Opereta Poveiros, de José Sá
Opereta Poveiros, de José Sá
Capa: Sara Mata Sara da Mata nasceu na cidade de Póvoa de Varzim, onde atualmente vive. Em 2012 concluiu a sua licenciatura em Artes Plásticas - Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e em 2014 terminou o mestrado com mérito em Belas Artes na Universidade de Leeds.
Opereta Poveiros, de José Sá
OPERETA EM 3 ACTOS
Libreto: Dr. José Sá Música: Prof. Alberto Gomes
Elaborado por João Silva e José Sepúlveda
Opereta Poveiros, de José Sá
OPERETA EM TRÊS ACTOS Libreto: Dr. José Sá Música: Prof. Alberto Gomes
Poveiros Mosaico Cerâmico com cerca de um metro quadrado de superfície, composto por mais de vinte mil pequenos fragmentos trabalhados manualmente e montado pacientemente ao longo de muitos meses pela mão de artista de José Pinheiro.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Ficha Técnica Título Original: Opereta Poveiros Autores: Libreto – José Sá Música – Alberto Gomes Autores deste trabalho: João Silva José Sepúlveda Capa: Sara Mata Ilustrações interiores: Isac Romero Gonzalez Recolha: João Silva José Sepúlveda Cópia do texto: Leonel Leite Composição das partituras: João Silva Revisão: José Sepúlveda Amy Dine Edição em e-book: Issuu José Sepúlveda Email: correiasepulveda@gmail.com
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Opereta Poveiros, de José Sá
Agradecimentos: Padre José Gonçalves - Cedência da cópia do Livreto Delfina, Zulima e Alberta Gomes - Cedência das partituras Sara Mata - Capa Isac Romero Gonzalez - Imagens de introdução aos Atos. José Pinheiro - Imagem do Mosaico Cerâmico Leonel Leite - Reprodução digital do texto original Amy Dine -Apoio na revisão do texto Biblioteca Rocha Peixoto - Disponibilização do arquivo de notícias
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Opereta Poveiros, de José Sá
Poveiros Andava a linda Rosa a passear No areal, olhando o mar imenso, Na ânsia de nas ondas encontrar A fonte desse amor tão forte, intenso. Lá longe numa lancha, a labutar, João mergulha nevoeiro dentro Na esp'rança de entre as brumas desvendar A luz que lhe alimenta o pensamento. O tempo passa, a luz do sol declina; E nessa tarde longa, peregrina, A lancha arriba à praia. E num instante, O verbo se faz verso. A cena infinda Daquele imenso abraço segue ainda Nas ondas desse mar, eterno amante!
José Sepúlveda
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Opereta Poveiros, de José Sá
Valeu a pena! Durante alguns anos, procurámos por todo o lado o texto original da Opereta Poveiros que andava escondido, diria, esquecido, sem que conseguíssemos descobrir-lhe o rasto, apesar das muitas portas onde batemos e dos arquivos que vasculhámos até à exaustão. Vinham-me à mente as palavras de Humberto Fernandes, o Baratinha, participante do elenco, quando da apresentação da Opereta no Casino da Póvoa, em 20 de Abril de 1990, apenas na sua componente musical, acompanhada duma narrativa escrita por ele mesmo, a qual introduzia cada um dos temas musicais, o qual se viu confrontado com o mesmo problema: “o guião original da mesma é dado como desaparecido, o que profundamente lamentamos”. Até que a procura nos levou até à porta do padre José Gonçalves, pessoa que ao longo da vida acompanhou e se envolveu nestas atividades com entusiasmo. E tivemos sorte. Ele tinha um exemplar do texto, adormecido nos confins dum armário ou gaveta e que, diligentemente, acabou por encontrar e nos ceder, se bem que nesse exemplar faltem alguns diálogos que, contudo, não afetarão a sua apresentação pública, caso algum amante do teatro, com alguma imaginação, resolva repô-la em cena. Pela ajuda, obrigado, Padre José Gonçalves. Depois, o trabalho dedicado do amigo Leonel Leite que o transcreveu para o formato digital, proporcionando a sua formatação nos presentes moldes. Neste texto, o autor José Sá traduz com genial criatividade as tradições e costumes dos poveiros, moldando à sua volta uma teia de sucessivos episódios cuja leitura nos prende, qual legado a esta nobre gesta, para memória das gerações vindouras. Entrementes, o carinho e a dedicação, quase sacerdócio, do professor João Silva que nota após nota decifrou e reescreveu todas as partituras nascidas do génio musical do professor Alberto Gomes, gigante na composição e na música, orgulho desta terra que o viu nascer. A Opereta foi pela primeira vez apresentada no Póvoa Cine em Junho de 1946, com o fim de apoiar a construção do Sanatório de Rates que então nascia. A sua notícia vem repercutida no semanário Comércio da Póvoa, na sua edição de 22 de Junho desse ano, a quem deu honras de primeira página, noticiando-a com entusiasmo e exaltando o dramaturgo e o músicoi. Do elenco inicial faziam parte conhecidos artistas poveiros que, embora amadores, eram detentores de grande qualidade dramática. Destes, recordamos: Maria Emília, Maria das Dores, Albina Pinheiro, João Fernandes, Ernesto Pinto, António Guimarães, Manuel João da Silva, Laurentino Monteiro, Dulcídio Marques, entre outros. João Silva, então um jovem, assistiu à mesma com muito entusiasmo.. O professor Alberto Gomes dirigiu a orquestra do maestro e violinista Vieira Pinto, do Casino da Póvoa, que foi para esse ato enriquecida com outros músicos que não faziam parte da mesma. Ali foi realçado o papel de José Laranja que “em todas as dificuldades e maçadas próprias da montagem duma peça, se excedeu em zelo, dedicação e diplomacia”. 7
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Não sabemos se conseguimos seguir o rasto de todas as apresentações públicas, registando apenas a atrás referida e as ocorridas em 12 e 13 de Março de 1948, no Póvoa Cine, e em Barcelos, Guimarães e Braga, segundo notícia do Comércio da Póvoa de 28 de Fevereiro, todas elas para angariar fundos para o mesmo fim, ou seja, apoio à construção do Sanatório a ser construído em Rates, Póvoa de Varzim. Depois, apenas o registo da ocorrida no Casino da Póvoa em 20 de abril de 1990, já referida atrás, apenas na sua componente musical, acompanhada de um pequeno Guião , escrito e preparado pelo Humberto Fernandes (ver em Anexos), tendo então a orquestra sido dirigida pelo professor João Silva, cujo testemunho anexo a este trabalho convidamos a ler. Esta apresentação visou homenagear os autores do libreto, Dr. José Sá, da música, professor Alberto Gomes e o ator João Fernandes (O Baratinha), no centésimo aniversário do seu nascimento. É percetível no decorrer da leitura a falta de pequenos diálogos que terão desaparecido. A sua falta, no entanto, não nos parece que venha a afetar a sua apresentação pública, ou pela sua supressão ou pela criação de novos diálogos. A criatividade de possíveis encenadores ditará a melhor solução para essas lacunas de texto. É pois com grande alegria que deixamos a esses mais uma ferramenta de trabalho à qual, com a sua genialidade e entusiasmo poderão dar nova vida. Temos a certeza de que o trabalho irá merecer a atenção de todos os que amam a Póvoa e as suas tradições e que lutam para que as mesmas não sejam tragadas pela voragem do tempo, preservando-as e dando-as a conhecer às novas gerações, às gentes da nossa terra e aos amigos que nos visitam. A todos os que colaboraram na sua elaboração, a quem agradecemos em espaço próprio, manifestamos a nossa gratidão, com a certeza de que o esforço em preservar mais este legado do passado artístico da Póvoa valeu a pena. Bem hajam.
José Sepúlveda 8
Opereta Poveiros, de José Sá
O meu encontro com a Opereta Poveiros Corria o ano de 1946, estudava eu violino com o professor Martinho Gomes, um violinista de exceção e numa das aulas, diz-me o professor: - João, queres vir assistir a um ensaio da Opereta Poveiros que hoje é com a orquestra Vieira Pinto, do Casino e que será reforçada com muitos músicos de fora? - Ai, quero! - respondi eu! Falei em casa e foi-me dada a autorização para ir ao Póvoa Cine onde o ensaio ia decorrer, para ver a orquestra e ver o grande violinista Vieira Pinto tocar e ao mesmo tempo ver o ensaio do espetáculo que ia decorrer nesse mesmo dia à noite. Vesti a minha roupa melhor e à hora marcada lá estava prontinho para acompanhar o Professor. Chegados à sala, havia uma azáfama anormal, com a colocação de cenários e outros apetrechos que faziam parte da cena e o vaivém de pessoas a fazerem pequenos trabalhos para que nada faltasse ao sucesso do espetáculo. No palco, à medida que os artistas evoluíam nos papéis a representar, eram feitas algumas correções, quer na orquestra, quer no conjunto: solistas coros e orquestra, para que tudo fosse afinado e nada deixado ao acaso. Foi para mim um dia maravilhoso e não descansei enquanto não convenci o Padrinho Gavina a ir assistir ao espetáculo que se ia desenrolar nessa noite. A música, da autoria e direção do Professor Alberto Gomes, soava nos meus ouvidos como cânticos celestiais que, ora clássicos ora jocosos, se envolvia em todo o meu ser. Passaram-se longos quarenta e quatro anos e ninguém mais ouviu falar desta Opereta. Até que, em 1990, a Junta de Freguesia da Póvoa, sob a direção de António Marques, que queria homenagear os autores e artistas que fizeram parte desta Opereta. Constatámos então que o libreto original tinha desaparecido, ninguém sabia do seu paradeiro. Procurou-se junto de algumas pessoas que trabalharam nas primeiras apresentações, mas sem resultado. Entretanto, o meu ex-colega e amigo Humberto Fernandes que tinha sido o ponto da dita Opereta nas suas representações, reescreveu algumas partes do argumento, para que pudéssemos apresentar pelo menos a música. Por motivos de discórdia entre alguns elementos do grupo e Adelino Fonte (o bem conhecido Adelino Mota) este acabou por abandonar os trabalhos e confiar a direção musical à minha pessoa. E o espetáculo realizou-se como estava anunciado, praticamente sem ensaios de orquestra. Para mim foi um reavivar do sonho que sempre tive em colaborar nesta Opereta. Não desistimos e o libreto um dia havia de aparecer. Alguém tinha alvitrado que o Padre José Gonçalves teria uma cópia desse texto na sua posse. Disseram até que quando o Padre Zé se reformou, juntou os documentos que considerava sem interesse para a paróquia e fez com eles uma fogueira, deixando apenas os documentos que poderiam interessar ao seu substituto. Por isso, era muito natural que o libreto tivesse tido a mesma sorte. Mas não fomos na conversa e um dia, de diversas formas, abordámo-lo, explicando-lhe o que pretendíamos fazer e até lhe levamos o livro da Opereta Maria, recuperado por mim e pelo José Sepúlveda, para que ele visse o trabalho que se pretendia fazer com a Opereta Poveiros. Com o libreto nas mãos, deitámos de novo mãos à obra, com redobrado entusiasmo e, após muita pesquisa e trabalho, eis a obra que hoje vos queremos apresentar. É este mais um contributo para que as nossas tradições não venham a extinguir-se com o tempo. 9
Opereta Poveiros, de José Sá
Quem sabe se, muito brevemente, possamos de novo recordar este belo trabalho de dois grandes poveiros, a quem queremos prestar esta homenagem. A todos os que quiserem lê-lo ou assistir a uma das próximas exibições públicas, desde já, o nosso muito obrigado.
Texto:
João Silva, Professor de Educação Musical
Imagem:
Isac Romero Gonzalez
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José Sá José Gomes de Sá nasceu no dia 30 de Dezembro de 1895 e faleceu na cidade do Porto no dia 2 de Abril de 1974.
Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, foi Professor da antiga Escola Primaria Superior (da qual era Diretor o médico vila-condense Dr. Artur da Cunha Araújo) e mais tarde Diretor da Escola Comercial de Rocha Peixoto (a que sucedeu a Escola Comercial e Industrial de Rocha Peixoto e, depois, da Escola Industrial e Comercial da Póvoa de Varzim), lugar que ocupou até atingir o limite de idade (70 anos, em 30-12-1965) altura em que foi publicamente homenageado com um jantar no Grande Hotel desta cidade, estando presentes as autoridades, colegas, representantes das associações locais, antigos alunos e muitos amigos. Cintilante cavaqueador e apreciado humorista, entretinha, com o seu espírito critico e satírico, as tertúlias que habitualmente frequentava e nas quais pontificava. Senhor de vasto anedotário, tornavase um regalo a sua convivência. Escreveu, na imprensa local, algumas gazetilhas relacionadas com assuntos poveiros. Dedicando-se ao teatro ligeiro, levou à cena a revista Na Berlinda, em 3 Atos, de parceria com José Costa, José do Rosário e José Gomes (os 4 Zés), peça musicada pelo Professor Alberto Gomes. Escreveu também, as revistas «Quentes e…boas» (musicada pelo Dr. Josué Trocado); «Os Poveiros» (musicada pelo Professor Alberto Gomes); «Agora vai» (de parceria com Dr. Armindo Alves e musicada pelo Prof. Alberto Gomes); «A Póvoa Nova» (musicada pelo Prof. António Gomes e representada apenas na Escola Comercial, por seus alunos) e a opereta Maria (musicada pelo Prof. Domingos Pinho), que tão grande êxito alcançou no meio Poveiro e que foi levada à cena numerosas vezes, as ultimas das quais ainda no ano de 1979. O Dr. José Sá escreveu, também, quase todas as letras das canções do Rancho da Lapa, musicadas pelo Prof. António Gomes, as quais se encontram gravadas em discos comerciais. Bairrista de gema, o Dr. José de Sá ficou conhecido, nos meios desportivos do F.C. Porto - a cujos corpos diretivos chegou a pertencer- como o Zé dos Alárribas, pois os seus inflamados discursos terminavam sempre por uma salva de ala-arriba. Apetece-nos recordar e com saudade!
Fonte: Jorge Barbosa – Toponímia da Póvoa de Varzim. Póvoa de Varzim Boletim Cultural. Póvoa de Varzim: Câmara Municipal, Vol. XIX, nº1 (1980), p. 123-124.
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Alberto Gomes Alberto António Gomes nasceu em 18 de Setembro de 1898, na Póvoa de
Varzim. Estudou e compôs música a partir dos 3 anos de idade, sob a orientação de seu pai António José Gomes, também natural da Póvoa de Varzim, dedicou toda a sua vida à música, a Deus, à família, aos homens do mar, à Póvoa de Varzim e à cidade que o viu morrer, Viana do Castelo. Compôs um número incalculável de motetos a uma, duas, três e quatro vozes; Ladainhas, Ave-Marias, Tantum Ergo, Salutaris e a Fuga a quatro vozes “Senhora, abençoai a minha casa”. Podemos destacar do grande número de Missas que compôs, duas delas a duas vozes e uma a três, esta, escrita para o centenário da morte de S. João de Deus, outra em honra de Nossa Senhora das Dores; e a primeira Missa escrita em português, que dedicou a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, datada de Maio e Junho de 1966. Entre outros números para Orquestra, destacamos os Poemas Sinfónicos: “Romagem das Almas” e “Ala! Ala Arriba!”, tendo este último sido interpretado em 24 de Julho de 1953 pela Orquestra Sinfónica do Porto, sob a regência do Maestro Frederico de Freitas, a Suíte Sinfónica e o poema Génesis. Foi diretor artístico de orfeões poveiros por ele formados como: o Orfeão Infantil, o Orfeão Social, o Orfeão Mixo e o Orfeão Académico do Liceu Eça de Queiroz. Exerceu a sua atividade profissional como professor de música, piano, violino, acústica, história da música e composição, em variados níveis de aprendizagem como Liceu, Conservatório e Escola do Magistério Primário. Fundou em todas as igrejas da Póvoa grupos corais femininos. Fundou um coro masculino: a Capela Alberto Gomes. Atuou em todos os serviços solenes do seu tempo. Interpretou nos seus coros todas as suas composições profanas e religiosas. Entre estas, destacamos um sem número de Jaculatórias, Veniti Creatore, Regina Coeli Laetore. Escreveu para o Orfeão do Liceu Nacional de Viana do Castelo a música de números corais como: Pátria, Comboio Minho, Sinos, Rataplan, Coro dos Marinheiros, Desfolhada, Mosaico Minhoto; o Hino do Liceu, o Hino da Escola do Magistério Primário de Viana do Castelo e o Hino a Nossa Senhora do Carmelo foram os últimos dos mais de trinta que escreveu, dos quais destacamos muito especialmente os dedicados ao Clube Desportivo de que foi fundador, o Hino do Varzim. Escreveu ainda o Hino do Bispo de Bragança e o Hino que escreveu propositadamente para o casamento de sua filha Maria Zulima “Felicidades no Senhor”. Musicou um sem número de operetas das quais destacamos: Agora Vai, Na Berlinda, Rosa, Poveiros. A sua última composição publicada foi um “Misere Mei Deus”, muito embora haja uma grande quantidade de composições em borrão e outras completas ainda por publicar e/ou interpretar. Deixou grande quantidade de trabalhos de investigação nos campos da Composição, Pedagogia Musical e História da Música, em vias de publicação. Faleceu no Monte de Santa Luzia às 6 horas da manhã do dia 23 de Setembro de 1970, em Viana do Castelo, onde só deixou admiradores e amigos. Fonte: Contracapa do convite para a comemoração do 1º Centenário do nascimento do Prof. Alberto António Gomes
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João Silva João Oliveira Silva nasceu na Póvoa de Varzim a 29 de Agosto de 1933. Começou a interessar-se pela música com cerca de sete anos de idade, influenciado por seu primo padrinho Manuel Gavina. Foi aluno de António José Gomes (Marta) do qual recebeu aulas de solfejo e f lautim. Aos dez anos entrou para a Banda Poveira (Os Malhados) sob a Regência de Ângelo Maio, como instrumentista de flautim. Em 1947 foi membro fundador da Banda Musical da Póvoa de Varzim sendo maestro Mário de Jesus, do qual recebeu aulas de Teoria Musical e noções de Composição e Organologia. Por essa altura ingressou no estudo de Violino com o Prof. Martinho Gomes, tendo permanecido nos estudos até emigrar para Leopoldville (Congo Belga). Foi violinista da Capela Alberto Gomes e atuou também sob a direção do Dr. Josué Trocado. Foi compositor de duas marchas graves (Senhora do Carmo e Senhora das Dores) para a Banda da Póvoa, que lhe valeram a admiração de todos os seus colegas da Banda. Em 1953 p a r t i c i p o u na fundação do Rancho do Castelo, criado por Santos Graça, tendo ficado com a função de organizador da orquestra e coros do grupo. Em 1955 foi agraciado pela Banda Musical da Póvoa de Varzim por serviços prestados à Escola de Música, tendo sido eleito por unanimidade sócio honorário da Banda com o descerramento da sua foto na Galeria de Fotografias dos sócios e benfeitores da Banda. Em 1956 emigrou para Leopoldville, Congo Belga, como técnico de relojoaria. Lá, fez parte da Orquestra Ligeira Portuguesa e com o pianista René Jacobes deu um concerto de Violino no Cine Palace. Atuou com um grupo de personalidades amantes de música clássica (embaixadores, professores do conservatório) tendo efetuado Concertos nas Escolas Belga, Francesa, Instituto Alemão e outras que solicitavam a nossa presença. De volta a Portugal participou e foi galardoado com o primeiro prémio no Festival Infantil da Canção Poveira, com a música Balada à Paz, letra do Dr. José Linhares, imterpretada por sua filha Rosa Alexandra. Fez então a sua profissionalização de professor de Educação Musical na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), com a classificação de 15 valores. Possui carta de Regente de Bandas de Música e Instrumentista de Violino. Atuou no Casino da Póvoa, na orquestra do Maestro Victor José, durante cerca de nove anos. Foi Professor de Educação Musical na Escola C+S de Vila Pouca de Aguiar. Atualmente é professor de educação musical na Universidade Senior do Rotary Club da Póvoa de Varzim, dedicando-se ao ensino do cavaquinho. Tem-se também dedicado à Composição de diversas músicas e à recuperação de músicas tradicionais poveiras. Recuperou com José Luis Sepúlveda a Opereta Maria, libreto do Dr. José Sá e música do Prof. Domingos Pinho, cujo texto e músicas necessitavam de ser recuperados e divulgados. Biografia cedida pelo próprio 13
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Pescadores Heróis H oras Amargas e de solidão E nfrentando as vagas em turbilhão… R ostos curtidos, franzida a fronte, O lhar atento, perscrutando o horizonte, I mplorando aos céus a divina graça…
S ão estes os heróis poveiros, os pescadores de raça! D e onde foi que eles surgiram? O nde será que se fixaram? M ar, tu que muitos guardas em teu ventre A branda a tua fúria e docemente R efreia tua sede de vingança… M ar, tenta doravante ser bondoso, A ceita o seu esforço doloroso, R azão de sua subsistência. A todos homenageamos! T odos eles são heróis. O ntem, hoje e depois N esta luta p’la vida, A esperança nunca perdida… E m perigos inúmeras vezes M as com denodo enfrentando revezes P escadores Poveiros nós vos louvamos O disseias vossas recordamos E façanhas de bravura. S ois vós os nossos heróis. Í nclita geração sois… A vós a nossa ternura
Amy Dine
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Opereta Poveiros, de JosĂŠ SĂĄ
Opereta Poveiros
Imagem:
Isac Romero Gonzalez
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Enredo
A colmeia piscatória poveira de há seis ou sete décadas era ainda dominada pelos homens bons da classe que faziam cumprir rigorosamente os preceitos da mesma, com pesadas penas para os que, de uma ou de outra forma, os transgrediam ou pretendiam transgredir. É neste contexto que se desenrola toda a ação, ao mesmo tempo que se enaltece, com justa razão, o poveiro com todas as suas virtudes; o seu bairrismo, patriotismo, a sua abnegação, a sua fidelidade à palavra dada, a sua honestidade, a sua dedicação ao trabalho e a sua profunda religiosidade ainda que por vezes, ingénua, aos santos da sua devoção. É também a história de amores contrariados da Rosa e do João pelos preceitos da classe e pela palavra dada pelo pai de Rosa. A peça começa com um prólogo onde se exalta o patriotismo dos poveiros que preferem deixar o BRASIL, árvore das patacas daquele tempo, a renegarem a sua Pátria.
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Prólogo TI JAQUIM Então, rapazes, já acabou a escola? RAPAZ Já ti Jaquim. Agora só amanhã. TI JAQUIM Tu, MANEL, já estás um homenzinho. RAPAZ Já vou fazer este ano exame da 4.ª classe. O ti Jaquim também já andou na Escola? Ti JAQUIM Eu não, meu rapaz. No meu tempo, quando era pequenino como tu, a escola era a lancha, o professor era o mar. RAPAZ Então não sabe ler, Ti Jaquim? TI JAQUIM Sei, sei ler no grande livro de Deus no céu… Leio ali o bom e o mau tempo e nas estrelas que são as suas letras, o rumo que temos de tomar. RAPAZ Mas não sabe escrever? Não sabe Geografia? Não sabe História? TI JAQUIM Histórias? Nesta idade estou farto de histórias, meu rapaz. RAPAZ Mas não é dessas, Ti Jaquim. É a História de Portugal. TI JAQUIM Diz lá então de quem fala a História de Portugal 17
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RAPAZ Dos bons guerreiros que fundaram e defenderam a nossa Pátria, D. Afonso, D. João, Nun’Alvares Pereira e também dos nossos navegadores, Vasco da Gama, Pedro Alvares Cabral, muitos, muitos. TI JAQUIM E dos poveiros também fala? RAPAZ (sorrindo) Dos poveiros? Desses não! TI JAQUIM E porque não? Porque te ris? Se a tal história fala dos navegadores, porque não há-de falar nos poveiros? Não fala porque os não conhece. Se calhar, tu que se pode dizer que quase nasceste dentro dum barco também os não conheces. Valentes! Patriotas! Não tem melhores a História.
Poveiros, ó gente santa Raça de Heróis sem igual Onde os há mais decididos Mais valentes, destemidos Na História de Portugal
Havia perigo na barra Barco no mar e avante Tantas vidas lhe roubou E sempre o mar respeitou A vida deste gigante
Nas vastas terras do Império Tudo se faz pr’a vencer Por S. Jorge se matou Aqui por Deus se salvou Quem estava preste a morrer
Mestre Sérgio vem depois E então haveis de ver Sobre as vagas que não teme No salva-vidas ao leme Para salvar ou morrer
Olhai o Cego do Maio Símbolo da valentia Entre os grandes o maior O primeiro sem favor Duma heroica dinastia
O Veronese, que horror Cresce o mar e de repente Eram centenas de vidas Além num barco perdidas Á vista de toda a gente
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LAGOA:
Mete ao mar o salva-vidas Com heroica decisão E chegou do barco tão perto Que deixou assim aberto Caminho pr’a salvação
PIROQUEIRO:
Outro irmão d’armas Desta jornada sem par Nunca o receio da morte Se albergou no peito forte Do velho lobo-do-mar Heroica gente que vives Prós teus amores que são dois Mas sempre para o poveiro A sua terra primeiro A sua Pátria depois
-
Diz-se até que D. Luís Um rei também marinheiro Lhe perguntou uma vez Ouve lá, És Português? Não, meu senhor, sou poveiro. Finalmente o nativismo Está no Brasil a mandar E surge o dilema então: Se aqui queres ganhar o pão A Pátria tens de trocar Responde logo o poveiro Com decidida altivez Que importa que viva mal? Eu nasci em Portugal Hei de morrer português!
Esta é a nossa Póvoa, a Nossa Terra
(Fim do prólogo)
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Primeiro Ato
A cena representa um serão de pescadores. Apetrechos próprios e todos com as usuais ocupações. A um canto um velho pescador, o Ti Jaquim Russo inutilizado para as lides do mar mercê da sua longa idade, 78 anos, trabalha ainda numa rede. Ao lado costura sua neta a Rosa Russa, rapariga esbelta que o pai pôs a costureira. Está prometida dum rapaz, filho também de pescadores, mas que, fraco e doente, foi para o Brasil seguir a carreira comercial. O pai dela, o ti MANEL Russo, Patrão de barco e pescador remediado, está para o mar. Imagem:
Isac Romero Gonzalez
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(O pano sobe com este coro)
Ao Serão Vá de roda puladinho, Assim é que é! Que agora a chinela Não foge do pé! Não foge, está presa, Agora é a moda… Vá lá, puladinho, Vá lá, siga a roda. Se ao meu amor digo sim, Ele diz sempre que não, Por isso o trago bem preso Dentro do meu coração. Dizem teus olhos que estou Preso no teu coração Mas que importa a liberdade Se é tão doce a prisão! (Depois de terminar a música)
ZÉ PEQUENO (espreitando pelo postigo) Há festa na capoeira. Boa-vai-ela. MARIA Norte que é rei dos ventos, meu home. Aqui só há galinhas de raça. ZÉ PEQUENO Então, não se arranja lugar para um garnisé? RITA Olhai pr’a ele. É o Zé Pequeno. (Todos mostram grande alegria e correm para a porta)
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TI JAQUIM (Para a Rosa que está junto dele e a única que não se levantou)
O Zé Pequeno? O que foi pr'á marinha? ROSA Sim, avô. O filho da Tia Rita do Fieiro que andava agora lá por essas Africas. TI JAQUIM Diz-lhe que entre. Era boa rapaz … gosto de vê-lo. ROSA (que se põe a pé e dirige para a porta onde já estão todas as outras)
Entra, Zé, o avô quer ver-te e nós também. ZÉ PEQUENO (Entrando e apertando as mãos à Rosa)
Eh, Rosinha, estás cada vez mais linda, linda como uma sereia. Estás cada vez mais nova. ROSA E tu cada vez mais galo doido. ZÉ PEQUENO Doido? Pois quero dizer aqui diante de vós todas! Corri nestes três anos os quatro cantos da terra. Vi mulheres de todas as cores e feitios e algumas até que mudavam de cor duas e três vezes por dia, loiras ao almoço, ruivas ao jantar, morenas à ceia, pois bem. Sabeis quais são as mais bonitas mulheres do mundo, sabeis? Sois vós as mulheres da minha terra. E agora? Ainda sou doido? (todas as raparigas riem e agradecem)
TI JAQUIM (à parte) O maroto do rapaz tem graça, sim senhor. Vem cá, Zé, vem ver este traste velho aqui arrumado p'ró canto.
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ZÈ PEQUENO Eh, Ti Jaquim. Diz que barco fora do mar apodrece, mas você está rijo como uma canoa nova.
ROSA Não achas, Zé, que o avô parece que tem vinte anos? TI JAQUIM Deixa-a lá falar. Aqui, só regula bem ainda a cana do leme. O resto mete água por todos os lados. Mas vem cá, deixa-me ver-te. Sim senhor, que bonito que estás! Que rapagão! Ainda me lembro, quando tu partiste, a tua mãe, coitada, parecia aí um mar de lágrimas. ZÉ PEQUENO Também eu me lembro, Tio JAQUIM. Saí daqui no mesmo dia do Luís, do rapaz, do noivo ali da sua Rosa! Eu ia cheiinho de saudades da minha mãe que por desgraça não voltei a ver. TI JAQUIM E ele o Luís levava na alma a brasa da fé no seu amor. Fraquito, sem corpo para aguentar a vida dura do mar, mandou-o o pai a tentar o comércio no Brasil. Em boa- hora o fez. Deus Louvado! Parece que o rapaz tem dado boa conta de si e p'ró verão deste ano aí teremos para levar ao arco da Igreja a minha Rosa. ZÉ PEQUENO A mais linda rapariga da nossa pescaria. MARIA A mais graciosa costureira da nossa terra. TI JAQUIM Deus sabe quanto Lhe peço para chegar a esse dia.
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ROSA (Visivelmente contrariada)
Deixe lá isso avô. E tu ó Zé conta-nos alguma coisa do que fizeste nestes três anos tão compridos. ZÉ PEQUENO Queres saber o que eu fiz enquanto tu fazias o teu enxoval? Quereis vós também saber TODOS Conta …conta… ZÉ PEQUENO O que fiz? Fui marujo, marujo de Portugal … Corremos os quatro cantos do mundo a ensinar-lhes a nossa história. Basta a nossa bandeira tremular num barco pequenino para o tornar tão grande como os maiores couraçados e esta blusa continua a cobrir o peito de marujos que sempre pediram meças aos melhores do mundo. TI JAQUIM É assim, meu rapaz. Que pena a tua mãe não poder ouvir-te ROSA Mas isso não é garganta? ZÉ PEQUENO Não é, rapariga, quereis ouvir? Sabeis o que é Portugal? Sabeis o que é ser marujo?
Fado do Marujo Sabeis o que é ser marujo? É ser forte, é ser leal, É trazer sempre no peito Bem presente Portugal. É ser amante da paz Sem nunca temer a guerra, É morrer sem hesitar Quando periga a nossa terra.
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Portugal, lindo menino, Era fraco e pequenino Quando em Ourique nasceu; Seguiu depois sua rota E até Aljubarrota Tornou-se forte e cresceu. E quando tanto crescia Que já ninguém conhecia O pequenino de Ourique Vai por mares não navegados Sob os olhos namorados Do Infante D. Henrique. E vai a Pátria embarcada, A cruz de Cristo pintada, Agulha de marear, Ao Brasil, ao Oriente, A terras de cuja gente Nunca se ouvira falar. E Portugal cresceu tanto Que no mundo fez espanto O seu estranho crescer! E o pequenino de outrora Pode então dizer agora Nunca mais posso morrer!
MANEL Eh, Zé, corremos as bandas todas do fieiro e tu aqui entre as cachopas. ZÉ PEQUENO Sempre fui pescador do alto, ouviste? Só sei trabalhar com a rede da pescada e rede branca. MARIA Isto é tudo pescada tão grande que até rebenta a malha. ZÉ PEQUENO Co’o nó feito por mim inté caço baleias MANEL Ó Zé isso são guelras. (riem)
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Opereta Poveiros, de José Sá
MARIA Cuidado co’as barbatanas. Aqui não arranjas vida ó moinante, ó rasqueiro de má morte. TERESA O mel não se fez pr’à boca do asno, ouviste, ó Zé? MANEL Chega-lhe dessas, Maria. ZÉ PEQUENO Olha pr’a ela. Está mesmo ógadinha por mim. Inté se baba. (riso) MARIA Quem, eu? Inté deito carga ó mar quando te vejo. (riem) MANEL Ele anda no assejo, Maria. Tem cautela. Isto é peixe bandalho. MARIA Deixa-o comigo, que a bazófia lhe tiro eu. ROSA Se gostas dele porque estás a mortificá-lo. (riem) AVÔ Isso, Rosa, mete-os ao restolho. MARIA Serrobica, home, que isto não é cachola que te dê jeito. (riem) ROSA Isto de homes são como os animais. É preciso saber passar-lhes a mão pelo lombo. ZÉ PEQUENO Animais?
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Opereta Poveiros, de José Sá
AVÔ Cala-te homem que os animais já não falam. ZÉ PEQUENO Não falam… mas cantam. E então eu que me pelo por isso. MARIA Ora canta lá que não ficas sem resposta
O VIRA Vamos lá, toca a virar Se esses são os teus desejos, Mas só costumo cantar Se em troca me derem beijos. Pedes beijos com voz meiga E esqueces sem razão Que se não fez a manteiga Para o focinho de cão. Ora vira, vira, E torna a virar, Esta moda nova Da gente do mar. Vira com jeitinho, Não vires à toa, Embarca, rapaz, Que a maré vai boa. Não me chames nomes feios, Não vale a pena zangar, Não faças certo o ditado: Quem desdenha quer comprar Que me importa a tua proa Sou pau p’ra toda a colher, Presunção e água benta Cada um toma a que quer!
UM HOMEM (entrando) Estais pr’aí a badalar e o salva-vidas já se foi pro mar há mais de meia hora. Eia, Vinde daí raios. 28
Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Sim é verdade. E os barcos todos no mar, meu Deus! (saem, Zé Pequeno sai). TI JAQUIM (Quando todos se preparam para sair).
Eu bem dizia ao Tone. Aquela nuvenzinha ontem ao cair da noite, a crescer…a crescer cada vez mais a cobrir o sol: - Não vás ao mar Tone… - Não sei o que me lembra uma tarde assim. (como que a recordar-se e a falar só). O mar chão como um rio. De repente aquela mesma nuvem aí das bandas donde o sol se esconde, a crescer… a crescer e o mar a subir com ela. Depois o mar era um mundo de maresias. O Zé da Rita…O João Quinote, tantos e tantos que para sempre lá ficaram naquela noite naquele mar maldito: - Não vás ao mar, Tone… - eu bem lhe dizia. ROSA Credo avô, não agoire, por Nossa Senhora! ZÉ PEQUENO Vamos lá raparigas, não há-de ser nada e que a Senhora da Guia lhes acuda. (todas saem e o avô sai também. Nesta altura a Rosa prende uma das raparigas que estava no serão- Maria.)
MARIA (Depois de todos terem saído).
Ouve, Rosa, eu queria pedir-te um favor, um grande favor. ROSA O que quiseres, Maria, mas logo. Agora… MARIA Tem que ser já. É que o GiL Eanes, o barco que leva o correio para os barcos do bacalhau, sai amanhã de Lisboa. ROSA Mas…, não entendo…
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Opereta Poveiros, de José Sá
MARIA É que eu queria escrever ao ANTONE a minha primeira carta (envergonhada) e tu bem sabes, eu não sei escrever. Ah, Rosa, não sei por no papel tudo o que tenho aqui no coração. ROSA (aparte) Pobre Maria!... Mas agora? MARIA Sim, agora. Tudo virá a salvo, se Deus quiser, e a gente a gente já deve ser tanta na praia que ninguém dará pela nossa falta. Vá, Rosa, faz o que te peço! … Ai, se eu soubesse escrever!... ROSA Pois, então, vá lá: (Maria dá-lhe o papel e esta, depois de tirar o tinteiro e a pena, começa.) - Meu adorado ANTONE… - queres assim? MARIA Meu Deus, que vergonha! Adorado não será de mais, Rosa? ROSA É mesmo tolinha. Deixa ir: - Meu adorado ANTONE… MARIA Meu adorado ANTONE… (Segue a carta, fingindo Rosa que vai soletrando)
Meu adorado António Que esta te encontre bem, Minha vida, meu amor, Que nós cá vamos andando, Graças a Nosso Senhor. Primeira vez que te escrevo, Não sei que hei-de dizer! Posso mandar-te saudades, Receios de te perder.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Dizem que a terra se acaba Neste mar largo, sem fim. Por isso te quero mais Quanto mais longe de mim. Mar de gelo, tem cautela Que mora nele a traição. Permita Deus que esse mar Te não gele o coração. Todos os dias, agora, Vou por flores no altar Do Santo António, da Igreja Onde havemos de casar. Volta breve e adeusinho, Até esse grande dia. Recebe muitas saudades Da sempre tua Maria! (No fim da música, Rosa fecha e entrega a carta a Maria).
ROSA Pronto, querida Maria, aqui tens a mensageira do teu amor e da tua saudade. MARIA Que Deus te pague. Se eu soubesse dizer coisas bonitas como tu, que linda carta lhe mandava! … ROSA Falou o teu coração e a voz dele é a melhor; a única linguagem do amor. MARIA Se eu soubesse escrever... Mas já é tarde, Rosa, vamos! ROSA Agora também eu quero fazer-te uma pergunta: Ouve Maria. Tu gostas do teu rapaz, gostas muito do ANTONE? MARIA Credo, que olhos rapariga. Se gosto? Mas muito! Não é ele o meu prometido?
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Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA É bem sei. Mas dize-me. Que sentes quando ele vai pró mar, que sentes quando ele volta. MARIA Que sinto? Quando ele vai, vão com ele os meus olhos. Fico ceguinha de todo. Quando volta, ali na praia, ainda ao longe, já eu adivinho aquele barco pequenino tornar-se cada vez maior a cortar a crista das vagas, o meu lenço a tremular no mastro, a bandeira do nosso amor. Então, Rosa, é como se o meu peito fosse uma grande Igreja com os sinos todos a repicar numa grande festa, numa aleluia. (o avô ouve) ROSA (abstrata) É assim, é assim mesmo. Eu gosto dele. MARIA De quem Rosa? Do Luís? (Maria sai e vê o avô que lhe impõe silêncio) ROSA Não, vai. Eu gosto dele. Agora sim tenho a certeza. (abstrata) Os sinos a tocar numa aleluia. Eu gosto dele.
Gosto dele Gosto dele porque gosto, Eu sei lá explicar! Talvez porque traz nos olhos As bravas ondas do mar. Gosto dele quando fala E mesmo se a voz alteia Tem a meiguice da onda Quando vem beijar a areia. Gosto dele, sim Gosto dele, Deixai o mundo falar, Quando vir que sou só dele O mundo se há-de calar. Gosto dele, hei-de ser dele, Não vale a pena sofrer Que aquilo que há-de ser meu À minha mão virá ter. 32
Opereta Poveiros, de José Sá
Gosto dele porque gosto, Não serei de mais ninguém, Jura sagrada que faço Por alma da minha mãe.
ROSA Estava aí, avô? TI JAQUIM Estava. ROSA Ouviu então.
TI JAQUIM Tudo. ROSA E que diz? TI JAQUIM (Tristemente) Que digo? Que a tua, que a nossa vida agora é como uma sementeira devastada pelo vento e pela chuva quando tudo prometia sol e primavera. ROSA Que culpa tenho eu de gostar do João? Ele é um rapaz do mar. É o meu coração, é o meu sangue a reclamar os homens da sua raça. TI JAQUIM Mas o Luís é também filho de pescador, como eu, como o teu pai. ROSA Pois sim, mas mudou de rumo, meu avô. Hoje é da terra e como todos os homens que nasceram no mar e que nele vivem, tudo são contrastes. Trazem nos olhos a ternura do
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Opereta Poveiros, de José Sá
mar quando babuja docemente nas areias da praia, ou então têm no peito a valentia, a bravura do mar enraivecido a espadanar espuma contra os penedos do cais. TI JAQUIM Pois sim, Rosa, mas és a sua prometida. Está presa a palavra do teu pai. Ele é um homem honrado e a honra é o brasão dos pobres. ROSA Por cima de tudo isso, meu avô, está a minha mocidade a reclamar o direito de a deixarem livremente viver o seu amor. Proteja-me, meu avô, não tenho mais ninguém Que me defenda. TI JAQUIM Sim, conta comigo. Como é encantadora a mocidade quando confessa a sua fraqueza e se acolhe à proteção da velhice. É como se um pedaço de sol pedisse luz a um triste raio de luar. Sim, conta comigo. Pobre criança! AVÔ Já agora, vem cá, Rosa. Vem ouvir uma história. Aqui há um ror de anos, dois quarteirões talvez bem medidos, havia aqui no fieiro um rapagão forte como uma trave para quem o mar não tinha segredos e de quem ele nunca teve medo. Trabalhava na companha do Ti Zé Chavão, velho patrão de lancha, com fama de valente em toda a costa. E olha que na Senhora de Assunção, de opa de seda e com a vara de Juiz, era um home de respeito. Tinha uma filha, uma morenaça de 18 anos; a boca era uma promessa, os cabelos negros e em ondas e os olhos pretos e muito grandes como os padre-nossos do Rosário. Era cheia de chança como o pai e por isso nunca nenhum rapaz se atreveu a levantar os olhos para ela. Certo dia, na romaria da Senhora da Saúde, caiu como de costume toda a gente da pescaria no terreiro...Rapazes e raparigas queimados pelo sol que nessa tarde era uma brasa viva, entre nuvens de poeira, cantavam e dançavam esta moda. Deixa ver se me lembro … Ca…Car… Carrasquinha assecode a saia…
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Opereta Poveiros, de José Sá
RAPARIGA Mas isso, avô, ainda se canta agora... AVÔ Na troca dos pares, quando o rapaz passou pela filha do Ti Zé, sentiu que a mão dela tremia. Olhou-a, olharam-se e o que é certo é que uma hora depois, talvez mais, os dois de mãos enlaçadas, ajoelhados junto do altar da Senhora da Saúde, juravam um amor eterno. RAPARIGA (interessada) E depois, avô?
AVÔ Alguém, a Maria Remelga, que tinha uma língua mais perigosa que dentes de tubarão, espalhou logo a notícia. Foi o fim do mundo. O rapaz foi logo expulso da companha e até o pai o obrigou a ir trabalhar para Matosinhos. A rapariga nunca mais saiu, nunca mais lhe viram um sorriso. Começou a entrar nela uma tristeza tamanha que lhe passou para o peito e em breve lá ia para sempre a enterrar entre montes de luzes e de flores … ROSA Era o Avô, o rapaz? AVÔ Era … ROSA Como deve ter sofrido. AVÔ Muito. ROSA Mas casou depois?
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AVÔ Com a tua avó, uma santa. Mas a outra viveu sempre e vive ainda na minha saudade. Como não queres, Rosa, que eu te compreenda? ROSA Obrigado, avô. Agora sim, agora tenho confiança. AVÔ Conta comigo, Rosa… RAPAZ Ti Jaquim, Ti Jaquim. Está a chegar o salva-vidas à praia. Vem nele um ror de homes salvos. TI JAQUIM Anda Rosa, vem daí. Todos seremos precisos. ROSA Deixe-me ficar, avô. Fico a pedir a Nossa Senhora por todos, … por ele. TI JAQUIM E que Deus oiça as tuas preces. MARIA (atravessando a casa) Anda d’aí, Rosa, que chegou o salva-vidas. ROSA Espera, fico contigo. Vamos rezar. (ajoelham) MARIA Nossa Senhora da Assunção, minha mãe e madrinha e mãe dos aflitos, auxiliai quem sobre as vagas do mar precisa do vosso auxílio. ROSA Trazei todos a salvamento. Ao meu pai e a ele.
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Avé, Maria! Avé Maria, Cheia de graça, Senhora, O Senhor convosco é Também vós sempre sereis Tesouro da nossa fé O fruto do vosso ventre, Nosso guia, nossa luz, Bendito sempre será, Seu santo nome, Jesus! Santa Maria, Nossa Senhora das Dores, Lembrai-vos sempre de nós, Rogai por nós pecadores, Virgem Santa, nossa Mãe, Agora e sempre e na hora Da nossa morte, Ámen! (Finda a música entram todos. O pai traz visíveis sinais de que naufragou)
Filha!
ANTONE (abraçando a filha) ROSA
Meu pai! TI JAQUIM Como Foi? Conta como como foi? Quando fomos para o mar de madrugada, quando deitamos o barco abaixo, o mar estava chão como um rio. O luar iluminava-nos o caminho como se fosse dia. Tudo limpo e apenas uma nuvenzinha negra ali pró sudeste era como uma nódoa no azul limpo do céu. TI JAQUIM (aparte) Aquela nuvem negra. A mesma daquela tarde. ANTONE (continuando) Seguimos p’ró mar de Mindelo co’o vento a favor. Era ali que a sardinha dava há já duas semanas. Depois, já com o sol alto e o barco carregado à vergueira, fizemo-nos de volta todos contentes. Mas aquela nuvenzinha era agora o céu todo. Meio-dia e era noite. O 37
Opereta Poveiros, de José Sá
vento vinha de todos os lados e ladrava enraivecido contra o pano. Tivemos que arreálo. O mar era já uma montanha. ROSA E depois? TI JAQUIM Sim e depois. ANTONE Depois não sei contar. O salva-vidas, gritos de esperança, o João a ajudar todos a salvar-se. Depois já sem forças, veio para mim e quando íamos a saltar ambos para o salva-vidas, uma vaga arrastou-o e nunca mais o vimos. ROSA Morreu. (Ouve-se fora o Santo André) ANTONE Sabe-se lá! Só Deus o pode ter salvo. ROSA Meu Deus que vai ser de mim. (abraça-se a chorar, ao avô) TI JAQUIM Seja feita a vontade do senhor. ANTONE Agora percebo, Será o caso que tu Rosa… TI JAQUIM É sim ANTONE, era do João que Rosa gostava. ANTONE Triste vida …Pobre filha.
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TI JAQUIM Quem sabe o que Deus quer? (repete a música Santa Maria)
Fim do Primeiro Ato
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Segundo Ato
Este ato decorre na praia do pescado com um diálogo fraternal entre o Ti Manel e o Ti Jaquim, velhos lobos-do-mar, em que ambos recordam que por causa do naufrágio de que o Ti Antone foi vítima toda a gente ficou a saber que a Rosa gostava do João, o que impediu que se juntassem as duas casas: a do Luís, presumido noivo de Rosa, e a do Ti Jaquim, como estava combinado. Imagem:
Isac Romero Gonzalez
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Opereta Poveiros, de José Sá
(O João tinha sido dado como morto)
A Vida é o Mar Mal o sol desponta, Toca a levantar, Que a vida não conta, A vida é o mar; A vida ou a morte Que o pescador Tem a sua sorte Nas mãos do Senhor. Deus os leve, Deus os traga Para a nossa companhia, Levam na proa do barco Nossa Senhora da Guia Lá vai ela, vai com eles E aqui à nossa beira Fica a Senhora da Lapa, Nossa mãe e padroeira. Passou a barra, está salvo, E outra paga não quer Que o doce beijo dum filho, Os braços duma mulher Lá chegou, lá está na praia A lancha do meu amor, Ala-arriba, redes cheias, Graças a Nosso Senhor.
TI JAQUIM Isso mesmo. Nessa noite todos ficaram a saber que a Rosa gostava mas era do João. Se o rapaz tivesse morrido, morria o bicho, morria a peçonha e talvez agora sempre se juntassem as duas casas, a do Luís e a nossa, como estava combinado. Mas…
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL Mas o João era valente e agantou-se a batalhar co’as vagas até que o salva-vidas voltou e trouxe vivo, Deus Louvado. TI JAQUIM Que grande alegria para todos. O João é o rapaz mais valente e por isso o mais querido da pescaria. O meu filho, os homens da companha devem-lhe a vida. Mas... TI MANEL Diga ti Jaquim, diga. O João é um enjeitado, o João não sabe quem é o pai, não é rapaz que convenha á sua neta. O seu filho é um pescador todo cheio de num prestas. TI JAQUIM Não é isso Manel, tu falas com a tua dor. TI MANEL A minha dor! O João não me é nada. TI JAQUIM Foste tu e a tua irmã que o criaram. Tens-lhe tanto amor como se fosse teu filho. TI MANEL Lá isso é verdade. TI JAQUIM Mas o meu filho é um home honrado. Tu sabes a nossa lei. Palavra dada nem a morte a retira. A Rosa é do Luís TI MANEL Mas ela gosta do João e vossemecê prometeu ajudá-la. TI JAQUIM Meteu-me pena a cachopa. E então agora desde que o Luís chegou do Brasil não descansa em casa com medo de ficar só com ele.
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL Olha, ela vem aí. TI JAQUIM A casa dela agora é a praia. O mundo já murmura e o Luís já deve andar desconfiado. Isto é o dianho, Manel, é o dianho. ROSA (que entra) Ora viva! Que farão aqui tão sós estes dois velhos gaiteiros? TI MANEL À espera das moças. Combinei co’o teu avô que a primeira que passasse era para mim. ROSA Pronto. Então sou eu. TI MANEL Tu? Não, não tenho rede para peixe tão fino. TI JAQUIM Nós agora, Rosa, só se for algum peixe que ande por aí à babuje. ROSA Lá pelo avô talvez eu fique, mas por si, não tio Manel. Ainda está em muito bom uso. As lanchas já chegaram? TI MANEL Que te importa as lanchas? Bota-te à costura que é a tua vida. ROSA Que me importa? Vossemecê esqueceu-se que na Senhora da Guia, na lancha do meu pai, anda o meu coração embarcado? TI JAQUIM A quem o deste? Ao teu Pai?
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Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Para que me pergunta? Já todos o sabem. TI MANEL Já. E aí é que está o mal. O João também gosta de ti, mas ele não é moço que te convenha TI JAQUIM Além disso, o teu Pai é que tem a palavra comprometida e ele está muito agarrado às leis da classe ROSA Voltamos à mesma? Eu já lhe disse, avô, ou o João ou ninguém me levará ao altar TI MANEL Mas ouve, Rosa, o João é filho dum pecado. O João nunca viu a mãe e não sabe quem é o Pai. TI JAQUIM E o mundo não perdoa. ROSA Já sei. Mas que tem isso? Que tenho com o mundo? TI MANEL Tens tudo. Ouve, tem paciência eu vou contar-te a história dele. Talvez tu a não saibas toda. Queres ouvir? A mãe do João, a Tereza do Caramelho, era rapariga do meu tempo e ainda parente de minha mãe. Trabalhadeira, de gente pobre mas honrada, casou com um rapaz aí do norte que trabalhava no barco do tio Noca … O home ganhava pouco mas ela botava-se logo de madrugada por essa estrada fora, gamela de peixe à cabeça. E como não tinha filhos, lá ia vivendo. Um ano, o inverno nunca mais acabava, tudo que havia foi p'ró penhorista … depois, a fome. TI JAQUIM Bem me lembro. Quem teve que lhe emprestar dinheiro botou-se por esses mares fora até ao Brasil. 45
Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL O home da mãe do João foi um deles. Foi para Manaus e durante dois anos ninguém soube dele. ROSA E a mãe como vivia? TIO JAQUIM Sabe Deus como. Pedindo e levando por aí vida de moira. TI MANEL Mas um dia, todo o fieiro ficou alarmado co’ a vergonha. A Tereza do Caramelho já não podia esconder que ia ser mãe, que ia ter um filho. ROSA Meu Deus. TI MANEL Então escondeu-se na minha casa porque não tinha mais ninguém no mundo, deixandome o filho, fugiu para Matosinhos onde pouco durou, moída de saudades e remorsos. ROSA Que crueldade. TI MANEL Talvez, mas é a nossa lei. Mulher que atraiçoa o home não pode viver mais entre gente séria. Morreu p'ró mundo. TI JAQUIM Mas quem é o pai do João? Nunca ninguém soube. ROSA Mas quem é o pai? TI MANEL Ninguém o saberá. É jura que fiz. A não ser …
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI JAQUIM Cala-te aí que vem o Luís… LUÍS Parece que tens medo de mim, de eu ir para o Brasil. ROSA Medo de ti porquê? Ia ver a lancha do meu pai que está a chegar. LUÍS Sim já sei. Vem na lancha quem te interessa mais do que eu. Mas eu sou teu noivo. ROSA Meu noivo? LUÍS Teu noivo sim. O nosso casamento ficou tratado antes de eu ir para o Brasil. Trataramno nossos pais e é quanto basta. ROSA Quanto basta? LUÍS Sim, quanto basta. A não ser que tenhas dado o coração a outro que te não mereça. A não ser que não gostes de mim. E porquê? Porque não gostas de mim! Diz, Rosa.
Outra melhor não vê Porque não gostas de mim? Sim, porque? Se meu olhar enfim Outra mulher não vê. Porque não gostas de mim, Rosinha, Se de tão longe vim para seres minha.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Na varanda dos teus olhos Pus- me a sonhar. E depois Eu vi a minha casinha Que ia ser de nós dois Na varanda dos meus olhos, Sempre a sonhar. E depois, Viste uma linda casinha Que ia ser de nós os dois. ROSA Luís, eu sou tua amiga mas não posso ser tua mulher. LUÍS Mas o teu pai e o meu… ROSA Não podem mandar nos nossos corações. LUÍS Queres dizer que já deste o teu coração a outro homem? ROSA Sim, Luís. Eu sou filha dum pescador. Só posso pertencer a um homem que continue a vida de meu pai, do meu avô … dos nossos, enfim. Um homem que viva a vida sobre as ondas, a mesma vida de dor, de luta, de incerteza. LUÍS O João, bem sei. ROSA Sim, o João. Ou dele ou de nenhum. LUÍZ (chegando-se a Rosa) E então, tu supões que eu era homem que se deixava trocar por qualquer João-ninguém, por um …enjeitado?… (procura enganar a Rosa)
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Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Deixa-me, cobarde. Não dizias isso na frente dele. LUÍS (teimando) Não? Não faltará ocasião de eu lhe dizer na cara, de lhe mostrar todo o ódio que lhe tenho. ROSA Tenho nojo de ti…Deixa-me, olha que eu grito… JOÃO (entrando) Aprendeste assim no Brasil a ser valente… ROSA (chegando-se a ele) João. LUÍS Deixa-nos, a conversa não é contigo. JOÃO Não é comigo, não! Sim, tem menos perigo ser valente co ‘ as mulheres. Mas olha que cá na pescaria não se usa disso, ouviste? Valente é ali em cima das ondas, co’o mar que é mais rijo que nós. Ali é que se vê os homes. As mulheres são para respeitar. LUÍS Como respeitaram a tua mãe! … JOÂO (fazendo menção de se atirar ao Luís) Sacana! ROSA (metendo-se de permeio) Pelas cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. JOÂO Ah, alma dum cão. (atira-se ao Luís)
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Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Acudam, acudam. TI JAQUIM (que entra com o ti MANEL) Que é isso? TI MANEL Que foi Rosa? (Rosa aponta os dois que se engalfinham) LUÍS (separando-se do João) Não é nada, ti Jaquim. Não é nada ti Mamel. Foi o João que quis ver se a fazenda do meu fato era mais macia que a saragoça da camisola dele. TI JAQUIM Isso não são brincadeiras de homes. TI MANEL Deve ser de má raça o teu pano. Queres um conselho? Não te arrisques que podes ficar com a béstia rasgada. E depois? LUÍS Depois… JOÂO Depois talvez agrades mais às moças. LUÍS Vê-se bem onde nasceste. Às escondidas aqui no sul, no meio da porcaria do fieiro. TI JAQUIM Vai-te embora, Rosa. A conversa agora aqui é só de homes
ROSA (explicando) Avô... (Sai)
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL Ouve lá, Luís. Vê se tomas boa conta do que te digo. Tu não podes, tu não deves petar co’o João. Todos menos tu. Se ele nasceu às escondidas, a culpa não foi dele, nem da mãe, ouviste? A essa, já Deus Nosso Senhor perdoou. Ao home que a perdeu… Sabe-se lá. TI JAQUIM Pois, nascer aqui no sul, no fieiro também não é crime Luís. JOÂO Crime, Ti Jaquim? Crime não. Eu, por mim, tenho orgulho em ser do sul, vaidade em ser do fieiro.
O meu bairro Tenho orgulho do meu bairro, Vaidade em ser do fieiro Porque de todos os bairros Foi sempre ele o mais poveiro. Neste bairro onde eu nasci E onde mora a minha amada Até as pedras da rua Cheiram a água salgada Este bairro onde eu nasci E que me enche o coração Cabe debaixo do manto Da Senhora da Assunção
TI MANEL E agora, anda lá, João. Toca p'ró trabalho qu’a lancha está a descarregar. TI JAQUIM Toca a andar que a lancha tem de ficar cá em riba (saem)
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Opereta Poveiros, de José Sá
LUÍS Nós, João, temos tempo de falar. JOÃO Quando quiseres, meu home, de noite ou com o sol alto, estou às tuas ordens. Mas não te metas comigo porque podes ter que entrar na doca seca para reparação. (Luís fica e quando faz também menção de sair, de trás dum barco aparece a tia Rita Bruxa).
TIA RITA Psst-Psst, ó meu menino. LUÍS Olá, tia Rita. Donde surgiu vossemecê? TIA RITA Estava ali atrás daquele barco. Sabes que a canalha não me deixa. Má raios os persigo, meu menino. Lá porque faço as minhas rezinhas e gosto da pinguinha, isso lá gostar gosto, vá de fazer o sinal da cruz e logo: - Ó Rita Bruxa, ó Rita Bruxa!- Má raios os persigo. LUÍS Deixe lá, tia Rita, gostar da pinga, não é pecado. TIA RITA Pois não, meu menino, pois não. E ele é tão bô! LUIS Onde são as suas capelinhas, tia Rita? TIA RITA É em toda a parte. No Manel Bento, no Ti Dourado… Ouvi a vossa conversa toda e sabes o que te digo? Tens a cachopa no papo.
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Opereta Poveiros, de José Sá
LUÍS Qual cachopa, tia Rita?
TIA RITA A Rosa. Quem houvera de ser? LUÍS Essa não, tia Rita. Ela não gosta de mim. Ela gosta mas é do João TIA RITA Do enjeitado? Trocar um rapaz como tu por um home que não se sabe quem é o Pai? Inté o inimigo se ria. A cachopa é tua, olha o que eu te digo. LUÍS Deixe lá tia Rita, não lhe vejo jeitos. TIA RITA Aquilo são doideiras de cachopas novas. Deixa lá. A moça é tua. LUÍS A Rosa não vai com rezas, tia Rita. TIA RITA Não vai? Pois pior p’ra ela. Andei contigo às carranchas muitas vezes, quando tu eras pequenino. A moça é para ti. LUÍS Veja lá isso, tia Rita. Morro por ela. TIA RITA Sossega e vai-te à vida que aí vem as cachopas da fábrica. (saem)
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Opereta Poveiros, de José Sá
Marcha das conserveiras Quando voltam do trabalho Estas lindas raparigas, As ruas da nossa terra Andam cheias de cantigas. Seja de noite ou de dia Ou seja a que hora for, Há sempre nos seus cantares Bonitos sonhos de amor. Raparigas conserveiras Quando passam altaneiras Pelas ruas a cantar, Lembram na marcha engraçada Um bando de passarada Sobre as ondas a voar. Estas lindas raparigas Que com as suas cantigas À tristeza fazem guerra, Se o Senhor dá do mar, São ajuda do seu lar E a graça da nossa terra. Ninguém te iguala em graça, Rapariga conserveira! És a viva tradição Da tricaninha poveira! Essa linda chinelinha Dá tal graça ao teu andar Que todos param na rua Quando tu vais a passar. (Logo que termina a música, entra Rosa e Maria)
ROSA Então, Maria, tiveste notícias do teu Antone?
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Opereta Poveiros, de José Sá
MARIA Tive sim Rosa. Está bom de saúde. Deve chegar do bacalhau por volta da Senhora da Assunção… Casamos no dia da Senhora. ROSA Que feliz deves ser MARIA E tu também não és? Que te falta Rosa?
ROSA O que tu tens. O direito de amar livremente um homem. MARIA E tu não gostas do João. Quem te proíbe de casar com ele? ROSA Quem me proíbe? Os preceitos da classe e aquilo que o meu Pai chama ser fiel á sua palavra. MARIA Mas tu não deste a tua palavra ao Luís. E quem casa, és tu. ROSA Disseste-me um dia que a felicidade te trazia ceguinha de todo. E é bem verdade. Que podemos nós, pobres mulheres, contra os tais preconceitos da classe? TIA RITA (que entra sem ser pressentida) Que dois anjinhos, benza-os Deus. AS DUAS (benzendo-se duas vezes) Credo em cruz. Santo nome de Jesus. MARIA P’rá outra vez, não apareça assim, tia Rita, que até sufoca a gente.
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Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Gaivotas pela terra dentro, sinal de mau tempo. TIA RITA Também vós tendes medo de mim? ROSA Não, tia Rita, nós não temos medo, mas… TIA RITA Bem sei, bem sei que não tendes medo. Mas, pelo sim pelo não, vos ides benzendo. Ah! Ah! Ah! Que lindas moças. As duas noivas mais bonitas da pescaria. ROSA Duas? TIA RITA Sim duas. A Maria do ANTONE e tu do Luís. ROSA E quem lhe disse Que eu casava com o Luís? TIA RITA Quem mo disse? Eu não adivinhei que eu não sou Bruxa. Não sou, não rias, Maria… e agora não estou co’ a pinguinha. Diz o mundo, diz o teu Pai. ROSA (exaltada) Mas não o digo eu. Se alguém lhe encomendou o sermão vá-lhe dizer que não caso, que nunca casarei com o Luís. TIA RITA Não te zangues, meu anjo, não te zangues. MARIA Vá-se embora, tia Rita. Vá com Deus.
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Opereta Poveiros, de José Sá
TIA RITA Eu vou, anjinhos, eu vou, eu vou já. (ao sair diz sozinha:) - Vais ver se casas ou não. Olé se casas. (Sai. As duas benzem-se de novo). MARIA Credo Rosa que mau agoiro. Vou-me já a casa rezar ao Senhor. Tenho tanto medo dos maus-olhados. ROSA Vou contigo, Maria. JOÃO (que aparece do lado contrário) Rosa. MARIA Olha é o João, fica que eu vou andando. (sai). ROSA Que me queres João? JOÃO Ando há tanto tempo p´ra ter uma conversa contigo! Queria que me desses uma resposta. ROSA Resposta a quê? Tu não me perguntaste nada! JOÃO Sabes Rosa, é que quando te vejo e vou para te falar, é como se o chão se abrisse debaixo dos meus pés. Não sei o que sinto quando chego ao pé de ti. Tu não sabes o que eu sofro. ROSA Mas porque sofres, João?
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Opereta Poveiros, de José Sá
JOÃO Sei lá. Só sei que inda há pouco comecei a sentir a tristeza da minha condição. Recolheram-me por esmola, nunca tive um carinho de mãe, nunca me deram um beijo que saísse bem do fundo do coração. Sabes lá o que isto é Rosa. ROSA És um ingrato com o ti Manel que te quer como se fosse teu pai. JOÃO Sim, é verdade. Mas não é a mesma coisa. Ao ti Manel devo-lhe a minha gratidão. Nunca esquecerei a sua bondade. Mas às mães, Rosa, às mães deve-se amor que é muito mais. E a minha que foi tão desgraçada! ROSA Não digas isso João JOÂO Ninguém mo quer dizer, mas eu sei o que ela sofreu. Herdei-lhe o sofrimento. Ando p’ra aqui como um náufrago agarrado a uma tábua. Trago no corpo a marca da sua desgraça ROSA João, não digas isso. JOÂO Trago sim. Só este amor que me enche o coração e me tomou todo me pode salvar. ROSA E a quem amas tu, João? JOÂO A quem houvera de ser? A ti, Rosa, com um amor que me queima, que me põe doido. ROSA Também eu te quero João, também te quero com toda a minha alma.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Dueto de amor Ele
Sempre lá no mar profundo Fico a olhar para o céu E percebo então que o mundo És tu, Rosa, tu e eu
Ela
Quando me falam assim Só a ti entendo bem Porque aqui dentro de mim Vives tu e mais ninguém
Ele Ela Ele Ela
Só tu és o meu amor Só tu és minha ventura Amo-te com todo o ardor E eu com toda a ternura
Ele Ela Ele Ela Ele
Só tu és minha paixão Tu, a paz que Deus me deu Vives no meu coração E só tu vives no meu Nos teus olhos, minha querida, Anda presa a minha sorte, Com eles, quero a vida, Sem eles, antes a morte
Ela
Não me fales em morrer, Se gosto tanto de ti; Ergue meus olhos p’ra ver A vida que nos sorri. JOÂO
Teu, p’ra vida e p’ra morte. ROSA Tua, p’ra vida e p’ra morte. (Vão beijar-se, quando Ti Manel e Ti Jaquim que entram)
TI JAQUIM Alto lá! Escritura com selos, só no tabelião. 59
Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL Deixe lá. A ração não é p’ra quem se talha, ti Jaquim, é p’ra quem a merece. ROSA (caindo nos braços do avô) Avô, como eu sou feliz. TI JAQUIM (irónico) AI, Jesus: Quem há-de aguentar o teu pai JOÂO Há-de ser minha a Rosa, ti Manel. TI MANEL (com ironia) Lá foi ao fundo a rede do brasileiro. TI JAQUIM Como havemos de arranjar isso, ó Manel?.
TI MANEL Agora, é por o caíco no assejo e olho na barra. TI JAQUIM Não é boa barra o meu filho. É uma maresia TI MANEL Deixe lá! Aproveita-se a primeira estanhadela e … ROSA E JOÂO Vamos com Deus. TI MANEL Direitos á praia, assim mesmo, ti Jaquim. TI JAQUIM Está bô, contai comigo. Mas ponho aqui uma condição. Há-de dizer quem é o pai do João. 60
Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Sim. Quem é ó pai dele? JOÃO Diga ti Manel. Quem é o meu pai? TI MANEL Não ateimeis. É jura que fiz. Jurei pelas cinco Chagas de Jesus Cristo que só te dizia (voltando-se para João) no dia que te casares, ou…
TODOS Ou… TI MANEL Se estivesses em perigo. Não falto à Jura. (Dentro) Vamos á sardinha fresca.
Poveirinhas para a aldeia Noite alta, toca a andar Poveirinha para a aldeia, Tendo por luz o luar Em maré de lua cheia. Estrada fora, lá vão Sempre a correr, sem parar, Em busca do duro pão Com que a fome hão-de matar Freguesinho, olhe lá, venha cá, Venha cá, venha comprar, venha cá, Veja bem esta riqueza, que beleza, Está vivinha, a saltar. Não se há-de arrepender, venha ver, Venha ver para comprar, venha ver, Ninguém lhe vende melhor, meu senhor, Sardinha do nosso mar. Estrada fora lá vão Sem medir o seu tormento, Com o homem no coração, Os filhos no pensamento. 61
Opereta Poveiros, de José Sá
E para a poveira, então, Louvado seja o Senhor, Há sempre um pouco de pão Na casa do lavrador. TI JAQUIM Lá vão elas por essas estradas fora debaixo dum sol que as queima ou duma chuva que as molha até aos ossos. TI MANEL Pedindo o pão prós filhos ou rogando a sardinha que o home arranca ao mar, entre mil perigos
JOÃO Que grandes são as mulheres poveiras ROSA Assim se ganha-pão negro de todos os dias. TI JAQUIM (imitando as poveiras) Dê esmola à poveirinha, meu rico benfeitor. O inverno é muito e o Senhor não dá do mar. TI MANEL (imitando) É dos nossos barcos. A três merreis o cento. (Entra em cena toda a gente disponível em grande gritaria e á frente o pai da Rosa)
ANTONE Há-de ser hoje, hoje é que se há-de saber. TI MANEL Que é, Tone, que é que te trás assim tão engoniado?
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI JAQUIM Eh, home. Parece que viste uma bruxa á meia- noite ANTONE Antes tivesse visto. Falta peixe no meu cartel. TI MANEL Mas quem foi, quem foi que te roubou? ANTONE Pois é isso que eu queria saber. Falta-me uma pescada. Não é pelo valor TI JAQUIM Isso não é gente da classe home. Os poveiros morrem de fome mas não roubam. TI MANEL Aqui não há ladrões ANTONE Pois sim. Deus me perdoe. Mas já cujiei os sacos de todos os homens da companha e heide saber quem foi ainda que tenha de ir às casas grandes. LUIS Às vezes, sabe-se lá. Viu os sacos todos? TI ANTONE De todos menos os do João que já tinha vindo pr’a terra. Mas por esse ponho as mãos no lume LUIS Às vezes sabe-se lá. TI MANEL Luís olha que ele é… LUÍS Diga o que ele é, Ti Manel. 63
Opereta Poveiros, de José Sá
TI JAQUIM Alma dum cão danado. Nem pareces filho do teu Pai. O João é o home mais valente de nós todos, ouviste? … E tão honrado como nós. JOÂO Mas veja, Ti Antone, veja o meu saco, faça a vontade àquele zangarelho. TI ANTONE Não, o teu não. Não te quero injuriar. TI MANEL Vê lá Tone, quem não deve não teme. TI ANTONE Vá lá, porque vós quereis. Nada que eu desconfie. (vai tirando e no fundo aparece a pescada)
TODOS Eh!... Ladrão, Ladrão JOÃO Não fui eu, nunca as minhas mãos se apegaram a nada que não fosse meu! ANTONE Quem foi então, diz quem foi?
JOÃO Sei lá, só sei que não fui eu. ROSA Acredito João, não foste tu. TI MANEL Não foi ele, posso jurar.
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Opereta Poveiros, de José Sá
LUIS Se calhar foi a pescada que saltou pró saco. TI JAQUIM Cala-te, maldito. Nosso Senhor, valei-nos. TODOS Ladrão! Ladrâo!
Ladrão, Ladrão! Tone João Luís João Coro Luís Rosa João Luís Ti Manel Coro
Vamos lá, toca a contar Como isto aqui apareceu Não lhe sei explicar, Só lhe digo, não fui eu! Está de ver, está provado, Foi este homem de bem Eu sou pobre mas honrado, Não roubei nada a ninguém! Não foi ele, não foi ele! Mas quem seria, então? Mas quem havia de ser? Foi, com certeza, o João! Eu não posso acreditar Que fosses tu o ladrão! Ó Rosa, podes jurar, Não fui eu, juro que não! Não vedes que é enjeitado? Cada um dá o que tem! Inda sofres, desgraçado, A culpa da tua mãe! Foi ele, está bom de ver, O enjeitado, o João, Aqui não pode viver! Que vá p’ra longe, o ladrão!
Fim do Segundo Ato 65
Opereta Poveiros, de José Sá
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Opereta Poveiros, de José Sá
Terceiro Ato
Membros de vários Ranchos dispersos pelo terreiro vão trocando piadas entre si, quando aparece Ti Jaquim que é saudado por todos e também se mete á conversa com as moças. Relembra as romarias do seu tempo e afirma que não eram como as d’agora porque, segundo ele, cá no mundo até para os Santos há modas; antigamente a pescaria ia para o São Torcato, a Senhora d’Abadia ou o São Bento da Porta Aberta. Hoje é o São Bento de Vairão e a Senhora da Saúde. Por fim, em tom saudoso, exclama: Oh romarias do meu tempo! Imagem:
Isac Romero Gonzalez
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Opereta Poveiros, de José Sá
Na Senhora da Saúde Eh, lá, poveirinhas, Vá lá, toca a rir, Não vale a pena pensar No que há-de vir, Porque a vida é Dois dias apenas, Cachopas rosadas, De caras queimadas E pernas morenas. Na Senhora da Saúde Quero erguer a minha voz, Porque aqui do seu altar Ela vê o nosso mar, É poveira, como nós! N.º 1 (Homem, Luís) Eh, rapaziada, perna leve e alegria que hoje é dia de festa N.º 2 (rapariga) Descansa que a Senhora da Saúde há-de ficar contente com o nosso rancho. TODOS Viva o rancho do Norte. N.º 1 (Homem, Luís) Alto lá! Quem vem a fazer promessas que vá andando. Nós cá vamos provar o vinho. N.º 2 (Rapariga) Depois, comer, beber e dançar até á noite N.º 1 (Luís, reparando em Ti Jaquim que entra) Eh lá, Ti Jaquim, venha pr’à nossa roda. TODOS Viva o Ti Jaquim! 68
Opereta Poveiros, de José Sá
TI JAQUIM Já cá cantam quase dois carros, meus homes. Isto é barco que já não vai ao mar. Só se aguenta varado ao Sol. N.º 2 (Mulher) Deixe lá, Ti Jaquim, a Senhora da Saúde é milagrosa. Venha d’aí TI JAQUIM Onde se viu, ó rapariga, rede velha e rota caçar peixes? N.º 3 (Mulher) Olha agora! Se a malha é rota, também se conserta! TI JAQUIM Isto já não tem aproveitadoiro. Dantes, nas romarias do meu tempo, malhava todo o peixe, tanto a sardinha pequena como a pescada do alto. Não botava nada fora. N.º 1 (Luís) Mas, ó ti Jaquim, as romarias dantes eram como as d’agora. TI JAQUIM Não fales nisso, home, tu sabes lá o que eram as romarias dantes. Olha que cá no mundo até para os santos há modas. Agora, é o S. Bento de Vairão, a Senhora da Saúde. No meu tempo era o S. Torcato, a Senhora da Abadia, o S. Bento da Porta Aberta. Lá se botava a gente de noite por esse caminho de Cristo horas e horas que nunca mais acabavam, a andar, sempre a andar. A côdea de pão na saca um bocado de peixe frito, e o vinho lá a gente o ia arranjar, por casa dos lavradores por onde passava. N.º 2 (Mulher) E não se dançava como agora, Ti Jaquim? TI JAQUIM Dançava, ó se dançava. Mas primeiro as promessas: Duas voltas ao adro de joelhos pelos que se salvaram do temporal. Uma velhota que levava as arrecadas ao santinho por lhe livrar o home duma purmonia; uma velhota com uma vela de cera do seu tamanho porque 69
Opereta Poveiros, de José Sá
o filho se livrara das correias da vida militar. Mas depois …depois sim, era como agora. Oh! Romarias do meu tempo!
Romarias Velhas Romarias do passado, Dum passado que morreu, Vieram outras mais novas E foi um ar que nos deu. Vivemos da saudade Desses tempos tão queridos, Da alegria dos romeiros Nunca por nós esquecidos. Se o meu filho se salvar, Vou com ele em romaria Dar três voltas à capela Da Senhora da Abadia. Quando eu um dia no mar Tinha a morte quase certa, Fui salvo. Louvado seja São Bento da Porta Aberta. Dos santos dos velhos tempos, Eras tu o mais famoso E tantas vidas salvaste, S. Torcato milagroso. TI JAQUIM Estas são as romarias d’alegria. Também havia a Romaria da Saudade a Romaria dos Mortos, o Santo André. LUÍS Deixe lá isso, Ti Jaquim. E nós toca pr’à festa. O nosso Rancho é que leva o ramo. Venha d’aí. TI JAQUIM Ide com Deus que eu cá vou no meu vagar. As pernas já não me deixam. (sai) 70
Opereta Poveiros, de José Sá
(Rosa e Maria entram)
MARIA Então, Rosa, que é isso? Quiseste vir á festa e no meio das moças pareces uma velha ROSA Dizes bem Maria, fugiu-me a alegria TI JAQUIM (voltando-se e vendo as duas) Então cachopa sempre vieste? Fizeste bem, a casa só é para moléstias MARIA É verdade Ti Jaquim parece incrível. Desde que o João foi embora nunca mais ninguém a viu na praia. TI JAQUIM Já te não apoquentas co’o teu pai. Trazes sempre os olhos vermelhos de chorar… MARIA Nunca mais ninguém lhe ouviu os gritos no Ala-arriba. ROSA Que queres, Maria, que quer avô, nunca mais descanso enquanto não provar que o João está inocente. Sim, avô, porque ele não roubou. MARIA Tudo é contra ele, Rosa, olha que até eu, Nossa Senhora me não castigue, chego às vezes a acreditar ROSA Não digas isso, Maria, és a minha melhor amiga. Pode lá ser! O João, tão bom, tão leal, tão valente…pode lá ser! TI JAQUIM Na pescaria não há exemplo, lá isso é verdade. Mas não se sabe quem é o pai do João. Pode ser que não seja do nosso sangue. 71
Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Cale-se Avô, pelo amor de Deus. Só um filho dum pescador pode ser no mar valente como ele. TI JAQUIM Também é verdade ROSA Eu não descobri nada ainda mas posso jurar por esta luz que nos alumia que ele não roubou. MARIA Pensa bem, Rosa, o que lá vai, lá vai. O João foi para Matosinhos e nunca mais voltou. Vira-te p’ró Luís que é bom rapaz, que te quer como às meninas dos olhos. TI JAQUIM E que é filho de pescadores, esse sim… ROSA Calai-vos, não quero mais ouvir-vos. Prometi-me ao João hei-de ser dele. TI JAQUIM Tolarias, cachopa! ROSA Só a morte desfaz este juramento. E ficai sabendo que quanto mais desgraçado ele for, mais lhe quero. Não ateimeis MARIA Pronto, Rosa acabou. Vamos lá até á Igreja. TI JAQUIM Vamos lá e que Nossa Senhora te dê sossego cachopa. Anda d’aí que inté te faz bem
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Opereta Poveiros, de José Sá
ROSA Que ela me ajude a descobrir quem roubou e eu virei da Póvoa descalça e descalça heide ir na sua procissão. MARIA Pronto, Rosa, vamos lá pedir-lhe todos o que tu queres (saem) (Entra João e Ti Manel que ainda veem sair o grupo)
JOÃO (com voz abafada) Rosa… TI MANEL Chiu. Tem cautela João, que passa por aqui muita gente JOÃO Perdão, Ti Manel, não pude conter-me. Há tanto tempo que a não via . TI MANEL Prometeste ter juízo e se queres faltar á promessa, então vai só. JOÃO Mas vim para a ver, p’ra falar com ela! TI MANEL P’ra dizeres o quê? Já sabes quem roubou? Que é que lhe hás-de dizer? JOÃO Nada, Ti Manel, tudo tem sido em vão. É a minha má sina. A má sorte não me deixa. TI MANEL Descansa, home, nem percas a fé. Eu e ela mas só eu e ela é que acreditamos que tu não és um ladrão. Eu porque sei quem tu és, criei-te de pequenino, os meus braços foram o teu berço e ela porque só tem olhos p’ra te ver. JOÂO Ai! Ti Manel, para que vim eu a este mundo? Maldito seja… 73
Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL Cala-te rapaz. Não rogues pragas. Nossa Senhora há-de ouvir-te, não percas a fé. JOÃO Mas hoje hei-de falar com ela. Ainda que tenha de… TI MANEL Sossega, home. Esconde-te aí atrás daquele muro. Eu vou ter co’a Rosa. A cachopa não conta contigo e é preciso que ninguém desconfie. JOÂO Está bem, Ti Manel. Eu faço o que vossemecê diz. (Sai o Ti MANEL pr’à romaria e João vai esconder-se)
TIA RITA Até que enfim, sempre cheguei. Ó Senhora da Saúde, estas caminhadas já não estão pr’às minhas pernas. Valham-me as cinco chagas do vosso Divino Filho. 1º RAPAZ Eh rapaziada. Lá está a Tia Rita. Vamos a ela! 2º RAPAZ Toca a fralda de fora p’ra que não entre co’a a gente. TODOS Ó Rita Bruxa, ó Rita Bruxa! RITA Até aqui, maurditos. Até aqui, estardalhos? Maus raios vos persigam. Senhora da Saúde. Perdoai-me! (benze-se)
Tia Rita Canalha Tia Rita Canalha
Ó bruxa, ó bruxa Que é, que é? Vê lá se te aguentas, Se ficas em pé! 74
Opereta Poveiros, de José Sá
Canalha Tia Rita Canalha
Toma lá mais esta! Rodai, ide embora! Não entras co’a gente Co’a fralda de fora!
Tia Rita
Cruzes, mafarrico! Canalha danada! Toca a fazer figas P’ra a vermos estoirada
Canalha Tia Rita Canalha
Quem estoira sois vós, Filhos do diabo! Olha, traz a saia Por cima do rabo!
JOÂO Eh, lá, garotada, toca a andar pr’à festa. Deixai lá quem vai em paz. 1.º GAROTO Olha o João! TODOS Olha o João! JOÃO Psssiiuuuu... Nada de dizer que me vistes. Há um ror de tempo que começou o foguetório. Toca a ir a agarrar canas, toca a andar! TODOS (a sair) Ó Rita bruxa, ó Rita bruxa (saem) TIA RITA Que Deus te abençoe, meu menino. Estes estardalhos parece que me comiam. Se não fosses tu. JOÃO Ande lá, Tia Rita, vá com Deus e não diga que me viu. Veja lá. 75
Opereta Poveiros, de José Sá
TIA RITA Pois vou, meu menino, pois vou. E olha que não as deitaste em saco rôto. Vou beber uma pinguinha p’ra ganhar mais forças e depois … JOÂO Depois… TIA RITA Depois talvez Nossa Senhora te pague, talvez te ouça. Deixa lá. Talvez ela cure os teus males JOÂO Vá com Deus, vá. (ela sai e ele volta para o seu esconderijo) (entra o rancho cantando a moda da estrada)
N.º 1 (Home, Luís) Chiu. Pronto. Já cá canta o vinho. Toca pr’à boda TI JAQUIM Prá boda? Quem é que casa? 1.ª RAPARIGA Os noivos amanham-se na festa. Talvez seja vossemecê, Ti Jaquim. TI JAQUIM Casamenteiro dos velhos é o S. Gonçalo, cachopa. A Senhora da Saúde só gosta de gente nova. (todos riem). 1.ª RAPARIGA Nunca se sabe! (ri). TI JAQUIM Sim, o amor cega os vossos olhos, cachopas, fazem milagres. Já dizia o outro. RAPAZ Agora é que é, cachopas. Toca pr’à festa e bonda de paleio. 76
Opereta Poveiros, de José Sá
2.ª RAPARIGA Toca a andar senão lá vai o dia. TI JAQUIM Siga a roda que eu, enquanto puder, também faço a minha perna. (saem) TI MANEL (Que vem com a Rosa) Vá lá, sossega, cachopa. Eu vou ver se encontro o João. Ele ficou por aqui (chama com voz abafada) - João, João!
JOÂO (que aparece) Pronto Ti Manel (vendo Rosa, corre para ela) - Rosa!
ROSA - João! TI MANEL Agora, muito juizinho. Dá lá o recado depressa que eu fico aqui de vigia. Anda pr’a aí muito peixe ruim, João. ROSA Há tanto tempo e sem notícias tuas. JOÂO Que havia de dizer-te? Que te quero cada vez mais? Já tu sabias. Que a saudade me rói o peito? Também já sabias. O resto, o home ou a mulher que me desgraçaram, que me levantaram a fama… esses… ROSA Nunca mais se descobriram. Será possível, meu Deus, que se encubra tanta maldade? Senhora da Saúde, minha mãe Santíssima, vós podeis permitir isso?
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Opereta Poveiros, de José Sá
JOÃO Os santos não têm culpa. É a minha sina. Pr’a que não fiquei no mar? As lágrimas que tenho chorado são mais amargas do que a água que bebi naquela noite maldita. ROSA João! JOÃO Sim, ao menos morria como um homem honrado. Se morresse agora… e tantas vezes tenho tentado fazê-lo, morria como um … ROSA (tapando-lhe a boca) Cala- te, João, cala-te! JOÃO Morria como um ladrão. Tu julgas que não sei que todos me têm nessa conta? ROSA Todos não. JOÂO Só tu e o TI Manel é que acreditam em mim. Até o teu avô… ROSA O meu avô? JOÂO Sim, o Ti Jaquim. Até esse me abandonou. Em Matosinhos dão-me trabalho porque sabem que eu não tenho medo do mar, que vou sempre pró lugar onde se pode morrer. Mas quando chego a terra e vou pr’à beira do peixe, tenho logo um home ao meu lado. Todos desconfiam de mim. ROSA Estás fora de ti, João. Tu perdeste a fé.
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Opereta Poveiros, de José Sá
JOÂO Fé em quê? Se toda a minha vida tem sido uma vida de desgraça. Porque hei de eu pagar o mal que outros fizeram? ROSA Tem fé em Deus, tem fé em mim. Se Deus quis que eu gostasse de ti é para que o meu amor te sirva de amparo. Gosta de mim como eu gosto de ti e o amor há-de vencer. JOÂO Ah! Que se esse também me faltasse!...Então… TI MANEL Se faltam…então – Eh, lá, bonda de conversa. (voltando para o João) Já despejaste o saco? Já mataste as saudades? JOÂO Essas não, são de morrer. Estão cada vez mais vivas. TI MANEL Então, pois, que o seja para sempre. Vá lá, ponde festões e bandeiras nos vossos corações. Hoje é dia de grande festa, parece que a Senhora da Saúde quer fazer o milagre. (ouvem-se fora rumores)
JOÃO Que é, ti Manel? TI MANEL Que há-de ser, é a borrasca que se aproxima. Vou ver se ainda me ajeito co’a cana do leme. Se me ajeitar, a lancha há-de entrar hoje na praia toda embandeirada. Olé, se háde. (sai) ROSA Que será, João? JOÂO Sei lá, há-de ser o que Deus quiser (entra toda a gente) 79
Opereta Poveiros, de José Sá
RAPAZ Está ali, ti Antone, está li o João. ANTONE Senhor, eu que vejo. Ainda estás vivo maurdito? Inda tens corage de aparecer. JOÂO Maurdito porquê ti Antone? ANTONE Inda me perguntas. Não chegou o que me roubastes e inda me queres roubar a filha! ROSA Sou eu que gosto dele, meu Pai. ANTONE Antes te queria ver morta, cachopa. Casa cum probe, mas cum home honrado, um home que seja com’a nós. ROSA O João não roubou nada a ninguém. LUÍS (irónico) Credo, quem diz isso, Rosa? É que aquilo não era pescada era um peixe voador. Que culpa tem o João que ela fosse fazer o ninho ao saco dele? (risos) JOÃO Malandro. TI JAQUIM Cala-te, home. Parece que tens doença de cão danado. Tudo é contra ele, lá isso é verdade, mas olha que ainda há quem acredite que o João é um rapaz honrado. ROSA Eu, meu avô, que aqui juro pela alma…
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Opereta Poveiros, de José Sá
ANTONE Cala-te cachopa, tem vergonha. Deixa os mortos em paz. LUÍS Se não era peixe voador, quem roubou? Sim, quem roubou? TI MANEL (que entra) Já não tens que esperar muito pró saber. Vamos tia Rita conte tudo. TODOS Ah, a bruxa TIA RITA Conte vossemecê, ti Manel, que eu já não posso. ANTONE Que quer isto dizer? LUÍS Deite lá as cartas, tia Rita. Agora é que a gente vai saber tudo. TIA RITA Não é preciso. (para Luís). E tu sabes, meu garnisé, que eu não sei fazer d’isso. Lá talhar o ar à Zipela, isso sei. Agora cartas… LUÍS Sim também é verdade. Você não precisa das cartas. As bruxas adivinham. TI MANEL Cala-te. O caso agora é muito sério. TIA RITA Deixe-me falar, Ti Manel. Só os galos que tem gogo é que não cantam. TI JAQUIM Vá lá, arrumemos com isto. Que é que vossemecê quere dizer?
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL Quer dizer que o João foi injuriado por vós todos, Que ele nunca roubou nada a ninguém. ANTONE Não esteja a mangar, ti Manel. Se não foi ele, quem foi então? TIA RITA Fui eu! (espanto geral)
JOÃO Malvada. (Vai para a tia Rita) TI MANEL (segurando João) Antão, home, deixa ouvir. LUÍS A pinga era boa, ó tia Rita! TIA RITA Co’a pinga estava eu quando te julguei água de cheiro, afinal és água choca. (cospe enjoada) És um estresicado. TI JAQUIM Bonda, bonda de chalaças, vamos lá ver. Se vossemecê foi que roubou a pescada, como é que ela apareceu no saco do João? ANTONE Sim, como é que foi? TIA RITA Ó criaturas do Senhor, foi eu que a pus lá. Quando vós botastes o peixe p’ra fora, tu viraste as costas e eu agarrei numa pescada debaixo do avental e fui pô-la no saco do João que estava ainda dentro da lancha. Ora aí tem, vê? 82
Opereta Poveiros, de José Sá
TI JAQUIM Mas, pr’a quê? Que é que vossemecê ganhava com isso? TIA RITA Ora. Pr’a que houvera de ser? Pr’a Rosa casar co’o Luis. (espanto geral). A cachopa estava botada pr’ó João e se ele aparecesse como ladrão ninguém mais o queria na Companha. ANTONE Nem na minha, nem na de nenhum Mestre. Na pescaria só há lugar pr’a gente séria. TIA RITA Pois era. O rapaz tinha de ir para longe e depois, longe da vista, longe do pensamento. A cachopa era só pró Luís. LUÍS A história não está mal-arranjada, não senhor. Foi você que a compôs ti Manel? Tem jeito. Parabéns. JOÃO Eu esmago aquele cão. TI MANEL (para João) Deixa lá que agora é comigo. -Pois enganas-te, meu home. Nós cá não temos jeito para isso. P’ra nós, os pescadores, prós homes do meu tempo, era a nossa pia de batismo, a nossa escola e a nossa sepultura. Quem vive em cima dele só tem que pensar uma história. Como se lhe há-de arrancar a riqueza e fugir-lhe às traições, nisto é que pensa o pescador. TI JAQUIM É verdade, Manel, o pescador só quer viver honradamente e na graça de Deus. Pr’às outras histórias não lhe chega o tempo.
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Opereta Poveiros, de José Sá
LUÍS Já agora, ti MANEL, conte o resto da história, a história do nascimento do João. Pode ser que ele seja filho de algum príncipe e de alguma moira encantada. TI MANEL Descansa, o João é filho dum pescador e duma pobre mulher que muito sofreu. LUÍS É … (e aponta para o ti Manel intencionalmente) TI MANEL Meu, meu filho? Quem dera. LUÍS Confesso que cheguei a supor. Só se pode querer tanto quando se é… TI MANEL Um pai acaba. Mas olha que só o não é porque não tem a minha carne, nem o meu sangue, mas tem a minha alma. Foi nos meus braços que ele chorou pela primeira vez. JOÃO Foram eles que me ampararam pela vida fora. ANTONE É a altura de nos dizer tudo ti Manel. TI MANEL Tem razão. Acordei com o palpite que Nossa Senhora da Saúde ia fazer um milagre e que depois eu tinha que vos contar o resto da história. Foi por isso que foi ao fundo da caixa buscar uma relíquia que trago aqui no bolso da camiseta. LUÍS (com ar de chalaça) Uma relíquia?
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Opereta Poveiros, de José Sá
TI MANEL (tirando do bolso) Sim, isto sabes o que é? ANTONE É a corrente do pai do Luís. Levava-a sempre nos dias das procissões. Conheço-a bem. LUÍS Sim, é do meu pai. Procurou-se tudo quando ele morreu. Ninguém a encontrou. TI MANEL Não és capaz de dizer que eu lh’a roubei? LUÍS Não, você é sério! Mas não percebo como está na sua mão. TI MANEL Porque teu Pai m’a deu à hora da morte, não pra mim; mas para a entregar sabes a quem? LUÍS E TODOS A quem? TI MANEL Ao João. LUÍS Com que direito fica o João com isso que só a mim pertence? TI MANEL Com um direito igual ao teu, o direito de filho. TI JAQUIM Queres dizer que o pai do Luís … TI MANEL Era também pai do João…
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Opereta Poveiros, de José Sá
LUIS E assim o João…
TI MANEL É teu irmão. Aí tens a história… TI JAQUIM Nós todos devíamos ter adivinhado, agora me lembro. Desde que a mãe do João fugiu, nunca mais o teu pai (apontando para o Luís) teve uma hora de saúde. Nunca mais foi o mesmo home pr’ó mar. TI MANEL É verdade, nunca mais. Ambos pagaram bem a tentação duma noite maldita. Uma só noite… foi castigo do Senhor. LUÍS Sendo assim, tu, João, tens direito a receber a tua parte no que deixou o meu…o nosso pai. JOÃO Não, Luís. Nada quero. Basta-me a alegria de saber, enfim, quem é o meu Pai. Que Deus lhe perdoe. TI MANEL Perdoou com certeza. Nunca te desamparou. Ajudou-me sempre a criar-te. Eu era muito pobre como sabeis. LUÍS Mas eu é que não fico bem. Tens a tua parte.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Nossa Terra Como És Linda Nossa terra, como és linda Com teu manto de luar Todo cheiinho de rendas Feitas de espuma do mar Nossa terra, tão vaidosa Do valor dos filhos teus, É joia de raro preço Saída das mãos de Deus. Poveiros, quem nasce aqui Não tem inveja a ninguém, Pela Póvoa, nossa terra, Pela póvoa, nossa mãe, Ala-arriba, ala-arriba! As lanchas de velas brancas Levam o seu coração, Mas a Póvoa fica em terra A rezar pelos que vão. Igrejas e capelinhas Da linda terra poveira São flores do mesmo ramo, Rosas da mesma roseira.
FIM
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Opereta Poveiros, de José Sá
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Opereta Poveiros, de José Sá
Partituras
Imagem: Isac Romero Gonzalez NOTA: Os trechos seguintes, O Marujo, O Vira, O Meu Bairro, Romarias Velhas, dado não existirem partituras originais, foram reescritas por João Silva, com recurso às melodias mas em pleno respeito pelo espírito do autor, prof. Alberto Gomes.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Mar em fúria
No cálido fragor da madrugada O mar, esse mar-cão, em seu furor, Lançou-se em correria desalmada Na praia, enchendo a gesta de pavor... As tenebrosas ondas pela estrada Espalham suas águas num torpor; Depois, qual manta rota, esfarrapada, Esvaem-se na areia, sem vigor... Neptuno, o rei do mar imenso e forte, Fustiga sem piedade o molhe norte Que sem temor ou pranto lhe resiste... E, junto à praia, o bravo pescador, Sereno, resguardado em sua dor, Impávido, silente, atento, assiste!
José Sepúlveda
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Opereta Poveiros, de José Sá
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Opereta Poveiros, de José Sá
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ABERTURA
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Opereta Poveiros, de José Sá
3
ABERTURA
93
Opereta Poveiros, de José Sá
4
ABERTURA
94
Opereta Poveiros, de José Sá
5
ABERTURA
95
Opereta Poveiros, de José Sá
6
ABERTURA
96
Opereta Poveiros, de José Sá
97
Opereta Poveiros, de José Sá
2
AO SERÃO
98
Opereta Poveiros, de José Sá
3
AO SERÃO
99
Opereta Poveiros, de José Sá
4
AO SERÃO
100
Opereta Poveiros, de José Sá
5
AO SERÃO
101
Opereta Poveiros, de José Sá
6
AO SERÃO
102
Opereta Poveiros, de José Sá
7
AO SERÃO
103
Opereta Poveiros, de José Sá
8
AO SERÃO
104
Opereta Poveiros, de José Sá
105
Opereta Poveiros, de José Sá
2 2
FADO DO MARUJO
106
Opereta Poveiros, de José Sá
3
FADO DO MARUJO
107
Opereta Poveiros, de José Sá
4
FADO DO MARUJO
108
Opereta Poveiros, de José Sá
5
FADO DO MARUJO
109
Opereta Poveiros, de José Sá
6
FADO DO MARUJO
110
Opereta Poveiros, de José Sá
7
FADO DO MARUJO
111
Opereta Poveiros, de José Sá
8
FADO DO MARUJO
112
Opereta Poveiros, de José Sá
9
FADO DO MARUJO
113
Opereta Poveiros, de José Sá
10
FADO DO MARUJO
114
Opereta Poveiros, de José Sá
11
FADO DO MARUJO
115
Opereta Poveiros, de José Sá
12
FADO DO MARUJO
116
Opereta Poveiros, de José Sá
13
FADO DO MARUJO
117
Opereta Poveiros, de José Sá
14
FADO DO MARUJO
118
Opereta Poveiros, de José Sá
15
FADO DO MARUJO
119
Opereta Poveiros, de José Sá
16
FADO DO MARUJO
120
Opereta Poveiros, de José Sá
17
FADO DO MARUJO
121
Opereta Poveiros, de José Sá
18
FADO DO MARUJO
122
Opereta Poveiros, de José Sá
123
Opereta Poveiros, de José Sá
2
O VIRA
124
Opereta Poveiros, de José Sá
3
O VIRA
125
Opereta Poveiros, de José Sá
4
O VIRA
126
Opereta Poveiros, de José Sá
5
O VIRA
127
Opereta Poveiros, de José Sá
6
O VIRA
128
Opereta Poveiros, de José Sá
7
O VIRA
129
Opereta Poveiros, de José Sá
8
O VIRA
130
Opereta Poveiros, de José Sá
9
O VIRA
131
Opereta Poveiros, de José Sá
10
O VIRA
132
Opereta Poveiros, de José Sá
11
O VIRA
133
Opereta Poveiros, de José Sá
134
Opereta Poveiros, de José Sá
135
Opereta Poveiros, de José Sá
2
MEU ADORADO ANTÓNIO
136
Opereta Poveiros, de José Sá
3
MEU ADORADO ANTÓNIO
137
Opereta Poveiros, de José Sá
4
MEU ADORADO ANTONIO
138
Opereta Poveiros, de José Sá
5
MEU ADORADO ANTÓNIO
139
Opereta Poveiros, de José Sá
6
MEU ADORADO ANTÓNIO
140
Opereta Poveiros, de José Sá
7
MEU ADORADO ANTÓNIO
141
Opereta Poveiros, de José Sá
8
MEU ADORADO ANTÓNIO
142
Opereta Poveiros, de José Sá
9
MEU ADORADO ANTÓNIO
143
Opereta Poveiros, de José Sá
10
MEU ADORADO ANTÓNIO
144
Opereta Poveiros, de José Sá
11
MEU ADORADO ANTÓNIO
145
Opereta Poveiros, de José Sá
12
MEU ADORADO ANTÓNIO
146
Opereta Poveiros, de José Sá
147
Opereta Poveiros, de José Sá
2
GOSTO DELE
148
Opereta Poveiros, de José Sá
3
GOSTO DELE
149
Opereta Poveiros, de José Sá
4
GOSTO DELE
150
Opereta Poveiros, de José Sá
5
GOSTO DELE
151
Opereta Poveiros, de José Sá
6
GOSTO DELE
152
Opereta Poveiros, de José Sá
7
GOSTO DELE
153
Opereta Poveiros, de José Sá
8
GOSTO DELE
154
Opereta Poveiros, de José Sá
9
GOSTO DELE
155
Opereta Poveiros, de José Sá
10
GOSTO DELE
156
Opereta Poveiros, de José Sá
157
Opereta Poveiros, de José Sá
2
AVÉ-MARIA
158
Opereta Poveiros, de José Sá
3
AVÉ-MARIA
159
Opereta Poveiros, de José Sá
4
AVÉ-MARIA
160
Opereta Poveiros, de José Sá
5
AVÉ-MARIA
161
Opereta Poveiros, de José Sá
6
AVÉ-MARIA
162
Opereta Poveiros, de José Sá
7
AVÉ-MARIA
163
Opereta Poveiros, de José Sá
8
AVÉ-MARIA
164
Opereta Poveiros, de José Sá
9
AVÉ-MARIA
165
Opereta Poveiros, de José Sá
166
Opereta Poveiros, de José Sá
167
Opereta Poveiros, de José Sá
2
A VIDA É O MAR
168
Opereta Poveiros, de José Sá
3
A VIDA É O MAR
169
Opereta Poveiros, de José Sá
4
A VIDA É O MAR
170
Opereta Poveiros, de José Sá
5
A VIDA É O MAR
171
Opereta Poveiros, de José Sá
6
A VIDA É O MAR
172
Opereta Poveiros, de José Sá
7
A VIDA É O MAR
173
Opereta Poveiros, de José Sá
8
A VIDA É O MAR
174
Opereta Poveiros, de José Sá
9
A VIDA É O MAR
175
Opereta Poveiros, de José Sá
10
A VIDA É O MAR
176
Opereta Poveiros, de José Sá
177
Opereta Poveiros, de José Sá
2
OUTRA MULHER NÃO VÊ
178
Opereta Poveiros, de José Sá
3
OUTRA MULHER NÃO VÊ
179
Opereta Poveiros, de José Sá
4
OUTRA MULHER NÃO VÊ
180
Opereta Poveiros, de José Sá
5
OUTRA MULHER NÃO VÊ
181
Opereta Poveiros, de José Sá
6
OUTRA MULHER NÃO VÊ
182
Opereta Poveiros, de José Sá
7
OUTRA MULHER NÃO VÊ
183
Opereta Poveiros, de José Sá
8
OUTRA MULHER NÃO VÊ
184
Opereta Poveiros, de José Sá
9
OUTRA MULHER NÃO VÊ
185
Opereta Poveiros, de José Sá
10
OUTRA MULHER NÃO VÊ
186
Opereta Poveiros, de José Sá
11
OUTRA MULHER NÃO VÊ
187
Opereta Poveiros, de José Sá
12
OUTRA MULHER NÃO VÊ
188
Opereta Poveiros, de José Sá
13
OUTRA MULHER NÃO VÊ
189
Opereta Poveiros, de José Sá
190
Opereta Poveiros, de José Sá
191
Opereta Poveiros, de José Sá
2
O MEU BAIRRO
192
Opereta Poveiros, de José Sá
3
O MEU BAIRRO
193
Opereta Poveiros, de José Sá
4
O MEU BAIRRO
194
Opereta Poveiros, de José Sá
5
O MEU BAIRRO
195
Opereta Poveiros, de José Sá
6
O MEU BAIRRO
196
Opereta Poveiros, de José Sá
7
O MEU BAIRRO
197
Opereta Poveiros, de José Sá
8
O MEU BAIRRO
198
Opereta Poveiros, de José Sá
199
Opereta Poveiros, de José Sá
2
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
200
Opereta Poveiros, de José Sá
3
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
201
Opereta Poveiros, de José Sá
4
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
202
Opereta Poveiros, de José Sá
5
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
203
Opereta Poveiros, de José Sá
6
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
204
Opereta Poveiros, de José Sá
7
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
205
Opereta Poveiros, de José Sá
8
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
206
Opereta Poveiros, de José Sá
9
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
207
Opereta Poveiros, de José Sá
10
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
208
Opereta Poveiros, de José Sá
11
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
209
Opereta Poveiros, de José Sá
12
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
210
Opereta Poveiros, de José Sá
13
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
211
Opereta Poveiros, de José Sá
14
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
212
Opereta Poveiros, de José Sá
15
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
213
Opereta Poveiros, de José Sá
16
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
214
Opereta Poveiros, de José Sá
17
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
215
Opereta Poveiros, de José Sá
18
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
216
Opereta Poveiros, de José Sá
19
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
217
Opereta Poveiros, de José Sá
20
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
218
Opereta Poveiros, de José Sá
21
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
219
Opereta Poveiros, de José Sá
22
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
220
Opereta Poveiros, de José Sá
23
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
221
Opereta Poveiros, de José Sá
24
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
222
Opereta Poveiros, de José Sá
25
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
223
Opereta Poveiros, de José Sá
26
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
224
Opereta Poveiros, de José Sá
27
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
225
Opereta Poveiros, de José Sá
28
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
226
Opereta Poveiros, de José Sá
29
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
227
Opereta Poveiros, de José Sá
30
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
228
Opereta Poveiros, de José Sá
31
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
229
Opereta Poveiros, de José Sá
32
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
230
Opereta Poveiros, de José Sá
33
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
231
Opereta Poveiros, de José Sá
34
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
232
Opereta Poveiros, de José Sá
35
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
233
Opereta Poveiros, de José Sá
36
MARCHA DAS CONSERVEIRAS
234
Opereta Poveiros, de José Sá
235
Opereta Poveiros, de José Sá
2
DUETO DE AMOR
236
Opereta Poveiros, de José Sá
3
DUETO DE AMOR
237
Opereta Poveiros, de José Sá
4
DUETO DE AMOR
238
Opereta Poveiros, de José Sá
5
DUETO DE AMOR
239
Opereta Poveiros, de José Sá
6
DUETO DE AMOR
240
Opereta Poveiros, de José Sá
7
DUETO DE AMOR
241
Opereta Poveiros, de José Sá
8
DUETO DE AMOR
242
Opereta Poveiros, de José Sá
9
DUETO DE AMOR
243
Opereta Poveiros, de José Sá
10
DUETO DE AMOR
244
Opereta Poveiros, de José Sá
11
DUETO DE AMOR
245
Opereta Poveiros, de José Sá
12
DUETO DE AMOR
246
Opereta Poveiros, de José Sá
13
DUETO DE AMOR
247
Opereta Poveiros, de José Sá
14
DUETO DE AMOR
248
Opereta Poveiros, de José Sá
15
DUETO DE AMOR
249
Opereta Poveiros, de José Sá
16
DUETO DE AMOR
250
Opereta Poveiros, de José Sá
17
DUETO DE AMOR
251
Opereta Poveiros, de José Sá
252
Opereta Poveiros, de José Sá
253
Opereta Poveiros, de José Sá
2
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
254
Opereta Poveiros, de José Sá
3
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
255
Opereta Poveiros, de José Sá
4
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
256
Opereta Poveiros, de José Sá
5
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
257
Opereta Poveiros, de José Sá
6
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
258
Opereta Poveiros, de José Sá
7
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
259
Opereta Poveiros, de José Sá
8
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
260
Opereta Poveiros, de José Sá
9
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
261
Opereta Poveiros, de José Sá
10
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
262
Opereta Poveiros, de José Sá
11
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
263
Opereta Poveiros, de José Sá
12
POVEIRINHAS PARA A ALDEIA
264
Opereta Poveiros, de José Sá
265
Opereta Poveiros, de José Sá
2
LADRÃO! LADRÃO!
266
Opereta Poveiros, de José Sá
3
LADRÃO! LADRÃO!
267
Opereta Poveiros, de José Sá
4
LADRÃO! LADRÃO!
268
Opereta Poveiros, de José Sá
5
LADRÃO! LADRÃO!
269
Opereta Poveiros, de José Sá
6
LADRÃO! LADRÃO!
270
Opereta Poveiros, de José Sá
7
LADRÃO! LADRÃO!
271
Opereta Poveiros, de José Sá
8
LADRÃO! LADRÃO!
272
Opereta Poveiros, de José Sá
9
LADRÃO! LADRÃO!
273
Opereta Poveiros, de José Sá
10
LADRÃO! LADRÃO!
274
Opereta Poveiros, de José Sá
11
LADRÃO! LADRÃO!
275
Opereta Poveiros, de José Sá
12
LADRÃO! LADRÃO!
276
Opereta Poveiros, de José Sá
13
LADRÃO! LADRÃO!
277
Opereta Poveiros, de José Sá
278
Opereta Poveiros, de José Sá
279
Opereta Poveiros, de José Sá
2
SENHORA DA SAÚDE
280
Opereta Poveiros, de José Sá
3
SENHORA DA SAÚDE
281
Opereta Poveiros, de José Sá
4
SENHORA DA SAÚDE
282
Opereta Poveiros, de José Sá
5
SENHORA DA SAÚDE
283
Opereta Poveiros, de José Sá
6
SENHORA DA SAÚDE
284
Opereta Poveiros, de José Sá
7
SENHORA DA SAÚDE
285
Opereta Poveiros, de José Sá
8
SENHORA DA SAÚDE
286
Opereta Poveiros, de José Sá
9
SENHORA DA SAÚDE
287
Opereta Poveiros, de José Sá
10
SENHORA DA SAÚDE
288
Opereta Poveiros, de José Sá
11
SENHORA DA SAÚDE
289
Opereta Poveiros, de José Sá
290
Opereta Poveiros, de José Sá
291
Opereta Poveiros, de José Sá
2
ROMARIAS VELHAS
292
Opereta Poveiros, de José Sá
3
ROMARIAS VELHAS
293
Opereta Poveiros, de José Sá
4
ROMARIAS VELHAS
294
Opereta Poveiros, de José Sá
5
ROMARIAS VELHAS
295
Opereta Poveiros, de José Sá
6
ROMARIAS VELHAS
296
Opereta Poveiros, de José Sá
7
ROMARIAS VELHAS
297
Opereta Poveiros, de José Sá
298
Opereta Poveiros, de José Sá
299
Opereta Poveiros, de José Sá
2
TIA RITA
300
Opereta Poveiros, de José Sá
3
TIA RITA
301
Opereta Poveiros, de José Sá
4
TIA RITA
302
Opereta Poveiros, de José Sá
5
TIA RITA
303
Opereta Poveiros, de José Sá
6
TIA RITA
304
Opereta Poveiros, de José Sá
7
TIA RITA
305
Opereta Poveiros, de José Sá
8
TIA RITA
306
Opereta Poveiros, de José Sá
9
TIA RITA
307
Opereta Poveiros, de José Sá
10
TIA RITA
308
Opereta Poveiros, de José Sá
11
TIA RITA
309
Opereta Poveiros, de José Sá
12
TIA RITA
310
Opereta Poveiros, de José Sá
13
TIA RITA
311
Opereta Poveiros, de José Sá
14
TIA RITA
312
Opereta Poveiros, de José Sá
15
TIA RITA
313
Opereta Poveiros, de José Sá
16
TIA RITA
314
Opereta Poveiros, de José Sá
17
TIA RITA
315
Opereta Poveiros, de José Sá
18
TIA RITA
316
Opereta Poveiros, de José Sá
19
TIA RITA
317
Opereta Poveiros, de José Sá
20
TIA RITA
318
Opereta Poveiros, de José Sá
319
Opereta Poveiros, de José Sá
2
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
320
Opereta Poveiros, de José Sá
3
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
321
Opereta Poveiros, de José Sá
4
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
322
Opereta Poveiros, de José Sá
5
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
323
Opereta Poveiros, de José Sá
6
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
324
Opereta Poveiros, de José Sá
7
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
325
Opereta Poveiros, de José Sá
8
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
326
Opereta Poveiros, de José Sá
9
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
327
Opereta Poveiros, de José Sá
10
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
328
Opereta Poveiros, de José Sá
11
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
329
Opereta Poveiros, de José Sá
12
NOSSA TERRA, COMO ÉS LINDA
330
Opereta Poveiros, de José Sá
Apêndices
Imagem:
Isac Romero Gonzalez
331
Opereta Poveiros, de José Sá
Veronese Os gritos se espalhavam pela praia Perante tal cenário. E, impotente, No Veronese há gente que desmaia Ao pressentir a morte à sua frente. Chegaram os poveiros. Já se ensaia O modo de abordar aquela gente. E o comandante impede que se saia Ao ver nova tragédia tão presente. Então, Lagoa chama os seus amigos Que sem ligar a apelos ou perigos Se lançam lá no mar, à sua sorte. E envoltos em coragem, destemor, Alcançam num instante esse vapor Salvando toda a gente. Gesta forte!
José Sepúlveda 332
Opereta Poveiros, de José Sá
Guião (Este Guião é um original de Humberto Fernandes com algumas adaptações do prof. João Silva.)
A colmeia piscatória poveira de há seis ou sete décadas era ainda dominada pelos homens bons da classe que faziam cumprir rigorosamente os preceitos da mesma, com pesadas penas para os que, de uma ou de outra forma, os transgrediam ou pretendiam transgredir. É neste contexto que se desenrola toda a ação, ao mesmo tempo que se enaltece, com justa razão, o poveiro com todas as suas virtudes; o bairrismo, patriotismo, abnegação, fidelidade à palavra dada, honestidade, dedicação ao trabalho e a sua profunda religiosidade, ainda que por vezes ingénua, aos santos da sua devoção. É também a história de amores contrariados da Rosa e do João pelos preceitos da classe e pela palavra dada pelo progenitor, neste caso, o pai da Rosa. A peça começa com um prólogo, onde se exalta o patriotismo dos poveiros que preferem abandonar o BRASIL, a Árvore das Patacas daquele tempo, a renegarem a sua terra. Hoje este prólogo será dito pelos jograis que ides ouvir. O primeiro ato passa-se em casa do Ti Antone, pai da Rosa, a protagonista da peça, com a presença do Ti Jaquim, avô da mesma Rosa. Decorre o serão, o famoso Serão Poveiro, com troca de piadas jocosas entre todos os presentes, sobretudo os mais jovens. Canta-se:
Vá de Roda Puladinho Entra então o Zé Pequeno (interpretado pelo saudoso Ernesto Pinto) filho da Tia Rita do Fieiro, que tinha ido para a Marinha, no mesmo dia em que o Luís, o noivo da Rosa, tinha embarcado para o Brasil, porque era no dizer da família fraquito para a vida do mar. O Zé Pequeno saúda os presentes dizendo: - Há festa na capoeira. Boa-vai-ela. As moças presentes em tom de réplica respondem: - Norte que é rei dos ventos, meu home. Aqui só há galinhas de raça A Rosa diz-lhe gracejando que ele está “cada vez mais galo doido”. O Zé Pequeno, por sua vez, responde-lhe que “apesar de ter corrido os quatro cantos do mundo, não encontrou mulheres como as da Póvoa, como a Rosa a mais linda costureira da nossa terra”. Esta pergunta-lhe então o que ele fez nos três últimos anos e o Zé Pequeno responde: - O que fiz? Fui Marujo. Marujo de Portugal! Sabeis o que é ser marujo? Canta:
Fado do Marujo. E a conversa, recheada de piadas, continua entre várias raparigas presentes, sobretudo a Maria que vai lançando algumas piadas ao Zé Pequeno, a ponto deste a desafiar para uma cantiga:
Vamos lá toca a virar Entra então uma rapariga (a mesma mulher) correndo a dizer:
333
Opereta Poveiros, de José Sá
- Estais p’ra aí a badalar e o salva-vidas já saiu p’ró mar há mais de meia hora … Exclama então a Rosa: - E os barcos todos no mar, meu Deus. O Zé pequeno procura acalmar todos os que vão a correr p’rá praia, e o Ti Jaquim recorda uma tarde, há muitos anos, em que morreram vários camaradas seus, recriminando, ao mesmo tempo, o pai da Rosa (Ti Antone) por não ter seguido os seus conselhos de não ir ao mar. Na saída, uma das raparigas a Maria, prende a Rosa, pedindo-lhe um grande favor: Que lhe escreva, sem falta, já que é analfabeta, uma carta ao seu noivo, para mandar pelo Gil Eanes que sai no dia seguinte. A nossa colaboradora adoeceu, pelo que pedia a vossa benevolência para quem a vai substituir:
Meu Adorado ANTONE Quando a Rosa acaba de escrever a carta, pergunta à Maria; Tu gostas muito do teu rapaz, gostas do teu ANTONE? Que sentes quando ele vai p’ró mar? Que sentes quando ele volta? A Maria responde; É como se o meu peito fosse uma grande Igreja com os sinos todos a repicar numa grande festa, numa Aleluia. E a Rosa, como que abstrata, repete. É assim, é assim mesmo. Eu gosto dele:
Gosto dele Entretanto, o Ti Jaquim, avô da Rosa, tinha entrado despercebido e a Rosa pergunta-lhe, preocupada, se ele tinha ouvido alguma coisa. Como o avô lhe respondesse afirmativamente, segue- se um vivo diálogo em que o Ti Jaquim repreende a neta por esta não respeitar a palavra do pai que a tinha prometido ao Luís. Mas a Rosa reclama os direitos do seu amor e pede ao avô que a proteja e defenda. Este, ao mesmo tempo que aceita o compromisso, conta-lhe que também, na sua mocidade, na romaria da Senhora da Saúde, tinha conhecido uma morenaça de dezoito anos com os cabelos negros em ondas e os olhos pretos e muito grandes como os padre-nossos dum rosário. Apaixonaram-se, mas a Maria Remelga que tinha uma língua mais perigosa que os dentes de tubarão e tinha presenciado toda a cena, espalhou logo a notícia. O rapaz foi obrigado a sair da Póvoa porque o pai o mandou. Que tristeza tamanha, que lhe passou para o peito. E em breve lá ia para sempre a enterrar entre montes de luzes e de flores. Por isso, no fim do seu desabafo o Ti Jaquim diz á Rosa que a compreende muito bem. O diálogo é interrompido por um rapaz, dizendo que o salva-vidas chegou à praia com um ror de homens salvos. Correm todos para a praia mas a Rosa diz ao avô que quer ficar em casa a rezar por todos…por ele, no que é acompanhada pela Maria.
Avé Maria. Entra, então, o Ti Antone, pai da Rosa, amparado por vários companheiros que tinham naufragado com ele. A filha corre para o pai e abraçam-se. Entretanto, o Tio JAQUIM pede ao filho que lhe explique como se deu o naufrágio. Este, ao mesmo tempo que relata os acontecimentos, realça o papel do João que ajudou todos a salvar334
Opereta Poveiros, de José Sá
se. Todavia, acrescenta que quando já iam a entrar para o salva-vidas, o João, já sem forças, foi arrastado por uma onda e nunca mais ninguém o viu. A Rosa, aflita, pergunta ao pai: - Morreu? E quando o pai lhe diz: -Sabe-se lá… Só Deus o pode ter salvo, - ela exclama chorando e abraçada ao avô: - Meu Deus que vai ser de mim. E Ti Antone percebe então que a Rosa não gosta do Luís, mas sim do João e diz: - Triste vida, pobre filha!
Santa Maria
Segundo Ato Mal o sol desponta Este ato decorre na praia do pescado e começa com um diálogo fraternal entre o Ti Manel e o Ti Jaquim, velhos lobos-do-mar em que ambos recordam que por causa do naufrágio de que o Ti Antone foi vítima, toda a gente ficou a saber que a Rosa gostava do João, o que impediu que se juntassem as duas casas, a do Luís, presumido noivo da Rosa, e a do Ti Jaquim, como estava combinado. E como o João tinha sido salvo no último instante pelo barco salva-vidas, o Ti Manel verbera ao Ti Jaquim o não ter ajudado a Rosa conforme tinha prometido. Este defende-se evocando os preceitos da classe e afirmando mesmo que a Rosa há-de ser do Luís em virtude do pai dela ter empenhado a sua palavra e que foi apenas por compaixão que prometeu ajudar a neta. Entra a Rosa, e o avô chama-lhe a atenção por ela passar a vida a correr para a praia. Ela responde que “é na lancha de seu pai o Ti Antone, que o seu coração anda embarcado”. Intervém o Ti Manel dizendo que tinha criado o João desde pequenino e lhe queria tanto como se fosse seu filho, que o João, embora sendo o moço mais valente da companha, não convém à Rosa porque é filho dum pecado: - Nunca viu a mãe e nem sabe quem é o pai. O avô da Rosa corrobora esta opinião e chama a atenção da neta para o que dizem as bocas do mundo. A Rosa responde: -Já sei. Mas que tem isso? Que tenho com o mundo. - O TI- Manel conta-lhe então a história do nascimento do João. É filho de uma mulher, a Tereza Caramelho, que num momento de fraqueza e devido á fome que grassava naquele tempo em toda a pescaria, tinha sido seduzida por um homem, enquanto o marido fora para o Brasil em busca de melhor sorte e, já há dois anos, que não dava notícias. E acrescenta que foi o único que teve pena dela e a recolheu em sua casa deixando-lhe o filho de meses e fugindo para Matosinhos, onde morreu, pouco depois, roída de saudades e de remorsos. Termina dizendo que fez o juramento de não revelar quem era o pai do João a não ser que … Entretanto, o Ti Jaquim pede ao Ti Manel que se cale porque vê o Luís, noivo da Rosa, a aproximar-se.
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Opereta Poveiros, de José Sá
Este pergunta à Rosa se tem medo dele, porque ela, sempre que o vê procura ou fugir à conversa, ou afastar-se. Faz-lhe ver que ela é sua noiva, que lhe foi prometida pelo próprio pai, antes dele embarcar para o Brasil e que se tem de cumprir o que os pais de ambos trataram. Termina por lhe perguntar_ Porque não gostas de mim?
Porque não gostas de mim. O diálogo continua com a Rosa afirmando que só se casará com um pescador que continue a vida do pai, do avô, enfim …como o João. O Luís, exaltado, responde: - Então, supões que eu me deixaria trocar por um qualquer Joãoninguém, por um enjeitado? - ao mesmo tempo que procura agarrar a Rosa. Esta procura resistir-lhe dizendo que tem nojo dele e quando se prepara para gritar por socorro, surge o João. Há uma troca violenta de palavras entre o Luís e o João, acabando os dois por se engalfinharem. Aos gritos da Rosa aparecem o Ti Jaquim e o Ti Manel que com a sua autoridade separam os dois rivais. O Ti Jaquim manda a Rosa para casa, ao mesmo tempo que o Ti Manel repreende o Luís dizendo-lhe que ele não deve petar com o João: - Todos menos tu! O Ti Jaquim reforça o que disse o amigo e dirigindo-se ao Luís diz-lhe que não é vergonha nenhuma nascer no fieiro. O João confirma o que disse o Ti Jaquim acrescentando, tenho orgulho em ser do sul, vaidade em ser do fieiro.
O Meu Bairro - E agora, anda lá, João - diz o Ti Manel - toca p’ró trabalho que a lancha está a descarregar. Todos se retiram. Todavia o Luís que ficara para trás, é surpreendido pela aparição da Tia Rita Bruxa que saindo de trás dum barco, o chama e lhe diz que ouviu tudo, e lhe promete que com umas rezinhas conseguirá tirar da cabeça da Rosa a sua paixão pelo João, em troca de algum dinheiro para a pinguinha. São interrompidos pelas cachopas da fábrica.
Coro das conserveiras Quando as conserveiras acabam de passar, aparece a Rosa e a Maria conversando sobre os seus namorados, queixando-se a primeira dos preceitos da classe e do pai ter empenhado a sua palavra, querendo cumpri-la como era seu dever. O diálogo entre as duas amigas é interrompido pela intervenção da Tia Rita Bruxa que assusta as duas, e tenta convencer a Rosa a casar com o Luís. Esta responde-lhe dizendo que nunca casará com o Luís, e manda a bruxa embora. Esta sai, resmungando e proferindo ameaças contra a Rosa. Do lado contrário, aparece o João. E a Maria, percebendo que os dois querem ficar sós, sai também. Então, o João, ao mesmo tempo que se queixa do desprezo a que foi votado e do seu sofrimento, manifesta à Rosa todo o seu amor. Esta responde-lhe “que também o quer com toda a sua alma:
Dueto de Amor Trocam de seguida juras d’amor e quando se vão beijar, são interrompidos pelo Ti Jaquim e pelo Ti Manel, que gritam, bracejando: -Alto lá, escrituras com selos só no Tabelião| - Põemse todos de acordo, no sentido de convencerem o pai da Rosa a deixar que a filha case com o João. 336
Opereta Poveiros, de José Sá
O Ti Jaquim aceita mas põe como condição que o Ti Manel diga quem foi o pai do João. Este volta a jurar pelas cinco chagas de Cristo que só revelará o segredo no dia em que o João se casar ou se estiver em perigo. Ouve-se o pregão: vamos à sardinha fresca.
Poveirinhas para a aldeia O Ti Jaquim, o Ti Manel, a Rosa e o João fazem então apologia da mulher poveira. Nisto, aparece o pai da Rosa, acompanhado por muita gente e pelo Luís, queixando-se que lhe roubaram peixe do seu cartel. O Ti Antone ameaça mesmo ir queixar-se às casas grandes, (nome que os pescadores antigos davam ao tribunal e á cadeia) e diz que já cojiou (revistou) os sacos de todos os camaradas da companha. O Luís pergunta-lhe, em tom irónico, se também verificou o saco do João. O Ti Antone diz que não porque não lhe quer fazer essa desfeita e também porque confia nele. Intervém o Ti Manel, que confiando no João, insta com o Ti Antone para que verifique o saco do João. Este contrariado, acede ao pedido e vai tirando do saco as coisas do João acabando por encontrar no fundo do saco a pescada roubada. Todos então injuriam o João chamando-lhe ladrão, ladrão, apesar de ele protestar veemente a sua inocência.
Ladrão, ladrão
Terceiro Ato Na Senhora da Saúde Vários ranchos dispersos pelo terreiro vão trocando piadas entre si, quando aparece o Ti Jaquim que é saudado por todos e também se mete á conversa com as moças. Relembra as romarias do seu tempo e afirma que não eram como as d’agora porque, segundo ele, cá no mundo até para os Santos há modas. Antigamente, a pescaria ia para o S. Torcato a Senhora d’Abadia ou o S. Bento da Porta Aberta. Hoje é o S. Bento de Vairão e a Senhora da Saúde. Por fim, em tom saudoso, exclama: Oh romarias do meu tempo!
Romarias Velhas Quando os ranchos se afastam, o Ti Jaquim fica só e aparece então a Maria conversando com a Rosa, e procurando animá-la, no que é secundada pelo avô da Rosa que ficara a ver os ranchos dançar. A Rosa responde-lhes que nunca mais terá sossego enquanto não provar que o seu amado está inocente. A Maria insiste dizendo- lhe que o João foi para Matosinhos, que nunca mais voltou e que se vire p’ró Luís que lhe quer como às meninas dos olhos. Mas a Rosa diz que fez o juramento de se prometer ao João e que quanto mais desgraçado ele for, mais lhe quer. Perante isto, o Ti Jaquim e a Maria convidam-na a ir rezar á capela da Senhora da Saúde, onde a Rosa faz a promessa de vir da Póvoa a pé descalça e ir na procissão, se a Senhora a ajudar a descobrir o verdadeiro ladrão. Surge neste momento o João, acompanhado do Ti Manel, que chama a Rosa em voz baixa, mas esta já não o ouve. O Ti Manel censura o João por se arriscar a ser visto por alguém conhecido e, diz-lhe para se esconder atrás dum muro, enquanto ele vai prevenir a Rosa para que ela não fique sobressaltada, e para que ninguém desconfie. Entretanto, chega também á romaria a Tia Rita Bruxa que é logo cercada por um bando de rapazes que lhe atiram piadas. 337
Opereta Poveiros, de José Sá
Tia Rita Bruxa Só a pronta intervenção do João salva a Tia Rita de apuros, mas este é reconhecido pela rapaziada que logo se afasta dizendo em voz alta que estava ali o João, apesar deste lhes ter pedido para nada dizerem. A Tia Rita agradece ao João a sua intervenção, ao mesmo tempo que lhe diz que vai beber uma pinguinha p’ra ganhar mais forças e que em paga, Nossa Senhora talvez o ouça e o livre dos seus males. Chegam então a Rosa e o Ti Manel e este afasta-se um pouco para que os dois namorados possam matar saudades e trocar entre si palavras de amor. A certa altura, o Ti Manel que se tinha posto de vigia para livrar o João de qualquer mau encontro, interrompe o diálogo entre o João e a Rosa e diz-lhes que, como é dia de grande festa, parece que a Senhora da Saúde quer fazer um milagre, porque a borrasca se aproxima. Ouve-se grande vozearia e aparece um rapaz que aponta ao Ti Antone, que vem acompanhado pelo Luís, pelo Ti Jaquim e por muita gente, o lugar onde estava o João. Este é apostrofado violentamente pelo pai da Rosa que lhe diz que ele é um maldito e que além de lhe roubar a pescada ainda lhe quer roubar a filha. A Rosa intervém, fazendo um ato de fé na honradez do seu amado, perante uma frase irónica do Luís que pergunta ao João como é que a pescada tinha voado para o saco dele? Responde-lhe o Ti Manel, acompanhado pela Tia Rita Bruxa, dizendo que já não tem muito que esperar para o saber. O Ti Manel intima então a Tia Rita a contar toda a verdade. Esta confessa diante de todos, que foi ela que, aproveitando- se da lancha estar a descarregar o peixe, no dia em que o Ti Antone se queixou de ter sido roubado e, como este estava de costas, sorrateiramente, agarrou a pescada metendo-a debaixo do avental. E foi coloca-la no saco do João que ainda estava dentro da lancha, no intuito de o incriminar e assim, obrigar a Rosa a casar com o Luís. Este interpela asperamente o Ti Manel, dizendo-lhe que como tinha criado o João e lhe queria como filho, tinha inventado toda aquela história para o salvar. O Ti Manel responde-lhe que a Senhora da Saúde ia fazer um milagre. E começa a contar a história de quem era o pai do João, cumprindo assim o seu juramento. Puxa do bolso uma corrente de ouro que o Luís reconhece ser a do próprio pai e a julgava desaparecida. O Ti Manel revela então, que aquela corrente lhe tinha sido entregue pelo pai do Luís, à hora da morte, para a entregar ao João. - Que direito tem o João de ficar com uma coisa que só a mim pertence? - pergunta o Luís ao Ti Manel. Este responde: - O mesmo direito que o teu, o direito de filho - conclui o Ti Jaquim. - Então quer dizer que o Luís e o João são irmãos. - Exatamente - diz o Ti Manel - é essa a verdadeira história do João. O resto, já todos vós adivinhais O Luís e o João abraçam-se e fazem as pazes. O Ti Antone consente no casamento da Rosa com o João. E a peça termina com o Ti Manel dizendo: - Deve estar contente o vosso pai, rapazes, bem como a tua mãe João. Este respondeu: - Ela mais que ninguém.
Nossa Terra como és Linda Texto original de: Humberto Fernandes 338
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Poveiros POVEIROS... Ó GENTE SANTA Raça de heróis sem igual Onde os há mais decididos, Mais valentes, destemidos Na HISTÓRIA DE PORTUGAL?! Nas vastas terras do Império Tudo se fez p'ra vencer. Por S. Jorge se matou Aqui, por Deus se salvou, Quem estava prestes a morrer! Olhai o CEGO DO MAIO Um SÍMBOLO de valentia Entre todos o MAIOR O primeiro, sem favor, De uma HERÓICA DINASTIA. Havia perigo na barra? Barco no mar e avante. Tantas vidas lhe roubou E sempre o mar respeitou A vida deste GIGANTE! MESTRE SÉRGIO vem depois E então havias de ver, Sobre as vagas que não teme Do salva-vidas ao leme P'ra salvar ou p'ra morrer. O VERONESE... Que horror! Cresce o mar e, de repente, Eram centenas de vidas Além, num barco perdidas, À vista de toda a gente! LAGOA, mete ao mar o salva-vidas Com heroica decisão. Chegou, do barco tão perto, Que deixou assim aberto Caminho para a salvação. PEROQUEIRO; outro irmão d'armas Desta jornada sem par. Nunca o receio da morte Se albergou no peito forte Do velho LOBO DO MAR. 339
Opereta Poveiros, de José Sá
HERÓICA GENTE que vives P'rós teus amores que são dois. Mas sempre para o poveiro, A sua terra primeiro, A sua PÁTRIA depois! Diz-se até que D.LUÍS, Um rei também marinheiro, Lhe perguntou uma vez: "Ouve lá, és português? Não, meu SENHOR, sou POVEIRO!" Finalmente, o nativismo, Está no Brasil a mandar E surge um dilema, então; Se aqui queres ganhar o pão, A PÁTRIA tens de trocar! Responde logo o POVEIRO, Com decidida altivez: "Que importa que viva mal? Eu nasci em Portugal, Hei-de morrer PORTUGUÊS!"
Texto:
José Sá
Imagem:
Isac Romero Gonzalez
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Documentos
Comércio da Póvoa, 02.1946
Comércio da Póvoa, 28.02.1948
Voz da Povoa, Abril de 1990
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Partituras Originais
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Índice Ficha Técnica ........................................................................................................................................... 4 Agradecimentos: ...................................................................................................................................... 5 Poveiros .................................................................................................................................................. 6 Valeu a pena!........................................................................................................................................... 7 O meu encontro com a Opereta Poveiros ................................................................................................. 9 José Sá ................................................................................................................................................... 11 Alberto Gomes....................................................................................................................................... 12 João Silva ............................................................................................................................................... 13 Pescadores Heróis .................................................................................................................................. 14 Opereta Poveiros ................................................................................................................................... 15 Enredo ................................................................................................................................................... 16 Prólogo .................................................................................................................................................. 17 Primeiro Ato .......................................................................................................................................... 21 Segundo Ato .......................................................................................................................................... 41 Terceiro Ato ........................................................................................................................................... 67 Partituras .............................................................................................................................................. 89 Mar em fúria.......................................................................................................................................... 90 Apêndices ............................................................................................................................................ 331 Veronese ............................................................................................................................................. 332 Guião................................................................................................................................................... 333 Poveiros .............................................................................................................................................. 339 Documentos ........................................................................................................................................ 341 Partituras Originais .............................................................................................................................. 342
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