CORPOS CONTEMPORANEOS
EDITORIAL
Em 2009 surgiu a idéia de produzirmos a Revista do Oswald. A inspiração para esse projeto veio da vontade de criarmos um veículo para o debate e reflexão sobre temas contemporâneos relevantes para o universo escolar. Em 2009, a Revista discutiu a juventude contemporânea; em 2010, o mundo digital, com todas suas redes sociais, blogs e perspectivas de uso de tecnologia, foi o nosso tema. E, nesse ano, nos debruçamos sobre uma nova questão: o lugar do corpo na atualidade. Corpos Contemporâneos é o tema da 3ª. edição de nossa revista. Quais os sentidos e significados do corpo no mundo em que vivemos? Qual a relação que jovens e crianças estabelecem com seus corpos? Qual espaço o corpo ocupa nos processos educacionais? Como a tecnologia incide sobre nossas relações com nossos corpos? Essas perguntas foram disparadores dos nossos convites para os autores dos artigos dessa edição. Maria Antonieta Giovedi , diretora da Educação Infantil do Oswald, discute a importância do brincar para a criança; o professor de Física Jacó Izidro faz interessantes provocações a partir da idéia do corpo-máquina e a psicanalista Marcella Souza e a filósofa Antônia Faro, professoras do Ensino Médio, refletem sobre a dimensão corporal das vivências juvenis. Além disso, entrevistamos dois professores da equipe de Educação Física do Oswald: Patrício Casco, que abordou a cultura lúdico-corporal na infância, e João Paulo Simão, que falou sobre as diferentes linguagens de trabalho com o corpo. Desejamos a todos uma ótima leitura!
Eduardo Roberto da Silva
Diretor Pedagógico do Colégio Oswald de Andrade
Maria de Lourdes Trevisan
Diretora Administrativa do Colégio Oswald de Andrade
OPINIÃO
A criança, o jovem e seus corpos Um corpo que cresce, se desenvolve, se relaciona e aprende. Quando chegam tão pequenas à escola, apegadas a um corpo conhecido, retraídas e chorosas, são acolhidas por um corpo disposto a conhecê-las e fazer-se conhecer. Essa criança que chega traz fortes emoções, movimentos oscilantes, uma fala balbuciante, o olhar curioso e encontra com outros tão parecidos e diferentes dela. O adulto que os encontra é convocado a percebê-las em suas diferentes linguagens e a propiciar espaços de convivência, espaços ricos, que as desafiem. Espaços que mobilizem os sentidos, capazes de oferecer novas oportunidades de movimentos, pensamentos, emoções e relacionamentos. Pois é através da sua experiência que essa criança apreende sobre si, sobre o mundo, sobre os outros. A liberdade de expressão dos movimentos da criança é poder pensar criativamente. Com o cuidado e o olhar sensível dos adultos ela aprende a se conhecer, a expandir e controlar seus movimentos, a adquirir novas habilidades que propiciam vôos ainda maiores. Inicia por imitar os movimentos dos outros e transforma e cria suas próprias brincadeiras. Brincar é linguagem fundamental para as crianças e ela está nesse espaço intermediário entre o corpo e os objetos, dentro
e fora, na fantasia e na realidade. Aprender e ensinar brincadeiras, as tradicionais, as inventadas, de lugares próximos e distantes é parte essencial de um currículo escolar. E o que a define é entregar-se de corpo e alma, seja na construção minuciosa do brinquedo que requer habilidades manuais, no pensamento concentrado que planeja, na negociação com o companheiro de brincadeira e finalmente, na fruição desse brincar. E o corpo também é seu brinquedo, quando os reunimos para dançar, para jogar, quando cada um descobre uma nova maneira de dizer com o corpo algo já dito ou escrito com as palavras.
“Brincar é a linguagem fundamental das crianças“ Sabemos que ao longo da história das instituições escolares. Muitas práticas escolares ignoraram e ainda ignoram, esse corpo que se expressa, se movimenta e aprende, ou pensaram nele apenas como um problema, algo que precisa ser disciplinado para não atrapalhar a produção intelectual. Hoje sabemos, através de muitos estudiosos, entre eles Wallon e Winnicott, que quanto mais esse corpo é ignorado, mais ele se revela adoecendo, restringindo suas capacidades ou surgindo violenta e inesperadamente em um ataque a si próprio ou aos outros. Ao longo de toda escolaridade, quantas modificações
por Maria Antonieta Giovedi (Nana)
diretora da Educação Infantil do Colégio Oswald
físicas, quantos movimentos novos e novas emoções são vividas. Para um adolescente, a possibilidade de expressão genuína, nas mais variadas linguagens, e em especial através da linguagem corporal, pode auxiliá-lo a reconhecer-se de forma mais integrada nas vertiginosas mudanças que seu corpo vive.
“Demorou-se muito para se entender que corpo e mente são uma unidade intrínseca“
Françoise Dolto, em seu livro, ”A Causa dos Adolescentes”, diz: “Se os adolescentes fossem encorajados pela sociedade a exprimir-se, isso os ajudaria em sua difícil evolução”. Um currículo que oferece variadas formas de expressão traz em si a oportunidade de um aprendizado mais eficaz e criativo e possibilidades de encontros mais significativos com o outro. E para os educadores que participam desse processo é ter a satisfação de ver seu trabalho frutificado, através de um corpo que se desenvolve e uma psique que se constitui.
OPINIÃO
“Mens sana in corpore machina” Ligação homem – máquina: Futuro da evolução? Stanley Kubrick foi muito feliz em começar seu filme 2001 Uma Odisséia no Espaço (1968) com a cena dos macacos aprendendo a utilizar um osso como uma arma. Utilizar uma ferramenta como extensão do corpo humano foi um diferencial importante na nossa história evolutiva. Essas ferramentas eram inicialmente utilizadas para o homem caçar e defender, em seguida também para suprir deficiências ou aprimorar nossos sentidos, como no caso da bengala, das próteses, dos óculos, binóculos e lunetas. Mas a revolução da informática e a miniaturização da eletrônica, além dos novos conhecimentos da biologia e da neurologia, estão transformando a ficção científica – como a do antigo seriado O Homem de Seis Milhões de Dólares, inspirada no livro Cyborg, de Martin Caidin (1974 -1978) ou filmes como O exterminador do futuro, de James Cameron (1984) – em realidade. As promessas são enormes e ousadas: câmeras substituindo olhos deficientes. Aparelhos auditivos cada vez menores e mais potentes corrigindo problemas auditivos. Próteses, cada vez mais perfeitas, fazem com que as pessoas que tiveram os membros amputados possam recuperar quase perfeitamente os movimentos. Mas um grande avanço está vindo de uma área, onde se
destaca um médico neurologista brasileiro, professor titular de neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), cotado várias vezes para o prêmio Nobel de Medicina: Miguel Nicolelis. Sua especialidade é justamente a interface cérebro-máquina. Em 2003 Nicolelis e sua equipe surpreenderam o mundo conseguindo fazer com que o cérebro de um macaco controlasse um braço mecânico virtual. Movendo esse braço, o animal explorava um mundo virtual, tocava objetos e mandava informações de volta ao seu cérebro, uma verdadeira interação cérebro-máquina. Em 2014, quando o mundo estiver olhando para os gramados brasileiros, o pontapé inicial do primeiro jogo da Copa pode ser dado por um adolescente quadriplégico, que entrará “andando” juntamente com a seleção brasileira, controlando, através de seu sistema nervoso, um exoesqueleto. Nicolelis espera com isso demonstrar que uma nova etapa está para começar. A interface homem-máquina deixará de ser ficção. Se o exterminador do futuro era robô por dentro e tecido humano por fora, o garoto do pontapé inicial será exatamente o contrário. Homem por dentro, robô por fora. O progresso nessa área tem sido espantoso. A equipe de Nicolelis trabalhou com eletrodos implantados diretamente no cérebro dos macacos,
por Jacó Izidro Moura
professor de Física do Colégio Oswald e autor do blog sobre Ciência e Tecnologia 12dimensao.wordpress.com
HumanTronic v.420
Technology
X-2011
mas outras equipes de pesquisa, em diferentes lugares do mundo, têm utilizado diferentes técnicas, algumas não invasivas. A leitura dos sinais do cérebro pode ser feita, por exemplo, por ressonância magnética. Além dessas interfaces que conectam o cérebro à máquina, já foi possível obter um implante cerebral que aprende e evolui junto com o cérebro, deixando de ser apenas um leitor de sinais, mas se adaptando e acumulando conhecimento, para com isso melhorar sua eficiência. Estamos, portanto, atravessando numa nova fronteira. A comparação do cérebro humano com um computador é inevitável. O cérebro é lento para muitas coisas, um computador
consegue fazer cálculos numa velocidade estonteante. Mas o computador é “burro” em coisas que nosso cérebro faz com tremenda facilidade: reconhecer um rosto, identificar metáforas numa frase, fazer relações simples através do senso comum. Quando dizemos “Antônio está no banheiro” não precisamos dizer que sua cabeça também está no banheiro. Para um computador isso não é tão simples. Poderemos, assim, chegar a um novo tipo de “ser humano”. Não haverá somente uma mudança no corpo físico, mas uma revolução na mente. Cérebro e máquina, juntos, poderão suprir as limitações um do outro. O que virá com isso? Difícil prever. A ficção normalmente cai na síndrome de Frankenstein, isso é, a criação se volta contra o criador. Quantos são os filmes e livros, onde as máquinas e os robôs se voltam contra os humanos? Isaac Asimov foi uma exceção, em seu livro “O homem bicentenário” ele nos conta de um robô que aos poucos vai querendo se tornar humano. Parece que o caminho está se dando ao contrário, o homem está se ligando a máquina, mas o que deverá surgir disso deve ser outro tipo de ser. Nosso corpo vem sendo modificado a milhões de anos pela evolução biológica. Muito tempo foi preciso para que descêssemos das arvores. Outro tanto para que andássemos em pé, e mais outro tanto para aprendermos a utilizar armas e ferramentas. A ciência e a tecnologia estão acelerando esse tempo de forma colossal. Aqui nem abordei as pesquisas envolvendo a biotecnologia, outro campo que promete mudanças radicais.
Cada vez ficam mais próximas afirmações como a do personagem Neo do filme Matrix : “Eu sei Jiu-Jitsu!”. Será que conectaremos nosso cérebro a uma máquina, e um programa sobre essa arte marcial poderá ser baixada em nossas cabeças, como um simples download? Nossos corpos poderão responder a esses comandos? As escolas perderão sua função, já que qualquer conhecimento poderá estar disponível? Poderemos modificar nosso corpo, atrelando a ele outros braços mecânicos, rodas, ou até mesmo asas? Ainda é muito cedo para responder a essas perguntas. Particularmente acredito que essas questões, que sempre são levantadas, não fazem muito sentido, é como afirmar que o cinema iria acabar por causa da TV, depois por causa do vídeo cassete, depois por causa do DVD. Claro que a questão agora não é sobre um aparelho tecnológico qualquer, trata-se da nossa própria evolução como espécie. Como educador, acredito que a escola nunca vai deixar de existir, pois educar é diferente de ensinar. Previsões não devem ser feitas para que verifiquemos se elas estarão certas ou erradas, previsões devem ser feitas, para que tenhamos um pequeno vislumbre do que está por vir, e com isso avaliar algumas conseqüências. Se a invenção da roda foi um marco na história da tecnologia, por permitir que o homem ganhasse uma extensão do seu corpo, temos agora a possibilidade de uma ampliação ainda maior e mais profunda, uma evolução talvez não prevista por Darwin, mas que acaba de entrar num caminho sem volta.
ENTREVISTA
Culturas do Corpo
por Lúcia Lima
Professor e escritor, Patricio Casco é formado em Educação Física e Jornalismo pela USP, e professor do Oswald desde 1995. Nessa entrevista, faz uma reflexão sobre a cultura lúdico-corporal e sobre a importância da brincadeira em nossas vidas e o aprendizado desta prática.
Prática esportiva na escola Podemos começar pensando em um conceito: o lugar do esporte não é a escola, é o clube. Isso pode ser chocante de dizer, mas não se definirmos a diferença entre esporte e jogo esportivo. O esporte tem como características competição, exclusão, padronização e instrumentalização; e promove uma relação com o corpo mais instrumental, voltada para a “performance”. Já para jogo esportivo se podem listar características diversas, como inclusão, democracia, cooperação e participação. A grande diferença está neste caráter lúdico do jogo esportivo. Ao falar de jogo esportivo, aí sim estamos falando da escola: o esporte passa a ter seu lugar nela. Mas o corpo também pede dança, malabarismo, consciência corporal, pede expressão, e muitas vezes estas coisas não estão presentes no esporte de maneira tão nítida. O que buscamos fazer é dar significado ao esporte pelo aprendizado, pela experiência e pelo contato. Aqui no Oswald temos bem claro que a prática esportiva na escola deve ser pensada como o jogo esportivo, onde todos participam. Esta prática é muito importante, mas se não houver esta característica lúdica do jogo,
estaremos apenas reproduzindo a prática do esporte sem crítica. O que é incoerente com o papel da escola, que necessariamente é crítico.
O brincar na infância de hoje Hoje há, principalmente, muito medo. Existe muita violência, mas algumas vezes o medo pode ser maior que a violência. O papel da mídia é avassalador em assustar as pessoas, que têm cada vez mais medo de sair, de ocupar os espaços da cidade. O espaço urbano esta sendo cada vez menos ocupado pelas pessoas, e isso abre uma possibilidade de que essa violência realmente se instaure. As crianças não estão ocupando os campos de futebol, as praças, etc. Na periferia, vejo muitos espaços onde as
““O brincar tem um caráter de construção social” crianças deveriam estar brincando e não estão. Em segundo lugar, temos a presença forte da tecnologia na
infância atualmente. Os pais tendem a achar mais seguro que a criança esteja em casa no computador do que brincando na rua. Ficam amedrontados, mas quem paga são as crianças, que não brincam. Eu costumo falar para meus alunos que digam aos pais “o professor de Educação Física disse que a lição de casa é brincar!”, e não somente no computador. O problema não é jogar no computador, o problema está em quando isso se transforma em toda a brincadeira. Os jogos eletrônicos dão um poder inquestionável à criança, o que resulta no não surgimento de conflitos; e quando não há conflito, não há crescimento. O que acontecerá é que estes conflitos aparecerão em outros lugares, em outras relações. O conflito que deveria ser mediado na brincadeira, trabalhado no faz-deconta, na relação de antagonismo de um jogo de futebol, por exemplo, será exercido de outra maneira: muito menos lúdica e talvez muito mais perigosa. O brincar tem um caráter de construção social, a pessoa está exercitando o diálogo com o outro, a tolerância,
“Mas se você não aprende a brincar, não saberá ser cidadão, artista ou político, pois estas atividades dependem da relação entre as pessoas” aprendendo com as dificuldades. A falta destes exercícios está nos tornando adultos infantilizados, com falsa idéia de maturidade. A passagem para o crescimento vem na medida em que você exercita o conflito, que está presente na brincadeira: ela não é pacífica, é preciso aprender. Mas se você não aprende a brincar, não saberá ser cidadão, artista ou político, pois estas atividades dependem da relação entre as pessoas. Portanto, sem ter este exercício lúdico da infância, que deveria se estender para as outras etapas da vida, me parece que se perde algo de muito grave.
O trabalho em sala de aula A escola tem o papel de fazer um resgate, uma re-significação da atividade infantil. A rua nunca mais será a mesma, além da existência atual de uma influência midiática que acaba por padronizar as atividades e gostos infantis. Então a escola pode mudar isso, na medida em que incentive que as crianças brinquem, e mostre a possibilidade de se divertirem com diversas brincadeiras. Talvez a escola possa ser o que a rua já foi, há muito tempo atrás. O trabalho com a alfabetização corporal pressupõe que existe uma linguagem do corpo. Para mim está cada vez mais claro que esta linguagem é a imagem, e estamos testando em aula uma metodologia para trabalhar este veículo. Usando a tecnologia podemos capturar em ‘stopmotion’ os movimentos dos alunos e
trabalhar com um recurso alternativo à memória deles, para o aprendizado. Em um primeiro momento as crianças fazem determinado movimento sem alguma explicação técnica, testando seus movimentos e assistem à gravação feita no telão. Em seguida trabalhamos a técnica, o conhecimento e as definições dos movimentos (como um arremesso de handball, por exemplo). Eles repetem a ação e gravamos novamente: os resultados são impressionantes. Não há um salto só técnico, o qual o aluno é capaz de perceber através do maior domínio e qualidade expressos em seus movimentos; mas também vemos o grupo se apoiando, e percebem-se avanços em absolutamente todas as crianças. Na alfabetização corporal compreendemos que o corpo, além de uma linguagem, também tem um tipo de expressão que pode ser discutida, compreendida e reconhecida. E através desta prática com imagens se mostra ao aluno suas próprias possibilidades.
OPINIÃO
Uma fala para o corpo Como nos lembra Drummond, repleto de dúvidas, medos intensos e sobressaltos agudos é o “crescer”. Mudanças velozes no corpo e no espírito nos espreitam, expectativas alheias e próprias nos aguardam, decisões importantes nos pressionam. É sabido que nos transformamos durante a vida toda, pois somos, por excelência, seres inacabados, inconclusos. Mas nunca esta transformação se dá com tanta intensidade e turbulência quanto na adolescência. É isso que nos permite dizer que a adolescência pode ser vista como uma fase de reformulação intensa do eu, em um momento no qual várias perdas devem ser elaboradas. Caem por terra referências fundamentais da infância, ao mesmo tempo em que o adolescente se vê lançado em um futuro ainda incerto que lhe cabe construir. A sensação de proteção e confiança plenas vividas na infância desaparece; agora, a expectativa dos pais não se contenta mais com o simples sorriso da criança, mas exige esforços e decisões que apontem para algum êxito na vida adulta. É uma confrontação com a falta, com o limite, um momento de reposicionamento diante dos valores e da vida, em um movimento contínuo de ressignificação do passado, do presente e do futuro.
Antônia Faro Agostinelli Peixoto Barbosa professora de Filosofia do Colégio Oswald Marcella Souza e Silva psicanalista e professora de Psicologia do Colégio Osawald Ilustração: Marcelo Poletto, professor de Artes Visuais do Colégio Oswald
Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser Esquecer.
Isso sem dizer do corpo.... Com a eclosão da sexualidade, o adolescente tem que confrontar-se não só com o luto do seu corpo infantil, mas também com a novidade que seu corpo em transformação representa: a intensidade pulsional própria desta fase, as novas sensações corporais despertadas em si (e no outro!), a aparência e imagem que muitas vezes divergem das desejadas e almejadas. Assim, é muito comum a experiência de não reconhecimento e de estranhamento vivido pelo adolescente dentro da sua própria pele. Mas, afinal, que expectativas o adolescente tem em relação ao mundo e que expectativas o mundo tem a respeito desse jovem? São expectativas que fatalmente levam à frustração. Temos uma sociedade que privilegia o aparecer em detrimento do ser, propondo respostas com ar de ciência, encapsuladas num discurso que se deseja pronto, mas que encobre uma enorme cisão. O invólucro do discurso é a exigência da felicidade, que se conquista ao moldar o corpo segundo padrões de beleza pré-estabelecidos e a partir da concepção de que o vencedor é aquele que está por cima, o bem sucedido, bem humorado, bem remunerado, bem vestido. Um discurso que reduz as trocas afetivas à soma das “ficadas” pontuais, à soma de parceiros, a uma aritmética cujos valores éticos se intercambiam e se equivalem como os valores de mercado, como se a moeda afetiva - o parceiro, o tempo necessário para o amadurecimento do afeto, do toque, do prazer - fosse como uma coisa pronta que se consome. A sociedade do consumo tem como um dos objetos máximos
de desejo este ser inquieto e mágico, o adolescente. É um ser que fascina, com seu corpo sem as marcas que a maturidade vai acumulando, sem tantas frustrações deixadas pelos sonhos vendidos, sem as desilusões de quem acreditou na quimera da felicidade sem limites. Coisa entre coisas - o adolescente se conforma com esse imperativo social? Por um lado, vemos o jovem desejoso de ser aceito nessa sociedade que se quer tão pronta, e quer seu corpo preparado para encaixar-se nela. Daí a procura cada vez mais cedo pelos anabolizantes, pelas cirurgias plásticas, pelas drogas que provocam prazer. Daí o surgimento de novas doenças, como os transtornos alimentares (anorexia e bulimia). A fase da juventude, que poderia ser um momento privilegiado para a formação e elaboração do eu, de um ser rico de experiências, encaminhado para a outra margem do rio - a maturidade, onde desdobram-se os desafios - reduz-se hoje a um momento em que os conflitos devem ser calados a qualquer custo. A sociedade contemporânea troca a riqueza das experiências pela prontidão, o tempo pelo atropelo. Entretanto, o mesmo jovem, ser privilegiado por estar no tempo de vivenciar em si este estranho que o afasta do seu eu infantil enquanto o aproxima dos desafios do seu ser futuro, encontra esse outro desejo inquieto: o de tornar-se homem entre os homens, ser entre seres. Homens de carne e osso, seres repletos de experiência e liberdade, o que conduz ao objetivo que é desde os primeiros tempos o desafio maior da humanidade: procurar através dos percalços do processo da existência o bem viver - ao propor ao outro um caminho comum que passa pela manifestação da saúde e das verdadeiras trocas afetivas.
ENTREVISTA
Nas fronteiras do corpo
por Lúcia Lima
João Paulo Simão é professor de Habilidades Circenses e de Capoeira no Colégio Oswald, além de ser integrante do núcleo artístico e pedagógico Barbatuques (barbatuques.com.br) e pesquisador da área de expressão corporal. Em entrevista à Revista do Oswald, João abordou diversos aspectos da sua experiência profissional nas fronteiras entre as artes e o corpo.
Expressão corporal no ensino No Oswald o núcleo de Educação Física também é composto por disciplinas ou práticas ligadas à expressão corporal, como dança e circo, que são artes corporais. As atividades dialogam entre si e articulam conteúdos que não são exclusivamente de Educação Física, mas também artística. É especial termos na área de Educação Física do Oswald propostas que abordam os movimentos do corpo e as expressões artísticas, numa abordagem diferente das mais tradicionais, nas quais o esporte está ligado principalmente ao rendimento e à competição. Isso reflete uma visão diferenciada que a escola tem sobre a área e sobre o tratamento a ser dado ao corpo. Vejo o projeto do 3º ano do Ensino Médio (projeto interdisciplinar que envolve a área de Dança, Teatro, Música, Circo, Artes Plásticas e Esportes) como um exemplo das possibilidades de articulação entre elas.
“Na adolescência, o corpo é o centro de tudo”
“O jovem que tem uma experiência com as práticas corporais pode ter uma relação diferenciada com seu próprio corpo”
O jovem e seu corpo A relação dos jovens com seus corpos é uma relação multifacetada. Você pode visualizá-la através de diferentes questões, como alimentação, autoestima e amadurecimento. Na adolescência, o corpo é o centro de tudo, eles podem não perceber, mas é. Atualmente, as preocupações com a auto-imagem podem levar a mudanças na alimentação: comese muito ou muito pouco. Além disso, os jovens estão em um
momento de amadurecimento, e o amadurecimento físico muitas vezes vem mais tarde que o cognitivo. É um momento crucial de relação com seus corpos, pois lidam com autoestima, primeiras relações sexuais e com uma variedade de experiências que tem sempre o corpo como foco. Nesse sentido, um trabalho corporal pode ajudar o jovem a lidar de maneira mais interessante com essa etapa. O jovem que tem uma experiência com as práticas corporais pode ter uma relação diferenciada com seu
Música corporal
próprio corpo. Isso irá influenciar sua vida no futuro. Nas aulas de Circo, por exemplo, o que é exigido dos alunos são habilidades muito complexas. Praticamos exercícios que envolvem medos (como de altura ou de movimentos mais arriscados) ou o desenvolvimento de uma coordenação motora muito apurada. Nosso objetivo não é que tenham um conhecimento profundo, mas que consigam enfrentar desafios e aprender as noções básicas da linguagem circence, como malabares, acrobacias de solo, perna de pau e palhaço. Essa vivência proporciona aos jovens uma visão diferente de seu próprio corpo.
Como artista, dentro do grupo Barbatuques, e também no recorte de minha pesquisa de mestrado na UNICAMP, investigo as relações entre corpo e música, tendo como área de estudo a música corporal. Percebo que, nesse campo, o corpo deixa de ser só um instrumento. Por exemplo, quando se toca um violão, é ele que produz som, o corpo é apenas o instrumentista que toca o violão. Já na música corporal, o corpo é ao mesmo tempo instrumento e instrumentista: dentro da música corporal não existe essa diferença. Fazemos música através dos sons que o corpo pode produzir e nos movimentamos gerando um som que se volta para nosso próprio corpo.
“Na música corporal, o corpo é ao mesmo tempo instrumento e instrumentista.