Julho - Agosto - Setembro nº01 - Ano I - 2010 reg. nº 042 / GABINFO - DEC 2009
Assinatura 20,00 Mt por número www.consolatamz.com
PERCORRENDO CAMINHOS NOVOS
Igreja em acção pág 07
fé e política pág 10
Mundo Jovem pág 24
FICHA TÉCNICA
Av. 24 de Julho, 496 C.P. 3249 – Maputo Nº1 Ano I – Julho Setembro Tel. 21 49 03 36/842 558 390 caminhos@consolatamz.com www.consolatamz.com
MISSIONÁRIOS E MISSIONÁRIAS DA CONSOLATA O Instituto Missionário da Consolata nasceu em 1901 em Turim, Itália; aos pés do Santuário de Nossa Senhora da Consolata, por mão do Beato José Allamano, sacerdote diocesano da Diocese de Turim e do seu colaborador Giacomo Camisassa. O Beato José Allamano, ao olhar que naquela altura a Diocese de Turim tinha muito clero e que em outras partes do mundo, principalmente em África, não tinham suficientes missionários para abranger todo o trabalho de Evangelização, fundou primeiramente os Missionários da Consolata, compostos por Padres e Irmãos, e nove anos mais tarde as Irmãs com o mesmo nome. Chegámos a Moçambique em 1925, mais propriamente à cidade da Beira, destinados à província de Tete, onde trabalhámos na missão de Miruro. Posteriormente fomos designados ao Niassa, Cabo Delgado, Sofala, Inhambane e Maputo, onde ainda estamos presentes a desenvolver o trabalho iniciado desde então, na promoção humana e na evangelização, tendo como carisma a colaboração com Deus na obra da redenção com uma característica preponderantemente eucarística e mariana.
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Caminhos registo n.º042/GABINFO-DEC 2009 Propriedade e Editora Instituto Missionário da Consolata NUIT 700059200 Superor Regional Pe. Julius Gichure Mwangi Redacção Av. 24 de Julho, 496 - C.P. 3249 – Maputo Impressão Central Impressora de Maputo e Editora, SARL Tirarem 3.000 exemplares Director Pe. Inácio Saure Redacção Pe. Helder Bonifácio Conselho de Redacção Rui Antunes, Diana, Pe.Helder Bonifácio Colaboração Rui Antunes, Diana, Pe. Manuel Magalhães, Pe. Manuel Tavares, Pe. Guillermo Pinilla, Doutor Brazão Mazula, Pe. Osório Afonso, Pe. Manoel Aperecido, António da Rosa, Pe. Inácio Saure, Pe. Lourenço Tala, Ir. Benildes Capeloto, pe. Diamantino Antunes, D. Francisco Lerma, Pe. Fábio Malesa, Fotografia Rui Antunes e ISMICO Capa e contra Capa Rui Antunes Ilustração Pe. Helder Bonifácio e Diana Composição e Design Rui Antunes, Diana, Pe. Helder Bonifácio
Assinatura Anual 70,00Mt
EDITORIAL
ÍNDICE 03 Editorial 04 Mundo e Missão Coreia do Sul um país de contrastes Irmã Missionárias da Consolata, cem anos ao serviço da Missão 06 Correspondência do leitor 07 Igreja em Acção Missionário da Consolata: o novo Bispo de Gurué 09 Testemunhos de Vida Guiúa celebra os seus mártires
A revista “Caminhos” tem como objectivo fazer uma estada moderna, a partir de Moçambique, no que diz respeito ao mundo missionário, abrindo a possibilidade de novas reflexões em torno de temas candentes que vêm ao encontro da cultura, da sociedade e da fé, tentando dar respostas a dúvidas que o leitor possa ter, dando-lhe a oportunidade de aprofundar o estudo sobre essas mesmas matérias. Os artigos aqui tratados, não têm a ver com reflexões pias, mas pelo contrário, ajuda-nos a ver e a entender desde o plano da fé, que toda a sociedade está relacionada entre si, na mediada que o plano religioso faz parte integral do desenvolvimento humano, tanto no confronto como na aceitação desse mesmo plano. É uma nova revista dirigida a todo o tipo de público, com incidência nas paróquias e Dioceses. Não pensamos nela somente como um veículo de informação, mas, principalmente, como uma revista de consulta. Pe. Bonifácio
10 Fé e Politica Globalização: complexidade e desafios 14 Reflexão Bíblica Narrar a missão: missão nos Actos dos Apóstolos 17 Tema da Capa Percorrendo caminhos novos 19 Espiritualidade Missionária O mundo, espaço missionário por excelência 22 Justiça e Paz Justiça e Paz em acção 24 Mundo Jovem Amor traído 27 Infância Missionária Infância Missionária uma chama de amor
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MUNDO E MISSÃO
Coreia do Sul um país de contrastes Coreia do Sul, oficialmente República da Coreia e muitas vezes referida apenas como Coreia, é um pais asiático localizado no extremo Oriente que ocupa a metade sul da península da Coreia. A oeste faz fronteira com a China, a leste com o Japão e ao norte com a Coreia do Norte. A sua capital e maior cidade é Seul . Este país abrange uma área total de 100.032 quilômetros quadrados e tem uma população de mais de 48 milhões de habitantes. A Coreia do sul é uma república semipresidencialista. O chefe de Estado da República da Coreia é o presidente, eleito por voto directo popular para um único mandato de cinco anos. O actual presidente do país é o ex-executivo da Hyundai, Lee Myung-Bak. Na sua história recente, a Coreia viveu a triste experiência da colonização Japonesa (1910-1945) a qual soube reagir com coragem e dignidade. No fim da segunda guerra mundial, houve uma divisão ideológica entre o norte comunista e o sul de linha ocidental, que culminou com uma guerra fratricida terrível e sangrenta (1950-1953). O amistício parou as armas, mas até agora as duas Coreias ainda não chegaram a um verdadeiro e próprio tratado de paz. Nos últimos 10 anos o país viveu uma rápida e profunda transformação: 1º da sociedade agrícola à sociedade urbana e industrial; 2º da sociedade industrial à sociedade de alta tecnologia e de serviços. A “mudança” parece ser a palavra de ordem na Coreia de hoje. E a mudança influencia sobre todas as dimensções da vida da população. O povo coreano tem um forte senso
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Pe. Lourenço Tala
de grupo, do estar junto e organizados e de distribuição do trabalho. É parte da sua identidade nacional. A “nossa” é mentalidade comum e foi a força motriz para o desenvolvimento da sociedade. A pessoa depende do grupo e tem obrigações com os seus, sejam eles amigos, empresa, família, etc. Nota-se
portanto uma gradual abertura à diversidade. A nível religioso, a Coreia tem tradições religiosas milenares que determinaram a cultura. O chamanismo é a base primodial sobre a qual se sobrepõem outras religiões. O Budismo chegou no IV século, seguido pois do confucionismo no século X. O cristianismo chegou à Coreia em 1784 com a igreja católica e 100 anos depois com a igreja protestante. As últimas estatísticas de filiação religiosa da população coreana dão-nos os seguintes dados: Budistas 22%; Protestantes, 18%, Católicos 10%. De notar
que quase a metade da população se declara de não pertencer a nenhuma religião em particular. Não obstante o grande pluralismo religioso da Coreia, existe harmonia entre as religiões. Existe uma boa colaboração entre os líderes religiosos no campo do diálogo interreligioso e na procura de respostas comuns aos diversos problemas sociais. A Igreja Católica da Coreia do Sul é tipicamente diocesana com várias vocações e o crescente número de novas paróquias. Em várias dioceses são muitas as paróquias com dois sacerdotes para um número de fiéis de aproximadamente 3 mil. A vida religiosa e missionária é ainda desconhecida pela maior parte dos fiéis coreanos. Apesar do número de missionários que trabalham além fronteiras ter aumentado nos últimos anos, a vertente missionária da Igreja sul coreana é ainda “pobre”. É neste contexto que a nossa presença missionária se insere. Os missionários da Consolata chegaram na Coreia do Sul a 29 de Janeiro de 1988 e actualmenta contam com 10 missionários distribuidos em 3 comunidades. São três as áreas da nossa actividade missionária: Animação missionária e vocacional, Diálogo inter-religioso e trabalho com os mais pobres (atualmente temos uma comunidade dedicada à pastoral dos emigrantes ilegais). Um dos meios fundamentais da nossa actividade missionária na Coreia é a revista “Consolata”. Esta revista tem como objetivo trazer a missão da Igreja e do nosso Instituto aos Coreanos com temas variados que vão desde a apresentação das nações onde a Igreja está presente até várias experiências de missionários, passando por assuntos de carácter ético e sociocultural à apresentação do nosso carisma.
MUNDO E MISSÃO
Irmãs Missionárias da consolata cem anos ao serviço da Missão Ir. Benildes Capeloto
Nós, Irmãs Missionárias da Consolata, vivemos neste ano de 2010 um evento extraordinário: a Celebração de Cem Anos de Missão. Assim, com o coração em festa e com sentimentos de profunda gratidão a Deus e às muitas e centenas de Irmãs que nos precederam neste caminho de entrega a serviço do Reino de Deus, cantamos com Maria Santíssima Consolata o nosso “Magnificat”: Louvor, Acção de Graças, Reverência, Júbilo. Impulsionadas pela força da Graça Carismática e fiéis ao nosso Lema: “Anunciarão a Minha Glória aos Povos”, nestes passados Cem Anos dirigimos nossos passos aos lugares mais distantes, em todos os continentes, no contacto directo e diário com povos de todas as raças e linguas, para aí “... fazer amadurecer a Obra Redentora de Cristo... difundirmos com confiança a Palavra de Jesus e colaborarmos generosamente na Sal-
vação da Humanidade..!” (Oração da Coleta, Festa da Consolata). No entanto, na Celebração dos Cem Anos de Fundação, não queremos olhar somente para o passado. Nosso olhar dirige-se também, com esper-
ança e confiança, para o Futuro. Sim, o amanhã promete uma colheita abundante e generosa. As sementes lançadas, muitas vezes entre lágrimas e grande sofrimento até ao martírio, já mostram os seus mais belos frutos: Comunidades Cristãs maduras, vigorosas cujos filhos e filhas não temem o testemunho da Fé, sobretudo em povos de África e das Américas; Famílias de cristãos, conscientes e bem preparados que ocupam lugares de destaque na vida política, social, económica e religiosa de seus países; a preservação de culturas ancestrais: costumes, línguas locais, tradições; a defesa corajosa da Vida e a conquista dos Direitos dos mais frágeis: crianças, mulheres, povos indígenas.... Enfim, uma lista interminável. As nossas vidas entrelaçaramse com com aquelas de povos inteiros e junto com eles pudemos escrever com heroismo páginas de sua História. Na sequência dos milênios de História da Humanidade, Cem Anos pode não significar quase nada, uma brevíssima e instantânea centelha de luz. Essa Luz, no entanto, é a mesma do Filho de Deus e tem a força de guiar e orientar os que buscam rumo e sentido para as sua vidas. É isso que somos e queremos ser sempre: “LUZ PARA OS POVOS”. O Bem Aventurado José Allamano, nosso Fundador pôs em nossas mãos uma preciosa tarefa, a Evangelização dos Povos, e nós queremos cumprí-la fielmente para que outros Cem Anos possam ser escritos pelas gerações de Missionários e Missionárias que virão. Sob o olhar materno de Nossa Senhora Consolata continuaremos nosso caminho, certas de que Ela nos precede e acompanha em cada dia de nossa vida missionária.
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CORRESPONDÊNCIA DO LEITOR
Este é um espaço está reservado para que os nossos leitores possam mandar as suas opiniões que serão sempre bem-vindas. Basta somente envia-las para: Caminhos@consolatamz.com Para já algumas reacções à ideia de publicar uma revista missionária Caríssimo Padre Muito obrigado pela noticia da conceição da criança! Esperamos vê-la nascer conforme ps pais a idealizam! Coragem! Seu irmão + Francisco Silota
Estatutos editoriais 1. A revista CAMINHOS é propriedade do Instituto Missionário da Consolata em Moçambique, não tem fins lucrativos, não tem vínculos partidários, nem é órgão oficial de qualquer instituição ou religião. Tem a sua sede na cidade de Maputo. 2. A revista CAMINHOS é uma revista trimestral que informa e forma sobre as actividades da Missão da Igreja em Moçambique, na África e no mundo, desenvolvendo as potencialidades que o tema encerra: evangelização, promoção dos povos, direitos humanos, direitos das culturas, interculturalidade, Justiça e paz e integridade da criação, acontecimentos que respeitam a obra evangelizadora da Igreja. 3. A revista CAMINHOS é um órgão cristão de informação e formação ao
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Reverendo Padre Apresento os meus parabéns por esta iniciativa inovadora do Instituto da Consolata em Moçambique. Uma revista missionária, no panorama eclesial moçambicano, é certamente bem-vinda e faço votos para que tenha o maior sucesso. Com os meus cumprimentos em Cristo + AntónioArcari Núncio Apostólico
Caro Padre Fiquei agradavelmente surpresa com a notícia da nova revista “Caminhos”, pois penso que já estava na hora de haver uma revista de carácter missionário em Moçambique. Espero que tenham o sucesso que desejam. Um bem-haja pela iniciativa. Stefania Russo
serviço das comunidades cristãs e da sociedade moçambicana em geral. Pretende chegar às cidades e às aldeias; dirige-se a um público muito variado: crianças, jovens e adultos sem distinção de raça nem credo, nem condição social ou partidária.
direitos e deveres constitucionais das Liberdades de Expressão e de Informação e rege a sua informação jornalística por critérios de rigor e isenção, respeitando todas as opiniões e crenças.
4. A revista CAMINHOS defende pela informação e por artigos de opinião, os direitos do Homem, das culturas e da dignidade da pessoa humana com uma visão cristã dos mesmos. 5. A revista CAMINHOS comprometese a assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores. 6. A revista CAMINHOS coloca-se entre os órgãos da imprensa de inspiração cristã. 7. A revista CAMINHOS respeita os
8. A revista CAMINHOS aposta em formatos interactivos que permitem ainda que a livre participação de convidados e leitores, sempre no respeito integral pela lei em vigor. Os artigos de opinião editados serão da exclusiva responsabilidade dos seus autores. 9. A revista CAMINHOS cumpre as orientações definidas neste Estatuto Editorial e pela sua Direcção. Dirigida pelo seu Director, equipa de redacção e administrador, propõe-se colaborar com os órgãos de comunicação afins. 10. A revista CAMINHOS é trimestral e é distribuída por assinatura, vivendo da contribuição dos seus assinantes, leitores e amigos.
A IGREJA em acção
Missionário da Consolata: o novo Bispo de Gurué A Igreja de festa no dia 30 de Maio vestiu-se de festa para celebrar a ordenação de um Bispo missionário destinado a ser o pastor da Diocese de Gurué, D. Francisco Lerma. Vindo de terras longínquas ficará para sempre connosco, no meio de um povo que ele soube respeitar e amar na sua essência cultural, social e religiosa. António da Rosa No dia em que a Igreja celebrou a Solenidade da Santíssima Trindade, 30 de Maio, realizou-se a ordenação episcopal de D. Francisco Lerma Martínez (Missionário da Consolata), como Bispo de Gurué, na Sé Catedral de Maputo (Moçambique). D. Francisco Lerma nasceu em Múrcia (Espanha) a 4 de Maio de 1944, filho de Victorino Lerma e de Encarnación Martínez. Após ter professado os seus primeiros votos, no dia 2 de Outubro de 1965 em Bedizzol (Itália), ingressou no Instituto Missionário da Consolata, sendo ordenado Sacerdote na sua terra natal no dia 20 de Fevereiro de 1969. Chegou pela primeira vez a Moçambique em 1970 destinado à província do Niassa, mais concretamente trabalhou nos distritos de Maúa, Etatara e Cuamba. Posteriormente foi transferido para a província de Inhambane, exercendo o seu ministério no distrito de Massinga e no Centro de Promoção Humana de Guiúa até 2002. Depois
partiu para Roma, Itália. Quando regressou, pela segunda vez a Moçambique em 2007, foi destinado à casa Provincial, primeiramente como superior da casa, e depois como o primeiro pároco da Paróquia dos Santos Mártires de Uganda, sem deixar o primeiro cargo, até ser eleito Superior Regional dos Missionários da Consolata em 2008. Ao longo de 36 anos, que passou em Moçambique, desenvolveu a sua actividade missionária tendo como base o estudo e o respeito pelo carácter antropológico, sociológico, linguístico e cultural dos povos autóctones, constituindo-se um ponto de referência tanto dentro, como fora de Moçambique, tal como o reconheceu o embaixador de Espanha acreditado em Moçambique, que se serviu dos livros e estudos, do então Padre Lerma, para conhecer melhor o próprio país a que foi enviado a ser representante do Reino da Espanha.
A celebração da ordenação de D. Francisco Lerma foi presidida pelo presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, D. Lúcio Andrice, Bispo de Xai-Xai, acompanhado por mais três bispos: D. Francisco Chimoio, Arcebispo de Maputo, D. Jaime, Arcebispo da Beira e D. José Lorca Planes, Bispo de Cartagena, da Diocese de origem de D. Lerma. Há que ressaltar a presença de quase todos os bispos que fazem parte da Conferência Episcopal, dando uma nota da aceitação que este novo Bispo tem por
desenvolveu a sua actividade missionária tendo como base o estudo e o respeito pelo carácter antropológico, sociológico, linguístico e cultural dos povos autóctones
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A IGREJA em acção parte da Conferência, bem como a presença das autoridades políticas na pessoa da Dra. Verónica Macamo, presidente da Assembleia da República e de algumas representações diplomáticas acreditadas em Moçambique. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer da representação da delegação que veio de Múrcia (Espanha), para presenciar este acto solene e emocionante, principalmente pela presença da sua Irmã, Dona Josefa Lerma Martínez, e do seu sobrinho, Vitoriano e esposa, que se comoveram de alegria no ósculo da paz. Foi no meio dum ambiente festivo, próprio da liturgia africana, que D. Francisco Lerma reafirmou a sua resposta ao chamamento do Senhor no serviço à Igreja local, consagrando as-
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sim toda a sua vida missionária a uma Igreja em caminho. Foram momentos verdadeiramente entranháveis para todos os estiveram presentes, pois a simplicidade da celebração e seu significado, não somente encheu os olhos de todos, mas essen-
sendo ele um missionário estrangeiro em terras de “boa gente”, precisava que a Igreja de Moçambique o acolhesse. cialmente os corações, pela sua paz e tranquilidade revelando a verdadeira presença daquele que chamou D. Lerma a ser sucessor dos Apóstolos, Cristo
Jesus. Poderíamos questionar o porquê na Sé Catedral de Maputo ou o porquê ter sido o Presidente da Conferência Episcopal de Moçambique a presidir à celebração, e a resposta é simples. Para a primeira questão, D. Lerma, até à data da sua ordenação episcopal, residiu e fez parte do clero de Maputo, portanto, nada mais lógico que ser ordenado na diocese onde trabalhou nos últimos três anos. Como resposta à segunda pergunta, sendo ele um missionário estrangeiro em terras de “boa gente”, precisava que a Igreja de Moçambique o acolhesse. Gesto típico de uma mãe que acolhe o filho chegado, o abraça e lhe dá um lugar à mesa.
TESTEMUNHOS DE VIDA
Guiúa celebra os seus Mártires
Guiúa celebra os seus Mártires A Diocese de Inhambane celebrou no dia 22 de Março o 18º aniversário do massacre do Guiúa, no qual foram mortos 23 catequistas e familiares, recém-chegados ao Centro Catequético do Guiúa para iniciar um curso de formação que deveria durar um ano.
Eram os últimos meses da guerra civil. Confiante de que as conversações em curso para alcançar a paz iriam pôr fim à guerra, a diocese de Inhambane decidira reabrir o Centro Catequético do Guiúa para a formação de famílias de catequistas. Este trabalho de formação estava confiado aos Missionários da Consolata e às Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria. Duas dezenas de famílias escolhidas em diferentes missões da diocese de Inhambane acabavam de chegar, quando na madrugada do dia 22 de Março de 1992 um grupo de homens armados atacou o Centro Catequético e raptou todas as famílias. Em marcha, carregando os bens saqueados, foram conduzidos à força para a base de onde tinham saído os guerrilheiros. Pelo caminho, um grupo de 23 catequistas e familiares foram brutalmente chacinados à baio-
O dia 22 de Março foi escolhido como o “Dia diocesano do Catequista”. Assinalando-o também este ano, o bispo de Inhambane, Dom Adriano Langa, presidiu à celebração da Missa no Guiúa. Uma celebração muito participada pelos cristãos das comunidades de Guiúa e Inhambane. Após a Eucaristia, um impressionante cortejo dirige-se em procissão até ao cemitério dos mártires. Aí procede-se à deposição de flores. Uma cerimónia emotiva e plena de significado para o Centro Catequético do Guiúa, para os catequistas em formação e para todos em geral. Um forte testemunho de que a missão daqueles catequistas, abruptamente interrompida, continua viva. A sua memória e o seu exemplo frutificam e renovam nas novas gerações o desejo de espalhar a Palavra de Deus. Anunciar a Boa-Nova. Na memória e na profecia.
P. Diamantino Antunes
neta. Testemunharam a sua fé com o sangue. Os seus corpos foram transportados e sepultados no Centro Catequético do Guiúa. A diocese de Inhambane tem grande veneração por estes seus filhos e considera-os “mártires”. O cemitério onde estão sepultados é lugar de romagem de centenas de cristãos ao longo do ano. Anualmente, realiza-se uma celebração litúrgica dos “Mártires do Guiúa”, evocando o acontecimento Na vigília, dia 21 de Março, partimos em via sacra, desde o cemitério até ao local do martírio, numa colina situada a três quilómetros do centro do Guiúa. Aí celebra-se a Eucaristia e ouvem-se os depoimentos daqueles que viviam no Guiúa e testemunharam os trágicos acontecimentos, onde perderam a vida catequistas em formação e os seus familiares.
Para a igreja de Moçambique e de Inhambane em particular, estes nossos irmãos catequistas defuntos são considerados “mártires”. Se não foram mortos, talvez, por testemunhar a fé, o que nós não sabemos com toda a certeza, certamente foram mortos, maliciosamente, enquanto testemunhavam a sua fé.
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FÉ E POLÍTICA
GLOBALIZAÇÃO: COMPLEXIDADES E DESAFIOS
Uma reflexão sobre o conceito de globalização no impacto quotidiano nas nossas vidas tendo em conta a sua complexidade, no que diz respeito aos desafios, que a mesma coloca à nossa fé religiosa. Doutor Brazão Masula
1. Introdução O tema Globalização: complexidades e desafios procura inaugurar uma série de artigos de reflexão no âmbito da temática mais ampla de fé e política. Propomonos começar do geral e caminhar para o particular. Em tese, acreditamos que o fenómeno da globalização afecta a nossa vida e a vivência da nossa fé religiosa. Em primeiro momento, reflectiremos o próprio conceito de globalização, para em seguida analisarmos o seu impacto no quotidiano das nossas vidas. Num terceiro momento, avançaremos para as suas complexidades e apontaremos, em quarto lugar e a título de conclusão, alguns desafios que a globalização coloca à nossa vida, incluindo à nossa fé religiosa.
2. Âmbito do conceito Há dois conceitos difíceis de serem
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definidos: o de cultura e o de globalização. Com uma diferença. Para o conceito de cultura é difícil de encontrar uma única definição porque ele foi muito explorado e continua a sê-lo. Os antropólogos encontram essa dificuldade. Depois que Edward Tylor (1832-1917) sintetizou o termo germânico Kultur para o inglês Culture, distinguindo-o da palavra francesa Civilisation, surgiram mais de cem definições (LARAIA, 1989: 25 E 28).
“a globalização é um facto bem concreto, cujos efeitos se fazem sentir por toda a parte” Para o termo globalização, a dificuldade tem outra origem. É um termo recente, mais conhecido a partir dos anos 80 do século XX. Só agora está invadindo as outras áreas da ciência e do conhecimento.
Curiosamente, encontrou obstáculos por parte de alguns cientistas. No seu livro O mundo na era da globalização, Anthony Giddens (2000) mostra as reacções de viários pensadores ao termo. Há: - os cépticos: estes negam a novidade da globalização, dizendo que ela não passa de uma simples “conversa”, uma vez que a dita “economia global não é assim tão diferente da que existia em períodos antecedentes”; - os radicais, colocando-se na posição contrária. Partindo da constatação do desenvolvimento vertiginoso dos anos 60 e 70 do séc. XX no mundo, afirmam que “a globalização é um facto bem concreto, cujos efeitos se fazem sentir por toda a parte”, com grande impacto sobre os Estados-nacões que perderam parte da sua soberania e os políticos e não são já capazes de influenciar os acontecimentos (idem, p. 20-21). Giddens acaba dando razão aos radicais, na medida em que, na “nova economia
fé e política electrónica global, gestores de fundos, bancos, empresas, sem esquecer milhões de investidores a título pessoal, podem transferir grandes somas de capitais com o simples carregar dum botão. E, ao fazê-lo, podem desestabilizar economias que pareciam sólidas como granito -- como aconteceu, durante a crise asiática recente” (ibidem) e, mais recentemente, com a crise financeira internacional despoletada pela falência de bancos com capital assente no parque imobiliário nos EUA. Num efeito borboleta essa crise alastrou-se para o mundo inteiro. De qualquer maneira, esta palavra foi já traduzida em varias línguas com o conteúdo e compreensão similares: Globalization em inglês; Quan Qui Hua em chinês; Globalizzazione em italiano; Jatyanthareekaranaya, em singalês; Mondialisation em francês; Globalisierung ern almão; Gukje Hwa em coreano; Globalização em português e Globalizacion em espanhol (In: KASSOTCHE, 1999: 23) e GIDDENS, op. cit., p. 19). O importante a reter é que o termo globalização impõe-se mais com as transformações globais do mundo contemporâneo resultantes simultaneamente das mudanças económicas e tecnológicas, sobretudo com a revolução das tecnologias de informação e comunicação, vulgarmente conhecidas por ICT (lnformation & Comunication Techonology).
A internet, o símbolo da globalização, transporta-nos ao distante sem nos deslocar e introduz-nos em casa o distante sem ocupar espaço.
O impacto dessas tecnologias está em que elas permitiram em pouco tempo universalisar o particular e particularizar o universal. Um exemplo simples: estando diante do ecran do computador, posso comunicar-me para qualquer parte do mundo sem precisar de me deslocar fisicamente para esse local. A revolução tecnológica da informática permite aos médicos operarem o mesmo paciente estando eles distantes geograficamente. A internet, o símbolo da globalização, transporta-nos ao distante sem nos deslocar e introduz-nos em casa o distante sem ocupar espaço. A carta que ontem levava dias, senão semanas, para chegar a um amigo nos Estados Unidos, no Japão ou no Cairo, hoje leva minutos, senão segundos, bastando premer a tecla do computador. Em suma, o local e o global quase se identificam; o distante e o próximo se encurtam ou se fazem coincidir.
Fiquemos com alguns entendimentos do termo, apenas, como referência para a nossa reflexão. Normalmente os países do Terceiro Mundo, na maioria ex-colónias das potências ocidentais, consideram a globalização: - um fenómeno não inteiramente novo. Ela seria uma re-edição da colonização, “um outro nome para neocolonização”, ou seja, um processo pelo qual “as potencias imperiais ou os Estados capitalistas desenvolvidos” ditam “os termos nas esferas económica, política e mesmo cultural”. Por sua vez, as nações já em si fragilizadas por décadas ou mesmo séculos de colonização pareciam praticamente sem alguma chance de afirmação ou articulação, como observa Gimenez- Maceda quando se refere ao impacto da globalização nas Filipinas (in: KASSOTCHE, Op. cit., p. 20). - Exigindo uma maior abertura das fronteiras para facilitar o desenvolvimento,
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fé e política a globalização acaba estrategicamente favorecendo as economias mais ricas, negligenciando os interesses locais. Assegura, deste modo, que os países ricos se tornem cada vez mais ricos e os países pobres mais pobres e, por conseguinte, a tal economia mundial não seria realmente global (Idem, p. 36).
“as potências imperiais ou os Estados capitalistas desenvolvidos” ditam “os termos nas esferas económica, política e mesmo cultural”. - Geralmente, os mesmos países africanos reagem negativamente à globalização por causa da integração desigual que sofrem na economia mundial. Seriam exemplo disso os propalados programas de reajustamento estrutural a que foram forçados a implementar nas décadas de 80/90 pelo FMI e Banco Mundial. A globalização significaria para África “a subordinação dos seus Estados e economias às regras da acumulação de capital” (idem, p. 86 e 88). Muitas vezes, “essas prescrições trazidas de fora de África” contribuem para o estado de anarquia e de guerra civil, tal como em Angola, Sudão, Serra Leoa, Libéria, Somália e Ruanda, colocandose na posição de ter que negociar os programas económicos simultaneamente com forças externas e grupos de interesse internos” (idem, p. 89). Falando em Jamaica, a 20 de Setembro de 1998, o presidente Chissano considerou que a actual globalização da economia mundial, longe de significar participação global, pode simplesmente marginalizar países em vias de desenvolvimento e comparou a interdependên-
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cia entre o norte e sul como sendo igual a interdependência entre a vaca e o seu dono. O dono precisa da vaca por causa do seu leite. A vaca precisa do dono porque lhe garante feno. Mas quando a vaca deixa de produzir leite, o dono pode decidir abatê-la. A vaca não pode fazer o mesmo ao dono. e concluiu “Enquanto nós somos forçados a abrir os nossos países e apurar os nossos métodos de fazer negócio internacional, de modo a que a economia global possa enraizar, barreiras invisíveis continuam ainda a tornar difícil para nós o acesso aos recursos e Know-how tecnológico avançado. Os nossos produtos manufacturados muito dificilmente encontram espaço nos ricos mercados do Norte. Os especuladores de moeda têm acesso a todas as partes do mundo e estão implacavelmente depauperando os países em vias de desenvolvimento dos necessários recursos para um crescimento e desenvolvimento sustentável, ameaçando assim seriamente a sua existência como
países viáveis” (idem, p. 103-104). Hoje, esta situação pode parecer minimizada com o Projecto AGOA. Em Moçambique, são bem conhecidos os casos da castanha de caju e de Banco Comercial de Moçambique (BCM). O Banco Mundial impôs a Moçambique exportar para Índia a castanha de caju não processada, sofisticando números para argumentar que o país lucraria mais desta maneira do que exportar a castanha já processada. Resultado: a produção de caju decaiu, a indústria de processamento da castanha quase desapareceu e milhares de trabalhadores foram atirados ao desemprego. Na situação nova do Banco Comercial de Moçambique (BCM), com 51% das acções pertencentes a Portugal, passou a praticar e legitimar a discriminação salarial para “funcionários nacionais negros, com igual ou maior formação em relação aos seus colegas de raça branca”, estes últimos auferindo entre 3.500 e 7.000 dólares norte-americanos por mês e os primeiros com salários
fé e política
muito aquém daqueles valores. lsto porque os “moçambicanos, mesmo com mais experiência profissional e graus académicos superiores, são vistos como incapazes de gerir o processo da globalização” (idem, p. 104-105). Sob este ponto de vista, a globalização recorda os mecanismos de discriminação e exclusão social e económica do período colonial, na medida em que encerra em si complexo de superioridade das actuais potências dominantes das tecnologias e do capital e recria o complexo de inferioridade para reforçar em ultima instância “as desigualdades no poder e controlo, espaço (ricos nas cidades ou no centro e pobres nos
subúrbios ou nas periferias) e oportunidades económicas” (idem, p. 106). Enquanto a Conferência de Berlim partilhou a África para a assegurar a cada potência colonial as suas zonas de influência económica e política, a actual globalização, aparentemente mais invisível, asseguraria a expansão da economia global das potências económicas com o domínio muito forte das tecnologias de informação e comunicação. Os Estados Unidos da América, o Japão e a União Europeia são os três pólos dessa economia mundial, a expressão dessa globalização capitalista e financeira (MAZULA, 2000: 98). Politicamente, estaria formado o Estado Global, com um Governo Global, sendo o G-7+1 “o cérebro e o centro” reais de decisões da dita Sociedade Global (STEFAN, 1997: 57-58). A ideologia subjacente é o neoliberalismo, mesmo quando Francis Fukuyama entende que o estágio de desenvolvimento atingido pelo homem contemporâneo proclama o fim das ideologias.
é um “sonho” de ver a África desenvolvida A globalização retiraria em definitivo ao homem e aos Estados do 3˚ Mundo a possibilidade de serem globalizantes e perpetuar-lhes-ia a sua condição de
eternos globalizados. Neste caso, os países africanos seriam sempre objectos e nunca sujeitos da globalização. Neste sentido os países pobres, sobretudo, africanos, não teriam outro destino senão consumir as ideias, os hábitos, os produtos e as tecnologias que a globalização fornece. Haverá outras alternativas para a África? Alguns líderes africanos, como Yoweri Museveni e Thabo Mbeki, esboçam o movimento de renascimento africano. Este é um “sonho” de ver a África desenvolvida; um apelo aos intelectuais africanos espalhados pelo mundo para se juntarem aos que residem no interior dos países e orientarem as suas inteligências para o desenvolvimento do Continente, achando soluções dos inúmeros problemas e desafios que se colocam perante a África. Apresentam o renascimento africano como uma porta (aberta) ao mundo do saber, da educação e informação (MBEKI,1999: 299). Em suma, seria uma pretensão de teoria africana de desenvolvimento endógeno contrapondo-se à globalização. O historiador burquinabe Joseph Ki-Zerbo também defende o desenvolvimento endógeno. Estes pensadores e políticos vêem a globalização como “uma teoria ocidental com pretensões a ser universal”, configurando a última etapa do imperialismo (KASSOTCHE, 1999: 3637). /continua…/
BIBLIOGRAFIA GIDDENS, Anthony. O Mundo na Era da Globalização. Trad. Saul Barata. Lisboa, Presença, 2000. KASSOTCHE, Flormtino Diok- Globalização: Receios dos Paises em vias de Desenvolvimento. Reflexões sobre o caso de Moçambique. Maputo, ISRI, 1999. LARAIA Roque de Baata. Cultura: Um conceito antropológico. 4. ed. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1989. MAZULA, Brazão. A contrução da democracia em África: o caso moçambicano. Maputo, Ndjira, 2000. MBEKI, Thabo. Africa: the time hás come. 3. rd. Estern Cape Tafelberg – Mafure, 1999. STEFFAN, Heirz Dieterch. “Globalizzazione, Educazione e Democrazia in America Latina”. In: CHOMSKY, Noam & STEFFAN, Heimns Dicterich. La Società Globale: Educazione, Mercato, Democrazia. Roma, La Piccola Editrice - Fondazione ..”Guido Piccini, per i diritti delll´uomo”, 1997.
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Reflexão bíblica
NARRAR A MISSÃO : A missão nos Actos dos Apóstolos O maior risco que a Igreja enfrenta na história é o da insensibilidade da consciência “missionária” da parte dos cristãos. Os cristãos devem antes de tudo ter a consciência de “ser um povo dos que foram salvos” para depois, reconhecerem como os primeiros cristãos, o seu chamamento a serem “anunciadores” e “testemunhas” de Cristo diante do mundo. Eis porque queremos apresentar a temática da Missão nos Actos dos Apóstolos como um modelo de Igreja: uma Igreja que foi fruto da obra evangelizadora dos missionários (apóstolos), que se ia enriquecendo continuamente com a presença de novos membros e por conseguinte ia tomando consciência da sua vocação missionaria pondo em acto a iniciativa da missão. Eis porque seguiremos São Lucas no seu segundo livro – os Actos dos Apóstolos. Pe. Osório Afonso Os ACTOS DOS APÓSTOLOS é a segunda parte da obra do evangelista Lucas (1,1-2). Foi escrita por volta dos anos 61-63 a.C e relata a aventura do Evangelho confiado aos Apóstolos, narrando os primeiros passos da comunidade cristã e a sua obra evangelizadora no mundo judeu e pagão. Eis porque, segundo alguns autores, o livro dos Actos dos Apóstolos constitui um compêndio de viagens missionárias: narra a viagem da Igreja de Jerusalém, capital do mundo judeu, até Roma, capital do mundo pagão. Trata-se pois de uma
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viagem missionária com o objectivo preciso de testemunhar/evangelizar e com um ponto de partida (Jerusalém) e um ponto de chegada (nos confins da terra) “...Sereis minhas testemunhas...”: o tema do testemunho é muito caro a São Lucas. Para ele, quer no Evangelho quer nos Actos, o testemunho é definido por Jesus: “... Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra.”
(Ac 1, 8). Para o nosso autor, é Jesus quem constitui e declara os apóstolos como suas testemunhas: “sereis minhas testemunhas”. Existe uma relação entre Jesus e as testemunhas: 1° - os apóstolos são testemunhas porque são constituídos e proclamados por Jesus; 2° Jesus é o Senhor das testemunhas e 3° as testemunhas falarão de Jesus. Neste caso, Jesus é a origem e o objecto do testemunho. Os apóstolos têm consciência de serem “suas testemunhas”: Assim diz Pedro, por exemplo: “nós somos testemunhas de
Reflexão bíblica tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém;...”. Os apóstolos afirmam com veemência esta consciência de serem testemunhas: “Este é Jesus a quem Deus ressuscitou, e nós somos testemunhas” (Ac 2, 32); “Desse modo, mataram quem dá a vida. Mas Deus ressuscitou-o, e nós somos testemunhas disso” (Ac 3, 15 vejam-se também os versículos seguintes: 4, 33; 5, 32; 10, 41; 13, 31;). Quando se tratou de substituir Judas, por exemplo (1, 21-26), Pedro, procurava um outro que pudesse ser também testemunha da ressurreição: “é preciso que outro homem se junte a nós para ser testemunha da ressurreição de Jesus, um daqueles que nos acompanharam durante todo o tempo em que Jesus, nosso Senhor, esteve entre nós” (Act 1, 21). Falando aos seus apóstolos, Jesus apresenta uma das condições sem as quais não se pode ser testemunha: 1° o dom do Espírito Santo: “Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós”, isto é, a competência da testemunha vem do Espírito Santo; a testemunha depende deste dom como atesta Pedro “Ele foi glorificado ficando à direita de Deus, que lhe deu o Espírito Santo, como tinha prometido, e enviou-o sobre nós. E isto é o que estais a ver e a ouvir. ” (2, 33); 2° ter estado com Jesus deste o início: “um daqueles que nos acompanharam durante todo o tempo em que Jesus, nosso Senhor, esteve entre nós” (1, 21); 3° o carácter colegial de ser testemunha: é impressionante notar que os apóstolos falam no “plural”. Em Ac 1, 21-26, o homem que devia substituir Judas não devia testemunhar sozinho, mas devia testemunhar a ressurreição do Senhor com os outros: “é preciso que outro homem se junte a nós para ser testemunha da ressur-
reição de Jesus” (1, 21). Assim se vê que para Lucas, o objecto do testemunho é a ressurreição de Jesus (Act 1,22; 2,32; 3,15; 4,33; 5,32; 10,41; 13,31): “... Desde Jerusalém...”: Para Lucas, a cidade de Jerusalém tem a sua importância e a sua posição estratégica
e central na História da Salvação. Jerusalém foi escolhida por Jesus (Lc 9, 51; 13, 33) como lugar da realização da sua missão messiânica; lugar da sua morte e da sua ressurreição, lugar da redenção; e como ponto de
“e que em seu nome se havia de pregar a mensagem sobre o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações, começando em Jerusalém”(Lc 24, 47)”. O Testemunho deve partir de “Jerusalém” e passar através da “Judeia e a Samaria” (8,1), mas o objectivo final são “os lugares mais distantes do mundo”; “todas as nações” (Lc 24,47). “...até aos confins da terra...”. Desde Jerusalém e vizinhanças (cap. 2-7), até à Samaria (cap. 8) e até “aos confins da Terra”. Para o nosso autor, chegar a Roma, a capital do mundo pagão e a capital do império romano, significava atingir “os confins da terra” lá onde chegará São Paulo no fim da sua aventura missionária (28, 11-28). É aqui que se vê a “universalidade” da missão que destrói as barreiras dos povos e das crenças religiosas: o Evangelho
partida do anúncio, porque foi lá que se realizaram os acontecimentos decisivos. De lá deve começar o anúncio:
é destinado, certamente, primeiro aos hebreus, mas também aos pagãos. Jerusalém e Roma representam os dois
“é preciso que outro homem se junte a nós para ser testemunha da ressurreição de Jesus”
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Reflexão bíblica pontos de partida e de chegada da missão. Pode-se notar, nos Actos dos Apóstolos, que a Palavra de Deus era testemunhada nas aldeias dos samaritanos (8, 25) e nas grandes cidades: esta Igreja que nasce em Jerusalém difunde-se na Palestina (na cidade de Jerusalém cc. 1-7; e em todo o território da Judeia: 8, 1-4; 9,31; na Samaria: 8,
Se a missão é obra de Deus, Deus precisa de colaboradores humanos. 5-24; nas cidades da costa do Mediterrâneo, em Lida (9, 32-35), em Jope (9, 36); na Cesareia 8, 40; ) e na Galileia; na Síria (na cidade de Damasco 9, 19, e da Antioquia 11,19); na Fenícia (na cidade de Tiro 11, 19; Sidónia 27, 3; Ptolemaida 21, 7); Em Chipre (Salamina e Pafos); na Ásia Menor (Antioquia de Pisidia, Icónio, Listra, Derbe, Tróade, Éfeso); na Macedónia (Filipos 16, 10; Tessalónica 17, 1; Bereia 17, 10b); na
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Grécia (cidade de Corinto 18, 1); na Itália (Putéoli 28, 13b e Roma 28, 15). Uma missão que é obra de Deus: Lucas interpreta o fenómeno da prodigiosa difusão da fé cristã como fruto da acção de Deus que oferece aos homens a salvação. Por isso destaca que as personagens principais do livro dos Actos são a Palavra e o Espírito, e afirma que os missionários devem ser entregues à Palavra a fim de que ela os sustente e os fortaleça. A missão não é fruto humano, é obra de Deus. Se a missão é obra de Deus, Deus precisa de colaboradores humanos. Jesus durante a sua vida pública escolhe os doze e constitui-os apóstolos (Mc 3, 15). Eles mesmos a confiaram, por sua vez, a homens seguros, seus colaboradores, assistidos pelo Espírito (cf Act 20, 25-28; Tit 1, 5; 2 Tim 1, 6: 2-2). Eis porque nos Actos dos Apóstolos aparecem muitos colaboradores: João (3, 1.11) e Pedro (8, 14), mas na segunda parte do livro sobressaí a figura de Paulo, o grande missionário dos gentios. Podemos encontrar muitos outros colaboradores a que Paulo faz alusão:
Silas e Timóteo (17, 14), Erastos (19, 22), Áquila e Priscila que lhe dão uma válida ajuda na missão (18, 3); Gaio e Aristarco (20, 29); Sopatros, Aristarco, Segundo, Gaio, Tiquico, Trofimo (20, 4). Pode-se notar que o estilo da missão primitiva é o da colaboração e da ajuda mútua. Os seus membros estão convencidos de que estão ao serviço de um projecto que vem de Deus e que ninguém é dono da missão. Assim como Cristo envia os seus discípulos “dois a dois” (Lc 10,1) também nos Actos dos Apóstolos os auxiliares de Paulo são sempre enviados dois a dois: Silas e Timóteo, Timóteo e Erasto, Tiquico e Trofimo. Na Igreja primitiva encontramos elementos que nos podem ajudar, como Igreja particular de Moçambique, a viver a dimensão missionária do baptismo. A primeira comunidade cristã dos Actos Apóstolos passa de um nível de evangelizada a evangelizadora; em outras palavras, apresentam-se como responsáveis de serem testemunhas da ressurreição do Senhor Jesus não somente na sua Igreja particular, mas também para outras Igrejas. Conscientes de que Deus é o princípio e o início da missão participaremos também nós nesta missão como colaboradores
tema da capa
Percorrendo caminhos novos
Com o mundo em permanente mudança é necessário não perder de vista a ética fundamental de respeito e de dignidade pela pessoa humana. A corrida à informação, não tem a ver com o deturpar os valores próprios de cada cultura e etnia em prol do “desenvolvimento” ou da “informação”. Pe. Bonifácio Num mundo onde a tecnologia avança a passos largos e a notícia de uns minutos atrás já pertence ao passado, temos a necessidade de falar em novos rumos que não sejam somente a mera precariedade do tempo, mas que possam perdurar nas gerações futuras. Por outro lado, vemos que sem o uso adequado dos meios de comunicação social podemos deturpar a realidade, ou simplesmente, ficar para trás como obsoletos, e há quem diga analfabetos. As telecomunicações são uma realidade que ninguém poderá negar, porém, é necessário olhar, antes de mais, para quatro factores importantes que sem eles não poderíamos falar de novos rumos.
O primeiro factor está relacionado com o relativismo que os meios de comunicação apresentam, levando a uma consciência centrada na individualidade sem a garantia de nenhum absoluto, mesmo na questão mais antropológica da própria existência humana. Já não faz parte da maioria das sociedades a ideia do permanente, coisa que descaracteriza o próprio Homem como ser
Se falamos em novos rumos, temos que ter em conta a pessoa, como um todo, e não somente a situação
criado à imagem e semelhança de Deus, que é um totalmente absoluto. Nesta perspectiva, se queremos algo que fique e que possa apontar um benefício válido para a própria humanidade é preciso resgatar o valor do absoluto e que nada seja feito à imagem da precariedade como a transparência, o respeito e a honestidade pela notícia. O segundo factor tem a ver com um olhar mais amplo do próprio fatalismo que a comunicação social nos apresenta, ou seja, o carácter sensacionalista de certos argumentos em detrimento da esperança e de uma visão mais positiva da realidade relatada, porém, quando se cai na noticia por dinheiro em detrimento da pessoa humana, não passa de um opor-
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tema da capa tunismo sem escrúpulos destruidor de tudo que está à sua volta. Se falamos em novos rumos, temos que ter em conta a pessoa, como um todo, e não somente a situação, pois não seríamos honestos se assim não o fizéssemos, porque salvaguardar a pessoa é proteger a integridade, o bem-estar e a família onde está inserida. A comunicação social, não deveria ser como objectivo final “aves de rapina”. O terceiro factor não pode deixar de parte uma visão mundial inserida na realidade onde estamos. Bem sabemos que a globalização unifica cada vez mais as distancias, as culturas, as cosmovisões, e que proclamar a diferença significa estar contra a corrente, pois o que conta é a massa, mas na aposta dum individualismo conectado entre si sem a necessidade de estar com o outro. Mundos fechados, porém, comunicativos, onde o indiferentismo torna-se cada vez mais patente, sendo necessário uma mudança de mentalidade que faça sair dos casulos novas perspectivas de vida no resgatar das origens para poder explicar o presente, numa memória
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histórica, que nos ajude a projectar o futuro. Não tratando-se de saudosismos, contudo encarando a realidade num contexto global, vivida na particularidade, pois, não basta querer ser antropólogo, é preciso dar a conhecer os grandes porquês da humanidade, tendo em conta que o resultado do estado actual das coisas não aparece sozinho e sem as causas, perdemo-nos nas consequências. Toda a estrada tem um princípio, mas na projecção de um futuro na consciência das diversas dificuldades que dela advêm, principalmente se se trata de enquadramentos novos nas vias da comunicação. O quarto e último factor está centrado na missão como encontro de povos e culturas numa interculturalidade que respeita a essência de cada uma delas na descoberta das suas cristofanias. Pois, querendo ou não, a cultura ocidental está profundamente enraizada nos valores cristãos que a constroem e a alicerçam, mesmo as mais remotas que foram colonizadas por países europeus, essa base cultural encontra-se presente
mesmo que seja de uma forma muito epidérmica. Contudo, se essa influência cristã não tenha chegado, urge sempre uma busca de uma antropologia global baseada no seu carácter religioso, político, social e ecológico relacionada com os valores cristãos, num diálogo aberto e franco, partindo da sua especificidade. Só assim, podemos falar de uma comunicação sincera, sem subterfúgios e sem pretender englobar tudo dentro do mesmo esquema de pensamento, porém, com os olhos e os ouvidos bem atentos às realidades de cada um, sem perder o horizonte de informar, aprofundar e elaborar pontes de diálogo entre as diversas etnias, culturas e religiões. Como conclusão, temos que afirmar que se queremos novos rumos, trilhando novos caminhos, temos que ter um horizonte amplo e profundo para podermos entender que se lida com pessoas, com sentimentos, mas englobadas num sistema ecológico que deve ser respeitado e tido em conta, porque o Ser humano faz parte dessa mesma biodiversidade.
espiritualidade missionária
O MUNDO, ESPAÇO MISSIONÁRIO POR EXCELÊNCIA
Uma abordagem ao mundo da espiritualidade missionária, onde a missão toma sentido no quotidiano de quem vive a encarnação do Verbo na realidade concreta, estando disposto a viver segundo o Espírito que nos empurra para a missão do Filho, e a partir dele sermos testemunhas do amor do Pai no mundo. Pe. Inácio Saure Ao iniciar hoje a abordagem da complexa problemática da espiritualidade missionária, gostaria de precisar, antes de mais, a delimitação do nosso sujeito: tratar-se-á de uma apresentação, neste espaço, de diferentes temas relacionadas com a espiritualidade missionária, vista sob o prisma de um sacer-
A espiritualidade missionária é, um meio para todo o cristão viver a sua vocação à santidade. dote católico missionário, membro de
uma instituição missionária da Igreja Católica – o Instituto Missionário da Consolata, presente em Moçambique desde 1925. O padre Jacques Bur, sacerdote francês, oferece-nos uma definição curtíssima, mas, a meu ver, suficiente para nos ajudar a compreender o essencial do que é uma espiritualidade para um cristão: «Uma espiritualidade é, para cada cristão, o modo e os meios de viver “segundo o Espírito”, a sua vocação à santidade» . A santidade, que fora um imperativo lançado por Deus ao Povo eleito da Antiga Aliança, «sede santos, porque Eu, Yavé, vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2) torna-se, em Cristo, um desafio proposto a todo o Povo da Nova Aliança: «Sede per-
feitos, como é perfeito o vosso Pai que está no céu» (Mt 5, 48). A espiritualidade missionária é, portanto, um meio para todo o cristão viver a sua vocação à santidade. Na perspectiva Neotestamentária da economia da salvação, olhando para a vida de Jesus e reconhecendo na Sua pessoa o Missionário enviado pelo Pai na unidade do Espírito Santo, a espiritualidade missionária está alicerçada em três princípios fundamentais:
1. A encarnação do Verbo O processo da Encarnação não é um factor acidental da existência de Jesus na Sua peregrinação na terra. Ele O acompanhou desde o seio da Santís-
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espiritualidade missionária sima Trindade quando, obedecendo à vontade do Pai, o Filho se despojou da sua divindade para tornar-se em tudo semelhante a nós, excepto o pecado, e nasceu sob o aspecto humano. Ora essa escolha de Deus é, aparentemente, um escândalo aos olhos do mundo: como é que Deus pode se tornar homem? É um grande mistério. Jesus é o Deus que se serve dos caminhos da humanidade para ir ao encontro dos homens, é a Sabedoria escolhida por Deus para Se fazer conhecer e dialogar connosco, em linguagem perceptível. A actual problemática da inculturação do Evangelho encontra na Encarnação do Verbo o seu fundamento inequívoco. É a partir da experiência de Cristo que o cristão compreende que toda a verdadeira evangelização passa necessariamente pela encarnação do Evangelho na cultura, por acção do Espírito Santo. O missionário, portador do Evangelho na sua fraqueza, deve portanto reconhecer a sua pequenez, o seu ser instrumento e não protagonista da acção evangelizadora. É o Espírito Santo que, como outrora em Maria, fará «nascer Cristo» numa cultura, no génio peculiar dessa cultura, que passa a abraçar o Evangelho como valor de vida.
2. A morte e ressurreição de Cristo A morte do Missionário do Pai na Cruz aparece, mais uma vez, como um dos paradoxos aparentemente inadmissíveis mas, como dirá São Paulo, «nós, porém anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas, para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, Ele é o Messias, poder de Deus e sabedoria de Deus» (1 Cor. 1, 23-24). A escola da Cruz ensina-nos uma única
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e imutável verdade: a ressurreição não é possível sem a morte. Percorrendo os caminhos da história da humanidade, nós podemos traduzir essa grande lição de Cristo na realidade prática da vida do homem de todos os tempos, onde veremos que é sempre da pequena semente lançada à terra que nasce a grande árvore, de coisas aparentemente insignificantes que surgem as grandes. São Paulo convidará à morte do homem velho para que nasça o novo. Nesta perspectiva, a espiritualidade missionária é, ao mesmo tempo, altamente exigente e infinitamente gratificante, pois ela leva aquele que consagra a sua vida ao serviço dos outros não só a descobrir o verdadeiro sentido da vida, mas também e sobretudo a assumi-lo.
3. A efusão do Espírito Santo Hoje se fala, talvez mais do que nunca, da necessidade da complementaridade. A globalização, não será ela o expoente
máximo desta procura de complementaridade, quando a humanidade quer fazer do mundo inteiro uma «aldeia global, única», onde todos desfrutari-
a espiritualidade missionária é, ao mesmo tempo, altamente exigente e infinitamente gratificante am dos mesmos avanços da ciência e da técnica? Os homens da ciência assumem a complementaridade até às últimas consequências, demonstrando-o através das especializações cada vez mais rigorosamente fragmentadas nos diferentes domínios do saber, ao ponto de os mestres de tudo já não existirem mais. Cristo, ao morrer na Cruz, inaugura voluntária e radicalmente uma nova era da complementaridade na realização da missão recebida do Pai. Ele renuncia à Sua existência terrena, deixando
espiritualidade missionária
«a Igreja peregrina é por sua natureza missionária, visto que, segundo o desígnio de Deus Pai, tem a sua origem na missão do Filho e na missão do Espírito Santo» ao Espírito a tarefa de continuar e completar a Sua missão. Na aparição do Ressuscitado nas margens do lago de Tiberíades, Cristo pergunta três vezes a Pedro se O ama. À tríplice declaração de amor de Pedro, Jesus entrega os seus próprios poderes de chefe da Igreja ao pescador da Gali-
leia, que desde então se torna pastor, ainda que o Mestre permaneça o único Bom Pastor (Jo 10, 11) e até lembre ao Apóstolo que as ovelhas permanacem sua pertença: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 17). Sob a efusão do Espírito Santo no dia do Pentecostes, o medroso que negara três vezes o seu Mestre ganha coragem e firmeza e, juntamente com os seus colegas, anunciam a ressurreição de Cristo sem rodeios na presença do Sinédrio ( Act. 5, 27-42). O decreto do Concílio ecuménico Vaticano II sobre a actividade missionária da Igreja nos ensina, no nº 2, que «a Igreja peregrina é por sua natureza missionária, visto que, segundo o desígnio de Deus Pai, tem a sua origem
na missão do Filho e na missão do Espírito Santo». Fazendo parte desta Igreja peregrina, por natureza missionária, sinto-me imensamente feliz por me ter sido oferecida esta oportunidade ímpar de poder partilha, neste
a espiritualidade missionária foi sempre e continua a ser uma fonte inesgotável de felicidade no mundo de hoje espaço, a minha pequena experiência missionária. Apraz-me terminar este artigo introdutório da minha partilha sobre a espiritualidade missionária convidando todos os estimados leitores a se aventurarem pelos caminhos fascinantes desta espiritualidade. É que, tocando a vida, a espiritualidade missionária foi sempre e continua a ser uma fonte inesgotável de felicidade no mundo de hoje, que se mostra cada vez mais como o espaço missionário por excelência, porque uma das maiores interrogações do homem do nosso tempo refere-se à procura da descoberta do verdadeiro e mais profundo sentido da vida. Embarcamos juntos nesta aventura?
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Justiça e paz
JUSTIÇA E PAZ EM ACÇÃO
A Justiça e Paz é, provavelmente, uma das noções mais empregues no nosso quotidiano, seja ela directa ou indirectamente. As pessoas falam sobre este conceito tanto a nível familiar, bem como a nível social e eclesial. Pe. Guillermo Pinilla Geralmente, quando se fala de Justiça e Paz (JP), imana do nosso subconsciente alguns termos, tais como: “pobres”, “desamparados”, “sozinhos”, etc. Neste campo gostaria de abordar convosco, além da dimensão psicológica, as dimensões espiritual e emotiva, tendo em conta a pessoa, a família, a comunidade que está totalmente desprotegida de todo o ambiente que a rodeia, partindo da sua própria materialidade. Para poder concretizar tal objectivo, apresento-lhes algumas reflexões sobre o desenvolvimento de justiça e paz, ao longo da história.
História da Justiça e Paz Na Grécia antiga fazia-se menção à justiça e à paz como divindades pertencentes à mitologia. Isto está patente nos versos de Hesíodo, em que a Paz (Eirene) é uma das três Horas,
A justiça pode-se entender desde o modo de ser e de agir de Deus, mas com adição do elemento gratuidade. Deus é sempre justo, mas a justiça de Deus é algo mais.
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filhas de Têmis e de Zeus (HESÍODO, 1995, p. 157, v. 901-903). As Horas – Equidade, Justiça e Paz – são figuras das estações, divindades da natureza, zeladoras do ciclo da vegetação. Eirene é conhecida como a Deusa dos Frutos, representada tendo nas mãos ou Plutão, deus da riqueza, menino, ou a cornucópia ou um ramo de oliveira ou, ainda, um caduceu, uma espécie de archote virado para baixo com espigas de trigo: em todos os casos, trata-se de um símbolo que evoca prosperidade, abundância e fartura. É importante observar esta associação da paz com a justiça e a equidade expressa como uma relação familiar. Ligada ao equilíbrio da natureza e da pólis, a simbólica grega da paz se asso-
justiça e paz cia tanto à noção de harmonia e beleza, como a de ausência de perturbação. Há uma ordem na natureza que garante a abundância e a fecundidade da vida, cabendo aos humanos não atentar ou quebrar este sentido harmónico dado pelos deuses. A filosofia estóica e epicurista, com seus ideais de vida sem paixões e de serenidade da alma, serão expressões destes ideais. Percebe-se, na compreensão judaica de paz, alguns elementos já presentes na tradição grega, como a simbólica da abundância e a vinculação com a justiça, e, em muitos círculos, uma recusa e oposição da simbólica militarista romana. Esta oposição à pax
romana será aprofundada, de maneira especial, com o cristianismo. A justiça refere-se directamente à pessoa, na sua dimensão mais profunda, é aquilo que a pessoa justa realmente pratica; desde a capacidade moral, um primado da justiça em confronto, às outras virtudes. A justiça é uma relação de pessoas justas, relação homem Deus. A procura da justiça implica empenhar-se em criar uma relação construtiva e libertadora. A justiça pode-se entender desde o modo de ser e de agir de Deus, mas com adição do elemento gratuidade. Deus é sempre justo, mas a justiça de Deus é algo mais. A Igreja apresenta os tradicionais conceitos bíblicos - Justiça e Paz – tirado do texto do profeta Isaías, que diz: “A paz é fruto da justiça” (Is 32,17). Ou seja, somente haverá paz se houver a prática da justiça. O versículo faz parte de um oráculo pós-exílico (vv. 15-20) e, provavelmente, seja um acréscimo posterior ao profeta que fala da restauração do povo de Deus que retorna à sua terra natal e reconstrói tudo novamente.
Comportamento para viver a justiça Dentro de um plano de actividades individuais ou comunitárias, deve-se trabalhar em rede, junto com pequenos grupos que tenham um programa existente, envolvido em determinado assunto social; deve-se viver em solidariedade especialmente com os marginados pela mesma sociedade, dando a conhecer a dignidade da pessoa, os direitos humanos e as demais actividades; deve-se estabelecer prioridades nas dimensões humanas e financeiras; deve-se procurar um equilíbrio que ajude entre pobreza e sociedade de
consumo; deve-se fortificar os laços entre compreensão e perdão; deve-se tentar compreender a presença das estruturas de injustiça do sistema social existente. Na actualidade, a perspectiva cristã aponta e denuncia a realidade das estruturas do sistema injusto no mundo. A nossa fé incita-nos ao caminho da justiça, todavia outros interesses nos desviam desse caminho da integridade da criação. A injustiça causa a divisão, rotura e até morte quer física, quer psíquica. A fome, a doença (falta de atendimento ou descuido), as diferentes violências, a falta de educação para uma boa relação (desde a família
A justiça pode-se entender desde o modo de ser e de agir de Deus, mas com adição do elemento gratuidade. . até a sociedade) são exemplos reais que podem levar à exclusão social e consequentemente à morte de ter de receber como privilégio aquilo que é um direito humano. A lei foi dada a Moisés, não para ele pessoalmente, mas para o povo, para que a observassem juntos. Em conjunto juraram obediência e como prova ofereceram sacrifícios. Quando chegou o tempo de ser libertado, Deus tirou-os do cativeiro e, pelo deserto, conduziu-os para a terra prometida. No caminho aquele povo ajudava-se mutuamente a conhecer a lei de Deus, ensinando-a também aos seus filhos e descendentes.
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mundo jovem
AMOR TRAÍDO
Pe. Fábio Malesa Lembro-me da primeira vez que vi a Lina. Tinha acabado de dar aulas e voltava cansado para casa. Timidamente a rapariga aproximou-se e perguntoume, quase a tremer, se podia falar comigo. «Sim, claro», respondi, sem hesitação. «Acompanha-me…É só o tempo de beber um copo de água, lavar a cara e estou pronto para te ouvir». Sentámo-nos à sombra de uma grande árvore cheia de mangas perfumadas e eu espreitava os seus olhos tristes disfarçados atrás de um sorriso delicado. Lina era magra e alta, tinha apenas 17 anos. Os seus pais estavam separados e já haviam reedificado uma nova família. Ela e o seu irmão (do mesmo pai e da mesma mãe) moravam agora em cidades diferentes. Os dois tinham sido “despejados” num internato para estudar melhor, longe da vida cheia de distracções da cidade. Lançámos umas piadas para “quebrar o gelo”. Sentindo-se mais descontraída, começou a falar de si. «Tenho uma preocupação…ou melhor, um problema. Venho de Maputo. Já
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passaram sete meses desde que estou fora de casa, longe dos meus amigos. Lá, tinha um namorado que adorava e que ainda adoro. Todos os dias falamos e ele diz que quer casar comigo, que eu nem devia estudar para estar perto dele. Aconteceu porém que, desde que estou aqui, longe dele, um companheiro da turma começou a aproximar-se…eu sentia-me sozinha. Começámos a falar e passámos muito tempo juntos. Achava que eramos bons amigos, mas a semana passada, depois de ter conversado demoradamente, encontrámonos um nos braços do outro e soltou-se um beijo. Não consegui controlar-me. Amo o meu namorado, mas o que me aconteceu neste tempo foi algo inesperado, já não sei o que fazer. Sou jovem, tenho toda a vida à minha frente! Sinto-me confusa, com medo de me prender completamente ao meu namorado de Maputo, e ao mesmo tempo culpada e com vontade de fugir deste novo amigo». São muitos os jovens que me contam
histórias parecidas com a da Lina, mas a inquietação de todos é comum: querem aprender a amar. Muitos jovens procuram um mestre, alguém que os oriente, mas às vezes deixam-se aconselhar por amigos cuja experiência de vida é ainda muito verde. Com um grupo de jovens até escrevemos um cântico que começava assim: “Será que existe uma escola p’ra aprender a amar? Amigo, dá-me o endereço quero lá chegar…”. Agora uma pergunta legítima: será que um padre missionário tem algum endereço para oferecer? Para um padre, o mestre de amor deve ser Jesus, mas para um jovem Jesus, que ainda por cima além de homem é Deus e morreu solteiro, pode ter algo para dizer? Aceito o desafio e, começando pela história da Lina, neste espaço quero, desta vez, falar daquele fenómeno tão comum no amor que se chama traição. A palavra traição vem do latim “tradere”e significa entregar. A entrega pode ser feita a pessoas diferentes e com finalidades diferentes. Ora vejamos a diferença entre uma traição positiva e uma negativa, examinando os diferentes tipos de amor. Comecemos pelo amor mais básico: aquele entre os pais e os filhos. Existe uma entrega positiva que os pais fazem dos filhos: entregam-nos à vida quando nos “dão à luz”, à escola para sermos educados, a uma nova família quando se tornam adultos e querem
um companheiro da turma começou a a proximar-se…eu sentia-me sozinha. edificar um lar. Pode existir, porém, uma entrega negativa, a que chamamos de traição em sentido próprio:
mundo jovem uma mãe ainda jovem que não deixa nascer a sua criança ou que a abandona fisicamente ou simplesmente não cuida dela. A mesma coisa se pode dizer dos filhos em relação aos pais: quando chegam a uma certa idade, os filhos tendem a trair os pais para serem pessoas autónomas, portanto num sentido positivo. João, um rapaz de 17 anos dizia-me: «Estou bem só com os meus amigos. Antes, tudo aquilo que o meu pai e a minha mãe diziam, parecia-me verdade. Agora, quando falam, acho que muitas coisas são tolices, que têm a ver com aquilo que lhes foi ensinado no passado. Há tabus que para mim não significam nada. Eles não me sabem explicar o porquê de algumas coisas em que acreditam. Mas se acreditas nalguma coisa, terás que saber defender com a cabeça aquilo em que acreditas, ou não?». João entrega os seus pais às suas crenças, mas não partilha necessariamente todos os mesmos valores, pois já se sente independente. E Maria afirma: «Agora que estou a estudar na universidade, os meus pais voltaram a ser mais livres: saem mais vezes juntos, a minha mãe começou a cuidar melhor do seu físico…Parecem-me mais enamorados». Também neste caso a filha entrega os pais a si mesmos, devolvendo-lhes, num certo sentido, a vida de intimidade que tinham antes de se casarem e serem pais. Contudo, pode existir também uma traição negativa: os filhos que reclamam a herança dos pais ainda vivos, abandonando-os quando já não são auto-suficientes ou quando acusados de serem feiticeiros. No amor entre amigos, cresce-se quando um entrega o outro às suas próprias responsabilidades. Mateus e Guilherme, por exemplo, gostam muito um do outro, mas não se pou-
pam as correcções. Os dois estudam na Universidade e Guilherme gosta muito de beber nos fins-de-semana, correndo o risco de não estudar. Mateus não se importa de poder perder a amizade, reclama e quase obriga o Guilherme a estudarem juntos mesmo nos fins-de-semana e, quando cansados de estudar, leva-o a jogar futebol. Mateus está a trair os gostos imediatos de Guilherme, mas está a educá-lo a ser responsável, perante o seu físico e perante o seu dever como estudante. Consequentemente, ambos são os melhores estudantes da faculdade.
podes imaginar, padre, a raiva que eu senti ao descobrir a traição!! Imagina, eu fui à casa de banho e ouvi-as a fazerem pouco de mim, a falarem sobre o dinheiro dos meus pais, sobre a minha casa. Como conseguiram fingir desta forma?» O amor traído de que se fala mais vulgarmente, mesmo nas canções, é o amor entre namorados e esposos. Aqui também pode existir uma traição favorável e uma nociva. Dois namorados com o tempo percebem que não podem estar sempre juntos, mas que é preciso construir uma vida social,
Na amizade também é possível o risco da traição negativa: quando o amigo revela os segredos do outro ou quando
cultivar os próprios espaços para que o outro não sufoque. Por isso, o namorado é entregue a coisas que o possam edificar. A Susana conta que, inicialmente, tinha muitos ciúmes quando o seu marido saía com os amigos, mas lentamente deu-se conta que os amigos eram bons e que o marido voltava para casa mais bem-disposto. A partir daquele momento, foi ela quem encorajou os encontros. E a relação melhorou muito. Existe contudo a traição negativa, quando outra pessoa é deixada entrar no recinto sagrado da intimidade do casal e se rompe o vínculo. É a história
Há tabus que para mim não significam nada. a amizade é interesseira, a relação é cortada, porque faltou o essencial, ou seja, a confiança. Contava-me a Mariana: «Um certo dia dei-me conta que algumas “amigas” só saiam comigo, porque era eu quem pagava os refrescos. “Mariana”, diziam elas, “Tu és mais que uma irmã para nós!!” Não
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mundo jovem da Lina e do seu amigo, com a qual abri o artigo. Mas porque traímos negativamente? Porque a capacidade de amar ainda é fraca. Assim um pai, um filho ou um amigo traem-se, porque estão mais interessados em receber do que em dar, porque prevalecem os seus interesses pessoais. No casal o homem fala frequentemente de insatisfação sexual que o leva a procurar outras mulheres; as mulheres contam que o homem não compreende os seus sentimentos e que procuram outro para se sentirem mais amadas. Alguns experimentam ansiedade quando sentem que se estão a comprometer muito com outra pessoa e têm medo de perder a independência. Recordam-se de quando eram crianças e tinham que obedecer à mãe,
Podemos ser amigos de todos, mas não podemos casar com toda gente. então traem, para se sentirem livres e donos da própria vida. Mas será que são verdadeiramente livres? O amor ainda não é maduro, assim como a pessoa que está muito centrada nas suas necessidades. O que fomenta a traição? Em geral muito sofrimento e culpa, quer para quem trai, quer para quem que é traído. E depois muita agressividade. Não é a primeira vez que vi pessoas lutarem na rua por causa de se sentirem enganadas pelos namorados. Acho que a pergunta mais importante é: depois da traição o que se faz? Uma relação, uma amizade, acaba ou pode continuar? Muitas vezes a relação acaba, especialmente quando o alicerce é muito fraco, mas várias vezes existe a possibilidade
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de ser mantida, depois da ferida ter cicatrizado. No Evangelho, Pedro pergunta a Jesus quantas vezes tinha que perdoar quando fosse traído: «Até sete vezes mestre?» A resposta de Jesus foi «Digo-te, até setenta vezes sete», que por outras palavras significa estar aberto a dar sempre outra possibilidade ao amigo. E na relação do casamento e do namoro vale a mesma coisa? Quando duas pessoas se escolhem, decidem casar e juram fidelidade para sempre, precisam respeitar este vínculo. A traição, condição de fragilidade humana, exige a capacidade de compreendermos o outro e não largar tudo logo que surgirem as primeiras dificuldades. No namoro o caso é diferente: duas pes-
soas estão numa fase de conhecimento e quando se verifica que um deles trai
O amor ainda não é maduro, assim como a pessoa que está muito centrada nas suas necessidades. o outro constantemente, isto é sinal que a pessoa não é de confiança e não é possível viverem juntos toda a vida. Podemos ser amigos de todos, mas não podemos casar com toda gente. Agora algumas palavras sobre Deus. Deus também traiu a sua divindade entregando o seu Filho, a coisa mais preciosa que tinha, nos braços de uma mulher (Maria) que se tornou a sua mãe e que representa toda a humanidade que o acolhe. Deus, porém, não quis trair os seres humanos poupando o seu Filho à cruz. Judas, pelo contrário, ao trair Jesus traiu a humanidade inteira, porque não acolheu o homem novo enviado por Deus. O Filho na cruz grita: «Pai, porque me abandonaste?» O Pai faz-se surdo perante o grito do Filho e deixa-o até ao fim nas mãos dos homens. Em Cristo, Deus e homem estão outra vez juntos num abraço de reconciliação universal. As últimas palavras na cruz são: «Pai perdoa-os porque não sabem aquilo que fazem». Esta é a resposta de Jesus, a única que um missionário pode dar, a do perdão, porque também é a única que faz realmente sentido na nossa vida de cristãos. Com os anos, descobre-se que a vida não tem soluções prontas que se possam cabular, ela é feita de tentativas. Aprende-se a amar depois de erros, fracassos e lágrimas. Ninguém é pou-
infância missionária
INFÂNCIA MISSIONARIA UMA CHAMA DE AMOR
Pe. Manoel Aparecido
“QUERO ACENDER A CHAMA DO AMOR” Falar da infância Missionária hoje, é abordar o mais belo e promissor caminho para o presente e futuro da Igreja missionária. A Infância Missionária foi fundada em 1843 por Dom Carlos Fobin Janson, bispo de Nancy, na França. Portanto, são 167 anos de história de um amor sem limites, onde a criança tem sido a principal protagonista de um itinerário de vida e esperança. Desde o seu nascimento, a obra da Infância Missionária tem sido uma grande oportunidade para que as criança mais necessitadas e sofridas
do nosso planeta, conheçam e amem Jesus, tendo em conta que um dos compromissos da criança missionária é “repartir os seus bens com os que não têm, mesmo à custa de sacrifício”.
FAZENDO AMIGUINHOS PARA JESUS Através da Infância Missionária, a criança descobre que é querida para Jesus (Mt 19,13 e Mc 10,13):”deixai vir a mim as crianças”. Ao sentirem esta predilecção, percebem que serão tanto mais bonitas quando conseguem levar Jesus a outras crianças, principalmente àquelas que ainda não o connhecem.
Assim, estes pequenos grandes missionários sentem-se úteis e indispensáveis para o serviço do Reino. “Aquele que recebe um destes muídos em meu nome , a é mim que recebe”(Mc 10,1415) Certo dia surgiu um problema de fome enquanto Jesus pregava ao povo. Os discípulos decidiram resolver a situação à sua maneira, sugerindo a Jesus que despedisse a multidão, pois pensavam que cada um deveria buscar o seu próprio alimento.Contudo Jesus, com a intenção de aproveitar e valorizar a força do pequeno (conforme vemos no relato de jo 6,5ss), usa da generosidade e disponibilidade de um menino, no
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infância missionária meio da multidão, que tinha cinco pães e dois peixes. Desta forma ele coopera com Jesus doando tudo o que possuía , a fim de saciar a fome da multidão.
“ALGO PRECISA SER FEITO” Foi com esta atitude e determinação que o bispo Dom Carlos Forbin Janson, ouve o “grito” de seus missionários, pois era imenso o número de crianças que morriam de fome na China sem condições de salvá-las. Assim, com ajuda das crianças da diocese de Nancy, na França, algo foi realizado. Hoje, em todo o mundo, as crianças da IM, continuam com o mesmo espirito do fundador. Não se fazendo de indiferentes, procuram salvar vidas dos seus próprios irmãozinhos. Por este motivo o lema desta obra é:”criança evangelizando criança” ou seja cri-
ança ajudando criança. Através desta obra, ao longo de todos estes anos as crianças têm demonstrado o quanto são capazes, basta crer e esperar. Mais que ninguém percebem que “algo precisa ser feito”.
MOÇAMBIQUE: ESTA É A HORA! Há que aproveitar: o momento é propício! A semente da Infância Missionária já foi lançada em diversas dioceses do nosso país. O carisma desta magnfica obra é suscitar e promover o espirito entre as crianças. A meta é atingir todas as crianças batizadas a se tornarem missionárias. Para alcançar com êxito este fim, é fundamental a cooperação de todos os membros conscientes da Igreja:bispos, sacerdotes, religiosos (as),catequistas,
pais e mães de familias. Suscitar o espirito missionário é tarefa de todos os batizados, pois a igreja por natureza é missionária. Abramos este caminho de luz e os frutos não tardarão a aparecerem! É preciso não deixar apagar a chama. Vamos divulgar esta obra tão querida que tantos benefícios e esperança tem trazido à Igreja! Podemos apoiá-la sem medo! Através dela nascerão inúmeros ministérios: vocações leigas ,religiosas e Missionárias.
CONCLUSÃO Como primeira abordagem deste tema, a nossa intenção é apresentar como primeira instância, alguns aspectos desta maravilhosa obra. Nos próximos números pretendemos aprofundar a essência desta obra com a sua história e carisma, bem como com a sua metodologia específica.
“AS CRIANÇAS DO MUNDO ? SEMPRE AMIGAS!”
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cultura moçambicana
MISSÃO HOJE
As perspectivas da missão hoje perante as mudanças. As contribuições que pode trazer ou traz a essas mudanças. Os desafios para os missionários. D. Francisco Lerma Começamos a nossa reflexão invertendo a ordem dos termos do título: Hoje Missão, pois foi assim que aconteceu na acção de Deus na história da humanidade. O povo escravizado clamou por libertação e Deus lhe enviou um libertador. Fois assim a primeira missão na história. Mais tarde foram os pobres que gritaram e Deus os escutou, e assim por diante até aos nossos dias. Por isso podemos afirmar que a missão nasce também hoje nos contextos concretos do povo sofrido. Estamos vivendo um tempo de mudanças, como nunca se tinha visto.
Um mundo globalizado que faz da terra uma aldeia; um mundo caracterizado pelas altas tecnologias da comunicação que encurtou as distâncias no tempo e no espaço; o imedito é tido em alta consideração, pois o passado já não nos pertence e futuro ainda não está ao nosso alcance; a movimentação das pessoas por causa das migrações, turismo, comércio e cooperação internacional aproximou povos e culturas; a crise da democracia formal e das instituições civis e religiosas está criando o reajustamento das instituições comunitárias
que regeram a sociedade. Contemporaneamente aparecem novas dependências e novas exclusões: o aumento da faixa da pobreza e da distância entre ricos e pobres, os mais ricos sempre mais enriquecidos e os empobrecidos sempre em maior número; o comércio humano que humilha profundamente a dignidade de crianças, jovens e mulheres; os movimentos migratórios que não conseguem processos culturais de integração das diversidades, facto inédito em toda a história; as culturas desprezadas ou marginalizadas no contexto da global-
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cultura moçambicana ização; pandemia do SIDA e doenças endémicas na maioria dos países do Sul do hemisfério; equilíbrios sociopolíticos frágeis que facilmente degeneram em conflitos armados sem solução; guerras esquecidas em África e Ásia; terrorismo generalizado em todo o mundo; e auto afirmação de fundamentalismos culturais e religiosos. Este nosso mundo, a natureza, as pessoas sofrem as dores do parto. A crise, considerada em si mesma, não é má nem boa. Trata-se simplesmente de um processo de gestação de algo novo. É um momento que torna possível o ressurgir de um mundo novo, desde que as pessoas assim o entendam e se empenhem em conseguí-lo. È o grande desafio de todos e da MISSÃO em concreto. Trata-se duma empresa comum a crentes e não crentes, cristãos
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e seguidaores de outras religiões, uma luta de toda a humanidade, de todos os que se sentem filhos desta mesma e única terra. Eis o lugar da MISSÃO hoje. Nós, os cristãos, somos enviados a essa missão universal. E é nesse contexto generalizado que tem sentido a Missão hoje. A esse contexto chamamos os novos areópagos da Missão, que superam o conceito geográfico. Já não falamos mais de territórios de Missão, mas de situações humanas, de processos sociais, de contextos socio-culturais que precisam da iluminação do Evangelo. Entre todos os desafios que a situação actual do mundo nos apresenta, indico alguns considerados como mais prementes pela sua incidência nos muitos e variados âmbitos da vida: a pobreza nas suas duas vertentes económica e social; a cultura, com os processos
mais generalizados da identidade cultural e da interculturalidade, com todas as suas implicações na construção do futuro da humanidade; e o diálogo intercultural e interreligioso. As religiões não encontrarão a sua unidade na conversão dos membros de uma confissão religiosa para outra, nem no abandono das própriuas convicções mais íntimas. Não é este o caminho. O caminho certo está no compromisso da luta pela justiça, a paz e a conservação da natureza, isto é, na luta contra tudo o que oprime os homens e mulheres deste planeta e neste tempo. Amar o nosso tempo, partilhar as suas dores e anseios mais profundos por um futuro melhor e comprometer-se nas lutas justas pela sua libertação integral, eis as perspectivas da Missão Hoje.
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