Revista Mediação - Número 28

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revista de educação do colégio medianeira NÚMERO 28

ANO XI - 2015

ISSN 1808-2564

Política: das ruas para a sala

de aula

Educação: liberdade é essencial, mas tem limite

Sobreviventes do Holocausto emCuritiba

E o samba

entrou na roda.

Entrevista com o

Grupo Braseiro

mediação

1


mediação

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Diretor Pe. Carlos Alberto Jahn, S.J.

Diretor Acadêmico Prof. Fernando Guidini

Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira

Jornalista responsável Carlos Alberto Jahn (MTB 9977)

sumário

expediente

Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564

Coordenação Editorial Cezar Tridapalli

alua

:a las a a ci

ed a

rap

4

Bata antes de entrar: como aproveitar a Wikipédia

9

Flacsi - Formação de cidadãos globais

tílo r sa P d

Política: das ruas 14 para a sala de aula

Cezar Tridapalli Bruno Sant’Anna

Redação Diego Zerwes

Reportagem de ketilyn Castro de Almeida

Projeto Gráfico Ilustração e imagens Shutterstock

Colaboraram nesta edição Carlos Henrique Martins Torra, Daniel Zanella, Diego Zerwes, Jonatan Silva, Juan Felipe Carrillo, Juliana Cristina Heleno, Ketilyn Castro de Abreu, Maraizza Moura Chacon, Martinha Vieira, Matheus Ribeirete, Ricardo Azevedo

Entrevista com Juan Felipe Carrillo

sau

Revisão

Liliane Grein

Mateus Ribeirete

vp f m g d yva j r t e yAlfabetização: escrever ou não, eis a questão n i 18 t j r n Juliana Cristina Heleno e Maraizza Moura Chacon a x fx r x t a b p bq p

Equipe Pedagógica

23

Ensino religiosos em instituição católica

27

Perfil: Henrique Claudio de Lima Vaz

31

A Educação que precisamos

Carlos Henrique Martins Torra

Supervisão Pedagógica Claudia Furtado de Miranda, Danielle Mari Stapassoli, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy e Ivana Suski Vicentin

Educação Infantil e E. Fundamental de 1º a 5º ano Coordenação Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro

Ketilyn Castro de Almeida, via Literal Link

Ensino Fundamental de 6º e 7º ano Coordenação Profª Eliane Dzierwa Zaionc

Ensino Fundamental de 8º e 9º ano

Ricardo Azevedo

Coordenação Prof° Marcelo Pastre

Ensino Médio Coordenação Profº Adalberto Fávero

34

Luzes e sombra do Shoá

39

E o samba entrou na roda

44

Michel Haneke e a estética da violência (ou um ideal Kafkiiano no cinema)

Relatos de sobreviventes do Holocausto

Coordenação de Pastoral Profª Isabel Piccinelli Dissenha

Coordenação de Midiaeducação Cezar Tridapalli

Comunicação e Marketing

Entrevista do grupo Braseiro para Martinha Vieira

Vinícius Soares Pinto

Tiragem 6500

Papel Capa: Papel reciclato 180g Miolo: Papel reciclato 90g

Número de Páginas 52

Impressão Gráfica Radial Tel: 3333-9593

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria. Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR fone 41 3218 8000 Fax 41 3218 8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Jonatan Silva

Prato cheio para uma

grande fome

48 51

Prato cheio para uma grande fome

Diego Zerwes

Um fim de tarde

Daniel Zanella

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editorial

Leitor da revista Mediação, eis

leitura e dão mais conforto ao lei-

Colegios de la Compañía de Jesús

que chegamos ao número 28. Não

tor, que desde o sumário já sabe o

(Flacsi), e com o Grupo Braseiro,

é um número redondo, não é uma

que vai encontrar nas páginas que

vencedor do Prêmio Medianeira

edição comemorativa – embora

seguem.

Nossa Música e que está prestes

celebremos cada nova edição –, mas temos novidades importantes que, esperamos, deixarão a sua experiência de leitura mais agradável.

O que mantivemos foi nosso compromisso em buscar conteúdo de qualidade, que faça a mediação entre o leitor e o mundo que o

Mudamos o papel. Depois de

cerca, o mundo da educação, das

27 edições usando o papel recicla-

ciências, das artes. No momento

do, eis que atacaremos de bran-

presente, em que o contexto nos

co agora. Não se trata de dar de

apresenta polarizações no mínimo

ombros para a questão ambiental.

medonhas, ler o mundo com dis-

Constatamos a equivalência ecoló-

cernimento é, mais que um luxo,

gica entre o branco e o reciclato.

um posicionamento ético. Não à

Assim, pensando na qualidade das

toa falamos sobre política na es-

imagens, manuseio, ganhos visuais

cola. Muito além das fisiologias

e resistência, optamos pelo uso do

partidárias, a escola precisa ajudar

papel branco, também certificado

o aluno a viver o espaço em que

com o selo FSC (Forest Stewar-

habita (e política não é a forma de

dship Council – Conselho de Ma-

organizar a polis?) de modo a fazer

nejo Florestal).

valer a ideia da convivência muito

Outra mudança foi a fixação de editorias. Embora primemos sempre pela qualidade dos artigos, eles estavam espalhados pela revista sem uma hierarquização mais precisa. Agora teremos sempre a seção “Entrevista” (nesta edição, trazemos duas), “Rese-

acima da sobrevivência. Outra reportagem comovente diz respeito aos resquícios do Holocausto em Curitiba. Depoimentos de sobreviventes vão sendo costurados e tecem uma narrativa surpreendente, que evidenciam subjetividades Na

cena

caseira,

trazemos

e

duas entrevistas: com Juan Felipe

“Perfil”. As editorias funcionam

Carrillo, Secretário Executivo da

como uma bússola para orientar a

Federación Latinoamericana de

“Tira/charge/HQ”,

“Crônica”

cende o Samba. Nas resenhas, conheceremos um pouco mais d’A grande fome, livro de John Fante, e do cinema perturbador de Michael Haneke. As polêmicas sobre alfabetização (escrever à mão ainda faz sentido?), a educação de que precisamos sob a ótica de um grande escritor brasileiro, os porquês de a escola trabalhar ensino religioso valorizando a pluralidade e, atenção, às vantagens de termos a Wikipédia entre nós são artigos que levantam discussões para lá de boas. Na seção “Perfil”, apresentaremos personagens pouco conhecidos do grande público, mas que têm uma trajetória de vida inspiradora. Nesta edição, falamos de Henrique Cláudio de Lima Vaz, ou o Pe. Vaz. A crônica e a HQ completam a edição, dando seu toque de leveza e inteligência tão peculiares. Enfim, uma nova etapa da nos-

marcantes.

nha”, “Reportagem”, “Artigos”,

a lançar seu primeiro álbum, As-

sa revista se inicia. E você faz parte dela. Obrigado, demais, por isso. Cezar Tridapalli

Envie sugestões e comentários para:

mediacao@colegiomedianeira.g12.br Procure essa e as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso site:

www.colegiomedianeira.g12.br

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carta

errata Sobre o artigo Sustentabilidade na prática: mudanças em empresas e nações, na edição 27 da revista Mediação, esclarece a autora: “Só para melhores esclarecimentos: por equívocos na edição do arquivo, ressalto que na figura da página 35, o Desenvolvimento Sustentável não deveria estar ligado

Prezados editores: Mais uma vez estou aqui para me repetir... grande revista esta Mediação. O número 27 ficou show de bola! Parabéns! Não consegui ler inteira (ainda). Mas ela está tão boa que não tenho como não pedir mais exemplares.

a busca pelo equilíbrio das três dimensões:

A questão da leitura... a questão da educação... interesses e valores... enfim, temas que dariam um evento. Discussões super importantes.

econômica, ambiental e social”.

Flávio Stein

à Dimensão Econômica, e sim ao pequeno espaço central e vazio entre aquilo que é viável, equitativo e suportável, o que significa

Ainda no mesmo artigo, erramos a posição do esquema na página 36, que se refere aos tipos de referenciais de sustentabilidade que podem ser adotados e praticados pelas empresas e organizações de acordo com seus impactos, interesses e prioridades, direcionando seu processo de crescimento sustentável. O esquema deveria estar posicionado e ser lido após a frase: “Existem diversos referenciais, classificados por tipo:”

Recebemos aqui no escritório a revista Mediação. E enviamos os elogios do escritório e do P. Mário (Delegado Nacional de Educação da Rede Jesuíta) à edição da revista. Tanto o conteúdo como a identidade visual estão de alta qualidade. Pedro Risaffi Secretário Executivo Rede Jesuíta de Educação

Recebemos o material enviado a esta Fundação, em cumprimento à legislação vigente de Depósito Legal. Agradecemos esta importante contribuição para a preservação e a guarda da produção intelectual nacional. Atenciosamente, Josely Teles de Oliveira Auxiliar de Documentação II Divisão de Depósito Legal Fundação Biblioteca Nacional A revista é boa. Até exageradamente boa para o público de professores, alunos e pais de um colégio. Mas vocês provavelmente pensam em outros públicos também. Do artigo “Descolonizar pensamentos” fiz cópia para a nossa diretora. O artigo “Ler sem medo: o livro conversa com você de igual para igual” também interessoume e devo compartilhá-lo com nossa bibliotecária. Spártaco Francesco Ciccotti Colégio São Luís / SP

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Bata antes de entrar: A Wikipédia é um dos sites mais acessados do mundo. Entre tantos argumentos positivos e negativos, a questão central sobre a utilização é: ela não deve ser o pilar do conhecimento de ninguém, mas pode ser encarada como um meio, e não como um fim. Por Mateus Ribeirete

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como aproveitar a


mpério

Etíope”;

“The

em aimará –, a página se conso-

empresas, sem uma equipe de

Walking

Dead”;

“Brian

lida como a sétima mais acessada

especialistas moderando informa-

I

Baianos”;

do mundo, segundo estatísticas

ções. Enquanto a ausência dos

“F o r miga - c ab o - verd e”;

Eno”;

“Novos

da Alexa. Há mais de 35 milhões

dois primeiros seja tratada como

“Campeonato

Brasileiro

de artigos, cinco deles em inglês.

ponto positivo, a falta de experts

1997”. Digamos que você gosta-

Esses cinco milhões correspondem

é notadamente o calcanhar de

ria de algumas informações sobre

a 2 mil volumes impressos da tra-

aquiles do site. O argumento de

qualquer um desses assuntos. Di-

dicional Encyclopaedia Britannica,

que “qualquer um pode editar”

gamos que você precisa delas ra-

que não por acaso descontinuou

se alojou na ponta da língua de

pidamente, e que você tem acesso

a própria versão impressa em

qualquer crítico quando o debate

à infinitude da internet. Se você as

prol de sua contraparte online.

circunda a confiabilidade da Wiki-

encontra na Wikipédia, após digi-

Até o conceito de “wiki”, página

pédia (por sinal, “Confiabilidade

tar cada letra na barra do Google,

colaborativa, editável, firmou-se

da Wikipédia” é um artigo em

no terreno íngreme da internet.

você-sabe-onde).

não precisa ter vergonha, olhar para o lado ou desconversar: nós já passamos dessa etapa. Ao colaborar com os 10 bilhões de acessos mensais da enciclopédia digital, não há ninguém te julgando. Ao menos não por ora (e se você também não lembrava, foi o Vasco quem ganhou o Brasileiro de 1997. Tive de consultá-la). Simples, prática e gratuita, a Wikipédia se tornou um dos sites mais visitados do planeta, regularmente surgindo como o primeiro resultado de boa parte das pesquisas do Google. Jimmy Wales e Larry Sanger lançaram o projeto em 2001, tendo como grande premissa a ausência de um órgão controlador. Qualquer um poderia editá-la. Ainda que sua condição primal tenha afetado a credibilidade do site – discutiremos isso em breve –, o fato é que a enciclopédia acabou influenciando em toda a estrutura da internet. E influenciar o tecido ultradimensional da internet, nos nossos tempos, é quase tão chocante quanto transformar água em vinho. Espalhada entre 291 línguas – já existe Wikipédia em guaraní e

Concentradas em séries de tevê

Inegavelmente, qualquer pes-

ou religiões, há inúmeras enciclo-

soa com acesso à grande rede

pédias temáticas por aí, muitas

pode deixar seu rastro na enci-

delas com design idêntico ao da

clopédia. Nem é preciso criar uma

Wiki-mãe. Há até as satíricas, vide

conta, e, aliás, podem-se realizar

a Desciclopédia.

edições de forma anônima — é a

Diante de virtual onipresença, fica difícil evitar a Wikipédia, se essa for a vontade de alguém. E levando-se em conta sua acessibilidade – além de tudo, ela é leve –, arranjar informações sobre assuntos variados se torna ainda mais viável na autointitulada enciclopédia livre, ainda mais quando a licença Creative Commons permite copiá-los livremente, desde que os créditos sejam atribuídos. Em meio a tantos atrativos, não é nada difícil ignorar suas eventuais desvantagens — e aí o papo fica interessante. Sobre confiar

garantia do servidor “https”. São minoria as páginas semiprotegidas, isto é, que exigem um usuário confirmado para modificá-las. Ainda menor é a quantidade de artigos protegidos, exigindo um administrador para efetuar mudanças. Já temendo (ou corrigindo) piadas e falácias maldosas, esses casos costumam ser reservados a verbetes de políticos, pessoas públicas polêmicas e entidades enormes. Fora páginas como “Brasil” e “Pelé”, cujas palavras finais ficam por conta de um revisor ou administrador, você pode interferir agora mesmo. Assim sendo, se eu quiser apa-

Como ensina a vida, ou qual-

gar certas informações do artigo

quer filme do Rocky Balboa,

de David Bowie e substituir sua

crescimento algum vem afastado

descrição para “Bowie é um se-

de problemas. Se a Wikipédia se

mideus alienígena enviado à Ter-

desenvolveu tanto, isso certamen-

ra, e quem não gosta dele precisa

te se deve a seu atrativo de pla-

seriamente rever seu conceito de

taforma livre: sem anúncios, sem

prazer”, citando como fonte “E. M.

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(2015)”, isto é, Eu Mesmo, nada

Para completar, há outra ques-

siadamente como se tornou muito

me impedirá; ao menos tecnica-

tão em jogo: sem a avaliação de

menos falível, além de se desen-

mente. Acontece que a galhofa,

um especialista, que garantia te-

volver em rigor e formatação.

ao contrário da credibilidade ar-

nho eu de que a página, quando

Também se tornou mais estudada.

tística de David Bowie, raramente

bem intencionada, não está me

Em diferentes áreas, verificou-se

perdura. Dessa forma, por mais

passando

desatu-

a qualidade das informações for-

que atualizar o artigo sobre o filme

alizadas, imprecisas ou simples-

necidas pela enciclopédia digital

Prometheus com o recado “NÃO

mente equivocadas? Afinal, nem

por meio de artigos científicos, via

ASSISTAM!!!” soe como utilidade

Jimmy Wales, o fundador, arrisca-

de regra em inglês. É possível en-

pública para mim, isso certamen-

ria depender do site que criou em

contrar alguns deles com o Goo-

te não tocará o público por muito

um trabalho acadêmico. À Exame,

gle Scholar, caso você suspeite

tempo. Há vigilantes cuidando das

ele declarou que “se você está na

daqueles oferecidos pela própria

edições, e vigilantes maiores cui-

universidade, você não deveria

plataforma (que expõe artigos da

dando de outros vigilantes.

utilizar a Wikipédia como a fonte

Universidade George Mason à de

principal do seu trabalho. É sim-

Cambridge).

Ainda que a capacidade de regeneração da Wikipédia seja surpreendentemente alta (mesmo. Longe de incentivar o vandalismo virtual, mas se você tentar, entenderá o que estou dizendo), não foram raros os golpes aplicados na plataforma — mais de 150, além

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informações

ples: você está na universidade, você pode fazer muito mais do que isso”. Tal resposta, claro, provém de um ponto com nó. “Eu diria a mesma coisa se você utilizasse uma enciclopédia tradicional”, completou Wales.

Por incrível que pareça, o consenso costuma favorecer a Wikipédia: ela, ou ao menos sua versão em inglês, costuma ser tão confiável quanto uma enciclopédia tradicional. Diante desse panorama, não é possível que não consigamos tirar nenhum proveito.

dos não descobertos (segundo,

Uma matéria da revista Nature,

bem, o artigo “Hoaxes on Wiki-

em 2005, constatou que o grau

pédia”). Entre vilas fictícias e mitos

de precisão do site popular era

aborígenes, eles duraram de cinco

muito próximo ao da consagrada

minutos a nove anos e, quando

Encyclopaedia Britannica, que su-

No ambiente escolar, pouco

propagados, colaboraram com o

bitamente contestou os critérios

importa se você vê a Wikipédia

descrédito do site.

da publicação. Nesses dez anos,

como um monstro ou como um

a Wikipédia não só cresceu dema-

anjo — ela está aí de qualquer jei-

Um olho no peixe, outro nas referências


to. Enraizada na cibercultura, seus

mantendo cautela extrema para

efeitos na escola sequer tardam

tomá-la como base. E da mesma

a aparecer. Nos trabalhos, alunos

forma com que você não sentiria

podem capturar informações em

orgulho de um trabalho que apon-

segundos, pulando qualquer leitu-

tasse apenas “Barsa” ou “Britan-

ra, isso quando não as copiam e

nica” como fonte, a Wikipédia

colam diretamente. Simplesmente

certamente não deve ser o pilar do

pedir a eles para que não a usem,

conhecimento de ninguém. Cada

entretanto, não os tornará mais

artigo minimamente bem escrito,

dispostos, tampouco impulsionará

no entanto, oferece nas referên-

leituras espontâneas. Não por aca-

cias, no fim da página, seu pote

so, Jimmy Wales tem uma respos-

de ouro pra lá de explorável. E

ta (e uma proposta) para educa-

essa parte deveria ser enfatizada a

dores que rejeitam a enciclopédia

qualquer estudante, do jardim de

digital: “eu diria para os professo-

infância ao ensino superior.

res que todos os estudantes estão usando a Wikipédia. Assim, o que nós deveríamos ensinar a esses alunos é como usar a Wikipédia e explicar quais são os pontos fortes, os pontos fracos, a maneira certa e a errada de utilizar o site”.

Se você visitar os artigos de Machado de Assis, do planeta Marte ou da Doença de Chagas, encontrará

uma

infinitude

de

obras devidamente relacionadas. Uma enciclopédia impressa teria dificuldades de espaço para re-

A própria Universidade de Har-

lacionar e atualizar centenas de

vard, em seu guia para o uso de

livros, notícias e artigos nas re-

fontes, admite que “não há nada

ferências de cada artigo, o que

mais conveniente que a Wikipé-

certamente não é problema na

dia quando você está procurando

plataforma digital. Não por acaso,

uma informação baixa, ou quando

essas três páginas figuram na categoria de “Artigos Destacados” da Wikipédia em português, comparando-se em qualidade com

os riscos são baixos”, não se opondo à plataforma no que tange à introdução em um assunto, mas

sua contraparte anglófona, onde o número de artigos bem estruturados é bastante superior. (Se você domina inglês, ou gostaria de treinar sua leitura, aliás, a Wikipedia – sem acento! – é um ótimo recurso.) Dessa forma, muito além de atingir informações básicas, o usuário sabe por onde começar a aprofundar sua pesquisa. Unindo o útil ao agradável, portanto, você não precisa sair do lugar para procurar as referências recém-adquiridas: a miríade de hiperlinks do Google certamente apontará onde encontrá-los, ou mesmo entregá-los à sua tela. E então, ter encarado a Wikipédia como um meio, não como um fim, dificilmente trará mais prejuízos do que benefícios. Por fim, é possível utilizar a inteligência coletiva a seu favor em pelo menos mais dois recursos da plataforma: o Wikimedia Commons e o Wikisource. O primeiro consiste em um extenso acervo de imagens, vídeos e sons, todos livres para uso. Estão lá inúmeras obras de arte, fotografias de monumentos e pontos turísticos,

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além de registros em vídeo ou ilustrações que auxiliem a demonstração de conceitos físicos, químicos e matemáticos. Por sua vez, o Wikisource visa a agrupar quaisquer obras e documentos de domínio público. José de Alencar, Machado de Assis, Augusto dos Anjos e Gregório de Matos, entre tantos outros, estão lá legalmente. Assim como no caso da Wikipédia, a leitura em inglês pode te levar aos

originais de Arthur Conan Doyle, H.G. Wells e até Charles Darwin. Como uma banda muito querida, o time do coração ou um jantar feito por outra pessoa, a Wikipédia apresenta grande valor, desde que sua vida não dependa disso. Com o devido distanciamento, é possível agregá-la às suas fontes de informação de modo a adicionar um recurso na busca pelo conhecimento, seja ele a próxima

temporada de Game of Thrones ou os livros mais confiáveis sobre mitocôndrias. Se a infinitude digital é confusa, que ao menos cada passo seja aproveitado.

comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Mateus Ribeirete é formado em Letras pela UTFPR e mestrando em Linguagem e Tecnologia na mesma instituição.

Recomendações Cibercultura Pierre Lévy | Editora 34 O que é a cibercultura? Que movimento social e cultural encontra-se oculto por trás deste fenômeno técnico? Podemos falar de uma nova relação com o saber? Quais são as mutações que a cibercultura gera na educação e na formação? Quais são as novas formas artísticas relacionadas aos computadores e às redes? Como o desenvolvimento do ciberespaço afeta o espaço urbano e a organização do território? Quais são as implicações culturais das novas tecnologias? Da digitalização à navegação, passando pela memória, pela programação, pelo software, a realidade virtual, a multimídia, a interatividade, o correio eletrônico, etc. Este livro apresenta as novas tecnologias, seu uso e suas questões.

As tecnologias da inteligência Pierre Lévy | Editora 34 Inventário crítico da sofisticada e recente tecnologia que propiciou uma revolução comparável àquela ocorrida com a introdução da escrita na cultura ocidental. Lévy sustenta que a cultura da informática é uma nova forma de assimilação de conhecimento e um novo caminho para a produção intelectual – uma etapa posterior à da expressão oral e escrita.

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Formação de

cidadãos

globais Entrevista com Juan Felipe Carrilo

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B

Buscar uma análise crítica do contexto global, discutindo temas pertinentes por diferentes ângulos, é estratégico para uma formação integral de sujeitos capazes de dialogar e agir em uma contemporaneidade complexa

e fragmentada. Diante dessa preocupação, A FLACSI – Federação Latino-americana de Colégios da Companhia de Jesus – criou em 2015 um projeto de análise política com alunos do último ano do ensino básico de colégios jesuítas, objetivando o desenvolvimento de competências em liderança e compromisso social.

A revista Mediação conversou com Juan Felipe Carrilho, secretário executivo da FLACSI e responsável pelo projeto:

Mediação: Como nasceu o projeto de análise política e quais os seus objetivos? Juan Felipe Carrillo: Para entender os fatores que motivaram o desenvolvimento da proposta da rede de análise política, teríamos que nos remeter à essência da educação jesuíta. Entretanto, nos ocuparemos disso mais para frente. A proposta tem suas origens recentes no chamado que tem a FLACSI para contribuir com a promoção da excelência, a formação integral e o conhecimento da realidade no nosso modelo educativo, expressas no Plano Estratégico 2014-2017. O horizonte deste plano é a corresponsabilidade de todos(as) em nossa missão educativa; para o qual, a Federação vem trabalhando para atender três desafios centrais que se apresentam

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para o apostolado educativo regional: (i) promoção da identidade inaciana; (ii) aprofundamento do trabalho na Rede; (iii)formação de cidadãos globais em nossa comunidade educativa. O terceiro desafio do Plano se centra na “preparação de homens e mulheres que vivam com um sentido da transcendência a partir da profundidade de olhar que oferece a espiritualidade inaciana, na qual se reconheçam responsáveis e agentes de transformação para melhorar as condições sociais de seu entorno”; para o qual se contempla o “favorecimento de criação de instrumentos, ferramentas, programas que permitam as redes e colégios aprofundarem o sentido político em suas propostas educativas”, assim como a “socialização – da FLACSI – de informação qualificada do contexto Latino-americano para atender a realidade po-

lítica e social do continente, num horizonte educativo”. Foi a partir do que se contemplou no plano que se reformulou a proposta de análise política que, para seu primeiro ano de implementação, tem como objetivo geral a “formação de cidadãos globais através da conformação de uma Rede voltada à realidade e a análise política latino-americana que vincule 90 estudantes dos colégios da FLACSI, durante o período de 2015-2016”. Este objetivo se dá, prevemos alcançá-lo, através de três produtos concretos: (i) estabelecer uma Rede voltada à realidade e análise política, com uma dinâmica permanente de trabalho; (ii) produção e discussão de 40 artigos de análise política, por parte dos(as) integrantes da Rede: (iii) 90 centros educativos sensibilizados sobre a situação atual em temas de especial atenção no contexto latino-americano.


Quais países estão participando e quais têm sido os ganhos dos participantes?

pre vinculado à realidade da vida

Neste ponto é importante esclarecer que neste momento o projeto se encontra na fase de preparação e engajamento. A proposta foi apresentada há menos de um mês durante o V encontro de Diretores da FLACSI em Bogotá, Colômbia. A proposta foi bem acolhida entre os(as) participantes do Encontro, o que permite prever que haverá uma participação significativa.

ficação pedagógica de analisar,

e contexto no qual nos encontramos. Nesse sentido, qual a signidebater e estudar criticamente dimensões das práticas políticas num colégio jesuíta? Contar com estudantes que conhecem a realidade, e que se questionam sobre as estruturas que produzem injustiças, representa uma contribuição à formação de pessoas sob o princípio de excelência humana, que colabora na missão da defesa da fé a pro-

De fato, depois da apresentação, alguns Diretores se aproximaram para compartilhar opiniões com o intuito de enriquecer a proposta. Ideias – como os temas de populismo e neopopulismo na região; abordar a paz e a reconciliação; ou, contar com convidados especiais; entre outras – foram muito valiosas e estamos estudando a melhor maneira de incluí-las no projeto neste momento. Da mesma forma, o apoio de um grupo de ex-alunos do Colegio Mayor de San Bartolomé (Bogotá ) foi indispensável na preparação da proposta. Mesmo assim, a disposição do sistema Educate Magis, de colocar à disposição da plataforma digital, será central para o desenvolvimento do projeto. Estes fatos nos permitem assegurar que, desde já, o projeto despertou o interesse de diferentes envolvidos e que contará com boa capacidade convocatória ao ser lançado em novembro.

moção da justiça. A partir des-

A proposta educativa da Companhia de Jesus visa à forma-

estruturas que produzem injus-

ção Integral dos alunos, sem-

te às mesmas, convertem-se em

ta perspectiva, documentos tais como “Características da Educação Jesuíta”, “Paradigma Pedagógico Inaciano” ou as reflexões surgidas em torno da noção de Excelência Humana, deixam presente a relação entre o conhecimento da realidade, a contextualização da educação e o compromisso de modificar as estruturas que produzem injustiças. Enquanto o primeiro afirma que “a educação jesuíta tenta desenvolver nos estudantes a capacidade de conhecer a realidade e valorizá-la criticamente”, o segundo estabelece a necessidade de abordar os temas mais urgentes de debate local, nacional e internacional na propaganda das classes, com o objetivo de contextualizar o ensino e a aprendizagem. Nos termos da excelência humana, é possível afirmar que o conhecimento da realidade e das tiça, assim como a reflexão fren-

elementos centrais para a formação de pessoas conscientes, competentes e compassivamente comprometidas. Esse último tópico contribui para a formação da consciência, na medida em que a “pessoa Consciente se sentirá chamada a olhar o mundo, a realidade, com os olhos de Deus, descobrindo a bondade e a beleza da criação e das pessoas; mas também os lugares de dor, miséria e injustiça”. É o complemento à formação de competências, no sentido que “a pessoa competente tem que se envolver com a vida para aprender com ela e, ao mesmo tempo, transformá-la”. É central para a promoção de uma escola compassiva porque “a pedagogia inaciana combina processos reflexivos e uma postura ativa contra as desigualdades”; ao mesmo tempo em que reafirma o compromisso, fazendo alusão ao empenho posto em transformar as estruturas sociais para alcançar a justiça. Partindo do pressuposto de que somos seres políticos, como cidadãos do século XXI, quais competências que um jovem precisa desenvolver para tornar-se um cidadão global? Sem dúvida, contar com ferramentas que lhes facilitem ter uma compreensão global de mundo é indispensável. O século XXI se caracteriza pela mundialização das relações econômicas, a transnacionalização das dinâmicas políticas e sociais, o auge das telecomunicações e o constante desenvolvimento dos meios de comunicação. Todos esses fatores – sobre

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os quais existe numerosa literatura alusiva à globalização – tiveram como um dos seus principais efeitos o aumento das relações e intercâmbios culturais e sociais entre os cidadãos do mundo. Como consequência, de forma positiva ou negativa, todo fenômeno local na atualidade pode se converter em global e vice-versa. Neste contexto, os jovens necessitam se apropriar desta noção: são cidadãos do mundo, com capacidade de gerar mudança no âmbito global, fazem parte também de uma comunidade global, com pares em diferentes lugares do mundo que compartilham suas visões, suas aspirações e suas preocupações. A capacidade de trabalhar em Rede, fazendo uso de novas tecnologias, se converte em um meio idôneo para conseguir este fim. A partir de sua experiência prática, como acontecem os encontros e discussões entre os participantes do projeto? E qual o papel do aluno no seu colégio, durante e após o desenvolvimento do projeto? Quais resultados são evidenciados? Neste momento o projeto se encontra na fase de preparação e engajamento. A partir de novembro, data prevista para lançamento da Rede de Análise Política, colocaremos à disposição dos(as) estudantes um espaço de debate e reflexão sobre temas políticos de especial relevância para a região. Trata-se de um espaço, dos(as) estudantes e para os(as) estudantes, um fórum para o intercâmbio de ideias e a formulação de propostas

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para gerar mudanças. É muito interessante ver o espaço que está sendo promovido pelo Secretariado Internacional para o Ensino Fundamental e Médio da Companhia de Jesus, para consolidar uma comunidade educativa internacional em linha, chamada

Como mencionava anteriormente, aspectos como a contextualização do ensino, conhecimento das causas que produzem injustiça e visão da realidade a partir dos olhos de Deus, são características intrínsecas da educação jesuíta. É muito importante considerar que

Educate Magis. O fato de poder

a discussão política que queremos

contar com sua plataforma para

promover é a que se relaciona com

o trabalho da Rede, permitirá aos

temas que afetam nossa realidade.

estudantes publicar artigos e ex-

Temas de comum interesse em

pressar suas opiniões, ao mesmo

nossa região, como o caso da qua-

tempo em que permitirá a equipe

lidade da educação, a pobreza, a

de apoio a animar as discussões e

situação de direitos humanos, en-

oferecer materiais de apoio para

tre outros; são temas que refletem

enriquecer o diálogo.

diretamente as estruturas políticas

Inicialmente, estabeleceram-se 08 temas de análise da realidade latino-americana para o primeiro ano de trabalho: (a) Acesso e qualidade da educação; (b) Situação de direitos humanos; (c) Ecologia e

das nossas sociedades. Neste sentido, gostaria de traçar uma linha clara entre analisar as estruturas políticas e politizar as análises, situação que afeta tanto os debates políticos em nossa região.

proteção do ambiente; (d) Panora-

Quais aprendizagens trazemos

ma da pobreza e Justiça social; (e)

para a sala de aula ao abordar o

Acessibilidade e eficiência do setor

tema política?

justiça; (f) Corrupção no setor público, privado e na sociedade; (g) Promoção da cultura e proteção do patrimônio cultural; (h) Eleições e processos eleitorais.

Neste ponto, gostaria de fazer alusão à noção de excelência humana. Sem dúvida, a excelência está estritamente ligada a aspectos como o conhecimento da

Esperamos, depois de 06 me-

sociedade e seus desequilíbrios,

ses de implementação da Rede,

a solidariedade e o compromisso

poder começar a dar conta dos

com a transformação da socieda-

resultados desta iniciativa.

de, citando somente alguns exem-

No Brasil, vive-se um período

plos. Neste sentido, é de grande

de críticas em relação à discus-

importância a formação de pesso-

são política no ambiente escolar.

as competentes: aquelas que colo-

Como a FLACSI visualiza a necessi-

cam a serviço da fé e da justiça to-

dade do debate sobre o tema nos

das as suas capacidades e atitudes

colégios da Companhia de Jesus?

profissionais. A região não necessita somente de bons engenheiros,


advogados ou médicos; necessita também que estes futuros profissionais estejam comprometidos em gerar mudanças para superar as injustiças que existem no mundo. Isto só é possível partindo de uma visão crítica e informada da realidade. Como uma escola pode se motivar a aprender? Tanto as escolas, como os integrantes de nossa comunidade educativa, podem aprender com nossos estudantes: eles são o resultado do ensino que a escola oferece, e é o reflexo da sociedade atual; são as pessoas que conduzirão o mundo na próxima geração. Conhecer o que pensam e o que

propõem pode nos oferecer insumos para conhecer e ajustar a formação social que se dá. Da mesma forma, é de se considerar que as escolas não são células isoladas. São instituições que fazem parte da comunidade e que não são alheias ao seu entorno. Promover a análise da realidade em nossos colégios, pode nos oferecer elementos que permitam saber como colocar à disposição da sociedade todo o reconhecimento, os recursos (humanos, físicos) e a capacidade de incidência que têm nossas escolas.

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Recomendações Cidadão do mundo para uma teoria da cidadania Adela Cortina | Editora Loyola Este livro constitui uma análise, tanto ao longo da história como em seus aspectos sócias, econômico, civil e intercultural, de um termo que nos últimos anos adquiriu grande destaque: a cidadania. Uma razão especial justifica esse interesse: a necessidade, nas sociedades pósindustriais, de gerar entre seus membros um tipo de identidade em que estes se reconheçam, superando assim a falta de adesão de que elas padecem. Para além dessas demandas, a autora propõe uma cidadania que represente um ponto de união entre a razão senciente individual e os valores e normas que consideramos humanizadores, de modo que estes possam se consolidar e ser assumidos por todos. Com base nisso, a autora constrói uma teoria da cidadania capaz de converter o conjunto da humanidade numa comunidade alicerçada na solidariedade da qual ninguém fique excluído.

Diferentes, desiguais e desconectados Néstor García Canclini | Editora UFRJ Neste novo livro, Néstor García Canclini busca mapear o mundo de hoje – estruturalmente marcado pela globalização interdependente, que unifica e divide, que aprofunda velhos antagonismos e cria outros inéditos –, e ao mesmo tempo discutir as perspectivas para a sociedade atual. A pesquisa de García Canclini, que parte de uma ousada transdisciplinaridade, situa-se no vértice em que se cruzam a antropologia, a sociologia e os estudos de comunicação.

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15


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mediação

16

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Fugindo da ideia repetida incansavelmente pelo senso comum, que política não se discute, o Colégio Medianeira promove uma série de debates com o objetivo de aproximar os alunos da política. Uma das propostas do colégio - o projeto Theorein - é fornecer uma base teórica consistente, oferecendo aos estudantes canais e meios. política é um assunto presente no dia a dia e permeia as relações humanas. Muito além da urna e do voto, ela surgiu em um período em que o homem abandonou a mitologia e o simbolismo e passou a tentar explicar de forma racional sua existência. O professor de Sociologia e Filosofia do Colégio Medianeira, Jerson José Darif Palhano, lembra do entendimento de Aristóteles sobre o termo política: “é o conjunto de ações que visam proporcionar uma vida digna e adequada aos cidadãos, pretendendo incluir todos numa sociedade melhor”. E quando esse assunto deixa os noticiários, ruas e chega às salas de aula, como deve ser tratado?

A

O professor de Ensino Religioso do Colégio Medianeira, Carlos Henrique Torra, lembra que mesmo quando a política não é discutida enquanto tema, forma de governo ou estrutura de poder, ela ainda pode estar presente. “As relações que são travadas dentro e fora do ambiente escolar são relações políticas, pois refletem interesses, ideologias e, de certa forma, poder de grupos ou pessoas sobre outros”. Dessa forma, Torra discorda do ditado que diz que

ção social. Para isso, os estudantes

percebido. “Eles querem opinar, querem agir e mudar muitas coisas. Vejo nos trabalho que desenvolvem muita indignação, mas também o desejo de mudança. E o nosso objetivo é dar a eles os canais e os meios. Com o advento das redes sociais e portais de transparência, já temos um excelente caminho para construir esse envolvimento”. O professor Carlos completa, lembrando que a aproximação desde cedo com a política exige juízos de valor, posicionamento crítico e defesa de pontos de vista, aprimorando a capacidade crítico-reflexiva. “Embora alguns apresentem certa imaturidade, a maioria conse-

pesquisam ações dos parlamen-

gue se colocar no lugar do outro,

política e religião não se discutem, “sendo criações e reflexos da cultura humana e, portanto, passíveis de discussão”. No Colégio Medianeira, política é uma ciência presente nas aulas, e não apenas em época de eleição. Com a ajuda de alunos e professores, em 2012, a instituição criou o projeto Theorein, palavra de origem grega que significa “observar”. O projeto, realizado nas Primeiras e Segundas séries do Ensino Médio, dentro do Núcleo de Ciências Humanas, tem como finalidade aproximar os alunos da política e abrir canais de interven-

tares, como faltas, verbas gastas, posicionamento nas votações e escândalos, e depois postam suas conclusões nas redes sociais. Nesse processo, os estudantes telefonam, enviam e-mails aos parlamentares, visitam seus diretórios e fazem entrevistas. “Ao final deste processo, é perceptível o quanto eles amadurecem na compreensão política”, lembra Jerson. E para quem ainda duvida que jovens de 15 e 16 anos podem ser protagonistas diante do tema, Jerson fala sobre o envolvimento

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deslocando-se de seu lugar cômodo para pensar em grupo e no que é melhor para a maioria”. Formação de jovens mais críticos O professor Carlos lembra que o conhecimento sobre a estrutura administrativa e os valores próprios de um sistema democrático tornam os estudantes mais competentes no julgamento da atitude política. “A compreensão do sistema político em que vivem é pressuposto para que os estudantes sejam críticos. Assim, conhecendo as prerrogativas políticas dos nossos representantes em cada esfera e em cada poder (executivo, legislativo e judiciário), é possível de maneira inteligente exigir e cobrar uma ação justa e adequada daqueles que governam em nosso nome”. Quando questionado sobre qual a importância da discussão sobre política dentro da escola, Carlos responde com outra pergunta: “O que aconteceria se a comunidade não discutisse o assunto?”. Segundo ele, aceitar de modo passivo uma visão de mundo e de política que não é a própria, construída com conhecimento de causa, equivale a abrir mão da capacidade racional humana de ser agente da própria história. Assim, discutir política é um caminho para se garantirem as habilidades intelectuais e de singularidade suficientes, com o intuito de formar alguém com a capacidade de se colocar no lugar do outro e se constituir enquanto sujeito de transformação social, ou seja, não

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alheio ao mundo que o cerca. O papel do professor O educador tem o papel de mediação em sala de aula. Deve fornecer a base teórica consistente, dar exemplos de participações políticas e mostrar canais de ações responsáveis. O professor Jerson lembra que é preciso criticar, mas não encorajar os estudantes para uma ação que só gere o sentimento de indignação e impotência. “O educador, ao estabelecer ações de justiça, de tolerância e de diálogo, favorece a construção de valores políticos positivos. Se relembrarmos que todos os sistemas conservadores, militaristas e fascistas proíbem a discussão política ampla, já se torna possível ver a importância de abordar este tema em sala.”

tica”. Mas afirma que é ainda melhor quando os jovens sabem que

Outros pontos que estão ligados ao assunto são democracia e cidadania. Uma das opções para trabalhar esses dois pontos no ambiente escolar são atividades que envolvam voto, o ato de opinar sobre algo. Carlos aponta ainda outras possibilidades: “Quando um professor se coloca na mesma posição dos alunos e junto com eles constrói a dinâmica de trabalho, dando possibilidades de desenvolver a estratégia avaliativa, há uma tomada de decisão política envolvida. Colocar a responsabilidade nas mãos de todos os envolvidos pelo trabalho que está sendo realizado, tornando a participação dos estudantes, dentro e fora de sala de aula, fundamental para as mudanças, para a melho-

estão fazendo política por meio

ria do ambiente de todos, é uma

e pessoal para inserir os temas de

forma de se fazer política na prá-

complexidade política ao nível do

de discussão e das decisões. “Isso deve ser não só intencional, mas também evidente no processo formativo”. Quanto à melhor idade para iniciar o aprendizado, Jerson comenta que como a política é a participação responsável na construção do bem comum, quanto mais cedo melhor. “A teoria política, no entanto, pode começar no Ensino Médio, já que nesta fase da vida os estudantes estão próximos da idade eleitoral e se interessam mais pela compreensão das formas que moldam a sociedade”. Porém, além de estudantes maduros, cabe aos docentes a clareza da maturidade intelectual


grupo com o qual trabalha. Discussão política x disputa partidária A imparcialidade é umas das características mais buscadas dentro de diferentes profissões, como no jornalismo. Porém, é preciso levar em conta que sempre que há o interlocutor de uma mensagem. Ele traz consigo opiniões e sentimentos que podem influenciar a informação. Na educação não é diferente. O professor Carlos Torra garante que supor que é possível discutir política sem influenciar as mentes é imaginar uma educação neutra, o que não é real. “Porém, o que podemos fazer é garantir o diálogo, propondo contraposições e argumentos favoráveis ou contrários àquilo que está estabelecido, e que muitas vezes desvirtua o objetivo central da ação, que é a justiça social”. O professor lembra que a partir dos diálogos, às vezes tensos e acalorados, entre educador e educando, cada um dos jovens vai construindo o seu posicionamento.

Carlos ainda lembra que as questões partidárias estão presentes em sala de aula. E que é preciso levar em consideração a carga ideológica sustentada por características culturais, sociais e econômicas de cada família. Mas que também é interessante uma contraposição

permanente

das

ideias estabelecidas. “A riqueza do processo democrático é exatamente a possibilidade de se colocarem em xeque todos os argumentos contrários e favoráveis, na intenção de superar um discurso simplório e, por vezes, irracional. E, tendo como princípio a cole-

O professor Jerson finaliza afirmando que a apresentação da tipologia partidária e do viés ideológico dos partidos que os representam “gera automaticamente debates sobre direita, esquerda, centro, totalitarismos de direita e esquerda. Esses temas despertam muita polêmica e participação dos alunos”. Assim, revisita-se o ditado popular, ressignificando-o, até porque não discutir política acaba sendo uma atitude... política. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Ketilyn Castro de Almeida

tividade e o respeito aos direitos humanos, chegar a um acordo com coerência, objetivando o bem comum. Desestabilizar, este deve ser o principal objetivo da análise partidária dentro de sala de aula, não importando qual a posição ideológica de quem quer que seja. Com isso, o educador deve sempre prezar pela contraposição de ideias e ter o diálogo como método para trazer dúvida a certezas pretensamente indubitáveis”.

Recomendações Em busca da política Zygmunt Bauman | Editora Zahar O argumento central desse livro reside na ideia de que a liberdade individual só pode ser produto do trabalho coletivo, ou seja, só pode ser garantida coletivamente. Entretanto, como mostra Zygmunt Bauman, hoje rumamos para a privatização dos meios de assegurar esta liberdade - projeto que, se pretende ser um tratamento contra os males atuais, está fadado aos mais funestos resultados. Em mais um brilhante ensaio, Bauman busca tornar novamente possível a arte de traduzir os problemas pessoais em questões de ordem pública - imperativo vital e urgente para a renovação da política. Uma verdadeira investigação sobre a relação entre a estrutura do mundo atual e a maneira como nele vivemos.

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Alfabetização: escrever ou nao escrever a mao, eis a questão ? Por Juliana Cristina Heleno e Maraizza Moura Chacon

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g d yva j r t n n r r a x fx a bq p m Educação, muitas vezes

cessário que todos escrevam em

ênfase maior na digitação, o que

as discussões se sobre-

letra cursiva. Forçar esta situação

não significa a abolição completa

põem e quando o assunto

pode prejudicar todo o processo de

da escrita à mão.

é a escrita, na fase de alfa-

alfabetização da criança.

E

betização, há polêmica para todos

No caso do Brasil, a escrita da

Muito bem, o fato é que nos

letra cursiva e o trabalho com a

últimos anos uma outra discussão,

caligrafia, já há algum tempo, não

Há pouco tempo, a discussão

influenciada principalmente por

têm o mesmo status que tinham

mais forte nas escolas brasileiras

decisões tomadas em outros paí-

nos Estados Unidos.

era sobre o ensino (ou não) da

ses (como os EUA e a Finlândia),

letra cursiva. Já faz algum tempo

chegou às escolas brasileiras. Tra-

que, no Brasil, a maioria das es-

ta-se da oposição entre a prática

colas usa prioritariamente a letra

da escrita à mão e a digitação.

os lados.

bastão (ou caixa alta) nas séries da

No entanto, a questão não é consenso e está longe de ser resolvida. Uma pergunta inicial, antes de responder se é melhor

Para entender melhor isso, é

trabalhar com a letra bastão, com

Educação Infantil e nas iniciais do

necessário antes de mais nada

a cursiva, com ambas ou com ne-

Ensino Fundamental. É fato tam-

pontuar que o que aconteceu nos

nhuma, dando ênfase apenas à

bém que a maioria das escolas,

Estados Unidos, em 2011, a partir

digitação é: o que se quer com

em determinado período (geral-

do estado de Indiana, foi a aboli-

o processo de alfabetização das

mente no 2º ano do EF), faz a pas-

ção da exigência da escrita da le-

crianças? Sem responder a esta

sagem da letra bastão para a letra

tra cursiva. No caso deles, trata-se

cursiva e deixa de escrever com a

de romper com uma tradição, que

letra bastão nas séries terminais

é o ensino da caligrafia. A ideia

do Ensino Fundamental I. Este pro-

é deixar de dispender um tempo

Quando se fala em alfabetiza-

cesso de transposição pode ser,

maior para este trabalho e focar

ção, deve-se considerar o proces-

dependendo de como for condu-

em outras habilidades, mais rela-

so de aquisição da língua escrita,

zido, bastante problemático, pois

cionadas às tecnologias digitais1.

que passa pela decifração do códi-

não é possível padronizar uma

Na Finlândia, a partir de 2017, a

go da escrita e leitura (passa, por-

época para que todos façam esta

recomendação seguirá esta mes-

tanto, pelas relações estabelecidas

passagem e não é socialmente ne-

ma linha. A expectativa é uma

entre grafemas e fonemas). Para-

pergunta, escolher caminhos ou fazer opções é algo que se torna muito difícil.

1 Sobre esta questão sugere-se leitura do texto “Estados americanos abolem escrita à mão nas escolas” em http://www.cartacapital.com.br/sociedade/novos-tempo/

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g d yva j r t n r a x f bq p lelo a isso, está o letramento, que busca desenvolver a função social da escrita e por isso pressupõe o trabalho com alfabetização a partir de textos significativos, que circulam na sociedade. A criança, ao ingressar no processo de alfabetização e letramento, passa a fazer (oficialmente) parte do “mundo letrado”, mundo esse que apresenta mudanças rápidas no que diz respeito à informação, leitura e escrita. É preciso considerar que as crianças e os adolescentes do século XXI têm em torno de si uma variedade de textos e suportes com os quais terão de lidar, seja lendo ou escrevendo. Se o que queremos no processo de alfabetização e letramento das crianças é o desenvolvimento da competência comunicativa para lidar com esta diversidade textual, o processo precisa ter como ponto de partida os textos reais que circulam na sociedade. Texto pode ser entendido aqui como toda elaboração humana, produzida em um determinado tempo e espaço com

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a intenção de comunicar algo. É para comunicar que as pessoas produzem textos o tempo todo, em diferentes suportes. Assim sendo, a mensagem de whatsapp é um texto; um romance, um post, uma lista de compras, um email, uma carta, um manual de instrução, um bilhete, uma poesia, uma epopeia, todos são textos, com funções comunicativas diversas, escritos por alguém, para alguém. É possível que a esta altura você, caro leitor, já tenha levantado a espada pensando “comparar mensagem de whatsapp com epopeia é um absurdo literário”. No entanto, o assunto aqui é função comunicativa e não valor literário. Esta é uma outra discussão. Pense que se a necessidade for avisar alguém em casa sobre a chaleira esquecida no fogo, a mensagem de whatsapp terá valor comunicativo imensamente maior do que a epopeia. Por outro lado, se a questão é conhecer a experiência fundante da civilização ocidental, textos épicos como Ilíada e Odisseia têm valor comunicativo (e literário) in-

comensuravelmente maior do que mensagens de whatsapp. Perceba, caro leitor, que talvez aqui esteja a chave da questão. Parece não haver necessidade de optar por uma ou outra forma de escrita, não haver necessidade de abolir uma ou outra. A questão pode não ser essa. Se pensarmos ainda nesse processo de alfabetização que é tão importante e desafiador para os indivíduos que nele estão envolvidos (aluno, família e professor), e se formos além, fazendo uma breve análise no quadro real da educação de nosso país, veremos que questões relacionadas à compreensão, interpretação e criatividade são um desafio muito maior no processo de leitura e escrita do que a forma em que se irá registrá-lo. Se acreditamos que é função da escola dar condições aos alunos para ler e escrever textos variados, em suportes variados, para interlocutores também variados, com


nr fx a b

e

v p f m y i t j x t p

diferentes objetivos, então é pre-

formas diferentes de represen-

desenvolvimento cognitivo e facili-

ciso investir no trabalho com os

tar a letra A, por exemplo. Sem

tarão o processo de aprendizagem

gêneros textuais e são os gêneros

isso, se só for mostrada à criança

e de escrita que temos aqui como

trabalhados que vão determinar

a letra bastão, ao se deparar com

questão. Ainda assim, devemos

o tipo de escrita adequada para

a letra cursiva e com a script, ela

considerar que, mesmo com todos

aquela situação.

não será capaz de reconhecê-las.

esses estímulos, algumas crianças

E vice-versa.

podem apresentar dificuldades no

Exemplificando: vamos supor que a intenção do(a) professor(a) seja trabalhar com mensagens de whatsapp. É possível ler, interpretar, elencar características e, ao produzir com os alunos, utilizar

Quando falamos em escrita, independente do modo como será registrada, devemos levar em consideração algo que acompanha esse processo, que é o desenvol-

traçado das letras, principalmente quando se trata da cursiva. Isso pode estar relacionado às suas características de desenvolvimento ou então a questões funcionais

vimento da coordenação motora

de caráter inclusivo como, por

fina, que proporcionará a preen-

exemplo, uma dislexia2. Contudo,

são adequada do lápis, a pressão

se o principal objetivo não estiver

e agilidade dos dedos no teclado

apenas relacionado à forma de re-

ou tela touch, o equilíbrio que sus-

gistro e sim ao seu teor e compre-

tentará a postura correta para se

ensão, essa criança passará a ter

manter sentado e conseguir um

maiores chances em seu desenvol-

Importante em qualquer das

bom desempenho da coordena-

vimento escolar.

situações ilustradas é que o pro-

ção visomotora e da manutenção

fessor tenha clareza da intencio-

da atenção e da concentração.

o celular. Mas se o gênero trabalhado for bilhete, depois da leitura, da análise linguística, na hora da produção há possibilidade de escolher um bilhete digitado ou manuscrito.

Assim sendo, parece que a questão é dar oportunidades di-

nalidade do trabalho e que, desde

Diante dessas questões, ante-

versas às crianças, oportunidades

as séries iniciais do Ensino Funda-

cipar a experiência da criança com

estas que lhes permitam digitar

mental, a criança tenha contato

a escrita não é o melhor caminho.

(no tablet, no celular, no compu-

com os diferentes tipos de letra

É por meio do brincar que se per-

(caixa alta, cursiva, script), para

mite que ela faça essas conquis-

que possa fazer correspondência

tas. Serão as experiências senso-

entre os símbolos e saiba que há

riais e motoras que permitirão o

tador), escrever (com letra caixa alta, bastão, script, etc), ler. Tendo as ferramentas todas, a criança e o adolescente utilizarão aquela que

2

Sobre esta questão: O uso (ou não) da letra cursiva e a dislexia: pontos a serem considerados, em:http://www.falandoemeducacao.com.br

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v jr t n ya r a x fx a b lhes convier, dependendo da situação comunicativa na qual estão inseridos.

Juliana Cristina Heleno é professora alfabetizadora desde 1995 e atualmente orientadora pedagógica do Colégio Medianeira (Educação Infantil ao 3º ano). Mestre em Educação (PUCPR), especialista em Leitura de Múltiplas Linguagens da Comunicação e da Arte (PUCPR) e graduada em Letras (UFPR).

e

Maraizza Moura Chacon é professora alfabetizadora desde 2003 e atualmente professora do 2º ano do Ensino Fundamental do Colégio Medianeira. Especialista em Psicopedagogia (FAE) e graduada em Pedagogia (UEPG).

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Recomendações Gêneros Textuais e Ensino Organizadores: Angela Paiva Dionisio, Maria Auxiliadora Bezerra, Anna Machado | Editora Parábolara Quando se fala ou se escreve, seja em que situação for, sempre se está produzindo algum gênero textual. Essa constatação, por mais singela e óbvia que possa parecer, não vinha sendo levada em conta pelos manuais de ensino de língua. Na realidade, embora o ser humano tenha certa competência tipológica intuitiva para a produção de muitos gêneros textuais, essa habilidade pode e deve ser analisada, treinada e ampliada. É precisamente a lacuna nessa área que a presente coletânea de ensaios busca preencher com subsídios teóricos e sugestões de trabalho em várias direções na análise de múltiplos gêneros textuais, nos diversos meios de comunicação.

Alfabetização e leitura José Juvêncio Barbosa| Editora Cortez Este livro tráz a discussão de questões e temas fundamentais envolvidos na aprendizagem da leitura, que deverão ser aprofundados, discutidos e reconstruídos pelo professor e seus alunos, com o auxílio da bibliografia, das leituras recomendadas e das atividades sugeridas ao final de cada capítulo, entre elas o estágio supervisionado. Uma obra útil a todos os educadores que se preocupam com a alfabetização.

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v y i p


ensino RELIGIOSO

em Instituição Católica:

por que a pluralidade? Por Carlos Henrique Martins Torra

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25


G

Gosto muito da genialidade dos pensadores e escritores; dos cantores filósofos, dos comediantes e conspiradores, das frases de parachoque... que conseguem resumir as angústias existenciais humanas e as razões sobre fé e vida em frases sintéticas e primorosas. Quando tenho a satisfação de ler algo do tipo, costumo me perguntar: como nunca pensei nisso? Desse modo? Com essa clareza? A nitidez com a qual a intuição humana transmite certos saberes existenciais provoca em mim a percepção da condição de inexorável pertencimento ao sentido suprassensível do Ser/Sagrado, o que parece indicar um sentimento humano ancestral compartilhado. Fernando Pessoa, por exemplo, na sua robusteza literária, certa vez afirmou – provavelmente conjecturando sobre a própria existência ou mesmo se autoquestionando sobre o sentido da sua vida – que “o ser humano é um cadáver adiado”. Cadáver adiado! A lucidez desta frase me fez pensar por algum tempo. E me fez pensar sobre o próprio tempo, inclusive. E, com isso, pensei no porquê de nos questionarmos sobre coisas/seres metafísicos. Por que nos importa saber o que existia antes da nossa existência? Por que a realidade sensível, material, palpável e corpórea não nos satisfaz racionalmente e nem existencialmente? Será que existiremos depois de não existirmos sensorialmente? A morte física é soberana sobre nosso ser?

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Uma coisa parece certa: a reflexão sobre a morte nos oportuniza vislumbrar um horizonte sobre a própria vida. Um horizonte de incertezas e imprevisibilidades. É nesse horizonte que se encontra o Conhecimento Religioso, pois, como qualquer saber, a dúvida é parâmetro para as reflexões que têm por enfoque a compreensão do mistério do Sagrado – objeto de estudo desta ciência. Porém, diferente da objetividade das frases sintéticas que refletem as questões humanas essenciais, a discussão provocada por esse conhecimento tem por finalidade, exatamente, a tessitura da complexificação de percepções que superem a personificação e individualização absoluta da concepção de Sagrado. Isto se dá no sentido de proporcionar aos sujeitos aprendentes, na instituição escolar, o entendimento de que sendo a mente humana capaz de pensar o Sagrado, todos partilhamos das condições racionais para supor sua existência. Contudo, não há uma sequência ou linearidade absoluta na construção da ideia de Sagrado, pois, sendo dinâmicas, as sociedades humanas constroem essas noções temporalmente a partir da sua realidade vivencial e (trans)cultural. Com isso, a atitude religiosa autêntica supera o discurso da posse do

Sagrado e promove a desreferencialização das certezas da “posse” da divindade, pois busca identificar a própria religiosidade como um autoposicionamento frente aos valores de vida. O âmbito do suprassensível é nomeado e caracterizado de muitos modos, visto que, dependendo da cultura como lugar e concepção de mundo, as pessoas são capacitadas com as mais diversas ferramentas intelectuais para qualificar o Sagrado, o que constitui uma enorme pluralidade. O Ensino Religioso, desse modo, nos ajuda a colocar em dúvida as certezas produzidas culturalmente, herdadas e impressas na nossa mente, com o intuito de tecer uma forma mais refinada de instigar-se frente ao mundo físico e ao transcendente, recuperando a não indiferença às mais diversas formas de manifestação do Sagrado e às tão variadas maneiras de este ser compreendido. A dúvida, desse modo, garante a prática da tolerância como princípio fundante na atitude do crente e do não-crente, quando constatam-se pertencentes a uma esfera vivencial que se concretiza na espiritualidade – como alimento para o cultivo da vida, como nos lembra Leonardo Boff. A dúvida sobre as próprias certezas é


fundamento para a manutenção da lucidez racional e existencial, principalmente no que tange ao discernimento sobre o Absoluto. A intensidade e a franqueza metódica da dúvida proporcionam clareza na autopercepção pautada na (in)certeza. Como elemento metodológico, as certezas e incertezas se complementam na construção individual e coletiva de um conhecimento que pode satisfazer a ânsia humana de compreenderse no âmbito espiritual, com consequência no juízo de si mesmo frente à realidade suprassensível que envolve as muitas realidades interpretadas por nós.

rizações próprias do grupo a que pertencem – a pluralidade religiosa torna-se resultado das diversas compreensões e ação diante do mistério do Sagrado. Estas manifestações são possíveis diante da riqueza da antropodiversidade própria do modo como a humanidade decifra as condições de vida e valora sua ação no mundo. Por isso, se existe força na crença de qualquer pessoa/grupo no tocante à manifestação do Sagrado, isto não significa necessariamente verdade objetiva naquilo que se acredita, mas apenas prova que existe robustez na forma como se acredita.

Por isto, nesse campo, é tão antiga a tentativa racional humana de caracterizar o Sagrado como realidade que está na intersecção entre o sensível e o espiritual como passível de apreensão racional plena. A diligência intelectual pela verdade, assim, é substrato ontológico e o Sagrado se apresenta como uma amálgama necessária à condição de mutabilidade vivencial que se interpela constantemente para darlhe sentido. Talvez, por isso, cada pessoa, contemporânea ou não, de culturas diversas ou irmãs, encontram maneiras completamente diferentes de manifestar sentido a sua existência pressupondo formas variáveis de manifestação do Sagrado.

A tolerância, nesse sentido, deve ser objetivo contínuo da ação formativa do Ensino Religioso, principalmente nas instituições católicas, pois, se a dúvida pode ser caminho de elucidação intelectual pessoal/coletiva diante da noção do Sagrado e na busca pelo Bem, a tolerância torna-se condição necessária na relação com o outro que não partilha de convicções comuns, no intuito de garantir-lhe liberdade na construção do seu horizonte de compreensões acerca do Sagrado. Nesse caso, a não crença (ateísmo) aparece como uma escolha racional possível, visto que a incerteza permeia também a não aceitação do transcendente como realidade factível.

Sendo os seres humanos diversos existencialmente – isto é, não identificáveis e referenciados culturalmente ou racionalmente a outros seres humanos de maneira totalizante – exceto nas caracte-

Assim, a tolerância projeta a possibilidade de uma comunicação entre indivíduos/grupos/ tradições que não

apresentam semelhanças aparentes entre si, mas que, por meio da dúvida metodologicamente estabelecida, respondem de maneira moral a suas diferenças, evidenciando uma tendência de superação da dissonância, característica das ações desses sujeitos distintos, na resistência ao ódio oportunamente gerado pelo não alinhamento de concepções. Clóvis de Barros indica ser a tolerância uma virtude moral pautada na possibilidade de escolha. Tal escolha considera a perspectiva do outro e na condição de superioridade em relação ao outro, o que significa, portanto, entender que somente aquele que detém poder sobre alguém pode ser intolerante, e, assim, capaz de escolher a tolerância como ação moral. O conhecimento, neste caso, é imprescindível ao processo de inteligibilidade da relação do Outro como Sagrado, tangível a questão do limite da própria tolerância, visto que, sem a baliza da dúvida, a tolerância pode corroborar barbáries humanas inaceitáveis. Por fim, pensar o Sagrado é pensar abertamente as relações do Homem consigo mesmo, na “ou-

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tridade” e na tolerância, percebendo essa interligação mediante o sentimento religioso, que aproxima e “une os seres humanos e as coisas e, consequentemente, induz, nas profundezas do ser humano, o absoluto respeito pelas diferentes alteridades unidas pela vida comum numa única e mesma Terra”.

vida, da existência e do mistério do Sagrado, a tolerância inteligente é, possivelmente, uma virtude indispensável à transcendência e ao respeito à pluralidade.

Pois, se o humano é um cadáver adiado, sua vivacidade passageira está na dúvida que ele é capaz de produzir até mesmo sobre a própria morte. E se a morte traz um horizonte tão diverso de interpretações acerca da valoração da

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Carlos Henrique Martins Torra É professor de Filosofia e Sociologia no Colégio Medianeira. Mestre (2014) e doutorando em Educação, é Licenciado em Filosofia. Exerce a função de Orientação Religiosa, Espiritual e de Pastoral (SOREP) no Ensino Médio. Foi professor de Ensino Religioso de 2008 a 2015 no Ensino Fundamental, também no Colégio Medianeira

Recomendações Ética da Vida: a nova centralidade Leonardo Boff/ Record, 2009 | Editora O livro apresenta a noção de sacralidade da vida como aspecto constitutivo fundante na ressignificação do ser humano frente o mundo e o cosmos. A tessitura de uma nova ética da vida, objeto do livro, pressupõe a percepção arraigada do humano como um ser de responsabilidade, cuidado e amor na prática de sacralização da vida em todas as suas manifestações.

Filme A Origem (Inception - 2010) | Direção Christofer Nolan O filme desenvolve uma reflexão profunda sobre a concepção de Realidade. Coloca a dúvida como elemento estruturante na apreensão intelectiva e da existência das ideias colocadas nas nossas mentes. Com base na teoria cartesiana, torna-se bastante provocante quando da capacidade de problematizar e sobrepujar a distinção tão óbvia estabelecida pelos nossos sentidos entre mundo material e a realidade onírica (dos sonhos).

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Perfil: Henrique Cláudio de Lima Vaz O padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz é um dos filósofos brasileiros mais importantes do século XX. Sua vida foi marcada por defender um cristianismo comprometido com as questões históricas e sociais. Professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lima Vaz se destacou por pensar em duas grandes questões “qual o sentido de existir?” e “como devemos agir?”. Por Ketilyn Almeida, via Literal Link

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O padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz é um dos mais importantes filósofos brasileiros de século XX. Nascido em 24 de agosto de 1921, na cidade de Ouro Preto, ele faleceu com 80 anos de idade, em Belo Horizonte, no dia 23 de maio de 2002. Intelectualmente brilhante, Lima Vaz foi uma pessoa muito simples e discreta. Ele dedicou a maior parte de sua vida ao exercício da reflexão, que o colocou a serviço da fé, amor e justiça. Segundo Cláudia Maria Rocha de Oliveira, professora de Filosofia da FAJE (Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia, de Belo Horizonte), Pe. Vaz “assumiu,

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como objetivo de sua caminhada

vier Roser e o humanista Eduardo de

sobre a terra não a própria sa-

Magalhães Lustosa. Num contex-

tisfação, mas sim a realização de

to marcado pela Segunda Guerra

quem dedica a própria vida à bus-

Mundial e por grande desconfian-

ca da glória de Deus”.

ça da Igreja em relação ao mundo

Desde muito cedo, Henrique

moderno, Vaz nutriu em Nova Fri-

Vaz despertou o interesse pela

burgo grande interesse por ques-

vida intelectual e pela filosofia. Na

tões de sua época. Com a ajuda

biblioteca do avô, leu pela primei-

de Roser, deu os primeiros passou

ra vez A República de Platão. Ain-

em direção às questões relativas

da jovem, com apenas 16 anos de

à ciência e ao mundo moderno.

idade, ingressou na Companhia de

Com Eduardo Lustosa, teve aces-

Jesus. Estudou Filosofia em Nova

so a alguns textos filosóficos, tais

Friburgo, recebendo formação ri-

como Husserl e Heidegger, ainda

gorosamente escolástica. Cláudia

pouco estudados nos seminários

conta que nesse período ele teve

católicos”.

dois grandes mestres, “o físico Xa-


Em 1945, foi enviado a Roma para cursar Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Ao chegar na Europa, encontrou um contexto ao mesmo tempo de desilusão e de esperança. A guerra havia terminado. “A ciência não se revelou capaz de resolver todos os desafios lançados ao homem moderno. Embora tenha um lado luminoso, a ciência também revelou o outro que era monstruoso, seu poder destruidor. Incapaz de conferir sentido autêntico para a vida humana, a tecnociência viabilizou, entre outras coisas, a construção de armas de destruição em massa e a edificação de campos de concentração. A confiança de que a ciência traria respostas para todas as questões humanas entrou em crise”, afirma Cláudia. Por outro lado, o fim da guerra trouxe alívio e esperança para todos que foram direta ou indiretamente afetados por ela. Havia no ar uma espécie de confiança de que seria possível reconstruir a própria vida. O ponto a respeito do desenvolvimento da racionalidade moderna e de suas consequências foi uma das questões que orientaram o desenvolvimento de sua reflexão filosófica ao longo de vários

anos. Além disso, em Roma, Lima Vaz estudou com renomados professores, entre os quais: Charles Boyer, Paolo Dezza, Frederick Copleston, Johannes B. Lotz e René Arnou. Ele teve também a opor-

tunidade de entrar em contato com obras de importantes pensadores de língua francesa, tais como Teilhard de Chardin, Jean-Paul Sartre, Emmanuel Mounier, Henri de Lubac e Maurice Blondel. Esse período de formação foi fundamental para que Lima Vaz ampliasse seu horizonte de reflexão.

ção religiosa. Em seguida, voltou a Roma e, sob orientação do professor René Arnou, escreveu uma tese de doutorado. Intitulada Contemplação e Dialética nos Diálogos Platônicos, a tese foi escrita por Lima Vaz em latim e apenas recentemente, em 2012, foi traduzida e publicada pelas Edições Loyola. Em 1953, após concluir o doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana, Lima retornou ao Brasil para lecionar em Nova Friburgo. A professora Cláudia lembra que as questões políticosociais ganharam progressivamente a reflexão do jesuíta. “Instigado por jovens católicos que não sabiam bem como orientar no atual contexto social, marcado pelo fascínio que exerciam os movimentos comunistas inspirados no socialismo soviético, Lima assumiu uma posição procurando defender um cristianismo comprometido com as questões históricas e sociais. Contudo, Lima Vaz foi muito mal compreendido pelos seus superiores que, para afastálo da agitação política, preferiram transferi-lo para Belo Horizonte”.

Em 1948, Lima foi ordenado sacerdote e enviado a Espanha para dar continuidade à forma-

Em 1964, ao chegar em terras mineiras, pouco antes do golpe militar, ele já havia se tornado referência

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no contexto acadêmico. Por isso, foi convidado a lecionar na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde permaneceu até 1986. Da UFMG recebeu, em 2001, o título de professor emérito. No período em que lecionou em Minas Gerais, dedicou-se, entre outros objetos de estudo, às obras de Hegel. Tornou-se então um dos maiores estudiosos do pensamento hegeliano no Brasil. No Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte, lecionou de 1982 até os últimos dias de sua vida. “De modo especial, duas grandes questões perpassam a investigação filosófica de Lima Vaz. Qual o sentido do existir? Como devemos agir?”, acrescenta Cláudia.

Lima Vaz não escreveu nenhuma obra específica sobre o tema da educação, porém sua reflexão é um convite ao pensar. “Não existem respostas prontas e definitivas para os desafios que se apresentam diante de nós. Nesse sentido, a escola, mais do que um local de transmissão de conhecimento, deve ser um espaço de formação humana em que os sujeitos se tornem capazes de conhecer a si mesmos e o mundo a sua volta. A pessoa não deve unicamente possuir o domínio de determinada técnica, mas deve ser capaz de assumir postura crítica e lúcida diante da complexidade do real, tornando-se assim responsável pelas suas próprias decisões e ações. O processo de humanização, com o qual a educação deve

estar comprometida, supõe a capacidade de estabelecer relações de reconhecimento e de consenso com os outros, de promover a realização efetiva da dignidade humana”, conclui a professora.

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Ketilyn Castro de Almeida é jornalista, blogueira, fotógrafa e pós-graduanda em Mídias Digitais pela Universidade Positivo. Este artigo tem como base as informações apuradas na pesquisa de seu trabalho de conclusão do curso de comunicação social, o livro reportagem “Sombras e Luzes do Shoá - Relatos de sobreviventes do Holocausto” (novembro, 2013).

Recomendações Ética e direito Henrique Cláudio de Lima Vaz| Editora Loyola Esta obra reúne o pensamento de Lima Vaz acerca da Ética e do Direito, de modo a disponibilizar para os estudiosos, profissionais e professores do Direito um dos mais sofisticados discursos ético-filosóficos da atualidade, em âmbito nacional e internacional.

Raízes da modernidade Henrique Cláudio de Lima Vaz | Editora Loyola Neste livro, Lima Vaz desenvolve a hipótese de que a chamada modernidade, entendida como universo simbólico das razões que configuram, encontra algumas de suas raízes, sobretudo as de natureza metafísica, nas controvérsias doutrinais de fins do século XIII. A história das idéias é posta, pois, a serviço de uma leitura interpretativa e crítica da modernidade.

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A educação de que precisamos

É preciso formar nossas crianças e jovens de maneira que sejam capazes de perceber que: discursos civilizadores podem ser utilizados como ações de marketing; que a liberdade é muito boa, mas tem limites; que saibam respeitar, conviver e ser capazes de se identificar com hábitos, valores e crenças diferentes dos seus; e que não são a plateia, mas sim os protagonistas do futuro. Por Ricardo Azevedo mediação

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A

educação de que precisamos no Brasil – urgentissimamente – vai muito além de noções a respeito de ciências, matemática e língua portuguesa ou de assuntos como salários e capacitação de professores; meio período ou período integral e coisas assim. Tudo isso é importante e, sem dúvida, estamos muito aquém de um mínimo desejável. Mas vai ser preciso muito mais para que um dia nosso país seja mais justo, competente e criativo. Ou, em outras palavras, seja mais civilizado. Estamos longe disso. Basta olhar o lamentável baixo nível de nossos políticos ou a alienação de boa parte de nossa elite econômica, preocupada exclusivamente em consumir e manter seus privilégios. Essa gente envergonha a noção de “elite” e pode ser descrita como “analfabeta social”, embora muitos, note-se, tenham estudado em escolas pretensamente “boas”. O artigo abaixo, publicado na Revista “Carta Fundamental” em outubro de 2010, trata deste assunto.

A leitura como agente do conhecimento Recentemente, no rádio, um locutor falava em liberdades individuais, no direito de cada cidadão ser o agente de suas próprias decisões e na importância da diversidade de opiniões. Imaginei que fosse alguma ONG em defesa da democracia. Nada disso. O texto era patrocinado por um fabricante de cigarros! A liberdade a que se referia, no fundo, era uma só: a de optar por ser fumante, contrariando todas as informações médicas disponíveis. São complexos os desafios da educação nos dias de hoje. Creio que alguns deles nem sempre são lembrados. É preciso formar nossas crianças e jovens de maneira que sejam capazes de perceber que discursos válidos e civilizadores podem ser utilizados como ações de marketing e propaganda (e também por políticos corruptos e regimes autoritários). Fazer com que compreendam o funcionamento das sociedades fundadas em economias de

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mercado, para que saibam, por exemplo, separar consumo de consumismo ou propaganda de propaganda enganosa. Que discutam o que é autoridade (a confiança conquistada legitimamente), autoritarismo (a obediência obtida à força) e omissão (a desresponsabilização diante, por exemplo, de pessoas inexperientes ou dependentes e, num outro patamar, diante da sociedade). Que tenham claro que a liberdade é muito boa, mas tem limites: ninguém tem direito de desrespeitar o direito dos outros. Que compreendam que são responsáveis não apenas pela construção de suas vidas particulares mas também pela da sociedade em que vivem. Que aprendam a estudar (poucas escolas ensinam isso) tenham o melhor preparo técnico possível sem jamais se esquecer de certas características de qualquer ser humano: somos incapazes de viver sem uma sociedade; somos capazes de construir linguagens e símbolos (e não apenas utilizá-

los e repeti-los); temos dificuldade de distinguir a subjetividade da objetividade; somos efêmeros (morremos), corporais e passíveis de prazer e sofrimento; podemos pensar em assuntos abstratos como justiça, moral, política e estética; transformar a natureza e a sociedade (para melhor ou para pior) e, ainda, fazer projetos para, com sorte e competência, construir um futuro melhor (onde haja maior coincidência entre os interesses de todos e os interesses de cada indivíduo). É importante que saibam respeitar, conviver e ser capazes de se identificar com hábitos, valores e crenças diferentes dos seus. Que discutam sobre por que têm sido levados a escolher suas profissões sem um mínimo de autoconhecimento (considerando apenas salários e a profissão da moda em detrimento de vocações). Que debatam formas alienantes e subreptícias de exclusão, como o “culto da celebridade” (que valoriza a pessoa “descolada” e sua


“imagem”, desprezando a pessoa “comum”). E também os hábitos culturais que misturam o público e o privado, para que possam analisar as práticas que transformam vidas e relações humanas em ações de marketing e pessoas em produtos de consumo. Que conheçam os extraordinários avanços da modernidade, mas também suas inúmeras contradições. Que tenham acesso à multifacetada cultura de nosso país. Que estejam conscientes das desigualdades de nossa sociedade

(por serem imorais e injustificáveis, elas costumam deixar nos-

propaganda enganosa, da alienação e do niilismo.

sas crianças e jovens confusos e céticos). E ainda que sejam levados a compreender que não são a plateia, mas sim os protagonistas do

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futuro e que, na escola, estão se preparando para construí-lo e ressignificá-lo. Não sou pedagogo e conheço pouco os diferentes métodos

Ricardo Azevedo é escritor. Texto postado no facebook em 18/2/2015: https://www.facebook.com/ rjdazevedo.

educacionais. Sejam quais forem, a meu ver, deveriam ter por base assuntos como esses. Eis por que a leitura sempre terá um papel fundamental: desenvolvemos nosso pensamento crítico, principalmente, por meio dela. Sem ele, nossas crianças e jovens, tanto faz de que classe social, serão presa fácil da

e a cidade

Recomendações Synthomas de poesia na infância Gloria Kirinus | Editora Paulinus

Synthomas de Poesia na Infância’ é resultado de pesquisa e trabalho da poetisa Gloria Kirinus, sobre a criança que nasce com potencial criativo, intuitivo e intelectual e que pode ser incompreendida por pais, educadores e profissionais da saúde que identificam nela sintomas de transtornos como o Déficit de Atenção - DDA ou Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH.

A imaginação e a arte na infância Lev Vygotsky | Editora Relógio D’Água Vygotsky aborda neste livro a natureza e o desenvolvimento da imaginação artística nas crianças, a partir dos conhecimentos científicos da sua época, mas com intuições que permitem que este livro continue a ser uma referência para a psicologia contemporânea. A partir do confronto das suas ideias com alguns dos principais investigadores do seu tempo, Vygotsky elabora as suas próprias concepções em relação com as expressões criativas infantis no desenho, na escrita e no teatro.

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Luzes

e Sombras

do Shoá

Relatos de sobreviventes do Holocausto Por Ketilyn Castro de Almeida

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Se lembranças são partes fragmentadas da história, reuni-las é um modo digno de fazer com que eventos importantes não sejam esquecidos. Esse artigo traz as memórias de Naftaly Sztajnberg, Moisés Jakobson e Bela Bogdanski, todos sobreviventes da triste história do Holocausto. Quando uma guerra acaba, além do rastro de destruição, ela deixa também seus números. Número de mortos e feridos, número de crianças desabrigadas, números a menos na economia nacional. O Holocausto, ou Shoá, um dos maiores genocídios da história, foi causado pelo partido Nazista a comando de Hitler, contra judeus, ciganos, homossexuais e outros grupos que eram considerados impuros. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais de um milhão de judeus morreram apenas no campo de concentração e extermínio de AuschwitzBirkenau, em Oswiecim, no sul da Polônia. Uma das primeiras ações desses campos era desumanizar as vítimas. Lá, eles não possuíam mais um nome e sim um número. Por essa razão, me parece injusto falar apenas em números quando tratamos do Holocausto. Nos anos 60, o filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan mencionou o termo Aldeia Global. É verdade que McLuhan o utilizava para explicar os efeitos da comunicação de massa sobre uma sociedade. Mas empresto o termo para mostrar o quanto o mundo

está interligado e o quanto as decisões externas influenciam em nossa vida. Segundo informações do Museu do Holocausto de Curitiba, cerca de 90 sobreviventes judeus vieram para o Paraná no fim da guerra. Aqui casaram, tiveram filhos e reconstruíram sua vida. Em 2013, 12 sobreviventes viviam na capital paranaense, além de seus familiares. Lembranças são partes fragmentadas da história, que moram em nossos pensamentos. Assim como menciona Helga Weiss, em seu livro O Diário de Helga (2013): “com a idade, a pessoa retorna cada vez mais ao passado. Para minha surpresa, descubro agora que jamais o deixei”. Durante a pesquisa, conheci o cotidiano dos campos de concentração pelas palavras de Naftaly Sztajnberg e Moisés Jakobson, a fuga da senhora Bela Bogdanski e da sua família para o Brasil. Além do percurso de Staniswava Marques pela descrição da filha Adélia. O mesmo aconteceu com Moshe Klein, que teve sua memória preservada pelo filho Perci.

Com essas diferentes narrativas, é possível perceber que o genocídio não é feito apenas de morte. É possível retratar a vida quando tomamos conhecimento dos fatos e os repercutimos para toda a sociedade. Porém, é preciso preservar sua lembrança para que ele continue causando choque, e ajude a população a permanecer afastada de qualquer preconceito ou intolerância, para que extremos como esse nunca mais voltem a acontecer.

Naftaly Sztajnberg O cenário: um apartamento modesto no centro da cidade de Curitiba, o personagem Naftaly Stajnberg, que, com mais de 90 anos, ainda mantém a memória preservada do período em que foi perseguido pelos nazistas. Antes da Segunda Guerra Mundial, Naftaly morava na cidade de Sosnowiec, na Polônia, com cerca de 150 mil habitantes. Sua família era muita pobre, mas a vida era tranquila. “Quando nosso país foi ocupado pela Alemanha, eu tinha 18 anos, e meu irmão, Itzhak, era um ano mais velho. Fomos levados

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para fazer estradas. Um ano depois, meu irmão apanhou porque se recusou a trabalhar, ele não tinha comida. Cheguei ao campo, e procurei por ele. Disseram-me que o mandaram com os doentes, para ser cremado. Mataram e cremaram meu irmão. No campo de Markstadt”. Em 1944, o senhor Naftaly perdeu os outros membros de sua família em Auschwitz. “Eliminaram o gueto. Perdi minha família. O que eu podia fazer? Só eu tive sorte de sobreviver”. Em 1944, Naftaly recebeu um pijama listrado e um número, agora era reconhecido por 25.675. Marchou na neve pesada, e viu outros prisioneiros morrerem por não terem forças para seguir. O sobrevivente foi levado para o campo de Gross Rausen. Depois de cinco anos preso, e passar por nove campos de concentração, foi libertado

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em 1945. Nos dias atuais, ganha uma pensão de aproximadamente oitocentos dólares do governo alemão. Essa é a indenização pelos difíceis momentos que passou durante a guerra.

Moisés Jakobson O senhor Moisés Jakobson esbanja bom humor e simpatia. Acompanhado de um sotaque que mistura vários idiomas, entre eles polonês, russo, português, hebraico, espanhol e ainda um pouco de inglês, Jakobson confia nos jovens e acredita que tem o compromisso de contar sobre o genocídio. Define o seu testemunho como “consciência e responsabilidade”. “Eu sei que com todas as palavras, em qualquer idioma, não vou conseguir descrever o Holocausto. Mesmo assim, é preciso tentar, falar sobre isso é uma

obrigação, para que os outros não paguem o preço que nós, os sobreviventes, já pagamos. Eu tenho receio de que aqui no Brasil as novas gerações sejam educadas de uma forma que saberão muito pouco sobre o genocídio”. Em 1º de setembro de 1939, quando estourou a guerra, Moisés tinha 13 anos. “Eles (os alemães) bateram em nossa porta, armados. E nós tivemos que deixar a casa em cinco minutos. Depois que descemos do trem, os guardas nos separavam com uma varinha, e ordenavam que seguíssemos para direita ou para a esquerda. Minha mãe segurava forte a minha mão, porque eu era o caçula. Mas eu fui para um lado e toda a minha família para outro, minha mãe tentou me segurar, mas foi em vão. Eu nunca mais vi minha família. Hoje eu sei que as pessoas que foram


encaminhadas para o lado oposto, foram direto para as câmaras de gás, porque não tinham condições de trabalho. Mas, a minha opção não foi a vida e sim a morte lenta”.

denburg, Moisés trocou cigarros

“Uma vez, uma das empresas pagou meu trabalho com cigarros, mas eu não sou fumante”. Depois dessa afirmação, Moisés hesitou. “Mas não vou contar isso. Uma vez fiz numa palestra, duas meninas me faziam perguntas esperando respostas alegres. Mas nada foi alegre, nem a libertação”. O que Moisés não queria contar era que

sair. Só eu deveria ficar. Um deles

a marca do genocídio é, além de

como pude”.

tudo, física. No campo de Wal-

por batatas, falou em russo com um colega, e foi descoberto. “Os guardas entraram no barracão com cachorros e mandaram todos me deu um soco no estômago, e eu me abaixei por causa da dor, foi quando veio outro e acertou o joelho no meu rosto várias vezes, como se brinca com uma bola. O cão avançou em mim, perdi uma das vistas na hora. Eu não conseguia me levantar, mas quando um deles gritou ‘desapareça’, eu corri

Bela Bogdanski Envolta em fumaça de cigarro, Bela Bogdanski conta sua história e de sua família, lembrando-se dos percalços sofridos durante o período de guerra. Moradora de Curitiba, confessa que nunca se sentiu parte da capital paranaense, prefere Porto Alegre, a primeira cidade brasileira em que morou. Reclama das conhecidas características dos curitibanos, de serem fechados e pouco calorosos. Bela lembra que o pai saiu da Polônia não para melhorar a vida financeira, como tantas outras

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pessoas fizeram. A família era abastada, tinha muitas propriedades. “Meu pai procurou terras brasileiras para fugir do antissemitismo. Ele estava com medo. Como a minha mãe tinha uma irmã que estava com os filhos em Porto Alegre, ele veio ao Brasil, e tentou conseguir papéis para que pudéssemos permanecer no país junto com ele”. O patriarca saiu da Polônia em janeiro de 1936. No ano seguinte, enviou os papéis para que a família viesse ao seu encontro. “Mas tivemos a infelicidade do golpe do Getúlio. Quando se firmou no poder, a primeira ação que teve foi fechar a imigração, durante um ano e meio”.

Dia 1º de setembro, sem que ninguém esperasse, os alemães atacaram a Polônia. “Até hoje, não consigo ver filmes de guerra. Parece que eu ainda escuto o barulho de quando se solta uma bomba, antes de explodir ela faz um sibilar, e de repente dá o estouro. Apesar da idade, o meu cérebro funciona muito bem, e eu me lembro de tudo, e isso pode ser bom e ruim”. Bela relembra que, nos finais de semana antes da guerra, passeava em parques com a sua família, e às vezes todos precisavam sair correndo, pois muitas pessoas as atacavam. “Ser judia sempre foi um problema”. A família chegou ao Brasil em feve-

reiro de 1941, durante o feriado do carnaval. Desembarcaram em Santos e pegaram um navio até Porto Alegre. Depois de se casar, Curitiba virou sua moradia.

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Ketilyn Castro de Almeida é jornalista, blogueira, fotógrafa e pós-graduanda em Mídias Digitais pela Universidade Positivo. Este artigo tem como base as informações apuradas na pesquisa de seu trabalho de conclusão do curso de comunicação social, o livro reportagem “Sombras e Luzes do Shoá - Relatos de sobreviventes do Holocausto” (novembro, 2013).

Recomendações

e a cidade

O Órfão de Hitler Paul Dowswell | Editora Planeta do Brasil

O romance histórico de Paul Dowswell conta a história de Piotr Bruck, um menino polonês que teve seu país invadido e seus pais mortos pelos alemães. Sua salvação: olhos azuis, cabelo loiro e pele clara. Características que faziam dele um exemplo da raça pura ariana. Por essa razão, o jovem é entregue para uma família nazista. E em meio a confusão da Segunda Guerra Mundial, descobre seus ideias e motivos para lutar. Apesar de ficção, a obra traz pontos reais do confronto, e histórias que poderiam ser realidade.

e a cidade

O Pianista Wladislaw Szpilman | Diretor Roman Polanski

A obra conta a incrível história do jovem e talentoso pianista Wladislaw Szpilman, judeu sobrevivento do Gueto de Varsóvia. O livro foi escrito imediatamente após o confronto, por isso traz um relato vivo e cheio de detalhes. A obra também foi adaptada para o cinema, no longa de Roman Polanski, que levou o Oscar de melhor diretor, ator (Adrien Brody) e roteiro adaptado, em 2003.

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Eo

samba

entrou

na roda

Entrevista do grupo Braseiro para Martinha Vieira

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Colocamos na roda, nessa conversa, o samba. E quando o samba vem à roda descobrimos que não sabemos sequer a diferença entre a roda de samba e o samba de roda. Não sabemos muito sobre nosso passado de maxixes e lundus, do samba de roda e da capoeira. Eis um capítulo deixado à margem na história pretensamente branca do nosso país. Quando não conhecemos e não buscamos conhecer, criamos e fortalecemos estereótipos e clichês, que se banham na onda do senso comum. Não há que se negar a força do samba em locais como Rio de Janeiro e Bahia, mas seria estereotipado o juízo de que lá é o lugar único do samba. Mas é comum, por exemplo, a ideia de que paranaense não faz samba. Há alguns bares, em Curitiba, que propiciam aos seus frequentadores esse gênero. Porém, normalmente são repertórios de compositores cariocas, paulistas, baianos. De uns tempos pra cá, no entanto, alguns compositores paranaenses quebram esse paradigma, abrindo o leque da música local para o samba, sobretudo com a criação, em 2010, do Samba do Compositor Paranaense, no início em forma de concursos, estimulando a composição do samba local. O recado é claro: o sangue que corre nas veias dos paranaenses também carrega em si a África. Nessa vertente se funda o grupo Braseiro, com a maioria das composições assinadas por curitibanos. Eis nosso entrevistado dessa edição e que lançará, em novembro deste ano de 2015, seu primeiro CD – Ascende o samba –, projeto vencedor do Edital Medianeira Nossa Música.

Revista Mediação – Em conversas anteriores nesta mesma revista, com compositores e músicos paranaenses, ficou claro um árduo trabalho de conquista de espaço para a música local, que se desenvolve em variadas vertentes de composições e interpretações, chegando, algumas vezes, a alcançar repercussão além do nosso estado. Nesse panorama de afirmação da música paranaense, como se situa o samba? Quando, como e por que surgiu o Braseiro? Braseiro – O Braseiro surgiu num momento em que o samba curitibano, como movimento cultural já vinha se fortalecendo, ou melhor, renascendo. Isso porque esse tipo de samba – desse movimento mais ligado ao samba dolente, cadenciado, feito nos terreiros lá das primeiras escolas

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de samba – já tinha uma história bastante rica e que proporcionou o desdobramento de outros movimentos ligados a esse gênero aqui na cidade. A referência é aos compositores da primeira escola de samba de Curitiba, a Colorado, fundada por seu Maé da Cuíca, que teve até samba vencedor de concurso lá na quadra da mangueira de Cartola. Esse tipo de composição, com cadência lenta e letras mais melodiosas, meio que se perdeu no Brasil todo, não apenas aqui, por conta, principalmente, da produção e repercussão que o carnaval de quadra ganhou, sendo hoje os sambas compostos bem mais ágeis e voltados para o entretenimento puro e simples. A exemplo disso, alguns sambas apresentados nos desfiles daquela época, anterior à década de 1970,

são cantados com muita emoção e frescor, ainda hoje, nas rodas de samba realizadas no Brasil todo. Aqui em Curitiba, o Samba do Sindicatis vem fazendo esse trabalho de pesquisa e execução desses sambas eternos e poéticos nas rodas de samba abertas ao público. Tem também o Samba do Compositor Paranaense, que há cinco anos vem produzindo, em encontros semanais, uma nova safra de sambas dos mais variados subgêneros atrelados a esse maior que chamamos simplesmente de samba, mas que possui muitas nuances. O trabalho do Braseiro é rebento desses dois outros projetos culturais, todos os integrantes frequentam e contribuem para as pesquisas e execuções, seja dos sambas já eternos, seja dos sambas mais recentes produzidos por aqui.


Para vocês, o samba, como um dos traços mais marcantes da cultura brasileira, chega a ter uma identidade, uma marca própria que se perceba em qualquer de suas vertentes? Qual é a cara do samba paranaense e do Braseiro e sua relação com essa possível marca nacional ou com algumas de suas vertentes? Respeitando as variadas vertentes que o público identifica como samba, defendemos um tipo bastante específico, aquele que a música Argumento, do Paulinho da Viola, já canta, ou seja, que tenha um cavaco, um pandeiro e um tamborim, pelo menos. O que procuramos fazer está mais ligado a uma possível origem do samba-canção, com formação regional de seresta que incorpora os instrumentos percussivos caros à cultura africana. Se fosse possível falar de uma identidade do samba paranaense, aquela que cantava a Vila Tássi é bem definida, assim como aquela que canta o bairro de Madureira no Rio de Janeiro, ou aquela sonoridade e poesia típica dos sambistas do Bexiga, em São Paulo. A nossa cara, inevitavelmente, ainda está em processo, mas já tem genes (risos). A poesia e a melodia que buscamos visa retratar as vivências propiciadas nas rodas de samba e de choro, que ocorrem rotineiramente na cidade, mas que só têm tido mais registros sonoros agora. Essa identidade, sonora e poética, carece ainda de um distanciamento temporal.

O Braseiro lança seu primeiro CD - Ascende o samba - neste ano. Qual é a proposta desse disco? Quando pensamos o projeto, a proposta do disco era demonstrar essa já dita reascensão do samba-canção por aqui. Após o processo de arranjos e gravações, percebemos que o disco diz mais. Ele funciona como um microcosmo de uma roda de samba, aberta ao improviso, com choros, sambas de roda da Bahia, maxixes, samba-canção, seresta, gafieira, partido alto. O reencontro não é só de variadas vertentes de samba, mas de compositores também. Tanto que a seleção contempla autores daqui e cariocas também, os atualíssimos Ricardo Salmazo, Bruno Santos Lima, Léo Fé, Wilson Moreira, Pedro Amorim, Claudio Peba, Elias de Fernandes e os antigos e eternos Ismael Silva, Wilson Batista e a dupla Bide e Marçal. Além de colocar em perspectiva a produção local atual ao defendê-la no mesmo patamar que dedicamos aos compositores já consagrados.

Na literatura, no cinema, na música ou em qualquer que seja a linguagem escolhida para fazer arte, é comum o artista ter suas referências, ou seja, aqueles ícones inspiradores, que acabam influenciando as suas escolhas. Isso acontece com o Braseiro? Podem falar um pouco sobre essas referências no trabalho de vocês, não só como grupo, mas também individualmente? Ah, acontece sim! Já falamos de alguns dos compositores que figuram em nosso panteão. Como

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não amar e venerar Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Bide e Marçal? Como deixaríamos de lado o injustiçado Wilson Batista, ou o profícuo Paulo César Pinheiro? E como esquecer Batatinha, Paulo Vanzolini, Délcio de Carvalho, Dona Ivone Lara, seu Ataulfo Alves, Elton Medeiros, Nelson Sargento ou o magnânimo (principalmente em humildade) Paulinho da Viola? Isso só pra falar dos compositores. Tem também os instrumentistas que nos guiam. Vale destacar o divino Conjunto Época de Ouro, que acompanhou muitos dos compositores que amamos, o Nó em Pingo d´Água, o Trio Madeira Brasil, o monstruoso Raphael Rabello, Guinga, Dominguinhos, ... Entre os intérpretes, dentre os já citados (porque eles podem tocar e cantar do jeito que quiserem a obra magnífica que criaram), amamos Elizeth Cardoso, Clementina de Jesus, Clara Nunes, João Nogueira, Ciro Monteiro, Aracy de Almeida, tantos, tantos outros. O barato é que quando um integrante da banda descobre algo que curte, normalmente compartilha com os outros, que curtem também. Vira um escambo musical daqueles bons. E como última pergunta, uma provocação para lembrar que essa conversa não termina aqui, quais as dificuldades que o Braseiro tem encontrado nesse caminho de afirmação do samba paranaense e quais estereótipos em torno das questões culturais, raciais, artísticas

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o Braseiro gostaria de romper a partir da sua proposta musical? O caminho de afirmação é árduo, tanto por ser necessário quanto por ter de ser crítico, ou seja, aberto a reavaliações. Fazemos o que amamos e procuramos tocar e cantar ecoando aquilo que amamos ouvir. Ainda temos muito o que aprender, mas é maravilhoso quando temos a aprovação do público (que compartilha da nossa paixão por pesquisa) e dos nossos mestres, como aconteceu nesse processo de gravação do disco. Sentimos que estamos fazendo algo de verdade por ser conjunto, sabe, para além de egocentrismos artísticos. Mas essas são as facilidades, ou melhor, o retorno. As dificuldades em defender samba autoral curitibano passa pelas palavras que o definem: samba, autoral, em Curitiba? Ainda tem muito senso comum dizendo que

descendemos de europeus brancos, ou que somos a Europa brasileira, quando, apesar da cor da pele dos integrantes não ser necessariamente negra, a ascendência demonstra muito mais mistura de raça e de cor do que a pele mostra. E nem precisamos falar só dos integrantes da banda. Os compositores que selecionamos daqui, em sua maioria, são negros de cor e de luta. Como diria o samba do negro Léo Fé, que cantamos em nosso disco: “nem que sangre ou machuque, a história ninguém mata. Não tem como apagar a miscigenação. Não tem como calar a voz dos excluídos, porque estamos cada vez mais unidos.” Quanto a isso, um salve ao Samba do Compositor Paranaense, que promove esse encontro de diferentes e dá igualdade de voz a todos. Só pra citar mais um samba exemplar, tem aquele do Paulo


César Pinheiro com o Wilson das Neves, O dia em que o morro descer e não for carnaval, que retrata tão bem aquilo que acreditamos estar acontecendo. Damos um salve também ao surgimento das mídias virtuais, que deram maior visibilidade a essa produção desse samba dos enjeitados, há tempos não mostrado nas grandes mídias, por ser negro, da periferia, sem os modernismos e facilidades da música pop. E, claro, lembramos também a assessoria que tem surgido, ainda timidamente, das empresas que apoiam os projetos pequenos, ajudando na construção da memória cultural e dando voz a quem tem causa e, por isso mesmo, mais carece.

Somando causa, raiz, história e voz, conhecemos, nessa conversa, a proposta do Braseiro, que corajosamente procura a fagulha pra acender, ascender e rea(s)

cender o samba na memória e no sangue dos filhos curitibanos dessa grande miscigenação que funda o Brasil. Dentre seus melhores frutos, o samba. Em Curitiba, uma faísca do sol de África sobre a geada, gingando sobre as pedras das ruas que viram passar seus ancestrais, esfolando os pés negros e descalços. Na capital paranaense, mãos também negras sangraram nessas pedras os alicerces da cidade, florindo batuques na redenção das suas dores. Uma história a ser lembrada sempre, e isso bem têm feito os músicos, compositores e intérpretes sambistas, nas escolas de samba, nas ruas, nos bares, quintais e terreiros dessa cidade que se move e se reinventa na música, reafirmando o samba também como gênero da música local. Não é tarefa simples romper estereótipos e preconceitos, e fazer samba em Curitiba passa por aí, por essa estrada na qual se lança o Braseiro, com a ousadia de quem quer realmente encontrar

pontos de chegada, não para estagnar, mas para revolver. O Braseiro fará o show de lançamento do CD Ascende o samba no dia 11/11/2015, na FLIM (Festa das Linguagens do Medianeira), no Colégio Medianeira. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

O Braseiro é formado por: Luciane Alves – voz Ricardo Salmazo – voz e percussão Jonas Lopes – cavaquinho e bandolim Luiz Ivanqui – violão de 7 cordas Otto Lenon – pandeiro

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Haneke

e a estética da violência (ou um ideal kafkiano no cinema) Por Jonatan Silva

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Quando Michael Haneke disse que não tolerava a violência, não foram poucos os que pensaram que a declaração fosse uma anedota, algo impensado ou qualquer coisa que não parecesse fazer parte do universo de um cineasta responsável por A Professora de piano (2001), O Vídeo de Benny (1992) ou o chocante Violência gratuita (1997/2007). O espanto é uma reação natural para quem conhece o trabalho do diretor austríaco, mas a negação também faz todo o sentido. Seus filmes são realistas, dialogam com o cotidiano e os problemas de uma classe média sufocada pela tecnologia, pelas necessidades e também por sonhos que se esfarelam como areia entre os dedos. Sobre seu próprio trabalho, Haneke afirmou certa vez que só coloca na tela aquilo que vê ao seu redor. O sadismo de Violência gratuita é então o quê? A explicação é a mais óbvia: o desejo irrefreável de torturar o público com o terror vivido por uma família durante o que era para ser um final de semana adorável. Ainda que passe ao largo do terror sem sentido norte-americano, Haneke sabia muito bem o que queria quando criou o filme. “Violência gratuita é um tapa

na cara daqueles que consomem violência no cinema”, disse. E pela primeira vez admitiu sentir prazer em ver as pessoas deixando a sala de projeção aterrorizadas. Aquela foi uma situação-chave na história do cineasta e faz parte de um passado revivido em 2007, quando recriou o filme, desta vez com atores norte-americanos. Quem viu as duas versões não percebeu quaisquer diferenças entre elas. A brincadeira serviu como exemplo de supremacia de um homem temido por seus atores e respeitado pela crítica e adorado pelo seu público. Mas a sua produção vai além. Amor (2012) levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A história do casal de idosos – vivido por Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant – que vê a relação se a(pro) fundar à medida em que Anne se arruína em uma decadência física e mental é tocante, mas nem por isso a violência ou a agressividade estão distantes. Georges precisa acabar com o sofrimento da mulher e escolhe a forma mais eficaz: usando um travesseiro para sufocá-la. Há quem acredita que aquele foi um ato extremo de amor; e existem aqueles que veem ali um homicídio motivado pela fraqueza, pela necessidade de fugir de um pro-

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blema que há de consumir o casal. Os mais céticos podem ver no amor uma espécie de sofrimento autoimposto, porém a situação é um pouco mais complexa e diversa. Amor dialoga com Carta a D., de André Gorz, que ao ver a mulher com uma doença terminal decide – junto com ela – cometer suicídio. “Todos temos uma explicação para o amor e um porquê ele não funciona”, comentou o cineasta à época. O mesmo vale para A Professora de piano, o conto trágico de uma mulher de 40 anos sufocada – metaforicamente – pela mãe e que despeja sobre um aluno brilhante todos os seus desejos de dominação. E como termina? Com violência. E mais uma vez a agressão nasce do cotidiano conturbado e daquilo que está para dentro das portas de nossas casas

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(uma versão mais amena das possibilidades enlouquecedoras do dia a dia está no longa argentino Relatos selvagens (2015), de Damián Szifron).

“Todo filme é um atentado ao público” Haneke nunca quis ser fácil, mas sempre desejou ser visto e compreendido. Alguns de seus filmes parecem não ter resposta, mas isso é mito. À primeira vista, Caché (2005) e A Fita branca (2009) são um amaranhado de teorias e que se fundem em um universo particular. Mas não são. “Todos os meus filmes têm respostas”, afirmou e completou explicando que é contra os padrões

simplistas do cinema hollywoodiano em que tudo precisa ser assimilado dentro de si mesmo. Isso justifica o fato de que, para ele, “todo filme é um atentado ao público” e precisa tirar o expectador de sua cadeira confortável, levando à reflexão. Em Caché, o “x da questão” está no passado do casal Anne e Georges (os personagens têm esses dois nomes na maioria de seus trabalhos, como se fossem sempre as mesmas pessoas, as mesmas vidas). A ideia das fitas misteriosas nasceram depois de Haneke assistir a A Estrada perdida (1997), de David Lynch. Já A Fita branca lida com os anos que antecedem o surgimento do nazismo na Alemanha e retrata a geração que irá se tornar a juventude hitlerista e servir como base na pirâmide macabra do Führer. O filme se passa


deo o homicídio que cometeu ou as explosões racistas e xenófobas em Código desconhecido (2000) levantam o debate sobre idade, inocência e consciência. Não existe paranoia nos filmes de Haneke e não existe o paranormal (ou sobrenatural); ao contrário, é tudo palpável, presente e tão simples de encontrar que, se olharmos para dentro de cada um, estará tudo lá – adormecido como em Sementes da violência (1955), de Richard Brooks.

em uma aldeia ao norte do país e recria em seus personagens o ideal ariano de Hitler. Talvez, uma das críticas mais fortes sobre esse período da história. Os eventos misteriosos que colocam os moradores da vila em alerta muitas vezes estão relacionados às crianças do lugar. Haneke desconfia da

inocência das crianças e deixa isso

E, ironicamente, nada é gratuito: nenhuma violência é alheia. “É errado fazer a violência ser consumida como diversão”, explica a seco – como um dos cortes de seus filmes.

muito claro. Os jovens também são alvo de sua descrença. Os eventos que culminam no assassinato em massa em 71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso (1994), a frieza de Benny que grava em ví-

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Jonatan Silva nasceu em 1986. É jornalista e colunista do site Paraná Online. Dedica-se também à ficção, com trabalhos publicados em jornais e revistas.

Recomendações

e a cidade

O Escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX Gilberto Freyre | Editora Global

Tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século XIX.

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Prato

cheio para uma

grande fome Por Diego Zerwes

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John Fante é conhecido por ser um dos primeiros autores da famosa Geração beat. A grande fome, obra lançada no Brasil este ano, é uma compilação de contos escritos no período entre 1932 e 1959. Stephen Cooper, organizador do livro e biógrafo do autor, conta que a esposa de Fante, Joyce Fante, em uma das visitas durante a pesquisa para a biografia, o levou a um cômodo onde mostrou um grande arquivo, entre cartas, manuscritos e uma série de documentos pessoais. Dali saíram os contos do presente livro. A literatura de Fante se caracteriza por trafegar num mundo não tão polido, que não sobrevive apenas de aparências. O universo do escritor traz personagens marginais no âmago de sua escrita. Marginal, nesse sentido, não é empregado de forma corriqueira: significa, literalmente, aquele que está à margem. Como impresso na contracapa do livro, John Fante “desfila seus personagens costumeiros: imigrantes, escritores miseráveis, crianças travessas e incógnitos (extra)ordinários”. Fante explora um mundo que, para o bem ou para o mal, vive de aparências. No conto “Um sujeito monstruosamente esperto”, o personagem principal vai a um baile e, aproveitando a deixa da moça com a qual dançava, apresenta-se como professor da Universidade de Stanford. Esse sujeito marginal, para se afirmar nesse mundo de aparências – e num mundo que particularmente não é o seu –, se vale do próprio jogo social para se dar bem. Caso se apresentasse com sua autêntica identidade,

ficaria claro que a moça jamais dançaria com ele. Mas engana-se quem pensa, por outro lado, que tal personagem faz isso por maldade: está mais para galhofa e escárnio, com os quais, ainda, ousa julgar a moça: “Meu Deus, ela acredita em mim. De fato, sou um sujeito monstruosamente esperto, ou melhor, ela é uma garota monstruosamente burra”. O embuste é logo descoberto, para desespero e repulsa da moça, que vai embora pouco depois de acertar-lhe um belo tapa. Esse sujeito que se diz “monstruosamente esperto”, faz um inteligente resumo da situação: “Beije um homem, beije um homem e depois, porque ele tem calos nas mãos, se sinta insultada. Porque ele trabalha duro, você acha que ele é um salafrário”. Nesse contexto, Fante é certeiro ao atacar essas práticas sociais e suas representações, cujos objetivos são, na maioria das vezes, a busca pelo poder e os supostos benefícios derivados disso.

comer e quando comer. A lei te mandava para cama e te acordava. A lei lavava seu rosto, enfiava uma toalha no seu ouvido, fazia você ir à escola e à igreja. A lei o ofendia, lhe dava dor de barriga, o insultava. E, no fim, a lei acabava derrotando o fora da lei”. Fazendo um paralelo entre o mundo dos adultos e o das crianças, o pequeno notável mostra uma certa maturidade ao demonstrar que sabe se portar diante de situações que não lhe são favoráveis, brincando na mesma lógica das representações sociais do conto “Um sujeito monstruosamente esperto”. Um exemplo: Dan aproveita o fato de ter sido mordido pela irmã de 2 anos para escapar do café da manhã, já que estava com o estômago embrulhado por conta das ameixas devoradas na madrugada. Esse comportamento acontece repetidamente diante da mãe e também do pai, que, dados os costumes da época, deveria ser o responsável pelas duras e surras.

Já no conto “A grande fome”, que empresta o título ao livro, descreve a história de Don Crane: um menino rebelde (apesar disso, de modos gentis) de sete anos de idade que precisa ser dissimulado para ter seus desejos saciados. Este personagem vive num mundo cheio de leis, cujo retrato assim se mostra: “A lei eram as pessoas mais velhas, como sua mãe, seu pai e a professora, dizendo-lhe o que fazer, o que

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“Ele tinha o Velho sob con-

reflete. A foto de capa é o único

trole. Sabia fazer uma cara – um

elemento que pode ser critica-

sorriso enigmático, um olhar de

do na bela edição brasileira de A

inocência sagrada – que sempre

grande fome. Se, no geral, os per-

derretia o coração do pai”.

sonagens de John Fante são mar-

O grande inconveniente de Dan Crane é a comida. Não que ele odiasse comer. Muito pelo contrário: seu costume era se ali-

ginais, a imagem de um menino de olhos claros e loiro segurando um revólver não deixa de ser um contrassenso.

mentar em horas inadequadas

Charles Bukowski foi um dos

e longe dos olhos da mãe. Um

grandes entusiastas da literatura

pacote de ameixas na madruga-

de Fante. Encontrou o livro Per-

da, chocolates antes do almoço,

gunte ao pó, meio sem querer,

o que leva a mãe a pensar que o

numa prateleira da biblioteca pú-

filho tem algum problema. Cada

blica de Los Angeles, numa época

refeição é, portanto, um grande

em que perambulava pelas ruas

desafio para o garoto. É nesses mo-

e não encontrava nenhum livro

mentos, aproveitando as brechas de

digno de ser lido. “As linhas rola-

cada situação, que ele consegue se safar da comida e da mãe.

vam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha

Esses dois contos dão um pa-

sua própria energia e era segui-

norama preciso ao leitor que pre-

da por outra como ela. A própria

tende trafegar pelo mundo peri-

substância de cada linha dava uma

férico que a literatura de Fante, e especialmente essa obra inédita,

forma à página, uma sensação de algo entalhado ali”.

Essa descrição que Bukowski faz da literatura de Fante é a epítome que pode ser encontrada em qualquer um de seus livros, inclusive em A grande fome. Mesmo que esses contos tenham sido pinçados por seu organizador, inserindo-os num livro precioso, há uma linha que atravessa cada uma das histórias: a narrativa ferina e visceral de Fante é o ponto comum que as une, mesmo que tenham sido escritas em fases distintas de sua vida. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Diego Zerwes é publicitário (UP) e Especialista em Literatura Brasileira e História Nacional (UTFPR). Trabalha na Comunicação do Colégio Medianeira. É tradutor (diletante) da vasta obra musical de Leonard Cohen, publicada periodicamente no www. traduzindoleonardcohen.com.br

Recomendações

e a cidade

Pergunte ao pó John Fante | José Olympio

Arturo Bandini é um escritor de 20 anos que passa o tempo faminto por sucesso, vida e comida em um hotel barato de Los Angeles. Cheio de entusiasmo juvenil por ter uma história publicada, sofre o duro golpe da realidade na pobreza. Ele encontra, então, uma garçonete local, Camilla Lopez, e entra em uma relação de amor e ódio com ela que, aos poucos, o faz descer aos domínios da loucura.

1933 foi um ano ruim John Fante | LPM No estado norte-americano do Colorado, Dominic Molise, 17 anos, filho de um pedreiro e uma dona de casa temente a Deus, sonha em fugir do frio, ir para a Califórnia e tornar-se um grande arremessador de baseball, graças ao seu vigoroso braço esquerdo – dádiva concedida à miséria da sua vida

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Um fimde tarde Por Daniel Zanella

O casal carrega suas filhas gêmeas entre as mesas da cafeteria. Uma das meninas, plena em seus dez meses de idade, resmunga um pouco, o que leva a mãe a argumentar: “Aguente um pouco no chão, linda, você é muito pesada”. O pai explica o contexto psicológico a duas senhoras que falam alto: “Essa, quando fica brava, até para de falar comigo. Tem personalidade a mocinha”. Enquanto o pai coloca a mais quietinha no carrinho e a mãe segue no périplo afetivo, mostrando a casa de pedra à outra filha, o rapaz ao lado se declara para sua enamorada. “Tinha que te dizer: estou apaixonado por você. Você é incrível e me faz bem”. Contudo, a moça, no limiar de seus longos cabelos negros, está um pouco confusa. “Você tem certeza disso?”. “Tenho”. Ele se agita e sai em busca de mais uma cerveja importada. Volta. A moça emenda. “Você me deixou nervosa.” Hoje é quarta-feira e logo irei conhecê-la pessoalmente. Andei dizendo que ela é invenção de nossos amigos e somente di-

vidimos algumas risadas virtuais – à distância, parece-me linda como amanhecer em um lugar alto. E isso é sempre perigoso. Acontece-me de lembrar agora do dia em que li, pela primeira vez, Paulo Mendes Campos e seu O Amor Acaba: Crônicas Líricas e Existenciais. Um trechinho de Aurora: “Fiquei só outra vez. Por um momento quis que ela voltasse. Depois resolvi novamente ser um homem, com duas pernas, dois braços, dez dedos práticos, com uma cabeça que deve decidir onde devo pôr meus os meus pés. É meio mórbido ficar lamentando indefinidamente a perda de uma aurora, mesmo uma aurora especial como aquela, capaz de perdoar-nos os pecados”. Começou a anoitecer. Esperoa com uma certa apreensão. Ela virá ou não virá? Virá. E ela chega, dizendo-me “Viu como existo?”, com a energia de um imenso moinho. Abraço-a com o desejo de dois continentes mal separados pela erosão do tempo e penso: “Nossa”. Ela fala com a rapidez de

uma autopista e com a força de três personagens distintos numa peça de Teatro do Absurdo. É uma força que avança essa moça. As duas senhoras folheiam o caderno de cultura e pensam em qual filme assistirão hoje. O casal ao lado se levanta e a moça chora discretamente – se despedem como se tivesse acontecido uma catástrofe. As gêmeas precisam ir embora porque está esfriando. E nós também, querida. Você já leu Paulo Mendes Campos? Você sonha outro país? Seus amores são doces ou tristes? Você dorme bem ou acorda no meio da madrugada com estranhos pavores? Beijoa no rosto três vezes antes de ir embora porque ainda cético. E ela realmente vai embora, com seu andar de reescrever a geografia de meus olhos. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Daniel Zanella é cronista, jornalista e editor do Jornal RelevO, impresso mensal de literatura. Escreve para o jornal Gazeta do Povo e para a Escola de escrita. Vive em Araucária/PR.

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Linha Verde – Av. José Richa, nº 10546 Prado Velho - CEP 81690 100 Fone 41 3218 8000 - Curitiba - PR www.colegiomedianeira.g12.br mediação

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