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Património Mundial: ameças e desafios

José Filipe Moraes Cabral* Embaixador, Presidente da Comissão Nacional da UNESCO Para ser inscrito na Lista do Património Mundial, um monumento, paisagem, centro histórico ou qualquer outro Bem de natureza cultural ou natural, tem de se revestir de um valor universal excepcional, ou seja dispor de um conjunto de atributos e características, de respeitar critérios bem definidos, de reunir condições de autenticidade e de integridade e de dispor de um plano de gestão que garanta a preservação no futuro desse valor excepcional. Para ser inscrito, um bem não tem de ser “único”, mas antes revestir-se de condições de verdadeira excepcionalidade dentro do conjunto de bens com características comparáveis. O 50º aniversário da Convenção do Património Mundial, que este ano se celebra, constitui indubitavelmente uma excelente ocasião para refletir sobre o espírito e finalidades da Convenção, o seu contributo decisivo para a proteção do património cultural da Humanidade, bem como sobre os múltiplos desafios, de origem vária, com que se defronta. Mencionarei alguns. De facto, nunca, como hoje, o património cultural e natural se “ “ Nunca, como hoje, o Património Cultural e Natural se encontrou tão ameaçado encontrou tão ameaçado. A primeira ameaça resulta da descaracterização do Bem e da destruição do seu valor excepcional, o que pode resultar de várias dinâmicas, por vezes convergentes. Os gestores dos bens conhecem bem a pressão exercida pela afluência exponencial de visitantes, pela necessidade de redefinir acessos e percursos, pelo vandalismo ou simples incúria, pela progressão urbana ou a pura especulação que ameaça a preservação de zonas indispensáveis de proteção, ou ainda o declínio económico, social e humano de muitos centros históricos que acarreta a sua deterioração progressiva. Mas outras e novas ameaças têm surgido, desde logo as derivadas das alterações climáticas, da erosão dos terrenos, da corrosão ligada às chuvas ácidas, do aumento da temperatura que destruirá a prazo paisagens devido à falta de água ou da subida paulatina do nível do mar que ameaça já sítios ribeirinhos, tanto no Índico como no Mediterrâneo. A pandemia de que a custo começamos a sair ilustrou dramaticamente um novo tipo de ameaça, até então insuspeitada, dado o seu forte impacto sobre o número de visitantes e as atividades turísticas a que a gestão do Património se encontra indissociavelmente ligada. A redução severa destes fluxos, para não dizer o seu simples desaparecimento nalguns casos, teve como todos sabemos um impacto negativo direto sobre os meios, humanos e financeiros, destinados não apenas à preservação desse património como à sua simples fruição.

E isto leva-me brevemente o outro tema: o papel do Património enquanto motor de desenvolvimento económico e social. O património cultural e natural, sobretudo o consagrado na lista do Património Mundial e designadamente através da sua ligação às atividades turísticas, é um importante elemento de angariação de recursos financeiros, de criação de emprego, de atracão de investimentos, de construção de modernas infraestruturas de que beneficiam forasteiros, população local e finalmente a comunidade nacional. São recursos de que beneficia a própria conservação dos bens classificados e instrumento importante para a criação de condições para a sua fruição. Mas esta realidade constitui, simultaneamente, um dos problemas com que se defronta a preservação e conservação do Património. Ou seja, o hiper-aproveitamento de monumentos e outros sítios classificados, de uma forma exclusivamente ditado pelo ganho económico tantas vezes de curto prazo, é o caminho certo para destruir, sem possibilidade de retrocesso, testemunhos preciosos da evolução histórica de povos e culturas – ou seja o que eles têm de verdadeiramente excecional ou até único, acabando por matar a proverbial galinha dos ovos de oiro. Não se deve nem se pode esquecer que, independentemente da sua benéfica colocação ao serviço do desenvolvimento sustentado, os monumentos e paisagens classificadas têm um valor histórico, artístico ou paisagístico intrínseco, que são depositários da nossa cultura, do nosso papel na História da Humanidade, que são elementos importantes da nossa identidade e do nosso orgulho e auto-estima. Uma gestão que consiga resistir a uma pressão puramente economicista e à tentação de aproveitamento dum sítio sem as limitações ditadas pelas necessidades de preservação da sua integridade ou critérios de simples bom senso, está no caminho certo para

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