Marcas da Alma: uma viagem pela cultura afro-brasileira através das marcas corporais

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José Christiano Jr., retratos de negros, fotografia, Arquivo Noronha Santos/IPHAN, Rio de Janeiro, década de 1860 (circa).

Marcas da Alma Por onde devemos começar uma história? Ao abrir a Ilíada o aedo faz exatamente esta pergunta: por onde querem que eu inicie a história? Pergunta que, mais do que retórica, se desdobra em múltiplas dimensões: quando inicia uma história? Quando termina? Como se determina esses inúmeros inícios e fins? Quem o faz? Passados milênios, desde a pergunta do cantador grego, parece que as mesmas dúvidas continuam lícitas. Marcas da Alma põe essas inquietações como som profundo de seu discurso, de sua trajetória. Fala sobre a permanência das marcas corporais, das escarificações, empregadas para marcarem as identidades e identificações das diversas culturas africanas que vieram aportar na América Portuguesa e, depois, no já independente Brasil, mas fala – ao fundo – de permanências culturais, de práticas imemoriais, de coisas tão antigas que nem mesmo a memória alcança. Essas marcas corporais, as quais tinham objetivos diversos – identificar grupos étnicos, tribais, devoções e filiações sagradas, ritos de passagem -, vieram nos incontáveis corpos de africanos desembarcados no que hoje é o Brasil ao longo de séculos. Para a Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais; numas regiões mais, noutras menos, mas somando uma massa deslocada jamais vista na história, cuja denominação não permite outra palavra senão “diáspora”. Corpos que foram registrados por pintores como Jean-Baptiste Debret, Johan Rugendas, fotografados por Christiano Jr., e, flagradas algumas das vezes acidentalmente, estavam lá as marcas corporais. Nas testas, nos torsos, ombros, nas faces. Essas marcas de algum modo se relacionaram com o surgimento das marcas corporais realizadas no âmbito das religiões afro-brasileiras, sobretudo no candomblé – em suas diversas vertentes. Contudo, e é o mais saboroso notar, sagrado e profano, vida espiritual e vida material, o tangível e o simbólico, são indissociáveis nesse universo cultural. Marcas que simbolizam forças primais, energias, histórias, e que transformam a materialidade quando inseridas. O suporte dessas marcas, o vetor dessas transformações de energias, memórias, em matéria, podiam ser os corpos, mas também o barro. No final dos anos de 1980, e eis que a história segue de modo errante e menos linear e acumulativa do que quer nosso mundo contemporâneo, o arqueólogo Wagner Bornal ao iniciar as escavações do Sítio São Francisco, na cidade de São Sebastião, São Paulo, se depara com uma imensa coleção de objetos cerâmicos – potes, panelas, farinheiras, cachimbos, etc. – adornados com as mesmas marcas corporais que identificavam os africanos aqui chegados. Ao longo de vinte anos São Francisco foi meticulosamente escavado, tornando-se um dos sítios arqueológicos com uma das mais consistentes pesquisas que aqui temos. E a coleção cresceu ajudando-nos a compreender um pouco mais de um passado esquecido, fragmentado, tanto quanto as


inúmeras cerâmicas encontradas. Desses “cacos de história” foi possível se recompor e interpretar um tanto da trajetória do local: antiga fazenda de açúcar, de proprietários portugueses, que depois se tornou fazenda de café, atravessando décadas e décadas, receptora de uma população escrava de monta significativa eestranhamente- desproporcional para o tamanho da estrutura produtiva do local. Muitos escravos para tão poucas fornalhas, tantas senzalas para uma área tão cheia de restrições à agricultura. Para onde foram? Seria São Francisco um ponto de tráfico ilegal de escravos? Ponto de passagem aos sertões da América? Modos diversos de produção que nos fazem falhar a interpretação? Seja como for, deixaram suas cerâmicas – e muitos deles seus corpos, sepultados ali certamente, mas cuja arqueologia preferiu resguardar às curiosidades científicas. Deixaram sua cultura amalgamada, transformada, assim como o barro que toma forma e ganha uso nas mesas. Sem a menor dúvida São Francisco, hoje inserido no bairro de mesmo nome, habitado por uma comunidade caiçara herdeira de muitas dessas tradições – dentre elas a das últimas “paneleiras”, hoje desaparecidas -, é um dos marcos fundamentais para a história da diáspora africana no Brasil, patrimônio nacional e testemunho de nosso passado escravista, marco de resistência cultural dos povos africanos e síntese dos esforços dedicados e competentes da arqueologia e da história. Por fim, a lembrança de um excerto de texto de John Barth, compartilhado por um antigo mestre da teoria da história, Francisco Murari, e que diz muito sobre todas essas palavras anteriores: “Histórias duram mais que homens, pedras mais que histórias, estrelas mais que pedras. Mas mesmo as noites de nossas estrelas têm limites e com elas passará esta história modelo para uma terra há muito morta. (...) ser a história que eu conto àqueles com olhos para ver e compreensão para interpretar; despertá-la sempre e saber que nossa história jamais será interrompida, mas recontada a cada noite, enquanto homens e mulheres lerem as estrelas...”1 Rodrigo Silva Coordenador Geral

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BARTH, John, Chimera, São Paulo: Marco Zero, 1979. Busto de negro com escarificação, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Farinheira, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

Fragmentos cerâmicos de panelas utilitárias, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Panelas utilitárias com ornamentações de origem africana, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

Fragmentos cerâmicos de panelas utilitárias, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Panelas utilitárias com ornamentações de origem africana, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

Fragmentos cerâmicos de panelas utilitárias, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Fornilhos de cachimbos cerâmicos com ornamentações de temática africana, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Fornilhos de cachimbos cerâmicos com ornamentações de temática africana, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

Fragmentos cerâmicos de panelas utilitárias, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

Panelas utilitárias com ornamentações de origem africana, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Fragmentos cerâmicos de panelas utilitárias, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Cabos de panelas utilitárias em formatos fálicos e de figas, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).


Panelas utilitárias com ornamentações de origem africana, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

Fragmentos cerâmicos de panelas utilitárias, cerâmica, acervo DPH São Sebastião/SP, século XIX (circa).

A artesã Maria Aparecida Ivanov reconstituiu parcialmente as peças para a exposição (com cerâmica sem cozimento, apenas naturalmente seca) de modo que pudessem expressar melhor suas formas e volumes.


O arqueólogo Wagner Bornal (no centro a esquerda) acompanhado da equipe responsável pelas pesquisas no Sítio São Francisco em São Sebastião/SP na sede da Fundação Cultural de São Sebastião. No laboratório de arqueologia são realizadas as etapas de limpeza, catalogação e preservação das peças arqueológicas, possibilitando as pesquisas posteriores e as ações de educação e difusão cultural.


FOTOGRAFIAS

Presidenta da República

José Christiano Jr. (exposição - século XIX)

Dilma Vana Rousseff

João Valério (catálogo) Marcello Vitorino (exposição - contemporânea)

Ministro da Fazenda Guido Mantega

PRODUÇÃO LOCAL: Lêda Deborah

Presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Fontes Hereda

MONTAGEM: José Mauro da Silva Jonathan Vital de Melo

Ficha Técnica COORDENAÇÃO GERAL Rodrigo da Silva

Jaime Gonçalves IDENTIDADE VISUAL E DESIGN Camila Wingerter

CURADORIA Wagner Gomes Bornal

SONORIZAÇÃO Vasto Mundo Produções

COLEÇÕES Fundação Cultural de São Sebastião Arquivo Noronha Santos - IPHAN

PRODUÇÃO MUSICAL Jacarandá

CENOGRAFIA Helena Ramos e Paulo Galvão (Cenographina) PRODUÇÃO EXECUTIVA Rodrigo da Silva PRODUÇÃO Conceito Humanidades

MIXAGEM Julian J. Ludwig

TRANSPORTE Brazil Transports ASSESSORIA JURÍDICA Perrotti e Barrueco Advogados Associados APOIO INSTITUCIONAL IPHAN/MinC Fundação Cultural de São Sebastião Fundamar

MÚSICO INTÉRPRETE Samba Ossalê

AGRADECIMENTOS

CERAMISTA Maria Aparecida Ivanov (reconstituição dos objetos arqueológicos)

Marise Campos (IPHAN/SP), Sandra Sanchez, Aline Mazza, Cleiton, Fundação Cultural de São Sebastião, Marianita Bueno, Marcello Vitorino, Edice, Arquivo Noronha Santos/ IPHAN, Ynaê Lopes do Santos.



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