O que é aquilo que passamos a denominar
vezes aparecem como contraditórias – preservação
“patrimônio”? Quais suas relações com os espaços das
e desenvolvimento, mobilidade e proteção, inclusão
cidades e com nosso cotidiano? Lembrar, tecer a teia
social e manutenção da memória, história oficial e
da memória, escrever histórias, marcar espaços, objetos
memórias de grupos, etc. Hoje o desafio posto aos
com essas duas dimensões: a história e as memórias.
pesquisadores que se encontram da chamada “linha
Apesar de serem espaços cotidianamente
utilizados, atravessados, vividos, as cidades são gigantescas experiências humanas raramente discutidas fora de círculos de pesquisa e de gestão absolutamente restritos. O patrimônio cultural, por sua vez, é tomado muitas vezes de modo naturalizante, ou seja, como se ele nascesse como tal e seu estabelecimento fosse óbvio e imediato. Desta forma Memória da cidade: patrimônio urbano no Brasil pretende abrir ao público diverso uma discussão absolutamente contemporânea
de frente” do tratamento do patrimônio é o de, sem perder a dimensão protecionista, tornar o patrimônio cultural um “bem” efetivamente coletivo e gerador de desenvolvimento humano, questão até então negligenciada. Não devemos esquecer que a maioria absoluta do patrimônio cultural brasileiro, e boa parte do patrimônio da humanidade, é essencialmente urbano, o que implica em estar nos espaços mais dinâmicos das sociedades, portanto sujeito a uma infinidade de processos que o põe cotidianamente em xeque.
e fundamental para o futuro das cidades: qual a relação
O projeto Memória da Cidade, iniciado há
que estabelecemos com elas? Quais são seus benefícios
alguns anos por pesquisadores do Museu Paulista
a serem preservados? Quanto dessa experiência
da Universidade de São Paulo, e que paulatinamente
urbana se tornou problema? Como nos relacionamos
agregou pesquisadores de inúmeras outras instituições,
(relacionaremos) com a memória materializada no
busca justamente – de diversos modos – ampliar essa
patrimônio cultural e como os mantemos de modo vivo,
reflexão, mas sem jamais perder de vista a necessidade
ativo e sem engessar as cidades, que são por definição,
de intervenções, de ações que vertam a teoria e o debate
eternamente, dinâmicas? As discussões em grande
em práxis. O curso, que agora se materializa neste livro,
medida se restringem a questões técnicas de legislação,
é uma dessas ações: traz discussões, temas, debates,
de prática, de método, que não abordam o problema
mas procura não encerrar as possibilidades de uso, de
Carlos Eduardo França de Oliveira - USP
central que é o de conciliar dimensões que muitas das
desdobramentos, de novos movimentos.
Rodrigo da Silva - USP
CURSO LIVRE DE 03 A 14 DE OUTUBRO DE 2011 Professores:
Ynaê Lopes dos Santos - USP
Evolução Urbana do Rio de Janeiro Séculos XVI - XX
Ms. Ynaê Lopes dos Santos “No mar estava escrito uma cidade”
A cidade e o mar
Carlos Drummond de Andrade
Embora as atenções das autoridades portuguesas estivessem voltadas para a região nordeste da colônia – que
São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada no contexto de conquista e colonização do século XVI, que obrigou
em meados do século XVI já era importante produtora de açúcar –, a invasão francesa no sudeste foi um lembrete, no
os portugueses a responder de forma mais efetiva às invasões da França em terra lusitanas de além mar. No ano de
mínimo incômodo, da necessidade em ocupar, efetivamente, toda a região costeira das possessões do Novo Mundo.
1555, a província do Rio de Janeiro foi, em parte, tomada por Villegaignon, que ficou na América portuguesa por
Neste cenário de reconquista, destacou-se o nome de Mem de Sá, o reinol responsável pela expulsão dos franceses.
cinco anos. A eficácia da investida francesa no Brasil deveu-se em grande parte à ausência do aparato metropolitano
na região. Em 1555, a futura cidade do Rio de Janeiro era uma porção de terras alagadiças habitada por índios – na
Guanabara possuía um dos portos com a melhor defesa natural em toda a América: uma entrada marítima estreita
sua maioria tamoios - que contava apenas com uma pequena casa forte na Praia da Saudade, construída por Martim
com quatro morros circundando-a. Dessa feita, as mesmas vantagens naturais que levaram franceses a invadir essa
Afonso de Sousa na década de 1530.
parte da América portuguesa também mobilizaram aos lusitanos ocupar a região.
Importante destacar que a escolha geográfica da França Antártica não foi por acaso. Essa região da Baía de
O marco zero do Rio de Janeiro foi construído
do século XVI destacou-se o caminho formado pelas
em Vila Velha - quando o padre Gonçalo Oliveira
ruas da Misericórdia e Direita. As instituições estatais
ergueu uma igreja no pé do morro do Pão de Açúcar
seguiram a expansão do centro e, em 1640 a Câmara
em 1º de março de 1565. Dois anos depois, seguindo a
e a Cadeia foram transferidas para um único edifício
lógica defensiva e os critérios de sobrevivência, a vila
situado na Rua da Misericórdia.
foi transferida para o morro do Castelo, onde havia
maior oferta de água, mais ventos e maior segurança. Ali, a Câmara, a cadeia, a casa do governador, as igrejas e algumas casas mais abastadas foram muradas de acordo com um modelo urbanístico profundamente militarizado.
Procurando
incrementar
A organização espacial dos centros urbanos
coloniais foi realizada quase toda pela Igreja Católica. As leis eclesiásticas e a própria religiosidade criaram uma dinâmica de cotidiano nas vilas e cidades até as reformas Pombalinas no final do século XVIII. Mas não era apenas pelo soar dos sinos e pela magnitude
suas
atividades
de seus edifícios que a Igreja Católica fazia sentir sua
portuárias, ainda no século XVI, a cidade expandiu
presença. Também preocupada com a segurança da
seu espaço geográfico e sua importância política.
vila, as diferentes ordens religiosas tiveram grande
Após a vitória sobre os tamoios e o fim das ofensivas
influência na construção das primeiras muralhas e
espanholas e francesas, a cidade desceu o morro e a
forte. Além disso, do nascimento à morte, a Igreja e
várzea passou a ser ocupada pelos habitantes e pelo
a religião católica fizeram parte da vida de todos os
apostolado. Nas terras enxutas foi delineado o perímetro
habitantes da cidade. A sociabilidade desse período
urbano que além de ganhar as ruas próximas o Morro
era, em boa parte, criada a partir das missas, dos
do Castelo (como a Ladeira da Ajuda e a Ladeira do
funerais, das festas litúrgicas e de instituições que
Castelo) ocupou as regiões próximas ao Morro de
funcionavam como “braços” da Igreja, tais como
São Bento.
Criou-se então um plano urbanístico
a Santa Casa de Misericórdia (fundada em 1582) e
ortogonal muito semelhante a um tabuleiro de xadrez.
as Irmandades de Ordem Terceira que passaram a
Nesse modelo de plano urbano, o plano radiocêntrico
“pipocar” a partir dos seiscentos.
é oposto pela implementação de ruas retas que se
cruzam formando ângulos igualmente retos. Dessa malha viária que constituiu-se nas últimas décadas
Jesuítas, franciscanos e dominicanos não se
limitaram a povoar a recém-criada vila de São Sebastião. Aproveitando-se das facilidades geográficas do entorno
do Rio de Janeiro - composta por mais de trinta rios que
próximos ao perímetro urbano – grande parte
desaguavam na Baía de Guanabara – ainda do período
deles controlados pelos jesuítas.
quinhentista, os clérigos tiveram papel de destaque na
ocupação do interior carioca, região de fundamental importância para a cidade, pois era dali que vinha a maior parte dos alimentos consumidos pelo vilarejo. E não foram apenas os padres que souberam usar das relações entre campo e cidade na província do Rio: a elite econômica fluminense se construiu na medida em que foi se transformando, concomitantemente, na elite política do Rio de Janeiro. Além do controle da produção agrícola, esse grupo também se envolveu no tráfico transatlântico de africanos escravizados (principalmente com os portos de Angola) e passou a ocupar importantes cargos na vida pública da cidade de São Sebastião.
Embora a presença indígena fosse grande,
desde meados dos seiscentos já havia um número significativo de escravos de origem africana. Tais cativos foram alocados em diferentes atividades: labutavam nas lavouras de cana (sobretudo depois que os jesuítas proibiram
a
escravização
indígena);
cultivavam
hortas e criavam animais nos sítios e chácaras que circundavam a cidade; trabalhavam na construção civil, no aterramento de brejos e pântanos, sem contar as múltiplas tarefas domésticas a que eram destinados. Em certa medida, é possível afirmar que praticamente desde o século XVII, o Rio de Janeiro era uma cidade escravista. Um dos exemplos dessa presença escrava pode ser atestado na organização de duas importantes
Dessa feita, durante o século XVII, já é possível
Irmandades no Rio de Janeiro: a de Nossa Senhora do
observar um significativo desenvolvimento da vida
Rosário (1639) e a de São Benedito (1667). Por mais que
secular da cidade, que andava par e passo com a dinâmica
tais instituições funcionassem em comum acordo com
do sistema colonial. Em 1641, o Rio transformou-se na
a Igreja e com as leis escravistas, a própria existência
sede governamental das capitanias do Sul e passou a
delas já era um importante indicador da significância
exercer as atividades portuárias com toda pompa
do elemento escravo na urbe.
e circunstância. Sete anos depois (1648), começou
a administrar Angola, quando já carregava o título
mútua de negros e escravos existentes em Lisboa
de Leal. Neste período, as principais atividades
e Sevilha desde as últimas décadas do século XV,
econômicas do Rio eram a extração do pau-brasil
essas Irmandades foram importantes instrumentos
e a exportação do açúcar fabricado nos engenhos
dos cativos na luta (legalizada) pela liberdade e na
Seguindo o modelo das associações de ajuda
conformação de uma pequena parcela de “homens de
atividades portuárias da cidade. As famílias fluminenses
cor” libertos e livres com expressivo poder aquisitivo.
que desde a centúria anterior já acumulavam significativo
No século XVII, tais instituições já eram proprietárias
capital, puderam diversificar ainda mais suas redes
de edifícios e terrenos da cidade.
comerciais. Além de exportar o ouro, a província do
Rio passou a produzir os insumos básicos que eram
A existência de dois cemitérios destinados ao
enterro de escravos – um controlado pelos franciscanos no Campo da cidade e outro, de pretos novos, próximo à Igreja de Santa Rita – é outro indício da importância que os cativos tinham na dinâmica urbana do Rio seiscentista. As autoridades do Rio de Janeiro, também tinham que administrar a constante preocupação com a formação de quilombos, além de ajudarem nas ações de resgate de escravos fugidos. Desde o século XVI, a região conhecida como hidra do Iguaçu (que atualmente corresponde à Baixada Fluminense) era povoada por escravos aquilombados de diferentes partes da
adquiridos pela região das Minas Gerais. A demanda era tamanha, que o comércio de africanos escravizados (mão-de-obra por excelência das propriedades rurais fluminenses) sofreu um vertiginoso aumento, o que reverteu positivamente para as famílias fluminenses envolvidas neste comércio.
A descoberta do ouro e o movimento mais
amplo de reforma ilustrada - movimento do qual participaram
praticamente
todas
as
potências
europeias - acabaram coroando uma nova postura metropolitana frente suas possessões coloniais. No caso do Império lusitano, os ideias e princípios da
província, inclusive da cidade do Rio de Janeiro.
ilustração tiveram nome: Marquês de Pombal. As
A cidade e o ouro
século XVIII tinham por objetivo principal racionalizar
a América Portuguesa. Grosso modo, tais medidas
O primeiro grande eixo de mudanças no Rio
de Janeiro foi promovido pela descoberta de ouro e diamantes na região das Minas.O Rio de Janeiro era o porto mais próximo que ligava a região das minas e a metrópole portuguesa. Sendo assim, a descoberta de metais preciosos acabou desenvolvendo ainda mais as
medidas tomadas por Pombal na segunda metade do e fortalecer a máquina de governo que administrava estimularam a acumulação de capital de comerciantes portugueses, via a criação de companhias privilegiadas de comércio.
Era o poder metropolitano tentando
retomar as rédeas do governo colonial, diminuindo assim certa autonomia política adquirida por diferentes elites colonas de além mar.
do maior controle metropolitano no transporte e
tom ao ritmo da cidade. Durante a primeira metade do
escoamento do ouro das minas gerais, como também
século XVIII, a expansão urbana do Rio fez com que
uma resposta às inúmeras tentativas inglesas de
o Largo do Carmo se transformasse no novo centro
invadir territórios espanhóis e portugueses no Novo
da cidade. Ainda em 1743 foi inaugurado o Paço dos
Mundo. Um complexo de estradas que ligava a região
Governadores. Quarenta e cinco anos depois, a região
das minas com o litoral foi construído a partir das
foi ornada com o Chafariz do Carmo (1789) feito por
últimas décadas do século XVII. Tais estradas feitas
Mestre Valentim, que se transformou numa importante
a mando da coroa Portuguesa - e propositadamente
fonte de água potável na região.
batizadas de Estrada Real - tinham o intuito de
fiscalizar a circulação das riquezas e mercadorias que transitavam entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro.
O fato de ser capital do vice-reino do Brasil
fez com que o porto do Rio fosse responsável pela maior parte da exportação e importação feitas ainda
A população aumentou consideravelmente,
sob o pacto colonial. A intensa atividade portuária da
forçando o inevitável crescimento da cidade e a
cidade a tornou importante praça comercial e principal
inflacionando os preços das moradias. Nos anos
entroncamento de todo o Centro-Sul da colônia. Além
subsequentes à transferência, as diferentes ordens
disso, a ampliação das relações comerciais entre
religiosas conseguiram arrecadar muito dinheiro com
as elites fluminenses e os traficantes de escravos
a expansão urbana do Rio, pois eram eles (jesuítas,
(que muitas vezes faziam parte da mesma família),
capuchinhos, beneditinos e carmelitas) os responsáveis
facilitou a entrada de africanos escravizados para toda
pelas pedreiras, olarias e até mesmo pela arrecadação
a região, em especial, para a nova capital colonial.
dos impostos sobre pregos. A importância e o
A vida social do Rio setecentista foi ampliando-se
poder da Igreja cresceram junto com a cidade até
em complexificando-se ainda mais: novas lojas, e
a radical secularização da administração colonial
livrarias foram criadas, um número cada vez maior
empreendida pelo Marquês de Pombal nas últimas
de artesãos encontrava trabalho na cidade: eram os
como alterou algumas das práticas sociais urbanas. Em
décadas dos setecentos.
bônus do iluminismo sendo colhidos.
segundo lugar, em 1763, as autoridades lusas decidiram
transpor a capital da colônia de Salvador para o Rio
e dos cargos administrativos transferidos para o Rio
de Janeiro. Tal medida era a um só tempo o exercício
de Janeiro em 1763, sem dúvida alguma deu um novo
No que tange diretamente a cidade do Rio de
Janeiro, duas medidas da reforma ilustrada merecem destaque: em primeiro lugar a expulsão dos Jesuítas do todo território colonial e o confisco de suas terras (1759), não só fez da Coroa uma das maiores proprietárias na hinterlândia e na capital da província do Rio de Janeiro,
O expressivo aumento da atividade portuária
A Corte no Rio
mais ocupada. Baseado nas observações de Noronha dos
Santos, Maurício de Abreu mostrou que, no início dos
no conjunto arquitetônico do Rio de Janeiro, como
A significativa evolução urbana da cidade, bem
oitocentos, o Rio contava com cinco freguesias urbanas,
marca de seu processo civilizatório. Muitos estudiosos
como a proteção portuária oferecida pelos quatro morros
que correspondiam a menos de 10% do território
defendem a ideia que o século XIX foi caracterizado por
que circundavam a cidade, fez com que o Regente João
da cidade. Paralelamente, era nesse espaço que se
um novo morar, já que neste momento da história do
VI escolhesse o Rio de Janeiro como nova sede do
concentrava a maior parte da população carioca, que
Brasil, o conceito moderno e burguês de privacidade
Império lusitano em 1808 – quando a Corte portuguesa
já em 1808 estava entre as trinta maiores do mundo. A
se expressou na organização urbana, principalmente
foi obrigada a deixar Lisboa graças às invasões
equação entre pouco espaço e população numerosa
na arquitetura das casas. O autor mostrou como a
napoleônicas. Antes mesmo da vinda da Corte as
fez com que a moradia fosse um problema recorrente
retirada sistemática das gelosias e rótulas, janelas
mudanças se iniciaram na tentativa de adaptar a cidade
no Rio de Janeiro. Exemplo disso foi a grande tensão
típicas das residências coloniais - por meio do Edital
tropical aos padrões europeus de civilização. O vice-
causada pela lei das aposentadorias, que permitiu
de 11 de Junho de 1809 do próprio Intendente da
rei, Conde dos Arcos, foi encarregado dos preparativos
que os portugueses recém chegados ocupassem
Polícia - assinalou essa nova forma de compreensão
para a grande chegada e começou as transformações
as casas de alguns habitantes, principalmente das
do espaço que estava sendo introjetada no Rio de
a partir de sua própria residência: o Paço dos vice-reis
casas mais abastadas.Como é de se imaginar, essa lei
Janeiro, pressupondo uma delimitação clara entre o
foi modificado com a finalidade de acomodar a Família
causou certo incômodo no processo de acomodação
ambiente privado e o mundo público: era necessário
Real; a Cadeia e a Câmara também foram reformadas a
da nobreza, principalmente para aqueles que foram
que as vias tivessem uma passagem de fácil acesso, o
fim de se adequarem às suas novas funções. Porém, por
desalojados de suas casas.
que não acontecia com a presença maciça desses tipos
mais reformas que se fizessem nos edifícios públicos,
de janelas que invadiam as ruas.
eles não foram suficientes para comportar toda a Corte.
movimento para a conformação do Rio de Janeiro ao
O Valongo (mercado de africanos escravizados) deixou
papel de nova Corte do Império português. Com o
ao olhar dos viajantes. O inglês Mawe, em 1809,
o Largo do Carmo e passou para a freguesia de Santa
objetivo de garantir não só a sobrevivência da Coroa,
descreveu as habitações como tendo um andar, além
Luzia, onde funcionou até 1831, ano em que o tráfico
como do próprio Império, as instituições governativas
de salientar a imundice das ruas, que ele mesmo
transatlântico de escravos foi abolido.
já existentes em Lisboa sofreram uma duplicação nos
admitiu estar melhorando. Brackenridge, já em
A luta constante contra os pântanos e brejos fez
trópicos. Em cerca de seis meses, os principais órgãos
1818, apresentou as casas da cidade como “tendo
com que o espaço urbano do Rio de Janeiro fosse muito
da administração central foram instalados na nova
geralmente um aspecto miserável, com corredores
valioso. Junto com os limites naturais havia os interesses
Corte, demonstrando a preocupação de D. João em
salientes no segundo piso, tão próximos que duas
políticos, que fizeram das freguesias de dentro, a região
civilizar e europeizar a cidade.
pessoas podem dar-se as mãos através da rua”, mas
Passado esse transtorno, iniciou-se um rápido
Era necessário que houvesse certo padrão
As mudanças nas casas do Rio não escaparam
também observou que “na parte nova da cidade as
que se deu a criação da academia militar e de novas
casas são mais bem construídas, mesmo que ainda
cadeias; a abertura dos cursos médicos; a construção
não podem ser comparadas com as europeias; e que
do Horto Botânico e do Museu Real a fim de estimular
parecem ter sido calculadas a um plano que assegure
os estudos de botânica e zoologia local; a instalação
a reclusão zelosa de toda vista humana”.
da Biblioteca Real em 1814 e, dois anos depois, a
abertura da Escola Real de Ciência, Artes e Ofício.
A clausura das casas melhor construídas, que
chamou atenção de Brackenridge, vinha ao encontro das diversas formas de usar os espaços de uma cidadeCorte. Se a intimidade deveria ficar restrita em quatro
Em 1811 iniciou-se a construção da Quinta da Boa Vista, moradia da família real, na então distante freguesia de São Cristóvão. Quatro anos depois era
paredes era porque a vida social, propriamente dita,
construído o Campo de Santana.
se dava nos espaços públicos. A Corte precisava ser o
palco do espetáculo da monarquia. Espetáculo esse que
a população não só aumentou como passou a ocupar
não poderia ser apenas sentido por meio dos passeios
outras regiões, como a Lapa, Catete, Glória (que faziam
da comitiva de D. João pelas ruas cariocas, mas que
parte da freguesia da Glória), Botafogo (freguesia da
também necessitava expressar-se materialmente. Não
Lagoa) e São Cristóvão (freguesia do Engenho Velho)
por acaso, o Teatro São José e o Passeio Público foram
que se tornou local de morada dos imperadores. Entre
reformados para que a nobreza pudesse circular em
os anos de 1845 e 1865 graças ao aterro dos mangues, a
locais apropriados e condizentes ao seu significado,
expansão da malha urbana intensificou-se em direção
evidenciando, assim, seu prestígio social.
à Cidade Nova, criando os bairros de Santa Teresa, Rio
Comprido, Catumbi e Estácio.
Vale lembrar que o século XIX deu continuidade
Durante as primeiras décadas do século XIX,
a diversos princípios e valores solidificados no século das luzes. Apesar da significativa vida cultura, era forçoso que o Rio de Janeiro tivesse as mesmas instituições científicas encontradas nas principais cidades europeias. Justamente por isso, a duplicação de órgãos lisboetas não se restringiu à administração e segurança da Corte. Foi também nesse período
Modernização da Capital do Império
Observa-se então, que a primeira metade
do século XIX foi marcada pela adequação do Rio de Janeiro ao seu novo status de sede do Império
português (1815-1822) e de capital do Império do Brasil
(1822-1889) e todas as implicações derivadas disso.
a Companhia de Ferro Carril do Jardim Botânico
Além da necessidade em representar tais mudanças
implantou a primeira linha de bondes de burro, ligando
arquitetônica e urbanisticamente, o novo papel que a
a Rua Gonçalves Dias ao Largo do Machado. Esse meio
cidade passou a ter também resultou num significativo
de transporte foi tão bem aceito pela população, que
aumento populacional, sobretudo do segmento escravo
três anos depois, a mesma Companhia expandiu suas
da sociedade. No final da década de 1840, o Rio de Janeiro
linhas até o Jardim Botânico, servindo assim à freguesia
transformou-se na maior cidade escravista das Américas.
da Glória e ao bairro de Botafogo. Outras Companhias
Durante a segunda metade dos oitocentos,
o que se percebe é um investimento significativo na modernização dos serviços públicos e dos equipamentos urbanos. Nas freguesias urbanas foram feitas melhorias no calçamento. Graças às iniciativas do Barão de Mauá, em 1851 a iluminação pública foi modernizada: todos os lampiões de azeite foram substituídos por lampiões a gás. Parte da dificuldade em se obter água potável foi vencida devido à comercialização da água por meio da instalação de uma rede domiciliar de fornecimento. A celta de esgoto, que era feito por meio de valas a
Acompanhando tal movimento, em 1868
instalaram linhas que ligavam outros pontos do Rio de Janeiro, e durante meio século, os bondes foram uma das principais formas de transporte da cidade, facilitando, inclusive, a ocupação de regiões menos habitadas do Rio, como Copacabana, Leme e a Vila de Ipanema. A modernização alcançou outros setores da cidade como a navegação marítima, que a partir de 1862 também passou a ser feita a vapor; e a construção das ferrovias por incentivo do Barão de Mauá – que objetivava facilitar o escoamento do café produzido no Vale Paraíba Fluminense.
céu aberto, fossas ou transportados por escravos em
barris conhecidos como tigres, foi substituída por um
mudanças conviveram com o trabalho escravo. Embora
moderno sistema domiciliar no ano de 1862, quando a
muitas das atividades que antes eram realizadas por
companhia inglesa Rio de Janeiro City Improvements
cativos passassem a ser feitas por sistemas maquinários,
ganhou o monopólio da administração. Tal medida
a escravidão ainda era uma realidade no Rio de Janeiro,
também foi de fundamental importância para a
e o centro da cidade acabou convertendo-se numa das
diminuição dos surtos epidêmicos que assolaram a
localidades de maior concentração desse segmento
cidade nas décadas de 1850 e 1860.
populacional. Como parte significativa da elite
Todavia, é importante ressaltar que tais
carioca havia rumado para freguesias mais distantes
Passos tiveram uma importância impar na história
(sobretudo Botafogo), e a maior oferta continuava sendo
da cidade. Feito prefeito da cidade em 1903, Pereira
no centro e na região portuária, muitos cativos, libertos
Passos fez mudanças significativas no Rio de Janeiro,
e homens livres pobres passaram a ocupar os antigos
mostrando a forte intervenção do estado republicano
casarios do centro convertendo-os em cortiços – tipo
no espaço urbano. Uma das medidas que tornou sua
de habitação que pipocou na cidade a partir de 1850.
reforma tão conhecida foi o alargamento das ruas
A região da Cidade Nova e da Gamboa também foi
centrais e de novas “artérias” que atravessavam as
local de morada para esses segmentos da sociedade,
antigas freguesias. Tal medida significou a destruição
que também utilizaram tais espaços para resignificar
de muitos quarteirões e, consequentemente de
práticas e culturais e criar laços de solidariedade e de
muitos cortiços e estalagens, obrigando que a classe
afeto. Foi nesse contexto que surgiu a Pedra do Sal, a
proletária saísse da região central e fosse morar de
“pequena África” carioca.
aluguel em outros pontos da cidade, como a região suburbana que passava a ter linhas de trem. Pereira
República, Pereira Passos e a Ordem no Rio
Durante
quarenta
anos,
o
processo
de
modernização da cidade do Rio conviveu com a escravidão. Abolido em 1888, o escravismo brasileiro deixou inúmeras heranças para a cidade do Rio de Janeiro. A população dos cortiços intensificouse ainda mais, e muitos dos que não conseguiam
passou inaugurou a Avenida Beira-Mar, Avenida Rio Branco, a Avenida Central, a Avenida Maracanã; mandou alargar as ruas do Sacramento, marechal Floriano, Uruguaiana eCatete. O seu governo foi marcado também pelo início da ocupação efetiva de Copacabana, pela construção do Teatro Municipal, e pela reforma do Largo da Carioca e pela melhoria do abastecimento de água na cidade.
encontrar emprego rumaram para os morros que
circundavam a cidade, anteriormente ocupados por
hoje é fruto das obras realizadas por Pereira Passos,
quilombos e mocambos.
que indicam o modelo de cidade que a Primeira
República
A República encontra um Rio de Janeiro cindido.
Boa parte do Rio de Janeiro que se conhece
desejava:
uma
urbes
ampla,
com
Uma cidade em que o moderno e o colonial ainda
avenidas largas e com seus habitantes devidamente
conviviam. Nesse sentido, as reformas feitas por Pereira
setorizados, uma cidade capitalista.
Bibliografia Básica: ABREU, Maurício de A .Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, INPLARIO, 1997. CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. Cortiço e epidemias na corte Imperial. São Paulo, Cia. das Letras, 1996. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editor, 1990. FRIDMAN, Fania. “Geopolítica e produção da vida cotidiana no Rio de Janeiro Colonial”. In:Actlas do Colóquio Internacional “Universo Urbano Português 1415-1822”. Lisboa, CNCDP, 2001, pp. 299-319 GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas – mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995. KARASCH, Mary. A vida dos Escravos no Rio de Janeiro (1808 – 1850).São Paulo, Cia. das Letras, 2000 (2a. edição). LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial financeiro), vol. 1. Rio de Janeiro. IBMEC, 1978.
MARINS, Paulo César Garcez. Através da Rotula. Sociedade e Arquitetura Urbana no Brasil, séculos XVII a XX. São Paulo, Humanitas, 2001. MORALES DE LOS RIOS FILHO, Adolfo. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro, 1946. PEREIRA, Sonia, Gomes. A Reforma Urbana de Pereira Passos e a Construção da Identidade Carioca. Rio de Janeiro, Série Dissertações e Teses UFRJ, 1998. REIS FILHO, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, Imprensa Oficial, 2000.
Caixa Econômica Federal Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Ministro da Fazenda Guido Mantega Presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Fontes Hereda Ficha Técnica Coordenação Geral Rodrigo da Silva Professores Prof. Ms. Carlos Eduardo França de Oliveira Prof. Ms. Rodrigo da Silva Prof. Ms. Ynaê Lopes dos Santos Textos Prof. Ms. Carlos Eduardo França de Oliveira Prof. Ms. Rodrigo da Silva Prof. Ms. Ynaê Lopes dos Santos Design e Editoração Camila Wingerter Ilustrações Paulo Galvão Produção e Edição Conceito Humanidades Assessoria Jurídica Perrotti e Barrueco Advogados Associados Impressão e acabamento Yangraf Gráficas e Editora