ANTOLOGIA POÉTICA ILUSTRADA
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Ilustrações feitas pelos alunos da Disciplina Desenho, Verbo e da Oficina Desenhante
Alice Siqueira Lang Cora Ramos Mirandez Clara Lacoma Visibelli Daniel Mendes Santos Diego Santos Barbosa de Oliveira Isabela Stefanutto Ardito Mariana Casolari Landell Sabrina Pegorin Brier Virgínia Rigotti Brito Dezembro 2020
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Seleção de textos dos professores Evandro Rodrigues, Mirla Fernandes e Vivian Gusmão.
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Poema em Linha Reta Álvaro de Campos Ilustrações Virgínia Rigotti Brio
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Tecendo a manhã João Cabral de Melo Neto Ilustrações Virgínia Rigotti Brio
Traduzir-se Ferreira Gullar Ilustrações Isabela Stefanuto Ardito
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Motivo Cecília Meireles Ilustrações Isabela Stefanuto Ardito
Um Cartão de Visita Alberto da Cunha Melo Ilustrações Clara Lacoma Visibelli
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Solidão Oswald de Andrade Ilustrações Clara Lacoma Visibelli
Quando eu morrer quero ficar Mario de Andrade Ilustrações Mariana Casolari Landell
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Cocktail Party Mario Quintana Ilustrações Mariana Casolari Landell
Uma faca só lâmina João Cabral de Melo Neto Ilustrações Sabrina Pegorin Brier
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Cantiga Manuel Bandeira Ilustrações Sabrina Pegorin Brier
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Barragem Bruna Beber Ilustrações Diego Santos B. Oliveira
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Uma didática da Invenção III Manoel de Barros Ilustrações Diego Santos B. Oliveira
O guardador do rebanho Alberto Caeiro Ilustrações Daniel Mendes Santos
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Socorro Alice Ruiz Ilustrações Cora Ramos Mirandez
Mapa Murilo Mendes Ilustrações Alice Siqueira Lang
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Traduzir-se Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
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Uma parte de mim ĂŠ multidĂŁo: outra parte estranheza e solidĂŁo.
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Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.
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Uma parte de mim almoรงa e janta: outra parte se espanta.
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Uma parte de mim ĂŠ permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim ĂŠ sĂł vertigem: outra parte, linguagem.
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Traduzir uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte?
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MOTIVO EU CANTO PORQUE O INSTANTE EXISTE E A MINHA VIDA ESTÁ COMPLETA. NÃO SOU ALEGRE NEM SOU TRISTE: SOU POETA. IRMÃO DAS COISAS FUGIDIAS, NÃO SINTO GOZO NEM TORMENTO. ATRAVESSO NOITES E DIAS NO VENTO. SE DESMORONO OU SE EDIFICO, SE PERMANEÇO OU ME DESFAÇO, — NÃO SEI, NÃO SEI. NÃO SEI SE FICO OU PASSO.
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Um cartĂŁo de visita
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Moro tão longe, que as serpentes morrem no meio do caminho. Moro bem longe: quem me alcança para sempre me alcançará. Não há estradas coletivas com seus vetores, suas setas indicando o lugar perdido onde meu sonho se instalou.
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Há tão somente o mesmo túnel de brasas que antes percorri, e que à medida que avançava foi-se fechando atrás de mim. É preciso ser companheiro do Tempo e mergulhar na Terra, e segurar a minha mão e não ter medo de perder.
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Nada será fácil: as escadas não serão o fim da viagem: mas darão o duro direito de, subindo-as, permanecermos.
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Chove chuva
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choverando
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Chove chuva choverando que a cidade de meu bem está-se toda se molhando. Senhor que eu não fique nunca como esse velho inglês
que dorme numa cadeira à espera de visitas que não vêm
aí ao lado
que o jardim de
Anoitece sobre os jardins Jardim da Luz
meu bem está-se todo se enfeitando.
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ca
Jardim da Praça da Repúbli Jardim das platibandas
Chove chu choveran que o jard meu bem está-se to enfeitand
A chuva cai de br
uva ndo dim de m odo se do.
cai ruรงos
A magnรณlia
-chuva pรกra
abre o pรกra
sol da cidade
de Mรกrio de
A chuva cai
Andrade
escorre das goteiras do domingo
Chove chuva choverando
Noite Noite de hotel Chove chuva choverando
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Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paissandu deixem meu sexo, Na lopes chaves a cabeça Esqueçam. No Pátio do Colégio afundem O meu coração paulistano: Um coração vivo e um defunto Bem juntos. Escondam no Correio o ouvido Direito, o esquerdo nos Telégrafos, Quero saber da vida alheia, Sereia.
O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaraguá Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, Saudade... As mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro diabo, Que o espírito será de deus. Adeus.
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COCKTAIL
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PARTY
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não tenho vergonha de dizer que ESTOU TRISTE, Não dessa tristeza ignominiosas dos que, em vez de se matarem, fazem poemas: estou triste porque vocês são
BURROS e FEIOS e
.. . A NC
U N rem
r o m não
Minha alma assenta-se no cordão da calçada e
CHORA, olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês
uns AMORES.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a
VERMELHÃO.
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E trocamos brindes,
nossas almas?
acreditamos em
TUDO o que
SEI LÁ!
vem nos jornais.
somos
mas
DEMOCRATAS
e
ESCRAVOCRATAS.
como são
BELOS os
filmes coloridos!
(ainda mais os de assuntos BÍBLICOS...) Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d´água, acenderam-se de
SÚBITO
os postes de iluminação!
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Cantiga Nas ondas da praia Nas ondas do mar Quero ser feliz Quero me afogar. Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a estrela-d’alva Rainha do mar. Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar.
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UMA FACA SÓ LÂMINA
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(ou: serventia das idéias fixas) Assim como uma bala enterrada no corpo, fazendo mais espesso um dos lados do morto; assim como uma bala do chumbo mais pesado, no músculo de um homem pesando-o mais de um lado; qual bala que tivesse um vivo mecanismo, bala que possuísse um coração ativo igual ao de um relógio submerso em algum corpo, ao de um relógio vivo e também revoltoso, relógio que tivesse o gume de uma faca e toda a impiedade de lâmina azulada;
(assim como uma faca que sem bolso ou bainha se transformasse em parte de vossa anatomia; qual uma faca Ăntima ou faca de uso interno, habitando num corpo como o prĂłprio esqueleto de um homem que o tivesse, e sempre, doloroso de homem que se ferisse contra seus prĂłprios ossos. (...)
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Barragem deve ser perigoso esse gosto recorrente de incêndio na boca mas não há saliva pra apagar e não há saliva que apague por isso falo pouco não sei o que de fato queima fecho a boca e o fogo sai pelo nariz respiro mal, meu ar é qualquer fumaça queria um gosto bom, queria pernas pra sair correndo
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Repetir repetir
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— até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.
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O guardador de Rebanhos VIII
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Num meio dia de fim de primavera Tive um sonho como uma fotografia Vi Jesus Cristo descer à terra, Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora E a rir de modo a ouvir-se de longe. Tinha fugido do céu, Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras, No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo à roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque não era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça! Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três, Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras.
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Depois fugiu para o sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz no braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras nos burros, Rouba as frutas dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as cousas, Aponta-me todas as cousas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas. Diz-me muito mal de Deus, Diz que ele é um velho estúpido e doente, Sempre a escarrar no chão E a dizer indecências. A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia, E o Espírito Santo coça-se com o bico E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. Diz-me que Deus não percebe nada Das coisas que criou “Se é que as criou, do que duvido” “Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória, mas os seres não cantam nada, se cantassem seriam cantores. Os seres existem e mais nada, E por isso se chamam seres”. E depois, cansado de dizer mal de Deus, O Menino Jesus adormece nos meus braços E eu levo-o ao colo para casa. ..........................................................................
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Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. E a criança tão humana que é divina É esta minha quotidiana vida de poeta, E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre, E que o meu mínimo olhar Me enche de sensação, E o mais pequeno som, seja do que for, Parece falar comigo. A Criança Nova que habita onde vivo Dá-me uma mão a mim E a outra a tudo que existe E assim vamos os três pelo caminho que houver, Saltando e cantando e rindo E gozando o nosso segredo comum Que é o de saber por toda a parte Que não há mistério no mundo E que tudo vale a pena. A Criança Eterna acompanha-me sempre. A direção do meu olhar é o seu dedo apontando. O meu ouvido atento alegremente a todos os sons São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas. Damo-nos tão bem um com o outro Na companhia de tudo Que nunca pensamos um no outro, Mas vivemos juntos a dois Com um acordo íntimo Como a mão direita e a esquerda.
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Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas No degrau da porta de casa, Graves como convém a um deus e a um poeta, E como se cada pedra Fosse todo o universo E fosse por isso um grande perigo para ela Deixá-la cair no chão. Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens E ele sorri, porque tudo é incrível. Ri dos reis e dos que não são reis, E tem pena de ouvir falar das guerras, E dos comércios, e dos navios Levo-o ao colo para dentro de casa E deito-o, despindo-o lentamente E como seguindo um ritual muito limpo E todo materno até ele estar nu. Ele dorme dentro da minha alma E às vezes acorda de noite E brinca com os meus sonhos, Vira uns de pernas para o ar, Põe uns em cima dos outros E bate as palmas sozinho Sorrindo para o meu sono. .................................................................................
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Quando eu morrer, filhinho, Seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu no colo E leva-me para dentro da tua casa. Despe o meu ser cansado e humano E deita-me na tua cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, Para eu tornar a adormecer. E dá-me sonhos teus para eu brincar Até que nasça qualquer dia Que tu sabes qual é. .................................................................................... Esta é a história do meu Menino Jesus, Por que razão que se perceba Não há de ser ela mais verdadeira Que tudo quanto os filósofos pensam E tudo quanto as religiões ensinam?
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Socorro, eu não estou sentindo nada. Nem medo, nem calor, nem fogo, não vai dar mais pra chorar nem pra rir. Socorro, alguma alma, mesmo que penada, me empreste suas penas. Já não sinto amor nem dor, já não sinto nada. Socorro, alguém me dê um coração, que esse já não bate nem apanha. Por favor, uma emoção pequena, qualquer coisa que sinta, tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva. Socorro, alguma rua que me dê sentido, em qualquer cruzamento, acostamento, encruzilhada, socorro, eu já não sinto nada.
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Me colaram no tempo, me puseram uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo, a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação. Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido, depois chego à consciência da terra, ando como os outros, me pregam numa cruz, numa única vida.
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Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia. Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos. Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado, gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar, alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem o mal. Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter, tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos, não acredito em nenhuma técnica. Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas, é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários, depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas, na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim. Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações… Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida. Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça. Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando, presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção, o mundo vai mudar a cara, a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.Andarei no ar. Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias, me aninharei nos recantos do corpo da noiva, na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários. Tudo transparecerá: vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra, o vento que vem da eternidade suspenderá os passos, dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres, vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar, me insinuarei nos quatro cantos do mundo. Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes. Detesto os que se tapeiam, os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”… Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas, os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães, as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos. Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito… viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
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Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados, dos amores raros que tive, vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor, tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria, estou no ar, na alma dos criminosos, dos amantes desesperados, no meu quarto modesto da praia de Botafogo, no pensamento dos homens que movem o mundo, nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando, sempre em transformação.
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