Revista Mediação - Número 31

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revista de educação do colégio medianeira NÚMERO 31 | ANO XIV - 2018 | ISSN 1808-2564

Aprendizagem

e formação integral nas diferentes fases e dimensões da vida

escolar

Inovação e Educação:

além do paradigma

cartesiano

Padre Arturo Sosa O apostolado intelectual da Companhia de Jesus

Projeto Zelo:

Conviver, Cuidar, Zelar. Uma Atitude para SER mais Humanomediação

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2

mediação


INOVAÇÃO E Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564

Diretor P. Carlos Alberto Jahn, S.J.

Diretor Acadêmico Prof. Fernando Guidini

Diretor Administrativo Henrique Weidlich

Jornalista responsável Carlos Alberto Jahn (MTB 9977)

sumário

EDUCAÇÃO: 3

Inovação e Educação: além do paradigma cartesiano

Gustavo Borba

além do paradigma cartesiano Martin Scorsese: entre o sagrado e o profano

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Coordenação Editorial

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Vinicius Soares Pinto, Jonatan Silva e Liliane Grein

Jonatan Silva

Projeto Zelo: conviver, cuidar, zelar

Alessandro França Quadrado

Revisão Bruno Sanroman

Redação Jonatan Silva

Projeto Gráfico Liliane Grein

Ilustrações e imagens

Projeto Zelo: Conviver, Cuidar, Zelar.

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Paulinha Kozlowski, Marcelo Weber e Shutterstock

Colaboraram nesta edição Alessandro França Quadrado, Alexandre Martins, Claudia Furtado de Miranda, Danielle Stapassoli, Diego Zerwes Gustavo Borba, Ivana Suski Vicentin, Jonatan Silva, Juliana Cristina Heleno, Karolina Marianni Vargas, Marcelle Borges, Marcelo Weber, Mayco Delavy, Padre Arturo Sosa, Rogerio Pereira e Tamlyn Ghannam. Coordenações das Unidades de Ensino Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1º a 5º ano Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro Ensino Fundamental de 6º a 9º ano Profª Eliane Dzierwa Zaionc Ensino Médio Profº Marcelo Pastre

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Miguel Arroyo - a educação como resgate e ressignificação

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Eu leio minha mãe

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Matemática: consciência e crítica

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Tiragem 3500 Papel Capa: Papel 210g Miolo: Papel 115g

Claudia Furtado de Miranda, Danielle Stapassoli, Ivana Suski Vicentin, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy

Uma Atitude para SER mais Humano

Centro de Inclusão Karolina Vargas Centro de Educação Ambiental Roberto Casagrande

Aprendizagem e formação integral nas diferentes fases e dimensões da vida escolar

Alexandre Martins

Rogerio Pereira

Valdemiro Ruppental

O Apostolado intelectual como característica da Missão da Companhia de Jesus

Padre Arturo Sosa

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Voluntariado e projeto de vida

45

Inclusão: limites e possibilidades

49

Aos 7 aos 40: um retorno à inocência partindo da maturidade Tamlyn Ghannam

Marcelle Borges

Número de Páginas 56 Impressão Gráfica Radial Tel: 3333-9593

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR fone 41 3218 8000 Fax 41 3218 8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

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Karolina Marianni Vargas

Marcenaria e aprendizagem

Diego Zerwes

Charge

Marcelo Weber mediação

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editorial

A formação integral é uma prática cotidiana, dentro e fora das salas de aula, percorrendo os tempos e espaços de aprendizagem. Os saberes e os conhecimentos são (re)construídos na troca de experiências, informações e vivências que, além de acadêmicas, são humanas. Por isso, a integralidade da formação básica oferece ao estudante um processo ininterrupto, que se desenvolve nas diversas dimensões que formam o sujeito. Mais do que em outros tempos, temos a sensação de que o mundo perdeu a sua solidez: as relações são pautadas pela acepção e pela instantaneidade; os saberes não são saboreados como poderiam; e o tempo deixou de ser aproveitado. Oscar Wilde, dramaturgo irlandês, concluiu no final do século XIX: “viver é algo muito raro. A maioria das pessoas apenas existe”. Passados mais de cem anos, o aforismo nunca pareceu fazer mais sentido quanto em nossos dias. Logo, cabe à educação básica preparar jovens, adolescentes e crianças para que se sintam, e sejam, protagonistas das transformações da realidade em que estão inseridos.

Na estruturação dos itinerários for-

aula em que se evidencia a aprendizagem

mativos, é preciso discernimento e equilí-

que compõem a formação integral. Além

brio para não formar sujeitos puramente

disso, apresentamos projetos mais sistêmi-

técnicos e relativistas. Nesta perspectiva, a

cos de Formação de Valores, do ensino da

inovação deveria estar a serviço da criação

Matemática, o projeto de inclusão da insti-

de relações – consigo, com os outros, com

tuição e o Voluntariado. Traduz o esforço

a natureza e com Deus. Uma inovação que

e a dedicação de toda uma comunidade

forje soluções para uma vida mais inclusiva,

escolar atenta aos sinais dos tempos e que

mais justa para seres humanos e a natureza,

se propõe “ser mais para e com os demais”.

um mundo novo pautado pela fé e pela justiça socioambiental.

Outro grupo de textos apresenta reflexões sobre o papel e os desafios de uma Uni-

A educação é relação, com orientação

versidade Jesuíta e um perfil do sociólogo

para o servir. Ao acompanhar os processos

da educação Miguel Aroyo. Traz, também,

complexos da história humana, produz sa-

um perfil de Martin Scorsese, que lançou

beres, e o saber, por seu turno, gera poder

em 2017 o filme Silêncio, uma releitura da

– que deve ser exercido muito mais como

ação evangelizadora dos Jesuítas no século

verbo do que como substantivo – para ser

XVII, no Japão. Tem crônica, charge e refle-

e fazer a diferença. A ótica da educação, por

xões pessoais.

esse prisma, deve ser sempre a humanização e o combate à rejeição e ao descarte da vida. Neste número, Mediação apresenta

Agora, a Mediação número 31 é sua. Convidamos todas e todos à leitura.

conjuntos de reflexões teóricas e práticas

Boa leitura.

da proposta de aprendizagem do Colégio

Jonatan Silva

Medianeira. Professoras e professores relatam aspectos dos seus projetos de sala de

Envie sugestões e comentários para:

mediacao@colegiomedianeira.g12.br Procure essa e as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso site:

www.colegiomedianeira.g12.br

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INOVAÇÃO E

EDUCAÇÃO: além do paradigma cartesiano

Com a democratização da informação e da tecnologia, o papel do professor também mudou, deixando de ser o único detentor do conhecimento. Essa nova dinâmica do processo de aprendizagem pode ser um incentivo às ações transformadoras no ambiente escolar. Por Gustavo Borba

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N

osso papel como educadores está em constante transformação. Historicamente, os professores eram percebidos como os detentores do conhecimento e como aqueles que poderiam, através de aulas expositivas, entregar conteúdo para seus estudantes, transferindo seus conhecimentos para um grupo maior. Esse processo, que se configurava em pequenas salas e em um ambiente tradicional com algumas fileiras de estudantes, transformou-se, e com a revolução industrial alcançou maior produtividade: mais estudantes, um professor. Esse processo clássico de transmissão do conhecimento foi útil em um mundo cartesiano, com uma fonte de conhecimento bem definida. Entretanto, inúmeros fenômenos têm impactado este processo, ampliando as possibilidades de busca de informação e os caminhos possíveis para a construção do conhecimento. Friedmann (2016) cita três importantes mudanças que impactam no mundo do emprego e em nossas atividades como professores, sendo elas: mudanças climáticas, globalização e evolução da tecnologia. Se focarmos especificamente na tecnologia, podemos perceber que nos últimos dez anos vivemos um processo de disseminação e barateamento dos principais meios e mídias. O que antes víamos em filmes de ficção científica, hoje cabe com maior poder

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de processamento nos bolsos de nossas roupas. O que antes parecia algo para poucos, hoje está no dia a dia da maioria da população. Temos acesso à informação. A democratização da informação tornou o papel clássico do professor bem menos relevante. Saímos de um paradigma cartesiano e linear para um paradigma sistêmico e transversal. Não somos mais (apenas) uma fonte de informação. Não temos mais como principal objetivo disseminar nossa sabedoria através do discurso para nossos estudantes. Somos mediadores. Somos projetistas. Somos articuladores. Essa mudança de paradigma traz, para todos, uma necessidade de adaptação. Se agora o estudante tem acesso à informação, como fazemos para tornar essa informação relevante no contexto da sala de aula? Se os estudantes estão todos conectados, como exploramos as potencialidades desse movimento em rede, para construir conhecimento? Se a antiga sala de aula com filas de estudantes e a mesa do professor não dá mais conta dos desafios da educação, como devemos configurar os espaços de interação professor-estudantes? Estas e outras perguntas são fundamentais para transformarmos nossa ação na sala de aula. A hipótese aqui proposta é que como professores projetemos cada um dos encontros que temos com nossos estudantes. Pensemos

em cada atividade, relacionada a um objetivo, e saibamos onde queremos chegar. Mas nesse processo, consideramos as diferenças entre os estudantes? Avaliamos o contexto em que estão inseridos? Ouvimos nossos estudantes? Durante os últimos anos, é desenvolvida na Unisinos uma pesquisa com foco na construção do que chamamos de ambiente facilitador de aprendizagem, um espaço onde currículo, estrutura física e tecnologia interagem e permitem ao professor e aos estudantes a construção coletiva de conhecimento. Nesse contexto, compreendemos que o espaço físico importa, como é descrito no livro The Third Teacher, de Bruce Mau, entre outros. O espaço importa, mas enquanto não ocupado e dinamizado por professores e estudantes, ele é apenas potência e não algo de fato. Assim, precisamos desenvolver competências em nossos professores para que os espaços se transformem em espaços vivos e dinâmicos. A partir deste contexto, descrevemos neste artigo algumas das competências que devemos desenvolver, como professores, para transformarmos os espaços de aprendizagem nos quais estamos inseridos (o conjunto de competências propostas está descrito em BORBA, 2017). Saber projetar. Como professores, projetamos o tempo todo: pensamos no objetivo da aula, nas


formas e métodos para sua condução, iniciamos sabendo onde queremos

chegar.

Entretanto,

entender que o projeto é vivo, orgânico, e só existe na interação com o estudante, é fundamental para que ele seja bem sucedido e tenha como resultado o que buscamos, isto é, uma aprendizagem significativa e uma formação integral de nossos estudantes. Sem abertura para o novo, sem entendermos que as experiências de sala de aula podem ser projetadas a partir de diferentes olhares, ficamos parados, pensando (ou deixando de pensar) sempre da mesma forma. Saber ouvir. Quando estamos em nossa atividade enquanto professores, parece de bom senso que precisemos ouvir os estudantes a cada momento. Para chamar atenção quando necessário, para responder ou questionar sobre algo. Entretanto, saber ouvir os estudantes pressupõe que devemos compreendê-los como seres integrais, únicos e inseridos em seus contextos. Cada pessoa que entra em nossa sala de aula tem uma história, um contexto familiar, interesses e experiências distintas. A riqueza proveniente desse conjunto de pessoas diferentes entrega aos professores um potencial infinito para a construção da aula. Além disso, as possíveis conexões entre pessoas diferentes ampliam as possibilidades de articulação e mobilização dos saberes.

Saber contar histórias. Independente da nossa atividade, de nossa disciplina, seja na área das exatas ou das humanas, contamos histórias todo tempo. Entretanto, contar história, sem mobilizar o estudante a participar desse processo, é comparável a contar uma viagem que fizemos, sem a participação dos estudantes. O processo de contar uma história pressupõe ouvir o estudante, adaptar nosso conhecimento à realidade da sala de aula e permitir que o estudante seja o protagonista desse momento. Quando conseguimos abrir espaço para que essa experiência aconteça, além de contarmos, criamos uma nova história, adaptando as páginas do livro ao contexto de nossos estudantes e despertando neles a vontade de ir além. Uma boa aula nunca termina. Uma boa aula é apenas mais um capítulo do livro que construímos coletivamente com nossos estudantes. Autoconhecimento. A maioria das competências que precisamos ter quando estamos em um espaço que promove a aprendizagem está relacionada a como realizo minha ação para e com os estudantes. Segundo Lowney (2015), o autoconhecimento é componente essencial da liderança e da forma como os Jesuítas trabalham em sua formação. Para o autor, “ninguém se torna um grande professor por acidente... Somente os que conhecem as suas fraquezas podem lidar com elas e buscar superá-las”. Dessa forma, se não

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sabemos lidar com determinada tecnologia, com determinada situação na interação com os estudantes, ou se temos dificuldade em estabelecer alguma conexão necessária com nossos pares, é fundamental compreendermos isto para, então, identificar os caminhos para superar estas barreiras. Desenvolver estas e outras competências é fundamental para a criação de processos de ensino e aprendizagem conectados à

realidade de nossos estudantes e que possam transformar os espaços nos quais estamos inseridos. Transformar pela educação é o caminho. Mas, antes, precisamos transformar a educação. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Gustavo Severo de Borba é graduado em Engenharia Elétrica pela UFSM (1996), mestre e doutor em Engenharia pela UFRGS (2006). É diretor de graduação da Unisinos e pesquisador no campo da inovação e educação.

Referências ALABES, I.; BORBA, G. Um olhar sobre a experiência da sala de aula na perspectiva do design estratégico. Ed. Unisinos, 2016. BORBA, G. Professor Projetista: https://gborba2000. wixsite.com/professorprojetista/competencias, acesso: 30 de agosto, 2017. FRIEDMANN, T. Thank You for Being Late: An Optimist’s Guide to Thriving in the Age of Accelerations. Ed. Farrar, Straus and Giroux, 2016. LOWNEY, C. Pope Francis: Why He Leads the Way He Leads. Loyola Press, 2013. MAU, B., O’DONNELL Wicklund Pigozzi and Peterson. The Third Teacher. Ed. Abrams, 2010.

Recomendações The Third Teatcher (2010) O’Donnell Wicklund Pigozzi and Peterson (Author) e Bruce Mau | Ed. Abrams O livro explora uma visão crítica do ambiente escolar em contraponto à maneira como os estudantes aprendem. Na obra são oferecidas 79 ideias práticas de design aplicadas à educação como forma de aprimorar os processos pedagógicos e fortalecer a inovação e a criatividade dentro e fora das salas de aula.

Educação 3.0 - Novas perspectivas para o ensino (2017) Gustavo Borba, Mônica Timm de Carvalho, Fernando Becker, James G. Lengel, José Moran, Alfredo Fedrizzi | Editora Unisinos Discutindo a necessidade de mudança no modelo tradicional de ensino, o livro mostra como realizar tal transformação, levando o processo pedagógico ao que tem sido chamado de educação 3.0. Os autores trazem exemplos práticos de novas experiências envolvendo tecnologia, além de abordar o novo papel do professor.

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Martin Scorsese: entre o sagrado e o profano Projeto pessoal do diretor norte-americano, Silêncio narra uma jornada dos jesuítas no Japão. O longa-metragem é uma adaptação do livro homônimo de Shusaku Endo, publicado na década de 1960. Por Jonatan Silva

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uando perguntado sobre qual filme retrataria de maneira mais fiel o rosto de Cristo, o cineasta norte-americano Martin Scorsese citou O Evangelho segundo São Mateus (1964), do controverso diretor italiano Pier Paolo Pasolini (1922 – 1975). Oscilando entre películas que lidam com o sagrado e o profano, Scorsese – um dos nomes mais importantes da Nova Hollywood, momento que rompeu com o padrão do cinema nas de década de 1960 e 1970 – lançou em 2017 Silêncio, aquele que pode ser o mais contundente e devoto dentre seus trabalhos a dialogar com a fé católica.

Q

Adaptado do livro homônimo do escritor Shusaku Endo, o longa narra a saga jesuítica no Japão durante o xogunato da família Tokugawa, que governou o país entre 1603 e 1668, e é tido como um dos períodos mais sangrentos no combate ao cristianismo na Ásia. O ponto de partida de Silêncio é a viagem dos padres Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) às terras nipônicas para resgatar o P.

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Cristóvão Ferreira (Liam Neeson),

próprio Endo tinha grande dificul-

desaparecido após empreender

dade para conciliar a fé católica

uma missão evangelizadora.

com a cultura japonesa. Por isso, foi uma experiência pessoal, e não uma pesquisa histórica, que o levou à vida dos missionários portugueses que, no século XVII, se viram obrigados à apostasia”, explica Scorsese.

Como no polêmico e mal interpretado A Última tentação de Cristo (1988), Scorsese faz de Silêncio uma ode ao sofrimento e à penitência. Para o diretor, a dor é uma linguagem que expressa a imagem de Jesus crucificado. Por esse prisma, é possível identificar essa temática em filmes como Táxi Driver (1976), Touro indomável (1980) e até mesmo no (aparentemente) ingênuo A Invenção de Hugo Cabret (2011). De acordo com o crítico Matt Zoller Seitz, Silêncio é uma jornada ao inferno, repleta de questionamentos, sensações e experiências, sem a promessa de luz. “Esse é um trabalho monumental”, comenta Seitz. Para Scorsese, o longa representou também a complexidade de colocar na tela a fé. Como explicou o cineasta, o tom certo para a empreitada estava na descoberta do universo individual e particular que cerca o tema. “O

Jornada pessoal Scorsese é um cineasta de contrapontos. Se Silêncio apresenta uma face obscura e pouco explorada do budismo, Kundun (1997) foi um elogio à tranquilidade e à serenidade oriental. Ainda assim, o diretor reafirma sua preferência pela fé cristã. “Eu fico mais confortável com os conceitos cristãos, eles me parecem mais ousados, mais exigentes. O cristianismo é uma boa disciplina, porque nos leva a pensar nos outros. Da minha parte, sou um cineasta muito egoísta mesmo, fazendo meu trabalho. Mas eu estou marcado desde a infância pelo pensamento cristão”, disse em entrevista à revista francesa La Vie. Sua carreira fílmica carrega duas nuances que, à primeira


vista, parecem incongruentes: a presença da máfia italiana e a religião. Isso explica outra declaração do diretor em que, no início de sua jornada em Hollywood, afirmou que durante a juventude observava somente duas oportunidades para a vida adulta: entrar para a máfia ou ordenar-se padre. Por um lance de dados do destino, a sétima arte entrou em seu caminho. Essa dicotomia foi abordada em Quem bate à minha porta? (1967), primeiro trabalho em parceria com o ator Harvey Keitel, e Caminhos perigosos (1973), que marca a estreia de Robert De Niro com Martin Scorsese, obras seminais da sua filmografia. Outros diretores a colocarem na tela esse paralelo foram Abel Ferrara em Vício frenético (1992), que também traz Keitel como protagonista, e Francis Ford Coppola em A Conversação (1974). Entretanto, nenhum cineasta fez das questões religiosas uma jornada pessoal como o realizador de Silêncio. A adaptação da obra de Endo era um plano de Scorsese

desde a década de 1990, pouco depois de ter lido o livro pela primeira vez. A produção e a visita a possíveis locações só se concretizaram em 2009, quando os atores Benicio del Toro, Gael García Bernal e Daniel Day-Lewis estavam escalados para protagonizar o filme. Por dificuldades no financiamento, o projeto foi colocado de lado e Scorsese se envolveu nas filmagens de Ilha do Medo (2010), A Invenção de Hugo Cabret e, posteriormente, O Lobo de Wall Street (2013).

Estética A prova de fogo de Scorsese aconteceu durante a projeção de Silêncio no Vaticano, em uma antiga capela do Palazzo San Carlo. Sobre a tela havia uma imagem em tamanho real de Cristo crucificado. Um dia antes, o filme foi apresentado para jesuítas em todo o mundo, incluindo os religiosos em missões na Ásia. “As reações deles foram muito fortes”, disse o cineasta em entrevista à revista online Film Comment.

Além das questões temáticas que atravessam as cinco décadas de carreira do realizador, Silêncio dialoga também com a obsessão de Scorsese pela perfeição imagética e plástica de seus filmes. As cenas de apostasia – quando os cristãos japoneses precisam negar sua fé – estão entre as suas construções mais belas. As imagens, mostradas em câmera lenta, retratam com minúcia esse instante doloroso. “Quem sabe exista uma qualidade que só se perceberia assistindo cada momento com profundidade, fazendo o expectador experimentá-los ainda mais”, afirma.

Nova Hollywood Scorsese fez parte da primeira geração de cineastas formados na universidade. A busca constante da perfeição como marca autoral na sua obra fílmica é resultado da ruptura, mesmo que não de forma radical, com o que era feito até a década de 1960 nos Estados Unidos, culminando, por exemplo, no fim da era dos musicais. Esse movimento, inspirado pela Nouvelle

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Vague francesa, foi chamado de Nova Hollywood e era pautado pela preocupação em apresentar histórias menos escapistas e mais realistas – mostrando a violência e a degradação da sociedade. O marco inicial do movimento foi Bonnie e Clyde (1967), dirigido por Arthur Penn (1922 – 2010) e que trazia Warren Beatty e Faye Dunaway como protagonistas, sendo um dos primeiros a quebrar as normas do Código Hays, que impedia insinuações sexuais, uso de armas de fogo, tortura e uso de drogas. Diretores como Coppola, George Lucas, Roman Polanski, Terrence Malick e Woody Allen também fizeram parte da Nova Hollywood. A filmografia de Scorsese da década de 1970 é profundamente marcada pela estética da ruptura com as normas que imperavam

na indústria do cinema até aquele momento. É possível destacar Caminhos perigosos (1973), Alice não mora mais aqui (1974), Taxi driver (1976) e New York, New York (1977) como trabalhos imersos nos temas que marcaram a sua geração. A nova onda do cinema norte-americano, que depois passaria a integrar o mainstream, duraria até o começo dos anos 1980 com O Portal do Paraíso (1980), de Michael Cimino (1939 – 2016), e O Fundo do Coração (1981), de Coppola. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Jonatan Silva é formado em Jornalismo e pósgraduado em Marketing Digital. Trabalha como jornalista e assessor de imprensa no Colégio Medianeira e colabora com o jornal Rascunho e o portal A Escotilha. É autor do livro O Estado das coisas.

Recomendações Silêncio (1971) Direção: Masahiro Shinoda | 129 min Primeira adaptação para o cinema da obra de Shusaku Endo, o longa de Shinoda é menos metafísico que o filme dirigido por Scorsese. No entanto, o realizador japonês alterou o final de Silêncio, o que provocou declarações acaloradas de Endo na época. No restante, o filme se mantém fiel ao livro.

El Capitán de Loyola (1949) Direção: José Díaz Morales | 100 min Praticamente esquecido, o longa-metragem espanhol é um importante documento histórico a contar a vida e a obra de Santo Inácio. No papel do fundador da Companhia de Jesus está Rafael Durán (1911–1994), nome fundamental da sétima arte na Espanha. A película pode ser assistida na íntegra no YouTube.

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Projeto Zelo: Conviver, Cuidar, Zelar.

Uma Atitude para SER mais Humano Como a sustentabilidade das relações, por meio do projeto Abra seus olhos e veja coisas novas, fortalece a proposta educativa do Colégio Medianeira – e da Rede Jesuíta, de formar homens e mulheres para e com os demais. Por Alessandro França Quadrado mediação

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Escola é... o lugar onde se faz amigos. Não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, o coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’ (...).

E

m perspectiva de valoriza-

Para isso, ainda em 2016, o

mais complicados seus trabalhos.

ção à dimensão humana

Projeto Zelo esteve centrado no

O material foi exibido e discutido

na escola, o desafio que se

cuidado com o espaço coletivo e

com os estudantes, professoras

desenha é o da promoção

com os educadores que zelam por

e professores, havendo a forma-

da sustentabilidade das relações,

esses espaços. Dessa maneira, pro-

com ênfase à transformação soli-

cessos formativos foram realizados

ção de equipes cooperativas de

dária da sociedade em que vive-

com todas as turmas do Ensino

mos e atuamos, aspecto central

Médio, passando pela ampla abor-

da Missão do Colégio Medianeira.

dagem e discussão dos conceitos

Com esse pano de fundo, o Projeto Zelo foi iniciado em 2016 com foco no Clima Escolar do Ensino Médio do Medianeira, acentuando a combinação sinérgica dos

centrais do projeto, a partir do suporte teórico de Leonardo Boff, especialmente no que concerne ao

estudantes, em cada turma, responsáveis pelo zelo com aspectos determinados dos espaços de aula, incluindo a (re)organização das carteiras, a limpeza das mesas, a varrição da sala e a desti-

cuidado enquanto princípio essen-

nação dos resíduos para lixeiras;

cial da condição humana.

além da checagem de materiais esquecidos, entre outros. Para tal,

conceitos de reciprocidade, cuida-

A partir dessa discussão, o

do, coletividade, corresponsabili-

Projeto Zelo, em cooperação com

zação, comprometimento e, espe-

o serviço de midiaeducação do

cialmente, cooperação e empatia. É

colégio, produziu um material

dição do “o soji” das escolas ja-

nesse contexto que se tem buscado

sobre as vidas das educadoras da

ponesas, por meio da qual os es-

construir relações saudáveis entre

zeladoria, seus sonhos, suas opini-

tudantes daquele país cooperam

sujeitos integrantes e integradores

ões, seus sentimentos e as ações

sistematicamente para zelar pelo

de uma mesma comunidade.

da comunidade que tornam ainda

ambiente educacional coletivo.

a discussão e a estratégia também incluíram o conhecimento da tra-

Poesia “A Escola”, de Paulo Freire, disponível em: http://portaldoprofessor. mec.gov.br/fichaTecnicaAula. html?aula=15356. Acesso em 16 de setembro de 2017.

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mediação


Para a execução do trabalho

Paralelamente a isso, inser-

de lixeiras com separação entre

cooperativo, professores e pro-

ções curriculares tomaram forma

resíduos orgânicos e recicláveis

fessoras atuaram no monitora-

e ainda tomam, como o trabalho

provenientes do trabalho desen-

mento e no incentivo às práticas

desenvolvido pela Professora Le-

volvido pelo Projeto Abra seus

do cuidado com os espaços de

tícia Warszawiak Magalhães, na

olhos e veja coisas novas.

aulas por dois meses, tendo sido

disciplina de literatura da 1ª série,

atribuídas pontuações para as

por meio da leitura do conjunto

ações dos estudantes. Os pontos

de crônicas-reportagens de Eliane

obtidos em cada turma foram re-

Brum, A Vida que ninguém vê, e,

vertidos para o quadro geral das

posteriormente, pela produção de

Olimpíadas do Medianeira de

reportagens literárias sobre a vida

2016. Ao final do período olím-

dos educadores do Medianeira

pico, as zeladoras participaram

das mais diversas funções: zela-

da solenidade de entrega de me-

doras, pessoal da manutenção, da

dalhas às turmas campeãs, sen-

administração, entre outros.

Contudo, o trabalho do Projeto Zelo não se limita ao cuidado com o espaço coletivo, mas, como já mencionado, refere-se especialmente a estratégias que proporcionem a sustentabilidade das relações humanas numa visão empática e cooperativa. Nesse viés, no ano de 2017, o Projeto extrapola o Serviço de

do reconhecidas publicamente

Após a olimpíada, e se esten-

pelo trabalho que desenvolvem

Orientação e Convivência Esco-

dendo ao ano de 2017, profes-

e pela atuação naquele contex-

lar (SOCE), que ancorou sua fun-

sores, professoras e estudantes

to enquanto educadoras. Como

dação, para envolver os Serviços

foram incentivados a persistirem

explicou Carmem de Cristo Lara,

de Orientação Educacional (SOE)

nos encaminhamentos do Projeto,

e de Orientação Religiosa, Espi-

supervisora de limpeza do Media-

tendo as salas de aula sido equipa-

ritual e Pastoral (SOREP). A ideia

neira, em reportagem2 veiculada

das permanentemente com mate-

foi ampliar seu foco, transdisci-

no site do Colégio em junho de

riais de limpeza: esponjas, panos,

plinarmente. Nessa concepção,

2016, tal atitude “é como se fosse

desinfetantes, vassouras, baldes,

o Projeto Zelo passa então a ser

um abraço em cada uma de nós”.

pás de recolhimento de lixo, além

pensado pelos diferentes servi-

2

Disponível em: http://www.colegiomedianeira.g12.br/projeto-zelo/. Acesso em 16 de setembro de 2017. mediação

15


ços da Unidade de Ensino Mé-

conhecimento mútuo das po-

meio do estudo de casos reais. O

dio, sendo planejado de maneira

tencialidades dos outros e de si

pano de fundo dessa abordagem

a ser constantemente construído

mesmos. Houve, nesse trabalho,

buscou desenvolver um ciclo de

n desconstruído n reconstruído,

uma ênfase no cuidado com a in-

positividade, autoconhecimento,

em permanente processo de (re)

tegração dos alunos novos e de

autoestima e autovalorização por

contextualização. Por esse moti-

estudantes eventualmente exclu-

meio da (re)afirmação da perso-

vo, não se pensa em uma “grade”

ídos do grande grupo, além da

nalidade, das convicções e das po-

curricular que possa ser utilizada

(re)construção do sentimento de

tencialidades de cada estudante.

de maneira perene.

confiança mútua e interdepen-

Nesse trabalho, no ano de

dência positiva.

Para essas estratégias mencionadas, o Projeto Zelo utilizou

2017, ações planejadas pelos ser-

Uma segunda estratégia en-

elementos da aprendizagem co-

viços da Unidade, também envol-

volveu a identificação de lide-

operativa, procurando destacar

vendo monitores de crisma, inclu-

ranças entre os estudantes e,

seus cinco princípios como norte-

íram estratégias diversas. Assim,

posteriormente, a eleição de re-

adores do planejamento de suas

ainda no princípio do ano letivo,

presentantes. Para essa estraté-

estratégias:

houve um trabalho de integração

gia, foram abordados aspectos

positiva, interação face a face,

dos estudantes nas novas tur-

em comum acerca da vida de li-

desenvolvimento de habilidades

mas do Ensino Médio. Para isso,

deranças mundiais. É importante,

interpessoais,

buscou-se, com a cooperação de

no entanto, que se sublinhe que

individual e autoavaliação dos

liderança, nesse contexto, é vista

grupos (JOHNSON; JOHNSON;

como um processo relacional de

HOLUBEC, 2007).

estudantes de referência na Unidade, a formação de pequenos grupos heterogêneos de alunos (meninas e meninos, estudantes com menos contato no dia a dia, estudantes mais ou menos extrovertidos, etc.). Os grupos em cada turma participaram de atividades diversas. Nesse movimento,

pessoas tentando realizar mudanças ou fazer a diferença para o bem comum (KOMIVES et al., 2005). Não se envolve, portanto, a busca por autopromoção solitária, em detrimento da coletividade ou em sobreposição a ela.

interdependência

responsabilidade

Além dessa metodologia, o Projeto Zelo incorpora elementos da Abordagem Integral, de Ken Wilber (WILBER apud ESBJÖRNHARGENS,

2010).

Nela,

enxerga-se o todo de maneira multidimensional, não bastando

os estudantes voltaram-se para

Em um terceiro trabalho, ocor-

trabalhar sistemas (normas e re-

descoberta de novas amizades e

reu uma estratégia de aborda-

gras) e comportamento. Preco-

possibilidades de parceria via (re)

gem ao conceito de bullying, por

niza-se a ênfase e o desenvolvimento intencional da consciência de cada um e de todos para a formação de uma nova cultura de empatia, capaz de se autorreciclar ciclicamente. Finalmente, com perspectiva para 2018 e para anos subsequentes, o Projeto Zelo tem como norte a criação de um processo de Gestão do Clima Escolar, fundamentado

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em uma metodologia de pesquisa-ação. Por meio dela, pretende-se estabelecer uma presença investigativa cíclica, cooperativa e sistêmica, em que ocorra um processo de interinfluência mútua de todos os sujeitos da comunidade, em (auto)questionamento e (re)construção ininterrupta. A finalidade central é o zelo pela sustentabilidade das relações

Alessandro França Quadrado é sempre-aluno do Colégio Medianeira, graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFPR, possui licenciatura em Língua Portuguesa e Inglesa pela UTP, especialização no Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas pela UTFPR e é mestrando em Gestão Educacional pela UNISINOS no Programa de Mestrado Profissional da turma especial da Rede Jesuíta de Educação. Atua como professor de Língua Inglesa na 3ª série do EM e também como Orientador de aprendizagem do 9º ano do Colégio Medianeira.

humanas na comunidade acadêmica do Ensino Médio do Colégio Medianeira e sua reverberação nas diversas instâncias sociais. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Referências e bibliografia ESBJÖRN-HARGENS, S. An Overview of Integral Theory. New York: State University of New York Press: 2010. FREIRE, Paulo, 1921-1997. Educação e Mudança. 37.ed. rev. e atual. São Paulo: Paz e Terra, 2016. GOLEMAN, Daniel; SENGE, Peter. O Foco Triplo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. JOHNSON, D.W.; JOHNSON, R.T; HOLUBEC, E.J. The Nuts and Bolts of Cooperative Learning. Minnesota: Interaction Book Company, 2007. KOMIVES, Susan R.; LONGERBEAM, Susan D.; MAINELLA, Felicia; OSTEEN, Laura; OWEN, Julia E.; WAGNER, Wendy. Leadership Identity Development: Challenges. In: Applying a Developmental Model. In: Journal of College Student Development. November/December, 2005. vol. 46. n.6, p. 593-611. LÜCK, Heloísa. Gestão da Cultura e do Clima organizacional da escola. Petrópolis, RJ: Vozes 2.ed., 2011. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 18.ed. São Paulo: Cortez, 2011.

Recomendações Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2016) Mia Couto | Companhia das Letras Marianinho, um estudante universitário, volta a Luar-do-Chão, após ficar anos longe da ilha, para comandar as cerimônias fúnebres de Dito Mariano, seu avô. Neto favorito do patriarca, o rapaz chega à ilha e se vê no centro de uma série de intrigas e de segredos familiares, que envolvem seu pai, Fulano Malta, a avó Dulcineusa, os tios Abstinêncio, Ultímio e Admirança, e também as nebulosas circunstâncias em torno da morte de sua mãe, Mariavilhosa.

Uma Lição de vida (2010) Direção: Justin Chadwick | 143 min O longa conta a história de um queniano de 84 anos, Kimani Maruge, que está determinado a aproveitar a sua última chance de ir à escola. Para conseguir realizar o seu antigo sonho, Kimani precisará se juntar às crianças de seis anos de idade. O filme, baseado em fatos reais, mostra a importância da determinação e da força de vontade para alcançar o que se almeja.

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Aprendizagem e formação integral nas

diferentes fases e dimensões da

vida escolar

Por Claudia Furtado de Miranda, Danielle Stapassoli, Ivana Suski Vicentin, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy

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Como a aprendizagem integral é colocada em prática? Professores do Medianeira partilham suas experiências na construção do conhecimento de maneira plural, coletiva e transdisciplinar.

M

uito se fala, atualmente, sobre formação e aprendizagem integral. Mas o que isso significa no contexto do Projeto Político Pedagógico do Colégio Medianeira hoje? A formação integral é compreendida como um processo contínuo, permanente e participativo que busca desenvolver, harmônica e coerentemente, todas e cada uma das dimensões do ser humano (ética, espiritual, cognitiva, afetiva, comunicativa, estética, corporal e sociopolítica). Estas dimensões permeiam todas as atividades da instituição educativa, não só as formais ou as planificadas. O desenvolvimento destas dimensões não é ou não pode ser responsabilidade de um ou outro componente curricular, ou seja, as dimensões são elementos transversais no currículo integrado e se concretizam no processo de aprendizagem dos estudantes. A aprendizagem integral aqui defendida é aquela que reconhece o estudante como um ser complexo, que se forma em suas diversas dimensões e que tem um papel ativo, participativo e protagonista na relação com o conhecimento e com o aprender. É uma aprendizagem individual e coletiva, crítica e comprometida, ativa e significativa. Uma aprendizagem que perpassa e transpassa o campo da

experiência. Aprender, para o nosso projeto, é sempre um sair de si, um voltar-se para os diversos sujeitos integrantes do mundo da vida e a partir deles e com eles tecer uma gama infinda de conhecimentos possíveis. Uma educação que se propõe a rever práticas é aquela capaz de reconhecer que a diversidade de tempos e formas da(s) experiência(s) (Projeto Educativo Comum – PEC, n. 41) é condição de possibilidade da constituição do conhecimento e cultura e dos diversos caminhos trilhados rumo à aprendizagem integral que temos – ser situado – e queremos – ser capaz de sonhar com o outro. Ao ler a realidade atual, a partir da cultura e das experiências de aprendizagens das nossas crianças e jovens nos vários ambientes sociais, percebemos que, ao contrário de outras épocas, o conhecimento pode ser acessado e processado de forma rápida e em várias dimensões de tempo e espaço. “Acessar”, “zapear”, “navegar” e “linkar” são algumas expressões que indicam que a relação com as múltiplas possibilidades de conhecer e de aprender incluem a escola como somente um dos espaços de formação. Por outro lado, este é um dos poucos espaços de convivência direta com a diversidade e o confronto de ideias, culturas, crenças e contextos.

É neste sentido que a formação escolar, voltada à aprendizagem integral dos estudantes, reconhece a interdependência de todas as dimensões da realidade e, por isto, o conhecimento dos componentes curriculares (disciplinas) é um saber aberto que constitui pontes entre e com outras áreas do conhecimento científico, ético, afetivo e espiritual. Diante disso, o acompanhamento da aprendizagem coloca os estudantes como sujeitos de todo o processo educativo, daí a importância das aprendizagens cooperativas, problematizadoras, críticas e reflexivas. A relação entre os componentes curriculares apontada acima não é algo comum nos projetos educativos, é necessário um esforço de religação. Por isso, desde o ano de 2013, as discussões e estudos, dentro do processo formativo de professores, focam na nucleação dos componentes curriculares. Os núcleos são conjuntos de componentes que buscaram, neste período, constituir focos convergentes de conteúdos e proximidade de estratégias. A nucleação desafiou ,e desafia, os professores a pensarem e dinamizarem o trato pedagógico para além das fronteiras dos componentes curriculares (disciplinas) com os quais trabalham. Várias estratégias foram organizadas na tentativa de

A interação escola, família e comunidade abre espaços para o fomento do diálogo sobre a participação das famílias no espaço escolar. PEC, n. 99

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( ) o currículo revela-se na realidade do cotidiano da escola, na sala de aula e fora dela, nas relações de poder que se estabelecem entre os diferentes atores, nos valores e no modo como as decisões são tomadas e na maior ou menor coerência que existe entre o que declaramos e o que fazemos. PEC, n. 30

fazer com que os estudantes pudessem ampliar a leitura de mundo, seja ela mais próxima (contexto micro), seja mais ampla (contexto macro). Além do esforço interno de reinvenção da relação ensino-aprendizagem, o PEC, idealizado pela Rede Jesuíta de Educação (RJE), lançado em 2016, traz princípios que inspiram o corpo docente. Nesse sentido, o documento vem corroborando para que todos revejam suas práticas, visando justamente a formação integral dos nossos estudantes um protagonismo mais intenso e significativo, levando-os a participarem e intervirem na sociedade (PEC, n. 25). Resgatando a ideia inicial de que a formação integral é compreendida como um processo contínuo, permanente e participativo, é importante destacar que no âmbito escolar o processo é desafiador, pois uma formação integral se dá por meio de um currículo integrado e integrar um currículo é romper com as fragmentações entre turno e contraturno, pedagógico e admi-

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nistrativo, regular e integral, aulas especiais, atividades extraclasse etc. Além disso, é romper com visões de mundo, de educação, de educador e educando, buscando aproximações que extrapolem os limites entre os componentes curriculares e as ciências, trabalhando com um conhecimento mais significativo e vivo. Como dito anteriormente, aprender, para o nosso projeto, é sempre um sair de si, um voltar-se para os diversos sujeitos integrantes do mundo da vida e a partir deles e com eles, tecer uma gama infinda de conhecimentos possíveis. Formar integralmente é uma proposta necessária no contexto atual, visto que, por meio do conhecimento é que podemos, intencionalmente, refletir sobre as diversas dimensões humanas e formar, conforme o desejo da Companhia de Jesus, um novo homem e uma nova sociedade, mais justa e mais solidária. Convidamos professores de diversas séries do Colégio Medianeira para compartilharem experiências de aprendizagem integral vivenciadas na prática. Leia abaixo os relatos. Luciane Hagemeyer Professora do Clube do Livro e Supervisora do Integral. Formação integral em escola de tempo integral no Medianeira significa que o ser humano não é apenas corpo, ou inteligência, ou vontade, ou um ser que trabalha, ou que domina

a técnica, ou apenas cidadão e elemento da comunidade. Observando-lhe apenas uma face, só é possível oferecer uma educação deformada, incompleta, que desenvolve demasiado aspecto em detrimento de outro. Uma concepção unilateral de ser humano não pode produzir uma formação integral. Neste sentido, as atividades do currículo de uma educação integral em tempo integral objetivam ampliar um repertório ou, em outras palavras, ampliar um conjunto de ferramentas que proporcionem auxiliar os estudantes em seu autoconhecimento, alimentar seu imaginário, atribuir maior compreensão sobre o jogo das relações humanas, sobre os modos de pensar, sobre os valores ideológicos e os padrões de comportamento da sociedade em que vivemos. Neste aflorar do aprendizado aplicado à vida interior e exterior, novas alternativas de execução de determinadas tarefas ou de manuseio de materiais são propostas. Em vista disso, estas atividades e seus entrelaçamentos com os temas curriculares proporcionam


uma vivência interior e a abertura de portas/janelas de oportunidades na vida futura dos estudantes, seja por meio das linguagens corporais e/ou por meio das linguagens artísticas que fazem parte de seu dia a dia. Jessica Perusso Professora Regente – Infantil 5 O trabalho com os campos de experiência na Educação Infantil tem proporcionado aprendizagens significativas entre as crianças e entre as crianças e os professores. A abertura do currículo colocou a criança no centro do processo de aprendizagem. Nesse sentido, algumas práticas vivenciadas na Educação Infantil superaram os assuntos relacionados às questões comportamentais e deram espaço para temas de interesse dos pequenos. Ao iniciar o ano, uma das estratégias utilizadas para sondar o interesse da criançada foi realizar uma assembleia para perguntar o que elas gostariam de aprender. De pronto, elas ficaram um pouco desconfiadas com o questionamento, mas aos poucos foram surgindo amplas temáticas com o foco em assuntos de interesse delas como: animais, criações e o funcionamento das coisas. Percebeu-se que as explorações a diferentes ambientes, objetos e vivências, enriquecem as percepções das crianças, as nossas assembleias e rodas. Os momentos contribuem para a organização, a

escuta, a exposição de suas ideias, o diálogo e a discussão, a troca de informação, a identificação de problemas e apresentação de soluções, a pesquisa, a criticidade e a apresentação das decepções, a coletividade e a segurança ao expor os sentimentos trouxeram para nossas rotinas temas e projetos a serem pesquisados, como: “De onde vem a água? Como a água chega até a torneira?”; “O que os animais comem? Quais animais vivem de noite?”. A partir deste primeiro momento, a pesquisa e as vivências fizeram parte da nossa rotina e a assembleia ou roda se tornou uma constante para expor nossas conquistas e falhas, apresentar a caminhada realizada, fazer planos, sínteses e conversar sobre os assuntos em uma grande troca entre as crianças e a professora. Os projetos pedagógicos são a solução estratégica que encontramos, para trabalhar com os campos de experiência e ao mesmo tempo dar voz às crianças. Um projeto não tem um fim em si mesmo, é um meio significativo dentro do processo de aprendizagem integral, pois tem um caráter inter, pluri e transdisciplinar.

fabetização, pois a leitura e a escrita devem ser desenvolvidas com excelência e competência. Esse processo necessita dialogar com a realidade em que os estudantes estão inseridos, oportunizando que leiam o mundo e situem-se nele com criticidade, respeito, ética e cidadania. Há sempre uma busca das professoras em abrir espaço para o protagonismo das crianças.

Romie Chiarelli Mendes Professora Regente – 2º ano do Ensino Fundamental

Em 2017, algumas crianças relataram à professora a curiosidade de estudar sobre os animais. Elas fizeram um roteiro de estudos para saber sobre o que desejavam estudar. Surgiram milhões de ideias e a professora, como mediadora desse processo, levou os estudantes à reflexão. Professora e crianças são interlocutores na criação dos significados do e entre o que se aprende.

As crianças do 2º ano assumem papéis mais complexos com relação ao processo de al-

Os estudantes fizeram um passeio ao Centro de Educação Ambiental (CEA) e observaram

Nas instituições educativas da Companhia de Jesus, a aprendizagem se dá na perspectiva do desenvolvimento pleno do sujeito. PEC, n. 29

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animais domésticos e selvagens. No trabalho em sala de aula classificaram os animais encontrados, descobrindo quais são as suas necessidades vitais. No roteiro elaborado pelas crianças houve questionamentos: Por que os animais morrem? E por que às vezes eles desaparecem do planeta? Por que eles estão extintos ou ameaçados de extinção? Por que uns têm pêlos e outros não? Qual sua alimentação? Qual seu habitat? Com essa estratégia buscou-se responder aos questionamentos e desenvolver, junto com os estudantes, habilidades como: refletir, criar, imaginar, expandir ideias, valorizando suas experiências de vida, através de atividades nas quais eles sejam participantes ativos na construção do seu processo de aprendizagem. Angélica Laurino Professora de Matemática e Ciências - 4º ano

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Nos últimos anos, temos percebido mudanças significativas e preocupantes na merenda escolar do quarto ano. É crescente o número de crianças trazendo pacotes de salgadinhos industrializados, sucos em caixinha, bolos empacotados e bolachas recheadas. Sabemos que, em nosso estilo de vida contemporâneo, a falta de tempo é uma das maiores angústias. Somos levados a consumir alimentos de produção mais rápida e, consequentemente, não saudáveis, apesar da consciência dos inúmeros problemas que uma alimentação desequilibrada traz para a saúde do corpo, da sociedade e de todo o ambiente. O núcleo de Ciências Naturais e Matemática do quarto ano tematiza a alimentação saudável. Pensando na formação de um cidadão consciente, competente, comprometido e compassivo, nosso trabalho prioriza reflexões sobre a alimentação, consumo, consumismo, custo-benefício, tipos de agricultura (agroflorestal e

convencional) e ainda a relação de dependência entre os seres vivos. A fim de provocar tais reflexões, são utilizadas várias estratégias metodológicas, como, por exemplo: enquetes para conhecer os hábitos alimentares das crianças e familiares, leitura de tabelas e gráficos, análise de rótulos de alguns alimentos ultraprocessados e aula de culinária. Ao longo desse processo, os estudantes aprendem, na prática, as medidas convencionais de capacidade e de massa, desenvolvem também o raciocínio lógico para calcular os custos dos alimentos orgânicos, comparando-os aos industrializados. Isso ajuda as famílias a identificarem opções alimentares que ofereçam melhor custo-benefício. Por meio desse projeto desenvolvido com o quarto ano, percebemos a importância de uma formação integral, significativa e transformadora para toda a comunidade escolar. Solange de Carvalho Professora de Ciências – 7º ano


A consideração da diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem guia os professores na preparação dos planos das aulas e na seleção e organização dos materiais utilizados para propor e avaliar as aprendizagens. PEC, n. 38

Quando o assunto é pesquisa envolvendo animais, falta clareza para o público em geral, incluindo nossos estudantes, sobre como esses experimentos são conduzidos. No sétimo ano, na disciplina de Ciências, essa temática é trabalhada por meio de um debate, que visa elencar todos os aspectos envolvidos na utilização de animais como cobaias. Essa estratégia é muito rica, e no percurso, muitos estudantes, ao aprofundar e entender melhor a temática, acabam mudando o seu posicionamento inicial. As turmas são divididas em dois grupos: a favor ou contra o uso de animais, e recebem vários textos que embasam tanto um quanto outro posicionamento. Os grupos se preparam, fazem sistematizações e em sala debatem sobre o tema. Como mediadora desse processo trago questões problemas, por exemplo, aqueles que são contrários, mas acabam muitas vezes sendo, numa comparação à palavra racista, especistas, ou seja, dependendo da espécie não veem problema, pesquisas com camundongos podem ser feitas, mas com cachorros e outros mamíferos não. Por outro lado, os que são favoráveis, se questionam quando descobrem que muitas pesquisas são realizadas sem nenhum princípio ético, o que traz imenso sofrimento aos animais. Para finalizar, essa estratégia objetiva entender o valor da vida de outros animais, que não o humano, mas também

a dependência que temos dessas pesquisas para descoberta de novos tratamentos e medicamentos. Essa estratégia dialoga com a aprendizagem integral e suas dimensões, pois é uma experiência que pode formar e transformar.

ético e político, fundamentais para uma formação atenta à promoção da justiça social, feita por sujeitos competentes, conscientes e compassivos. Os debates evidenciaram a necessidade de valorização da história

Rodrigo Banhoz Professor de História – 8º ano Embora os americanos vivessem experiências únicas e soluções particulares às vicissitudes de sua história, algumas encontraram solo fértil de Sul a Norte em nosso continente, tais como a escravidão e um dos seus mais persistentes e trágicos efeitos, o racismo. A estratégia inicial foi a de conceituar escravidão colonial, raça e racismo, bem como localizar esses fenômenos temporal e espacialmente a partir do conhecimento prévio e das informações trazidas em livro didático e roteiros, de modo a valorizar habilidades mentais que estimulassem o desenvolvimento cognitivo. O próximo passo foi redimensionar a discussão para o Brasil atual. Pesquisamos notícias que ilustrassem a questão racial contemporânea e que servissem como matéria-prima para um debate entre os estudantes, com a intenção de propiciar um espaço de apreensão da realidade e de tessitura de um posicionamento

afro-brasileira como meio para fortalecer o vínculo identitário desse segmento à nossa sociedade. Para tanto, pesquisamos biografias e imagens desses nossos antepassados, que inspiraram a criação de colagens expostas no colégio, as quais simbolicamente comunicavam não apenas suas contribuições à formação do Brasil, mas o compromisso de nossos estudantes na construção ativa de um mundo mais justo e igualitário.

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Caio de Castro Professor de Língua Portuguesa – 9º ano No contexto marcado pelos avanços tecnológicos, é muito comum associarmos a palavra “inovação” aos aparatos provenientes da tecnologia como máquinas superpotentes, aplicativos de interação, jogos virtuais, entre outros. Contudo, também é verdade que a “inovação” pode acontecer quando, com simples atitudes, rompemos com as expectativas do cotidiano e abrimos as janelas da criatividade e imaginação, invertendo papéis, dando espaço para a ludicidade que as linguagens sonora, visual e corporal podem oferecer. É o que ocorre em algumas aulas de literatura desenvolvidas junto aos estudantes do nono ano, nas aulas de Língua Portuguesa. Duas estratégias que são marcantes estão associadas a momentos em que assumo o papel de ator e transformo a sala de aula num grande palco e, junto com a leitura de um trecho de O Pequeno Príncipe, interajo com as turmas, atualizando o diálogo

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entre a raposa e o principezinho, estabelecendo a comparação entre o “cativar” e o tempo que a literatura demanda para ser cativada. Por meio do teatro, os estudantes têm clareza de que no território literário, a experiência que se estabelece é entre subjetividades que se alternam na construção da interpretação dos textos.

Num mundo onde a velocidade e a instantaneidade são as tônicas de nossas vivências, pequenas experiências vêm se sobrepor aos modos mecânicos sobre os quais nossa subjetividade vem sendo construída, abrindo possibilidades para outros processos de criação, poéticas, percepções e relações. Nas aulas de Arte encontra-

Outra estratégia utilizada é a inserção da música em sala de aula. Isso acontece na finalização da leitura da obra O Homem Feito. Levo o violão para a sala de aula e, por alguns instantes, assumo o papel de intérprete, levando a intertextualidade existente entre a narrativa literário e a música popular brasileira. A simples atuação diferente, ora como ator, ora como cantor, desperta no estudante a curiosidade e a motivação tão caras ao aprendizado significativo. Quando o “professor” se expõe de uma maneira outra, os adolescentes se sentem à vontade para também se deixarem conhecer a partir de diferentes dimensões. E isso é encantador!

mos essas poéticas de construção

Regina Lecheta Professora de Arte – 9° ano

falam sobre o assunto. A partir

que tratam de nossas subjetividades em diálogo com a aprendizagem. Em uma dessas estratégias, quando tratávamos sobre a “Rua como um Livro Aberto”, olhando mais atentamente para o grafite, os estudantes recriam painéis a partir de fragmentos encontrados nas ruas. Cada um com seus “pedaços”, eles partem para recriar poéticas coletivas, utilizando para isso os retalhos de sua percepção que são fotografados e religados a outros fragmentos tornando-se uma nova poética. Em outro momento, tratando da Estética Barroca Brasileira, as turmas recebem palavras que nos da palavra se busca no cotidiano


A proposta pedagógica dos colégios jesuítas está centrada na formação da pessoa toda e para toda a vida; trabalhamos para realizar uma aprendizagem integral que leve o aluno a participar e intervir autonomamente na sociedade: uma educação capaz de formar homens e mulheres conscientes, competentes, compassivos e comprometidos. PEC, n. 25 situações que possam ilustrá-la. Fotografa-se a palavra que se faz presente ao redor. Uma estudante percebe a palavra-conflito, em seu café da manhã, quando o bule se interpõe entre a xícara e a luz da lâmpada de sua sala, tornando a xícara menos visível. Ela então fotografa a cena, apresenta-a e discorre sobre o assunto: o bule impedia que a xícara recebesse luz! Os conceitos são vivenciados poeticamente para depois se abrirem a outros contextos e relações. Pâmela Alves Campos Professora de Química – 1ª e 2ª séries do Ensino Médio Ao refletirmos sobre a aprendizagem como possibilidade de intervenção no pensar, no ser e no agir, devemos reconhecer que a práxis educativa pode interferir de forma intencional nos caminhos, nas formas e nas estruturas do pensar. Considerando a importância do papel do professor, como aquele que pode propor novos caminhos (PEC, n.23), os estudantes da 2ª série realizaram,

em duplas, a produção de um texto dissertativo a respeito do problema: Barragens de rejeitos, existem possibilidades para a diminuição dos riscos ambientais? Dentre as inúmeras estratégias que podem suscitar e promover a construção de um ensino de Química mais contextualizado, interdisciplinar e voltado para a integração da abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), o exercício da explicitação por meio da argumentação tem ganhado espaço como alternativa para a construção de significados pela interação estabelecida no momento da escrita. Inicialmente foi proposto aos estudantes uma discussão fundamentada na prática da Mineração, com a apresentação de uma reportagem em vídeo que revelava o desastre ambiental ocorrido na cidade de Mariana no ano de 2015. Os conceitos químicos a respeito das etapas envolvidas na mineração foram trabalhados a fim de que os grupos conhecessem: como ocorre a extração do minério, as principais etapas do processo da ustulação da pirita e de que forma os produtos tóxicos são dispostos como rejeitos nas barragens.

Além disso, alguns questionamentos provocativos partiram do artigo O que não se aprendeu com a tragédia do Rio Doce, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, em março de 2017. Ao fim da discussão, os estudantes foram estimulados a refletir sobre as consequências do escoamento dos rejeitos para o oceano e toda a perda da biodiversidade local, assim como, a adaptação das espécies marinhas da região, dialogando com alguns conceitos da Geografia, História e Biologia. Nesse sentido, a intencionalidade proposta de um ensino problematizador, que visasse à inquietação e a sensibilização dos educandos para questões socioambientais atuais aproximou-se de forma geral um pouco mais da dimensão cognitiva. Entretanto, não se esgotam as possibilidades de se internalizar as questões abordadas nas demais dimensões (socioemocional e espiritual-religiosa) por intermédio de novas estratégias que possibilitem a ampliação e a inserção de temas que incluam em seu escopo as características da educação da Companhia de Jesus. À guisa de conclusão Os relatos dos professores são uma importante amostra daquilo que é vivenciado pelos estudantes do Medianeira durante as atividades propostas dentro e fora da sala de aula. Esses são estímulos para que os jovens e as crianças possam, por meio do pensamento crítico e também da fé e da justiça, participarem da

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construção de um mundo mais fraterno e consciente. O conhecimento, como argumentaria o filósofo Michel Foucault, é o resultado do choque de ideias e da interação entre diferentes sujeitos. Nesse sentido, as estratégias desenvolvidas nas diversas séries colocam o estudante em contato com novos pontos de vistas e percepções, contribuindo para uma leitura de mundo mais ampla e plural. Os depoimentos testemunham os tempos e espaços de aprendizagem que compõem o cotidiano do Colégio e que, não por acaso, estabelecem um importante diálogo entre as variadas discipli-

espinha dorsal de um saber ativo e em perpétua construção, haja vista que o conhecimento jamais pode ser entendido pronto e finalizado. Em um ângulo mais detalhado, o que cada professor comenta tem também a característica de funcionar como uma percepção pessoal e íntima das de suas vivências com cada estudantes, em um sentido muito próprio de celebração. Ao mesmo tempo, as atividades são frutos de práticas revistas e ressignificadas, desta vez à luz do PEC que, como documento norteador, indica os caminhos a serem seguidos, caminhos estes que têm como objetivo a formação integral dos estudantes.

nas que integram o currículo das turmas. Sob um olhar macro, as inter-relações – também entre os estudantes e educadores – são a

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Claudia Furtado de Miranda, Danielle Stapassoli, Ivana Suski Vicentin, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy, são responsáveis pelo Serviço de Orientação Pedagógica (SOP) da Educação Infantil, Ensino Fundamente I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio, respectivamente. Danielle Stapassoli foi responsável até 2017 pelo SOP dos 3º e 4º anos e, atualmente, é professora do 5º ano.

Recomendações Aprendizagem Visível Para Professores - Como Maximizar o Impacto da Aprendizagem John Hattie | Pensa Por meio da pergunta “como maximizar a aprendizagem na escola” o autor demonstra como aumentar o impacto da relação ensino-aprendizagem na sala de aula. As conclusões são tomadas a partir da vasta experiência e das pesquisas realizadas por John Hattie e que envolveram milhões de estudantes ao redor do mundo.

Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania (2005) Adela Cortina | Loyola Na obra, a professora e pesquisadora aborda o papel da escola na formação de sujeitos para serem cidadãos globais, capazes de olhar de maneira ampla, buscando soluções coletivas e justas. Cortina apresenta um amálgama possível entre “a razão senciente individual e os valores e normas que consideramos humanizadores” para, desta maneira, criar um mundo mais empenhado no bem comum.

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Miguel Arroyo:

a educação como resgate e ressignificação

Por meio de processos metodológicos mais humanizados, o educador conseguiu colocar em prática a aprendizagem integral e uma pedagogia voltada às questões sociais, combatendo a exclusão e a educação pragmática. Por Alexandre Martins

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escola consegue tratar da pluralidade de projetos, anseios, inquietações, curiosidades e sonhos de cada estudante que a frequenta? Se a resposta a esta questão parece utópica, o sociólogo e educador Miguel Arroyo abraçou essa utopia e fez dela seu projeto de educação que visa a aprendizagem e a formação integral do estudante.

A

Arroyo é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduou-se em ciências sociais na UFMG, mesma instituição em que cursou o mestrado em Ciência Política, doutorou-se em Educação pela Stanford University (SU) e pós-doutorou-se na Universidad Complutense de Madrid (UCM). Além disso, escreveu várias obras de indiscutível relevância acadêmica, como Por uma educação do campo (Petrópolis: Vozes, 2004) e Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres (Petrópolis: Vozes, 2002), além de ser o autor do Projeto Escola de Ciclos, aplicado à Secretaria da Educação de Belo Horizonte. Arroyo, em meio aos seus vários estudos, refere-se à escola como uma instituição que precisa de uma reforma profunda e significativa. “A escola tem que garantir o direito à humanidade desses alunos” e, assim, questionar sua prática e a forma como ela se concebe atualmente, relacionando a isso o fato de que muito de seu método e de suas metodologias estão obsoletas e são repetidas à exaustão. Para ele, a escola tem como objetivo garantir não só a transmis-

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são de conteúdos e informações, mas o direito à humanidade, por isso, antes de aprender e saber, o mais importante é “aprender-se” e “saber-se”. Nesta dinâmica de autoconhecimento, Arroyo afirma que a educação integral não tem relação somente com o que se aprende, mas com quem aprende, isto é, conosco mesmos.

quando recorremos à bibliografia dos principais centros acadêmicos, que fundamenta a discussão sobre quem é a criança, o adolescente, o que é melhor aprender e como isto aconteceria. Já a criança real, que além de não se esgotar nesses estudos de outras épocas, muda radicalmente em relação ao meio social que se relaciona.

Assim, pessoas conscientes de si mesmas seriam mais íntegras e estariam mais aptas a viver em sociedade, bem como aprenderiam melhor as coisas sobre o mundo, por perceberem que não estão tratando de conteúdos teóricos e abstratos, mas da realidade do contexto que fazem parte de modo individual e coletivo. Os avanços na educação estão, por isso, intimamente ligados ao avanço da própria cidadania.

A escola, que lida com crianças e adolescentes de diferentes realidades, precisa se preocupar com a formação plena, de sujeitos plenos, únicos e pertencentes a contextos sociais e econômicos igualmente diferenciados. Logo, pensar a educação para uma criança de classe média, por exemplo, é muito diferente do que pensar a educação de crianças pobres e excluídas da sociedade. Estas crianças e adolescentes excluídos, não o são apenas socialmente, uma vez que também estão fora de qualquer possibilidade de serem crianças e adolescentes.

No entanto, na prática, como uma escola pode favorecer o autoconhecimento, sem perder a qualidade daquilo que ela se propõe a ensinar? A resposta de Arroyo está na reformulação da pedagogia e da forma como a escola entende a criança e o adolescente, bem como seu papel social e sua forma de interação com o mundo que está à sua volta. Para Arroyo, os pedagogos e profissionais da educação precisam entender, primeiramente, quem é esta criança ou adolescente com quem eles trabalham. Isto porque, nas formações acadêmicas, ainda se discutem teorias eurocêntricas que tratam de uma criança e de um adolescente idealizados e pertencentes a uma burguesia comum ao início da modernidade. Isto fica evidente

Um fato decisivo na vida de Arroyo, para repensar a questão da educação, aproximando-a da realidade, foi ele ter presenciado a expulsão de 20 estudantes da escola em que trabalhava. Assim que foi procurado pelas mães dos estudantes, que intercederam para o retorno de seus filhos à escola, ele perguntou o porquê dessas crianças estarem na escola, já que lhes era recorrente problemas como indisciplina e baixa aprendizagem. Uma das mães lhe respondeu que esta era “a única garantia de que o terei vivo e que ele terá um futuro”. Essa resposta soou profundamente e alargou a forma como ele entendia a educação como um


todo, afinal, essa deveria ser, de fato, a função da escola: garantirlhes a vida, garantir o resgate da humanidade que foi roubada dessas pessoas. Embora

este

compromisso

deva constituir a identidade de todo processo formativo escolar, merecem uma atenção especial as áreas de maior vulnerabilidade econômica, isto é, os mais pobres, para salvaguardá-los e protegê-los de uma nova espécie de segregação, não somente racial, mas social, que criminaliza e exclui cada vez mais os empobrecidos. Mesmo os discursos sobre a erradicação do analfabetismo, comuns quando nos referimos a estratégias educativas voltadas aos mais pobres, parecem ser ligados à extinção de uma espécie de erva daninha, enquanto deveria ser vista como um problema socialmente produzido.

Se os desafios são muitos, Arroyo entende que os discursos sobre a crise na educação, sobretudo pública, ao relacioná-la à falta de qualidade, à improdutividade, a gastos inúteis, tem como possível intenção desmerecer tudo o que é público, enfraquecendo, de princípio, a educação popular, da mesma forma que deixa de reconhecer o esforço daqueles que enfrentam no dia a dia os desafios de ensinar. A isso ele relaciona alguns motivos: o primeiro deles, é que os problemas da escola, que são evidentes, não podem ser compreendidos como causa, mas como efeito de um país que nunca deu atenção necessária à educação. Junto a isso, somam-se críticas, cada vez mais comuns, aos educadores, dando a impressão de que não temos uma escola de qualidade, porque não temos profissionais de qualidade, o que na verdade é justamente o contrário, afinal, nunca tivemos profissionais mais qualificados do que temos agora.

A resposta à provocação inicial, sobre como a escola pode tratar da integralidade formativa do educando, retoma o próprio conceito de integrar, já que só é possível pensar na formação integral, quando se integram forças, aliando a escola, a família, com tudo que há de mais positivo numa favela, num conglomerado, na sociedade. Contudo, se a palavra-chave é a integração, a escola precisa estar aberta, dialogar com a família, com a polícia, com os clubes, com centros culturais etc., da mesma forma que precisa ouvir seus estudantes, entendendo que eles têm uma voz que em momento algum deve se calar. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Alexandre Martins é graduado, especialista, mestre e doutorando em Filosofia, além da formação em História. No Colégio Medianeira é professor desde 2011.

Recomendações Passageiros da Noite: do trabalho para a EJA (2017) Miguel Arroyo | Editora Vozes O autor faz uma análise sobre os itinerários – geográficos e simbólicos – percorridos por jovens e adultos em busca de formação. Nos textos, Arroyo esmiúça as questões sociais, econômicas e políticas que envolvem as vivências experienciadas por professores que dedicam à alfabetização de quem precisa trabalhar durante todo o dia antes de sentar no banco de uma escola.

Currículo, território em disputa (2011) Miguel Arroyo | Editora Vozes Arroyo aborda o currículo como território-fronteira de trabalho na formação de sujeitos autônomos e capazes de possuir uma identidade própria como profissional e, acima de tudo, como seres humanos pensantes e protagonistas. A obra quebra algumas certezas e lugares comuns da relação ensinar-aprender.

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Eu leio, minha mãe Por Rogério Pereira

Dono de uma grande capacidade intelectual, Darcy Ribeiro pensou o Brasil, e também seu povo, em diversas áreas do conhecimento, como a literatura, a educação e a política.

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s mãos suarentas, pequenas e desajeitadas, evitavam os dedos do menino de cabelo sebento, meio revolto, a escorrer pela testa obtusa. O sol se infiltrava por entre as palmeiras que ocultavam encontros sexuais nas madrugadas. A sombra minguada de dois tristes cavaleiros vagava pela praça de calçamento irregular. Algo estava fora do lugar, deslocado naquela cidade a ser descoberta no início dos anos 1980. Crianças em fila com os olhos atentos aos supostos mistérios escondidos entre milhares de páginas.

A

C. era somente uma pálida aquarela, em tons cinza, para os olhos de um menino daltônico. A mãe, de dedos nodosos e estropiados pelo trabalho na terra, me estendera uma nota de dinheiro. Atendia feito um animal obediente e indefeso à exigência da professora: “Na próxima semana, vamos a uma feira de livros. Tragam dinheiro para comprar um livro”. O pavor se infiltrou por todos os lados. Aquela mulher amorosa — minha professora — desferira um pedido repleto de mistério, revestido nas palavras dinheiro e livro. Objetos estranhos num mundo em construção, após a chegada da família de retirantes à cidade grande. Conhecíamos bois, enxadas, machados, porcos a chafurdar no decrépito chiqueiro, plantações ralas de milho. Agora, livros. Em casa, apenas um solitário exemplar tentava nos salvar do inferno: a Bíblia, no improvisado pedestal doméstico, era lida com a pontas dos dedos pela mãe. Catava letras com a mesma devo-

ção com que caçava piolhos na cabeça dos filhos. Tentava uma leve carícia na face de Deus. É possível alcançar a salvação com a ponta dos dedos?

ferrenha e inabalável crença da mãe. Já nascemos extraviados. Acreditávamos mais na sorte. A curta frase (“Então, leia, meu filho.”) saíra da boca já em ruína. Aos poucos, a boca da mãe começou a murchar, a perder o viço. A queda de um dente após o outro transformou a gengiva em terra devastada, improdutiva.

Era uma estranha missão: comprar um livro. Chegamos cedo à praça de chafariz imundo, no centro de C., onde crianças chapinhavam o corpo magrelo. Descemos do ônibus em alvoroço. Logo, contidos pelo rigor professoral. Imagine o desespero de se perder alguma daquelas crianças? Em fila — formigas curiosas em direção ao abismo —, iniciamos nossa odisseia sem ao menos desconfiar de que Homero jamais velaria nosso sono, amparados pela professora que tentava, literalmente, nos colocar na linha. Um a um, fomos forçados a agarrar a mão de um colega. Na insônia infantil, eu sonhava com a delicadeza da pele de M. — a loirinha que insistia em cavoucar o nariz e levar o dedo à boca com um charme aterrador. Restou-me, no entanto, o menino magro de andar torto, que invariavelmente dormitava em sala de aula e nunca aprendeu a ler frases inteiras.

A desilusão vem abraçada ao vazio. Diante das barracas — improvisadas e míseras livrarias — a nota de dinheiro espremida entre os dedos não conseguia comprar nenhum livro. Estava em território desconhecido — um soldado ao relento a aguardar o resgate. Nenhum livro. Nenhum livro. Duas palavras se repetiam na vergonha infantil. Meus amigos sorriam felizes com histórias que carregavam nas mãos. A pergunta (teria ironia nos lábios?) de M. — aquela que sacolejava o sangue no meu corpo no impulso das grandes paixões infantis — me sufocava: “Não vai comprar nenhum livro?”. A resposta era apenas um grunhido, um pássaro atingido em pleno voo à espera do seu algoz: “Não gostei de nenhum.”

“Então, leia, meu filho.” A mãe não sabia colocar vírgulas. Eu as coloco agora na ilusão de pagar uma dívida ancestral. Mas vírgulas não nos salvam de nada. Ela, a mãe, me esperava na porta de casa. Passava do meio-dia. O sol bem no centro do mundo. Por acaso, estava ali. A cena da mãe esperando o filho diante de casa não pertencia àquele roteiro. Não tínhamos roteiro. Éramos guiados pela sorte. Temo que a mão de Deus não nos dirigia, apesar da

A mãe me estendeu o dinheiro. Uma nota meio esverdeada, se minha daltônica memória não me trapaceia mais uma vez. Uma mísera nota. “Compre um livro.” A ordem — sempre em frases curtas — tinha de ser obedecida. Mas por que comprar um livro se eles nunca habitaram nossa casa? A mãe fora a escola durante pouco mais de um ano. Sabia quase nada da palavra escrita. O pai também carregava um boletim escolar com nenhum dez. Duas

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pessoas marcadas pela distância absurda da escola nos grotões do interior de Santa Catarina. Dali, nos arrancaram em direção a C., em cujo asfalto era impossível cravar a enxada. Na escola pública, os filhos tentávamos quebrar a dinastia familiar da ignorância. Voltei para casa com um insignificante livro de poucas páginas, pequeno, desgastado nas bordas. O único possível encontrado no cesto no final da feira. Quase sem querer, deparei-me com a obscena placa “tantos livros por tão pouco”. Mergulhei feito um desesperado em busca de salvação. Enfiei todas as unhas disponíveis por entre aqueles seres estranhos. Voltei à tona com o livro. Um capitão Ahab agarrado a uma esquálida Moby Dick. O livro que me acompanha desde sempre, apesar de ter se perdido entre uma mudança e outra.

“Então, leia, meu filho.” A longínqua frase da mãe salta o tempo todo das estantes da minha biblioteca doméstica, composta por milhares de livros. Feito o grito de um fantasma, segue-me pelas ruas em direção à Biblioteca Pública do Paraná, meu local de trabalho, a poucas quadras da praça naquele passeio que teima em nunca terminar. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Rogério Pereira é jornalista e escritor. Nasceu em Galvão (SC), em 1973. Autor do romance Na escuridão, amanhã (Cosac Naify, 2013), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, menção honrosa no Prêmio Casa de Las Américas (Cuba) e traduzido na Colômbia (Babel Libros). Tem contos publicados na Alemanha, França e Finlândia. Desde 2011 é diretor da Biblioteca Pública do Paraná.

Recomendações Na Escuridão, amanhã (2013) Rogério Pereira | Cosac Naify Misturando experiências pessoais e ficcionais, Pereira cria uma narrativa anti-idílica de uma cidade do interior. Na história, os personagens são sufocados pela apatia e pela falta de perspectiva, que os leva para a cidade grande. Ainda que carregue o tom memorialista, Na Escuridão, amanhã é o retrato comovente de gente comum e que podemos encontrar pelas ruas.

O Anjo rouco (2010) Paulo Venturelli | Editora Positivo Com muita sensibilidade e mistério, Paulo Venturelli narra a história de um garoto que tenta descobrir a origem de um estranho ruído que passa assustar os moradores de um beco em uma cidade do interior. Para descobrir a resposta sobre os sons que assolam a vizinhança, o protagonista precisa, antes de tudo, vencer seus próprios medos. O Anjo rouco é uma história sobre superação e coragem.

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Matemática:

consciência e crítica

Há quase 30 anos no Medianeira, Valdemiro Ruppenthal é um exemplo de excelência humana e acadêmica. Comprometido com o ensino da matemática, o professor consegue desfazer a imagem negativa que os estudantes muitas vezes têm da disciplina. Por Jonatan Silva mediação

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om 30 anos de Medianeira, o professor Valdemiro Ruppenthal acredita na aplicabilidade da matemática para a formação de sujeitos éticos e preocupados com o bem comum. Entusiasta da Etnomatemática e com um espírito acolhedor, o professor acredita que a disciplina pode ser uma importante ferramenta na construção de um mundo mais justo, fraterno e sustentável. E, para o educador, isso acontece somente por meio da contextualização da disciplina com o cotidiano do estudante.

C

Valdemiro enxerga a matemática como uma linguagem e uma expressão capaz de fazer a diferença em nossa sociedade. E cabe ao professor a tarefa de transformar o conteúdo em algo atrativo em sala de aula. Leia abaixo a entrevista com Valdemiro Ruppenthal.

Como foi sua chegada ao Colégio Medianeira? Isso é algo bastante interessante. O Medianeira é uma escola católica e eu sou luterano. Eu fui formado no Centro de Formação Luterana, porém, fiz meu curso de Matemática na Unisinos, que é bem conhecida. Eu comecei a trabalhar em escolas luteranas e estava no Martinus, aqui em Curitiba, fazia parte da comunidade luterana. Nós tínhamos um grupo chamado Repartir Juntos – um grupo de jovens das várias

Onde eu nasci, em Ibirubá, no interior do Rio Grande do Sul, não havia escola para você continuar os seus estudos. Saí de lá e fui para um município chamado Ivoti, onde havia uma escola luterana que preparava as pessoas para atuarem na igreja. Lá eu fiz Escola Normal Catequética, isso queria dizer que eu podia sair e trabalhar até a 4ª série (hoje, 5º ano). Na minha igreja havia a possibilidade de você continuar os estudos. Eu tive um professor de matemática muito bom no Centro de Formação e isso me cativava.

e fazíamos um encontro anual desse pessoal e era sempre na Sede do Professor e chamamos uma pessoa para dar uma palestra. E aí, foi o Beto (Adalberto Fávero, ex-coordenador do Ensino Médio). Nessa conversa, ele comentou que estava precisando de um professor de Matemática no 1º ano (atual 1ª série do Ensino Médio). Ele disse: “vai lá amanhã cedo e conversa com o professor Lorenzato”, na época, coordenador do Ensino Médio. Ele gostou muito de mim e disse: “amanhã você pode começar a trabalhar aqui”. Em março de 1986 eu fui contratado.

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Como nasceu seu interesse pela Matemática?

igrejas que existiam na região –

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Eu tinha tudo para ter uma trajetória dentro das escolas luteranas. Esses mais de 30 anos foram ininterruptos. Eu trabalhei nos colégios do Estado. Já no primeiro ano eu conheci o Lopes, inspetor de alunos, já falecido e ele comentou que tinham umas aulas no Estado. Era em Pinhais. Conversei com o pessoal aqui, me envolvi e assumi muitas coisas, quase uma dedicação exclusiva.

Quando eu resolvi continuar os meus estudos fiz Catequese Avança, em nível superior, mas paralelamente no curso você tinha

que escolher alguma coisa relacionada com escolas e eu optei por Matemática. Pela manhã eu fazia ensino superior em Catequese, à tarde e à noite eu estudava Matemática na Unisinos. Esse professor foi fundamental para mim quando eu estava lá em Ivoti e escolhi Matemática. Os profissionais eram formados para trabalhar dentro da igreja luterana, na parte das igrejas e, ao mesmo tempo, se inseriam na escola. De pronto você já percebeu também que gostaria de ser professor? No Centro de Formação você tem que optar em ser pastor ou educador. Eu percebia que ser pastor não era uma coisa do meu feitio, então, achei que deveria ir para a educação. Comecei trabalhando no Rio Grande do Sul e dava aulas de Matemática, Física, pois faltava muito professor. Tenho saudade daquele tempo. Eu me lembro que dava aulas no Terceirão, todo mundo ajudou, conseguimos juntar um dinheiro e fizemos uma viagem para as praias de Santa Catarina. Na década de 1960, um grupo de escritores formou o Oulipo, movimento literário que tinha como


uma de suas forças-motrizes a

que é a disciplina aplicada aos

estudante consegue realizar coi-

matemática, o que prova que ela

aspectos culturais. D’Ambrósio

sas diferentes e, eu confesso, aqui

não é uma disciplina isolada das

é uma pessoa fantástica, que

Ciências Humanas.

abre as perspectivas e as visões

nessa escola eu me realizei. Fiz muitas coisas que não são apenas matemática.

Que outras ligações e relações são possíveis entre as Exatas e as Humanas? Bem, essa é uma questão muito interessante e tem vários aspectos que devem ser abordados. A primeira é assim: no Brasil, movimentos como o da TV Cultura, por exemplo, que tinha um programa chamado Arte e Matemática, são salutares. É um pouco essa tendência de tentar ver que a

dos outros. Pela minha própria formação, e por não ter sido só um matemático, consigo fazer uma ponte para esse tipo de abordagem, que é o que tentei sempre praticar aqui no Medianeira. A maioria dos matemáticos, efetivamente, tem dificuldade em fazer isso justamente porque apenas estudam e trabalham com a matemática pura.

matemática não é só a matemáti-

Como é possível perceber

ca pura, mas que ela também tem

a Etnomatemática aplicada no

conexão com outras linguagens.

nosso cotidiano?

Na verdade, na matemática

Nesse caso, entramos na mi-

você vai para a matemática pura

nha concepção e no que vou

– que muitos estudantes têm difi-

propor agora para os estudantes

culdade – ou, por outro lado, têm

como tema de trabalho. São pou-

várias pessoas como o Ubiratan

cas as escolas que têm uma pers-

D’Ambrósio, que é um matemá-

pectiva com esse enfoque. Para

tico muito importante que traz

a maioria, é aquela matemática

toda uma vertente diferente que

padrão. Pela visão de educação

é a chamada Etnomatemática –

que é semeada no Medianeira, o

Eu fazia, com as turmas, vídeos em fitas VHS relacionados à campanha do Betinho1 , instrumentalizando a matemática. Na época, esses vídeos foram usados em todas as salas para estimular e envolver. Acho que a questão é: como se faz isso? Muitos [professores] têm enorme dificuldade em fazer isso. Eu penso que a matemática é uma ciência na qual é preciso ler a realidade, fazer entendê-la, compreendê-la e depois, acima de tudo, tem que despertar consciência e crítica. É nessa perspectiva que tenho atuado. Recentemente, um grupo de estudantes me entregou o trabalho: A Aplicação Sustentável na Analítica. Então, o que é esse título? A Analítica é a matemática pura, porém, se eu falar em sustentabilidade eu trago para a Etnomatemática – que vai acon-

Herbet de Souza (1935 – 1997), sociólogo e ativista dos direitos humanos, foi o fundador da organização não-governamental Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, responsável por buscar soluções no combate à fome e à miséria. Para sensibilizar a população, Betinho costumava dizer “Quem tem fome tem pressa”.

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tecer por meio da realidade, que

Ainda nesse sentido, como

A gente fala muito em edu-

é o mundo cultural, que muitas

a Matemática pode ser um ins-

cação cooperada. O importan-

vezes parece relacionado somente

trumento para fazer do estu-

te é isso: o trabalho em grupo.

às disciplinas de humanas, onde a

dante um cidadão do mundo?

Com quatro estudantes tem

matemática vai dar uma resposta. Eu sempre falo para os estu-

mática pela matemática o es-

dantes que nós precisamos co-

tudante não vai sair do colégio

laborar para construir um mun-

fazendo a diferença. Se ninguém

do melhor. Eu nunca determino

ajudá-lo, colaborar ou criar for-

que eles têm de fazer um tra-

mas, dificilmente algo diferente

balho único. Todo mundo vai

vai acontecer.

usar a sua imaginação e criatividade, pegar algum contexto e tentar, a partir do conteúdo

so pensar que tudo seja apenas

mas tem aquele que é um artista. Quando essas duas pessoas trocam ideias saem coisas geniais. E por quê? Porque o artista vai dar a ideia e o matemático vai fazer os cálculos. Você precisa trabalhar de forma cooperada. Vivemos um momento no qual

Eu preciso formar engenheiros,

o clássico “arme e efetue” já não

economistas. Eu preciso formar

faz mais sentido e é preciso que

Podemos dizer então que

bons profissionais. Naturalmen-

as questões da matemática sejam

a Matemática é também uma

te, em sala de aula, eu trabalho

linguagem?

uma matemática pura, pesada,

problematizadas em situações co-

duzir com a matemática.

Sim, ela é uma linguagem. A matemática é uma leitura do mundo e que tem um arsenal de interpretações que ela pode contribuir. É isso que eu tento fazer que o estudante analise. Sustentabilidade é o tema definido no Ensino Médio que deve ser trabalhado em todas as séries. Alguns estudantes

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Evidentemente, eu não pos-

aquele que adora matemática,

a aplicação na Etnomatemática.

que ele viu em sala de aula, tra-

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Se você só ensinar a mate-

mas com os estudantes que não têm afinidade é um sofrimento. Como eu tenho essa formação mais humana, eu procuro conversar, tentar entender, e acho importante que os estudantes consigam dar uma certa caminhada e que levem alguma coisa legal do que tentei passar para eles.

tidianas. Como essa prática tem mudado ou revolucionou a relação entre professor e estudante? Na verdade, isso tem a ver com a maneira como o mundo caminha e tem um viés histórico, social, sociológico. Quando eu comecei a dar aulas, em 1981, nós vivíamos ainda na ditadura. E como era a relação? O professor

abordaram temas como hortas

Eu sou casado com uma artis-

orgânicas no centro de Curitiba

ta. Ela também fez o Centro de

e têm todo um trabalho por trás.

Formação [Luterana], mas na área

No final, eles propõem alternati-

da pedagogia. E eu sempre falo:

A relação muda conforme o

vas. Eu trabalho com as turmas do

falta ciência para você (risos). E o

tempo e a história. Hoje o pro-

Terceirão que vão ter que chegar

que é um artista? O artista tem

fessor tem que ser muito mais

no fim do processo, sair do Me-

muita imaginação, muita criativi-

sensível, maleável, tem que sa-

dianeira e chegar na sociedade.

dade. Para eles não é importante

ber dialogar. E eu acho que essa

O estudante tem que atuar como

observar o triângulo, mas ele vai

relação facilita, contribui para a

um ser cidadão, responsável em

fazer uma arte com esse triângu-

aprendizagem. Quando você tem

construir um mundo melhor para

lo. É uma maneira diferente de

mais simpatia e empatia a coisa

todos. Ele tem um instrumento

lidar com o mundo. É como os es-

deslancha melhor. Com certeza

capaz de fazer e eu acredito nisso.

tudantes em sala de aula.

muita gente gosta de matemá-

era a autoridade e o estudante era submisso.


tica porque gosta do professor. Será uma pena a democracia se perder no país, porque essa relação vai mudar.

eu dou muitos exemplos –, os estudantes ficam muito animados. Eles vêm e conversam, criam uma outra relação.

Eu acho que não é a matemática que vai provocar isso [a mudança positiva nas relações entre professor e estudante]. É a forma como a sociedade está caminhando. Claro, na bagunça nada se constrói.

A Matemática é sempre uma das disciplinas que mais amedrontam os estudantes. Como despertar o interesse das turmas em uma época na qual o professor precisa “concorrer” com smartphones, tablets e outros dispositivos eletrônicos?

É importante que o estudante não seja um sujeito passivo? Os jovens precisam participar mesmo. Se você é um professor da matemática pura, você só consegue dar respostas da matemática pura. E o que é que os estudantes sempre perguntam? “Professor, onde que eu uso isso? Para que é que serve?”. Quando você consegue dar exemplos – e

A tecnologia é muito interessante. Eu, em sala de aula, uso o GeoGebra1. Os estudantes têm o aplicativo no celular e estão vibrando juntos. Ao invés de fazer cem exercícios no livro, à mão, o estudante vai no aplicativo, modifica um parâmetro e vê um novo gráfico. E aí, tem que fazer a seguinte pergunta: se esse gráfico

for uma determinada realidade – vamos imaginar que seja um rio, uma estrada – como isso vai interferir agora? O que eu posso fazer para melhorar essa vida que está aqui? Eu vou dar um exemplo. Foi decretada que uma área poderá ser explorada. Vamos imaginar: tem população indígena e ribeirinha, tem rio e minério. Você começa a problematizar por meio da matemática e a fazer cálculos. É assim que eu trabalho: um fato significativo do momento será estudado na aula. E tudo isso cai no vestibular e no ENEM. O importante é isso, fomentar consciência e crítica. Se tudo o que você faz não leva à transformação, não faça. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Recomendações A Teia da vida (1997) Fritjof Capra | Cultrix A obra é focada em descobertas científicas recentes como a teoria da complexidade, a teoria Gaia, a teoria do caos e outras explicações das propriedades de organismos, sistemas sociais e ecossistemas. Essas descobertas são o oposto da lógica mecanicista e pragmática, proporcionando uma base de argumentos que possibilita uma existência menos danosa.

O Anjos bons da nossa natureza (2013) Steven Pinker | Companhia das Letras O livro analisa a redução na taxa de violência do século XX em comparação com os séculos anteriores. O autor faz um resgate histórico que, combinado à matemática, permite ao leitor fazer um contraste entre o senso comum e os dados. Como exemplo, Pinker usa a queda de 90% a 98% na taxa de homicídios em países europeus.

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GeoGebra é um software livre que combina noções de geometria e álgebra em uma mesma interface gráfica. mediação

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O apostolado

intelectual

como característica da missão da Companhia de Jesus Durante fala realizada em março de 2017 na cidade de Lima, no Peru, o Superior Geral da Companhia de Jesus destaca a importância do trabalho em rede para que um outro mundo seja possível. Por Padre Arturo Sosa | Tradução por Jonatan Silva

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o final de 1994 vim pela primeira vez a Lima para participar da reunião preparatória à 34ª Congregação Geral. P. Ernesto Cavassa era meu guia pelos caminhos estreitos de Lima e me acompanhou ao encontro com o P. Vicente Santuc, a quem não podia deixar de ver. Eu o havia conhecido alguns anos antes em Santiago, no Chile, em uma reunião do Apostolado Social Latino-americano. Fazia então meu magistério – etapa de formação dos jesuítas antes dos estudos de Teologia – no Centro Guimilla de Barquisimento, na Venezuela. Apesar da diferença de idade e de maturidade espiritual e intelectual, travamos juntos desde então uma bela amizade. A oportunidade de encontrar o amigo, profundo intelectual, jesuíta comprometido com a missão a serviço da fé e da promoção da justiça, foi também a ocasião de conhecer a semente da Universidade Antonio Ruiz de Montoya, então Escola de Pedagogia, Filosofia e Artes.

A

Vicente Santuc e Antonio Ruiz de Montoya são dois jesuítas que encarnam o que, em tempos mais recentes, temos chamado de apostolado intelectual como uma característica própria do modo de proceder da Companhia de Jesus. Antonio Ruiz de Montoya desenvolveu em sua vida essas duas dimensões de uma maneira assombrosa: missionário incansável no meio dos povos indígenas com quem fundou 13 reduções, promovendo a sua qualidade de vida e defendendo essas vidas das ameaças constantes dos bandeirantes portugueses e dos ávidos comerciantes

espanhóis ou criollos em busca de escravos e riquezas materiais. Um apóstolo movido por uma insaciável curiosidade intelectual que o movia a ir além das aparências, compreender a fundo o território em que se movia, sua flora e sua fauna, reconhecendo a sua diversidade cultural e estabelecendo laços interculturais. Ruiz de Montoya se mudou para a casa do outro sentindo-se irmão, por isso aprendeu o idioma e se inseriu na cultural guarani. Teve uma curiosidade intelectual que o levou a aprofundar no conhecimento da natureza, da cultura, das pessoas e da experiência de Deus em que se fundava a sua vida. Seus escritos abordam diversos campos do conhecimento: geografia, biologia, etnologia, gramática e teologia mística. É enorme o desafio que aceita a Universidade limenha como seu o nome de Antonio Ruiz de Montoya. Três séculos mais tarde, Vicente Santuc faz suas as culturas latino-americanas às quais foi enviado. A partir de sua cultura natal foi ao encontro de seres culturais diversos em várias partes da América Latina. Se inculturou igualmente entre os camponeses de Piura mais do que pelos acadêmicos de Lima ou Paris. De uma família camponesa de Maylis, no sudeste da França, é obrigado ao serviço militar na “batalha de Argel”, experiência que o leva a confiar plenamente em Deus e faz crescer seu desejo de contribuir à humanização da história. Como filósofo e cientista social, Vicente Santuc intuiu as profundas mudanças que iniciavam na história

da humanidade. Não se conformou em perceber essas mudanças sem que se empenhasse em encontrar significados a partir das humildades que alimentavam seus pensamentos e da fé que movia seu coração. Um pensamento que se alimentava da proximidade com as pessoas, com os campesinos de Piura, habitantes dos bairros urbanos, estudantes e professores das universidades e irmãos jesuítas do corpo universal. Sabia da importância da ação e do pensamento político, apegados à ética, como dimensão da humanização da história e sentido da vida com os outros. Vicente Santuc, fundador e primeiro reitor da universidade, viveu o espírito que anima essa instituição. Era consciente de que o labor intelectual não se inicia e nem se esgota dentro dos muros ou dos programas da universidade. Vicente chega ao trabalho universitário logo depois de 20 anos dedicados ao apostolado social, para a dedicação, à ação e promoção social direta no Centro de Investigación y Promoción del Campesinado (CIPCA) de Piura. Ali começou seu trabalho intelectual. Seus primeiros escritos são cartilhas para ensinar os campesinos pobres de Piura a ler e a escrever. A educação popular como proposta teórica será parte de seus estudos naqueles anos. Quase naturalmente, e respondendo a novos desafios, continuará com reflexões sobre o desenvolvimento rural. Então, ante a degradação política, reflete e escreve sobre o vínculo entre ética e política. Tudo isso será parte de suas aulas e publicações

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entorno da linguagem, do sentido e da liberdade possível. A condição humana universal a partir da situação do Peru e da América Latina foi objeto de sua reflexão e a inspiração de sua ação. Relembrando essas duas pessoas, inspiradoras da tarefa que nos reúne nesta tarde na Universidade Antonio Ruiz de Montoya, de Lima, me permitam algumas reflexões sobre o apostolado intelectual como ingrediente característico da missão da Companhia de Jesus. O que denominamos apostolado intelectual é central na missão da Companhia de Jesus hoje, como tem sido desde seu início. A complexidade dos trabalhos do mundo sempre faz urgente e central a reflexão intelectual para poder realizar um serviço qualificado à humanidade por meio da missão da Igreja. A Companhia de Jesus nasce associando à profundidade espiritual, à proximidade aos pobres e

à compressão intelectual dos preciosos humanos. Hoje, confirma esse modo de proceder que leva a aprofundar o compromisso com o apostolado intelectual. O Papa Francisco, na visita à 36ª Congregação Geral, no último mês de outubro, confirmou à Companhia essa dimensão de sua identidade. Nos convidou a seguir trabalhando a partir da profundidade espiritual com a profundidade intelectual e a visão dos processos em marcha nas pessoas e nas relações delas com a natureza. Não se trata – nos disse – de ocupar espaços, mas de gerar e acompanhar processos de crescimento e transformação que correspondam a cada circunstância, de acordo com pessoas, tempos e lugares como gostava de dizer Inácio de Loyola. Não é possível uma visão profunda dos processos complexos sem análise e reflexão. O discernimento que leva a escolher as ações a serem realizadas necessita dessa profundidade espiritual. Esta característica da identidade da Companhia de Jesus, desde a sua própria fundação, foi destacada na 34ª Congregação Geral. Ao descrever os traços do que é um jesuíta e a Companhia de Jesus, deixa claro como o apostolado intelectual é uma dimensão do conjunto da missão: deve ser parte de tudo o que fazemos, como disse P. Kolvenbach em diversas ocasiões. A 34ª Congregação Geral reafirma a distintiva importância da qualidade intelectual de cada trabalho promovido pela Companhia, que dessa maneira

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contribui para descobrir o trabalho criativo de Deus. As congregações gerais seguintes insistem no labor intelectual como característica de nosso modo de proceder e do compromisso com uma evangelização integral. Por conseguinte, a dimensão intelectual deve estar presente em toda ação apostólica empreendida pela Companhia de Jesus como corpo, em cada uma de suas obras apostólicas e na atividade pessoal do jesuíta. A Universidade é, sem dúvida, um espaço privilegiado para que essa dimensão se desenvolva. Sabemos que a profundidade intelectual não surge espontaneamente e não basta colocar o rótulo de universidade para alcançá-la. O labor intelectual requer esforço e dedicação. Requer sensibilidade para as situações das pessoas e dos povos. Necessita olhar cada dia além de seus muros para acompanhar os processos complexos da história humana. Para o jesuíta e para as instituições animadas pela Companhia de Jesus não basta alcançar a profundidade intelectual. O verdadeiro desafio é que seja apostolado, isto é, um modo de anunciar de maneira mais efetiva a Boa Nova do Evangelho, de aprender a captar a presença de Deus no mundo e a ação de seu Espírito na história para se somar a ela e contribuir à libertação humana. O labor intelectual é apostolado: Quando se realiza no mundo, ou seja, quando encontra seu sentido fora de si mesmo, e não em seus próprios interesses e sim em função das pessoas, dos temas e dos


problemas da humanidade e, por conseguinte, também da Igreja. a) O apóstolo escuta e atende, contempla, a situação do mundo. Segue o modelo de meditação da encarnação dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio: a Santíssima Trindade escuta e sente a situação do mundo, de tantas e tão diversas gentes, entende de que se trata e toma a decisão de se fazer parte para abrir o caminho para a libertação. b) Quando há uma orientação evangélica porque o dói o que acontece aos seres humanos e à criação. O labor intelectual é apostolado porque se orienta clara e explicitamente para a construção de um mundo mais próximo das características do Reino de Deus: a justiça, a paz e o amor, vínculo fundamental entre os seres humanos e Deus. c) Quando se é consciente da necessidade de fazê-lo em colaboração com outros. Quando sabe que a profundidade intelectual requer escuta, diálogo e sair ao encontro. O trabalho intelectual é apostolado quando ocorre a intempérie, não fechado em um gabinete e nem seguro de suas próprias certezas. Quando é capaz de dialogar com outras disciplinas, se enriquecer de outras perspectivas e de diversas visões do mundo, da ciência e da cultura. Não se fecha em sua própria verdade. Segue a dinâmica da encarnação que segue a contemplação do mundo. Em Nazaré se produz o encontro entre a vontade liberta-

dora da Trindade e da humanidade. A fé de Maria faz possível o nascimento de Jesus que cresce em família com José, se abre à realidade de seu povo empobrecido e colonizado, escuta a palavra profética de João Batista e chama seus discípulos a colaborar na obra libertadora para a qual foi enviado. d) O labor intelectual na Companhia é apostolado quando se vive como missão recebida, como envio. Portanto, se realiza como serviço e não busca o reconhecimento tampouco a glória das pessoas e das instituições. É um esforço intelectual por apóstolos, isto é, por pessoas, por jesuítas e outros, homens e mulheres que o vivem como missão. A frequente aridez desse trabalho ou o eventual reconhecimento se vive como resposta generosa ao chamado recebido de colocar-se a serviço da salvação do mundo. Em síntese, o labor intelectual é apostolado que mantém vivo o vínculo entre a reflexão profunda, a preocupação com as pessoas e suas vidas e a construção de um mundo mais humano e cristão. Nosso labor intelectual é apostolado se feito com profundidade, abertura ao mundo e orientado à justiça social e à reconciliação entre as pessoas e com a criação. Sempre em diálogo com outros

crentes e não crentes. Aceitamos com alegria a riqueza da diversidade cultural. Faz-se responsável do que propõe. Sabe sempre o que se deve a uma comunidade de pessoas em uma sociedade e a uma comunidade de pesquisadores e pensadores. Faz-se observando as pessoas em um espaço concreto, porém, observa também o mundo: universal e local. Isso, é intercultural: inculturado, dialogal e universal. Da mesma forma que nem todo trabalho intelectual é apostolado, tampouco está garantido que uma universidade, apenas pelo fato de ser uma universidade, exerça um apostolado que responda às características do modo de proceder da Companhia. Discernimento, colaboração e trabalho em redes são três características do modo de proceder no governo da Companhia destacados pela 36ª Congregação Geral. A partir desses três elementos se

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convida a Universidade Antonio Ruiz de Montoya e todas as outras obras ou trabalhos apostólicos da Companhia a examinar o seu próprio modo de proceder. Convido, pois, a Universidad a discernir seu apostolado intelectual, seus temas e seu modo de realizá-lo.

com os problemas da educação. Convém perguntar-se a Universidade se sente colaboradora dos esforços de pessoas, de instituições, de movimentos sociais e grupos de diversas índoles que lutam pela justiça, a reconciliação e a paz na América Latina e no mundo.

Uma primeira pergunta é se a Universidade conta com esses espaços de discernimento que ajudam a orientar sua missão intelectual e se são adequados para essa tarefa. Logo, é importante se perguntar, como ponto de partida para esse discernimento, por onde passa Deus na atual situação do Peru, da América Latina e do mundo? Onde encontramos os sinais de sua presença e de seu modo de atuar?

A colaboração desemboca facilmente na necessidade de aumentar o trabalho em rede. Examinar até onde a Universidade Ruiz de Montoya se sente parte da rede das Universidades confiadas à Companhia de Jesus na América Latina e quanto contribuem para ela, assim como para outras redes de universidades do Peru ou do continente. Perguntar-se se o contato com outras obras apostólicas ou a colaboração com pessoas e grupos podem organizar-se melhor por meio das redes que fazem mais efetiva a interação e ajudam a configurar, fortalecer e orientar o trabalho intelectual da Universidad.

Para assegurar que fazemos um esforço intelectual em colaboração, se faz necessário revisar, em primeiro lugar, o grau de colaboração real existente ao interior da comunidade universitária da Ruiz de Montoya. Examinar se nos une uma missão e uma visão compartilhada que nos leva a contribuir a partir de cada um a realizá-la. Examinar se nos sentimos parte de uma missão maior, a missão da Companhia de Jesus, no Peru, e se nos relacionamos apostolicamente com o corpo da Companhia no Peru, na América Latina e no Caribe. Perguntar-se se a pesquisa, a aprendizagem e os programas de intercâmbios com a sociedade da Universidad se nutrem da reflexão conjunta com outros grupos apostólicos inseridos nas zonas populares, no mundo indígena, na zona amazônica ou de quem lida todos os dias

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Tudo isso tem, ademais, especificidades em cada região do mundo. Na América Latina há uma tradição particular de realizar o labor intelectual como “apostolado” e em “colaboração” que pode contribuir ao conjunto da Companhia, assim como tem elementos a incorporar e desenvolver de modo a realizar esta missão em outras latitudes. Na origem da Universidad Antonio Ruiz de Montoya se encontra um modo de realizar o Apostolado intelectual da Companhia de Jesus na América Latina, que se caracteriza porque se desenvolve: a) Respondendo a problemas e situações concretas. Frequente-

mente temos chegado a perguntas teóricas e mais universais partindo da urgência de resolver problemas concretos das pessoas e das comunidades, a partir da preocupação de construir melhores condições de vida para elas, da urgência de reconciliar, defender, acompanhar com justiça as pessoas e comunidades. b) Comprometidos pessoalmente. O apostolado intelectual nos tem comprometido como missionários. As contribuições teóricas a partir da teologia, da sociologia ou inserido a partir de outras disciplinas – como a linguística e a arte – na tradição jesuítica latino-americana, têm comprometido não somente na reflexão, mas também na vida e na segurança de nossos missionários. Temos mártires latino-americanos do apostolado intelectual ao qual damos graças a Deus e a quem se há comprometido nesse duro caminho. c) Junto com outros e intersetorialmente. Nossa tradição é de grupos de trabalho que abarcam desde grupos de reflexão bíblica até equipes de reflexão popular ou de trabalho de inovação educativa popular, universitária e social em conjunto. Uma característica do apostolado intelectual latino-americano é que há se desenvolvido de modo criativo em espaços institucionais diversos – universitário, centros sociais ou de espiritualidade, instituições educativas, paróquias, missões indígenas. Esta é, pois, uma reflexão intelectual que se faz apostolado e que a Companhia deseja continuar e


promover. Uma reflexão intelectu-

propostas e entendimentos co-

al que busca responder a situações

muns sobre temas e problemas

concretas da vida das pessoas, se

que afetam a sociedade.

aprofundando nos problemas ao mesmo tempo que serve, colaborando em sua resolução.

Um

apostolado

intelectual

que nos faz sair de nossos edifícios e seguranças institucionais,

Uma reflexão intelectual que

comprometido com a justiça, a

se nutre da amizade sincera da-

reconciliação, a democracia, o

quelas pessoas com as quais se

desenvolvimento sustentável de

partilha a situação e busca a sua

nossos povos como caminho para

transformação. Um labor Intelec-

a paz duradoura. Uma reflexão

tual que se realiza participando e

que nos leva a tomar posições

compartilhando a vida da comu-

ante situações que razoável e

nidade. Que não é um labor de

evangelicamente são inaceitáveis,

indivíduos isolados, mas de pesso-

correndo o risco de perseguição e

as em diálogo, de comunidades,

morte, consciente de que nas difi-

equipes, instituições que pensam

culdades se fortalece a reflexão e

em conjunto, buscam formular

se confirma a missão.

Obrigado de todo o coração pela oportunidade de partilhar essas ideias e, sobretudo, o desejo e a vontade de caminhar juntos na apaixonante tarefa de contribuir com tantos outros seres humanos para fazer realidade, o que hoje nos parece impossível. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

P. Arturo Sosa é Superior Geral da Companhia de Jesus, eleito na 36ª Congregação Geral. Nascido em Caracas, na Venezuela, é formado em Filosofia pela Universidade Católica Andrés Bello e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Central da Venezuela. De 1996 a 2004 foi Provincial de seu país, assumindo até 2014 a reitoria da Universidade Católica de Táchira.

Recomendações Site: Pedagogia Ignaciana http://www.pedagogiaignaciana.com/ O Centro Virtual de Pedagogía Ignaciana (CVPI) foi constituído em 2007 pela Conferência das Província da Companhia de Jesus da América Latina (CPAL) como um serviço público e, atualmente, está sob a coordenação do P. Hugo Alexis Moreno S.J., presidente da Federación Latinoamerica de Colegios (FLACSI). O site contém diversos materiais a respeito da Pedagogia Inaciana, sendo uma importante fonte de apoio bibliográficos para os educadores e para as instituições da Companhia.

Site: Jesuit Portal https://jesuitportal.bc.edu/ A página é um serviço gratuito promovido pelo for Advanced Jesuit Studies e que oferece direcionamento a importantes materiais associados à Companhia de Jesus. O portal permite acesso a temas que envolvem história, espiritualidade e educação, colocando em evidência a Pedagogia Inaciana.

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Voluntariado e projeto de vida

Ao abrir os olhos e ver coisas novas, aprendi que posso mudar minha realidade com pequenas e grandes ações. Por Marcelle Borges

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primeira vez que ouvi falar sobre o TETO1, meu primeiro sentimento foi de estranhamento. Imagine só: construir uma casa em dois dias, eu que nunca havia pego em um martelo e feito qualquer “serviço” com tal ferramenta. Mas, ainda assim, me pareceu uma experiência incrível. Entrar numa favela, lá em São Paulo, com um propósito tão nobre como o de construir junto com uma família o seu novo lar.

A

Além disso, era um período que eu precisava muito me conectar com outras pessoas, me reconhecer e autodescobrir a partir da relação com o outro. E assim eu me lancei nesse desafio. Eu, que sempre me senti muito privilegiada, por estudar em um bom colégio (no Medianeira), ter uma casa boa, uma família que me apoia e todas as boas oportunidades possíveis que a vida poderia me oferecer. Naquele momento, eu sentia aquela ansiedade com um misto de medo – é difícil se desfazer dos preconceitos que a gente cria em relação à favela, com todas as imagens que a sociedade constrói desse lugar. Fiz minha compra de ferramentas, tomei a vacina antitetânica (afinal, a minha falta de habilidade me oferecia alguns riscos) e assim fui, sem nem mesmo ter a noção de toda a transformação que essa experiência iria causar em mim. Aqui eu preciso fazer uma retrospectiva para trazer o significado da minha primeira experiência com o TETO. Acontece que durante minha adolescência eu sempre tive aquela inquietação, aquela

vontade e percepção de que eu poderia e deveria fazer mais pelo lugar em que vivo. Consigo lembrar das aulas de geopolítica, das aulas de história do ensino médio, sobre conflitos e pessoas que vieram com grandes ideias, trazendo multidões que conseguiram, juntas, mudar as suas realidades. Não que eu almejasse ser alguém com uma grande ideia, mas queria fazer parte dessa onda de mudança, da multidão que arregaça as mangas e não deixa que o pior simplesmente aconteça, que se entende enquanto coletivo e compartilha um sonho comum de uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. Durante aquele fim de semana de novembro de 2011, em meio a lama, cansaço, marteladas e muitas risadas, eu conseguia resgatar essa lembrança; e não só ela, me vinha uma ideia de propósito, de “porquês” que comecei a construir no meu imaginário. Lembrei porque eu escolhi ser arquiteta e urbanista: eu queria trabalhar para as pessoas e, mais do que isso, COM as pessoas para garantir a elas uma vida mais digna. Assim, a experiência do campo, de conhecer a comunidade Souza Ramos lá em São Paulo, somada ao resgate da lembrança da adolescência, daqueles anos no Medianeira em que eu vibrava internamente com cada aula de história, geopolítica e sociologia, me fez encontrar o que me move. Assim como me colocou em um papel de sujeito crítico dessa sociedade em que vivo, de todos os privilégios que me foram ofertados ao longo da vida e, ainda que tenha medo de

usar esse adjetivo, me fez ser um agente transformador da minha cidade, do meu meio – e o medo vem porque não quero ser heroína de ninguém, mas sei do papel que exerço (ou deveria exercer) na sociedade. Depois dessa experiência, o TETO e a vida me proporcionaram um crescimento enorme, uma percepção que eu, ocupando um lugar de privilégio na sociedade, não deveria me acomodar, precisava me mover. E isso é uma das coisas mais lindas do TETO: a oportunidade que a organização dá e fomenta de colocar as pessoas em movimento, tirá-las das suas zonas de conforto e colocá-las em um espaço de conflito. É isso que o mundo está precisando. De pessoas em movimento e que não evitam mais os conflitos de ideias. Pessoas que, além de enxergar a semelhança no próximo, saibam reconhecer, respeitar e somar aquilo que as difere. Pessoas que possam se indignar com o fato de poucos terem tanto e muitos terem tão pouco. E não significa que é necessário fazer voto de pobreza ou qualquer outra ação radical. Mas é necessário não se conformar com o fato de que na América Latina, 25% da população vive em favelas, privadas de todos os direitos possíveis e fadadas a viver na invisibilidade e que só no Brasil são 28 milhões de pessoas que vivem com até R$154,00 por mês, dinheiro esse que mal dá para comprar uma cesta básica. Para mim, hoje, esses números têm história, que se confunde com a história das Rosângelas, Irenes,

Organização internacional presente na América Latina e Caribe, que trabalha pela defesa dos direitos de pessoas que vivem em condições precárias.

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Marias, Gersons, Fábios, Márcios e outros tantos moradores e moradoras que conheci ao longo desses seis anos trabalhando com o TETO. Pessoas com quem, ao longo desse tempo, pude me conectar e perceber quão iguais somos, mas o quanto fomos induzidos a tomar caminhos tão diferentes na vida e viver com uma distância tão grande entre nós. Mas que graças aquela inquietação da adolescência, somada a todas as oportunidades

que o TETO me proporcionou, pude conhecer. Sei que não permanecerei na organização para sempre, sei que não terei forças e condições de continuar construindo casas ou mesmo frequentando as comunidades como hoje. Mas aprendi que posso fazer muito nas pequenas e nas grandes ações. E descobri que quando a gente começa a mudar a nossa realidade, a gente não deve parar. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Marcelle Borges Lemes da Silva é sempre-aluna do Medianeira, formada em Arquitetura e Urbanismo (UFPR), pósgraduada em Direito a Cidade e Gestão Urbana (Positivo), atualmente mestranda em Planejamento Urbano (UFPR) e Diretora de Sede do TETO no Paraná. marcelle.borges@teto.org.br

Recomendações Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria (2013)| Nabil Bonduki | Estação Liberdade O livro é uma análise histórica da habitação popular no país no período que precede a ditadura militar. Nesta obra, o autor traça um painel do desenvolvimento urbano no Brasil na primeira metade do século, buscando identificar as origens do crescimento caótico e os primórdios da transformação da habitação em uma questão social, baseando-se em seus aspectos arquitetônico, urbanístico, sociológico e de história econômica.

“Hiato” (2008) Vladimir Seixas | 20 min. Em agosto de 2000, manifestantes organizaram uma ocupação em um grande shopping da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Mais em voga do que nunca graças aos “rolezinhos,” o assunto é resgatado no documentário.

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ABRA seus

OLHOS e veja

coisas NOVAS

14 diálogos possíveis entre a Encíclica Laudato Si e o currículo da Educação Básica Por Fernando Guidini

Educação ecológica integral que congregue princípios da ciência, da igreja e da sociedade; Educação menos consumista e de menor descarte: paradigma da sustentabilidade atendendo ao humano, sem ser antropocêntrica, mas tematizando estilos de vida;

Problemática mundial da água: privatização e poluição;

Cultura da aliança entre humanidade e ambiente: espaço comum para todos; Educação para a responsabilidade ambiental: pequenas ações ao alcance de todos;

Ethos, religião, ecologia e diálogo: saber conviver;

Educação e interdisciplinaridade: para além dos tubos de ensaio. Ciências de mãos dadas, espiralidades e relações com o todo;

Concepção, visão e prática sistêmica de mundo: muitas especificidades; poucas relações. Sabedoria;

Justiça intergeracional: justo legado deixadoàs gerações futuras; Justiça socioambiental: a casa comum.

Consciência sobre as mudanças climáticas. Refugiados;

Educar para outros paradigmas e linguagens, sermos mais ousados e tematizar a ecologia integral; Educação e conversão ecológica: mente, mãos e coração; Educação ambiental e testemunho de vida: o que fiz, o que faço, o que farei;

Por que, o que e como pensar/agir a partir de um currículo integral, com foco na educação para a sustentabilidade socioambiental? Que aprendizagens poderemos problematizar e integrar em nossas práticas curriculares? mediação

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Inclusão:

limites e possibilidades Centro de Inclusão é responsável por eliminar as barreiras que impedem a inserção de estudantes com necessidades educacionais especiais no ambiente escolar. Por Karolina Marianni Vargas

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C

onsiderando a demanda de estudantes com necessidades educacionais especiais, e as exigências legais do

processo inclusivo, como a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, o Colégio Medianeira iniciou em novembro de 2015 a sistematização do Centro de Inclusão Escolar, desenvolvendo assim um projeto inclusivo de acompanhamento e assessoria à comunidade acadêmica em nível de inclusão escolar da pessoa com necessidades especiais. Desde os últimos anos, as escolas brasileiras e seus profissionais vêm se confrontando com as questões provocadas pelas elevadas diferenças entre seus estudantes, desveladas desde então pelo crescente processo de inclusão escolar. Assali (2006) ressalta que as instituições escolares, por desejo, curiosidade ou mesmo falta de opção, recebem essas crianças em suas salas, principalmente por exigências das leis. De várias maneiras a escola tenta facilitar a entrada e permanência desses estudantes, sendo que alguns trabalhos seguem com sucesso, mas outros são interrompidos. A inclusão escolar sem o devido acompanhamento pode provocar estragos que vão desde algumas carteiras quebradas até o colapso nervoso de professores. Muitas vezes as intervenções estão mais voltadas para as carteiras quebradas e não para ouvir o sofrimento e o mal-estar dos professores inclusivos, é o que afirma Kupfer e Bastos (2003). As autoras também destacam que o

trabalho de inclusão escolar não pode ser realizado sem a inclusão de professores, já que eles são uma das ferramentas mais importantes na sustentação desse lugar social que se pretende oferecer à criança, adolescente ou jovem. De acordo com o exposto, considera-se que a inclusão escolar configura-se como uma realidade no ambiente escolar. Proporcionar um ambiente acolhedor de aprendizagem integral voltado às necessidades de cada estudante, valorizando o papel do profissional de apoio pedagógico, harmonizando acolhida, escuta, assessoria e suporte aos professores, torna-se fundamental para que o trabalho com a inclusão tenha sucesso. É nesse contexto que o Colégio Medianeira, instituição educativa pertencente à Rede Jesuíta de Educação (RJE), apresenta como missão a busca pela excelência na educação, inspirada na proposta educativa da Companhia de Jesus (Jesuítas), tendo por finalidade primeira a formação de pessoas competentes, humanas e academicamente inseridas em seu tempo, por meio do trabalho ativo e interativo com o conhecimento, visando à transformação solidária da sociedade em que vivem e atuam. Inspirado em sua missão, o Centro de Inclusão Escolar responde pela necessidade de incluir pessoas com necessidades especiais em ambiente escolar, colaborando para com o desenvolvimento de um Projeto Político-Pedagógico inclusivo.

Construção

O Centro de Inclusão tem por objetivos: (i) dinamizar, acompanhar e avaliar, prática e reflexivamente, o projeto e ações de inclusão escolar no colégio, a fim de aprimorar as práticas inclusivas e melhorar o desempenho e o desenvolvimento acadêmico de estudantes de inclusão; (ii) identificar as necessidades de cada estudante de inclusão, por intermédio de estratégias que avaliem as dimensões cognitiva, socioemocional e espiritual religiosa, para que se possa intervir em suas dificuldades e potencialidades no campo da aprendizagem; (iii) elaborar adequações necessárias para cada estudante, a partir dos dados gerados pelo plano de acompanhamento individualizado, por meio de acompanhamento, estratégias diferenciadas, realizadas individualmente, para atender de modo direcionado suas necessidades; (iv) colaborar na construção de um currículo pedagógico focado nas aprendizagens do estudante, mediante áreas de interesse, para se alcançar um melhor desenvolvimento de suas capacidades; (v) acompanhar e capacitar os profissionais de apoio, por meio de reuniões semanais, para discutir as dificuldades encontradas e os resultados alcançados com o estudante; (vi) proporcionar aos professores um espaço de escuta e de acompanhamento para auxiliá-los em sua prática em sala de aula, ajudando-os nas estratégias e formas de intervenção, acolhendo-os em suas dificuldades, proporcionando orientações e estudos sobre os casos atendidos pelo colégio.

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Desde sua criação, o Centro de Inclusão tem aperfeiçoado suas práticas com os profissionais de apoio pedagógico, professores e equipes pedagógicas. Todos os anos, durante o primeiro mês de aula, são realizados com os professores momentos de orientações, trocas de experiências e sugestões de intervenções sobre os casos de estudantes de inclusão.

individualizado, o qual está sendo

apoio pedagógico), com conheci-

aprimorado com o objetivo de le-

mentos específicos e pedagógicos

vantar dados das principais habili-

para o trato e acompanhamento

dades, dificuldades e intervenções

da inclusão escolar na instituição;

necessárias para os estudantes.

(iii) elaboração de um projeto de

Além do plano individualizado,

formação destinado aos profissio-

no final de cada trimestre os pro-

nais de apoio, com reuniões se-

fissionais do Centro de Inclusão

manais e atendimentos individuais

elaboram um parecer descritivo

semanais; (iv) mapeamento ins-

do estudante em que relatam os

titucional dos casos de inclusão,

resultados do trabalho realizado

com organização da documenta-

Desse modo, para melhor assessorar os professores e aprimorar as adaptações de materiais didáticos, o Centro de Inclusão realiza a devolutiva dos materiais produzidos pelos professores, com orientações e sugestões de adequações junto com os profissionais de apoio pedagógico e serviço de orientação pedagógica.

com o estudante nas três dimen-

ção escolar e histórico específico

sões, abordando habilidades, po-

de cada um dos estudantes de

tencialidades, possibilidades e de-

inclusão pertencentes à institui-

fasagens de aprendizagem, além

ção; (v) elaboração do plano de

de construir, para os estudantes

atendimento individualizado ao

que necessitam, o plano de apoio

estudante com necessidades es-

de cada componente curricular,

peciais, registrando processos e

com os objetivos, conteúdos cen-

estratégias pedagógicas neces-

trais, critérios avaliativos e estraté-

sárias ao acompanhamento da

gias a serem trabalhadas.

aprendizagem, com avaliação tri-

Como instrumento de registro e acompanhamento dos estudantes de inclusão, durante toda sua trajetória acadêmica, os profissionais de apoio constroem todos os anos o plano de atendimento

Como resultados alcançados, elencamos: (i) elaboração do projeto pedagógico de inclusão escolar, com profissionais formados e capa-

mestral da produção acadêmica, de acordo com as dimensões da aprendizagem integral atualmente propostas pela Companhia de

citados, (ii) composição de um gru-

Jesus (dimensão cognitiva, socio-

po de educadores (profissionais de

emocional e espiritual religiosa).

Responsabilidade pedagógica Como Colégio Jesuíta, ao se refletir sobre a responsabilidade pedagógica diante da formação e educação dos sujeitos, além de se adaptar a realidade de inclusão ao ambiente escolar de pessoas com necessidades especiais, busca-se uma visão e prática mais amplas do que as exigências legais e midiatização da temática. Incluir implica cuidado com todos, responsabilizando-se individual e coletivamente para com os estudantes em processo formativo, objetivando o pleno exercício da cidadania.

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É sob essa premissa que se fundamenta o trabalho com o Centro de Inclusão. Com um projeto educativo que se reinventa e se inova, o Colégio Medianeira objetiva ir além. Recusa a mediocridade, buscando o mais e o melhor no atendimento à pessoa, de acordo com as caracterís-

Referências

São Paulo, 2006. Proceedings online. KUPFER, Maria Cristina Machado e BASTOS, Marise Bartolozzi. Inclusão escolar de professores: uma tarefa para a psicanálise? Correio da APPOA, nº 120. Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, RS: Associação Psicanalítica de Porto Alegre, pp.27-33, 2003.

ASSALI, Andréa Maia. Inclusão escolar e acompanhamento terapêutico: possibilidade ou entrave? In. Psicanálise, educação e transmissão, nº 6,

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

O texto é um excerto do artigo publicado pela educadora no VII Congresso Brasileiro de Educação Especial na UFSCAR, em 2016, e no XIII Congresso Nacional de Educação (EDUCERE) na PUCPR, em 2017.

ticas de tempo e lugar em que atua. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Karolina Marianni Vargas é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2014), está cursando especialização em Educação Especial e Inclusiva na Universidade Positivo (2017) é e mestranda em Gestão Educacional pela UNISINOS Atualmente é supervisora do Centro de Inclusão do Colégio Medianeira.

Recomendações Escola Inclusiva: a reorganização do trabalho pedagógico (2014) Rosita Edler Carvalho | Edição Mediação O livro é um texto provocativo e reflexivo a respeito da educação inclusiva por meio de argumentos teórico-práticos para que seja possível organizar projetos político-pedagógicos que permitam a inserção. A obra se propõe à construção de processos que privilegiam a inovação e que caminhem em contraponto aos exemplos vigentes no país.

Como estrelas na Terra (2007) Aamir Khan | 205 min. O pequeno Ishaan tem apenas oito anos e possui muita dificuldade de concentração nos estudos. O pai do garoto acredita que o filho não é compromissado o suficiente e decide colocá-lo em um internato, levando Ishaan à depressão. Nikumbnh, um sensível professor substituto, percebe que o estudante tem algo especial e cria um plano para devolver a ele a vontade de aprender e de viver.

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um retorno à inocência partindo da maturidade Por Tamlyn Ghannam

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Primeiro romance de João Anzanello Carrascoza, o livro é uma fundamental reflexão sobre as experiências do cotidiano. Com um olhar poético, o autor cria um espelho comovente das trivialidades de cada idade. os 7 e aos 40, primeiro roman-

“Ninguém tinha habitado em

ce do escritor paulista João

mim daquele jeito, e me habitado

Anzanello Carrascoza, traz em

sem fazer força, e, assim, ela coin-

si, com singeleza e impacto,

cidia, do lado de fora, com aquela

traços formais característicos da

que ia dentro do meu pensamen-

vasta fortuna contística do autor,

to. Eu captava uma expansão em

além de levantar temas constantes

tudo, na conversa das pessoas, no

em seus trabalhos anteriores – e,

movimento das ruas, nos farrapos

como é possível comprovar com a

de nuvens ao entardecer, eu mal

A

recente Trilogia do Adeus, também

sabia que estava me alargando.”

nos escritos que virão em seguida.

Os capítulos pares do roman-

Partindo de recortes cotidia-

ce imprimem a visão do homem

nos de um mesmo personagem que, já adulto, contempla seu passado, questiona seu presente e projeta seu futuro, a narrativa do livro tem início pelo revisitar do homem maduro, na casa dos quarenta anos, aos terrenos de sua infância, de seus sete anos de idade. Os capítulos ímpares referem-se ao garotinho que desvenda a vida, enxergando nela inúmeras possibilidades. O narrador é capaz de traduzir com maestria as delícias das descobertas da meninice, pelas quais todos passamos, fazendo-nos reviver a magia da

de quarenta anos, sem o apetite urgente de outrora, que observa os episódios da vida com olhos sábios e pacientes, como que digerindo silenciosamente a própria existência. No entanto, mesmo que o amaduramento do personagem seja perceptível não apenas pelo decorrer do tempo entre seus sete e seus quarenta anos, mas sobretudo pelo conhecimento adquirido através do acúmulo de experiências, ainda ecoa em suas palavras certo timbre de infante, ainda surgem em seu caminho veredas inexploradas, ainda há, diante do outro, uma espécie

revelação do outro, da percepção

de estranhamento sedutor e inde-

do que é diferente. Acompanha-

cifrável. Nisso tudo, o que perma-

mos o pequeno garoto dando-se

nece como herança mais potente

conta, paulatinamente, da imensi-

de sua meninez, repercurtindo em

dão do mundo, como se estivésse-

seu discurso adulto, é a importân-

mos nós mesmos, pequenininhos,

cia das pequenas coisas. A singu-

de volta à abençoada ignorância

laridade da obra de Carrascoza

que na puerícia nos premia com o

reside justamente em sua capaci-

deleite das novidades.

dade de potencializar o mínimo,

retirando dele a essência para o absoluto. “Aprendera não só a ir à raiz das coisas, mas, principalmente, a nutri-las, para que se arvorassem em ramos, se fossem boas, ou a cortá-las ainda no começo, se lhe parecessem daninhas. Por vezes, errava. Acertar também doía, demorado. Aí, era preciso retroceder. Sabia – o espírito sempre sinaliza – que logo seria a sua hora de voltar; num devagar rápido, chegara o seu tempo de viver uns finais.” Ao fazer seu protagonista retornar às raízes, o livro assume um tom nostálgico que propõe um exercício de repensar a alteridade, especialmente dentro do seio familiar. Voltar ao berço de origem manifesta no personagem a sensação paradoxal de reconhecer o outro como algo distinto que, ao mesmo tempo, faz parte de sua própria constituição. Nesse sentido, a relação intrínseca entre forma e conteúdo em Aos 7 e aos 40 intensifica o efeito desejado com o texto. O uso da primeira pessoa nos relatos infantis faz refletir no discurso do garoto a pureza de quem ainda desconhece o que há além das fronteiras de sua condição. Já ao adotar a terceira pessoa na construção da linguagem do homem, a narrativa amadurece, transmitindo em suas palavras o despertar para a consciência de

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um universo uno (embora repleto de opostos) que o transcende. “A vida era o que era, e ele cada vez mais longe de sua fonte, mesmo se de volta a ela, como agora – tudo no caminho é para ficar lá atrás, as pessoas carregam só aquilo que deixam de ser, o presente é feito de todas as ausências.” Assim, há uma mesma e única voz a manifestar-se em Aos 7 e aos 40, porém, em tons distintos. Ela reproduz a inocência ao recontar a infância, e o amadurecimento ao explanar sobre a vida adulta, sabendo, acuradamente,

o momento propício para uni-los, inocência e amadurecimento, de maneira a representar a constituição de um só ser que é o protagonista, mas que poderia ser o autor e, também, o leitor. Em certa medida, assim como no homem crescido habita o menino que fora, no pequeno garoto estão as sementes que, germinando por meio do tempo e da experiência, formarão

Carrascoza. O autor oferece, com seu primeiro romance, uma relação sincera e incondicional com o leitor, desde que este aceite mergulhar nas reminiscências inocentes e nos aprendizados dolorosos de outrem para, assim, descortinar suas próprias lembranças e revelações. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

o adulto. Em outras palavras, o 7 faz parte do 40 – e vice-versa. O clima de familiaridade instaurado entre a obra e quem a lê é um dos presentes ofertados pela prosa poética e fluida de João Anzanello

Tamlyn Ghannam nasceu em 1996, na cidade de São Paulo. Cursa Letras - Português e Francês na Universidade de São Paulo desde 2014 e administra o site e canal LiteraTamy, nos quais fala sobre literatura e compartilha suas experiências literárias.

Recomendações Trilogia do Adeus (2017) João Anzanello Carrascoza | Alfaguara Os três livros – Caderno de um ausente, Menina escrevendo com pai e A pele da terra – que formam a trilogia são um espelho pungente das relações familiares, apresentando, por meio de vários narradores, as diferentes percepções frente à vida. Carrascoza coloca em sua prosa um olhar poético e sensível sobre temas duros como a morte, a solidão e a incerteza.

Diário das coincidências (2016) João Anzanello Carrascoza | Alfaguara Por meio de coincidências cotidianas, e aparentemente banais, o escritor cria uma narrativa intrincada e única sobre as sutilizadas que muitas vezes parecem invisíveis. As histórias, que às vezes confundem-se com as histórias do próprio autor, são contadas em meio a momentos repletos de significados e encantamentos.

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e aprendizagem

Marcenaria Contra o pragmatismo e as exigĂŞncias do dia a dia, o desenvolvimento de trabalhos manuais pode ser uma alternativa de aprendizagem e colaborativa.

Por Diego Henrique Zerwes

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á dois anos, escrevi um texto chamado Usando as próprias mãos para o blog de Midiaeducação do Colégio Medianeira, onde contei um pouco sobre a experiência de fazer coisas, ao invés de terceirizá-las, já que, perdido no turbilhão da vida cotidiana, viver virou mecânico e existir um desafio. Em torno das pessoas que dedicam uma parte do tempo para fazer coisas com as próprias mãos, existe um número grande de comunidades e fóruns – que aumentaram conforme o acesso à informação se difundiu – de indivíduos interessados em algo comum. Quem nunca recorreu ao Google para resolver determinados problemas?

H

Dentro da lógica do – do it yourself - DIY (do inglês, faça você mesmo), comecei a fazer alguns móveis e algumas quinquilharias em madeira. Engana-se quem pensa que essa atividade é basicamente operacional, em que pregos, martelos e serras dão vida aos mais variados objetos. É preciso pensar. Para se ter bons resultados, é necessário ter alguma noção de matemática, física, sensibilidade estética, da mecânica da madeira e, acima de tudo e mais importante, ser curioso. Por ter uma formação acadêmica diversa às citadas acima, confesso que a curiosidade tem sido a pedra fundamental nesse projeto de vir-a-ser marceneiro. Ela mesma, a curiosidade é, por que não dizer?, o grande motor da humanidade.

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uma mesa. Comecei com coisas pequenas, caixas, banquetas cheias de parafuso (a partir de determinado momento, um parafuso será a última coisa que você terá a intenção utilizar em um móvel), mesas, tábuas de frios. Aprendi as técnicas de acordo com o objeto que pretendia construir. Busquei informações no mundo on e off-line. Descobri funcionamentos e características, antes inimagináveis, sobre os mais variados tipos de ferramentas e técnicas da marcenaria: cavilha, enxó, suta, rabo de andorinha, espiga e caixa, serrote de costas, cunha, plaina, graminho. Se procurar no Youtube qualquer um desses termos, você encontrará muita informação sobre. Além da internet como um todo, precisei me valer do conhecimento de pessoas ligadas à marcenaria, como meu pai e amigos próximos. Esse tipo de relação é imprescindível para abrir horizontes.

A curiosidade me fez buscar informações como, por exemplo, qual seria o melhor encaixe para

A aprendizagem efetiva, muitas vezes, acontece quando o estudante se propõe a aprender e não necessariamente o professor a ensinar. Muito se discute sobre o ensino, em termos gerais, e sobre seus métodos, e muitos autores pensam que a sala de aula, como hoje se encontra, já não dá respostas satisfatórias. José Manuel Moran, por exemplo, afirma que “muitas formas de ensinar hoje não se justificam mais. [...] Tanto professores como alunos têm a clara sensação de que muitas aulas convencionais estão ultrapassadas”. Nesse sentido, cabe uma discussão sobre o papel do professor. Sempre visto como um ser

fazer um banco ou o tampo de

que porta todo o conhecimento,

ele está perdendo seu papel de difusor do conhecimento. Mudança que não pode ser encarada de forma negativa. Partindo do pressuposto de que os estudantes, em geral, têm acesso à informação, o professor passará, cada vez mais, a ser um indivíduo que guia, que incentiva, que media, alguém que possa indicar caminhos. Pierre Lévy afirma que a competência do educador “deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. [...] Sua atividade será centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens [...]”. A construção coletiva do conhecimento, chamada de colaborativa, pode ser uma alternativa viável à aula explanatória. O pensador Don Tapscott afirma que a pedagogia está mudando: “Ela passa de uma abordagem que foca no professor para um modelo focado no estudante e baseado na colaboração”. Antes da revolução da era digital, o professor era fundamental na difusão do conhecimento. Hoje, a informação está, em termos gerais, disponível a qualquer pessoa que tenha acesso à internet. Algumas escolas já desenvolvem um novo modelo de proposta, chamado de STEAM (siglas do inglês que significam Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática). A ideia, basicamente, é o ensino de ciência e tecnologia por meio da engenharia, das artes e da matemática, levando a aprendizagens às coisas do mundo real. O que é, de certa forma, parecido com aquilo mencionado no início do texto, sobre o fazer você mesmo.


Há uma experiência dessas acontecendo na Blue School, em Nova Iorque. Uma estudante do Institute of Design em Chicago fez uma visita à escola e entrevistou o professor Rob Gilson, professor no programa S.T.E.A.M. Rob afirma que o currículo do S.T.E.A.M. se vale dos mesmos conceitos da sala de aula, mas de um modo que as crianças possam interagir melhor. Por ser uma escola no meio da maior metrópole do mundo, os estudantes têm poucas oportunidades de criar algo com as próprias mãos. Rob trouxe serras e equipamentos de marcenaria para dentro da escola e é uma das atividades que mais agradam aos alunos. Ele comenta que os estudantes do jardim queriam usar as mesmas serras utilizadas pelos mais velhos, o que o levou a fazer uma serra circular segura para que elas pudessem cortar os próprios cepos. Uma das palavras importantes no

testemunho de Rob é “autonomia”. Para ele, essa é a chave para o engajamento. A construção de uma caixa de madeira é um dos projetos mais famosos. Os estudantes são livres para construí-la do jeito que quiserem, mas, para tanto, terão que combinar habilidade manual com conceitos de matemática, sempre supervisionados por Rob, que é, antes de mais nada, um guia, um incentivador. No caso das duas experiências, a minha com a marcenaria e a marcenaria em sala de aula, é possível notar o contraste entre os dois tipos de educação, que, no frigir dos ovos, são complementares. Em meu caso, busquei informações nas mais diversas fontes: em fóruns, comunidades, páginas, mas nunca deixei de lado a relação pessoal, a riqueza da troca de ideias. Já no caso da escola no Estados Unidos – que rompe com o ensino tradicional baseado em um professor que explica e um

estudante que ouve passivamente –, os estudantes botaram a mão na massa e, com autonomia, cada um fez a própria caixa, utilizando o conhecimento adquirido em outras disciplinas. Em geral, as escolas, para o bem da aprendizagem, dispõem de várias fontes de informação. Esse seria um paraíso para um estudante que, aproveitando o que está online e a figura do professor, tem autonomia e deseja aprender. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Diego Henrique Zerwes é formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Positivo, especialista em Literatura Brasileira e História Nacional pela UTFPR e mestrando em Gestão Educacional pela UNISINOS. Traduziu a discografia completa de Leonard Cohen, publicada no traduzindoleonardcohen. com.br. Durante o último ano, tem dedicado o tempo livre à marcenaria.

Indicações práticas Exercício: Essas indicações não devem ser feitas com pressa. Que aconteçam quando surgir a oportunidade.

Materiais necessários - Pedaço de Imbuia - Serrote - Lixas Antes de mais nada, você pode conseguir um pedaço de Imbuia em alguns móveis antigos, vistas e batentes de porta ou, ainda, em tacos de piso (não quebre o móvel ou arranque um taco, por favor). Prenda o pedaço de imbuia em uma morsa (o ideal seria em uma bancada de marceneiro, mas não vamos complicar). Se não tiver uma morsa, vale usar o joelho ou qualquer outro método que não ofereça riscos à integridade física. Comece a fazer o corte e sinta o barulho do serrote rompendo a fibra da madeira, e sinta o cheiro único e característico que emana da Imbuia. Depois de feito o corte, utilize uma lixa para tirar os riscos deixados pelo serrote. Comece por uma lixa de grão 60, vá para o 100, 150, 220 e, se encontrar, a lixa 300. Veja a transformação. E não deixe de sentir o cheiro.

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Aí vem a devagar quatartaruga se parando.

Que lerda!

Onde você vai chegar nessa velocidade, dona tartaruga?

Aos 300 anos!

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Marcelo Weber


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Linha Verde – Av. José Richa, nº 10546 Prado Velho - CEP 81690 100 Fone 41 3218 8000 - Curitiba - PR www.colegiomedianeira.g12.br

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