Nobre Gente, Um Hino à Família

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um hino à família

José Sepúlveda & Amy Dine 5


Ficha Técnica

Título Nobre gente, um hino à família Tema Poesia Autores José Sepúlveda & Amy Dine Capa José Sepúlveda Revisão Amy Dine Formatação José Sepúlveda

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José Sepúlveda José Luís Correia Sepúlveda nasceu em Delães, Vila Nova de Famalicão, hoje a morar em Vila do Conde. Começou a escrever poesia cerca dos doze anos. No decorrer da sua carreira profissional trabalhou primeiro, como funcionário público e depois, durante 35 anos, como empregado bancário. Publicou em alguns jornais e revistas ao longo da sua carreira, atividade que continua a manter. Amante da literatura, administra grupos no Facebook vocacionados para a literatura, música, artes e divulgações culturais de eventos. Apoiou e apoia projetos literários, promovendo a edição de autores em início de carreira. Organizou durante vários anos, participou e participa em eventos culturais, Saraus e Tertúlias. Durante alguns anos, com o grupo que ajudou a formar Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, deu rosto ao programa Mar-à-Tona em poesia, na Póvoa de Varzim, que comemorava o Dia Mundial de Poesia. 7


Prefaciou alguns livros e apresentou os seus autores. Participou num elevado número de coletâneas de poesia portuguesas, brasileiras e italianas. Publicou dois livros de poesia em papel e possui na sua Biblioteca de E-books mais de vinte outros livros seus (poesia, música, genealogia, história e outros). Promoveu e editou nos seus grupos de poesia um número elevado de coletâneas em E-book. Mantém uma série de publicações nos seus Blogs O Canto do Albatroz e Família Sepúlveda em Portugal. Produziu alguns trabalhos pessoais e participou noutros coletivos com colegas da Universidade Sénior do Rotary Club da Póvoa de Varzim. Divulga e apoia grupos de poesia e programas de rádio cuja temática seja a mesma. Dedica-se à pesquisa genealógica, musical, histórica e espiritual, tendo desenvolvido alguns trabalhos nessas áreas.

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Amy Dine AMY DINE pseudónimo artístico de Ana Maria Dine Falcão Sincer e Sepúlveda. Nascida em Lisboa a 11 de novembro de 1951 cedo comecei a ter contacto com a poesia (cerca de três anos) pois minha Mãe trabalhava num jardim escola e ensinava-me quadras para recitar nas festinhas escolares, algumas das quais feitas por meu Pai. Na minha Igreja entrava em festas das Mães, de Natal e outras sempre dizendo poesia, cantando e fazendo teatro, o que muito apreciava. Sempre tive grande interesse pela leitura e meus Pais e familiares presenteavam-me com livros que lia com interesse. Mais tarde, já em Angola, com a idade de doze anos tive contacto com os grandes clássicos da língua portuguesa e adorei ler e estudar os Lusíadas. Gostei essencialmente da lírica de Camões e de outros autores. Nessa ocasião, como outros jovens da minha idade, ensaiei alguns poemas muito insipientes. A poesia era o meu encanto e gostava imenso de declamar. O tempo passou e quando regressei a Portugal conheci aquele que viria a ser meu marido tendo logo nos primeiros conctatos reparado que ele era louco por poesia, ler e escrever. Casei e os diversos afazeres domésticos, 9


religiosos e outros, durante muitos anos, não nos permitiam pensar em poesia. Apenas continuei a dizê-la em festas religiosas e isso me dava imenso prazer. Após grave doença do nosso filho Miguel, que quase lhe tirou a vida, resolvi em 2009 lançar um pequeno livrinho no qual contei a experiência por nós vivida, sobressaindo do texto o cuidado de Deus para com ele, cujos acontecimentos dirigia com amor, o Seu grande amor. Ao livro dei o título de O Toque de Sua Mão. Meu marido, entretanto, reformou-se e resolveu registar-se no facebook e criar um grupo de poesia. Não tardou e comecei também a fazer alguns poemas e a publicá-los em alguns grupos. Depois, juntamente com mais cinco poetas moradores na Póvoa, resolvemos criar o Grupo Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, do qual fui Administradora e impulsionadora, tendo nesse período organizado a edição de diversas coletâneas de poesia, com nome genérico de Ventos do Norte. Participei também, como coautora, em diversas antologias e coletâneas, editadas em Portugal, Brasil e Itália e prefaciei e apresentei alguns livros. Em 12 de novembro de 2016, lancei também um livro com alguma da minha poesia, ao qual dei o título de Nuances Outonais. Amy Dine 10


Memórias

Ema, Lurdes, Fernanda, José, Otília

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Igreja de S. Salvador de DelĂŁes

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Delães, História

Delães é uma freguesia do Minho da Comarca e concelho de Vila Nova de Famalicão, distrito e arquidiocese de Braga. Mas nem sempre pertenceu à comarca de Vila Nova de Famalicão. Em 1839 aparece na comarca de Barcelos e só em 1852 insere-se na de Vila Nova de Famalicão. Da sua toponímia diz-se que no princípio da fundação da freguesia, o povo teria denominado esta região por «Divino Salvador Dallém d’Ave», que depois se teria chamado «Dallém d’Ave», mais tarde «Dallêns» e hoje Delães. Só a partir do Século XIII é que aparece em documentos escritos e sob diversas variantes da atual designação: «Alães», «Dailanes», «Dalões», «Deelãees», «Deelaes», «Elaes», «Delaens» e «Delains». Nas inquirições de 1220 era citada com o nome de «Sancti Salvatoris de Elaes» e também nas de 1258, o que indica que esta freguesia terá fortes tradições históricas, relacionadas com os 13


primeiros séculos da Nacionalidade. Mas o povoamento de Delães é muito anterior à chegada dos primeiros povos, que não praticavam a agricultura e apenas se dedicavam à recoleção de plantas e frutos. A cultura castreja também teve forte implantação em Delães. Uma população pobre que habitava em toscas casas, construídas em pedra e cobertas de colmo ou ramos de arvores, dedicava-se a pastorícia e a uma agricultura incipiente. Segundo Pinho Leal, houve aqui, em tempos remotos, um convento de freiras beneditinas de que hoje não há sinais, assim como no alto do monte há vestígios da distância de uma cidade, cujo nome se ignore, e que foi arrasada com as guerras da Idade Média. O Padre António Carvalho da Costa, na «Coreografia Portuguesa» de 1706, dizia que: «S. Salvador de Delães, Abadia da Mira, rende cento e cincoenta mil reis, tem cincoenta vifinhos. Esta igreja situava-se no alto de S. Miguel do Monte, que segundo a tradição dos tempos passados, fora Cidade (ao menos tinha fortificação pelo que nos mostram os vestígios).» Assim é dada notícia de uma cidade que ocupou a zona em que hoje se situa Delães. Nesta data (1706) ainda eram visíveis os vestígios das muralhas no alto de S. Miguel. Pensa-se que esta 14


cidade devia estender-se pelo Monte de S. Miguel (tem a sua origem Ruivães e vai até Mogege) onde há a certeza de ter estado a Fortaleza e de onde foi removida a igreja paroquial de "S. Salvador de Delaens". Aquele último autor, refere ainda a existência de um Solar dos Novaes, família que procedia de D. Pedro de Novaes, o Velho, um fidalgo galego pobre. Vindo a Portugal para tentar enriquecer, acabou cativo dos mouros, que o levaram para África. Resgatou a sua libertação graças ao dinheiro emprestado por «alfaqueques» (emissários encarregues de resgatar cativos ou de propor a paz entre fações desavindas). Chegado à Península Ibérica, D. Pedro de Novaes viveu de esmolas até conseguir pagar a sua libertação. Juntou tanto dinheiro que se fez negociante de trigo e enriqueceu com tal comércio. Foi tal a importância que atingiu, que durante o reinado de D. Sancho II (1223-1247), foi nomeado Alcaide-Mor de Vila Nova de Cerveira. Deste D. Pedro de Novaes descendem muitas famílias nobres, vivendo a maior parte delas em Guimarães. As suas armas são em campo azul cinco novelos de prata postos em santos; timbre em aspa azul entre dois novelos com o escudo. Em 1551, Delães então chamada de «Abes Sam Salvador» estava anexa a São Miguel do Monte, pertencia ao termo 15


de Barcelos e era sua donatária a Casa de Bragança.

«Dicionário Geográfico do Reino de Portugal» do Padre Luís Cardoso Em resposta ao Inquérito de 1758, enviado aos párocos por ordem do Marquês de Pombal e cujos dados o padre Luís Cardoso usou para compor o «Dicionário Geográfico do Reino de Portugal», Delães aparece assim retratado: « freguesia do Salvador de Delains está situada na província de Entre Douro e Minho, pertencente ao arcebispado de Braga, comarca de Viana e termo de Barcelos. Tem 71 fogos e 276 pessoas. Está situada numa planície entre o Monte de S. Miguel e o da Serqueda, de onde se descobre Guimarães para as partes nascentes e poente, o convento de Santo Tirso, dos monges de S. Bento, e também para a mesma parte,o convento de Landim dos Clérigos Regulares de Santo Agostinho. A freguesia tem sete lugares, são eles: Loureiro. Delains, Regengo, Pennas, Parellos, Montenegro e Piqua, existindo ainda quatro casais: Pennavilla, Figueiras, Gavirn e Corredoura. O orago (padroeiro) da freguesia é o Salvador.

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A igreja desta freguesia está situada no seu centro no meio do lugar do Loureiro, tem três altares e uma só confraria. 0 altar principal é o do Salvador existindo ainda o de Nossa Senhora da Purificação e o terceiro de S. Sebastião. A confraria é a de Nossa Senhora da Purificação. Existem quatro capelas: a de S. Miguel de Archanjo, a de Santa Maria de Perrelos, a de Nossa Senhora do Amparo e a de Santo António. A Capela de S. Miguel Archanjo foi antigamente a Igreja Matriz mas por esta estar no alto do Monte de São Miguel distante dos moradores (paroquianos) e o caminho ser íngreme, uniu-se à do Salvador que agora é matriz, ficando sujeitos os moradores a um só pároco responsável pela veneração e cuidados com a capela. A Capela de Santa Maria de Perrelos, foi segundo a tradição convento de freiras e hoje «administrada» pelos religiosos de S. Vicente de Fora, da cidade de Lisboa. A Santa é muito venerada pelos fieis que a ela recorrem com preces principalmente a pedirem saúde. Para alcançarem as graças retiram terra debaixo do seu altar e trazem-na em saquinhos ao pescoço até obterem o que pediram, depois voltam a pôr a terra debaixo do altar. Esta capela esta situada entre o lugar de Perrelos e o de Penas.

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A Capela da Senhora do Amparo esta situada na Quinta da Penavila cujo administrador é Francisco Pereira Lobo, dono da mesma Quinta.

Minho Pitoresco, de José Augusto Vieira Datado de 1887, refere que a freguesia de S. Mateus de Oliveira está anexada a Delães. Como confirmação refere que todas as Quintas-feiras há mercado em Delães e que no lugar da feira está a capela de Santa Ana e S. José. Nesta Altura a freguesia era composta pelos seguintes lugares: Cerqueda, Corredoura, Delães de Baixo, Figueiros, Gabim, Loureiro, Montenegro, Paraíso, Penna Vella, Penas, Penedo, Perrelos, Pica, Portela, Reguengo e Santa Ana. Estes dados indicam por si, a existência da anexação. Para a confirmar, os Censos de 1890 e 1900 referem também de S. Mateus de Oliveira como estando anexa a Delães. Nos censos de 1911 as duas freguesias já surgem separadas.

Extraído da página da Junta de Freguesia de Delães

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Era uma vez…, no hospital Durante uma parte da sua infância e juventude, o pai Armando foi criado por uma madrinha freira que o acarinhou e que conseguiu que lhe fosse cedido um pequeno cubículo no hospital onde ela exercia a sua atividade de enfermeira, quarto que Armando partilhava com Armando o Joaquim, outro rapaz que, como ele, vivia o mesmo infortúnio de não ter pais. Nascido duma ligação ilícita - fruto dos amores de Emília e João, jovens cheios de ideais e de fulgor, Armando viu depois o pai rejeitar a sua paternidade, pressionado pelos oblíquos valores de família impostos pelos seus pais e que à época, hipocritamente, feririam as tradições ancestrais duma família pequeno-burguesa. Ameaçado de ser rejeitado do seu seio familiar, caso não acatasse aquela ordem patriarcal, e para esquecer esse seu espúrio amor, João foi persuadido a repudiar a mulher que amava e a negar o seu próprio rebento, nascido duma relação de amor profundo. Afinal, adiantava a família, a fulana não passava de uma leviana, uma vadia que não tinha onde cair morta. 19


E eis a emergente mãe com o filho ao colo, sozinha, desonrada, triste e agora abandonada por aquele a quem entregara a sua vida, a calcorrear, de saco na mão, uma estrada sem rumo, sem fim, naquela peregrinação longa e penosa que lhe deixou marcas profundas. Quando mais tarde tentou refazer a sua vida, de novo lhe fora imposta nova provação: Esquecer o seu rebento, o filho querido que com amor gerara, o pequeno Armando. Era a condição para o novo enlace. Foi então que este se viu lançado nos braços generosos daquela freira, a sua nova mãe, acabando assim recolhido por caridade no cubículo sombrio daquele hospital. Ali foram crescendo os pobres rapazes, na ânsia de conhecer o mundo e os seus aliciantes, tornando-se traquinas e aventureiros. Armando e Joaquim combinavam entre si as escapadelas noturnas, alguns momentos que saciassem aquela ânsia de aventura e os fizessem esquecer por instantes a frieza com que a vida os tratava ali, entre as quatro paredes no hospital, acorrendo às solicitações de tudo e de todos. Quando chegava a noite, saltavam pela minúscula janela do quarto e sob proteção da treva, ei-los partindo à aventura para a conquista almejada da liberdade que a todo o instante viam escapar por entre os dedos. Um dia fugia um, no dia seguinte, o outro, para que 20


pudessem controlar qualquer percalço e se fossem protegendo mutuamente, durante a sua ausência. Essa noite, cabia a vez ao Armando. Coberto pela noite, pisgou-se sorrateiro e lá foi.

Hospital de Fafe (Onde Armando foi criado)

O hospital estava em alvoroço, vivia-se um movimento inusitado. O minúsculo quarto foi então tomado de assalto, sendo Joaquim dali desalojado, a fim de na cama ser colocada uma convidada muito especial. Nem deram pela ausência do Armando. Não havia telemóveis nesse tempo... Sinais de fumo? Qual quê! Há muito não havia sinais de fumo, à boa maneira dos índios do faroeste americano. Gritar? Seria um ato de loucura. Quando regressou, Armando vinha contente e feliz. Que noite! Um verdadeiro deleite. Pé-ante-pé, aproximou-se com cautela e, silente, saltou o 21


postigo e entrou na cama em silêncio, tentando acomodar-se como podia. Era ainda noite profunda. Iluminado pela nesga do pequeno janelo daquele quarto, tateava como podia, num silêncio sepulcral. Entrou na cama. Ao sentir-se incomodado pela falta de espaço, estende o braço para o lado do amigo e segredou: - Joaquim, chega para lá, não tenho espaço, pá, ainda vou parar ao chão – reclamava. Eh, pá, estás gelado, moço! Mas Joaquim permanecia mudo e quedo como uma pedra. - Que raio! Desagradado e sem nenhum conforto, aconchegou-se como pode e repetiu: - Estás gelado, pá, arreda-te! E, exausto, adormeceu. Entravam já pelo postigo os primeiros alvores da manhã. Sonolento, cansado pelo desconforto duma noite sem dormir, vira-se e depara com o cândido olhar duma velha horrenda, hirta, inerte, afinal, a sua companheira de cama durante a longa noite de vigília. - Acorda, Joaquim, está na hora, Salta da cama, vamos lá prá farra - Hoje não vou, Armando, vai-te embora E goza a vida. Vai, ninguém te agarra. 22


Armando sai dali, todo ligeiro, E vai gozar a noite alegremente. Já alta a madrugada, prazenteiro Regressa ao seu redil, feliz, silente! Afasta-te, Joaquim, chega p’ra aí, Que raio, pá, ‘stás frio, sai daqui E chega mais pra lá, pro outro lado! Co’a pouca luz que vinha pela porta, Armando vê-se ao lado duma morta E ali ficou a olhar, embasbacado! Sobressaltado, em pânico, salta da cama e grita: - Está morta, está morta! E quase nu, corre porta fora, blasfemando com toda a gente que, surpreendida, assistia àquele episódio insólito. E, exorcizando-se em obscenos gestos, como se dirigidos a quem lhe preparara essa tramoia, desapareceu... Rezam as lendas que foi nessa noite que Armando adquiriu aquela gaguez rouca, nervosa, que o acompanharia no decorrer de toda a sua peregrinação. Quem sabe! Essa verdade ou não, esse segredo, iria acompanhá-lo por todo o sempre, ao longo dos caminhos da sua eternidade.

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Nota – João, o pai, casou. Desse enlace, gerou um filho e uma filha. Ao filho, deu o nome de Armando. Não teve geração; à filha deu o nome de Emília, que enveredou pela vida religiosa. Ironia do destino, João e Armando acabaram por residir, por caminhos distintos, na Póvoa de Varzim. Ambos empresários: Armando, com uma pequena indústria de confeções; João, com uma pequena taberna na saída da cidade. Um dia, teria eu os meus doze anos, o pai Armando chamou-me e disse-me: - Vem conhecer o teu avô. E lá fomos. Encontrámo-lo ao balcão, servindo umas canecas de vinho de pipa. Ao ver-nos, fugiu para o Saluca, Armando, José interior, sendo substituído por uma lavradeira. Vi-o apenas de soslaio. Não mais apareceu. Só voltei a vê-lo no dia do seu funeral (faleceu no mesmo dia que a avó Clotilde, a minha avó materna, esta, em Santo Tirso. Parte da família foi para lá. Eu o meu pai e uma minha irmã ficamos no funeral do meu avô).

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Armando Armando foi crescendo. E, jovem feito, Bem cedo, um alfaiate se tornou E foi para Delães. E, a seu jeito, Com uma mulher linda se casou. Daquele amor efémero, inseguro, Nasceu Fernanda, desse amor tão puro! Foi nesse ambiente que, no pós guerra, meu pai, vindo de Fafe, se veio instalar em Delães, enamorado por Conceição, a filha do velho Sampaio, o carpinteiro. Foi com ela que veio a casar. O velho Sampaio viria Conceição e Armando a ceder-lhe os lugares para instalar a sua habitação e oficina onde desenvolvia a sua atividade de alfaiate, lugares muito modestos, mas que os ajudaram muito no início de vida conjugal. Este casamento, no entanto, foi efêmero. Mal tinha passado um ano e a Conceição faleceu, na sequência duma doença grave. Armando viu-se então confrontado com uma filha nos braços. A jovem Conceição caiu doente E tão precocemente se apagou, Pedindo que a filhinha, tão carente, 25


Ficasse no padrinho. E ali ficou. Nanda pequena, assim ele a perfilha, P’ra distinguir da grande, que era a filha. Entregou-a, por vontade manifestada pela esposa, aos cuidados da madrinha, esposa do padrinho, Joaquim Lopes, a Armindinha do Talho, onde foi criada e na qual viveu até se casar. Depois do desaparecimento da esposa, reconstituiu com Geninha a sua vida e foi ali que viveu, até se transferir para Lisboa e depois para a Póvoa de Varzim. Conheceu Geninha, em Santo Tirso, a esposa que viria a ser a sua dedicada companheira ao longo da vida. Juntou-se a essa prole, Esperança, minha tia paterna, que o meu pai veio a Geninha acolher e criou como se filha fosse. Só sairia lá de casa, quando um dia se casou. Geninha conheceu no Areal, Em Santo Tirso. Dessa relação, Seis filhos lhes nasceram. No final, De todos, fui o único varão. A Ema, a Tila, a Lurdes - estas três E eis que vi chegada a minha vez!

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A Minha Aldeia

Delães

Delães é uma das mais de quarenta freguesias que à data constituíam o conselho de Vila Nova de Famalicão. Situa-se nas franjas da província do Minho, junto ao Rio Ave, inserida no Vale do Ave, que desde o seculo XIX e até final do século XX era das zonas industriais mais promissoras do país, sobretudo na área têxtil. As grandes indústrias de fiação e tecelagem e outras ligadas ao têxtil, proliferavam por toda a região e Delães não era exceção e tornavam-se assim o tecido produtivo destas gentes, que ali encontrava a sua maior fonte de emprego. Envolta entre as aldeias lá do Minho, Delães, a promissora freguesia, Trilhava passo a passo o seu caminho Na senda do progresso e da harmonia. 27


A sua vasta indústria trazia Ao povo segurança em seu caminho E no labor, com raça e galhardia Passo após passo erguia seu cantinho. As fábricas de sedas, fiação, Garantes de trabalho, eram então A fonte de um viver feliz, fecundo. Bem cedo, laboriosa, toda a gente Saia do seu lar feliz, contente, Em força e paz para abraçar o mundo! A fábrica de fiação e tecidos de Delães é disso exemplo. Era aí que grande parte do operariado encontrava emprego. A fábrica das Sedas, da influente família dos Correias, se bem que em dimensões bem menores, complementava essa fonte de ocupação. Mais à frente, algumas unidades industriais que se estendiam até Caniços, onde se situava o eixo ferroviário da região. Ali havia uma grande central elétrica que alimentava as indústrias ao redor. Do lado oposto, já na estrada de Riba d’Ave, encontrava-se outra grande unidade industrial, a Fábrica do Pimenta, assim conhecida por pertencer a uma família com largos pergaminhos. Mais abaixo, já em Riba d’Ave, a família do Conde Ferreira possuía grandes unidades industriais, entre 28


elas, a Sampaio Ferreira e a Oliveira Ferreira. A Família Ferreira era o grande motor de toda a freguesia.

A Portela Era aos Domingos. Oh, que belas tardes A passear ao longo da Avenida! Seguíamos para a Quinta das Aves P'ra ver, jardins, as aves, quanta vida! E dessas tardes, cheias de magia, Resta a saudade, a paz, e a alegria! O lugar da Portela estendia-se desde a Cerqueda e Salgueirinhos até Santana, em Oliveira de São Mateus, lugar onde ainda hoje se realiza uma feira semanal. Frente à casa onde nasci, no bairro do Sampaio, passava a rua que nos levaria a Riba d’Ave, que ficava a cerca de dois km. Frente a nossa pequena casa, fica a linda mansão da família Correia Guimarães. Do lado esquerdo, a casa do Talho, da família Lopes.

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Um pouco mais adiante, na Avenida Albino Marques, havia a Quinta das Aves, onde ao domingo todos passávamos momentos deliciosos a ver as aves, os lagos, os jardins. Uma maravilha.

Quinta das Aves

Como era bom! Canteiros verdejantes, Com rosas mil floridas, ruas, lagos Que em tardes de domingo os namorados Gozavam de mãos dadas, delirantes. Os patos e pavões engalanados Passeavam-se vaidosos no jardim Por entre acácias, rosas e alecrim E aves sem ter fim em mil trinados. Canários, pintassilgos, periquitos, Faisões e galinholas cujos gritos Ecoavam pelos céus da nossa aldeia. E envolta em seu labor, a nossa gente Sorvia cada som alegremente Daquela suave e doce melopeia! Ao cimo da Avenida, a Igreja e o grande Adro, que levava depois até S. Miguel o Anjo e Paraíso. 30


Do lado direito da Igreja, num largo pequeno, a casa paroquial e a propriedade do Professor Fernandes, que, com grande zelo, juntamente com a esposa e filhos, proporcionavam às crianças mais humildes da aldeia, um pequeno almoço farto e gratuito, para que não fossem para as aulas com a barriga a dar horas, como dizia o povo. Por opção minha, também eu frequentei durante algum tempo esse recanto lindo, onde a amizade e a solidariedade se vivia dum forma bem real. As noites eram longas. Manhãzinha Eu despertava. A mente não mais dorme. Num ápice saltava da caminha Na ânsia dum abraço, forte, enorme! O professor Fernandes já lá tinha Aquela mesa grande, farta e cheia Com pão, manteiga e leite que nos vinha De longe, para os pobres lá da aldeia. E quando terminava, minha gente, E antes de ir p'rá escola, lá na frente Da casa desse velho professor, Dançávamos, felizes, sem parar, Cantigas da raiz mais popular Sorrindo e partilhando um grande amor. Do lado direito, a Loja dos Ribeiros. No término desta, a velha escola primária onde aprendi as 31


primeiras letras e o edifício do Sindicato dos Têxteis, na altura, ainda em construção. Foi aí que conheci o Fernando, um jovem carpinteiro que trabalhava como operário na construção desse edifício e que posso considerar como aquele a quem devo o gosto pela poesia. Abaixo do bairro, situa-se ainda hoje o Bairro do Noé, atrás do qual se encontrava a Bouça do Costa, lugar aonde passávamos muito do nosso tempo, divertindo-nos. Brincávamos na bouça, junto à casa, Ao prego, ao arco, à flecha e ao botão, Por vezes, levantávamos a asa E a mãe soltava um grito: - Aonde estão? À ceia, havia arroz, meia sardinha, O caldo verde, as papas com farinha. Ao lado, um pouco mais abaixo, o Campo do Pimenta, lugares onde hoje existe um extenso aglomerado de habitações e comércio. Do lado esquerdo, frente ao Talho, onde hoje está o campo de futebol, ficava a Bouça da Fábrica, que confluía abaixo com a Quinta do Covo, cujo caminho se estendia até ao Rio Ave. Era nesse caminho que às terças feiras, lá da Carreira, aparecia o Agostinho, um indigente que cativava as pessoas com a sua fala mansa e cheia de 32


saber. Subia a um pequeno penedo e pregava durante longo tempo, sob o olhar atento e curioso de muita gente que ali ia para o ouvir. E assim, passei a infância. A comunhão, A escola, tantas, tantas aventuras!... O Agostinho e o Catitinha são Exemplos de vivências sãs e puras. Dos tempos lá na aldeia, quis guardar Memórias para agora recordar!

O Bairro do Sampaio O bairro do Sampaio era um casario encabeçado por uma casa em pedra, de rés do chão e andar, onde vivia o Sampaio. Debaixo dessa casa, na cave, tinha a sua pequena carpintaria, muito tosca, com o solo em terra batida, atrás da qual ficavam a adega e a corte do gado. No rés do chão tinha duas lojas. Numa delas, estava instalado o pequeno talho de carne de suíno, do Manel dos Porcos, como era conhecido. Frente a elas, um pequeno terraço onde paravam os vendedores ambulantes que vinham pela aldeia apregoar os seus produtos: a peixeira, o petrolino, o amolador e outros. Depois, durante o dia, era a peixeira, 33


O amolador, o petrolino, enfim, Aquela gente cheia de canseira Levando a sua vida em frenesim; Nas fábricas, o operariado Vivia um dia-a-dia inacabado. Era aí que também estacionava o velho furgão com a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian, de que falarei mais à frente. Era aí que as crianças da aldeia se juntavam quando de tempos a tempos vinha o Catitinha, esse velhinho querido que perdera a filha e, no seguimento, o tino. A partir daí, era vê-lo de terra em terra, distribuindo guloseimas e contando histórias a toda a pequenada que, feliz, o acompanhava em rancho ao longo da aldeia.

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O Amolador

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Ao longe, já se ouve a melodia, Anunciando ao povo, a toda a gente, Que o tempo vai mudar e prenuncia Que a chuva vai chegar rapidamente. E o seu engenho, um rasgo de magia, Instala num instante à nossa frente E facas e tesouras ele afia Com precisão de mestre, diligente. E chega o guarda-chuva, a malga, o prato, Terrinas em faiança... E ao desbarato Do velho ele faz novo num momento. E ei-lo assobiando... Eis senão quando, Lá vai de rua em rua anunciando As voltas deste tempo em movimento..

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O Catitinha O Catitinha vinha pela aldeia E espalhava afetos pela gente E quando aquela rua estava cheia, Falava-lhes tão terno, eloquente! Deixava em nossas mentes as lembranças Do seu tão grande amor pelas crianças!

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A farta e branca barba se estendia Ao longo do seu peito e a pequenada Gritava em alta voz e lhe sorria Seguindo atrás de si muito agitada. E o meigo Catitinha a conduzia Tão cheio de alegria pela estrada, E lá nos carvalhais os reunia E a sua triste história lhes contava. Com lágrimas nos olhos lhes dizia Que pela madrugada, certo dia, Perdera a filha amada num repente. Para esquecer desgosto tão profundo Qual pária, partira pelo mundo Levando amor e paz a toda a gente.

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O pequeno bairro, em banda, era composto pela pequena barbearia do Pedreira. Pedreira, um homem alto e elegante, Era o barbeiro ali ao nosso lado... Pessoa muito amável, bem falante E para os seus clientes educado. Ao ver-me, me abraçava o bom gigante... E aquele abraço longo e apertado Me dava a sensação de alguém distante Que um dia acalentou no seu passado. E pela tarde a sua barbearia Se enchia de pessoas. E a alegria Ali se partilhava em liberdade. E eu via em cada corte de cabelo A vida a ressurgir, quiçá, o anelo De quem procura amor, felicidade! Depois, vinha a alfaiataria do Armando - o meu pai. O pai Armando andava na oficina Talhando um par de calças, um casaco. Era alfaiate e todo o que ali vinha Parava e conversava com bom trato. 39


António, um homem cego, ali surgia À tarde, de um lugar que não preciso... E lindas melodias nos trazia Em cândidos poemas, de improviso. Usava umas caixinhas de pomada... E com essas caixinhas nos cantava Cantigas populares com destreza. E toda a gente, alegre, acompanhava; E mesmo quem passava ali na estrada Parava, ouvia e olhava... Que beleza! Seguia-se a Casa da Mena, filha do Sampaio e a modesta casa onde vivíamos. Na continuação do bairro em banda, havia pequena arrecadação, usada pelos Ribeiros como armazém, seguido da carpintaria do David – o filho do Sampaio - e duas pequenas lojas exploradas por um dos filhos do Sampaio, terminando o aglomerado com a casa do David o filho mais velho do Sampaio, que ali vivia em condições muito modestas com a sua grande prole. David era cunhado do Armando, meu pai (irmão da sua primeira esposa, Conceição).

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A Nossa Casa ... Nasci naquela aldeia lรก do Minho Liberto de pecado, ao deus-darรก, Numa casinha humilde, um doce ninho, Que o sol beijava cedo p'la manhรฃ; E aprendi ali, nesse aconchego, A enfrentar a vida, sem ter medo!

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1 - A Nossa casa; 2 - A Alfaiataria

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A nossa modesta casa era composta por uma pequena salinha, logo na entrada, onde existia um armário baixo com gavetas, encimado por um grande espelho, que o meu pai usava amiúde para as provas dos fatos que confecionava para os seus clientes. Logo à esquerda, ficava o quarto dos meus pais, o qual tinha virado para a rua uma pequena janela, no parapeito da qual o padeiro deixava diariamente, logo pela manhã, o pão ainda quentinho. O Bufa era o padeiro. Esse malandro Chegava na carroça com o pão, Tratava o pobre burro com desmando Que escouceava em pura convulsão. Que grande burro o bufa nos saiu, Perdoe a pobre mãe que o pariu! Foi nesse quarto que, eu e as minhas irmãs, exceto as duas mais novas, vimos a luz do dia. A seguir à salinha de entrada, vinha a sala de jantar, de dimensões reduzidas, ao centro da qual tinha uma mesa quadrada, mas extensível, quando necessário. Era ali que, primeiro a galinha, depois o Tarzan, o felpudo gato persa, esperavam pacientemente a chegada do meu pai, para lhe saltarem para o colo e partilhar à mesa a sua refeição. 42


Havia uma galinha lá em casa Que andava no terreiro a esgravatar E à hora do almoço dava a asa Voando para a sala de jantar. Depois, co'a cabecita feita em brasa, Na sala se aninhava a esperar; De tudo o mais, fazia tábua rasa, À espera que meu pai visse chegar. E logo que chegava e se sentava, Então, arregalada, ali ficava À espera, redobrando a atenção. Meu pai batia as mãos e, de repente, Saltava p'ró seu colo e, feita gente, Com ele partilhava a refeição. Do lado direito, encostado ao quarto de meus pais, dividido por uma parede de tabique, ficava o quarto das meninas, as minhas três irmãs e a minha tia. Num cantinho da sala, ficava uma pequena cama onde eu dormia. A seguir à sala de jantar, ficava a cozinha, apetrechada com um fogão a lenha, que era um regalo e fonte de conforto para as noites de inverno, uma pequena banca para a louça e ao lado da qual tinha uma máquina de cozinhar, a petróleo, onde dia a dia a Esperança e a Geninha preparavam as nossas refeições. 43


A máquina a petróleo já se ouvia Lá na cozinha. Era a tia Esperança Que co'a colher e um cheiro a malvasia Mexia com prazer e confiança. O panelão enorme ali fervia Co'as couves, co'a farinha e à nossa gente Na boca, um rio de água já nascia À espera desse manjar excelente. E nesse panelão, de quando em quando, Pra termos a ilusão de que tinha frango, Juntávamos vinagre, um só bocado. Depois de saborear um tal pitéu, Erguíamos os braços para o céu Num gesto de louvor: - Muito obrigado! Passada a porta para o logradouro, na parte de trás do aglomerado, lá estava a nossa retrete, em cimento, muito moderna para a época, a única com aquelas condições que existia em todo o conjunto habitacional.

A Bomba, junto ao tanque comunitário

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Em frente e a confrontar com o quarto das meninas, ficava o velho tanque de pedra, que servia de apoio para lavagem de


roupas da comunidade e a grande bomba de tirar água onde todos nos abastecíamos. Naquela época, não havia ainda rede de saneamento, pelo que os poços eram o recurso para se conseguir água potável. No grande logradouro, uma vez por semana, era o lugar da matança do porco. Junto da bomba, atrás do casario Havia um tanque aonde se juntava A gente lá do bairro, ao sol, ao frio, Aonde toda a roupa se lavava. Às vezes, p'la tardinha, o mulherio Discretamente vinha e se banhava Sujeito a um olhar, um assobio, De algum mirone ousado que passava. E aquela grande roda que ao girar, Impulsionava a bomba a trabalhar, Fazendo sair água em turbilhão, Lançava a pequenada em euforia Ao vê-la jorrar forte, pura e fria Num fresco banho, em santa diversão! Já na saída do logradouro, para o caminho que levava ao rio, frente ao capoeiro das galinhas e um 45


coxo dum porco, tinha uma pequena habitação, miserável, diria, constituída por uma entrada em terra batida, uma lareira e um pequeno quarto com soalho. Ali vivia essa menina frágil que dia a dia trazia a alegria ao nosso pequeno grupo de crianças. Um dia, caíu de cama com tuberculose e, coitada, foi-se. Acho que foi a primeira vez que me defrontei com a condição de perda pela morte. Essa menina frágil se estendia Ali na dura palha dum colchão, Ao brilho da candeia que insistia Em dar mais luz à sua escuridão. Rendida ao tempo, ali permanecia Lutando contra a sua condição; Tuberculose, sim, ela sabia Que não havia outra solução. Aonde estás, gazela espavorida Correndo com fulgor, cheia de vida, Em mananciais de paz e de alegria?.... ... ... Dormindo agora em teu vestido de anjo, Vais renascer nos braços de um arcanjo, Vencida a morte e a dor...naquele dia!

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O Som da Noite Era ainda criança. Nas noites soalheiras do estio, a miude, reuníamo-nos à porta daquele casario baixo de granito para arejar a alma e ouvir o som da noite. O bairro, confinado pela berma da estrada, era formado pela grande casa de primeiro andar do Sampaio, o Batata (chamavam- lhe assim pelo feitio do seu arredondado nariz, que em tudo se assemelhava a esse tubérculo). Seguia-se uma longa fila de pequenos espaços, quais casas de bonecas, uns usados como habitações, outros com utilizações diversas: O talho do Manel toucinheiro. A barbearia (e habitação) do Pedreira, a alfaiataria do Armando, a casa da Mena, a casa da Geninha (a minha casa). Seguiamse um par de espaços usados para fins diversos, pequenos armazéns de terra batida, aonde dia e noite vagueavam ratazanas e outros roedores em perfeita liberdade. Ao centro, a carpintaria do David, filho mais velho do patriarca, cuja profissão de carpinteiro seguira nas pisadas do velho Sampaio. A culminar este rol de construções, ficava a sua própria casa, igualmente de primeiro andar, de conceção muito modesta. Foi nela que criou um longo rol de filhos que no correr do tempo iam 47


sendo lançados nos áridos caminhos da emigração, onde aprenderam a ser homens e vingaram na vida. Era envolta neste ambiente que a miudagem, no calor da noite, se divertia, ora a perseguir as nuvens de morcegos que esvoaçavam sobre as suas cabeças, aos quais lançavam mãos cheias de areia para que estes, de asas perfuradas, caíssem no chão (puros desvarios de criança), ora correndo desenfreada no silêncio da noite para a bouça ali ao lado, para contemplar os pirilampos que, ao bater com as frágeis asas brilhantes produziam sons que logo transformavam o espaço numa longa sinfonia, a que se juntava o ruido dos ralos e do rastejar dos répteis e pequenos animais que por ali proliferavam. Luar de agosto, a eterna melopeia De sons e de zumbidos pelo ar, Insetos a voar na noite cheia De ralos e de grilos a cantar! Nas noites de verão, depois da ceia, Com tempo soalheiro e ao luar, Em grupos, os amigos lá da aldeia Juntavam-se na rua a conversar... Momentos de convívio, tempos ledos, Ali bem perto nuvens de morcegos Esvoaçando em seu estranho rito... 48


E no calor de noites tão singelas Olhávamos a lua, um céu de estrelas, Gesto de amor do Deus do infinito! Era a escola da vida, momentos de magia e descoberta. A bouça estava confinada de um lado pelo caminho de terra batida que levava ao rio e dos outros pela Quinta do Covo, a antiga Fábrica de Fiação e Tecidos e, na parte superior, pela estrada que atravessava a Portela em direção a Riba d’Ave. Ali desenvolvíamos a nossa ânsia da descoberta e desbravávamos o mundo ao redor. E a magia das noites soalheiras de verão, o som da noite, deu lugar ao circular constante de viaturas, a tempos de azáfama, onde as pessoas se cruzam e mal se cumprimentam. Quando ali volto, recordo com saudade o som da noite, hoje metamorfoseado em noites de poetas onde, à média luz, os novos pirilampos brilham e batem as asas, tentando dar luz às noites de vigília e poesia, aonde transparece ainda o voo de morcegos, logo derrubados por mãos cheias de areia, que lhes perfuram as asas e os fazem soçobrar. De novo o ruído assustador do rastejar de lagartos, cobras e coriscos que nos assustam e perturbam, sob o brilho fútil de holofotes que ofuscam o nosso olhar cheio de sonhos e impede o luar de

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penetrar e refrescar a nossa mente cheia de quimeras e de sonhos. O tempo passou. O casario deu lugar a um edifício de três andares, a bouça deu lugar ao campo da bola, a grande Fábrica, ora, motor do progresso da freguesia, está agora em ruínas, albergando pequenas atividades, Um dia, voltei à minha aldeia para matar saudades. Para minha surpresa, já não encontrei a velha casa, que tinha dado lugar a um prédio moderno, de três andares, que ocupava todo o velho aglomerado. Surpreendido, verifiquei que o preciso lugar onde outrora nascera, era agora parte integrante do espaço que confrontava com o novo edifício. Foi então que descobri que nascera no meio da rua. E, levado pela saudade e nostalgia, escrevi: Voltei à minha aldeia... Essa casinha Humilde e pequenina onde nasci Não existia mais - alguém a tinha Deitado abaixo... E nunca mais a vi! O quarto aonde vi a luz do dia Agora é rua! - A força do progresso! Não era bom aquilo que sentia E vê-la assim, não sei se o mereço.

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As salas, a de entrada, a de jantar, Os quartos, a cozinha, dão lugar A lojas de comércio. Que fazer? Agora, penso assim com ironia: No meio duma rua parca, fria, Um dia eu haveria de nascer!

Antigo bairro e novo edifício

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Ontem como hoje, o som da noite percorre o nosso imaginário e impele-nos a caminhar e a prosseguir confiantes o percurso incerto da nossa peregrinação. Vêm-me à memória as palavras do poeta: Não há machado que corte a raiz ao pensamento não há morte para o vento não há morte! Sob o papel amarelecido e amarrotado do meu peito em convulsão, ouvindo o som da noite, no bico desta pena se desbrava o som e a magia da palavra.

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O Natal da Minha Infância Corria a segunda metade da década de cinquenta, do século vinte. Ali, na minha aldeia vivia-se uma vida simples e pacata. Estava ainda distante a explosão tecnológica, a era do plástico era ainda incipiente. Na loja do Ribeiro os produtos alimentares e outros eram ainda embalados num grosseiro papel de embrulho que dobravam em forma de funil ou através de cartuchos, uns maiores outros mais pequenos. E ali se transportavam os géneros alimentícios ou outros produtos para o lar. O papel dos embrulhos e dos cartuchos era depois aproveitado como acendalhas para o fogão de lenha que servia na cozinha. Quando chegava o Natal, era uma azáfama entre a miudagem. Muito cedo e já se ouvia o barulho da grande roda da bomba de água a trabalhar, para fazer subir o precioso líquido para as lides lá de casa: higiene, alimentação, limpezas e outras. Ao longe ouviam-se os passos dos operários que iam dar vida às grandes indústrias de fiação e tecelagem, tecido produtivo de toda a região e que 53


alimentavam a maior parte dos aglomerados familiares da aldeia. Levantávamo-nos bem cedo, mal o sol despontava e lá íamos com o tosco caixote de madeira que fora embalagem de sabão em barra por essas bouças fora à procura de musgos, ramos de azevinho e o pinheirinho natural, para montarmos o presépio e árvore de natal que trariam a alegria de toda a pequenada durante a magia de toda a quadra natalícia, até que surgisse o dia dos Reis (6 de Janeiro), altura em que tudo era desmontado à procura de um novo dezembro. Noite de consoada. Num cantinho Da sala espalhávamos no chão O musgo do presépio e o Menino, Guardado para esta ocasião. Por cima tinha um grande pinheirinho Laivado com montinhos de algodão E ramos com bolinhas de azevinho Ou bolas coloridas e bombom. E na magia dessa consoada, Confiantes, junto à arvore enfeitada, Deixávamos o nosso sapatinho. E quando a luz da aurora já raiava No despertar da curta madrugada, Corríamos às prendas do Menino. 54


Almoçava-se a correr, batata cozida com bacalhau assado na brasa, regado por uma delícia de azeite bruto e recheado com pedaços de cebola. Uma delícia que ao longo dos anos fomos mantendo no nosso agregado familiar como tradição a não ser quebrada. Pela tarde, preparávamos um cantinho da sala de jantar, às vezes da sala de entrada (que tinha mais luz) e ali passávamos algumas horas à volta do pinheirinho e do presépio. Eram as figuras de barro tosco que cada ano a mãezinha fazia crescer quando se deslocava à Santana - onde se realizava a grande feira semanal – e ali, na Loja da Poveirinha, ia adquirindo cada ano mais bonecos de barro. A árvore era enfeitada com fios de neve e quando não havia, com pedacinhos de algodão em rama que a mãezinha trazia do Posto Médico. Juntávamos depois as minúsculas bolinhas de natal, ainda em vidro, às vezes meio partidas e cujas mazelas escondíamos para que pudessem ser ainda usadas. Quando não havia nada mais para colocar, usávamos o papel de estanho que íamos juntando ao longo do ano, quando recebíamos de presente um pequeno pacote de bombons. A iluminação confinava-se a uma lâmpada de pequena potência no presépio, para o iluminar e outra atrás

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da grande estrela colocada no cume da árvore, para que esta brilhasse. Nos intervalos desta azáfama, por vezes, eramos chamados à cozinha pela nossa mãe, para ir rapar os tachos das iguarias que ela, juntamente com nossa tia, estava a preparar para a Ceia e o almoço de Natal: os mexidos (que curiosamente ali na aldeia se chamavam formigos), a aletria, o leite-creme, as rabanadas, os sonhos, enfim, tanta coisa boa. Enquanto essas iguarias iam sendo feitas, preparavam a couve, galega, claro, para a ceia que era sempre composta por batata cozida com bacalhau, troços de couve, da qual eram retiradas quase integralmente as folhas. Eram uma delícia esses troços, a batata e o bacalhau (para mim era sempre o rabo, que tinha maior gosto), regados com um fio de delicioso azeite aquecido, com cebolada. O vinho era também do bom, tinto, de pipa privada, aquecido com maçã (uma tradição cuja origem nunca soube) ao qual se juntava um pouco de açúcar. Maravilha de noite. 56


À mesa, depois da ceia e dessas iguarias, acompanhadas dum manancial de frutos secos, cantavase com alegria. O nosso pai dava o mote: o berimbau, uma pomba, músicas tradicionais de natal. E, já longa madrugada, dirigíamo-nos para a cama à espera da chegada do Menino Jesus com as almejadas prendinhas. Às vezes, em segredo, o Menino encomendava ao meu pai, alfaiate de profissão, um par de calças novas ou um casaco quente e à mãezinha uma camisola de tricot, para o rigor do inverno. E, pela madrugada, muito cedo, ainda mal o sol acabara de nascer, cada um de nós se levantava em silêncio, ávido de correr para a sala à procura das prendinhas que o Menino Jesus, carregado até não mais poder, trazia para encher os nossos sapatinhos, criteriosamente colocados ao redor do presépio à sua espera. E lá vinham os carrinhos de folha-de-flandres, as bonecas de trapo ou porcelana, os chocolates ou caramelos e outras guloseimas… e as tais roupas que ele, diligente, tinha previamente encomendado aos nossos pais para nos oferecer. Depois, vestidos com os nossos novos trajes, lá nos preparávamos para a matutina missa onde, cada um, com orgulho, exibia os presentes recebidos. Nesse ambiente natural e simples, ano após ano, ansiávamos o chegar desses dias mágicos que 57


viriam pela vida fora a marcar as nossas vidas com alguns dos momentos mais felizes e significativos, registados no Relógio do Tempo, o tempo desta nossa peregrinação. Vivamos então a magia do Natal. Por trás daquela casa, onde vivia, Tinha um terraço em toda a extensão E com amigos meus passava o dia Na Primavera, Inverno, Outono ou V'rão. Co'as coisas mais comuns me divertia; A roda, o João-Barqueiro ou o pião, O esconde, o escouço e quando apetecia, A flecha, o arco, a malha e o botão. E ao fim da tarde, fartos e cansados Voltamos pra casa emporcalhados, Felizes e sorrindo com prazer. A fome nos chamava para a mesa E, saciados, ter essa certeza De um sono suave e um novo alvorecer!

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Fernando O Sindicato estava em construção E eu andava à volta dessa gente Então, vi em Fernando um amigão Que fez de mim poeta, de repente: - Fernando, não precisa de ir embora, Pode alojar-se na Pensão Aurora. - Olá - disse o Fernando - tu tens jeito, Depressa, por favor, chega a caneta: (Na tarde amena, alegre, me deleito. Ao ver nascer a alma dum poeta!) E para a poesia então nasci ... Quanto ao Fernando, nunca mais o vi! O Fernando era um jovem com pouco mais de vinte anos, afável e calmo. Carpinteiro de profissão, pelos anos cinquenta, no exercício da sua atividade, andava a instalar a parte de carpinteiro no edifício do Sindicato dos Têxteis. Pessoa de grande sensibilidade, gostava de estar acompanhado a conversar. Sindicato dos têxteis de Delães

Eu frequentava a Escola Primária, provisoriamente a ser ministrada nesse local, em salas 59


improvisadas, à espera da conclusão das obras da nova escola, então em curso, a caminho da Igreja. Tantas vezes nos cruzámos por ali que acabámos por nos tornar amigos. Embora eu fosse ainda uma criança de sete ou oito anos, o Fernando captou a minha amizade. Dele transparecia uma apurada sensibilidade poética que me fez aproximar de si. Gostava de o ver improvisar umas trovas, sorrindo, às vezes cantarolando. Por isso, ao início da tarde, lá ia eu com a jaqueta que meu pai, alfaiate, me fizera, lançada sobre os ombros, cheio de importância, como se de um homem se tratasse. Muito senhor do meu nariz batia de modo autoritário no grande portão de acesso que havia nas traseiras do edifício onde o Fernando montara a sua oficina. - Truz, truz, truz! - E lá vinha ele apressado, atravessando todo o rés- do-chão para abrir a porta a sua excelência o amigo daquelas horas de solidão. Um dia, falando do motivo porque não ficava em Delães, em vez de regressar a casa todos os dias ele vivia a uns bons quilómetros de distância, que fazia numa velha bicicleta - eu disse-lhe: Se não quiser ir embora, fica na Pensão Aurora. (A pensão Aurora era um recanto quase familiar onde se alojavam forasteiros que tinham necessidade de pernoitar por ali). 60


O Fernando olhou-me com surpresa e exclamou: - Olá, olá! Rima e tudo! Tens perfil de poeta! Aquilo saiu a despropósito, mas acho que foram as minhas primeiras rimas. Mas esta simples observação do amigo provocou em mim um desejo de um dia ser poeta. Foi ganhando corpo e era ver-me pouco tempo depois, escondido atrás da porta do Talho da Armindinha ou da Alfaiataria do Armando, meu pai, a exibir as minhas qualidades a quem por ali andava, ora improvisando rimas, ora cantarolando melodias populares conhecidas com versos feitos no momento, sob o riso dos presentes que se deliciavam a ouvir o poetinha improvisado. A minha cara patusca e traquina, o meu sorriso atrevido, alegrava-os e assim, para provocarem o momento, desafiavam-me e ofereciam-me como recompensa dois ou cinco tostões para ir à tasca do Ribeiro comprar rebuçados ou um pacotinho de tremoços que vinham numa espécie de cone feito em papel de embrulho, quando não, em jornal ou qualquer folha arrancada duma lista telefónica. - A poesia são textos compassados adornados de flores. Esta frase massacrava os meus ouvidos. O tempo foi passando e foram surgindo as primeiras incursões na poesia, com as leituras da terceira e quarta classes: Augusto Gil, António Correia de Oliveira, João de Deus, Almeida Garrett e tantos 61


outros. E a minha mente ia captando a melodia das palavras, essa melodia que a professora bem traduziu numa definição simples, mas real do conceito de poesia: - A poesia são textos compassados adornados de flores... Que bela definição. A métrica, a musicalidade, a beleza estética, tudo... E alguns desses primeiros textos compassados, adornados de flores, nunca mais saíram da minha mente: Batem leve, levemente, Como quem chama por mim Será chuva, será gente? Vento não é certamente E a chuva não bate assim. (Augusto Gil) Vindo o lavrador da arada Encontrou um pobrezinho E o pobrezinho lhe disse Leva-me no teu carrinho (Cancioneiro Trasmontano) Acima, acima, gajeiro, Acima ao mastro real Vê se vês terras de Espanha, Areias de Portugal. (Garrett)

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O tempo voava e eis-me na Póvoa no ensino secundário. Foram então os primeiros contactos com aqueles que viriam a transformar-se nos meus grandes Mestres: Camões, Florbela, Bocage, Antero. Depois, Nobre, Cesário, Pessoa, Régio, Sophia, Eugênio de Andrade, Namora, Gedeão, Vergílio Ferreira e tantos outros. Era a vez de Veríssimo, Amado, Vinícius, Dostoievsky, Gorky, Tolstoi e outros que foram chegando gradualmente. Mas foi Vladimir Korolenko que me marcou grandemente com o Músico Cego. Marcante mesmo. A partir daí, a poesia foi fluindo e, gradualmente, este aprendiz de poeta foi construindo a sua liberdade, muitas vezes ameaçado por um vulcão ébrio atrevido, irreverente, promíscuo e endiabrado que a vê expelida pelas lavas incandescentes duma vida agitada que o prendem a grilhões dos quais não pode ou não deseja libertar-se. Não sei se algum dia chegarei a ser poeta. Quanto ao Fernando - como diria essa bela poetisa do Rio Grande - o Fernando, nunca mais o vi!

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À Procura de um Poeta Ei-lo na praia, segue cabisbaixo, Correndo o areal de lés-a-lés, Qual pária, para cima, para baixo, A ouvir o som dolente das marés. As ondas que se erguem lá no alto, Lhe trazem à memória esse mar cão Que em noites de tormenta, sobressalto, Roubavam toda a sua solidão. A mente, agora parca em alegria, Silente, lembra aquela fantasia De um tempo já distante, tão pequena. E senta-se. E ali, a ver o mar, Escreve, para logo soletrar Os versos mais sentidos de um poema.

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A Biblioteca Quando abria aquela porta, invariavelmente, deparava com aquele armário, bem mais alto que eu, com uma série de prateleiras cheias de livros até aos cocurutos. Tinha duas portas envidraçadas a toda a sua altura. Eu entrava na sala, aproximavame e olhava. Com os meus sete anos, entrei no ensino primário. Comecei então a aprender a ler e a escrever. Fui juntando vogais e consoantes, uma a uma, lentamente. Então, já me aproximava daquelas portas com outro ar e tentava juntar as palavras das lombadas de cada livro, letra por letra: J...ú...l...i...o... D...i...n...i...s... Olha, outro Júlio... V...e...r...n...e... Nome estranho!... L…u…í…s… d…e… C…a…m…õ…e…s… Pela noitinha, o meu pai chegava a casa cansado da sua oficina de alfaiataria. Às vezes, sentava-se na cadeira da sala de jantar, pegava-me ao colo e lia para mim... Um trecho de um romance..., como se fora uma história de embalar.... Eu olhava, correspondia ao seu terno olhar, e pensava com os meus botões o que ela me quereria transmitir. Os dias passavam, mas aquele ritual mantinha-se. Entrava, parava em frente do armário, tocava nos 65


vidros… Depois, então, seguia para as minhas brincadeiras, no terraço que existia nas traseiras daquele modesto bairro, onde a criançada dava aso à sua fértil imaginação. Momentos inesquecíveis. Um dia, apareceu na aldeia um furgão Citroen, cinzento escuro, e parou a poucos metros da casa. Com curiosidade, as pessoas foram-se aproximando. Na parte lateral da viatura, podíamos ler: Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian. Uma carrinha que calcorreava aldeia após aldeia na tentativa de proporcionar às pessoas a possibilidade de um acesso a alguns livros e incentivar o gosto pela leitura - cultura popular. Era o primeiro contacto real com os livros. O Pequeno Príncipe, O Gato das Botas, A Bela Adormecida... Eh, espera!!! Essa eu já conheço! A Esperança já me contou! ... Esperança era a minha tia que foi criada como nossa irmã. Poucos mais anos tinha que eu. Ei-la recolhida pelo velho Armando e a desempenhar o papel de ama na ausência da

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Geninha, a minha mãe, que se esfalfava a trabalhar para ganhar o pão de cada dia. Tempos difíceis! Foi nesta Biblioteca que tive o meu batismo de leitura. Quando requisitava um livro e o levava para casa, sentia ter um tesouro meu, só meu, que religiosamente lia e guardava com carinho até ao regresso do grande furgão cinzento, para poder penetrar em novas aventuras. Naquele tempo, eu era um rapazito Que andava por ali a cirandar No meu espaço curto, circunscrito, Aonde Armando estava a trabalhar. Pela tardinha, uma carrinha enorme, De um cinza tosco, vinha e então parava No pequenito largo, assaz, disforme, Que havia ali de frente para estrada. Era a Biblioteca Itinerante, Um modo criativo, interessante, De dar ao povo, à gente, outro sentido. E na carrinha, alfobre de cultura, Que incentivava ao gosto p'la leitura, Eu encontrava o meu primeiro livro.

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Um dia, descobri a chave do armário. Foi o acesso secreto aos livros. E fui desbravando um após outro… Camilo, Junqueiro, Ferreira de Castro, Campos Júnior – ah, aquele livro, Pedras que Falam. Um navegar pela história através da narração de visitas de estudo a algumas igrejas e monumentos... Um génio, aquele professor criado pelo grande génio das palavras. Pegava aleatoriamente num, noutro livro, e lia com avidez: Lá vai a nau Catrineta/ que tem muito que contar.... Pela estrada plana/toc toc toc... Acima, acima gajeiro/ acima ao mastro real/ vê se enxergas Espanha/areias de Portugal. E o gosto pela poesia ia nascendo no meu pequenino coração de criança... O tempo passa, caramba! De repente, cheguei à Póvoa. A cena repetia-se. Entrava em casa - agora, uma casa imensa… E na sala, invariavelmente, o mesmo armário... os mesmos livros carinhosamente encadernados - a Faculdade de Letras onde o pai adquirira a sua Formatura. Agora já tinha livre acesso aos livros. De novo, Campos Júnior, Alexandre Dumas, Ferreira de Castro, Bocage, Nobre, Antero, sei lá… tantos. Deleitava-me a ler as Crónicas da I Grande Guerra, editada em fascículos, profusamente ilustrada e carinhosamente encadernada em quatro grandes volumes. Descoberta a descoberta, ia criando o meu próprio mundo. Foram assim nascendo, 68


timidamente, os primeiros textos. Tentativas de imitação das coisas que ia descobrindo no decorrer das aulas de português no ensino secundário. As quadras, as redondilhas, os acrósticos, os floreados poéticos tão comuns na idade média, os poemas com mote, enfim, um mundo que se abria à imaginação. Com Camões descobri a arte do soneto..., suscitou-me interesse e entusiasmo. Mas era ainda cedo.... Pobre criança minhota pobre dor que vive na esperança remota duma vida em flor... Depois, o fervor de ir mais longe... Regresso aos livros de Antero, de Nobre, de Bocage que ali permaneciam silenciosos, no mesmo armário, agora, meu confidente. E apaixonei-me pelo soneto. Os tempos corriam, as exigências aumentavam. Surge o primeiro ensaio poético - Musa Perdida. Tão tosco, tão imperfeito. Versos tênues, relatos de vida, segredos ocultos... 69


Jovem metido muito dentro de mim. O velho armário era o refúgio que encontrava para matar muito do tempo que me devorava nos momentos de maior solidão. O tempo voou. Cresci, abri asas... Na casa do velho Armando ficara o velho Armário – um Armário Armando Armadilhas. Cheio de livros... No meu lar fui criando os meus próprios Armários, Armadilhas…, a minha Biblioteca... Um dia voltei à velha casa da Póvoa... O Armário tinha desaparecido. Os livros foram encaixotados numas prateiras improvisadas no quarto da frente, encrostadas numa porta forjada. Não sei porquê, fui encontrá-la mais tarde tapada com uma parede falsa de madeira, selada dos dois lados, com os livros empacotados no seu interior, sem qualquer acesso… para sempre... para sempre, para a posteridade. Com eles, muitos escritos, insípidos, talvez, mas escritos com muita dedicação e carinho. Voltei triste. Assim nascem e morrem as lendas. A Biblioteca da minha infância e juventude morreu… Eu também… um pouco! Que importa? A vida continua.

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A Biblioteca

De cada vez que entrava ali na sala, Olhava para mim esfuziante... Virava-se e falava com voz rala, Num grito de silêncio perturbante… Garbosa, revestida de alta gala, Mostrava-me um sorriso penetrante, Qual fonte do saber que em mim resvala De cada folha ou livro, cada estante... Um dia, fiquei sem respiração... Entrei e não a vi. Desilusão, Partiu sem um abraço à despedida. E cada livro jaz encarcerado Nas tábuas, na parede, ali ao lado, Num atentado insano à própria vida!

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Armando

Nasceu duma paixão vadia, louca, Em Fafe, nos confins dum milheiral, Bem cedo lhe fecharam sua boca, Criado foi num quarto de hospital. João seria o pai...mas não o quis, Emília a sua mãe, triste, infeliz!

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Pai

Sonhei contigo, ó pai, vi te sorrir Feliz, contente, alegre em teu viver E ao ver-te assim não pude resistir E agradecer ao mais sublime Ser. Depois, ao te abraçar, vivi em mim Aqueles dias cheios de esperança E vi brilhar o teu sorriso assim Num cândido sorriso de criança. E quando despertei do sonho lindo Permaneceu o teu olhar infindo Num manancial de vida e de emoção. E agora sinto ainda o teu abraço A viajar sem tempo e sem espaço, No afago do meu frágil coração.

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Saudades Saudades, pai, é longa a madrugada E a noite ainda tarda a cá chegar, De resto, o que aí vem não vale nada E não sei bem o tempo a esperar. Há tanta flor à espera no jardim Que quer beijar a tua face linda! A rosa, o malmequer, o alecrim, E hortênsias a florir, há tanta, ainda! Saudades, pai, quem sabe, qualquer dia, Eu vou sentir a tua companhia, Espera até que chegue um novo abril. Mantém em mim a fé e a confiança, E cantaremos hinos de esperança No dia em que voltar ao teu redil.

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O Teu Chapéu

Queria o teu chapéu para que visse Se sou como eras tu e descobri Não ser o teu chapéu, mas que chatice, E sem o teu chapéu nu me senti. E quando tu me olhaste atrapalhado Tentando me pedir o que era teu Sentaste-me ao teu colo e com agrado Quiseste-me emprestar o teu chapéu. E pela vida fora te seguia Na ânsia de te ver com ele e um dia Tentei que fosse meu num gesto ingrato. Bem sei que o meu chapéu não é o teu Mas ao teu lado com o meu chapéu Diz lá se não pareço o teu retrato.

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Sabes, Pai? O teu olhar, já gasto pelo tempo, Arrasta atrás de si quantas agruras, Quanta canseira foi lançava ao vento, Quantas dificuldades e torturas. Recordo aqueles dias de tormento, Sentado lá na porta da cozinha, Olhando para o tempo sem ser tempo E afagando o rosto de Geninha. Ao ver-te, agora, assim, recordo os dias De tantas amarguras, alegrias, Que partilhaste um dia em nosso lar. E ao ver as tuas mãos, gastas, cansadas, As lágrimas das horas mais amargas Não deixam de escorrer p’lo meu olhar.

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Geninha Mãezinha era um encanto. Trabalhava No Posto de Saúde, Auxiliar. Mas toda a gente, quando lá chegava, Por Enfermeira haviam de a tratar. O seu afável trato, delicado, Lhe dava o estatuto desejado.

Geninha

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Saudades, Mãe?...

Deitada nessa cama onde dormi Dias sem fim, estavas, sem disfarce, Num sofrimento atroz; e eu senti As lágrimas correndo pela face. Olhavas para mim, olhar profundo! E ao ver sofrer assim teu coração, Olhava à volta, um mundo tão imundo Que me roubava a força da razão. Vida cruel, ingrata, sem sentido! No teu leito de dor, eu, condoído, Chorava, não sei bem porque partiste! Vagidos magoados... foste embora, Deixaste um coração que, aqui e agora, Ainda chora o teu olhar tão triste.

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Sabes, Mãe?...

Quando nasci ali na nossa aldeia Nessa manhã de abril tão fresca e bela, Os teus gemidos numa casa cheia, Saltavam pelas frinchas da janela. Vagidos magoados, sangue, dor, Amálgama de paz e sofrimento, Momentos de ternura, grande amor, E toda a nossa gente em movimento. O pai rejubilava, era um rapaz! E o sentimento livre que nos faz Gritar, gritar sem termo, até chorar, Me transformou assim naquele infante Que quis na sua vida longa, errante, A mesma cruz contigo carregar.

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Os Meus Pais

Meu pai era alfaiate, um homem santo, Mãezinha era enfermeira se dizia Chamavam-lhe enfermeira pelo encanto Que transmitia em tudo o que fazia. Vivíamos na aldeia. Entretanto, Levado pela crise que fazia Meu pai foi procurar um outro canto Aonde reencontrar sua alegria. Rumou para Lisboa. A vida dura Que ali foi encontrar tornou mais pura A relação que entre os dois havia. E, com suor e lágrimas, um templo Aos poucos construíram para exemplo De filhos e dos netos de algum dia. 83


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Irmãs

Ema, Lurdes, Otília, (Amy), José, Olga e Paula

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Olga, Paula, Sílvia, Ema, José, Lurdes, Otília e Fernanda

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Sete Damas

São sete damas, sete maravilhas, Que Armando me deixou em testamento, São sete moças lindas, sete filhas Que Armando foi gerando além do tempo. E, juntos, desbravámos cada estrada Na nossa longa peregrinação, Na ânsia de encontrar um quase nada Que nos trouxesse paz e união. E de repente, ei-las confrontadas Co'as lidas desta vida, atarefadas Moldando cada qual à sua forma. E vão a desbravar um novo mundo, E seu jardim florido, num segundo Em pétalas de rosa de transforma.

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Fernanda e JosĂŠ

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Nanda

Guardada no recôndito da aldeia Aonde eu haveria de nascer, Habita a minha irmã, uma alma cheia De rosas e alecrim para oferecer. À sua porta franca, entreaberta, Ei-la que surge, pronta a receber; E toda essa alegria me desperta A saborear a vida com prazer. Ai, como é bom entrar no seu espaço, Ver-me envolvido nesse forte abraço Tão próprio duma carinhosa irmã! No seu cantinho cheio de magia Respiro tanta paz, tanta harmonia E o fresco alvor da névoa da manhã!

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Telefone

O Telefone ainda está silente, Tu hoje não ligaste e eu senti Cá dentro, no meu subconsciente, Saudade, nostalgia. Então, sofri. Aonde estás? Pergunta incompreendida, No teu silêncio nada mais existe! E agora, no decurso desta vida, Não sabes como vivo amargo e triste. Quando na noite encontro o teu olhar Lançado sobre mim, a procurar Porquês de tudo isso acontecer, Eu sinto um apertado nó no peito E olho para ti, insatisfeito, Sabendo nada ter p’ra te dizer!

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Saudades, Mana

Naquele dia longo em que partiste E foste descansar na tumba fria, Deixei de ser quem era, fiquei triste, Contigo foi também minha alegria. Desvaneceu-se o sonho e a quimera! O meu olhar no teu se concentrou E a nossa mente ali ficou à espera Da primavera que não mais chegou. Tão cheios de esperança, os olhos teus Se volvem finalmente para os céus E logo a tua angústia se desfaz. Do alto, do infinito, o Salvador Ao ver-te assim, com seu olhar de amor, Tão pronto, respondeu: Descansa em paz!

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Otília (Titi)

O tempo passa, mana! Pequenina, Corrias pelos campos lá da aldeia Tão cheia de fulgor, traçando a sina Que a vida te daria, assim, tão cheia! Setenta primaveras! Voa o tempo Na roda deste tempo em convulsão E em teu peito cada sentimento Que pulsa faz vibrar o coração! Olho p'ra ti, o teu olhar sereno, Qual grito num apelo, num aceno, Esvai-se nesse teu labor diário. Ao som da sinfonia desta vida Te envio um forte abraço, mana qu’rida, Com votos de Feliz Aniversário!

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Lurdes (Saluca) Saluca, minha irmã, me deu um dia A bússola da vida por presente Para que fosse ao longo desta via Um guia no meu subconsciente. E quando em meu caminho me perdia, A bússola me dava o rumo certo E era imensa a paz, quanta alegria, Que descobria no seu peito aberto. Agora, olhando o tempo já passado, A minha senda sigo apaixonado Com a bússola segura em minha mão. E com Saluca sempre do meu lado Eu olho para a bússola encantado Agradecendo a Deus tanta afeição!

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E veio a Olga. Depois, a seguir, Na Póvoa, a Paula havia de nascer; Pois foi ali que fomos residir E lá que aprendemos a viver Mas num longínquo Março, triste e duro, Mãezinha teve um fim tão prematuro!

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Olguita

Ainda pequenina, na Amadora, Brincavas e fazias tropelias E sem saber porquê, eu era agora O amo que nem eu sequer sabia. Quando chegaste à Póvoa, vinhas cheia De entusiasmo e tendo bem presente O gosto pelo mar, brincar na areia, Co’ aquele olhar traquina, irreverente, A vida foi p’ra ti benquista, grata, Guardaste no teu coração de prata Memórias que não mais vais esquecer. Agora, avó galinha, com ternura, Viajas para Londres à procura De novos alibis para viver!

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Paulinha

Quando te sinto nesse olhar franzino Que te persegue em todo o teu viver, Procuro entre as tramas do destino Sentir toda a nobreza do teu ser. Olho pra trás. Em toda a tua vida, Dentro de ti, um nobre coração Que pulsa duma forma desprovida Em luta contra a força da razão! Mulher coragem! No teu dia-a-dia Enfrentas com tal garra e ousadia As ondas deste mar imenso e bravo! E no seu voo, a frágil Joaninha Olhando os olhos teus, logo adivinha O Anjo que ela tem sempre ao seu lado!

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Pela terceira vez, meu pai casou Por não saber lidar com a solidão. Da relação tardia resultou Nascer a SÍlvia! Eis a conclusão: Não teve mãe. Esposas, teve três! E agora, a minha história. Era uma vez...

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Sílvia

O teu olhar azul vestiu-se um dia De formusuras mil, felicidade; Vieste ao mundo e logo foste a tia De gente como tu, com mais idade. E quando envolta nesta fantasia Vivida nos bons tempos de bonança, Camões a mim chegava e me dizia Que toda a vida é feita de mudança. E a tia, bem mais nova que os sobrinhos, Caminha rodeada de carinhos E brilha como estrela da manhã. E penso: “No crepúsculo da vida, Teus olhos são a joia preferida Que guardo como um grande talismã”.

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José Luís Cresci e aprendi na minha Escola Lições que eu levaria a vida inteira, Memórias que guardava na sacola Tão cheia de segredos, de canseira! Que bom ter professores que algum dia Na Escola desta vida encontraria!

Armando, Ema, Otília e José

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Milagre da vida

O sol desponta cedo nesse dia E a D. Dália sai preocupada Para assistir com rasgo e ousadia Dois partos simultâneos, junto à estrada. Com ar ansioso, em zelo, se perdia, Corria espavorida e apressada P'ra ver qual a criança que nascia Primeiro, nessa longa madrugada. E enquanto a Dona Dália corria, A minha mãe em dor se contorcia E elevava preces para o céu. Do outro lado Rosa se esvaía Ao ver que seu rebento não nascia... E nesse meio tempo, nasci eu!

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Fado

Sessenta e oito versos, já vai longo O curso desta história inconclusiva Cruzando cada sílaba, ditongo, Que guardo no poema desta vida. Menino e moço, eis-me transformado Num pária, peregrino deste mundo E quando muito jovem mergulhado Nas águas desse mar bravo e profundo. Se me encontraste, amor, se te encontrei, Não queiras a razão porque não sei, Se vivo, é porque vives a meu lado. Contigo hei de cruzar a mesma estrada Ao som da melodia inacabada Que gravo em cada verso do meu fado.

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Menino

Andava o pai Armando e a Geninha Aflitos co'a doença do filhinho Que não comia nada, não retinha O alimento... frágil o intestino! O médico lhes disse que não tinha Qualquer saída, fossem co'o menino, Em casa o aconchegassem na caminha Até que se cumprisse o seu destino. O pai Armando, triste, inconformado, Pegou no seu corpinho delicado E o saciou com chá de cavalinha... E eis que o seu menino reagia, Olhava o pai querido e lhe sorria Mostrando quanta vida ainda tinha!

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O Exame

Rapaz traquina, andava na primária Para aprender a ler e a escrever E entre essa matéria vasta, vária, A poesia eu lia com prazer. Chegada a quarta-classe, fui objeto De douta e singular avaliação... Com livros na sacola, eis-me, dileto, A prestar provas, em Famalicão. No decorrer do exame, a professora Lançava uma pergunta cá pra fora: Para que serve a vaca? Para nada? - Dá carne, pele e ossos... e os cornos! - Os cornos? - Sim, as gaitas, os adornos! - Os chifres!!! - Diz com grande gargalhada.

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Momento

Perdido no tempo, Em dado momento, Em dores nascia. Ali na Portela, Na noite singela, Geninha paria. Na porta do lado, Passado um bocado, Rosinha gemia. Na noite perene, Momento solene, Balbina surgia. Perdidos no tempo, Ao frio e ao vento, Novas de alegria! Coisas do destino, Menina e menino, Os dois num sรณ dia.

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Senhor

Junto de Ti encontro gozo e paz, O Teu formoso olhar me segue e guia… Se vou Contigo, a vida se compraz Em gestos de ternura e alegria! Liberta este meu ser com Teu carinho Usando-o para a causa do amor; Impede, ó Deus, que as pedras do caminho Soneguem Teu abraço, meu Senhor! Conquanto o meu viver ande à deriva, Com Teu amor, a minha humilde vida, Tu podes transformar, ó meu Senhor!… Envolto nesse amor, não vou sozinho; Irei com Tua força, o Teu carinho, Ao mundo a proclamar o Teu Amor!

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Um Anjo

Não sei porque razão, mas hoje eu sinto Que um Anjo, atento, vive à minha espera E a sós consigo, no meu labirinto, A vida é uma eterna primavera. No meu caminho encontro sempre esse Anjo Que me protege e segue o meu andar E que prepara sempre um novo arranjo Se vejo o mundo meu desmoronar. E quando me aparece um novo assombro, A sua mão coloca no meu ombro E traz um novo alento a meu viver. E pela vida fora vou sentindo O rasto dos seus passos, perseguindo Em cada instante o meu incerto ser.

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Senhor da Minha Vida

Aquele som estranho, vespertino, Lembrava S. José do Assobio... Eis senão quando, a força do destino Por mim chamou num forte calafrio. Tremendo, no meu carro, destroçado, Lutava contra a morte, intensamente, Sentia um coração inanimado Pulsar no coração de tanta gente. Chamei com insistência Ana Maria Que, algures na Farmácia, não me ouvia... ... E a Deus clamei em oração sentida. Então, ouvi a Sua voz suave Dizer: - Confia em Mim. A morte sabe Que Sou teu Deus, Senhor da tua vida!

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Testamento

No dia em que p'la morte for chamado, Não quero ouvir os sinos a tocar, Não quero ver o ar lacrimejado Nos olhos de quem nunca soube amar. Não quero ver meu corpo engalanado Com flores que perderam seu olor Nem quero ouvir ninguém "cantar-me o fado" Nem fúteis ladainhas ao Senhor... Quando eu morrer, não quero ouvir contar As lendas deste meu peregrinar E coisas que não fiz na minha vida. Respeitem meu silêncio, nada importa! Que seja? Que ao bater à minha porta Alcance, enfim, a paz na despedida!

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Outros Familiares

Bento (tetravô paterno) Se Bento fosse, bento então seria Na sua longa vida de prazer, Mas não foi bento, não, pois deixaria Uma ninhada imensa, sem saber. Casou-se duas vezes pois queria Com sua longa prol se enaltecer; E quantas outras vezes "casaria" Nos milheirais infindos a crescer. Depois, as indulgências. Ao chegar O fim daquela vida "exemplar" E toda a incerteza que ela traz, Pagou setenta missas de antemão Não fosse o vil satã deitar-lhe a mão E não pudesse assim partir em paz!

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Zé Peneda (bisavô paterno)

José foi um pedreiro apaixonado Que a terra do Barroso conhecia E transformava a pedra com mestria Com golpes de magia, em todo o lado. Chamavam-lhe Peneda. O pai amado Nascera no Penedo, em Braga, um dia. Depois, Maria Rosa conhecia E em Fafe foi cantar seu novo fado. A esposa, Joaquina, a companheira, Gerava filhos de qualquer maneira Sem médico ou parteira, envolta em dor. Mas no seu lar humilde, pobrezinho, Juntaram muita paz, muito carinho Na construção de um verdadeiro amor.

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João (avó paterno)

João, não é possível ser-se assim! Viste a menina, linda como era, Quiseste desfrutá-la, entre quimera E um filho vos nasceu, em frenesim! Pobre menina! Emília, linda, linda, Ali ficou sozinha à tua espera. Com teu filho nos braços desespera E parte em seu degredo, longo, ainda! E ali ficaste, envolto em tua dor! Deixaste para trás um grande amor Que em toda a vida foste recordando… Criaste um novo lar, nova família E à tua filha tu chamaste Emília E ao teu filhinho tu chamaste Armando!

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Emília (avó paterna) Andavas, doce Emília, por vielas Bradando em tristes ais de sangue e dor, Teus pés tu arrastavas com langor Exangue, e dormitavas co’as estrelas. Aonde estão as tuas rolas belas E os teus olhinhos cheios de dulçor? E aquelas mãos tão cheias de fulgor Que nem pintor retrata, onde estão elas? Tão jovem quando envolta em ilusão. Um filho te nasceu. E desde então, Sozinha tu ficaste. Estranho amor! Ó triste sina, vida pervertida, Que te roubou da vida a própria vida E fez de ti um trapo sem valor!

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Clotilde (a avó materna)

O teu olhar tão triste, tão cansado, Me fala do sofrer que vive em ti E esse andar já trôpego, pesado, Me diz que teu viver não te sorri. Ai, minha avó, eu sento-me ao teu lado E fico sem saber o que fazer E nem o meu abraço dedicado Te faz sorrir, te dá algum prazer! Saltito, brinco. dizes com carinho: - Ai, quem me dera ter, meu bom netinho, As pernas e a genica que há em ti! O meu corpito, frágil, delicado, Te abraça... e, num silêncio apaixonado, Te diz: - Minha avozinha, estou aqui!

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Artur (o tio-avô paterno)

No teu primeiro andar, cortavas barbas, Cabelos, nem sei quantas coisas mais, Lembrando as coisas boas que guardavas De Zé, da Quina, os teus queridos pais. E todo esse fulgor que armazenavas Para momentos mais especiais, Feliz, nos teus "Robertos" tu deixavas Em festas, romarias e arraiais. Mas a bizarra herança que deixaste – Duas mulheres com quem coabitaste Em simultâneo, as musas do teu fado – Enchia toda a gente de euforia E até que alguém chamasse "bigamia", Co’as duas te deitavas lado a lado.

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Além da nossa prole, ainda havia Uma outra irmã sem ser que, na verdade, A Esperança era nossa tia Que meu pai adotou com tenra idade. Mas não foi nossa tia, tão-somente, Foi meia-irmã, p’ra nós, p’ra toda a gente!

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Esperança (tia paterna) Menina e moça, um dia a nós chegaste Sozinha, sem amor, sem ideal, E foi no nosso lar que desenhaste O quadro duma vida desigual. Vestida de esperança, nos deixaste Quando chegaste um dia à Capital E a tua sina com suor traçaste, Não sei se para bem se para mal. E o sonho lindo que idealizaste Perdeu-se entre agruras que trilhaste No curso dessa história pervertida. Mas esse olhar tão cheio de esperança Que brilha em todos nós, vai ser a herança Que há de acompanhar-nos toda a vida!

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Filipa

F eliz o dia em que o sonho I nverteu teu dia-a-dia, L ogrou num olhar tristonho I nventar paz e harmonia P ara que esse olhar risonho A todos desse alegria!

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Mariana e Luís Torres M enina linda, prendada, A transbordar de alegria, R efulge e na madrugada I mensa paz vos trazia. A vossa estrela dourada N um doce lar restaurava A s ilusões de algum dia!

* L á de terras de Faria U m dia à Povoa arribou; I ludido, nesse dia S ua Filipa encontrou. T razia em seu coração O pulsar intenso, forte, R echeado de paixão R ecobro de amor e sorte. E nesse sétimo céu S ua filhinha nasceu.

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Sidineia (nora da Ema)

S e tu soubesses ler quanto carinho I mplode desse teu imenso olhar, D epressa encontrarias no caminho I magens que te fariam sonhar. N os olhos teus hå fontes de ternura E m direção serena para o mar, I rradiando aromas na frescura A o longo do teu firme caminhar.

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Era uma vez… um autocarro Já lá vão mais de quarenta anos. Ao fim da tarde, quando findava a labuta do dia, saía do Instituto e dirigiame para a paragem do autocarro que me levaria de regresso a casa. Nesse dia ia acompanhado por uma jovem simpática que habitualmente me acompanhava até ao priAmy meiro transbordo. Quando estava prestes a atravessar a estrada e me dirigia para a paragem, vi junto a esta uma menina de longos cabelos loiros que desciam suavemente até à cintura. O sol, se bem que já ténue a essa hora, refletia-se e o seu brilho era um encanto. Aproximei-me, mal conseguindo disfarçar uma certa inquietude nervosa. Os seus olhos estavam ocultos por uns óculos de sol. Mesmo assim, trocámos um olhar furtivo e aparentemente desinteressado. Ao meu lado, a jovem que me acompanhava lançava-me um sorriso maroto: - Vou engatá-la – segredei. - Convencido! – retorquiu.

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O autocarro chegou. Cheio. Entrámos e segurámo-nos como pudemos, em pé. E lá seguimos. A viagem era curta. - Pode dizer-me onde devo sair para apanhar o autocarro para Vila do Conde? – ouvi uma voz melodiosa ao meu lado. - Na próxima paragem – respondeu o cobrador do autocarro. - Eu também vou para lá – disse-lhe – vou no mesmo autocarro. Deixou escapar um subtil sorriso e agradeceu. Quando chegamos, dirigimo-nos para a paragem seguinte. Ali nos esperava uma fila enorme! - Siga-me ou vai ficar em terra – disse com certa frieza e disfarçando um desinteresse total. Na dúvida, com um ar desconfiado e até com certo espanto, seguiu-me. Encostamo-nos à parede, fora da fila de espera, e aguardamos. Passado um tempo infinito… O autocarro chegou, Cheio, como sempre. O embrutecimento que nos trouxe a mecanização do dia-a-dia, habituou-nos a esperar conformados, sentados na nossa poltrona de melancolia. 130


O cobrador abriu a porta traseira, olhou, viu-me e gritou: - Só tenho um lugar para aquele senhor (era eu), marcado na origem. Fiz-lhe um gesto mal disfarçado com a mão direita, dizendo que eram dois. E ele repetiu: - Só tenho lugar para aquele casal. Aguardem pelo próximo autocarro que vem atrás. Parecia adivinhar que nesse dia a gratificação seria a dobrar. A jovem esboçou um sorriso de agradecimento e entrou comigo. Na verdade, havia dois lugares no autocarro: um, ao meio do corredor; outro, no banco grande atrás, a que chamávamos a “cocheira”. O cobrador acomodou a menina na frente e eu fiquei. Para nosso espanto, o seu companheiro de viagem levantou-se e chamou--me: - Posso trocar consigo. Venha para junto da sua namorada. A jovem, corada, fingiu que não ouviu…, mas agradeceu. Depois de uma amena conversa, fiquei a saber que o seu pai tinha sofrido um enfarte do miocárdio e se encontrava internado no hospital central, ao lado do Instituto.

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Duma forma quase maquinal, puxei da cigarreira, abri-a e ofereci-lhe um cigarro. Rejeitou liminarmente e repreendeu: - Então, o senhor trabalha no Instituto de Oncologia e fuma? Agora quem corou fui eu. Fechei a cigarreira e continuamos a nossa amena cavaqueira. O tempo voou. Num ápice, estávamos em Vila do Conde. Embora o meu destino fosse a Póvoa de Varzim, saí em Vila do Conde e acompanhei-a a casa. Aos poucos, estávamos a criar uma certa empatia que parecia agradar aos dois. Deixei-a em casa e lá segui para a Póvoa com a cabeça repleta de sonhos. Passaram-se alguns dias e a cena repetiu-se. Desta vez, aproximei-me e perguntei: - O seu pai, como vai? - Melhor, obrigado - Um destes dias vou lá vê-lo, quando voltar aqui. Os tempos foram-se passando devagar. Quantas peripécias pelo caminho. Um ano depois, namorados declarados – nessa altura, já não trabalhava no Instituto - a Amy aproximou-se e disse: - Precisamos conversar. 132


- Vamos a isso, quando quiseres. E marcamos encontro numa lanchonete na Póvoa, frente ao mar, alguns dias depois. Perto da varanda, explicou: - O meu pai foi mudado para outra localidade, longe daqui. Tinha que te dizer, para que possamos tomar algumas decisões para a nossa vida. - Quais são as hipóteses? - Se acompanhar os meus pais, é longe e dificilmente nos iremos ver. A outra alternativa, é casar. - Casamos – respondi. E embarcamos nessa aventura. Para nosso espanto e espanto de todos, casámos. Desde esse dia, aquela cabeleira loira permaneceu intocável, acompanhando-me em cada passo da minha vida. Obrigado, Amy.

Amy e José, Bodas de Prata

Quarenta e seis anos depois: três filhos lindos; três noras invejáveis; quatro netos carinhosos; duas netas de sonho.

Parafraseando a Condessa de Segur: - …E foram felizes para sempre… 133


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Menina

Franzino olhar, fui encontrá-la um dia Na Circunvalação, ao pé da estrada, E ao ver seus olhos, algo me dizia Que nela encontraria a minha amada. A loira cabeleira que exibia Naquela tarde amena, ensolarada, Ao longo dos seus ombros se estendia Garbosa, pelo fogo refinada. O tempo se passou... E quando a vi De rosas mil vestida, me rendi Ao seu enleio e encanto de mulher! A vida trouxe rosas e espinhos, Mas deu-nos três filhinhos, seis netinhos, Que são toda a razão do nosso ser.

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Ana Sincer

A quela tarde amena em que te vi N a circunvalação e te sorri Ao ver teus olhos lindos a brilhar S ei bem, amor, que foi um alibi I mposto pelo tempo pois senti N os olhos teus estrelas cintilar. C ontigo, de mão dada no caminho, E u sinto quanto amor, quanto carinho R efulge desse teu imenso olhar!

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Ana Maria (Amy)

A luz do meu olhar resplandecia N o brilho desse manto que descia A o longo dos teus ombros, triunfante! M ovidos pelo amor que então nascia A vida nos juntou naquele instante; R enovo de esperança, de alegria, I luminou o nosso dia-a-dia, A gora Ês minha amada, eterna amante.

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Feliz Aniversário

O dia amanheceu silente, calmo; Nos olhos teus, o sonho, a parusia, Um trilho que tu medes palmo a palmo, Atenta ao renascer de cada dia. Um vaso estilhaçado pela vida Que o Deus de Amor recola a cada instante, No colo da quimera adormecida, O abraço do amor, longo, inconstante. Caminho agreste o teu, quanto cadinho Estilhaçando ao longo do caminho O vaso teu, quiçá, o teu calvário. De mãos erguidas, nessa paz perene, Tu tornas cada instante mais solene Junto do Pai. Feliz Aniversário!

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Parabéns

No dia de S. Martinho Viu S. Martinho nascer A doçura e o carinho Deste sonho de mulher. S. Martinho andou fugindo Por essas terras à toa Quando a encontrou dormindo No seu bercinho em Lisboa. Como um pobre peregrino Que na multidão se esconde Escolheu pra seu destino O mar de Vila do Conde. Com meu coração desperto Naquele dia ao sol pôr Encontrei-me ali tão perto Nos braços do meu amor. Com a frescura de um beijo Eu hei de, de modo vário, Expressar-te o meu desejo De Feliz Aniversário

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No Dia dos Namorados

Quando te vi naquele manto de ouro, Absorta em pensamentos, não sabia Que tinha descoberto o meu tesouro E em toda a minha vida o levaria. Apenas um olhar e nesse instante, Naquele filão de ouro descobria A doce companheira, eterna amante, Que todo o meu viver transformaria. A vida foi madrasta? Que mal tem? Ditosa a mãe que tal filhinha tem, Qual símbolo de amor, de integridade. Quão grato estou por meu tesouro, ó Deus, No meu baú, os três filhinhos seus, No peito, um dom do céu, felicidade!

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Muito Obrigado

Esta afeição sentida no teu peito, Quando caí na minha enfermidade Me faz olhar pra ti com mais respeito Na senda deste amor, felicidade... Mesmo prostrado e fraco no meu leito, Sinto um carinho imenso e lealdade Nos gestos teus, fugindo ao preconceito Dos meus momentos de leviandade. Tu és e serás sempre Anjo da Guarda, A luz do meu caminho que não tarda Nas lutas, nas agruras desta vida. Humilde, aqui me tens, muito obrigado, Quero sentir-te assim, sempre ao meu lado, Amando e sendo amada, Amy querida...

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Flor do Mar

Ali, no meu jardim à beira-mar, Cruzando essa cortina de neblina, Eu vejo a linda flor desabrochar Nos teus olhinhos lindos de menina. E eis-nos de mão dada a passear. Banhando os pés na água cristalina, Co'as ondas num suave murmurar, Cantando o imenso amor que nos anima. Vencidos pelo tempo, p'la distância, Parámos e sorvemos a fragrância Do mar, do sol, da brisa, do calor. Depois, voltamos nessa melopeia, Pegada após pegada, pela areia, Vivendo intensamente o nosso amor!

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Chin Chin

Chin chin, amor! As pétalas voaram Cruzando o tempo em forte vendaval... São pétalas de rosa que deixaram As marcas de um silêncio intemporal. E entre a tempestade e a bonança Vaguearam para além do infinito Deixando pelo ar réstias de esp' rança Na ânsia que se ouvia em cada grito... Sessenta e quatro lágrimas de dor Perdidas, derramadas com candor, Unguento de uma alma assaz fendida... Plantada cada rosa, cada espinho Que foi nascendo ao longo do caminho, Deixou profunda marca em tua vida!

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Anita

A quele beijo teu febril e quente, N o carro, escondidinhos, por momentos, Incendiou-me o corpo, intensamente, T razendo para o meu subconsciente A musa sedutora de outros tempos!

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Ana Maria

A quele teu sorriso alegre que me deste N a estrada, no momento mais agreste, A o leres meu olhar, meu pensamento M arcou a nossa vida... e se algum dia A fĂşria desta vida nos trouxer R evolta, por desanimo ou lamento, I ntenta dar a volta ao pensamento A o ver aquela estrada parca e fria

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Quero

Eu quero desventrar os teus desejos E afagar teus seios com carinho, Banhar-te de caricias, de mil beijos, E ouvir-te ao meu ouvido bem baixinho. Olhar com terno olhar teus olhos doces, Beijar teus rubros lábios com paixão, Sentir-te palpitar como se fosses A energia do meu coração. Dança comigo a nossa eterna dança, Num rodopio e cheios de esperança, Alheios a quem passa ao derredor. E, num momento puro de magia, Entrega-te pra mim com alegria E vem viver comigo o nosso amor.

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Feliz Aniversário

O teu olhar cativo de menina Que olha para mim com terno olhar É bússola, é cartilha que me ensina Os trilhos em que devo caminhar. E nesse rio de água cristalina Em que me encontro ainda a navegar, Meus remos são a íris pequenina Que mostra o meu trajeto nesse mar. Envolto num enleio puro e lindo, Perdido neste mar, eu vou seguindo Remando neste meu viver diário. No curso desta vida peregrina, Guiado por teus olhos de menina, Eis-nos aqui. Feliz Aniversário!

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Nuances Outonais

Nuances Outonais, vidas e vidas, Passada já a tua primavera, Retratos e memórias esquecidas, Perdidas entre sonhos e quimera. Ó, quantas cicatrizes e feridas Sentidas, sempre humilde e tão sincera, Vagueando entre chegadas e partidas, Em noites de vigília à minha espera. Ao ver-te debruçada, de joelhos, Co'as lágrimas caindo, olhos vermelhos, De mãos erguidas para os altos céus, Meu coração, contrito, desfalece E busca o teu perdão. E numa prece Eu sinto em teu olhar o amor de Deus!

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Ternura (Dia dos namorados)

Abre o teu peito, amor, quero abraçar-te Com todo o meu carinho e afeição, Quero senti-lo em mim, qual obra de arte Que afago suavemente em minha mão. E num abraço, amor, hei de levar-te O pulsar forte deste coração Que vive apaixonado e que se parte Se às vezes não te entregas com paixão. Ao afagar teus seios de cetim Tu sabes que te sinto presa a mim Em frenesim, e cheio de fulgor! E esse enleio, puro em sentimento, Levar-nos-á momento após momento À descoberta desse imenso amor!

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Quarenta e Quatro Anos

No seio do teu lar, minha rainha Murmura num tom doce e atuante, Ora encarnando a cor de mãe-galinha, Ora vestindo a cor de esposa-amante. Quarenta e quatro joias, profecia Que o bom Jesus um dia nos deixou Para viver em horas de um só dia Um ano longo, imenso, que passou. Quarenta e quatro anos, que ventura Os dias de carinho, de ternura Com mão na mão, contigo lado a lado. Quarenta e quatro anos de afeição Sentida no fragor duma paixão, Cantando os lindos versos deste fado.

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Uma Rosa Para Ti

Trouxe uma rosa, tu bem a mereces P’lo modo como cuidas nosso ninho, Só peço ao nosso Deus em minhas preces Que saiba merecer o teu carinho. Como teus lábios, rubra é sua cor, Tão cheia de volúpia, de paixão, Singela? Sim, mas dada com amor, Colhida no jardim do coração. Nem reparei, não vi se tem espinhos, Vi, sim, o nosso lar, nossos filhinhos, A senda de uma vida, lado a lado, É para ti. Quão grande a gratidão Ao Pai do céu por esta bela união E o dom que é teu de me sentir amado.

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A Minha Família Sangue do meu sangue

Família Reunida junto ao Castelo de Guimarães, em 25 dez 2018. :Atrás: José, Amy, Amélia, Pedro, Eunice, Joana, Miguel, Telma, Manuela, Hugo e Luis; À frente: Marcos, Pedrito, Abigail e Martim

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O Meu Mais Lindo Soneto Catorze são os versos que te escrevo No meu soneto, o fruto duma vida, Catorze versos, versos a quem devo O mundo ao meu redor, Amy querida! São versos dum poema que te levo Em filhos (três), em netos (seis). Talvez, Co'as noras que aqui junto, neste enlevo, Eu conte a minha história: - Era uma vez... ... Um jovem, uma jovem, na voragem Do tempo. No decurso da viagem, Qual árvore, cresceram para o céu. E o meu soneto nasce entre a folhagem: Um Tronco - a sustentar toda a ramagem, Seis netos, filhos, noras, tu e eu!

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As Prendas do Menino

Neste Natal, em plena madrugada, No novo lar feliz que tanto auguro Queremos receber por consoada A luz do Seu olhar tão doce e puro. E juntos, mais felizes e libertos, Na casa de Pedrito, o benjamim, Os nossos corações serão despertos Com banhos de verdura e de alecrim. Durante a noite, quando Ele vier, Nós vamos de o Menino receber O canto, a oração, o Seu ensino. E ao vê-Lo olhar feliz e a sorrir, Iremos, confiantes no porvir, Abrir o coração ao Deus Menino!

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Dia de Natal

É dia de Natal. Os filhos, netos, A casa vão enchendo. Essa alegria Dos filhos abraçar - tempos dilectos, Nos levam a sonhar num outro dia. De longe, lá da Serra da Lousã, Chega o primeiro, a prole em movimento; E de Vizela um outro nos virá Com netos p'ra alegrar este momento. E de Valongo chega outro rebento, Criando em todos nós o sentimento Solene da família reunida. É dia de Natal. Eu sei que um dia Iremos desfrutar desta alegria Nos braços do Menino, toda a vida!

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Eis-me aqui! Aqui Te trago os filhos que me deste Durante a minha peregrinação E gozam junto a Ti da paz celeste Que brota desse imenso coração. São tantos os milagres que fizeste No curso deste tempo em convulsão! Contrito, Te chamei e Tu me deste A cada instante alívio e proteção. Ei-los aqui, Senhor, são Teus de novo Para fazerem parte desse povo Que vai subir contigo ao Lar de Amor! E ao mundo irei gritar: - Hoje escolhei A quem seguir, mas eu e a minha grei Havemos de servir ao meu Senhor!

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Doze badaladas

Oiço tocar as doze badaladas No aconchego simples do meu lar. São badaladas lindas, afinadas, Que pelo dia fora vão soar. Luís, Miguel e Pedro, as três primeiras, Se ouviram no fulgor da nossa vida, A Telma, a Nela, a Nice - as companheiras Vieram completar horas perdidas. O Hugo e a Joana, dlim dlão dlim… E logo as badaladas de Martim E Marcos, entre sons e harmonia. E com Abigail e o Pedrito, As doze badaladas são um grito Que enchem nossa casa de alegria.

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Aventura Pela Serra Amarela andei um dia Naquela doida peregrinação, Não era aquele o sonho que eu teria Mas quis aproveitar a ocasião. Comi sopa de pedra, pois sabia A volta a dar naquela situação, Porque p'rá sopa nada mais teria Que urtigas e uns piquitos pela mão. O Zé Duarte andava à nossa frente Seguido por aquele mar de gente Que quis participar nessa Aventura. E vi cavalos, cabras, bois selvagens, E os trastes que levava por bagagens Não eram mais que rasgos de loucura!

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Amie Dine Sincer

A o longo dum percurso inacabado, M ontado em meu Cavalo de Madeira I lusões mil vivi por todo o lado E m minha vida louca e traiçoeira. D e todas as sementes que semeei I maginei colher o melhor fruto; N o fim da minha vida despertei E eis-me agora triste, dissoluto. S egui o meu caminho. E ao caminhar, I ngratidão imensa fui achar, N egligenciei a vida. O que me resta? C orri por toda a parte e o que encontrei E m nada se resume. Só deixei R esquícios de algo estranho que não presta!

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Luís Vi-te a correr por vilas e cidades, Guitarra aos ombros, cheio de fulgor, Cantando e anunciando as mil verdades, Que levam a Jesus, o Salvador. Depois, por entre as tuas amizades, Vi-te a lutar, a mitigar a dor Àqueles a quem vis enfermidades Da vida lhes roubavam seu sabor. E agora, filho, vais alegremente, Cuidando e preservando o corpo, a mente, De tanta gente, em teu labor diário. E segues teu caminho, prazenteiro, Qual barro, que das mãos do grande Oleiro Nasceu para Enfermeiro Missionário!

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Miguel Naquele vinte e oito de dezembro De mil nov'centos e setenta e cinco, Ali, no hospital – oh, se me lembro! Um novo ser nasceu com tal afinco. Euclides, o negão, na bicicleta, Andou a pedalar na noite fria E em sua diligência tão discreta, Notícias lá da Póvoa nos trazia. E logo fui dali em frenesim P'ró hospital da Póvoa de Varzim Naquela noite longa, feita breu. E lá, no corredor, ansioso, aflito, No meu silêncio atroz, ouvi um grito E Amy se acalmou... Miguel nasceu!

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Miguel

E o ledo se fez triste... A confusão Gerada à nossa volta nesse dia, Trazia-nos imensa apreensão Por algo que ao redor acontecia... Ali, silente e envolto em comoção, Ele chorava a dor que então sentia... Mulher e filho e um terno coração Pleno de amor que, lento, se esvaía… E foi então que a voz do seu Senhor Se ouviu bem forte e todo o mal, a dor, Num ápice partiu, se dissipou... Rejubilai, irmãos, haja alegria Que o corpo do meu filho nesse dia P'la graça do meu Deus ressuscitou!

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Hugo

Ei-lo de alforge aos ombros pela rua A carregar o vasto equipamento Para colher a imagem nua e crua Que surja em plena rua em movimento. Atento ao que se passa em cada instante, Dispara em quase toda a direção; E eis que surge a imagem. Triunfante, Toca, retoca, com dedicação. E quando chega a casa, com carinho Coloca o seu trabalho no cantinho Que quis criar nas Redes Sociais. E o "Mundo Fotográfico" há de ser Um baluarte e onde ele estiver Sentir-se-á no Lar dos Imortais.

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Abigail

A Estrela Abigail foi laureada Nos "Óscares" da distinta "Academia" De "Lousã'lywood", após a longa estrada De filmes que na "Serra" produzia. É vê-la em "Pastorinha", em "Enfermeira", "Atriz", "Pintora" tantos filmes mais Que o Hugo, o "Produtor", com tal canseira Rodou no "Estúdio" lá dos "Codessais". E o "Globo d'Ouro" de melhor Atriz Tornou essa menina mais feliz Ao ver-se no YouTube como Estrela. Quem sabe, se ela assim permanecer, A vemos lá no céu resplandecer, Qual Cassiopeia, jovem, fresca e bela!

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Sobe Essa Escada

Sobe essa escada, filho, gradualmente, Em direção ao céu e tu vais ver Que Cristo vai estar ali presente, Feliz, contente, p'ra te receber. Se tropeçares, não, não faças isto, Não fiques para trás, volta a tentar; E vais sentir as duas mãos Cristo Lançadas sobre ti, p'ra te amparar. Degrau após degrau tu vais subir E quando já no céu, usufruir Da doce companhia de Jesus Que um dia veio lá dos altos céus A fim de resgatar os filhos Seus E pagou teu preço numa cruz!

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Pedro Quando te sinto ali, na tua Igreja, Levando o teu Rebanho ao teu Pastor, Eu abro o meu olhar para que veja As bênçãos desse Seu imenso amor! Tu sabes que no fim o que sobeja De tudo o que encontramos ao redor É essa fé tão firme que entreveja Que os filhos são herança do Senhor. A devoção sentida no teu peito Conduz teus passos no caminho estreito, Qual porta que te leva para os céus. Então, sob o poder da oração Almejas encontrar a perfeição Em comunhão estreita com teu Deus!

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Joana

O teu olhar sereno que persegue Os olhos meus e alegra o meu sorrir É quase um elixir suave e leve Que traz encanto e paz ao meu porvir. O teu corpinho frágil de menina Esconde a senhorinha que há em ti E quem teus olhos vê, não imagina A força desse olhar que nos sorri. Menina delicada, inteligente, Aluna de excelência cuja mente Retêm o que transmite o professor, Tu és coluna forte no teu lar, Coluna que tu hás de alicerçar Na Rocha que é Jesus, o teu Senhor!

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Martim

No teu olhar, a imagem do poeta Que guarda para si segredos seus E logo, duma forma tão discreta, Se oculta no casulo dos seus eus. No teu agir, sereno, introvertido, A força de um poema em gestação Que explode e tantas vezes, sem sentido, Se expele como a lava dum vulcão. Sensível ao sentido de um só gesto, Te prostras, contraído, mas bem lesto O teu furor se faz serenidade. E sais em busca do teu eu aflito, Metamorfoseado quase em mito, A suspirar, qual grito à liberdade!

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Marcos

Ai, como é bom o teu olhar matreiro Que espreita quando chegam os avós, Aquele abraço longo e prazenteiro Que trazes quando corres para nós. O teu agir ingénuo de traquina Espelha tanta paz, tanta alegria, Que quando o sinto, quase que me inclina A transformar a vida em poesia. Ai, esse olhar, furtivo e agitado, Que é quase um desafio apaixonado A penetrar num mundo que é só teu. A vida que em ti mesmo se renova Em cada novo instante, é uma prova Que mesmo aqui na terra existe o céu!

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Pedrinho Quando me envolves no teu longo abraço E encostas o teu rosto no meu peito, Eu perco-me no tempo e no espaço E, envolto em teu abraço, me deleito. Sentado no sofá, junto à lareira, Procuro ver aldeias ao redor, Esqueço toda a dor, toda a canseira, E és tu a minha fonte de calor. Ao ver teus olhos puros de criança, Tão cheios de ternura, de esperança, A olhar com tal carinho o meu olhar, Mergulho em teu sorriso de menino E sinto ser na vida um peregrino Que um dia quis nascer para te amar.

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É Teu, Senhor!...

Aqui te trago, ó Deus, este menino, Gerado com ternura, com amor, Para que sejas leme em seu destino E possas cuidar dele, por favor! Que possas ser a luz do seu caminho Durante a sua peregrinação E possa ver assim o meu filhinho Abrindo para ti seu coração Se acaso tropeçar, sejas o braço Que o ajude a levantar-se e num abraço O faças ao teu lado caminhar. E um dia lá no lar celestial Possamos todos juntos, afinal, Gozar o que tu tens para nos dar

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FamĂ­lia da Amy

Casamento dos pais da Amy

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História da Amy (Contada na primeira pessoa)

Nasci em Lisboa a onze de novembro de mil novecentos e cinquenta e um.

O Cestinho Um dia, essa fogueira de ternura Que ardia fortemente no seu peito, Se consumou e então sua alma pura Surgiu entre a brancura do seu leito. E enquanto nesse ventre se formava O seu corpinho lindo em gestação A sua mãe querida preparava O vime para aquela ocasião. Naquele dia onze de novembro O nobre S. Martinho fê-la membro Do velho sonho cheio de quimera. E quando abriu seus olhos para a vida, O seu paizinho e sua mãe querida Já tinham um cestinho a sua espera! (José Sepúlveda)

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Fui a alegria de meus pais e avós! Minha avó paterna ficou encantada por eu ser menina, pois na família dela predominavam mais os rapazes. Minha avó materna teria preferido um rapaz para, de certo modo, ser compensada da perda do seu amado filho, o Jorginho, mas, eu e ela tivemos sempre uma grande cumplicidade. Até aos três anos, vivemos em casa de meus avós maternos (Carlos Cipriano e Berta Alice). Porém, passava grande parte do dia em casa de minha avó paterna (Maria José). O marido, meu avô José Pedro, havia morrido tinha eu cerca de três meses. 206

Casa dos avós, em Lisboa


Partilhas feitas após a sua morte, meu pai recebeu a sua parte e resolveu comprar no Algueirão uma pequena moradia geminada, na qual, com orgulho, colocou na empena lateral direita, junto à porta de entrada, um coração com Amy e pais no Algueirão os dizeres: Vivenda Anitita. E para lá nos mudamos ... Recordo ainda esse primeiro Natal: A sala enfeitada com trenas coloridas e brilhantes, bolas de vidro coloridas que pendiam dos candeeiros de ferro forjado, candeeiros esses que, Casa do Algueirão vencendo o 207


espaço e o tempo, conheceram várias casas, várias terras, até que minha mãe veio viver connosco, em 2017. Para comemorar connosco esse Natal, vieram os meus avós maternos e minha avó paterna, com meu Presépio feito pelo pai da Amy tio João Carlos. Lembro-me de nessa noite o meu pai ter desembainhado com orgulho a espada de seu tio Almirante, a qual refulgiu à luz dos candeeiros (que terá sido feito dela? Por onde andará?). Não mais a voltei a ver... Um ou dois anos depois, meu pai que já havia ganho alguns prémios com a execução de alguns presépios, que montava lá no Instituto Nacional de Estatística, resolveu, então, presentear-me com a construção dum presépio no meu próprio quarto.

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Para isso, colocou lá uma mesinha e em cima uma linda árvore natural, sim, nessa altura as árvores eram todas naturais! Ao reOutro presépio dor, com papéis de embrulho pintados e areia colada, serrim, etc., construiu uma gruta que eletrificou e lá colocou Maria, José, o Menino Jesus, a vaquinha e o burrinho, alguns pastores e aldeões que pretensamente vieram prestar homenagem ao recém-nascido. Depois, ao redor, havia toda uma série de casinhas e castelos (tudo manufaturado por ele) e ainda soldados, uma banda de música, etc. Ah! Os bonequinhos de barro eram já muito antigos e já tinham feito parte de seus presépios de infância. E a estrela que brilhava agora lá no alto tinha sido ele que a recortara em cartão e depois prateara com purpurinas. Estava um encanto e ainda hoje o consigo recordar!...

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Nunca mais ele voltou a fazer outro assim. Essas imagens vieram a integrar todos os outros presépios feitos por mim ao longo dos anos de casada. Nesse tempo, sentia a solidão de ser filha única, embora brincasse com uma ou outra pequena da vizinhança. Como desejava ter um irmão ou irmã! Meus pais, porém, não se entusiasmavam muito com a ideia, pois as condições económicas não eram famosas. O meu pai, todas as manhãs, pegava sua marmita e bem cedo tomava o comboio, ainda a carvão, a caminho de Lisboa para trabalhar no Instituto Nacional de Estatística. Um dia, ao regressar à noite, trouxe-me uma surpresa, uma caixa de cartão com uns furos! Pousou-a no chão. Ajudei-o a abri-la e qual não foi meu espanto e alegria quando de lá sai um belíssimo cachorrinho serra da estrela, raça pura, filho de pais

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com coleiras de picos metálicos e guardadores de gado na serra. Era lindo! Seu pelo enorme e acastanhado contrastava com um focinho negro e olhar dócil. É claro que foi amor à primeira vista. No meu entusiasmo tentei pegar-lhe e... Está bom de ver, ambos fomos parar ao chão. Deram-lhe o nome de Fiel e na realidade sempre se mostrou um amigo leal e incondicional. Comecei a estudar piano, a frequentar aulas de ginástica. Fiz, entretanto, minha primeira e segunda classe e

Primeira audição de piano a quatro mãos, Amy e professora.

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estive mesmo a ponto de fazer o exame do primeiro ano do Conservatório de Música. Algum tempo depois, minha mãe e eu íamos para a estação para irmos a Lisboa visitar os meus avós. Um pouco depois de sairmos de casa, minha mãe tropeçou, escorregou e caiu. Com esforço, levantou-se. Tinha um joelho esfolado, nada mais. E lá seguimos. Já em Lisboa, não se sentiu muito bem. Depois de tomadas as providências necessárias, tudo acabou bem. Passados um bom par de anos, vim a saber que naquele dia eu perdera o tal irmãozinho ou irmãzinha que tanto desejara. Minha mãe, tinha abortado. Entretanto, meu pai tinha começado a estudar a Bíblia e a frequentar a Igreja Adventista, criando-se nele o desejo de construir uma pequena salinha lá no quintal, aonde pudesse reunir vizinhos para com eles estudar a Palavra de Deus. Começou então a trabalhar numa atividade pós-laboral, como propagandista médico, a fim de ir juntando dinheiro que lhe permitisse 212


ir avançando com as obras. E, com esforço, conseguiu atingir os seus objetivos! Ali, no fundo do quintal, uma salinha simples mas sóbria foi dedicada para dar louvor a Deus. Quando eu tinha oito anos, meus pais batizaram-se na Igreja Adventista Central, na Rua Joaquim Bonifácio, em Lisboa. Foi ali que, num sábado, ao assistir a outra sessão batismal, na hora em que o Pastor apresentava o Sermão, eu senti o chamado de Deus, as palavras quem crer e for batizado será salvo estavam a tocar-me bem fundo no coração. Foi então que respondi ao apelo para ser batizada nos próximos batismos. Porém, essa pretensão, em virtude da minha tenra idade, não me foi concedida. Outros batismos se seguiram, depois, outros e, em cada nova sessão, eu insistia em ser batizada. Quando atingi os nove anos, um dia soube que iria haver de novo batismos. Uma vez mais insisti, quase implorando para que não me negassem essa oportunidade. Reuniram o Conselho da Associação Portuguesa dos A.S.D. e decidiram que, antecipadamente, os dirigentes 213


teriam comigo uma conversa séria para saber quais as minhas reais motivações, para aquilatar dos meus conhecimentos da Doutrina e perceberem se eu estava consciente do passo que queria dar, ao assumir esse compromisso com Deus. Assim, quase nas vésperas dos batismos, sozinha, enfrentei todas as questões que me foram colocadas pelo Presidente da União, o Secretário e o Tesoureiro. Depois do longo interrogatório, tive a imensa alegria de me permitirem dar esse passo, tão importante para mim! A vinte e cinco de março de 1961, na linda Igreja Central de Lisboa, desci às águas batismais, sendo à data a mais nova em Portugal a fazê-lo. Na nossa casa vivemos apenas cinco ou seis anos. Quando eu tinha nove anos, fomos para Lisboa pois meu avô, que era médico, estava bastante doente. Veio a falecer pouco depois. Para acompanharmos um pouco mais minha avó por lá ficamos algum tempo. O meu Fiel teve de ir morar com uma família amiga que tinha uma quinta e nunca mais o voltei a ver. Soube 214


depois que morreu com onze anos, pouco antes de regressarmos de férias, vindos de Angola, ao fim dos primeiros cinco anos que lá estivemos. Em mim surgia então o desejo de um dia vir a ser enfermeira. Já em Lisboa, completei a terceira classe na nossa Escola de Igreja, já a quarta classe, tive de a fazer em casa, com uma professora, colega de minha mãe, pois adoeci com hepatite A e grande parte do tempo passava-o deitada. Foi um ano complicado. Quando ainda com dez anos entrei para o primeiro ano do liceu, soube que na escola aonde ia estudar, os colegas de anos mais avançados iriam ter aulas de enfermagem e não descansei enquanto não convenci o diretor a deixar-me assistir às mesmas. E assim fiz, mas não por muito tempo. Meu pai era muito ativo na Igreja, e acabou por receber um convite para ir tomar conta das Igrejas de Caldas da Rainha, Cadaval, Peniche e Rio Maior. E uma vez mais mudamos, desta feita para a cidade de Caldas da Rainha. Ali permanecemos por cerca de um 215


ano, aonde completei o primeiro ano do liceu. De novo somos chamados para Lisboa e logo depois fazem a meu pai o convite para ir como Missionário para África, Moçambique ou Angola. Só quase no dia de embarque saberíamos o destino certo. Fiquei feliz! Aqui nada me prendia. Afinal, a minha vida era passada apenas com familiares em terceiro grau, da idade de meus pais, e com os primos da minha idade, quase todos em quarto grau, com os quais já há alguns anos não tinha qualquer contacto. Assim, partimos para Angola em julho de 1963. Uma vida nova, uma terra diferente, cheia de magia, de encanto! Novos horizontes. Começo a fazer novas amizades. Estivemos um ano em Nova Lisboa, aonde o meu pai lecionava 216


matemática, desenho e ciências naturais, no colégio da União Angolana dos Adventistas. Aí, fui sua aluna e fiz o segundo ano do liceu. Deu-se então nova mudança. Desta vez, para Benguela, aonde permanecemos dois anos. Aí, completei o terceiro e quarto ano. O quinto ano, porém já o iria terminar na cidade de Lobito, aonde permanecemos por mais dois anos. Haviam passado cinco anos, desde que deixáramos Portugal. Aproximava-se a data das nossas férias e fizemos planos para passar parte delas junto ao Seminário Adventista de CollongesSous-Saléve, em França. E aí permanecemos de setembro de 1967 até março de 1968.

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Meu pai, estudando Teologia e eu aperfeiçoando um pouco mais o Inglês e tirando o curso da Alliance Française, quinto ano. Um novo país, novas vivências, novas mentalidades, outro clima, uma experiência diferente e interessante. Crescia em mim cada vez mais a vontade de regressar a Angola, agora, a minha terra amada. Chega, enfim, esse almejado dia. Desta feita, o destino seria a cidade de Luanda. Um encanto de cidade, uma Igreja enorme e cheia de juventude. Aí completei os meus 18 anos. Como prenda, meu pai dá-me a maior idade e paga-me a carta de condução. Um contratempo, porém, viria ensom218


brar esse meu céu de anil. Quando começava a sonhar com a possibilidade de me inscrever na Escola de Enfermagem, o meu pai é transferido para outra localidade. Tivemos apenas vinte e quatro horas para nos prepararmos, enveredarmos num trajeto de setecentos quilómetros de distância e nos dirigirmos à Missão Adventista do Bongo. Que balde de água fria eu levei! E lá fomos, uma vez mais, de tralhas ás costas. Que aventura! Momentos bons, outros não tanto, um adiar do sonho antigo, sempre latente, cuja realização tardava, mas sempre pronta a colaborar com o meu pai na sua missão de evangelizar. Acabei por me tornar também professora na Missão do Bongo, cargo que aí exerci durante ano e meio, e uma vez mais fomos transferidos para Nova Lisboa, aonde voltei a ser professora durante mais um ano. Mas o sonho de me tornar um dia enfermeira, não me abandonava. Como gostaria de um dia exercer essa nobre profissão numa das Lanchas Adventistas Luzeiro, que ontem como hoje percorrem o 219


rio Amazonas, levando aos índios que por lá vivem um lenitivo de paz, de amor e de esperança.

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Ana Sincer

Quando desceste às águas batismais Com tuas vestes brancas de menina, Surpreendeste todos os mortais Ao dominares Sua sã Doutrina. Depois, no Bongo, foste por lá fora A todos proclamando essa Verdade; Tu eras a Menina-professora, Tão bela, no ensino e na amizade. A tua crença pura, o teu viver, Não deixa nunca de surpreender Por ser real, sincero, tão constante! Menina e moça, esposa, mãe, avó, Na mão de Deus um dia irás tão-só Subir aos céus com Cristo, triunfante! (José Sepúlveda)

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Minha avó havia regressado a Lisboa e meu pai não estava muito bem de saúde e foi por amor a eles que aconselhei meu pai a pedir transferência para Portugal. E ele assim o fez. E em junho de 1972 regressamos. Deixei para trás muitas amizades e uma terra que aprendi a amar e me ajudou a crescer. Em boa hora regressámos. Já colocado em Vila do Conde, meu pai viria a sofrer em sete de setembro, um enfarte do miocárdio quase fulminante, que o colocou entre a vida e a morte. Nessa noite, após eu e minha mãe termos regressado do hospital, percorri toda a casa aonde iríamos viver, olhei as malas de viagem, muitas delas ainda fechadas, e pensei: - Se meu pai vier a falecer, enfio tudo outra vez nas malas e parto com minha mãe – e, quem sabe, a minha Avó – de novo para África. Lá, terei hipóteses de fazer face à vida. Hospitalizado no S. João, o médico achou por bem colocá-lo num quarto particular, aonde poderia ser melhor acompanhado 222


em permanência pela minha mãe. No dia seguinte, após a visita ao hospital, tive de regressar sozinha à casa, aonde me esperava o meu amado cãozinho, o Boneco. Ali me deparei com as malas meio desfeitas, a solidão e um mundo de incertezas. Foi então que, numa paragem de autocarro, conheci aquele que viria a ser meu marido.

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Primeiro encontro

Estava na paragem do autocarro Sozinha, a cogitar com seus botões, Vivendo esse momento tão bizarro Na mente que se trava de razões. Eu saio do Instituto e logo esbarro Com seus cabelos longos e brilhantes. E atravesso a rua, carro a carro, Perdido em meus silêncios, por instantes. E eis-me frente a si, enfeitiçado, A olhar o seu sorriso disfarçado, Perdido no meu antro de paixão. E quando, enfim, desperto do meu sonho, O seu olhar sereno e tão risonho Passeia em meu Palácio de Ilusão! (José Sepúlveda)

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Depois duma pequena troca de conversa, ele mostrou algum interesse em vir a aprofundar a religião adventista. Acabaria por se batizar ao fim de alguns meses no Acampamento Adventista da Costa de Lavos, na Figueira da Foz. Como seria de esperar, os tempos a seguir não se mostraram nada fáceis para ele, nem no seio familiar, nem a nível de trabalho. Acabou por se despedir do emprego e, na mesma semana após essa decisão, com a ajuda de Deus, recebeu um chamado para trabalhar no então Banco Português do Atlântico (mais tarde, Millennium/ BCP). É então que, uma vez mais, o meu pai recebe ordem para ir pastorear a Igreja Adventista de Santarém. Minha vida tinha sido desde muito pequena um amontoado de chegadas e partidas, encontros e desencontros, despedidas e sonhos por concretizar. Eu e meu marido namorávamos então há cerca de um ano. Confrontados com o espetro duma separação precoce, decidimos casar. O seu 226


pai, ao saber da decisão, em vez de vir a minha casa falar com meus pais e pedir minha mão em casamento, veio ter com eles a pedir-lhes para que me dissuadissem a não casar com ele. Não era esse o nosso propósito. E acabamos por casar, contra tudo e contra todos, a vinte e um de outubro de 1973, na Igreja Adventista de Vila do Conde. Ficámos a viver na casa aonde vivera com meus pais. E eles partiram para Santarém um dia depois do meu casamento.

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Os familiares de meu marido viam com algum preconceito a minha entrada na família, por causa da religião, mas com o passar do tempo, tudo se harmonizou e sempre tivemos uma relação familiar muito boa. Depois, um após outro, vieram os meus adorados filhos: Luís, Miguel e Pedro.

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Os anos foram passando ligeiros. E, depois de dez anos de afastamento das atividades de jovens, chegou o momento de me reintegrar, desta feita como dirigente, acompanhando os meus filhos e os imensos jovens, muitos ainda muito novos, Ă frente do Clube de Desbravadores.

Foram mais de dez anos de atividades muito gratificantes e de convĂ­vio mara229


vilhoso, mas tambĂŠm de sacrifĂ­cios e renĂşncias, mas valeu a pena!

Entretanto, perdi o meu pai. O tempo foi passando e eis que chegaram as nossas Bodas de Prata.

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Um a um, os meus filhos foram seguindo seus caminhos, as suas vidas. Mais tarde, a seu tempo, chegaram minhas noras. Esposas dedicadas, educadas segundo padrĂľes cristĂŁos, tornaram-se as filhas que um dia almejaria ter.

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Manuela

Telma

Eunice

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Princesas Minhas

Se alguma coisa louvo ao Pai do céu E nunca vou deixar de agradecer, São três princesas, noras, que me deu E alegram dia-a-dia o meu viver. A Telma, mulher forte, persistente, Que cuida do seu lar como ninguém E tem no seu viver sempre presente Os filhos, seu marido, o irmão, a mãe. A Nela, de olhar vivo e penetrante, Tem no seu peito a força de um gigante Oculta num olhar quase inocente. Depois, a Nice, encanto de mulher! Com ela, no lugar onde estiver, A força do amor esta presente! (José Sepúlveda)

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Alguns anos se passaram e eu aguardava o dia em que poderia de novo segurar um bebezinho em meus braços. Finalmente esse dia tão ansiado chegou! A Prenda dos meus 53 anos chegou 12 horas antes. Meu primeiro neto! Que emoção... Onze meses depois surge uma princesinha doce! A minha primeira netinha. Finalmente uma menina na família. E a seguir, mais dois queridos netinhos. Surge então, por um milagre de Deus mais uma amorosa princesinha e quando menos se esperava eis que recebemos o sexto netinho. E quanto ao meu sonho? Não passou disso mesmo. O tempo tudo levou... Ainda tentei, com os filhos já grandes entrar para o Lar da Santa Casa da Misericórdia e até consegui ir fazer o curso de ajudante de Lar. Gostei bastante e cheguei a ser colocada nos acamados aonde minha função finalmente era muito semelhante à de uma enfermeira, porém uma vez mais na curva do caminho me seria retirada essa chance. 234


Meu marido que tinha livres os fins de semana e feriados não via com bons olhos eu ter de estar ocupada num ou outro e decidi deixar aquilo de que tanto gostava e pelo qual tanto lutei... Mas a vida continua e no dia em que meu filho Luís fez seu juramento como enfermeiro um pouco de mim percorreu a nave daquela Sé em Viseu! O tempo voa e hoje uma a uma as recordações e a saudade vieram lembrar-me os tempos idos e fazer-me refletir que apesar de tudo a vida valeu a pena ter sido como foi. Tenho uma família maravilhosa, que é a minha " coroa de glória "a qual tento preservar unida, com a força e ajuda vindas de Deus.

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Minha Família

Berta Alice e Carlos (avós maternos), Maria José (avó paterna) e Amy

Jorge (tio materno)

Maria José, José Pedro (avós paternos), João Carlos (tio) e José Pedro (pai)..

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João (tio paterno)


Berta, Amélia e Amy (três gerações)

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Três mães

Não fora Berta Alice nesse tempo Gerar Amelia e hoje não teria Anita, aquela mãe que num momento Luís, Miguel e Pedro geraria. O tempo lentamente foi gerindo O espaço duma vida em movimento E pela vida fora se esvaindo Até chegar por fim o nosso tempo. Miguel e Telma dois filhinhos tem O Hugo e Abigail a cuja mãe Dedicam seu amor sua alegria. O Pedro e a Nice têm maior prole Joana e o Martim e o Marcos rol Que com Pedrito a conta fecharia.

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Amélia Sincer (mãe da Amy)

Mergulho no teu peito em liberdade, Olho p'ra ti como se mal te visse E caio em mim e vejo com saudade No teu olhar o olhar de Berta Alice. E quando ali na sala a meditar, Eu olho o teu olhar que tanto brilha, E sinto nesse longo e terno olhar O olhar da minha Anita, a tua filha! Noventa e quatro anos, tanto tempo! Que a luz do teu fecundo pensamento Possa brilhar ainda muito mais. E um dia, quando Cristo a ti chegar, Tu vás filhos e netos encontrar Guiados pela Fé dos nossos Pais!

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José Sincer (pai da Amy)

Ao gatinhar na Fé, no Algueirão, Vivendo ainda o teu primeiro Amor, Edificaste em tua habitação O Anexo, uma Igreja ao teu Senhor. Vila do Conde, terra de cultura. Na Rua do Pinhal germinou Deus Semente de Delães, que já madura, Se transformou depois em São Mateus. Depois, em Figueiró, no Cerro, ainda A efémera Igrejinha pura e linda Que lá deixaste numa paz celeste. Mas dessas Igrejinhas que formaste, De todas, a melhor que nos deixaste Foi outra Igreja, a filha que me deste.

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Carlos Cipriano (avô materno de Amy)

Naquele tempo, andavas nas trincheiras A defender a Pátria e teus amigos E a dar o corpo a balas traiçoeiras Para assistir no Campo mais feridos. Tão cheio de fadigas e canseiras, A ti viste chegar os inimigos Com armas e granadas traiçoeiras E a gasear em todos os sentidos. Inconformado, triste e impotente, Te viste gaseado nessa Frente E a ver chegar p'ra ti o fim da guerra. O Armistício veio. Por Louvor, A Grei te nomeou Comendador Da Liberdade, Herói da nossa Terra!

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Berta Alice (avó materna de Amy)

B em diz o povo: Só com atitude E m força a mó se move no moinho; R elembro o teu olhar, tua virtude, T eu peito feito amor que em plenitude A todos estendeste em teu caminho. A quela touca branca e os olhos teus L evitam como pombas nos beirais I rradiando a luz que vem de Deus C om júbilo e que vinda lá dos céus E u sei que não irei perder jamais.

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Berta Alice II

B om que era ter em ti uma avozinha E assim poder sentir o teu candor! R ecordo o zelo duma avô-galinha T entando proteger sua netinha, A dar-lhe o seu carinho, o seu amor! A asa tão macia e delicada L ançada no teu voo até ao céu, I maginava ver tão forte alada! C ontigo e ela juntos, de mão dada, E u quase me sentia um neto teu.

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Mariana Dine (tetravó materna de Amy)

Se a força da razão que nos redime Ao longo dum caminho curto, incerto, Quem sabe se é lição que nos ensine No nosso caminhar de ti tão perto. Menina e moça, pelo amor a Dine, Deixaste o lar com coração liberto E foste à aventura. A paz sublime Sentiste nesse fosso entreaberto. Foi vasta a odisseia que viveste, O teu trajeto longo, farto, agreste, Te deu razões aos molhos p' ra sofrer. Só quando a vida a rodos se insinua É que a razão da vida - a minha, a tua Nos vem mostrar razões para viver!

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Outros Familiares da Amy

Anta e os primos. Amy, atrรกs da prima que tem a boneca nos braรงos.

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JoĂŁo Varela Gomes

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João Varela Gomes

Vi-te lutar além, no Ultramar, Em Beja, nas pegadas de Delgado, Ao lado dessa força popular Que a Gena te entregara por legado. E noutra frente, um primo teu, Fernando (O Xavier de Brito) com furor, Com outros ideais, andou lutando, Tentando derrubar o ditador. Em luta desigual e a sofrer Detida na prisão, tua mulher Com rasgo, defendia essa verdade. Mas num abril, Caxias, Tarrafal E todas as prisões de Portugal Se abriam. E surgiu a liberdade!

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Gena Varela Gomes

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Gena Varela Gomes

Naquele tempo, andavas na cidade Revolta e a gritar de punho em riste Contra o fascismo e toda essa maldade Hedionda que te punha amarga e triste. E na prisão, num grito à liberdade, Tu foste essa mulher que não desiste; Qual trapo de polé, pela verdade Lutaste com coragem… resististe! Nas brumas da memória tu rasgaste O teu caminho e o bem por que lutaste Brilhou no decorrer da tua vida. Vitória após vitória nos mostraste Como é cruel a vida. Que contraste Com teu sereno olhar na despedida!

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Fernando Xavier de Brito

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Fernando Xavier de Brito

Foi no alvor daquela primavera, Em terras da Rainha Leonor, Que andaste a alimentar essa quimera De pôr um fim à guerra e ao ditador. Com forca, com coragem e ousadia, Saíram do Quartel e num instante A delação chegava e vos fazia Prisioneiros na aventura errante. Mas numa longa noite desse abril, Um Movimento com soldados mil A arma em rubro cravo transformou. E as portas do Aljube e de Caxias Se abriram. E no curso desses dias Das garras do Poder nos libertou!

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Gabriela Brito

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Gabriela Brito (prima de Amy)

G osto de ver-te no fulgor da vida A arquitetar o mundo com rigor, B rincando com a arte desmedida, R einventada em horas de labor. I n versus - aonde o verbo vai sozinho E o gesto se transforma em alegria L avrando em cada traço, em seu caminho, A imagem que dá cor à poesia! B rilham teus olhos frente à luz e à cor, R eavivando o brilho que há em ti, I lusões mil te cercam e ao redor, T entando interpretar tão grande amor, O teu olhar, alegre, nos sorri.

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Paula Dine Gallo

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Paula Gallo (prima de Amy)

P erdida numa vida de contraste A o longo dessa peregrinação, U m passo e outro passo ali deixaste, L aivado nessa estrada onde gravaste A dor que te feria o coração. G orado foi o tempo. Até que um dia, A o veres um jardim de tanta cor L ouvado seja Deus! - quanta alegria L ograste descobrir... E em ti nascia O elixir da vida, um grande amor!

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Amy ร lbum Fotogrรกfico

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Índice José Sepúlveda ..................................................................7 Amy Dine .............................................................................9 Memórias ......................................................................... 11 Delães, História .............................................................. 13 «Dicionário Geográfico do Reino de Portugal» . 16 Minho Pitoresco, de José Augusto Vieira ............. 18 Era uma vez…, no hospital ......................................... 19 Armando........................................................................... 25 A Minha Aldeia ............................................................... 27 A Portela ........................................................................... 29 O Bairro do Sampaio.................................................... 33 O Amolador ..................................................................... 35 O Catitinha ....................................................................... 37 A Nossa Casa .................................................................. 41 O Som da Noite ............................................................. 47 O Natal da Minha Infância ......................................... 53 Fernando .......................................................................... 59 À Procura de um Poeta ............................................... 64 A Biblioteca...................................................................... 65 Armando........................................................................... 72 Pai ....................................................................................... 74 Saudades .......................................................................... 75 O Teu Chapéu ................................................................. 76 Sabes, Pai? ....................................................................... 78 Geninha............................................................................. 79 Saudades, Mãe?... .......................................................... 81 Sabes, Mãe?..................................................................... 82 Os Meus Pais................................................................... 83 Irmãs .................................................................................. 85 279


Sete Damas ...................................................................... 87 Nanda ................................................................................ 88 Telefone ............................................................................ 91 Saudades, Mana............................................................. 93 Otília (Titi)......................................................................... 95 Lurdes (Saluca) ............................................................... 97 Olguita............................................................................... 99 Paulinha .......................................................................... 101 Sílvia ................................................................................. 103 José Luís .......................................................................... 104 Milagre da vida ............................................................ 105 Fado ................................................................................. 107 Menino ............................................................................ 108 O Exame .......................................................................... 109 Momento ....................................................................... 110 Senhor ............................................................................. 111 Um Anjo .......................................................................... 112 Senhor da Minha Vida ............................................... 113 Testamento .................................................................... 114 Outros Familiares ........................................................ 115 Bento (tetravô paterno) ............................................ 115 Zé Peneda (bisavô paterno) .................................... 117 João (avó paterno) ...................................................... 118 Emília (avó paterna) .................................................... 119 Clotilde (a avó materna) ........................................... 120 Artur (o tio-avô paterno) .......................................... 121 Esperança (tia paterna).............................................. 123 Filipa ................................................................................. 125 Mariana e Luís Torres ................................................. 127 Sidineia (nora da Ema)............................................... 128 Era uma vez… um autocarro.................................... 129 280


Menina ............................................................................ 135 Ana Sincer ...................................................................... 137 Ana Maria (Amy) .......................................................... 139 Feliz Aniversário ........................................................... 141 Parabéns ......................................................................... 143 No Dia dos Namorados ............................................ 145 Muito Obrigado ........................................................... 147 Flor do Mar .................................................................... 149 Chin Chin ........................................................................ 151 Anita ................................................................................. 152 Ana Maria ....................................................................... 153 Quero ............................................................................... 155 Feliz Aniversário ........................................................... 157 Nuances Outonais ....................................................... 159 Ternura ............................................................................ 161 Quarenta e Quatro Anos .......................................... 163 Uma Rosa Para Ti ........................................................ 165 A Minha Família ........................................................... 167 O Meu Mais Lindo Soneto ....................................... 169 As Prendas do Menino .............................................. 171 Dia de Natal .................................................................. 172 Eis-me aqui! ................................................................... 173 Doze badaladas ........................................................... 175 Aventura ......................................................................... 176 Amie Dine Sincer ......................................................... 177 Luís.................................................................................... 179 Miguel ............................................................................. 181 Miguel (II) ....................................................................... 183 Hugo ................................................................................ 185 Abigail ............................................................................. 187 Sobe Essa Escada......................................................... 189 281


Pedro ............................................................................... 191 Joana ................................................................................ 193 Martim ............................................................................. 195 Marcos............................................................................. 197 Pedrinho ......................................................................... 199 É Teu, Senhor!... ............................................................ 201 Família da Amy ............................................................. 203 História da Amy ........................................................... 205 O Cestinho ..................................................................... 205 Ana Sincer ...................................................................... 221 Primeiro encontro ....................................................... 225 Princesas Minhas ......................................................... 233 Minha Família ............................................................... 237 Três mães ....................................................................... 239 Amélia Sincer (mãe da Amy) ................................... 241 José Sincer (pai da Amy) ........................................... 243 Carlos Cipriano (avô materno de Amy) ............... 245 Berta Alice (avó materna de Amy) ........................ 247 Berta Alice II .................................................................. 249 Mariana Dine (tetravó materna de Amy) ............ 250 Outros Familiares da Amy ........................................ 251 João Varela Gomes ..................................................... 253 Gena Varela Gomes .................................................... 254 Fernando Xavier de Brito .......................................... 257 Gabriela Brito (prima de Amy) ................................ 258 Paula Gallo (prima de Amy) ..................................... 261 Amy, Álbum Fotográfico........................................... 263 Índice ............................................................................... 279

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