Revista Rupturas 2015

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Já há alguns anos, o Oswald organiza o Rupturas, que tem o intuito de romper com as estruturas tradicionais de ensino no ambiente da sala de aula. Trata-se de um espaço para debates, palestras, filmes e oficinas a partir de temáticas que ampliam e aprofundam o currículo, organizado em conjunto por alunos e professores.


EDITORIAL No Colégio Oswald, temos uma matéria chamada Projeto de Intervenção na grade curricular do 3º ano do Ensino Médio. Essa matéria consiste em apresentar um projeto para melhorar algo que precise de interferência em âmbito físico-social dentro da escola ou na cidade. Foi em meio às discussões dessa aula que surgiu o Coletivo Quaerere, que tem como maior preocupação o preconceito e o assédio vividos por questões de gênero e sexualidade, tais como machismo, homofobia e abusos de ordem física ou psicológica. Depois de perceber situações machistas por parte dos alunos e resistência de muitos deles para discutir tais questões, achamos prudente focar as ações do Coletivo no ambiente escolar. Isso porque, na escola, acabávamos discutindo a sexualidade a partir de abordagens mais biológicas (por exemplo, as DSTs); então, vimos a necessidade de unir questões de sexualidade às questões de gênero e ampliar o debate, a reflexão. Já há alguns anos, o Oswald organiza o Rupturas, que tem o intuito de romper

com as estruturas tradicionais de ensino no ambiente da sala de aula. Trata-se de um espaço para debates, palestras, filmes e oficinas a partir de temáticas que ampliam e aprofundam o currículo, organizado em conjunto por alunos e professores. Aproveitando esse espaço, nós, do Coletivo Quaerere, contando com a participação de convidadas, organizamos duas semanas - de 15 a 26 de setembro - para discutir questões de gênero e sexualidade, promovendo atividades práticas e teóricas para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental II ao 3º ano do Ensino Médio, na Unidade Cerro Corá. Nas matérias que compõem esta revista, contamos como foram as atividades do Rupturas, buscando problematizar questões presentes em nosso cotidiano que muitas vezes parecem invisíveis. Esperamos que a revista possa contribuir para a ampliação do diálogo, tanto dentro quanto fora da escola. Boa leitura! Coletivo Quaerere


A Roda Das Mina: os relatos de empoderamento Estudantes trouxeram experiências pessoais e dialogaram sobre a cultura do estupro

Éramos mais de quarenta mulheres reunidas no Auditório. Estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental II ao 3º ano do Ensino Médio, professoras e funcionárias da escola. A proposta: uma roda de relatos e empoderamento na qual pudéssemos contar nossas histórias de assédio, abuso e violência, para que conseguíssemos pedir ajuda e tentar desatar alguns dos nós presos em nossas gargantas. Para que isso pudesse acontecer, nós - do Coletivo Quaerere - pedimos a colaboração e o respeito à privacidade de todas as presentes, para que aquele espaço fosse de fato seguro para todas. E foi exatamente isso o que aconteceu.

Falaremos, aqui, um pouco sobre esse encontro. Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer todas as meninas presentes que, compartilhando seus relatos ou apoiando umas às outras, mostraram força e coragem inenarráveis. Se no dia a dia parece que há um abismo entre as turmas do 9º ao 3º ano, ali foi criada uma união entre todas nós, estabelecendo um pacto de apoio mútuo. Entre os assuntos que surgiram a partir dos relatos, discutimos a cultura do estupro e pensamos juntas sobre o porquê de a grande maioria das meninas ali presentes já terem vivido algum tipo de abuso – e


É necessário que a nossa voz não pare de crescer.

Por Ana Carolina Yamamoto, aluna do 3º ano do Ensino Médio

por quais motivos nenhum desses casos foi denunciado ou discutido por muito tempo. Quando falamos hoje sobre o estupro, tratamos das ações de caráter sexual que são cometidas sem que haja o consenso de uma das partes envolvidas, isto é, contra sua vontade, seja porque a vítima não queria participar desse ato ou porque estava sem condições de consentir (alcoolizada ou dormindo, por exemplo). O abuso sexual acontece todos os dias e em todos os lugares. Segundo dados de 2014 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só no Brasil, há um caso de estupro a cada onze minutos. Este é o crime de

maior subnotificação do mundo, ou seja, o menos denunciado. Na grande maioria dos casos o estuprador é um parente, um amigo da família, um namorado ou até mesmo um colega de trabalho ou de escola da vítima – e esse sujeito, em boa parte das situações, sequer se preocupa com o abuso que cometeu e não acha que fez algo errado. A altíssima taxa de incidência e o baixíssimo grau de denúncias estão diretamente relacionados aos valores da sociedade patriarcal em que vivemos. A ideia de que é possível, normal ou aceitável violar uma mulher e passar por cima de suas vontades se encaixa dentro da mentalidade que não vê a mulher como um ser humano


que pensa, deseja e tem direito ao próprio corpo.

disso, muitas vezes recebendo a culpa pelo ocorrido (“Mas você provocou ele, né?”).

De acordo com esse pensamento, a mulher seria um objeto em posição de inferioridade, seja como instrumento de dominação (como no caso da colonização brasileira, na qual os portugueses recémchegados estupraram as índias nativas do território descoberto, impondo-se como donos deste - é daí que vem boa parte da tão falada miscigenação do país) ou como um produto a ser vendido, como nas propagandas de cerveja, nas feiras de automóvel, nos filmes pornográficos e na prostituição. Há toda uma classe de pessoas envolvidas na comercialização do sexo das mulheres.

Silenciadas, as histórias acontecem e se repetem aos montes sem que isso seja questionado. É preciso que sejam fornecidas ferramentas e que sejam criados espaços que permitam a conversa sobre os casos de violência sexual, que as mulheres saiam de um lugar de culpa e passem a denunciar cada vez mais esses abusos. É necessário que a nossa voz não pare de crescer.

Nesse processo, não apenas os homens se encontram no direito de decisão e apropriação dos nossos corpos (“Ah, mas eu sei que ela queria”), como nós nos vemos mudas e impotentes diante

A Roda Das Mina talvez tenha sido um rascunho disso. Não sabemos ainda exatamente como dar continuidade a ela, mas sabemos que queremos manter o espaço para o diálogo e o empoderamento das mulheres na escola, para que nós todas, juntas, estejamos cada vez mais fortalecidas.


De bike, fazendo política Conversa com mulheres ciclistas trouxe diferentes experiências de luta pelo espaço na rua e na sociedade Por Júlia Andrade, aluna do 3º ano do Ensino Médio Para conversar com os alunos do 1º e 2º ano do Ensino Médio, foram convidadas quatro mulheres, todas ciclo-ativistas, que lutam por um mundo no qual as mulheres tenham tanto espaço, reconhecimento e direitos quanto os homens em cima de suas bicicletas; são mulheres que pedalam e transformam o mundo. A conversa começou com a jornalista e apresentadora de televisão Renata Falzoni, que contou sua jornada profissional e debateu o papel da bicicleta na sociedade em que vivemos hoje em dia, principalmente na cidade de São Paulo,

que segrega espaços públicos e torna quase impossível a circulação de pedestres em vários espaços públicos. Atualmente, a bicicleta é um meio de transporte que disponibiliza acesso irrestrito a qualquer espaço; ela traz uma mobilidade sustentável, que pode um dia tornar a cidade mais humana, responsável, cautelosa e reduzir o trânsito e a velocidade dos carros que preenchem as ruas paulistanas. Em seguida, escutamos a fala de Teresa D’Aprille, criadora do grupo de ciclistas “Saia na Noite”, formado por mulheres que saem juntas para pedalar


nas noites de São Paulo. Filha mais velha entre sete irmãs, criada para casar, ela se separou aos 37 anos, quando teve a chance de começar a estudar, trabalhar e pedalar. Há menos de 50 anos, mulheres desacompanhadas de homens nas ruas e de noite eram automaticamente consideradas prostitutas. Hoje, o projeto “Saia na Noite” promove o empoderamento das mulheres, por meio do contato social, da amizade, do acolhimento e do companheirismo. No vídeo teaser do projeto, a psiquiatra e integrante do projeto Maria Claudia Lordello afirmou que o grupo promove a autoestima e é um momento só das mulheres, em que elas podem se distrair, desabafar e se divertir. Outra contribuição para a discussão veio da jovem ativista Talita Noguchi,

cerca de 30 anos mais nova que as duas ciclistas anteriores, portanto, com vivências e experiências de um mundo já bastante diferente em relação à posição feminina na sociedade. Talita trouxe assuntos muito importantes, tais como o peso do patriarcado, o modo como os privilégios masculinos ainda estão muito presentes na realidade em que vivemos e como a revolução não se faz por si só, assim como uma bicicleta não passa de um instrumento, de um objeto, sem uma pessoa para pilotar. Ressaltou que, inclusive no mundo das bicicletas, o poder da fala de um ciclista branco e cisgênero é bem maior do que o de uma ciclista, e o de uma ciclista branca e burguesa é maior do que o de uma ciclista negra. Então, para que algo mude, é necessário um diálogo que respeite os lugares de fala desses vários sujeitos sociais.


Estar com outras mulheres é um momento de compartilhamento de problemas e desafios semelhantes.

Por fim, tivemos a colaboração de Heloise Fruchi, também jovem cicloativista, que, além de ter adotado a bicicleta como o seu principal meio de transporte há mais de dois anos, faz política em cima da bicicleta, como ela mesma diz. Heloise trouxe reflexões bastante importantes em relação ao acesso das mulheres às ruas hoje em dia, principalmente à noite. Além disso, problematizou algo bem sério que todas as mulheres que circulam pela cidade sofrem: o assédio. O corpo da mulher é, de certa forma, visto pelos homens como um objeto de desejo e de disputa entre eles, e isso faz com que se sintam no direito de agredir verbal ou até fisicamente mulheres que estão supostamente “invadindo” o espaço público, lugar que até hoje não naturalmente lhes pertence. É um desafio vivido a cada dia.

Estar com outras mulheres é muito importante, pois é um momento em que é possível o compartilhamento de problemas e desafios semelhantes, o acolhimento e a compreensão – uma situação completamente diferente quando se tem homens entre as mulheres. Isso torna clara a razão que leva alguns espaços a serem exclusivos para mulheres. Ainda nos dias de hoje, infelizmente, o corpo feminino não pode frequentar certos espaços em certos momentos. Entretanto, a bicicleta desafia essa lógica. Não são uma, duas ou uma centena de ciclo-ativistas que irão democratizar os direitos e acabar com o sexismo de uma vez, mas cada uma que soma ao grupo, que entende e que luta, já faz uma enorme diferença.


Representação de gênero na construção de heróis e heroínas Oficina para o 6º ano do Ensino Fundamental II estimulou a reflexão sobre gênero por meio do processo criativo Por Catarina Sarkovas, aluna do 3º ano do Ensino Médio

No dia 25 de setembro, como parte da programação do Rupturas do Colégio Oswald, ocorreu uma oficina sobre a representação de gênero em filmes, histórias em quadrinhos e desenhos animados. A atividade aconteceu no Auditório e no Pátio Cultural do colégio e foi desenvolvida para os alunos e as alunas do 6º ano do Ensino Fundamental II e organizada pelo Coletivo Quaerere. Na primeira parte da atividade, o Coletivo apresentou diferentes exemplos de heróis e heroínas - a maioria bem conhecida pela faixa etária dos alunos - e


propôs uma conversa com reflexões sobre os padrões comportamentais e estéticos das personagens apresentadas. Nessa conversa, foram abordados temas como a menor quantidade de heroínas protagonistas, a padronização dos corpos dessas personagens (magreza, peitos e bundas avantajados, cabelos grandes e lisos, pele clara), a exaltação da força física nos corpos dos heróis e a quantidade irrisória de heróis e heroínas negros ou gordos. Na segunda parte da atividade os alunos foram encaminhados para o Pátio Cultural, onde havia materiais para desenho. A proposta era que imaginassem detalhadamente heróis ou heroínas que gostariam de ser e depois os desenhassem e/ ou escrevessem sobre eles. Todos os alunos se mostraram animados com a atividade, apesar de alguns terem tido dificuldades iniciais para pensar a personagem. Com auxílio do Coletivo, que transitava pelo pátio, e a troca de ideias entre eles mesmos, até o final da atividade a maior parte havia terminado o desenho. Com dedicação, deram nome para as suas personagens e descreveram seus poderes e características. Na terceira parte da atividade, todos voltaram para o Auditório e alguns alunos apresentaram seus desenhos e falaram sobre as escolhas na construção das personagens.


OSWALD NO CINEMA

Oswald no Cinema: Que horas ela volta? Filme de Anna Muylaert questiona desigualdade social e de gênero no Brasil Por Isadora Ambrósio, aluna do 3º ano do Ensino Médio No mês de setembro, assistimos ao filme Que horas ela volta, de Anna Muylaert, no Espaço Itaú de Cinema. O filme foi seguido por um debate enriquecedor com a diretora, os membros do Coletivo Quaerere e os alunos e convidados do Colégio Oswald.

O filme narra a história de Val, empregada doméstica interpretada por Regina Casé, que, depois de muitos anos de distanciamento, finalmente recebe sua filha na casa de seus patrões, onde reside ocupando um pequeno quarto de empregados. Os conflitos surgem quando Jéssica, menina simples, porém, decidida a ingressar no curso de arquitetura da FAU, subverte o cristalizado código que orientava aquelas relações sociais.

Numa das falas de Val, ela nos dá

a chave para o entendimento desse código: “Quando eles te oferecem uma comida que é deles é por ter a certeza de que você vai dizer não”. Isso nos mostra que, na cultura


de trabalho. Com essa deflagração, a tensão pode finalmente irromper e promover um desarranjo que acaba por levar cada uma das personagens a confrontar suas escolhas de vida e, a partir disso, transformá-las. Dentro do campo das transformações, vemos o resgate do papel de mãe por parte da protagonista. Val, para poder sustentar a filha, teve de abrir mão dos cuidados diários para com ela, submetendo-se a um emprego em São Paulo, longe de Jéssica, que permanecera em Pernambuco, a fim de que seus estudos ficassem garantidos.

brasileira, as relações de poder se dão de maneira camuflada, e que sua violenta segregação opera encoberta por uma camada de cordialidade e informalidade. Alheia a esse jogo, Jéssica expõe a fratura que se esconde sob essa pele de maciez social, fazendo com que cada uma das partes que com o acordo compactuam passem, no decorrer da narrativa, a assumir involuntariamente a sua verdadeira posição. É desse modo que vemos Dona Bárbara esvaziando a piscina para que Jéssica não mais a utilize, assim como assistimos deleitados à cena na qual Val comete a “terrível” ousadia de colocar os pés na piscina pela primeira vez, depois de anos

Com isso, se por um lado ela dá conta de um cuidado material que culmina na possibilidade de a filha estudar e suplantar seu lugar na engrenagem social, por outro, os cuidados afetivos são delegados à avó de Jéssica, o que causa na menina grandes estragos emocionais. No entanto, Val possui um coração carregado de afeto, mas que, pela distância que separa mãe e filha, é direcionado para Fabinho, o filho da patroa. Todas essas intrincadas subversões geram marcas sociais de extremas, complexas e sutis ironias. Vemos, por exemplo, Jéssica desdenhar o pequeno e abafado quarto de sua mãe (que para ela não


é uma escolha, mas um destino), enquanto vemos Fabinho preferindo a quentura afetiva do quarto de Val ao seu espaçoso quarto de patrão (pois para ele, a liberdade da escolha atenua a percepção daquela realidade opressora). A terceirização da maternidade e suas implicações parecem ser as questões centrais da narrativa. Bárbara terceiriza a maternidade, delegando-a ao exercício de Val, para cuidar de uma imagem idealizada por sua classe social: a de mulher bem sucedida profissionalmente. Val, por sua vez, terceiriza a maternidade em nome de um futuro melhor para sua filha e de uma quebra do padrão implícito em sua condição social: aquele que dita que filha de empregada doméstica será empregada doméstica. Jéssica, como vemos mais adiante, também sucumbe a esse padrão, na medida em que deixa Jorge, seu filho,

aos cuidados da avó para tentar um carreira em São Paulo. Em nome dessas preservações da individualidade e da potência social, as personagens se enredam numa tecedura irônica que acaba por revelar as imprevisíveis implicações de suas escolhas. Tudo isso nos leva a refletir sobre o papel da mulher em nossa sociedade e sobre o espaço que a maternidade tem nas leis trabalhistas, nos hábitos sociais e na desvalorização que recebe. Por ser uma luta relativamente recente, as mulheres ainda se sentem desprivilegiadas e desprotegidas pelas leis e pelos costumes no que tange ao direito de exercer tanto a sua vida profissional (seja por necessidade, como Val, ou por escolha, como Bárbara), como seu papel de mãe. A questão da dupla jornada feminina ainda está longe de ser equacionada e, também em decorrência


disso, a terceirização da maternidade acaba por se imbricar em outras redes complexas do jogo de poder na nossa sociedade. Quando a tensão é deflagrada pela conduta de Jéssica, que se vale da liberdade que lhe foi oferecida (na certeza hipócrita de que ela a recusaria), pontos vulneráveis de cada personagem são tocados e enervados. Fabinho vê na menina o par que tanto lhe faltava e desse modo a trata - como se não precisasse perceber a hierarquia implícita naquele contato. Carlos percebe-se descontente com seu casamento e, num ímpeto que mistura encantamento e atração sexual, utiliza seu poder de artista bem sucedido como forma de sedução, o que resulta em um assédio sexual. Bárbara, ameaçada pela jovialidade irreverente da menina, utiliza seu poder de empregadora para manter a ameaça sob controle. Vemos, assim, que os conflitos psicológicos das personagens são resolvidos por meio da imposição do poder do mais forte sobre o mais fraco. Impedida de circular pela casa, Jéssica sente-se humilhada e vê-se

obrigada a deixar a residência em uma noite chuvosa na véspera do vestibular. Ainda que em desvantagem, ela consegue fazer a pontuação necessária e dá à mãe uma experiência de muito orgulho. Val, que até então se sentia envergonhada pela filha não compreender qual o seu lugar no mundo, agora vê que essa audácia levou Jéssica a um novo lugar – lugar este que ela mesma sonhara para a menina. Com esse desarranjo, a própria mãe começa a desconhecer o seu lugar no mundo. Entra na piscina, pede demissão, sonha fazer curso para ser massagista e, por fim, pede para que a moça traga Jorge, o neto, a São Paulo. Recebe de volta a alegria de ver Jéssica a chamando de mãe, pela primeira vez na história. A resignação com a qual Val sempre se submetera ao seu destino é, então, subvertida em esperança e o espectador antevê, a partir da transformação das duas heroínas do filme, um destino e um futuro mais promissor para Jorge.

As relações de poder se dão de maneira camuflada


Roda de desconstrução Relato de César Costa, aluno do 3º ano do Ensino Médio

No dia 23 de setembro, em plena semana Rupturas, uma das atividades mais imprevisíveis estava para acontecer: a roda de desconstrução. Essa mesadebate tinha como intuito desconstruir o machismo inerente em cada homem presente e, com isso, fazer com que cada um deles reconhecesse as opressões feitas, inconsciente e conscientemente. Eu tinha uma expectativa bem pessimista em relação à adesão tanto da minha sala, quanto do Ensino Médio inteiro, e, sendo mais sincero ainda, esperava um evento fracassado em termos de público. Felizmente não foi o que aconteceu. Havia muita gente, muito interesse, muito

debate e, em nenhum momento, falta de participação. Primeiramente, a ideia não surgiu comigo, e sim com Carlos Braga, o famigerado Kadu, educador do Oswald. Na preparação para essas duas semanas, ele veio com a sugestão de fazer uma atividade que englobasse mais os meninos do Oswald. Obviamente eu topei. Ele praticamente reuniu todo o material usado, principalmente com suas companheiras sendo participantes de diferentes setores da militância feminista -, que puderam lhe indicar diversos artigos trazendo uma base sólida de debate. Felizmente, não tivemos divergências durante esse percurso.


Lemos textos, tentamos aprender diversos conceitos em relação ao feminismo, separamos vários vídeos, mas o foco era realmente o debate. Bem, voltemos ao dia da roda. O primeiro susto: mais de 40 pessoas entrando na sala para participar. O que foi um prelúdio de uma atividade muito bem sucedida, com o debate fluindo naturalmente, e com tempo para a demonstração de todas as coisas que nós preparamos. Como mediadores da conversa, eu e o Kadu distribuímos para quem estava lá um panfleto com uma imagem, que serviu como um disparador para a discussão.

Com as pessoas muito receptivas, deu certo. Além disso, também mostramos diversos dados para embasar a necessidade de desconstruir o machismo, principalmente da sociedade brasileira. Entre todos eles, os números que mais chamaram atenção foram: três em cada cinco mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos; a cada dois minutos, independentemente de nível social, região do país, credo, etnia e tipo físico, cinco mulheres são agredidas no Brasil; e 77% das mulheres que relatam viver em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente. que

Também passamos alguns vídeos, mostraram desde uma mulher


recebendo milhares de cantadas agressivas na rua até a passividade de um homem frente a uma situação de violência de gênero - o que é contribuir para a reprodução de tal atrocidade. Dessa forma, as duas horas de atividade foram muito bem aproveitadas, com muita humildade para reconhecer os erros - conscientes e inconscientes - que nós cometemos ao longo de nossas vidas e questionando como solucionar esses problemas em nós mesmos. Apesar de estar parecendo simples, não acredito que nós saímos de lá completamente mudados; há sempre hábitos que são muito difíceis de trabalhar, como nossa própria linguagem e raciocínio, coisas que não mudam do dia para a noite, assim como todo o machismo que, por enquanto, é intrínseco de cada homem. Não sei se isso foi realmente o que cada um sentiu, mas no momento foi brilhante, justamente porque algum incomodo surgiu em quem realmente se envolveu com a atividade. E esse seria justamente o segundo susto: ver todos compreendendo muito bem a maneira como todo homem é machista e reconhecer os privilégios que todos têm só por terem nascido com esse sexo (pelo menos foi o

que mostraram). Para finalizar a atividade, foi visto um último vídeo, com uma mulher recitando um poema que tratava do assunto em geral, de uma forma fervorosa, o que fechou a atividade de maneira fantástica. E mesmo após a atividade, no meu dia a dia, vi essas questões sendo debatidas até fora do âmbito escolar. Quem sabe isso não pode ter sido o primeiro passo, mesmo que pequeno, para uma mudança de mentalidade?

Relato de Kadu Braga, educador do Oswald

Desde que surgiu a ideia de fazermos essa atividade, fui tomado por um grande nervosismo. Primeiro, obviamente, porque é muito difícil puxar uma mesa-debate sobre a desconstrução do machismo inerente a todos e todas que vivem em uma sociedade estruturalmente patriarcal, cristã, sexista e, por causa e consequência desses termos todos, uma


sociedade estruturalmente machista. Outra dificuldade no momento de iniciar esse debate foi quando me reconheci em uma situação de muito privilégio: homem, branco, cis, heterossexual e de classe média. Como eu poderia contribuir para uma desconstução de ideias que estariam tão presentes nos alunos? Em meu processo de pesquisa inicial, pude contar com grandes companheiras que, sendo participantes de diferentes setores de militância feminista, puderam me indicar textos, dados e reflexões para que eu pudesse formar uma base sólida de debate. No dia da ação, seríamos eu e uma sala repleta de homens muito jovens, adolescentes em sua maioria. Isso aumentava minha atenção para o que, muito provavelmente, viria a ser um primeiro contato deles com um debate que se levanta frente aos constantes processos de silenciamento que sofreu nos últimos séculos. E para meu “desconforto teórico”, esse primeiro contato de pouco mais de 50 meninos com algumas pautas básicas acerca do debate do feminismo partiria, como disse anteriormente, de um homem, branco, cis, heterossexual e de classe média, que ocupa simplesmente a fração mais privilegiada e opressora de toda nossa sociedade. Estava consciente de meus privilégios e busquei não só mostrar àqueles meninos alguns dados alarmantes acerca do feminismo, mas também levantar nesse debate a importância do reconhecimento dos locais simbólicos, práticos,

econômicos e sociais que ocupamos. Isso para que, a partir dessa perspectiva, pudéssemos observar com maior sobriedade os momentos em que, necessariamente, precisaríamos “sair de cena”; principalmente no que tange à pauta feminista e todas suas lutas e processos. Logo no começo da atividade houve um grande debate acerca da reunião que aconteceria na sala ao lado - no caso, uma reunião exclusiva para alunas, professoras e trabalhadoras do Oswald e comunidade.

Levantar nesse debate a importância do reconhecimento dos locais simbólicos, práticos, econômicos e sociais que ocupamos.

Muitos meninos não entenderam os porquês de uma reunião exclusiva às mulheres; e o porquê de terem o acesso negado à tal reunião. O debate que se estendeu foi muito enriquecedor; os próprios participantes guiaram uma boa conversa, em que a soberania de uma reunião exclusiva a mulheres foi debatida sob a base de uma construção gradativa de argumento.


Denunciando a opressão Relatos da jornalista Aline Midlej motivaram alunas e alunos do Ensino Médio a exporem injustiças sociais atuais Por Camilla Delouya, aluna do 3º ano do Ensino Médio A semana Rupturas teve início, para o Ensino Médio, com a fala da Aline Midlej, no dia 15 de setembro. Jornalista e fotógrafa, formada em 2005 pela Universidade Metodista de São Paulo e, posteriormente, pela Escola Panamericana de Artes, Aline afirma que a experiência que teve viajando por um ano pelo continente africano em 2009, realizando desde a cobertura da guerra civil no Congo até uma entrevista com a primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, mudou sua visão de mundo e sua carreira

para sempre. Atualmente, ela investe seu tempo e coração em pautas sobre direitos humanos e igualdade, tendo recebido o Prêmio Vladimir Herzog do Jornalismo por um série de reportagens sobre o Dia Internacional da Mulher. A jornalista começou a palestra exibindo uma reportagem que ela mesma havia feito acerca da violência sofrida pelas mulheres, na qual ela entrevistava desde mulheres que tinham passado por situações desconfortáveis em transportes públicos como outra jornalista que teve sua calça manchada por ejaculação masculina no metrô - até falas de pais de meninas menores de idade que foram estupradas


e não tiveram apoio nas delegacias. Os comentários e questionamentos que Aline ia tecendo durante o debate com os alunos do Colégio Oswald demonstraram a força e o pulso firme da palestrante, que, por conta da sua profissão, pôde dar visibilidade a esse tipo de violência. Ela se colocava não apenas como informante do que acontecia pelo mundo, mas, sim, como agente que sofre da mesma opressão e que está disposta a mudá-la. Aline encerrou a abertura com uma entrevista com a Maria da Penha, mulher que, depois de muita luta, pressionou o Poder Legislativo até que medidas contra o feminicídio e violências domésticas

fossem tomadas, recebendo uma lei em sua homenagem (Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006). Os dados que a jornalista agregava às informações midiáticas apresentadas e as dúvidas e posicionamentos dos alunos fizeram com que o debate fosse um sucesso e abarcasse todos os objetivos que o Coletivo Quaerere tinha com a abertura, preparando os alunos para as duas semanas de Rupturas sobre Gênero e Sexualidade que estavam por vir.


Luiza Coppieters e a construção de gênero Escrito pelas alunas Ana Carolina Yamamoto, Luiza Souza e Juliana Meneghelli, do 3º ano do Ensino Médio.

Professora conversa com os alunos do Ensino Médio sobre as condições sociais e históricas de ser uma mulher transexual no Brasil O “bom dia” de Luiza foi suficiente para chamar a atenção das alunas e alunos do Ensino Médio que estiveram no Teatro do Oswald para participar de um dos momentos de encerramento do Rupturas. A exprofessora de Filosofia do Anglo, formada na USP, militante feminista LBT (Lésbicas Bissexuais Transgêneras) e recentemente eleita pelo Conselho Municipal de Políticas Públicas LGBT, soube criar um espaço valioso de aprendizado, tendo como foco o questionamento das noções comuns sobre gênero, e como ele foi, ao longo dos anos,

posto como um papel social determinado pelo sexo. “Quem é cis aqui dentro?” foi sua primeira pergunta à plateia. Menos da metade soube responder, algumas poucas mãos se levantaram. “Então o resto é trans?”, riu ela, que se dispôs a explicar os conceitos básicos de cisgeneridade e transgeneridade, retornando à origem dos prefixos das palavras e estabelecendo uma base comum para o diálogo. Seguiu, então, para questionar por que a ideia de sexo e gênero estarem automaticamente atrelados parece tão óbvia e simples. De acordo com Luiza,


essa relação é uma construção social, que começou a ser discutida no século XVII e foi ganhando corpo no século XIX, na sociedade Vitoriana. Nesse período, o sexo se tornou objeto de estudo científico, pronto para ser analisado e classificado dentro da lógica positivista de definição e categorização do real. Criou-se um conceito sobre o que é real dos corpos: a “anatomiadestino”, colocada por Freud, na qual um elemento físico é determinante daquilo que será dado a uma pessoa, definindo seus privilégios, seus direitos, suas liberdades e seu lugar social. A cor de pele e a genitália são os melhores exemplos disso.

Paralelamente a esse processo de descrição sobre o sexo, há também a Revolução Industrial e o crescimento do capitalismo. Os homens param de dividir o trabalho com as mulheres e passam a ocupar as fábricas e a esfera pública. As mulheres ficam cada vez mais restritas ao âmbito doméstico e ao seu papel de mãe, geradora do herdeiro que garante a perpetuação da propriedade privada dentro da família. Essa função social, em meio a todos esses estudos, começa a ser descrita como uma característica inata, uma condição


sufocante, como foi bem colocado por Luiza: “A mulher, que é o ser que sente, que pensa, que fala, que quer, que se alegra, que se entristece, que chora, que sorri, que trabalha e que transforma o mundo é reduzida a um órgão específico, a um útero, e à reprodução - sem vulva, sem ovários, sem clitóris, apenas um útero, um lugar de dor. Você desumaniza completamente o ser e estabelece um lugar que é o lugar privado, o lugar da casa”. Apesar de ser um processo longo o suficiente para enraizar profundamente as concepções ocidentais sobre sexualidade,

“falar de gênero é algo muito recente”, aponta a professora. Isso se mostra muito claro quando há um desconhecimento generalizado sobre os conceitos de cis e trans ou, muito pior, quando uma educadora é demitida apenas por assumir um processo de mudança de sexo, sob o pretexto de problemas “de ordem profissional ligados ao cotidiano de aulas, compromissos e relações éticas de uma escola”, como disse o coordenador do Colégio Anglo Leonardo da Vinci, Wagner Dias. Se a receptividade institucional para com estes assuntos fora negativa


outrora, em alguns espaços, pode-se dizer com alegria que, no caso do debate com Luiza Coppieters, o resultado foi positivo. Apesar de ter surgido dentro de um espaço aberto para o debate sobre gênero, a discussão, como todas as outras, dependia muito de um retorno de todas e todos que estavam presentes, e ele foi surpreendente. Luiza não só recebeu diversas perguntas de estudantes e professores, como também foi aplaudida de pé, parabenizada, agradecida e elogiada individualmente por uma grande quantidade de pessoas.


Projeto Teses “O movimento feminista e a padronização da beleza” Relato de Beatriz Pires, aluno do 3º ano do Ensino Médio Ao chegar no 2º ano do Ensino Médio, já era conhecimento de todos o curso de Teses, e imaginávamos a dificuldade de se criar um texto autoral de caráter bastante acadêmico. Cheguei ao ano de Teses não muito distante desse pensamento estereotipado. Comecei o ano com a certeza de que a minha tese seria na área de Psicologia Social, com a professora Marcella Monteiro. As aulas foram andando e foi chegando cada vez mais perto da escolha e justificativa do tema de cada um. Eu não fazia ideia do que gostaria de escrever. Foi então que me ocorreu a ideia de trabalhar com o feminismo, uma vez que desde o ano anterior eu já havia lido vários artigos e blogs sobre o assunto, e era algo

que me intrigava e me maravilhava muito, pois pude perceber ações que sempre me incomodaram no cotidiano. Nunca havia me perguntado de onde se originavam tais pensamentos - só depois fui descobrir a relação desses incômodos com o machismo existente em nossa sociedade. Decidido que falaria sobre o feminismo ou sobre a mulher, eu precisava de um complemento que pudesse direcionar melhor e mais objetivamente a minha escrita. Após revirar tudo o que foi possível em minha cabeça, me vieram flashbacks de situações pessoais que eu havia passado constantemente quando menor. Tenho


uma irmã mais nova que, por sermos de paternidades diferentes, é completamente o meu oposto; enquanto sou morena, com cabelo cacheado e olhos escuros, ela é branca, de olhos azuis, cabelo loiro e liso. Até aí, nunca havia visto problema algum. A partir de uma época, toda vez que saíamos à rua, qualquer pessoa estranha nos parava para falar sobre quão linda ela era, e quão lindos eram seus olhos. Como eu era pequena, não entendia porque eu não podia ser também elogiada, uma vez que estava bem ao seu lado. Essas situações foram se acumulando em meu interior e deteriorando a imagem que tinha de mim mesma. Lembro-me também de outras situações que colaboraram para a escolha do meu tema na tese. Quando eu já era bem maior, as pessoas costumavam me

dizer: “você tem uma beleza diferente”, “você tem uma beleza exótica”. Não sabia como responder, não sabia se aquilo era um elogio por inteiro ou só para não me sentir mal. Me perguntava “o que seria uma beleza normal então?”. Enfim, todas estas situações e perguntas que estavam há anos escondidas na minha cabeça voltaram à tona. Foi aí que decidi que queria escrever sobre o padrão de beleza estabelecido na sociedade em que vivemos, tanto atualmente, quanto em épocas passadas. E, com isso, relacionar de alguma forma com o movimento feminista. A experiência de escrita da minha tese foi bastante especial e única: pude entrar em contato com livros que provavelmente nunca ouviria falar. Ler e escrever o que você acha relevante para a compreensão do capítulo, do subcapítulo


ou do tema é de extrema responsabilidade, e isso me ajudou a crescer como estudante. No final, a tese me proporcionou um olhar crítico importantíssimo nas questões do padrão da beleza, que, assim como o machismo, são tão enraizados em nossa criação que não nos damos conta do quanto aquilo nos faz sofrer. A questão da beleza atual é mais presente no cotidiano do que nós percebemos. Quantas mulheres ou meninas, principalmente, não sofrem diariamente

“Muçulmanas” Relato de Mariana Borg, aluno do 2º ano do Ensino Médio Não sei dizer ao certo quando a questão das mulheres no Oriente Médio, principalmente daquelas que seguem o islamismo, realmente me instigou pela primeira vez, se é que podemos achar data e hora para nossos questionamentos, uma vez que, nesse caso, existia uma certa familiaridade com o assunto. Mesmo

por insatisfações consigo mesmas? Quantas não sofrem de distúrbios alimentares pela imposição de um corpo ideal? Acredito que o tema seja fundamental para ser posto em pauta, não para acharmos soluções (utópicas, pelo menos até agora), mas, sim, para podermos nos observar em cada ação, nos policiar no que é alcançável e saudável, e, principalmente, poder ter o olhar crítico sobre pequenas coisas que passam despercebidas e são aceitas naturalmente.

essa familiaridade aparentasse pequena e simples, quando a vi em um contexto maior, ela ganhou peso em meus ideais e questões. Poderia dizer que a primeira vez que de fato comecei a ter uma certa curiosidade sobre o Oriente Médio, e seus costumes, crenças e verdades tão opostas das nossas (verdades ocidentais, no caso), foi no dia 07 de janeiro de 2015, após o atentado contra a revista satírica Charlie Hebdo, de Paris. Lembro de ter ficado tão transtornada com


acontecimento que comecei a desenvolver uma espécie de necessidade de estudar essa questão. Acho que desenvolvi, talvez inconscientemente, um sentimento de obrigação, e até mesmo respeito àqueles que no momento estavam sendo vistos como bárbaros e loucos – e eu não discordava disso. Não discordava porque tinha a mesma visão sobre eles. Nesse processo, li inúmeros textos que refletiam exatamente a minha posição sobre o ocorrido, que falavam sobre intolerância religiosa, guerras, o 11 de setembro, entre outros acontecimentos. Todavia, dentre todos eles, li um que me chamou muita atenção. Nesse texto, havia relatos de pessoas que se sentiram extremamente ofendidas com o Ilustração (figura de Maomé, considerada sagrada para os islâmicos) e que acharam a morte dos ilustradores extremamente justa e necessária. O fato de alguém ter considerado tal ato como “justo e necessário” me fez avaliar a situação (primeiramente de modo absurdo) como algo quase impossível de se resolver, pois o que estava em questão era verdades tão apostas, entrando em prática no mundo – e ainda assim, eu não via solução para o mesmo.

Este meu pensamento me fez relacionar justamente com as mulheres muçulmanas. Mulheres que são memoráveis (na memória ocidental) por usarem véus e por serem diariamente vítimas, de um sistema machista e religioso (de novo, no olhar dos ocidentais), e que precisam, necessariamente, de um resgate. Escolhi estudar a mulher muçulmana pois me senti na necessidade, novamente, de estudar minimamente sua cultura e religião, e ver situações que me deixavam extremamente incomodas, como o uso do véu, por exemplo, para tentar entender até que ponto a minha cultura interferia no olhar para outra tão diferente, ou podemos dizer oposta. Também, um motivo de cunho pessoal onde precisava não necessariamente tirar essa ideia fixa em mim, mas procurar analisar essas mulheres um pouco mais de perto; deixando de ser uma ideia fixa raza e vazia sobre o mesmo. Confesso também que a minha curiosidade sobre o Oriente Médio veio de uma falta de informação sobre a realidade dessa região. Estudamos a história da Europa, do Brasil, a Independência dos Estados Unidos, nos deixando com a visão do Oriente como “diferentes”, ou até os rotulamos de


“bárbaros”. E esquecemos que, na verdade, é só nossa visão etnocêntrica e quadrada falando mais alto. Foram essas perguntas que me fizeram relacionar o tema da minha tese com a mulher islâmica - essa mulher que, na nossa visão ocidental, é submetida a tantas coisas e tem tratamentos tão diferentes em relação aos homens. Foi assim que decidi estudar não só a forma como a religião Islâmica olha para nós, mulheres, mas também como a cultura interfere na nossa visão para o outro. Como cada um de nós lida com o diferente, com o não usual? O Oriente Médio - mas principalmente o Islamismo - é visto de modo extremamente negativo no mundo Ocidental. Em um mundo onde procuramos agrupar

indivíduos por características semelhantes, deixamos escapar o sentido da verdade; de que antes de grupo eles são seres humanos assim como nós, e antes de julgarmos algo como errado ou certo precisamos de uma visão minimamente imparcial sobre o assunto. A monografia do 2º ano do Ensino Médio foi - e está sendo - não só um grande estudo, mas também uma grande reflexão pessoal. Seria muita pretensão da minha parte querer estudar tudo sobre o Oriente e as mulheres muçulmanas, mas sinto que estou, cada vez mais, entendendo o mundo de outras maneiras, vendo que verdades são relativas e observando um pouco mais de perto a diferença entre culturas, especialmente a Ocidental e a Oriental.


Relatos Coletivos Yasmine Nathalie Mafulde (Universidade Presbiteriana Mackenzie):

Marina Braga (Faculdade Cásper Líbero):

Sou da Frente Feminista Mackenzista e ex-aluna do Colégio Dante Alighieri. Fiquei muito feliz com o convite, mas confesso que não esperava muito do encontro. Ao contrário do que eu imaginava, vi meninas de Ensino Médio não só empoderadas e conscientes de suas experiências, como também meninas já cedo leitoras da teoria feminista. Nunca pensei que fosse ver garotas tão jovens citando, inclusive, feminismo negro e se movendo para acabar com costumes machistas no ambiente escolar. Os meninos que foram à reunião estão de parabéns também, pois a todo momento respeitaram o local de fala alheio. Apoio totalmente essa juventude esclarecida que não hesita em questionar e debater a realidade.

O momento foi incrível! O que mais me impressionou foi a maturidade presente na fala de jovens mulheres, mais jovens ainda que eu. Com meus 16, 17 anos, não pensava no mundo que existe para além do meu umbigo. A conversa foi muito produtiva e mostrou que mesmo estudantes do Ensino Médio podem e devem questionar e problematizar o lugar delas no mundo. Saí de lá cheia de vontade de lutar, pois agora sei que também posso contar com adolescentes cheias de garra, para darem continuidade aos movimentos que nascem nas universidades!


Júlia Cunha (Colégio São Domingos):

Thais Bulhões (Colégio São Domingos):

Quando soube do evento da socialização de coletivos, logo me empolguei com a ideia de trocas de vivências entre pessoas novas. Na roda de conversa, aprendi sobre outras realidades e partilhei de experiências. É legal perceber como as pessoas e os coletivos são diferentes entre si, mas podem quebrar as barreiras e se unirem por causas maiores. Iniciativas como essas me deixam mais esperançosa com o futuro, pois, ultimamente, com tantos retrocessos na política, algumas vezes acabo ficando desacreditada em relação ao País. Romper as tradições e discutir elas é um passo muito importante para a realidade mudar, especialmente para nós, estudantes, que podemos lutar para a mudança de base, na educação, além de ter uma experiência de aprendizado fora da sala de aula, que acredito seja muito significativa. Discussões como essas têm que acontecer sempre, e cada vez em perspectivas maiores, como trazê-las para as escolas públicas.

É sempre importante que haja troca de experiências e conversas entre os núcleos estudantis, especialmente voltados para o assunto de gênero e equidade. Mesmo não estando no mesmo colégio, podemos ver que as experiências muitas vezes se parecem e se repetem, fazendo perceber que vivemos em contextos muito semelhantes e com os mesmo problemas, que devemos sempre lembrar que os nossos problemas não são só nossos e, sim, de um todo, e que eles precisam ser trabalhos no cotidiano e na vida em sociedade. Além disso, mesmo que para nós essas vivências sejam “universais”, ainda fazem parte de uma classe com acesso a maiores privilégios - mas não mais importante do que as outras -, sendo sempre importante lembrar que questões de gênero e feminismo são para todos e não estão desvinculadas de outras lutas, sociais e/ou raciais.


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