Alma brasileira 100 anos de gravura

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DE 04 DE OUTUBRO A 30 DE NOVEMBRO DE 2014

CAIXA Cultural S達o Paulo


A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo respeito à diversidade, mantendo comitês internos entre os seus empregados e realizando campanhas, programas e ações voltados para disseminar ideias, conhecimentos e atitudes de respeito e tolerância à diversidade de gênero, raça, orientação sexual e todas as demais diferenças que caracterizam uma sociedade plural.

CAIXA is a Brazilian state-owned company that stands out in its respect to diversity, keeping internal committees with employees and carrying out campaigns, programs and actions aimed at disseminating ideas, information and a respectful and tolerant attitude towards diversity of gender, color, sexual orientation and all the other differences embedded in a plural society.

A CAIXA, uma das principais patrocinadoras da ar te e cultura brasileiras, destina anualmente mais de 60 milhões de reais para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios ou de terceiros, dando ênfase às exposições de ar tes visuais e de ar tesanato brasileiro, a peças de teatro, espetáculos de dança, shows musicais e festivais de teatro e dança em todo o território nacional.

CAIXA is one of the main sponsors of Brazilian arts and culture, and invests over 60 million reais annually in cultural projects, presented either in its own venues or elsewhere, with an emphasis on exhibitions of visual arts and Brazilian handicraft, theater plays, musical concerts, as well as theater and dance festivals all over the country.

Os projetos patrocinados são selecionados por meio de edital público, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todo o país,como também para dar mais transparência à utilização dos recursos da empresa. A exposição “Alma Brasileira – 100 anos de Gravura” conta a história da gravura no Brasil do século XX através do importante acervo do Museu da Gravura da Cidade de Curitiba.

Projects are selected on a competitive and public process, an option CAIXA has made not only to democratize access by producers and artists from the whole country, but also to give transparency to the use of the company’s funds. The exhibition “Alma Brasileira – 100 Anos de Gravura” (Brazilian Soul – 100 Years of Engraving) tells the history of Brazilian engraving in the twentieth century through the important collection of Curitiba’s Museu da Gravura.

A CAIXA contribui, assim, para promover e difundir a cultura e retribui à sociedade brasileira a confiança e o apoio recebidos ao longo de seus 153 anos de atuação no país e de efetiva parceria no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA a vida pede mais que um banco. Pede investimento e participação no presente, compromisso com o futuro do país e criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro.

With this project, CAIXA contributes to promote and disseminate the Brazilian culture, as means of retribution to the Brazilian society for the trust and support granted to CAIXA over its 153-year long history of presence in the country and effective partnership in the development of our cities. For CAIXA, life asks for more than just a bank: it asks for investment and participation in the present, commitment to the future of the country and creativity to achieve the best results for the Brazilian people.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL



Chego à mesma conclusão: o que nos salvará é o manifesto do belo, do bom, do generoso, não a denúncia da miséria e do horror. A repetição, a demonstração do horror apenas nos gerou um entorpecimento dos sentidos, como se a monstruosidade fizesse – e devesse fazer – parte da humanidade, naturalizada, acomodada. O pensador francês Paul Virilio chamou essa excessiva exposição às imagens de “câncer do olhar”: uma multiplicação desorganizada, desenfreada e nociva das imagens. Quando nos propomos a mobilizar esforços, pessoas, inteligências, para dar vida, dar materialidade a um projeto como este que agora temos em mãos – e às vistas –, seguimos o caminho contrário. Dizemos: é o belo que motiva a vida, ainda que o trágico, a morte, o horror, estejam inseridos irrevogavelmente nela. Mas é na busca do belo, do prazer, da grandeza – de que somos, sim, capazes – que a humanidade se move. A gravura é uma das mais remotas memórias/técnicas artísticas, estéticas, da humanidade: uma mescla do desejo de se fazer eterno, de se perpetuar nas paredes de cavernas, em grandes costões rochosos (em ritos de iniciação ou na demarcação do território, ou, ainda, simplesmente desenhando algo que significasse: “eu, fulano, estive aqui”). Como especialista em patrimônio pude, infinitas vezes, olhar para inscrições milenares e pensar: o que desejava, o que esperava esse meu antepassado? Invariavelmente, mesmo não podendo estar lá, lado a lado desse meu ancestral distante, imaginei que alguma ideia do belo passava pela sua mente, tanto quanto a do útil, a da marca pessoal. Ao longo de milênios não apenas sofisticamos as técnicas, como retornamos ao primitivo, extrapolamos as dimensões do que é gravar; mas, sempre, buscamos o belo, mesmo quando o trágico residia lá no fundo dele. E, radicalmente, no íntimo de nossas almas, ainda agimos muito como aqueles nossos antepassados dos quais gostaria de ter podido observar – mesmo que à distância – o ato primordial de gravar na pedra.

O BELO COMO AGENTE REGENERADOR Certa vez, em uma entrevista ao jornalista Roberto D’Ávila, um importante fotógrafo de guerra – disse, ao responder o entrevistador, que se pudesse retornar sua carreira, refazer seu itinerário, o faria essencialmente diverso. Dizia ele: fotografei a tragédia, a desgraça, a morte, a fome, durante décadas na esperança de que as imagens despertassem a consciência da humanidade. Ao final das décadas sua conclusão é que tudo o que conseguira com suas imagens era mostrar mais desgraça, mais morte, mais tragédia. Dito isso, ele disse, fotografaria a beleza, a grandeza da humanidade, o oposto do que fizera, na esperança de que o belo fizesse o que a denúncia do horror não fizera. Sebastião Salgado, depois de Êxodos, fez o mesmo.

Ao reunirmos nesse projeto cem anos da gravura no Brasil, manifestamos justamente essa crença de que é o belo que nos salvará, que nos fará reencontrarmos o que há de grande no humano. Um itinerário através de diversos artistas, diversos movimentos, técnicas, estilos, mas sempre em busca daquilo que nos faz humanos e que, no Brasil, atingiu dimensão grandiosa. Esse projeto somente foi possível graças ao esforço de dezenas de pessoas: José Luiz Sampaio, Roberta Martinho, Jaime Gonçalves, Adriana Dupita, Ana Gonzales, Edmilson, Fernanda Lopes, as equipes da Caixa Cultural e do Museu da Gravura da Cidade de Curitiba. Cabe um agradecimento especial a Ângela Rodarte – que me apresentou, anos atrás, a este maravilhoso acervo – e a José Mauro da Silva que, sendo nosso coordenador de montagens, não viveu para ver o projeto completado, tendo nos deixado no meio do processo. Esperamos que a montagem que realizamos em sua ausência seja digna dele. A todos, nossa imensa gratidão. Carl Sagan, o saudoso físico nor te-americano, escreveu cer ta feita que os humanos são uma espécie tão única, tão singular, tão fascinante, justamente por poder gerar os sonhos mais maravilhosos e os pesadelos mais horrendos. Então, que optemos por gerar os sonhos maravilhosos, por multiplicar a beleza e extirpar o horror de nossas culturas. Eis aqui nossa pequena contribuição para o belo e para o que a humanidade tem de grandioso. Que o belo nos ajude a construir um mundo melhor.

RODRIGO SILVA COORDENADOR GERAL PRIMAVERA DE 2014


I arrive at the same conclusion: it is the beautiful, the good and the generous – rather than the denouncement of misery and horror – that will save us. The repetition and demonstration of horror has only numbed our senses, as if monstrosity were (and should be) a natural and familiar par t of mankind. French thinker Paul Virilio has named this excessive exposure to images as “sight cancer”: a disorganized, uncontained and pernicious multiplication of images. When we propose ourselves to mobilize effor ts, people, intelligence to bring to life and materialize a project like the one we have now in our hands, we also take a turn in the other direction. It is as if we were saying: it is the beautiful that motivates life, even if the tragic, the death, the horror are inescapably inter twined with life as well. But it is in the search of the beauty, the pleasure and the greatness of which we are indeed capable that mankind moves forward. Engraving is one of the mankind’s most long-lasting ar tistic and aesthetic memories/techniques: a mix of the desire of becoming eternal and perpetual in cave walls and in rocky shores, as par t of initiating rites, in territor y delimitation or even by drawing something that meant “I, so-and-so, was here”. As a heritage specialist, I have had numerous oppor tunities to look at millennial engravings and think: what did this ancestor of mine wished and hoped? And every time, despite the impossibility of standing side by side with this distant ancestor, I imagined that he had in mind some idea of the beautiful, of the useful, of a personal mark. Over thousands of years not only did we manage to sophisticate the techniques, but also we returned to the primitive and extrapolated the definition of what engraving is – but always searching for the beautiful, even when the tragic was also lying deep within it. And, deep within our souls, we still act like those ancestors of ours who I wish I could have observed, even if at distance, in the primeval act of engraving in stone.

BEAUTY AS A REGENERATIVE AGENT Some time ago, an important photographer interviewed by journalist Rober to D’Ávila told him that, if he could reinvent his career and retrace his steps, he would do it all essentially different. This photographer said that, for decades, he took pictures of tragedy, disgrace, death and starvation in hopes that these images would waken mankind’s conscience. After these decades, he concluded that all he got with these images was to show further disgrace, further death, fur ther tragedy. Having said that, he claimed that he would rather have photographed mankind’s beauty and greatness, the opposite of what he had done, in hopes that the beauty would do what the denouncement of the horror had not achieved. Sebastião Salgado, after his work Êxodos, took the same turn.

We present in this exhibition a recollection of a century of Brazilian engraving, manifesting precisely this belief in beauty as an instrument to save us and to lead us to find again what is great in mankind. This is an itinerary through numerous artists and different movements, techniques and styles, but always in search of what makes us humans and which, in Brazil, has reached a magnificent dimension. This project has only come true due to the effor t of many people: José Luiz Sampaio; Roberta Martinho; Jaime Gonçalves; Adriana Dupita; Ana Gonzales; Edmilson; Fernanda Lopes; the teams of Caixa Cultural and of Curitiba’s Museu da Gravura. Special thanks is due to Ângela Rodar te – who years ago introduced me to this wonderful collection – and to José Mauro da Silva, our installation coordinator, who unfor tunately did not live to see the project completed, leaving us in the middle of the process. We will always miss him. I hope the exhibition we built in his absence is wor thy of him. To all, our immense gratitude. The late American physicist Carl Sage wrote once that humans are such a unique, singular and fascinating species precisely because of their capacity to generate the most wonderful dreams and the most horrid nightmares. Let us, therefore, opt for generating wonderful dreams, for spreading the beauty and for eliminating the horror in our culture. Here is our small contribution to what mankind has of beautiful and great. May the beauty help us build a better world.

RODRIGO DA SILVA COORDINATOR SPRING 2014



Em um segundo conjunto de obras, ar tistas como Iberê Camargo, Lygia Pape, Carlos Zilio, Waltercio Caldas, Anna Bella Geiger e Alex Flemming revelam uma produção em gravura de ar tistas que não são reconhecidos como gravadores por excelência, mas que em diferentes momentos se apropriaram dessa linguagem em suas produções. As duas obras de Anna Bella Geiger presentes na exposição revelam a curiosidade por meios, técnicas e materiais que permeia toda a produção de seis décadas da ar tista – que começou seus estudos no ateliê da gravadora Fayga Ostrower. A serigrafia Local de Ação (1979), por exemplo, revela muito mais que uma simples imagem fixada sobre o papel. O olhar mais atento vai perceber a variação entre altos e baixos relevos, em formas que ensaiam uma tridimensionalidade sobre a superfície bidimensional, relevando que o local de ação para a ar tista é tanto a folha de papel quanto o mundo em si. Já em Brasil, 1500 – 1996 (1996), a gravura em metal é resultado do uso de água for te, água tinta, serigrafia e lápis de cor.

MARCAS POSSÍVEIS Em sua definição mais tradicional, “gravura” é a técnica de formar ou de fixar imagens para reprodução e multiplicação, por incisões e talhos ou meios químicos; em metal, madeira, pedra ou papel; manual ou mecanicamente. Comemorando os 25 anos de inauguração do Museu da Gravura da cidade de Curitiba, a exposição Alma Brasileira – 100 Anos de Gravura revela ao público par te da história da gravura em território brasileiro. A mostra traça um panorama dos últimos 100 anos da gravura a par tir das obras do acervo da instituição paranaense, inaugurada em 1989 com objetivo de incentivar a produção na área com exposições, pesquisa e realização de cursos e oficinas. Do acervo, que conta com cerca de 3 mil obras de artistas nacionais e estrangeiros, adquiridas por doações ou compras, foram selecionados quase 100 trabalhos, realizados entre 1909 e os anos 2000. Ao todo estão reunidos 38 artistas brasileiros, de diferentes gerações, que revelam ao longo das décadas os desdobramentos possíveis para a prática e o pensamento da gravura. Nomes como Carlos Oswald, Gilvan Samico, Oswaldo Goeldi, Fayga Ostrower, Anna Letycia, Carlos Scliar e Marcelo Grassmann apresentam obras dedicadas à pesquisa da prática da gravura em suas diferentes modalidades: xilogravura, litografia, gravura em metal e serigrafia. Dois desses nomes revelam caminhos diferentes acerca dos desdobramentos possíveis para o pensamento da gravura. Um deles é o de Carlos Scliar, um dos fundadores em Porto Alegre, na década de 1950, do Clube de Gravura - que teve impor tante par ticipação na renovação das artes gráficas no Rio Grande do Sul, com repercussão nacional. Na série Telhados de Ouro Preto (1977), suas serigrafias relevam o interesse pela linha limpa e precisa, de qualidade gráfica. No extremo oposto geográfico, Gilvan Samico é uma das grandes referências da gravura em Pernambuco. Trabalhos como A Queda do Anjo (1965) e A Mãe dos Homens (1981) revelam a construção de um universo pela xilogravura, de linhas expressivas e texturas elaboradas, povoado por personagens bíblicos e outros, nascidos em lendas e narrativas locais, assim como por animais fantásticos e míticos.

A curiosidade por misturar e descobrir meios e técnicas para a produção artística também é parte importante da obra de Alex Flemming. O Óculos (1980) é uma xerografia, um processo de reprodução de imagens ou texto a partir da utilização de uma máquina de fotocopiadora, sendo possível recortar, colar, modificar e interferir nas várias imagens que vão sendo obtidas ao longo do processo. No final dos anos 70 diversos artistas brasileiros começaram as primeiras experimentações com a máquina, interessados em uma possibilidade de arte que valorizasse a reprodução e não a obra única. Completam a exposição trabalhos de ar tistas que expandem, intencionalmente ou não, a noção clássica de gravura, usando os mais inusitados supor tes e procedimentos. Curioso que peças como objetos, cédulas, superfícies molhadas, carimbos, etc, estejam em uma coleção de gravura. Mais curioso ainda é ver nossa percepção de gravura se ampliar a partir dessas presenças. Na obra do paulistano Alex Cerveny, por exemplo, tudo se dá pelo desenho, pelo traço. Desenhar para ele parece ser uma possibilidade de reescrever o mundo, construindo outras narrativas possíveis nas pinturas e gravuras que vem realizando desde os anos 1980. Marcados por uma narrativa intimista, esses trabalhos constroem universos fantásticos povoados por personagens bíblicos ou mitológicos, torres e tantos outros elementos extraídos do cotidiano e da literatura. Em Acordeon (1994), mais do que os desenhos gravados na superfície, parece ser o papel que ganha vida, corpo. Dobrado em algumas partes, em uma estrutura sanfonada, deixa de lado o plano bidimensional, local historicamente marcado pela ilusão, para ganhar o mundo real, como um corpo no espaço. Um corpo como o seu e o meu, e com o qual dividimos o mesmo espaço e tempo. Esses espaços compar tilhados também parecem ser o interesse de trabalhos como os de Cildo Meireles, apresentados na exposição. Estojo (1995) é literalmente o que o título anuncia: uma caixa de madeira, que quando aberta revela guardar quatro pregos, em ouro. Esses quatro elementos deixam gravadas sobre a superfície de madeira a marca das suas presenças – uma releitura possível para a ideia de xilogravura (técnica de gravura que utiliza a madeira como matriz). As garrafas de Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-cola (1970) e as cédulas e moedas de Zero Cruzeiro, Zero Centavo, Zero Cent e Zero Dólar (realizadas entre 1974-1990) também se interessam por marcar sua presença no mundo. A par tir do uso do offset, serigrafia e cunhagem, são apropriados e remodelados pelo artista, e devolvidos ao cotidiano. Suas alterações revelam a dinâmica da circulação de mercadorias e valores, colocando em jogo a disparidade entre o valor de troca e o valor de uso, o valor real e o valor simbólico – não só no campo da arte, mas também no nosso dia-a-dia. A par tir das obras reunidas, Alma Brasileira – 100 Anos de Gravura revela assim não só a importância do Acervo do Museu da Gravura da cidade de Curitiba como também as abordagens e desdobramentos possíveis da noção de gravura ao longo da história. Apresentar esse conjunto de trabalhos na Caixa Cultural São Paulo é reforçar o compromisso da instituição, que nos últimos anos vem se dedicando não só a revisitar a produção ar tística brasileira como também a apresentar suas manifestações mais recentes. Dar visibilidade a esse importante acervo é par te desse projeto, oferecendo ao público uma opor tunidade significativa de conhecer suas obras.

FERNANDA LOPES CURADORA


A second collection is comprised of works by artists such as Iberê Camargo, Lygia Pape, Carlos Zilio, Waltercio Caldas and Anna Bella Geiger, who may not be known as quintessential engravers, but at different times seized this language in their productions. The two works by Anna Bella Geiger in this exhibition reveal the curiosity for medium, techniques and materials embedded in the six decades of her production, started with her studies in the atelier of engraver Fayga Ostrower. The serigraphy Local de Ação (Site of Action, 1979), for instance, reveals much more than a simple image fixated over paper. A closer look will reveal the high-and-lows, in shapes that insinuate to be three-dimensional despite being over a two-dimension surface, suggesting that the artist considers her place of action to be not only the paper but the world as well. Meanwhile, in her work Brasil, 1500-1996 (Brazil, 1500-1996, 1996), the metal engraving results from the use of etching, aquatint, serigraphy and crayons.

POSSIBLE IMPRESSIONS In its most traditional definition, “engraving” is the technique of forming images for reproduction and multiplication through incisions and butchers, or fixation by chemical means; using metal, wood, stone or paper ; either manually or mechanically. Celebrating 25 years of Curitiba’s Museu da Gravura, the exhibition Alma Brasileira – 100 Anos de Gravura (Brazilian Soul – 100 Years of Engraving) reveals to the public part of the history of engraving in Brazil. The exhibition provides an overview of the last 100 years of engraving based on the collection of this institution, inaugurated in 1989 with the aim of encouraging production in the area of engraving through exhibits, research, courses and workshops. From the collection, which consists of about 3,000 works by national and international ar tists and was built through purchases and donations, we selected nearly 100 works, dated between ​​ 1909 and the 2000s. This selection gathers 38 Brazilian artists of different generations, revealing the possible ramifications for the practice and thinking of engraving over the decades. Artists such as Carlos Oswald, Gilvan Samico, Oswaldo Goeldi, Fayga Ostrower, Anna Letycia, Carlos Scliar and Marcelo Grassmann present works devoted to research the practice of engraving in its different modalities: woodcut, lithography, metal engraving and serigraphy. Two of these artists reveal different paths of the engraving thinking. One of them is Carlos Scliar, one of the founders of the Clube da Gravura (Engraving Club) in Porto Alegre in the 1950s, and who had an impor tant role in the renewal of graphic ar ts in Rio Grande do Sul, with national repercussion. In his series Telhados de Ouro Preto (Ouro Preto Rooftops, 1977), his serigraphs bring to surface the interest for a clean, precise and graphic-quality line. At his geographical extreme opposite, Gilvan Samico is one of the greatest references of engraving in Pernambuco. Works like A Queda do Anjo (The Angel’s Fall, 1965) and A Mãe dos Homens (Mother of Men, 1981) build a new universe through engraving, made of expressive lines and elaborate textures and inhabited by characters from the Bible or born in local legends and stories, as well as by fantastic and mythical animals.

Curiosity for mixing and unveiling medium and techniques for the artistic production is also an important part of Alex Flemming’s works. O Óculos (Eyeglasses, 1980) is a xerography, a process of reproducing images or text with the use of a copying machine, with the possibility of copying, pasting, modifying and interfering in the different images produced through the process. At the end of the 1970s, several Brazilian artists started to experiment with this type of machine, interested in the possibility of valuing reproductions, instead of only individual pieces of art. Also in this exhibition there are works from artists who expand, intentionally or not, the classic notion of engraving, by using surprising supports and procedures. It may be curious to find, in an engraving exhibition, pieces such as objects, bills, wet surfaces, stamps, etc. Even more curious it is to notice that our perception of what engraving is widens due to the presence of such pieces. In the works of the São Paulo-born artist Alex Cerveny, for instance, everything happens through drawings. For him, drawing seems to bring about the possibility of rewriting the world, building other possible narratives through the paintings and engravings he did since the 1980s. Characterized by an intimist narrative, these works build up fantastic universes, inhabited by biblical and mythological characters, towers and many other elements extracted from everyday life and from literature. In Acordeon (Accordion, 1994), not only the drawing but also the paper itself comes to life. Folded in some parts, mimicking an accordion, the paper no longer pertains to the two-dimensional space – the place usually associated to illusion –, becoming instead a full body (like yours or mine), with which we share space and time. These shared spaces also seem to interest artists like Cildo Meireles. His Estojo (Case, 1995) is literally what its title suggests: a wooden box which, once open, reveals four golden nails. These nails engrave their presence over the wooden surface – a possible reinterpretation of the notion of xylography (engraving technique based on wood). The bottles in Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola (Inserts in Ideological Circuits: Project Coca-Cola, 1970) and the bills and coins in Zero Cruzeiro, Zero Centavo, Zero Cent and Zero Dólar (1974-1990) also aim at leaving a mark in the world. Through the use of offset, serigraphy and incusing, these objects are appropriated and remodeled by the artist, and then returned to their day-to-day life. The alterations reveal the dynamic of goods and values circulation, highlighting the disparity between exchange and usage value and between real and symbolic value – not only in the domain of art but also in our everyday life. By presenting these selected works, Alma Brasileira – 100 Anos de Gravura thus reveals not only the importance of the collection of Curitiba’s Museu da Gravura, but also the approaches and possible developments of the concept of engraving throughout history. This exhibition at Caixa Cultural São Paulo strengthens the institution’s commitment with revisiting the Brazilian artistic production and with presenting its latest manifestations. Increasing the visibility of this important collection is part of this project, providing the public with a meaningful oppor tunity to know its works.

FERNANDA LOPES CURATOR


1909

LINHA DO TEMPO DA GRAVURA NO BRASIL 1808 A Corte Portuguesa se transfere de Lisboa para o Rio de Janeiro.

É criada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, a qual, posteriormente se tornará a Academia Imperial de Belas Artes.

Nasce em Viulnius, Lituânia, Lasar Segall, que se tornará um dos maiores expoentes do modernismo no Brasil.

1882

1816 Chega ao Brasil o grupo de artistas que passará a ser conhecido como Missão Francesa.

1891

Nasce em Florença, Itália, Carlos Oswald, o qual será um dos precursores da gravura no Brasil.

1919

Nasce em Zurique, Suíça, Mira Schendel.

1903

1826

1921

Carlos Oswald Árvores Gravura em metal Água tinta e água forte

Nasce em Araraquara/SP Lívio Abramo. Abramo, além de ser elemento fundamental na gravura brasileira, mudase para o Paraguai na década de 1960 onde se torna um dos pilares da arte contemporânea daquele país.

1902 Nasce em Batatais/SP José Olympio Pereira Filho, um dos mais importantes editores e livreiros brasileiros. Sua editora será a grande responsável pela união entre a gravura e o texto, encomendando obras inteiras de ilustração a artistas consagrados – Poty, Caribé, Renina Katz, Goeldi, Clovis Graciano, etc. – para textos fundamentais da literatura brasileira (Mário de Andrade, Alcântara Machado, Jorge Amado, Darcy Ribeiro, entre outros).

Nasce em Kozienice, Polônia, Frans Krajcberg, o qual – migrado ao Brasil – se tornará um referencial nas artes plásticas, sobretudo no emprego de materiais naturais e no conteúdo crítico da cultura e do consumismo contemporâneo.

1914

Nasce em Restinga Seca/RS, Iberê Bassani de Camargo. Iberê Camargo é um exemplo de artista que passou pela Escola Nacional de Belas Artes e, munido de vasto repertório, tornou-se um dos maiores artistas brasileiros de seu tempo, inclusive se distanciando de certos cânones acadêmicos.

1909

Carlos Oswald Árvores em Florença, Gravura em metal Água tinta e água forte

1920

Nasce em Santa Maria/ RS Carlos Scliar, artista emblemático não apenas pelas suas obras, mas também pela sua atuação no Clube de Gravura de Porto Alegre.

1912

Lasar Segall se transfere ao Brasil para se reunir aos seus irmãos. No ano seguinte realiza suas primeiras exposições.

1920

Nasce em Paraisópolis/ MG Amilcar de Castro, importante gravador, designer e diagramador brasileiro do século XX.


1929

1925

1927

Nasce em São Simão/ SP Marcelo Grassmann, artista plástico que se tornará uma das maiores referencias da gravura contemporânea.

Lasar Segall Casal do Mangue com Persiana I Xilogravura

Nasce em Nova Friburgo/RJ Lygia Pape, gravadora e pintora, que será uma das responsáveis (junto com Hélio Oiticica, Lygia Clark e outros) – sobretudo com sua série Tecelares – pelo desencadeamento do movimento Neoconcreto Brasileiro no final dos anos de 1950.

1925

1933

Nasce no Rio de Janeiro/ RJ Anna Bella Geiger, a qual estuda com Fayga Ostrower (esta, por sua vez, aluna de Carlos Oswald).

1929

Nasce em Colatina/ES Dionísio Del Santo, pintor e gravador que será, junto com Luiz Sacilotto, um dos maiores expoentes do Movimento Concretista.

1946

Nasce no Rio de Janeiro/RJ Waltércio Caldas Jr.

Nasce em Teresópolis/RJ Anna Letycia Quadros. Estuda com mestres como Iberê Camargo, Goeldi, e se torna uma importante gravadora de sua geração.

1942

Nasce no Rio de Janeiro/ RJ o artista plástico Rubens Gershman, vanguardista, mas extremamente influenciado pela arte concreta e neoconcreta.

1935

1924

Nasce em Curitiba/ PR Napoleon Potyguara Lazzarotto, conhecido como Poty Lazzarotto, que se tornará um dos mais importantes gravuristas brasileiros.

1925

Nasce no Rio de Janeiro Renina Katz Pedreira, artisticamente conhecida como Renina Katz. Renina, que estudou com vários mestres – entre eles Poty Lazzarotto –, foi professora de diversas instituições e é uma das grandes gravadoras brasileiras.

1928

Nasce no Recife/PE Gilvan José de Meira Lins Samico, conhecido artisticamente como Gilvan Samico, que se tornará um dos maiores xilogravuristas brasileiros, levando essa técnica – tida como menor e mais rústica – ao nível das grandes obras.

1931

É fundada no Rio de Janeiro a Livraria José Olympio Editora.

Nasce em Bezerros/PE José Francisco Borges, conhecido artisticamente como J. Borges, que se tornará um dos maiores expoentes da xilogravura brasileira. Sua obra foi largamente empregada na literatura de cordel, além de compor os acervos de quase todos os grandes museus brasileiros.

1948

Nasce no Rio de Janeiro/ RJ Cildo Meireles, artista plástico que, embora empregue técnicas diversas, discute o status da gravura ao produzir sua série de notas, moedas e garrafas de refrigerante, alterando seus conteúdos.


1954

Nasce em São Paulo/SP Alex Flemming.

1949

1960

Renina Katz Favela Xilogravura de topo

Nasce em Curitiba/PR Eliane Prolik.

1952

Surge o Grupo Ruptura, base do Movimento Concretista nas artes e que envolve nomes como Luiz Sacilotto, Dionísio Del Santo, Lothar Charroux e Geraldo de Barros, entre outros.

1948

Chega ao Brasil Frans Krajcberg.

1971

Falece em Petrópolis/RJ Carlos Oswald.

1957

Falece em São Paulo/SP Lasar Segall.

1965

Gilvan Samico A Queda do Anjo Xilogravura

1950

1949

Mira Schendel se transfere ao Brasil, onde será um dos maiores expoentes da gravura contemporânea.

É criado o Clube da Gravura em Porto Alegre, reunindo na agremiação colecionadores e artistas dedicados à arte da gravura, entre eles Carlos Scliar. Os Clubes da Gravura, ou de Colecionadores, se disseminam pelo sul do Brasil, depois pelos restante do país, e se tornam não apenas um local de encontro, mas de fomento e sustentação da arte.

1957

Lygia Pape Tecelares Xilogravura

1959

Nasce em Rio Claro/SP Luiz Claudio Mubarac, um dos mais importantes gravadores contemporâneos, além de professor.

1960

Maria Bonomi e Lívio Abramo criam o Estúdio Gravura.

1965

Lívio Abramo Paraguay Las Plazas Xilogravura


1977

1981

Carlos Scliar Telhados de Ouro Preto Serigrafia

1970

Cildo Meireles Yankees Go Home! Serigrafia

Dionísio Del Santo Permuta Q Serigrafia

Gilvan Samico passa a incorporar, por convite de Ariano Suassuna, o Movimento Armorial, no qual produzirá parte substancial de sua obra e – certamente – a mais característica.

1967

Iberê Camargo Gravura em metal água tinta, rebaixamento e texturas

1979

Alex Flemming O Óculos Xerografia

1984

Eliane Prolik Heliografia

1974

Lívio Abramo Itauguá – Paraguay Xilogravura

1981

Cildo Meireles Zero Cruzeiro Off-set

1970

Cildo Meireles Inserções em circuitos ideológicos (Projeto Coca-Cola) Serigrafia

Claudio Mubarac S. P. Gravura em metal água forte e água tinta

Claudio Mubarac S. P. Gravura em metal água tinta

1980 Anna Bella Geiger Local da ação, 3 Serigrafia – Relevo

1970

1982 1982

1971

1989

Gilvan Samico A Mãe dos Homens Xilogravura

1979

J Borges O Sonho do Medroso Xilogravura

1981

Franz Krajcberg Gravura em relevo

É fundado e hospedado no Solar do Barão em Curitiba o Museu da Gravura da Cidade de Curitiba, o qual reúne um acervo de mais de 3000 obras que cobrem aproximadamente 100 anos de gravura no Brasil.

1988

Falece em Curitiba Poty Lazzarotto.

1988

Falece em São Paulo Mira Schendel.

1984

Cildo Meireles Zero Dólar Off-set


1996

1994/1995

Laura Miranda Memória e presenca Impressão do corpo molhado com água

1996

Luciano Mariussi Carimbo

1992

Anna Bella Geiger Brasil, 1500 Gravura em metal água forte, água tinta, serigrafia e lápis de cor

1999

Falece em Vitória/ES Dionísio Del Santo.

1995

Falece em Assunção, Paraguai, Lívio Abramo.

1997

Carlos Zillio Gravura em metal água tinta (verniz mole e açúcar)

1996

1994

Ibrahim Miranda Manos de fé Impressões de mãos

1994

Falece em Porto Alegre/RS Iberê Camargo.

1994

Antonio Dias Gravura em metal água forte

Amilcar de Castro Litografia

Denise Roman Carimbo

1996

1996

Rossana Guimarães Carimbo

Ana Gonzalez Carimbo

1995

Cildo Meireles Estojo Gravura objeto

1996

Fernando Lopes Flag Book: Interaction Towards a Better Word Off-set com dobradura

1996

Waltercio Caldas Uma Estória da Pedra Gravura em metal água forte, água tinta e relevo

1999 1996

Cristiane Silveira Carimbo

Lygia Pape Xilogravura


EVENTOS SIGNIFICATIVOS NA HISTÓRIA DA GRAVURA NO BRASIL

2012

J. Borges ilustra, a convite do Instituto Goethe e da Editora Cosac e Naify, a obra Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos dos Irmãos Grimm, retomando uma tradição importante – porém em desuso no mercado editorial brasileiro – de se convidar grandes artistas para ilustrarem obras importantes.

2006

José Roberto da Silva A Fronteira Gravura em metal água forte sobre latão

OBRAS PRESENTES NA EXPOSIÇÃO

OBRAS NÃO DATADAS PRESENTES NA EXPOSIÇÃO Ana Letycia Gravura em metal - Ponta Seca e Relevo

2001

Marcelo Grassmann Gravura em metal – Água forte e água tinta

2013

Falece no Rio de Janeiro Carlos Scliar.

Falece Gilvan Samico. Marcelo Grassmann Gravura em metal – Água forte, água tinta e ponta seca Oswaldo Goeldi Fúria Xilogravura Oswaldo Goeldi Xilogravura

2002

Poty Lazzaroto Gravura em metal – Ponta seca

2013

Falece em Minas Gerais Amilcar de Castro.

Renina Katz Quintal Linoleogravura

Falece em São Paulo Marcelo Grassmann.

2008

Falece no Rio de Janeiro Rubens Gershman.

2004

Falece em Nova Friburgo/RJ Lygia Pape.

Rubens Gerchman Nova Acropole Serigrafia


Anna Bella Geiger Local da ação, 3, 1979

Serigrafia-relevo


Gilvan Samico A m達e dos homens,1981.

Xilogravura Gilvan Samico A Queda do Anjo, 1965. Xilogravura


Cildo Meireles Zero Cent, 1990

Cunhagem Cildo Meireles Zero Cruzeiro, 1974/1978

Offset


Cildo Meireles Zero D贸lar, 1984

Offset

Cildo Meireles Zero Centavo, 1978.

Cunhagem


Cildo Meireles Estojo, 1995.

Gravura Objeto


Cildo Meireles Inserções em circuitos ideológicos (Projeto Coca-Cola), 1970.

Serigrafia


Renina Katz Favela, 1949. Xilogravura de Topo

Renina Katz Quintal, sem data.

Linoleogravura


Renina Katz Favela, 1949.

Xilogravura de Topo


A ARTE DA GRAVURA E A ARTE NO BRASIL A passagem do século XVIII para o XIX constitui um momento fundamental para a história ocidental, tanto no plano político quanto no social. O período que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou de “Era das Revoluções”, na realidade, compreendia muito mais do que a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, mas uma sequência de eventos que, hoje, olhando com distanciamento, nos parecem, de fato, revolucionários. No plano das ar tes e do pensamento, o período foi marcado pelo for talecimento, organização e difusão daquilo que passamos a denominar Iluminismo ou Ilustração (em algumas regiões florescendo mais cedo, como na Inglaterra e na França, e noutros mais tardiamente, como nos reinos ibéricos e nas colônias americanas, entre elas o Brasil). Par te desse imenso processo, desse vagalhão histórico, que envolveu guerras, invasões, idéias brilhantes, um avanço científico sem paralelo, também envolveu a independência das antigas colônias das nações europeias: a América Espanhola, a Portuguesa, as colônias francesas.


Nesse contexto a independência do Brasil se construiu de modo muito singular mas que, para nós, tem uma imensa impor tância e desdobramentos singulares. Com a invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas, a Cor te se transfere de Lisboa para o Rio de Janeiro. Passava-se o ano de 1808, quando, é importante lembrar, a Ilustração já compunha par te das mentes de homens e mulheres de muitas cidades brasileiras. Contudo, a vinda da Corte ao Brasil – a qual, apesar de precipitada, já havia sido cogitada em inúmeras outras ocasiões, por diversos motivos (que envolviam razões políticas, demográficas, geográficas, econômicas) – de fato insuflou na antiga colônia uma série de hábitos, demandas, interesses que, até então, ou inexistiam aqui ou eram de caráter tímido. Também graças a abertura dos portos às nações amigas, aumentou significativamente o número de estrangeiros em nossas terras; isso se dava por interesses particulares (pesquisadores, aventureiros, comerciantes, religiosos) ou de Estado (missões patrocinadas por nações amigas, principalmente por aquelas com as quais nossa monarquia mantinha relações próximas). Assim, o Brasil viu crescer o interesse pelo seu território – o qual, pelo antigo regime metropolitano, mantivera-se for temente vedado a estrangeiros. Figuras como John Mawe (comerciante de pedras preciosas), Auguste de Saint-Hilaire (botânico), Von Spix e Von Mar tius (cientistas), Langsdorf (diplomata), Maurice Rugendas e Jean-Baptiste Debret (pintores) estiveram no Brasil justamente nesse período que vai das últimas décadas do século XVII às primeiras do XIX. A representação gráfica do Brasil cresceu nesse período de modo único até então: aos olhares estrangeiros, desde o mundo natural até os hábitos e cidades brasileiras soavam como imensa novidade, gerando estranhamento digno de motivar o registro visual - sempre mediado, é claro, pelo olhar estrangeiro e pelas diversas formações e experiências anteriores de cada um deles. Outra ação foi ainda mais importante para a transformação do universo ilustrado brasileiro: a chegada da chamada Missão Francesa e a instituição da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro. Instituída por D. João VI – e apesar das controvérsias a respeito de quem teria sido o mentor ou pilar da constituição da Academia –, o fato é que ela se organizou e fundamentou numa vasta gama de ar tistas franceses (alguns refugiados do regime napoleônico). Dentre os que vieram para fundar e organizar a recém criada Academia, estavam figuras como o próprio Debret, o arquiteto Grandjean de Montigny e o pintor Nicolas Antoine Taunay (o qual, aliás, trouxe sua vasta e talentosa família junto, da qual saíram nomes como Adrien Taunay, Alfredo D`Escragnole Taunay – o Visconde, político e escritor –, e o historiador Afonso Taunay). A impor tância da Academia na cultura brasileira sempre traz a tona acalorados debates: alguns querem que ela seja vista como uma impor tação de estéticas estrangeiras, de um galicismo, de uma elitização da ar te. Outros a vêem como um passo fundamental na organização, difusão e profissionalização das artes no Brasil (lembremos da presença, também, da arquitetura em seus quadros). Penso que ambos possuem algo de razão: sim, a Academia representou a impor tação de técnicas e estéticas europeias consagradas, sobretudo aquelas de matriz francesa – por motivos óbvios. A ar te no Brasil não nasceu com a Academia, mas a sua implantação impulsionou e foi semente fértil de inúmeras gerações de ar tistas brasileiros. Até a implantação da Academia, o conhecimento se transmitia pela ação conjunta (como, por exemplo, a formação de um gênio como Aleijadinho) ou chegava à América Portuguesa já pronto, formado em terras estrangeiras (como inúmeros ar tistas, arquitetos e outros ilustrados que viveram no Brasil em seu período colonial).

Em boa medida se deve a par te dos pensadores modernistas brasileiros – não todos, obviamente – certa demonização da Academia; pois buscavam, um tanto utopicamente, uma matriz incer ta, mais ideológica do que real, de uma arte brasileira pura, nascida aqui, ainda que devoradora de influências estrangeiras. Esse discurso foi – e parcialmente ainda é – bastante recorrente, sobretudo no universo da arquitetura, o qual pretende ver nas edificações coloniais a “pureza” da brasilidade. Daí a enorme compulsão dos modernistas – principalmente os de São Paulo – com a cultura das Minas Gerais do período do ouro: os grandes casarões, a poesia (Marília de Dirceu) e o teatro, a arquitetura e a escultura de Aleijadinho e Mestre Valentim, etc. O fato é que a Academia condensou, aglutinou, reuniu talentos, os preparou com instrumentos e técnicas, impôs – inicialmente – um padrão estético (mas que foi, muito rapidamente, subver tido e superado). A Academia não substituiu, nem apagou, o legado das artes no Brasil antes da chegada da Cor te. Melhor dizer que são processos distintos – o da formação de uma arte brasileira por transmissão e sem grandes instituições, e o da formação de um corpo de técnicos e ar tistas a par tir de uma sólida grade curricular. Nessa baliza é que se formarão e despontarão a grande maioria dos ar tistas brasileiros do século XIX e começo do XX, quando a Academia (após a proclamação da República) passa por transformações radicais. Araújo Por to-Alegre, Francisco de Sousa Lobo, Almeida Júnior, Victor Meirelles, Pedro Américo, Rodolfo Amoedo, Rodolfo Bernardelli, são alguns dos nomes que passaram pelas salas da Academia. É por isso que, se a ar te no Brasil não nasceu com a Academia, foi cer tamente nela que o tema de uma “arte brasileira” ganhou corpo pela primeira vez (o que lhe rendeu inúmeras polêmicas, seja por considerarem-na pouco brasileira, seja pelo contrário, como, de resto, ocorre com grande par te das instituições criadas pelo Estado). Carlos Oswald, considerado um dos precursores da gravura no Brasil, era uma figura de perfil acadêmico, pautado por temas clássicos. A Academia, por fim, por mais que tenha sido superada, criticada, foi uma base importante para a constituição de um cenário artístico brasileiro, com corpo, com inúmeros ar tistas e não mais com figuras isoladas. Foi, tardiamente, responsável pela explosão e disseminação da ar te no Brasil – e brasileira – a par tir das primeiras décadas do século XX.

RODRIGO SILVA COORDENADOR GERAL PRIMAVERA DE 2014



Alex Cerveny Acordeon, 1994

litografia


Alex Flemming O テ田ulos, 1980.

Xerografia


Carlos Scliar Telhados de Ouro Preto, 1977.

Serigrafia

Carlos Scliar Telhados de Ouro Preto, 1977. Serigrafia


Carlos Scliar Telhados de Ouro Preto, 1977. Serigrafia

Carlos Scliar Telhados de Ouro Preto, 1977. Serigrafia


EX LIBRIS Ex libris meis -- ou, em bom português, “dos livros de” ou “faz par te dos meus livros”. Alma Brasileira traz uma série de gravuras executadas no ateliê do Museu da Gravura da Cidade de Curitiba com o objetivo de servirem como ex libris. Apesar de serem pequenas jóias, os ex libris possuem uma fascinante história ligada ao colecionismo, à ilustração e à constituição das grandes bibliotecas. Desde o surgimento da imprensa com Johannes Gutenberg, os livros se liber taram do longo processo ar tesanal/ar tístico do copista. Até então, cada exemplar de livro era único, mesmo trazendo o mesmo texto. Isso ocorria pelo fato de cada copista possuir um estilo, uma caligrafia e, sobretudo, pelos inúmeros erros que ocorriam no lento processo de cópia de um livro. Com o aparecimento da máquina de Gutenberg, no século XV (embora, no Oriente, já existissem equipamentos semelhantes), os livros puderam ser produzidos em série, aumentando a semelhança entre eles, evitando equívocos e facilitando a difusão da leitura. A chamada Revolução da Imprensa foi fundamental para a disseminação da Reforma Protestante, por exemplo, graças ao aumento do número de Bíblias disponíveis. Ainda assim, o livro manteve-se como um ar tigo caro e restrito (ainda que hoje trabalhos de historiadores , como Roger Chartier, demonstrem a incrível circulação desses objetos entre os leitores). Com o decorrer dos séculos e o aumento das coleções e das bibliotecas, bem como da circulação, tornou-se necessário desenvolver uma forma de cada proprietário identificar seus livros. O ex libris mais comum e simples é o consagrado “este livro per tence a” seguido da assinatura do proprietário. Contudo, o livro era, e ainda é em grande medida, um objeto que inspira respeito e admiração: edições especiais, séries numeradas, capas raras, edições com erros, livros que per tenceram a figuras impor tantes. Nesses casos, os colecionadores não se contentariam com um simples “este livro pertence a”. Da mesma forma, as bibliotecas públicas (as Nacionais, principalmente) não podiam simplesmente ter uma assinatura de propriedade que mudasse a cada técnico ou diretor, impondo, assim, a necessidade de uma marca definitiva e comum. Os ex libris possuem, na maioria das vezes, características que lembram seu dono e são únicos: há os que preferem desenhos simples ou espécies de logomarcas, há os que inserem figuras demoníacas – lembrando os tempos em que o conhecimento era tido como pernicioso à fé -, há os que inserem figuras clássicas – como as musas, sobretudo Clio, a musa da História – e há uma infinidade de pequenas brincadeiras e ironias feitas pelos proprietários. Os gravuristas eram solicitados a materializarem a alma que o colecionador queria imprimir à sua biblioteca. Depois de aprovado o desenho pelo contratante, o ex libris era transformado em carimbo (de tinta), em timbre (para impressão em relevo) ou em papel (autocolante ou necessitando de cola branca para fixação). Um dos ex libris que se tornou mais conhecido no Brasil é o do já falecido bibliófilo José Mindlin (criador de uma fantástica e única biblioteca), o qual portava o texto francês je ne fais rien sans gaieté, ou “eu não faço nada sem alegria”, uma lembrança ao texto original do pensador francês Michel de Montaigne que escreveu Je ne fait rien sans gaieté, uma sutil mudança: Não faça nada sem alegria. RODRIGO SILVA COORDENADOR GERAL PRIMAVERA DE 2014


Carimbo ANA GONZALEZ SEM TÍTULO, 1996.


Carimbo ROSSANA GUIMARÃES SEM TÍTULO, 1996.


Carimbo LUCIANO MARIUSSI SEM TÍTULO, 1996.


Carimbo DENISE ROMAM SEM TÍTULO, 1996.


Carimbo CRISTIANE SILVEIRA SEM TÍTULO, 1996.



PRESIDENTE DA CAIXA Jorge Fontes Hereda

ALMA BRASILEIRA FICHA TÉCNICA COORDENAÇÃO GERAL Rodrigo Silva CURADORIA Fernanda Lopes ACERVO Museu da Gravura da Cidade de Curitiba PRODUÇÃO EXECUTIVA José Luiz Sampaio PROJETO EXPOGRÁFICO Ewerton Souza Borges TRADUÇÃO E REVISÃO Adriana Beltrão Dupita PROJETO GRÁFICO E DESIGN Camila Wingerter FOTOGRAFIA Tahia Macluf ASSESSORIA DE IMPRENSA Décio Hernandez Di Giorgi MONTAGEM FINA Vinícius Simões MONTAGEM E ILUMINAÇÃO José Mauro da Silva (in memoriam) Jaime Gonçalves Jonathan Melo Edmilson



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