch “a mídia dá substância e (...) intensifica os sonhos narcisistas de fama e glória, encoraja o homem comum a identificar-se com as estrelas e a odiar ‘o rebanho’ [o homem comum] e torna cada vez mais difícil (...) aceitar a banalidaÉ como se uma quantidade crescente de pessoas gastasse parte de seu tempo e energia atuando numa espécie de palco imaginário e diante de uma câmera invisível, talvez na busca de ser “diferente” ou “descolado”. Ou de simplesmente “aparecer”. Note-se que, em geral, estamos falando de uma “diferença” exterior e cosmética, ligada às


As ações desses

mima cotidiana talvez signifique

jovens e suas fan-

algo maior do que apenas um

tasias têm servido

certo exibicionismo natural da

para confundir e

idade e, neste sentido, chama a

atrapalhar a leitura

atenção.

das demandas sérias, legítimas e necessárias da maior parte da população

O dito popular ensina que “depois que a cobra foi morta, é fácil fazer a foto”.

– nossa economia

Parece que a cada dia que

está entre as 10

passa aumenta o contingente de

maiores do mun-

pessoas que querem posar na

do e os padrões de

foto, enquanto diminui o número

vida de grande par-

das que de fato estão dispostas a matar a cobra.

aparências da vida e não à vida

te da população entre os piores!-,

propriamente dita. Nesta, como

mas, mais do que isso, parecem

sabemos, as mudanças costumam

configurar, eis o que quero res-

desse

ser lentas e trabalhosas, além de

saltar aqui, um fenômeno cultu-

nem quais serão suas sequelas

não necessariamente visíveis.

ral novo, complexo e de caráter

e desdobramentos, mas cheirar

multinacional. Tal fato mereceria

bem ele não cheira.

Mesmo nas recentes manifestações políticas de rua, muitos participantes, em sua maioria jovens, têm desfilado mascarados ou fantasiados de super-heróis, deixando no observador perplexo a suspeita de que o ato político em si é, por vezes, apenas pretex-

É difícil avaliar o significado fenômeno

sociocultural,

particular atenção de educadores, psicólogos e cientistas sociais.

comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

No livro citado, páginas tantas, Christopher Lasch descreve o surgimento, nas sociedades modernas, de um novo analfabetismo: o “analfabetismo social”.

to para aparecer, ser fotografado

Se lembrarmos dos baixíssi-

e brilhar, nem que seja por um

mos índices de nossa educação,

segundo, nos jornais e noticiários

a associação entre o óbvio des-

da televisão assim como nas redes

preparo de muitos jovens e essa

sociais.

espécie de teatralidade ou panto-

Ricardo Azevedo escritor, ilustrador, compositor e pesquisador paulista, nascido em 1949, é autor de vários livros para crianças e jovens. Tem, além disso, dado palestras e publicado estudos e artigos a respeito de temas como o discurso popular, literatura e poesia, problemas do uso da literatura na escola, cultura popular, música popular brasileira e questões relativas à ilustração de livros. O autor participa da FLIM 2014, a Festa das Linguagens Medianeira.

recomendações A racionalidade tecnológica, o narcisismo e a tecnologia Autor: Dulce Regina dos Santos Pedrossian | Editora Roca Este livro tem como objetivo verificar a relação entre o narcisismo, a melancolia e a ideologia da racionalidade tecnológica por meio de alguns conceitos mediadores, como indústria cultural e fenômenos de massa, que tendem a reproduzir a dominação social nas diversas instâncias da vida do indivíduo na sociedade atual. Trata-se de uma pesquisa teórica que procura orientar a reflexão sobre as tensões entre indivíduo, natureza, sociedade e cultura.

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ECONOMIA: as regras da

nossa

casa-

mundo Por Valdemiro Ruppenthal

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A Economia é planetária e tem uma trama muito complexa de relações que não permite um acompanhamento em apenas uma ou duas vias de análise. Como entender tudo isto e o que fazer então como membro participante deste processo, para que possamos interferir ou, no caso mais otimista, extinguir desigualdades instaladas?

H

á muito tempo, e para muitas pessoas, falo a respeito de uma admiração que tenho, como matemático, pelas questões que são provocadas a partir do viés da Economia e é sobre este tema que pretendo, então, tracejar algumas ideias e reflexões com este artigo.

indicador do PIB, isto é, o produ-

Economia é um tema muito amplo e apresenta diversas facetas possíveis. Pensar este tema nunca foi uma tarefa fácil e, para muitos, não passa de algo que apenas regula suas vidas de forma abstrata, sem compreenderem direito o que acontece, afinal são tantos números, relações e, especialmente, “é muita matemática”.

etc). Foi a partir deste referencial

O termo Economia vem do grego, e significa casa e lei, ou seja, poderíamos afirmar que são as regras da casa ou administração doméstica. Conforme muitos autores, é uma ciência que consiste na análise da produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

2008, ainda é a dos EUA. Os nú-

Vamos pensar nas maiores economias planetárias, ou seja, em quem, afinal, tem a maior riqueza. Neste caso, passo a usar o

dos números segue o esquema

to interno bruto e que representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades) durante um período determinado (mês, trimestre, ano, que surgiu o G7, grupo das sete maiores economias planetária no início deste século. Também o G20, dos países em desenvolvimento, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), entre outros. A maior riqueza planetária, atualmente, e apesar da crise de meros indicam 15,653 / 316 = 53 (sendo o primeiro número o total da riqueza em trilhões de dólares / o segundo número a população em milhões = a renda média anual, per capita, em mil dólares). Os EUA são seguidos pela China, em segundo lugar, em que a leitura acima: 8,250 / 1354 = 6,747. O Brasil está em sétimo lugar 2,673 / 198 = 11,31.

E, por contraste, quem são, então, as piores economias? Gâmbia, com 900 milhões de dólares, São Tomé e Príncipe, com 261 e, o pior de todos, Tuvalu, com 36. Todos os dados acima são do FMI (Fundo Monetário Internacional) do ano de 2013. Segundo o FMI, algo muito importante é a expectativa do PIB anual. Em junho de 2014, tínhamos a seguinte previsão, na sequência (em %): China (7,4), Índia (5,4), Reino Unido (3,2), México (2,4), Canadá (2,2), Alemanha (1,9), EUA (1,7), Japão (1,6), Brasil (1,3), Espanha (1,2), França (0,7), Itália (0,3) e Rússia (0,2). Fica evidente que China e Índia continuam crescendo muito. Os EUA se recuperam da crise de 2008, e o Brasil apresenta pequeno recuo, se comparado a anos anteriores. Contudo, muitos países apresentam estagnação econômica. Apesar destes dados, convém verificar a renda per capita. A lista (em milhares de dólares) inicia com Luxemburgo (110), Noruega (100), Catar (100), Suíça (81), Austrália (64), Dinamarca (59), Suécia (57), Singapura (54), EUA (53),

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bilhões de dólares, o que representa apenas 14% do PIB. Estes dados são de 2010 e mostram que, apesar de muita riqueza, os primeiros PIBs são de países muito endividados. Os Brics, por comparação, possuem pouca dívida. O item mais importante, no entanto, é o das reservas cambiais. Aí a China lidera com U$3,341 trilhões, seguido pelo Japão, com U$1,238, sendo o Brasil o sétimo, com U$379 bilhões. Curiosamente, os EUA têm apenas US$144 bilhões, sendo estes dados de 2012 ou 2013. Os Brics apresentam, atualmente, a China com US$ 3,8 trilhões, Rússia com US$ 467 bilhões, o Brasil com US$ 368 bilhões, a Índia com US$ 321 bilhões e a África do Sul com US$ 48 bilhões. Canadá (51). A Alemanha vem em 18º (44), a Argentina em 60º (11,7), seguida do Brasil, em 61º (11,3). A China surge em 83º (6,7). A partir destes primeiros números, constatamos que as maiores economias não têm, necessariamente, a melhor renda per capita. Entre outros motivos, temos a presença de populações muito expressivas, o que, estatisticamente, dilui a riqueza. Por outro lado, Luxemburgo, que tem a maior renda per capita, é um verdadeiro paraíso fiscal de empresas transnacionais que alocam enormes recursos num lugar onde vivem poucas pessoas. Outro dado: mesmo sendo os EUA a maior riqueza do planeta, o país tem uma grande população pobre. Existem entre 45 a 50 milhões de pessoas nesta situação, o que corresponde a 15% da popula-

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ção. Do mesmo modo, a China possui 150 milhões de pessoas que têm rendimento de US$1,00 por dia, e isso dá mais de 10% da sua população. Juntando os pobres destes dois países, temos a população de um Brasil. O caso mais emblemático é o da Índia. De 1,292 bilhões de pessoas, mais de 400 milhões vivem com cerca de US$1,25 por dia, o que representa cerca de 37% da população, mais ou menos 1/3 dos pobres do planeta. Outro aspecto a ser considerado nesta reflexão é o grau de endividamento de cada país. Mais uma vez a lista inicia com os EUA, com 14,392 trilhões de dólares, quase 97% do seu PIB. O segundo é a Grã-Bretanha, com 8,89 trilhões, representando 99% do PIB; em terceiro, a Alemanha (4,713), com 143% do PIB. O Brasil, em 250, tem endividamento de 310

Curioso na estatística é que o BNDES brasileiro tem, em ativos, atualmente, US$334 bilhões. Este valor é maior que o do Banco Mundial, que dispõe de US$324 bilhões para empréstimo, ou que o FMI, que tem US$310 bilhões. Talvez um dos maiores contrassensos no momento seja a China, que dispõe de US$ 1,2 trilhão para empréstimos, sendo ¼ para o empréstimo externo, o que explica por que estão comprando boa parte do mundo hoje (A China dispõe de 3,8 trilhões, mas, para empréstimo, destina apenas 1,2 tri; o restante fica como reserva). É verdade que Economia é bastante complexa e exige compreender uma trama razoável de conexões da própria Ciência Econômica, muitas vezes indo além de um simples levantamento estatístico, exigindo uma visão holística e necessariamente sistêmica.


Para tanto, não bastam índices de riqueza e reservas, como foi feito acima; outros indicadores são necessários. Além do PIB e da renda per capita, são essenciais o IDH, o índice Gine e, em discussão na atualidade, um índice ecológico, entre outros. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que, entre outros indicadores, toma a saúde, educação e renda, aponta Noruega (0,944), Austrália (0,933), Suíça (0,917), Holanda (0,915), e EUA (0,914) como os cinco primeiros, em que o número, quanto mais próximo de 1, melhor. Este é, sem dúvida, um indicador muito importante, pois mostra o grau social mais evoluído de um país. O Brasil, infelizmente, neste caso, aparece em 79º (0,744) e não tem melhorado muito sua posição nos últimos anos. Quanto aos Brics, temos Rússia (0,778) em 57º, Brasil (0,744) em 79º, China (0,719) em 91º, África do Sul (0,658) em 118º e, finalmente, Índia (0,586) em 135º. A Economia, conforme a vemos hoje, está vinculada ao modelo, ao sistema, ou seja, ao

Capitalismo, que está ligado ao capital e ao poder. Por isso, para os críticos do modelo, a questão central a ser analisada não é a de apenas levantar alguns dados, relacioná-los, compará-los e tirar conclusões que sirvam e interessem ao sistema, mas é a de compreender que o principal problema é o da concentração da riqueza e da desigualdade social que existe planeta afora a partir deste Capitalismo. Vivendo neste país, como profissional da área de educação, percebia que, no passado, governo após governo, em função de suas decisões políticas, estávamos destinados a continuamente existir com alguns poucos ricos e a grande maioria da população pobre, ou seja, alguns usufruiriam os bens materiais produzidos e a maioria estaria condenada a jamais participar desta riqueza, apesar da fala de ministros daquele período, de que primeiro é preciso construir o bolo da riqueza para depois reparti-lo. Por causa da chamada Dívida Externa, o pagamento de juros associados a ela

e da violenta inflação existente naquele período, consumia-se o poder de compra da população de tal modo que toda a riqueza produzida só chegava a alguns poucos. Resgatando o significado do termo Economia, “administração do lar”, podemos pensar na maneira como você administra a sua casa. Caso gaste mais que a sua renda e recorra a empréstimos, você pagará juros. Estes são, em geral, impiedosos com as pessoas comuns, indo de mais de 10% ao mês, ou mais de 260% ao ano, caso isto seja feito com alguns dos bancos que temos. Na compra de mercadorias, com parcelamentos maiores, os índices de taxas aplicados também são expressivos. Muitos países acabam usando também deste expediente, recorrendo ao FMI ou ao Banco Mundial e fazem empréstimos, por exemplo, para realizar obras. Existem casos de taxas de 25% de juros pagos ao ano e penhoras as mais estranhas possíveis. Isto endivida o país, em muitos casos, por longos períodos. Países como Grécia, Espanha, Portugal e, mais próximo a nós, a Argentina, com os fundos abutres, vivem este drama de endividamento e não conseguem pagar o que devem. Historicamente, o Brasil, desde o Golpe Militar de 1964, viveu governado por presidentes que emprestavam dinheiro para fazer obras. São exemplos: a Transamazônica e a Itaipu Binacional. Mais recentemente, poderíamos citar a Linha Verde, em Curitiba, que foi feita a partir de recursos que vieram do Banco Mundial.

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ba uma melhoria em todo o planeta. Segundo estes analistas, a crise econômica que se instalou em 2008, tanto nos EUA quanto na Europa, foi promovida pelo setor financeiro. Milhões ficaram desempregados e empobreceram em número muito superior aos que deixaram de ser pobres em outros lugares, o que evidencia a problemática do aprofundamento da desigualdade.

Contudo, nos últimos anos, especialmente desde 2003, viuse no Brasil uma mudança significativa. Incentivou-se o consumo interno, o que gerou recursos próprios a partir dos impostos arrecadados para investimentos em obras. Depois de feitas, não havia dívidas. Isso também gerou toda uma política de melhoria salarial. Da pirâmide anterior, em que a base era composta pela maioria, os pobres, e no topo só existiam poucos ricos, passou-se para um losango, onde a maioria das pessoas pertence à classe média; nos dois extremos, menos pobres de um lado e, no outro, ainda os ricos. Tivemos, portanto, uma diminuição da desigualdade instalada. Esta questão aconteceu devido à queda continuada do desemprego e à elevação da renda média mensal de muitos brasileiros. Assim, de forma impressionante, a questão essencial não é apenas PIB, máquina pública, índices os mais diversos associados apenas à produção e consumo e tantos outros indicadores que alguns

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economistas adoram usar para justificar sua análise. Ficou evidenciado que é possível, a partir de decisões políticas convenientes, haver mudanças nas estruturas conjunturais da economia, sejam elas locais, mas também, quem sabe, planetárias. Por isso quero acentuar que Economia é algo que está diretamente relacionado a decisões políticas. O curioso é que a mudança na qualidade de vida de muitas pessoas foi observada em vários países da América Latina e em outras partes do mundo. A questão central, me parece, e que deveríamos procurar entender um pouco melhor, é esta: acompanhar que decisões nossos governantes tomam para administrar nosso país, nosso estado e nosso município. Economistas e analistas mais críticos, contudo, afirmam que a questão da desigualdade econômica tem se aprofundado no mundo e que casos como o do Brasil e de vários países da América Latina e do próprio G20 não são suficientes para que se perce-

Um segundo argumento apresentado por analistas: China e Índia – por causa dos salários miseráveis pagos aos trabalhadores locais, o que os mantêm na base mais pobre da sociedade – empurram para baixo a renumeração de muitos outros trabalhadores planetários, forçando um empobrecimento generalizado. Não se pode, contudo, fazer uma análise tão simplista, pois, na medida em que se transportam postos de trabalho para outros lugares (por exemplo, exportando do Ocidente para o Oriente), e também na medida em que se reduzem salários, haverá os que irão faturar. No caso, alguns empresários chineses, o que os torna os novos acumuladores. Existe um fluxo contínuo de capitais e riquezas pelo planeta e que tem um viés concentrador. É de Thomas Piketty, economista francês, que vem uma das falas mais significativas dos últimos tempos. Ele diz que a economia como um todo, nos últimos tempos, não acompanha o capital, ou seja, toda a riqueza, as propriedades imobiliárias e os ativos financeiros, entre outros, es-


tão em maior velocidade do que a renda produzida pelo ganho do trabalho, o que provoca uma maior desigualdade planetária. Os ganhos de capital ou a taxa de renumeração do capital estão em escala mais rápida do que os ganhos ou a taxa do ganho do trabalho, fazendo com que haja acúmulo numa porcentagem maior da renda dos ganhos de capital se comparados ao crescimento da economia toda do planeta. Isto está agravando ainda mais a desigualdade planetária.

que os 50% mais pobres da população respondem por apenas 1% da riqueza do planeta. O Brasil possui 1,3% da riqueza e 2,8% da população mundial. Também se sabe que quase um terço do patrimônio dos 10% mais ricos está nos EUA. A renda pessoal está distribuída de maneira tão desigual no mundo que os 2% mais ricos da população adulta detêm mais de 50% dos ativos mundiais, enquanto os 50% de pessoas mais pobres detêm apenas 1% da riqueza do planeta.

Para justificar a preocupação de Piketty, segundo o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a desigualdade na distribuição de rende cresceu 11% entre os anos de 1990 e 2010, ou seja, as 85 pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza dos 3,5 bilhões de cidadãos mais pobres, ou seja, muita riqueza para poucas pessoas e a mesma riqueza distribuída para muita gente.

A questão é que hoje a Economia é planetária e tem uma trama muito complexa de relações que não permite um acompanhamento em apenas uma, duas ou algumas vias de análise. Como entender tudo isto e o que fazer então como membro participante deste processo, para que possamos interferir ou, no caso mais otimista, extinguir desigualdades instaladas?

Para tornar os números ainda mais dramáticos, dados apontam

Existem as mais variadas ideias e sugestões para ao menos mitigar a desigualdade. No passado,

uma das principais era a taxa Tobin, que pregava ser necessário um imposto sobre os países mais ricos e que poderia tirar os países endividados do atoleiro. Atualmente, o próprio Thomas Piketty sugere que deveria ser criado um imposto global e progressivo sobre a riqueza como meio de repassar recursos aos mais necessitados. No Brasil, uma política de transferência de rendas tem sido usada, como é o caso do Bolsa Família, Programa Minha Casa Minha Vida, diminuição de impostos em certas mercadorias, aumento do dinheiro circulante, redução na tarifa elétrica, entre outros tantos. Pessoalmente, penso que há a necessidade de ampliarmos a reflexão sobre outras possibilidades de modelos de economia, para que se possa construir uma alternativa diferente e melhor para todos os seres humanos do planeta. Alguns anos atrás existiam alternativas como o Comunismo ou o Socialismo. Hoje, estamos praticamente sob um modelo único, o Capitalismo. Vivemos, essencialmente, sob a lei do mercado, ou seja, quando da escassez dos produtos, estes passam a elevar-se de preço e, na abundância, o valor a ser pago diminui. Como contrapartida a esta lei de mercado existem, de modo ainda incipiente, formas bem mais interessantes, tais como a economia solidária, cooperativada, social, criativa, economia de mercado socialista (a chinesa), que tem tido um dos maiores índices produtivos já há muito tempo, entre tantos outros. Muitos clamam, enfim, por uma economia justa. Talvez, a partir

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destas alternativas, crie-se uma que nos ajude a caminhar para um mundo melhor e mais justo para todos. Algumas já têm décadas de funcionamento. Como exemplo, posso citar a economia solidária, que vi surgir e acompanhei com mais afinco desde a década de 90 do século passado. Infelizmente, ainda hoje, não tem uma penetração suficiente para servir como alternativa e conseguir provocar alguma possibilidade de mudança. Outra experiência interessante está relacionada à ecologia, ou seja, pessoas, cidades, lugares que preservam ambientes ecologicamente corretos têm diminuição ou isenção de impostos e, em alguns casos, até recebem recursos, o tal crédito de carbono. Outras experiências se baseiam na troca, em moedas paralelas, entre outras. Como se vê, o tema é complexo e merece participação de mais pessoas, com suas propostas, análises e debates, pois à medida que se têm mais recursos econômicos, o consumo tende a aumentar inevitavelmente. No Brasil, nos últimos anos, em função da elevação da renda média, houve um desenfreado crescimento no consumo. É visível o modo como os humanos, local e globalmente, estão debilitando o planeta. Tudo indica que se continuarmos a tirar tanto da natureza, logo não

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teremos mais futuro. Trata-se de construirmos outra mentalidade, outro modo de proceder e de ser no mundo. Por isso, alguns defendem a sustentabilidade e outros, mais radicais, a teoria da simplicidade. Se historicamente a humanidade teve como grandes momentos a Economia associada à terra, à indústria, aos bancos e, mais recentemente, à informação, hoje e no futuro esta questão está diretamente vinculada ao conhecimento e à difusão desta informação. A riqueza virá de quem domina o conhecimento e de quem o transmite. O nosso modo de proceder com a educação, portanto, deve estimular a noção de conhecimento como meio, uma forma que desperte a mudança para a igualdade fraterna. Este é o nosso compromisso como cidadãos. Apesar de o Brasil ser a sétima economia do planeta, os dados estatísticos comprovam que o brasileiro trabalha mais do que a média dos habitantes de países ricos, produz menos e ganha uma renumeração medíocre. Se comparada à renda média de um americano, a nossa é quatro vezes menor. Uma explicação razoável: no Brasil, 43% das pessoas entre 25 e 64 anos de idade têm concluído o Ensino Médio, enquanto no Chile a porcentagem é 72% e, nos EUA, 89%. Enfim, sem a devida formação educacional, os

brasileiros estão condenados a continuar na informalidade profissional, o que leva alguns, inclusive, a optarem pelo caminho do crime. O que nos cabe pensar para que partamos para a ação é o que chamo de juízo de valor e legitimidade associado ao modo de funcionamento da nossa economia. Se eticamente a riqueza for desproporcional, causando sofrimento a alguns – e aí é interessante lembrar quantas guerras ainda existem pelo planeta afora em função disso –, então me parece que ainda estamos trilhando o caminho da imoralidade social. Talvez seja preciso nos perguntarmos por que a hora de trabalho de uma pessoa tem valores tão desproporcionais planeta afora. Dentre muitos exemplos: enquanto, em média, por hora de trabalho, um brasileiro ganha entre R$8 a R$12, um alemão entre R$45 e R$60 e um dinamarquês R$40,00, um chinês recebe apenas R$4 diários. Como consequência, teremos salários mensais muito díspares entre os diferentes seres humanos espalhados pelo planeta. Será que as normas existentes e que regulam tudo que gira em torno da Economia não mereceriam um estudo nosso e uma interferência, para que melhorem ou até mudem mais radicalmente? Economia, portanto, é muito mais do que fazer uma leitu-


ra mecânica da realidade. Além de constatar os fatos em si, nos falta constatar mais situações irregulares, fenômenos sociais que exigem sensibilidade, tais como a tristeza ou a alegria, o choro e a dor, por exemplo. Do quantitativo tão comum, passo a sugerir o qualitativo. Talvez seja necessário compreender e interpretar de uma forma mais interessante e destacada a Vida. Temos, de forma geral, humanos urbanos, consumistas, plugados eletronicamente, a fim de obter ganhos financeiros de forma cada vez mais voraz. Se temos o encontro de Davos, liderado pelos países de economias ditas ricas, temos também os Brics e tantos

outros grupos; em contrapartida, também surgiu o Fórum Social Mundial, afirmando que “Outro Mundo é Possível”. Neste momento, me arrisco a afirmar que se trata de construir um “Outro Modelo Possível”, que não seja somente uma Economia propriamente dita e regida pelas leis de mercado, mas que seja construído um modo de Vida que leve em conta o bem coletivo, aquilo que socialmente seja adequado à Humanidade, a construção ou o investimento de um valor seguro coletivamente que está muito além da simples valorização cambial e monetária. Sob esta ótica, muitos pensamentos precisam ser trocados, compartilhados. Muitos

outros artigos ainda precisam ser escritos. Peço desculpas pela extensão deste artigo. Anime-se, escreva. Eles podem ser mais curtos, mas decisivos na construção deste novo empreendimento que proponho. Valdemiro Ruppenthal é professor de Matemática do Colégio Medianeira, especialista em Currículo e Práticas Educativas (PUC-RJ).

Recomendações

e a cidade

O capital no século XXI Autor: Thomas Piketty| Editora Intrinseca

Nenhum livro de economia publicado nos últimos anos foi capaz de provocar o furor internacional causado por “O capital no século XXI”, do francês Thomas Piketty. Seu estudo sobre a concentração de riqueza e a evolução da desigualdade ganhou manchetes nos principais jornais do mundo, gerou discussões nas redes sociais e colheu comentários e elogios de diversos ganhadores do Prêmio Nobel.

Os caminhos da Política macroeconômica brasileira (brasilianas.org – EBC) Apresentação: Luís Nassif Esse programa analisa as vulnerabilidades do modelo macroeconômico do governo Dilma Teoricamente, os objetivos da chamada macroeconomia, uma das divisões da ciência econômica, é o crescimento da economia, o pleno emprego, a estabilidade de preços e o controle inflacionário. Desta forma, pode-se considerar que a receita exata para a evolução e equilíbrio de todos esses pontos é a pedra filosofal perseguida pelos modelos econômicos em muitos países, incluindo o Brasil.

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Educação

para a

SUSTENTABILIDADE: missão de todos por um mundo melhor

Dentro da realidade de mundo globalizado, é necessário formar cidadãos planetários, conscientes do seu poder de influenciar a mudança, despertando-os para construir um mundo de maior justiça, equidade e direitos humanos para todos. Por Nara Nunes Dutra

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P

sustentáveis, promovendo aprendizagens significativas (desde a educação infantil até a profissionalizante e/ou graduação) que visam preparar, ainda mais, os alunos para os desafios desse modelo de desenvolvimento. É função da escola promover a Cidadania Planetária, ou seja, fomentar a visão de que o planeta é único e de que somos uma única sociedade mundial, para que todos possam zelar pelo “Nosso Futuro Comum”.

população mundial, a persistência da pobreza generalizada, a expansão de processos industriais predatórios em todo o mundo, a negação da democracia econômica e a violação dos direitos humanos. No entanto, a educação tem um grande peso na luta pela sustentabilidade.

Uma nova educação, em sua forma sustentável, é o que poderá levar à transformação da consciência coletiva e ajudar a humanidade a dar um salto qualitativo e alcançar o equilíbrio entre os aspectos ambientais, sociais e econômicos de sua vida.

A sustentabilidade é um princípio reorientador da educação. A educação sustentável não se preocupa apenas com uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o sentido mais profundo do que fazemos com a nossa existência, traduzindo na prática pedagógica os princípios da sustentabilidade que devem orientar ações cotidianas. Exige tratar questões econômicas, ambientais e sociais de forma integrada. Apresenta-se como o meio para o resgate de valores como cidadania, cooperação, solidariedade, responsabilidade e ética, que são aspectos da sustentabilidade e colaboram para o aprimoramento de uma cultura voltada para o desenvolvimento humano e a manutenção do planeta. Educação e sustentabilidade devem caminhar juntas – estão reciprocamente interligadas para a manutenção da vida e do bem-estar social, rumo ao desenvolvimento sustentável. Essa é a proposta de Educação para a Sustentabilidade.

A educação tem capacidade de redesenhar o modelo de desenvolvimento e construir uma nova cultura baseada em valores

É claro que a educação sozinha não pode enfrentar os fatores mais determinantes da insustentabilidade: o rápido crescimento da

Além do seu papel crucial na promoção do desenvolvimento sustentável, percebe-se a relação direta entre Educação e Sustentabilidade nos resultados sociais e econômicos da educação sobre o desenvolvimento. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre a relação entre “Investimento em Educação e Desenvolvimento Econômico” (Ricardo Paes de Barros; Rosane Mendonça. 1998) mostram que a educação amplia o crescimento da renda per capita, dos salários industriais e das exportações entre 15% e 30%, ao mesmo tempo em que melhora as oportunidades e a qualidade de vida das pessoas em função do fato de que mais instrução diminui, de modo consciente, o tamanho das famílias. Revela, ainda, que amplia entre 20% e 25% o tempo de vida dos indivíduos, que passam a receber e compreender melhor informações sobre saúde, higiene e alimentação, além do fato de que gera melhor qualificação para o trabalho, ampliando o acesso à renda.

aralelo ao modelo predatório de desenvolvimento, vivemos na era da informação em tempo real, da globalização da economia, da realidade virtual, da quebra de fronteiras entre nações e dos sistemas de produção automatizados. Essas transformações afetam tanto o mundo da produção e do trabalho como também o mundo da educação e da formação. É sabido que a relação entre educação e desenvolvimento é tão estreita que modelos de desenvolvimento e/ou objetivos econômicos direcionam políticas educacionais. Sendo assim, a articulação entre educação e desenvolvimento não é novidade. Perante o questionamento mundial sobre o atual modelo de desenvolvimento, e o crescimento da adesão à proposta de desenvolvimento sustentável, exige-se um novo modelo educacional. Por isso, é fundamental que a educação inclua a grande tendência mundial: os três pilares da sustentabilidade. Precisamos estar conscientes de que não se trata apenas de introduzir corretivos ao sistema que criou a atual crise civilizatória, mas de educar para sua transformação.

Portanto, precisamos compreender que somente uma re-

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volução educacional vai permitir mudanças realmente significativas a médio e longo prazo no que diz respeito à sustentabilidade de nossas atividades econômicas. O fato é que, seja pela promoção do desenvolvimento sustentável e/ou pelos impactos positivos da educação no desenvolvimento, o debate sobre a sustentabilidade de nossas atividades no planeta não pode mais excluir as questões relativas à Educação. Já temos diversos documentos internacionais e nacionais que nos apontam a necessidade de mudança no processo educacional, tais como: o Relatório para Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI da UNESCO (livro: Educação: um tesouro a descobrir, 1999 – disponível gratuitamente na internet), que propõe que a escola deve sobretudo ensinar a ser e conviver, preparando os aprendizes para serem sujeitos autônomos, críticos, capazes de criar seus próprios juízos de valor e tomar decisões com a mesma ética que conduz suas vidas; o Parecer do Ministério da educação (MEC) no 003/2001 que trata da inserção nos currículos dos Ensinos Médios e Superior a disciplina Responsabilidade Social e Ambiental; a Resolução da Organização das Nações Unidas – ONU (2002) proclamando os anos de 2005-2014 a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, reconhecendo que a educação é a “chave” para o desenvolvimento sustentável; os Princípios da Educação Empresarial Responsável (PRME) criado em 2007

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pela ONU, formulado no âmbito do Pacto Global que busca estabelecer processos de melhoria contínua entre as instituições de ensino de gestão, a fim de desenvolver uma nova geração de líderes empresariais, capazes de gerir desafios enfrentados pelas empresas e a sociedade no século XXI; a Agenda 50+20 Educação em Gestão para o Mundo (2012) – documento elaborado por multistakeholders da área educacional que se propõe a incentivar as escolas de negócios a formarem gestores mais conscientes do seu papel na construção de empresas, mercados e sociedade mais sustentáveis; o Compromisso do MEC, durante a Rio+20, de incluir a sustentabilidade nos currículos da Educação Superior a partir de janeiro de 2013; o Programa Dinheiro Direto na Escola – Escola Sustentável, do MEC, que investiu R$ 100 milhões no ano de 2013, em um programa destinado à criação de ações sustentáveis em 10 mil escolas de ensino básico, com foco no Tripé espaço físico – gestão – currículo; dentre outros. Mas como educar senão pelo modelo? Como formar pessoas responsáveis se as práticas da escola em seus processos de gestão, ou no comportamento de seus funcionários, não seguem o mesmo princípio? Não basta uma abordagem curricular e/ou transversal nas salas de aulas; as escolas devem se questionar sobre o mundo que querem ajudar a construir e assim repensar seu modelo de gestão e adotar uma nova forma de pensar, de agir,

gerir e de fazer negócios, considerando os impactos ambientais, sociais e econômicos causados por suas decisões e ações, de forma que a instituição se torne corresponsável pela promoção do desenvolvimento sustentável. É necessário que as instituições educacionais se adaptem para enfrentar os atuais desafios e encontrar uma maneira de realizar seus trabalhos de forma sustentável, com foco no que o MEC chamou de “Tripé espaço físico – gestão – currículo”. Não bastam investimentos em ações ou projetos isolados, deve-se considerar a redução dos impactos negativos e a valorização dos impactos positivos de suas atividades. É preciso alinhar a estratégia de trabalho e educação à sustentabilidade. Os professores precisam de uma nova maneira de educar, despertando a consciência das interdependências, ou seja, levando os alunos a perceber que nenhum evento pode ser compreendido isoladamente e que os problemas ou desafios locais ganham sentido ao serem contextualizados globalmente. Nossos professores devem estar preparados para trabalhar questões da sustentabilidade de forma transversal, relacionandoas ao conteúdo de suas disciplinas de forma contextualizada. A utilização da sustentabilidade pelo setor produtivo e pela sociedade traz fortes impactos na produção, no trabalho, no emprego, na renda, na economia, no meio ambiente e na qualida-


artigo

de de vida das pessoas. As escolas profissionalizantes e de ensino superior servem o mundo corporativo. Dada a crescente procura por parte do mercado para desenvolver novas abordagens sobre a forma de integrar as questões ambientais, sociais, econômicas e de governança, é do melhor interesse dessas escolas buscar a excelência para se adaptar e atender essa nova demanda. Emerge a necessidade de novos profissionais que devem ser capazes de interpretar e traduzir em práticas de gestão os conceitos, princípios e aspectos da sustentabilidade. Esses profissionais precisam se preparar para enfrentar os desafios socioambientais e econômicos dentro do paradigma da sustentabilidade e encontrar uma maneira de viver e

ma sustentável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dentro da realidade de mundo globalizado, é necessário formar cidadãos planetários, conscientes do seu poder de influenciar a mudança, despertando-os para construir um mundo de maior justiça, equidade e direitos humanos para todos.

BARROS, Ricardo Paes de; Mendonça, Rosane Silva Pinto de - A economia brasileira em perspectiva / IPEA; Rio de Janeiro, 1998 VOLTOLINI, Ricardo – Escola de Líderes Sustentáveis: como as empresas estão envolvendo e educando para a sustentabilidade, Elsevier, 2014 SITES: www.onu.org.br; www.unesco.org/ new/pt/brasilia/; www.mec.gov.br/

Se queremos um mundo mais sustentável, temos que investir em educação por prioridade!

comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Segundo Paulo Freire, “a educação não muda o mundo, mas muda as pessoas que vão mudar o mundo”. Agora todas as pessoas são impelidas a mudar. Não temos outra alternativa: ou mudamos ou perecemos. Somente um processo generalizado de educação pode criar pessoas capazes de fazer a revolução exigida pelo risco global sob o qual vivemos.

Nara Nunes Dutra é consultora em sustentabilidade, diretora da Sincronia Soluções Sustentáveis, membro da Rede ISAE de Talentos (RIT), como docente do ISAE/FGV. Psicóloga, com pós-graduação em Educação Ambiental (Senac Nacional), MBA em Responsabilidade Social Corporativa (FGV/PR) e Especialização em Competências Estratégicas (Senac Nacional), Formação da Banca de Examinadores do Movimento de Excelência no modelo do FNQ e formada em Relatório de Sustentabilidade GRI (Uniethos). Contato: nara_dutra2012@hotmail.com

de realizar seus trabalhos de for-

Recomendações

e a cidade

Escola de Líderes Sustentáveis: como as empresas estão envolvendo e educando para a sustentabilidade | Autor: Ricardo Voltolini | Editora Campus Mais importante do que ser sustentável é ser capaz de mobilizar todos à sua volta no esforço por resultados sustentáveis. E é justamente esse o tema do livro do jornalista e consultor em sustentabilidade empresarial Ricardo Voltolini.

Educação ambiental e sustentabilidade Autor: Arlindo Phillipi Jr. | Editora Manole A obra foi estruturada em 5 partes, composta por Introdução, Fundamentação Ambiental, Fundamentação em Educação Ambiental, Métodos e Estratégias de Educação Ambiental e Estudos Aplicados à Educação Ambiental. Conta com a participação de especialistas de diversas áreas, que abordam o tema sob perspectiva interdisciplinar, demonstrando a importância das relações da educação ambiental com saúde, ambiente, direito, cidadania, política, cultura e sustentabilidade.

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de

inventos e novos ventos Entrevista com Fred Teixeira e Juliana Cortes Por Martinha Vieira

Voltando um pouquinho no tempo, há cerca de trinta anos, Curitiba escrevia páginas importantes da sua história cultural. Uma cidade até então acanhada no campo da música começava a mostrar uma cara diferente, com novas bandas, no princípio mais voltadas para o rock, e outras linhas de composição e interpretação musical que se expandem para a década de 1990, inaugurando a coragem de fazer de Curitiba a sua arena.

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oje o cenário se modifica: os avanços tecnológicos possibilitaram o surgimento de estúdios especializados em gravação de discos, a profissionalização de produtores musicais e o aumento da oferta de cursos na área da música têm possibilitado, aos interessados em cursar Música, não precisar sair da cidade para fazê-lo, e a ousadia dos pioneiros começou a abrir os ouvidos dos curitibanos para os valores musicais de casa. Editais e leis de incentivo, ainda insuficientes para atender à demanda local, começaram a compor o cenário de nossa cidade. O leque se abre cada vez mais, em estilos e mesclas, invenções e releituras que acrescentam à MPB um modo curitibano de fazer música. E para discutir esse assunto, Mediação conversou com dois representantes da música curitibana que entraram recentemente na cena: Juliana Cortes, cantora de formação lírica, que traz para a música popular um estilo refinado e um repertório da mais alta qualidade no seu primeiro disco Invento, lançado em 2013, e que já obteve indicação para o Prêmio da Música Brasileira, e Fred Teixeira, produtor musical que tem assinado inúmeros discos de músicos e cantores curitibanos, incluindo o Invento de Juliana Cortes, e neste ano lançará seu disco próprio, Zero, estreando também como intérprete. Mediação: Como vocês veem

nha sugestão é que se conheça o

o panorama, em Curitiba, para

maior número de pessoas possível

quem resolve fazer da música a

nessa área e que se tente criar um

sua profissão e que caminhos se

network, uma rede de contatos

têm a percorrer? Quais são os

que possibilite trabalhos futuros.

ganhos

pelos

Os editais e leis de incentivo são

editais, leis de incentivo e pelas

proporcionados

uma ferramenta essencial para a

novas tecnologias e quais são as

produção cultural curitibana, uma

dificuldades encontradas?

vez que elas possibilitam a criação

Fred: O panorama cultural

não só de produtos culturais, mas

curitibano é extremamente rico

também de uma rede profissiona-

no momento. Eu tive a honra de

lizada que dá suporte aos mesmos

trabalhar com diversos artistas

(que inclui produtores culturais,

daqui e de fora, tanto nos palcos

arranjadores, músicos, técnicos

como em estúdio, e a qualidade

de som, estúdios e artistas gráfi-

de nossos músicos e artistas é

cos, entre muitos outros). Contu-

certamente equiparável a de qual-

do, acredito que ainda tenhamos

quer outro polo cultural mundo

um longo caminho a percorrer no

afora. Para aqueles que pensam

que diz respeito à criação de um

em trabalhar com música, a mi-

modelo de negócio sustentável na

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área da música que independa de incentivos públicos. Juliana: Estamos em pleno processo de discussão sobre os novos caminhos da música como profissão. Com a volta do estudo da música na escola como disciplina obrigatória, retomamos o papel pedagógico da música e começamos a formação de um público novo e a transformação de um público que, a meu ver, entende a música apenas como ferramenta de entretenimento. Acredito que vamos passar por uma criação ou recriação do pilar pedagógico da música em Curitiba e espero que isso tenha um impacto no consumo e produção da arte local para os próximos anos. Na minha visão, quem decide fazer da música sua profissão deve vê-la mais como “conhecimento adquirido” e não apenas como “talento”. A música é disciplina e estudo como qualquer outra ciência. Dessa forma, a academia de música é sempre o melhor caminho. Temos faculdades que abrangem a formação do bacharel em determinado instrumento, a formação de licenciatura em música e, na Universidade Federal do Paraná, também há oferta de graduação em Produção Sonora, outro desdobramento da área. Além disso, estar antenado com o que está sendo produzido na área é fundamental. Quanto às Leis de Incentivo, acho que é preciso reinventar essa ferramenta. Não atende a demanda da classe e não está relacionada com a distribuição e consumo da arte, somente à produção em si. Na prática, isso causa um excesso

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de produto ofertado (CD, DVD, show) e pouca procura. No final de julho fiz uma pesquisa juntamente com a cantora Janaína Fellini para vermos os números de “curtidas” nas páginas de artistas curitibanos. Se refletirmos que Curitiba tem aproximadamente 1,8 milhões de habitantes e a grande maioria dos artistas possui entre 1000 e 2000 curtidas em suas páginas, vamos perceber que a cidade praticamente desconhece a produção musical local. Isso é um outro assunto, mas é importante ressaltar que a música precisa ser mais pensada mais do que somente “feita”.

Hop, como Blackout e Comunidade Racional, e daí em diante não parei de ouvir músicos daqui. Juliana: Dentro do meu atual trabalho artístico busco um conceito sobre a identidade cultural de Curitiba, mas essa reflexão veio tardia, durante minha formação acadêmica. Na prática, não acho que fui influenciada por artistas que viveram fora de Curitiba, exceto por alguns professores que tiveram uma formação no exterior e que retornaram para Curitiba para lecionar. Na minha infância, o principal contato que tive com a produção local era feito através dos Festivais de Corais que existiam em Curitiba e no interior. Sem dúvida, foi a principal forma de ter contato com a produção musical curitibana através das composições e dos arranjadores. Importante dizer que, nesse período, a principal agente cultural foi a maestrina Haydée Gorosito.

de

inventos e novos ventos

Mediação: Como nas décadas de 80 e 90 o cenário da música local ainda era muito restrito, buscando expansão e invenção, alguns músicos foram beber em fontes como Rio e São Paulo. Vocês se consideram parte da geração estimulada pelas facilidades atuais e pelos músicos e bandas que abriram caminhos nas décadas anteriores? Tomavam conhecimento da música local na sua infância e adolescência? Poderiam dizer que bebem também na fonte local e quais referências poderiam citar (local ou não) como inspiração para o seu próprio trabalho?

Entrevista com Fred Teixeira e Juliana Cortes

Fred: Embora a internet exerça um papel fundamental na visibilidade de qualquer artista, o trabalho e a projeção de bandas locais das décadas de 80/90 facilitou a visibilidade de artistas de hoje. A partir de minha adolescência comecei a me interessar por grupos locais ligados ao Hip-

Durante a pesquisa de sonoridades para o meu trabalho, me inspirei e me influenciei por artistas e escolas musicais bem presentes em Curitiba. São muitos os nomes, mas vou citar por aqui alguns dentro da música contemporânea, gosto que herdei das aulas do professor André Egg durante o curso de Bacharelado em Música Popular e que depois pude vivenciar com mais profundidade nas produções que fiz com o clarinetista André Erhlich e o pianista Paulo Emiliano, com a estreia mundial de algumas peças do Harry Crowl. Há também o espetáculo Nöel, que estreou em 2006, com o Márcio Juliano


e direção do Sérgio Albach. Esse show mudou meu olhar sobre a produção musical. Assisti cerca de sete vezes e assistiria muito mais. Mediação: Como vocês percebem a receptividade do público curitibano para a música local? E o público de fora, como recebe o músico/ cantor curitibano? Fred: Acredito que as barreiras regionalistas (ao menos no campo da música) passaram a diminuir gradativamente a partir do momento em que a internet tornou-se o principal veículo de troca de informação. Podemos encontrar facilmente no Youtube tanto vídeos da Beyoncé quanto de Belarmino e Gabriela, e as pessoas cada vez mais buscam arte com a qual elas se identificam, independente de onde é criada. Juliana: Acho que a música curitibana tem despertado mais interesse e curiosidade no público de fora do estado. Há, sim, uma receptividade local que vem sendo conquistada dia a dia com as novas produções musicais, mas ainda acho que poderíamos ter uma adesão maior do público da cidade nos shows e nos concertos. Não penso que há uma rejeição para consumir a cultura local, mas um desconhecimento sobre o que é feito por aqui. Mediação: O que os levou para a área da música e quais suas principais realizações e expectativas? Que meios indicariam para quem quiser conhecer mais sobre o trabalho de vocês? Fred: É a música que nos escolhe e não o contrário! Sinto-me

feliz por poder produzir, arranjar e compor, e minha expectativa é de continuar fazendo música da qual eu tenha orgulho. Temos o site da gravadora (www.gramofone.com.br), o meu (www.fredteixeira.com.br) e, para aqueles que estiverem em Curitiba no dia 7 de novembro, às 21h, acontecerá o lançamento do meu disco Zero na FLIM, a Festa das Linguagens do Medianeira. Juliana: A minha principal realização é a produção do CD Invento, que foi lançado ano passado. Fui indicada ao Prêmio da Música Brasileira, eleita como uma das melhores produções de 2013 pela Gazeta do Povo e fiquei num ranking dos 100 melhores álbuns da MPB de 2013 pela publicação pernambucana do Embrulhador.com. Estas são as grandes conquistas da minha carreira até aqui, mas posso dizer com franqueza que a principal conquista pra mim foi a criação da obra (conceito, repertório, arregimentação, ensaios, gravação). Seria assim, mesmo que ela não tivesse chegado a lugar algum. Eu escolhi a música para me comunicar com o mundo e tem sido assim desde os oito anos. É a forma que eu tenho de ver a beleza de todas as coisas. Para conhecer um pouco mais do meu trabalho: facebook.com/invento. julianacortes e também no julianacortes.com.br.

vivenciar a sua cultura e a arte produzida localmente. Se não for desta forma, estaremos sempre predispostos a pensar que o nosso imenso país tem apenas um centro cultural, de onde tudo vem e para o qual se deve seguir, caso queira fazer da música ou de outras artes a sua profissão. Para desafiar e mudar esse foco foi que propusemos essa provocação, por meio de nossos entrevistados Fred e Juliana, e terminamos citando Vitor Ramil (compositor e cantor nascido em Pelotas-RS), em entrevista ao poeta e editor Ricardo Corona para a revista Medusa, por ocasião da sua mudança do centro do calor do mercado fonográfico para o extremo sul do país: “Não estou à margem de uma história, estou no centro de outra”. Isso vale para nós, curitibanos, para que protagonizemos a nossa própria história, ao invés de implorar papéis coadjuvantes ou figurantes em outras histórias.

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A entrevistadora, Martinha Vieira, foi professora de Língua Portuguesa do Colégio Medianeira por 20 anos e atualmente é responsável pelo Departamento de Arte. É formada em Letras (UFPR), pós-graduada em Currículo e Prática Educativa (PUCRJ) e em Produção da Arte e Gestão da Cultura (PUCPR).

E por aqui, caro leitor, finalizamos essa conversa, que deve continuar em pauta na vida cultural dos curitibanos. Conhecer a sua cidade passa também por

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Os barulhentos e ingênuos modernistas Klaxon trouxe um espírito jovial às artes brasileiras e ainda hoje propõe uma interessante discussão sobre a validade, o amadorismo e o porquê de se produzir artisticamente. Por Daniel Zanella

E

ra 15 de maio de 1922, um pouco depois da Semana de Arte Moderna – a Semana que nunca terminou – e um grupo de escritores, jornalistas e intelectuais, que se reunia em um escritório da Rua Direita, de São Paulo, lançava a Klaxon – Mensário de arte moderna, a primeira revista modernista do país, que chegava derrubando a porta do cenário cultural brasileiro. Com colaboradores como Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida, o periódico pretendia trazer uma estética de rompimento, principalmente com as tradições europeias e a servidão local às tendências externas. “A Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante. Por

isso é polimorfa, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz [sic]”, dizia, em certo momento, o loooongo editorial de abertura, uma espécie de carta magna de princípios e condutas. A profusão de vozes e intenções fazia da revista – o batismo foi inspirado em uma marca norte-americana de buzinas para automóveis, em forma de corneta – uma alma coletiva de difícil definição e que se batia em suas próprias causas: havia de poemas obscuros em francês, sem tradução, afinal, por que se traduzir?, crônicas de costumes e críticas de cinema – o manifesto da revista pregava uma espécie de internacionalização, ao mesmo tempo em que alegava querer quebrar os paradigmas anteriores. A diversão impiedosa também era luminar

em suas páginas, como na edição em que o poeta Henri Mugnier arrasava uma exposição: “Se o belo é de todos os tempos, de todos os lugares e de todas as espécies, é preciso acreditar que o feio também é de todos os lugares e de todas as espécies, e isso porque aqui, em pleno século vinte, na ocasião em que toda a nova geração de artistas se dirige ardentemente para a Beleza, nos foi dado a visitar a exposição do Sr. Hermann. Que pecado cometemos, para sofrer tão dura penitência?” Antena De um admirável artigo de Mario de Andrade sobre a pianista Guiomar Novaes ao notório projeto gráfico de Guilherme de Almeida, a Klaxon trouxe uma abordagem original sobre o que

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é ser contemporâneo, embora, como bem diz o cineasta Ugo Giorgetti, é um engano acreditar que todos somos contemporâneos. Dotado de uma roupagem iconoclasta, quase ingênuo e caseiro, o periódico dizia para não nos preocupar em ser o novo, mas em ser atual. “Essa é a grande lei da novidade”. Para além da derrubada de totens, imperava a irmandade, como havia de ser, e o corporativismo, marca que nenhum veículo cultural jamais conseguirá extinguir. Em uma edição, por exemplo, Mario de Andrade resenhou um lançamento de Menotti Del Picchia. A revista, poucas páginas depois, anunciava, para a próxima edição, breve resenha de Pauliceia Desvairada, do próprio Mario de Andrade. No nº 8, quase todo dedicado a Graça Aranha, Ronald de Carvalho comove com seu título: “Graça Aranha Criador de Entusiasmo”. Entretanto, é notável que quase todo o cânone cultural

da época tenha sido representado nos nove números da revista. Não foi pouco. Espírito do tempo A Klaxon circulou de maio de 1922 a janeiro de 1923 e foi editada em fac-similares nos anos 1970 e também em 2012, pelo Instituto de Cultura Contemporânea (ICCO), em comemoração aos seus noventa anos. Seu valor histórico é inegável e realmente impressiona o vanguardismo gráfico em tempos de impressões rudimentares. Mas a Klaxon foi inescapável de algo ainda mais comum em projetos literários: ela dava muito prejuízo – os anunciantes não gostavam muito do ideal avant-garde do periódico, que tinha tiragem de menos de mil exemplares e acabou sucumbindo em sua fragilidade financeira. Do ângulo da organização de um período e considerando o contexto atual de super abundância de estímulos visuais e produ-

ção textual – é possível imaginar, a partir das timelines das redes sociais, que nunca se leu tanto e tão mal quanto em nossos dias contemporâneos –, ainda sentimos, sim, uma vontade de espíritos elencadores, mesmo que tendenciosos, maliciosos ou graciosamente amadores mesmo. Ou, ainda como diz, de modo provocativo, Rubens Borba de Moraes, um dos organizadores da Semana, no nº 5 da revista: “Em arte não há progresso. O progresso só existe para as coisas materiais e na bandeira brasileira. Nós não escrevemos melhor que Machado de Assis, nossos poemas não são mais belos que a Eneida de saudosa memória. Igualar Camões ou Racine não tem a mínima importância. O que nos importa é traduzir a nossa época e a nossa personalidade”. E isso a Klaxon fez, à margem de todos os seus erros de percurso, com esmero. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Daniel Zanella é cronista, jornalista e editor do RelevO, impresso mensal de literatura. Vive em Araucária - PR.

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