José Sepúlveda
poesia
O ambiente lĂşgubre vivido No Tarrafal, Peniche ou em Caxias
Deixara de fazer qualquer sentido E havia que por cobro a tiranias; Um grupo de soldados,reunido Algures numa quinta nesses dias, Com esse gesto herĂłico e triunfal
Ousaram dar um rumo a Portugal.
No Ultramar a guerra prosseguia
E os Movimentos de Libertação Lutavam contra os nossos cada dia E era muito grande a frustração. É que afinal o povo se sentia A massacrar um outro povo irmão E nessa luta, assaz, com pertinência, Apenas almejava a independência.
Movidos pela raça e galhardia, Chamaram ao seu grupo gente boa
E quando pela noite de algum dia, Na Rádio, Zeca Afonso enfim ecoa. Salgueiro Maia e a Cavalaria De Santarém seguiram p’ra Lisboa E com alguns Chaimites e Panhards Puseram fim à corja de cobardes.
RUA DO ARSENAL
Salgueiro quis dar corpo à caminhada; Juntou soldados sobre o seu comando
E disse-lhes naquela madrugada Que olhassem o País e o seu desmando. E logo se lançaram pela estrada A fim de por um fim a esse bando. Então, a multidão, o povo unido, Gritava que não mais será vencido.
E muitas peripécias se adivinham Da longa madrugada, o tempo inteiro.
Algumas viaturas já nem tinham Motor de arranque. E quando no Terreiro, As forças populares ali vinham Com combustível, mesmo sem dinheiro, Pois se parassem nessa ocasião
Só trabalhavam mesmo de empurrão.
O povo andava agora em euforia A volta dos soldados, num clamor
À liberdade e a gente então vivia Um ambiente alegre ao seu redor; Em cada arma que no paço havia Um rubro cravo ao dia dava cor E ecoava o grito: O Povo Unido Agora nunca mais será vencido!
Uma fragata, algures lรก no Tejo, Aguarda o seu momento de intervir,
Vigia e alimenta o vil ensejo Daquele movimento destruir. Coutinho, percebendo o seu desejo, Numa mensagem crua, fez sentir Que ao soar um tiro, num segundo, Essa fragata iria para o fundo.
Ao ver tamanha determinação E o sangue que podia ali correr,
Avaliaram a situação E resolveram desaparecer. À ordem de comando, a guarnição Volveu ao alto mar no amanhecer; Coutinho, ao ver-se assim vitorioso,
O ato partilhou com grande gozo!
Mas quando o caso se mostrou mais sério, O povo e os soldados ao redor Entraram e em cada Ministério
Ouviam-se cochichos, um clamor. Alguns dos sequazes, despautério, Tentavam espalhar algum terror E o capitão, com rasgo e ousadia, A cada afronta, logo respondia.
O Brigadeiro Reis e alguns Lanceiros Desceram pela Rua do Arsenal Para dar cabo dos aventureiros
E da democracia, em Portugal. Salgueiro Maia mais uns companheiros Vieram e enfrentaram esse mal. Sobre esse algoz, das armas que primiu, (Sem balas) nem um tiro ali se ouviu.
Alguns desses Lanceiros lhe fizeram Desapar’cer as balas do armamento E quando, frente a frente, receberam
A ordem de disparo, num momento, Se bem que todos lá permaneceram Mas não usaram seu equipamento. E o Brigadeiro Reis ameaçava Mas aos seus berros já ninguém ligava.
Salgueiro Maia entรฃo os convidou A aderir ao grande Movimento E muitos dos soldados conquistou
Trazendo eles consigo o armamento. E Reis e alguns do grupo que restou Voltaram para trรกs nesse momento. Vitรณria apรณs vitรณria, a nossa gente Se deslocava agora em nova frente.
Subiram para o Carmo. A Delação, Gerindo a crise, ali permanecia.
E num Chaimite, a voz do Capitão Ao som dum megafone se ouviria E num apelo à sua rendição, A força no Poder não respondia. E com rajadas de metralhadora,
O Capitão gritava: - Cá pra fora!
Chegou um emissário que trazia As condições p'rá sua rendição
Que ao bravo Capitão entregaria No meio dessa grande confusão. O povo, com poder e ousadia, Gritava: - Tem cuidado que é traição. Sabendo as condições ele, ao final,
Mandou chamar a si um General.
Spinola chegou e o Ditador Negociou a sua rendição
E o povo, agora unido num clamor, Gritava em alta voz: - Prisão, prisão! Salgueiro e o General, os dois, então, Chegaram a uma outra solução. No culminar de toda essa canseira
Mandaram Caetano p'ra Madeira!
Enquanto o movimento se estendia, Alguns dos sequazes, orquestrados,
Queimavam todo o espĂłlio que existia No seu covil. E assim, desesperados, Limpavam os vestĂgios do que havia Que agora em cinzas eram transformados. E a sinistra gente, em seu covil,
Olhava ao longe a gente, os cravos mil.
Alguns ainda ousaram disparar As armas para aquela multidão.
E conseguiram sangue derramar Com seu procedimento e vil ação. E ao vê-los, lhes faziam recordar Os tempos de tortura na prisão. E o povo, no seu modo singular,
Clamava por justiça popular.
O povo, envolto agora em grande gozo, Limpava cada galo do poleiro
E foi na Antรณnio Maria Cardoso Que correu sangue em golpe traiรงoeiro. Oculta em seu covil, num vil repouso, Naquele fim de tarde soalheiro, A PIDE disparou pela janela Manchando assim de sangue a tarde bela.
E as palavras de ordem no momento Seguiam já na outra direção,
No coração do povo, o sentimento De abrir p’ra sempre as portas da prisão. E tendo os presos no seu pensamento, Correram p'ra Caxias e o portão Se abriu de par em par. E na verdade. Ali se ouviu cantar à liberdade.
Alguns dos prisioneiros não sabiam A história do que estava a acontecer
E dentro da prisão permaneciam Receando pela vida. E sem querer, Na sua rude cela se escondiam Receando outras torturas padecer. Por fim, ao ver à volta um mar de gente, O povo então gritou feliz contente.
Findava ali o crime e a censura E as páginas de todos os jornais
Clamavam pelo fim da ditadura Com títulos faustosos, irreais. A contra-informação caiu madura E a farsa do que era informação É a voz do povo agora a que se vive No meu país de Abril aberto e livre.
No Bairro Alto, Alfama, Madragoa, Por todos os recantos, espalhados,
Se canta agora em versos por Lisboa A história da Revolução dos Cravos. E ouvindo essas canções, a gente boa Soletra versos mil, apaixonados E agora, ao ver-se livre do fascismo Exulta em alegria e heroísmo.
Quando não virem dentro dos quarteis O cravo a ser regado ou a florir,
Ficai atentos porque não sabeis As coisas que vos vão então surgir! Nos tempos conturbados que viveis, Não mais temais os tempos do porvir, Se mantiverem vivo esse ideal Tereis orgulho em nosso Portugal.
Gaivota deste meu sonhar de abril, Não deixes que este sonho desvaneça,
Vem e alimenta a ideia pueril Que em cada instante a vida recomeça! Renasça o sol, revivam sonhos mil, Vivamos a esperança que regressa E nesse voo firme e triunfante, Se acenda em nós a chama em cada instante!
Ó meu país de abril, ó povo egrégio,
Ó raça de Camões cheia de glória, Deixai que cantem ninfas lá no Tejo, Lançai connosco gritos de vitória, Ao som da concertina, realejo, Havemos de escrever a nossa História, Que num país de flores, graças mil, Não vai jamais murchar a flor de Abril!