COMA

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FICHA TÉCNICA EDITORA-GERAL JOANA FERREIRA behance.net/joanamatos DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO CATARINA GARCIA, FILIPA LUZ

TEXTO HELENA PINTO (P.06|44); ALEXANDRA RAMOS (P.06); TÂNIA CUNHA (P.06); MAFALDA REMOALDO cargocollective.com/remoaldo (P.08|10|28|30); CAMILA NOGUEIRA (P.12); INÊS OLIVEIRA (P.16); MARIA BERNARDINO (P.32) cargocollective.com/mariadino; FILIPA LUZ (P.48).

REVISÃO DE TEXTO HELENA PINTO

ILUSTRAÇÃO FRANCISCO SOUSA PINTO behance.net/alexsoto (P.44|48) TÂNIA CUNHA (P.46); JOANA GONÇALVES (P.50)

IMAGEM DA CAPA E CORRESPONDENTES FILIPA PAIVA, RITA BASTOS, CATARINA RIBEIRO, JOANA FERREIRA

DESIGN GRÁFICO JOANA FERREIRA


06HORAS DE EMOÇÕES 08MARIAN BANTJES 10RON MUECK 12DIÁRIO GRÁFICOFERNANDO TEIXEIRA 16ENTREVISTALEONEL CUNHA 28UIVO 30CRISTINA TROUFA 32ENTREVISTAANA MONTEIRO 44AS CIDADES ASSOMBRADAS 46ERASMUSJOANA PENA




Monty Python’s the Meaning of Life Terry Jones The Borrower Arrietty Hiromasa Yonebayashi

Learn me right Mumford and Sons ft. Birdy Lover, you should’ve come over Jeff Buckley

O fantasma da opera Joel Schumacher

I fell in love with a dead boy Anthony and the Johnsons

A Clockwork Orange Stanley Kubrick

Stockholm Syndrom Muse

Pride and prejudice Joe Wright

The sun is often out Patrick Wolf

J’ai tué ma mère Xavier Dolan

Coin-operated Boy Dresden Dolls

Suicide Room Jan Komasa

Dark Paradise Lana del Rey

Bright Star Jane Campion

Numb/encore Linkin Park

Pirilamps Isao Takahata

Protège-moi Placebo

Gremlins Joe Dante

Katachi Shugo Tokumaru


Fevereiro, o mês em que o Sol perde um pouco da sua timidez e começa a espreitar por entre as nuvens, deixando cair um pouco da sua luz, ainda que gelada, perante as nossas cabeças. Continua o vento, chuva e, por vezes, neve, mas com estas aberturas solarengas surge a esperança de um ambiente mais quente e confortável no exterior, e com esperanças meteorologicamente tão animadoras surgem também uns dos dias mais populares do ano: o Carnaval e o dia de S. Valentim. Fevereiro é de facto o mês de todas as cores e de todas a emoções quer elas sejam uma farsa que proporcione diversão (ou não, dependendo da realidade de cada um…) ou sentimentos profundamente verdadeiros que levam a situações de extremos, que mais tarde são reconhecidas como memórias bem poderosas. Existe ainda um terceiro cenário no que toca toda a emoção do mês; ficar em casa olhar pela janela, fumar um cigarrinho, tomar um café, e ver a neve a cair, a chuva a tamborilar ou o vento a remocar. Afinal de contas nem todos os sentimentos podem ser extremos ou intensos e é isso que dá a cada um deles a devida importância, na altura certa e na quantidade certa. E como muitos de nós desejariam, existem sempre aquelas músicas que gostaríamos que funcionassem como banda sonora ou aqueles filmes em que gostaríamos de ser as personagens, ou pelo menos fazer o próprio filme todo ele construído por vários momentos diferentes desenhando assim o ambiente teatral ou real, particular deste mês. E como tal, os nossos TOP 10 deste mês são também eles cheios dessa mesma diversidade, deste turbilhão, deste Vortéx á espera de sugar e nos levar através da vastidão de emoções que compõem cada canto escuro ou solarengo dos nossos dias.


MARIAN BANTJES http://www.ted.com/talks/marian_bantjes_intricate_beauty_by_design.html contact@bantjes.com www.bantjes.com

Marian Bantjes, nascida em 1963, é uma designer, tipógrafa, escritora e ilustradora canadiana que vive e trabalha a partir de uma pequena ilha perto de Vancouver. Descrita como “uma das mais inovadoras tipógrafas da actualidade” pelo conceituado designer Stefan Sagmeister, Bantjes é um dos membros da Alliance Graphique Internacionale (AGI) (http://www.a-g-i. org/) e fala regularmente sobre o seu trabalho em conferências e eventos um pouco por todo o mundo. Bantjes começou a trabalhar na área da comunicação visual em 1983 como tipógrafa, emprego que


manteve durante 10 anos. No entanto, só ingressou verdadeiramente na carreira de designer a partir de 1994 enquanto parte integrante da empresa de design canadiana Digitopolis Media Corp. Em 2003, deixou o seu emprego para começar a desenvolver projectos de carácter mais pessoal, conjugando design, ilustração e tipografia. No papel de artista gráfica, Bantjes ganhou reconhecimento a nível internacional graças ao seu trabalho de detalhe aprimorado, de padrões e de ornamentos de construção complexa. Um dos seus projectos mais recentes é o livro I Wonder, que foi considerado um dos 13 melhores livros de design de 2010 pela Fastcode Design www. fastcodesign.com) e que foi adicionado à permanente colecção do Museu Nacional de Design de Cooper-Hewitt.


RON MUECK Conhecido pelas suas obras híperrealistas, o escultor australiano Ron Mueck nasceu em Melbourne em 1958 e trabalha actualmente na GrãBretanha. Mueck não só é conhecido por reproduzir o corpo humano até ao mínimo detalhe como também por tirar partido de diferentes escalas com o intuito de provocar sensações extremas no espectador. Habituado desde pequeno a ver os pais construírem brinquedos, iniciou a sua carreira como fabricante de marionetas e modelos para programas e filmes infantis australianos, como Labyrinth e The Storyteller. Em 1983, mudou-se para Londres e criou a sua própria empresa onde utilizava técnicas de fotografia realista e animatrónica em


projectos para a indústria publicitária. Foi também na cidade londrina que trabalhou com Jim Henson, o famoso criador da Rua Sésamo e d’ Os Marretas. Em 1996, Mueck colaborou com a mãe da sua mulher, a artista plástica Paula Rego, na produção de um manequim representativo de Pinóquio como parte integrante de um trabalho que a pintora estava a expor na Hayward Gallery. Visto o resultado ser bastante positivo, Paula Rego apresentou-o a Charles Saatchi, proprietário da Saatchi Gallery, que ficou imediatamente impressionado com o seu desempenho e que começou a coleccionar as suas obras. No ano seguinte, graças ao contacto entre os dois, a sua obra Dead Dad, uma escultura inspirada na morte do pai de Mueck, foi incluída na exibição de arte Sensation na Royal Academy of Arts. Considerado Artista Associado da National Gallery de Londres em 1999, Mueck já expôs em variadas galerias um pouco por todo o mundo, incluindo 21st Century Museum of Contemporary Art (Japão), Royal Scottish Academy Building, Brooklyn Museum, National Gallery (Canadá), Modern Art Museum of Fort Worth (EUA), National Gallery (Londres), e Museum of Contemporary Art (Sydney) e produziu um grande impacto em todas elas.



Diário Gráfico FERNANDO TEIXEIRA Nasceu no Porto e está no 4º ano de Pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. facebook.com/fernando.teixeira.330

Há quanto tempo desenhas? Desde o Verão de 2008, na minha transição do 11º para o 12º ano. E no secundário, eras um aluno aplicadinho? Mesmo, mesmo aplicado, porque queria chegar à faculdade e fazer o que me apetecesse. Porque escolheste este curso? Isto parece cliché, mas eu acho que nasci para isto. Pintar é o que me entusiasma... e quando alguma cena nos entusiasma nem nos devemos questionar, é só seguir em frente. Que técnicas preferes e mais utilizas? Para mim, a grafite continua a ser a mais versátil de todas as técnicas porque me possibilita trabalhar a linha como a mancha. Porém, acabo por usar um pouco de tudo, desde esferográficas aguarelas, passando pela pintura digital.


Por falar em pintura digital, falame um pouco do teu trabalho com a Nintendo DS. Comecei a pintar em digital antes de sequer utilizar óleos ou acrílicos. Primeiro porque só precisei dum investimento inicial de 100€ para comprar a Nintendo; depois, porque me permite fazer estudos muito versáteis sem ter de me preocupar com o tempo de secagem, e me oferece vários tipos de pinceis e uma paleta de cores completa... já para não falar de que a posso pôr no bolso e levar para todo o lado. Claro que é um tipo de trabalho muito diferente da pintura tradicional, mas, a meu ver, é igualmente válido. O que mais gostas de representar? No que toca ao desenho, utilizando meios riscadores, o que me dá mais prazer desenhar são as formas orgânicas, sejam elas pessoas, paisagens, enfim, tudo o que me dê a possibilidade demodelar. Quanto à pintura, o que me interessa é a captação de cores, gradações, texturas. É-me mais irrelevante o que estou a representar, visto que tudo tem cor. Essencialmente, já pensei na pintura como um meio politica e socialmente interventivo, mas actualmente já não. Penso nela como uma exploração formal válida em si mesma, e se é isto que me entusiasma, então é isto que faço. E Erasmus, fizeste? Não. Não tinha dinheiro e as pessoas com quem falei que fizeram disseram que foram lá mais para se divertir do que propriamente para evoluir no que toca ao trabalho artístico. Mas, claro que se tivesse possibilidades também ia! Já tive a oportunidade de fazer umas viagens e ganhei uma bolsa de estudo duma fundação espanhola “Fundación Tres Culturas del Mediterráneo”, em Sevilha, onde passei duas semanas a conhecer gente e a desenhar.

Já tens alguma ideia do que vais fazer quando terminares o curso de Pintura na FBAUP? Vou tirar o próximo ano só para pintar. Pus algum dinheiro de parte para me fechar em casa e trabalhar o ano todo. Quero ter um bom corpo de trabalho, com uma plástica própria (no mundo da arte é muito importante), para a partir daí poder expôr e vender. Mais uma última questão... tens algum conselho para dar aos alunos de Artes Plásticas que estão agora a começar? Façam o que gostam o melhor que conseguem e sem expectativas. Quando não as temos é quando as coisas acontecem e as oportunidades surgem.



“PINTAR É U FORMA DE N RELACIONAR O MUNDO”


UMA NOS RMOS COM


Leonel Cunha Antigo aluno de pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e actual professor na Escola Superior de Arte e Espectáculo e na Escola Secundária Alcaides de Faria, concilia o ensino de uma vertente digital com a paixão da pintura. Os primeiros passos após as Belas Artes foram dados num campo mais ligado à pintura figurativa. Pintura esta que, após uma pausa e um amadurecimento em relação à própria veio, de certa forma, secundarizar o figurativo e dar lugar a uma maior importância dada à própria matéria, à entrega e à experiência de produção. A pintura pelo prazer da pintura e não apenas como fim contemplativo.


COMA- Como define a sua pintura e o processo que ela sofreu desde a saída da Faculdade de Belas-Artes? LC- Actualmente a pintura perdeu o carácter narrativo dos anos anteriores, assim como, os elementos simbólicos e a alusão à realidade que nos circunda. Não se contam histórias, não se alude à realidade visível, antes se procura a pintura como um processo de construção, um registo de ações conducente à realização material de um objecto cerebralmente tornado imagem. Num certo sentido persegue-se o hedonismo pela prática da pintura, alcançado pela sua construção e presença, tornando-se ela própria o leit-motif. COMA- Quando pinta inspira-se numa temática, num objecto, ou é puro exercício de intelecção? LC- Neste momento, não existe um tema ou objecto que oriente o trabalho pictórico. Este é realizado numa dupla perspectiva, uma de carácter generativo (a pintura condicionada por regras a priori), outra independente de um modelo ou referência externa, a pintura não condicionada com valorização dos seu processo. Mantêm-se os dois caminhos em aberto. No trabalho mais orgânico e pictórico a pintura é balizada, desde logo, pelo material usado: o óleo, que a par da técnica usada a situa num determinado família pictórica.

COMA- É visível em algumas obras suas influências da era digital, nomeadamente projectos como o “x 30”. O que o levou a esta exploração, tendo em conta outros trabalhos tão expressivos? LC- A série de trabalho “X30”, surge num contexto de retorno à pintura, depois de alguns anos de ausência. Nos anos precedentes a 2011, quando iniciei a série, realizei imagens com o Processing e o Context Free, imagens resultado do código escrito. Neste contexto, pintar implicou a adaptação do trabalho generativo às práticas manuais. Na série “X 30” criam-se pinturas a partir de regras simples ao alcance de qualquer um. São desenhadas, aleatoriamente, linhas de 30 cm no plano; estas são unidas entre si por outras linhas, sendo esta união igualmente aleatória. As linhas com 30 cm são pintadas com azul cobalto, as de união com vermelho de cádmio. A observação distanciada e critica do resultado final só é realizada quando o objecto estiver concluído. As regras são tão simples como: 1. Desenhar no plano e de forma aleatória, (3 ou mais) linhas com 30 cm de comprimento. 2. Desenhar linhas paralelas às primeiras ( a 5, 7 ou 10 mm) e uni-las nas extremidades com linhas perpendiculares. 3. Unir os segmentos de recta entre si, de forma aleatória. 4. Pintar as linhas de 30 cm com azul cobalto. 5. Pintar as linhas de união com vermelho de cádmio. COMA- Acha que as suas temáticas condicionam as técnicas? LC- Não tenho propriamente aquilo que pode ser identificado como um tema a que a pintura alude. No entanto, os projectos são definidores do processo e dos materiais a usar.


COMA- Com que corrente artística identificaria a sua pintura? LC- Actualmente, regra geral, a pintura é uma prática resultante de processos multi-referenciais, onde imperam práticas individuais de forma desprendida de conceitos “marcantes ou excessivamente vinculativos” e de referências múltiplas, podendo haver lugar a movimentos multidirecionais, no que diz respeito ao fio condutor da obra de um artista. Portanto, não faz muito sentido falarmos em correntes. Talvez possamos falar em praticas pictóricas familiares. De uma forma simplista, talvez possamos falar numa prática pictórica orgânica e expressiva.


COMA- Quais as suas principais influências e referências pictóricas? LC- Enquanto estudante, procurava um tipo de pintura na qual é evidente a valorização da plasticidade, da expressividade, do prazer retiniano e da contemplação. Dessa época, enquanto estudante de pintura há um conjunto de nomes que pairam na memória: Francis Bacon, Frank Auherbach, Lucien Freud, George Bazelitz, Kiefer... Mais tarde, houve a descoberta dos Algoristas como Vera Molnar e Manfred Mohr, pioneiros da arte generativa. Actualmente, existe um “infindável” número de bons pintores, que observo com prazer: André Butzer, Hansjoerg Dobliar, Ida Ekblad, Sebastian Gogel, Mark Grotjahn, Tomory Dodge, Eva Rader, Varda Caivano, Zak Prekop, etc. A observação destes autores deve ser entendida como informação que de uma ou outra forma pode ser transportada para o trabalho. Tudo o que vemos, tudo o que lemos, tudo o que experimentamos, alimenta para a nossa relação com o mundo. Pintar é uma forma de nos relacionarmos com o mundo.

COMA- O que considera mais importante quando pensa e elabora uma nova obra? LC- Desenvolvo o processo de trabalho num contexto de série. As pinturas existem individualmente e são vistas dessa forma, no entanto, decorrem de um processo organizado por séries. Nas séries de caracter generativo é fundamental estabelecer a priori um conjunto de regras, que serão executadas passo a passo. No trabalho orgânico acima de tudo, existe o prazer da manipulação da matéria e o prazer retiniano. Percorre-se um caminho na procura de algo que faça sentido.


COMA- O que retira do contacto com os alunos que ensina? LC- Do contacto com os alunos fica o resultado da interacção entre pessoas. Entre outras coisas é a partir dessa interacção que nos formamos, portanto, desse contacto pode resultar uma relação de reciproca aprendizagem.


COMA -Tendo em conta o estado actual do país, considera possível um Artista Plástico viver só da Arte? LC-Nunca foi fácil. Não existe grande tradição artística em Portugal. Em épocas de crise como a que vivemos é obviamente mais difícil. No entanto, em práticas e projecto de índole individual como a pintura, o contexto económico não é determinante, diria que é menos determinante que o cultural, embora este seja alicerçado pelo económico.





COMA- De que forma pensa que poderá a arte, em especial a pintura, continuar a desenvolver-se num país onde a cultura é cada vez mais posta de parte? LC- A morte da pintura foi anunciada já muitas vezes. Quando terminei o curso de pintura em 1995, não era uma prática muito considerada pela crítica no nosso país. Agora sabemos que estavam em contraciclo, não era isso que se passava internacionalmente. Actualmente a pintura denota uma pujança notável. Na minha opinião soube tirar partido do contexto digital; a partilha de informação parece-me muito importante na difusão e crescimento da pintura. E neste contexto não existem fronteiras nacionais. Podemos, claramente pintar e crescer, sabendo que a dimensão económica também faz parte da equação, mas isso acontece em todas as áreas. LEONELCUNHA.NET


“No ano em que o Paquistão e a Índia iniciaram conversações sobre a disputa territorial de Caxemira, 1994, nasce o Gonçalo Fialho. O Uivo nasce uns anos depois, no ano em que o mundo acabou, 2012. Agora o Uivo ilustra e o Gonçalo Fialho faz o Design, embora sejam exactamente a mesma coisa. A Índia e o Paquistão recomendam-se e o mundo acabou por não explodir. O bolo de chocolate do Gonçalo é muito bom.” CARGOCOLLECTIVE.COM/UIVO



CRISTINA TROUFA cristina-troufa.blogspot.pt

Licenciou-se em Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes do Porto em 1998 e terminou o mestrado em Pintura em 2012. Partindo muitas vezes de provérbios e expressões populares portuguesas, Cristina foca-se maioritariamente na representação da mulher portuguesa com o intuito de expressar como interpreta os costumes e a mentalidade do nosso país. A sua mais recente exposição, em conjunto com outras artistas, está na rua Miguel Bombarda na galeria REM.



“DESENHAVA PORQUE SENTIA QUE ERA MEU DEVER. DESENHAVA PORQUE SENTIA QUE ERA MEU DIREITO.”


“A ARTE NÃO TEM LUGAR. É UM LUGAR EMSIMESMA.”


ANA MONTEIRO

Ana Monteiro nasceu em Braga, a 9 de Janeiro de 1990. Fez tanto o ensino primário como o secundário na sua cidade natal. Concluiu recentemente o curso de Artes Plásticas, ramo de Pintura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e, actualmente, é aluna do Mestrado de Pintura.

Fez uma exposição a título individual no Posto de Turismo de Barcelos e, mais recentemente, expôs a obra “Narciso”, composta por vários quadros no Museu Nogueira da Silva, em Braga. É uma artista nata, que se caracteriza pelo seu traço assertivo e, simultaneamente, expressivo.



COMA- Qual foi o principal contributo que a passagem pela FBAUP no seu crescimento como artista plástica? AM- A FBAUP foi, e continua a ser “a minha casa”, no que toca à minha formação enquanto artista plástica diz respeito. Foi, sem sombra de dúvida, o ponto de viragem na minha formação – algo que identifiquei como um objectivo fundamental quando era ainda muito jovem e cuja concretização reforçou substancialmente a minha confiança nas minhas capacidades técnicas e teóricas. A FBAUP continua a ser, uma espécie de porto seguro: todos nós crescemos rodeados de uma grande maioria de pessoas que parecem não compreender a importância da arte no seio de uma sociedade. Todos nós ouvimos, ao longo da nossa juventude mais tenra, que a dedicação à arte deveria ser tida como um hobby e não como algo que devêssemos levar demasiado a sério. A FBAUP, nesse sentido, foi o meu “reduto de sanidade”,

COMA- Qual diria que foi/é a base (ou as bases) fundamental para o início do seu percurso? AM- Ainda que seja bastante meninil admiti-

a minha redoma, o espaço institucional

lo, a base fundamental de todo o meu percurso

onde à arte é reconhecida toda a categórica

foi uma apenas: uma vontade inata e visceral

importância que eu sempre lhe havia dado.

de produzir imagem que, desde sempre, me

Onde a arte é um assunto sério, demasiado

acompanhou. Uma vontade incontrolável de

sério. Demasiado denso, felizmente.

“dizer”. Nesse sentido, uma das recordações

Recordo-me vividamente dos primeiros

mais antigas que consigo evocar diz respeito

meses do meu primeiro ano de faculdade:

a um momento em que, sentada na mesa do

tinha acabado de sair de casa dos meus pais,

infantário a desenhar (deveria eu ter uns 4 anos

com 18 anos, para uma cidade estranha onde

de idade), descobri que entre o tronco da pessoa

não conhecia ninguém. A depressão era total.

que então desenhava e a cabeça existia uma

Contudo, de cada vez que punha o pé dentro

outra coisa – dois tracinhos paralelos através

da faculdade, de manhã cedo, a sensação que

dos quais eu pude desenhar, pela primeira vez,

tinha era a de que não podia ser-se mais feliz.

um pescoço. E o ter compreendido isso fez

Estava no meu elemento.

surgir em mim uma fascinação que ainda hoje

E à parte de todas essas minhas sensações, a FBAUP foi também (e principalmente) o lugar

sou capaz de evocar vividamente. Não consigo recuar além desta recordação,

onde profissionalizei o meu “gosto visceral

mas tenho a clara percepção de que, a partir

pela arte”, o lugar que me deu ferramentas

desse momento, o fascínio pelo desenho

para pensar e agir, o lugar que me consolidou

assumiu um papel central na minha vivência.

aprendizagens e me desconstruiu preconceitos.

Desenhava tudo, em tudo, para tudo, em todos

Foi, em suma, o lugar onde, através de uma

os momentos. Desenhava porque sentia que

aprendizagem responsável, tanto a nível prático

era meu dever. E desenhava porque sentia que

quanto teórico, me preenchi daquela que é talvez

era meu direito. Por isso digo tantas vezes que

a aquisição mais importante para qualquer artista

nunca cheguei a “optar” por este percurso. Ele

plástico: confiança nas minhas capacidades.

é que optou por mim, talvez… e eu cresci, desde

Confiança de que domino os meios para dizer o

muito cedo, com a certeza de que o que teria de

que quero, como quero, e fazê-lo bem.

fazer seria precisamente isto, isto que hoje faço.


COMA- Quando (ou com que projecto) considera ter começado a sua carreira como pintora? AM- A primeira vez que senti que podia

dar-lhe, através do domínio da técnica, exactamente o corpo que queria que tivesse, comecei a aceitar-me enquanto “pintora”, sem

percepcionar-me enquanto pintora sem

embaraços. Creio, contudo, que é um processo

estar a incorrer em nenhuma arrogância ou

que estou ainda a construir.

numa visão demasiado floreada das minhas capacidades, foi quando concluí o meu

COMA- De que forma terão as suas origens,

primeiro projecto pictórico, no final do meu

sociais e familiares, influenciado os seus

terceiro ano.

gostos e as suas obras?

O projecto em questão é uma série de

AM- É curioso pensar nisso…sempre foi.

retratos, executados segundo uma técnica

Não cresci numa cidade que fomentasse

hiper-realista, a que dei o nome de “Howard”.

particularmente as actividades artísticas (pelo

Quando o concluí, tive a certeza, pela primeira

contrário: infelizmente a cidade de Braga tem

vez, de que a minha “mão” me obedeceria

ainda um longo caminho a percorrer no sentido

sempre, de que a minha “mão” era capaz de

de uma dinamização cultural mais competente

dominar a técnica e, assim, transpor para a tela,

e eficaz). Mais do que isso, nenhum membro

de forma plena, os conceitos, as mensagens e,

da minha família se dedicou jamais a qualquer

em suma, tudo aquilo que eu tinha (e continuo

actividade ligada à arte ou manifestou qualquer

a ter) para dizer.

particular interesse por esse “ramo” da actividade

Trata-se de um projecto com uma base

humana. E será precisamente isso que me faz

conceptual muito forte e, nesse sentido,

pensar que talvez haja qualquer coisa de inato na

quando compreendi que tinha conseguido

ligação que determinadas pessoas têm com a arte.



Qualquer coisa que nasça de uma sensibilidade demasiado “afiada” e que esteja no indivíduo como o sangue está. Admito que esta é uma visão demasiado romântica da questão e, no entanto, (logo eu, que sou talvez das pessoas mais cépticas que conheço) a minha experiência não me deixa concebe-la de outra forma. A forma como penso, as minhas ideologias, terão sido formadas muito pelas minhas leituras (os livros sempre foram um vício), é certo. Mas a vontade de dizer essas mesmas ideologias artisticamente, através da pintura, francamente, nunca soube de onde me “nasceu”. Gosto de pensar que sempre “esteve”. COMA- Tem alguma fonte de inspiração permanente nos seus projectos pessoais? AM- Tenho, tenho algumas muito particulares. E aproveito a oportunidade para poder distingui-las e fazer-lhes uma vénia, o que quer que isso valha. Conceptualmente, os meus “companheiros” de viagem têm sido Fernando Pessoa, Nietzsche e Ayn Rand, pelo enorme respeito que têm pelo ideal de indivíduo. Foi sobretudo neles que encontrei o “ombro amigo”, o conforto de perceber que outros, antes de mim, tinham já pensado como eu penso. Em cada um deles encontramos um verdadeiro encantamento pela ideia de “individualidade”, de ser humano enquanto ser em potência, prenhe de capacidades. De ser humano enquanto criador. Lê-los faz-me sempre sentir orgulhosa da minha humanidade. Faz-me sempre ter vontade de não desperdiçar um único segundo desse estado que é estar vivo e saber o que isso é. E em suma é isso mesmo que pretendo dizer também com a minha obra, toda ela. Em termos plásticos, contudo, não poderia deixar de destacar Lucian Freud enquanto fonte de inspiração primordial da minha “plasticidade” (porque é carne, porque é gente… e porque é cru, é verdadeiro, é real.) COMA- O que pensa sobre o espaço de trabalho, que condições considera essenciais que estejam presentes? AM- O espaço de trabalho é tão essencial para a pintura como a tinta, parece-me. Trabalhar desconfortável é profundamente contraproducente. Primeiro, porque o trabalho não flui como deveria fluir, segundo porque nem sequer se tem vontade de começar a trabalhar.

Em todo o caso, não sou muito exigente e só há duas características que assumo como essenciais: luz natural e calor ou, pelo menos, uma temperatura onde se consiga considerar a hipótese de tirar as luvas sem ter vontade de chorar, o que, nos ateliers da FBAUP, não costuma acontecer. Admito, contudo, que sou mais friorenta do que a maioria das pessoas, pelo que a culpa pode não ser inteiramente dos espaços da faculdade. Obviamente que algum espaço aberto para erguer o cavalete também se impõe (ainda que, habitualmente, não costume precisar de muito espaço para pintar). COMA- Qual diria ter sido a sua principal inspiração e intenção com a obra “Narciso”? AM- A minha principal inspiração terá sido, sem dúvida, a percepção que tenho, desde há muitos anos, de um diálogo interior que me acompanha em todos os momentos, em todas as vicissitudes, em cada pequena ou grande decisão da minha vida. E foi precisamente a importância que atribuo a esse diálogo de mim comigo mesma que me levou a querer dedicar-lhe alguma atenção mais. A querer falar nele. A querer que os outros escutassem e lhe dedicassem atenção também. No fundo, é precisamente essa relação de dualidade que vamos mantendo com a nossa própria identidade que nos vai revelando quem somos…e compreender quem somos é talvez o conhecimento mais importante que podemos pretender conseguir. A minha intenção com este projecto foi, por isso, a de explorar a ideia de “identidade” através da criação de” imagens-metáfora”, onde a minha própria imagem aparece duplicada, interagindo consigo mesma em diversos “momentos”. Para isso, foquei-me, essencialmente, na questão da identidade singular, através da exploração da dimensão do auto-retrato. Desde sempre me interessei por esta temática uma vez que creio ser de suma importância reabilitar a necessidade de um olhar atento sobre nós enquanto indivíduos singulares: para mim nenhum juízo que possamos fazer relativamente ao mundo que nos rodeia será responsável se não tivermos uma percepção coesa e estruturada da nossa própria identidade, base de todas as nossas edificações - temos, pois, de compreender o interior para que possamos avaliar o exterior com clareza.


COMA- Quais são as suas expectativas profissionais? Considera que, actualmente, tem condições para viver da pintura? AM- Profissionalmente gostaria muito de poder tirar um doutoramento após concluir o mestrado, de modo a conduzir uma investigação bem estruturada relativamente à ideia de Objectivismo na arte e, muito particularmente, na pintura. Ficar, de algum modo, ligada a uma prática de investigação é uma das minhas mais sinceras ambições. A par disso, um dos meus principais objectivos é, obviamente, o de poder continuar a desenvolver o meu projecto plástico.

Actualmente, contudo, pretender viver exclusivamente da pintura seria totalmente impossível – ainda não atingi um patamar que me possa garantir essa estabilidade. Nesta fase, em que ainda estou a investir na minha formação académica complementar, o meu “corpo de trabalho” não tem como conseguir impor-se, para já, enquanto garantia de alguma solidez financeira. Continuarei, no entanto, a trabalhar no sentido de que, um dia, ma possa garantir.


COMA- Tendo em conta a conjuntura económica e social, considera haver lugar para a arte em Portugal? AM- O que a história da humanidade nos diz é que “arte” vem antes de “conjuntura”, de “economia”, de “sociedade” e, enfim, de “Portugal”. Arte é uma necessidade básica do ser humano. Um “ter de dizer”, e um “querer ouvir”. É primitivo. Não se coloca sequer a questão de haver ou não lugar…seria como dizer que não teremos mais lugar para respirar. Ou que o sangue nas nossas veias não terá mais lugar por onde fluir. A arte não tem lugar. É um lugar em si mesma.

COMA- Qual poderá ser o contributo da arte no desenvolvimento sociocultural do nosso país? AM- Arte é comunicação, não me canso de o dizer. A arte tem funções educativas, profundamente formadoras. E nesse sentido, pretender que ela possa apenas contribuir para o desenvolvimento cultural do país é diminuir o seu potencial. Ela pode e deve contribuir para o desenvolvimento de cada indivíduo. Nesse sentido, se cada indivíduo é um potencial agente activo na transformação de todos os aspectos da sociedade, ao contribuir para uma formação mais coesa dos indivíduos, a arte acaba por contribuir para a transformação da sociedade no seu todo.


É por isso mesmo que julgo que devemos procurar todas as estratégias possíveis para aproximar a arte o mais possível do “todo” da sociedade (ao invés de a fecharmos hermeticamente sobre si mesma). É através das linguagens da arte que cada artista transforma os seus “valores” mais essenciais em mensagem…. e esse câmbio de valores, forma valores também.


E o que a nossas sociedades precisam, afinal de contas, é de indivíduos mais…”valorosos”, mais coesos, mais estruturados. Indivíduos que sejam capazes de agarrar o leme e levar o barco a bom porto. Precisamos, novamente, de marinheiros e, neste contexto, a arte…a arte é a caravela. ANAFVMONTEIRO.WIX.COM



AS CIDADES FANTASMA

Saudade é uma palavra que se traduz por um nostálgico sentimento de desejo por algo ou alguém amado e desaparecido. Embora seja resolutamente portuguesa, o sentimento que evoca transpõe fronteiras, terras, países e, neste caso, planetas. Nas “Crónicas Marcianas” de Ray Bradbury, é mais saliente que as próprias personagens. É a força que as move e justifica as suas acções. Leva os terráqueos a moldarem a terra nova de Marte numa réplica da Terra. É uma arma nas mãos dos marcianos, que transport am fantasmas através da imaterialidade do cosmos para perseguir os seus amados. No entanto, pelas descrições vívidas e capítulos repletos de fábulas e contos, somos levados a viver a realidade das expedições e subsequente colonização. É uma Marte antiga a que encontramos. Vasta e algo inabitada no início, Vasta e um pouco mais habitada lá para o fim. Mas sempre o mesmo sentimento de antiguidade, de uma terra que tanto dá como retira, que apesar de todos os esforços de (des)construção por parte dos terráqueos não se dá como vencida nem se deixa dominar, tal como a Terra outrora. Apesar das preocupações claramente pertencentes à época em que foi escrita, a obra de Ray Bradbury permanece um marco no percurso do género ao longo dos tempos e consegue, acima de tudo, cativar ainda a atenção e o imaginário de quem a lê. Percorremos como leitores a dualidade memória/vivência e acabamos o livro com espanto perante o que significa realmente ser extraterrestre, terrestre e até humano.





ERASMUS Joana Rita Amaral Pena, nasceu em 1992 e frequenta o curso de Artes Plásticas, Multimédia na FBAUP. Frequenta em Erasmus a Akademia Sztuk Pięknych w Krakowie. Qual foi o motivo pelo qual decidiste que Erasmus era uma boa opção para ti? Sempre tive Erasmus em mente. Além de uma vantagem académica positiva sempre achei que a nível pessoal me traria experiências que dificilmente encontraria em Portugal. O que te motivou a escolher Cracóvia? Uma das principais razões foi a nível financeiro. Cracóvia é das cidades mais baratas da Europa, e a facilidade com que se pode viajar por outros países é enorme. A oportunidade de conhecer algo diferente também me cativava. Como é a integração? Óptima! Cracóvia recebe muitos alunos de Erasmus de toda a parte da Europa. É quase instantâneo conheceres alguém que está também a estudar por perto, à procura de casa, a querer viajar, a melhorar o inglês... Notaste um choque cultural muito forte? Existe contraste cultural sim, mas só enriquece a experiência. Ao longo destes meses o que me cativou mais a nível cultural relacionou-se com a História da Polónia e o durante e após a II guerra mundial. Há ainda vestígios que se pode explorar. Sinto que antes de conhecer alguns países de Leste tinha alguns preconceitos, mudei totalmente a minha visão sobre este lado da Europa. No principio a língua ou a moeda (zloty) podem causar estranheza, mas é uma questão de tempo... A língua foi um grande obstáculo? Penso que foi o maior obstáculo. É uma língua bastante diferente, novos sons, novas letras... A comunicação nunca foi perfeita, porque aliás, a população mais velha, rara uma ou outra excepção, não fala inglês. Contudo, fiquei com imensas histórias para contar!

Como é que consideras que estar em Cracóvia ajudou o teu trabalho a progredir? Tudo o que tenho estado a aprender em Cracóvia reflecte-se no meu trabalho. Não só a nível académico, dos projectos que tenho vindo a desenvolver às diferentes cadeiras, mas de uma formal geral. Erasmus é também uma experiência de vida, e isso é muito importante para os teus projectos. Estando noutro país, numa diferente faculdade, com diferentes métodos de ensino, presencias inevitavelmente coisas novas, e isso ajuda a expandir os teus conhecimentos. Que tipo de disciplinas frequentas? Performance, Digital Creation, Multimedia Activities (departamento de Intermedia) e Drawing (departamento de Escultura) Que tipo de apoios são dados com o programa de Erasmus? Consideras esse apoio suficiente? O maior apoio que o programa Erasmus faculta é a bolsa. É bastante importante, já que temos a renda de casa, alimentação, materiais, viagens, tudo ao nosso encargo. Não é suficiente para cobrir todas as despesas, contudo, é sem dúvida uma grande ajuda. Como funciona o alojamento? A Faculdade disponibiliza residência? A faculdade que me acolheu não oferece ajuda nesse sentido. Há a oportunidade de te candidatares a residências mas oferecem poucas vagas, e pode não ter a ver directamente com a tua faculdade mas sim com maiores pólos universitários. No meu caso, tive uma semana intensa à procura de um quarto, e não foi fácil alugar. Acabei por dividir quarto com uma portuguesa de Coimbra, e partilhar a casa com mais 4 pessoas. Dois rapazes de Coimbra, uma rapariga de Madrid e uma Polaca. Foi uma boa experiência. Todo o prédio acolhia alunos de Erasmus! Repetias a experiência? Porquê? Repetiria, sem dúvida! Sinto que aprendi imensa coisa, tive oportunidade de viajar por diferentes países, conhecer diferentes culturas, diferentes pessoas. Penso que na nossa área, as experiências pessoais e académicas fundem-se perfeitamente. Foi, portanto... Brutal! Se pudesses dar um conselho a alguém que se fosse candidatar agora a Erasmus, qual seria? Apenas que aproveitem a experiência e estejam receptivos a tudo o que aparecer! Vão sem dúvida receber muito da vossa experiência como JOANAPENA.CARBONMADE.COM estudantes de Erasmus.





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