ISSN 2358-3223
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Ano V – Nº 25 Jul-Ago 2018 Classificação Qualis/Capes: B4
Editor Fábio Paixão
Coordenadores Mário Luiz Delgado Fernanda Tartuce
Conselho Científico Álvaro Villaça Azevedo Águida Arruda Barbosa Cibele Pinheiro Marçal Tucci Debora Brandão Débora Gozzo Gilberto Fachetti Silvestre Jones Figueirêdo Alves Luis Felipe Salomão Marilia Xavier Paula Victor (Portugal) Rodolfo Pamplona Filho Rodrigo Toscano de Brito Rui Portanova Ursula Basset (Argentina)
Colaboradores deste Volume Aline Lampert Rocha Pagliosa – Aníbal Fraga de Resende Chaves Carolina Curvelo da Luz Batista – Dirceu Pereira Siqueira – Durval Salge Junior Edmundo Alves de Oliveira – Etel de Oliveira Monteiro Jordana Maria Mathias dos Reis – José Luiz Gavião de Almeida Leonardo Estevam de Assis Zanini – Maria Berenice Dias – Mateus Turíbio de Moura Raul de Mello Franco Jr. – Vinicius Pinheiro Marques – Vitor Hugo de Melo
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Publicação bimestral da LexMagister à qual se reservam todos os direitos, sendo vedada a reprodução total ou parcial sem a citação expressa da fonte. A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores. Artigos podem ser enviados para o e-mail doutrina@editoramagister.com. Não devolvemos os originais recebidos, publicados ou não. As íntegras dos acórdãos aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto ao órgão competente do respectivo Tribunal. Esta publicação conta com distribuição em todo o território nacional. A editoração eletrônica foi realizada pela LexMagister, para uma tiragem de 5.000 exemplares. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões v. 1 (jul./ago. 2014)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2014Bimestral. Coordenação: Mário Luiz Delgado e Fernanda Tartuce. v. 25 (jul./ago. 2018) ISSN 2358-3223 1. Direito de Família – Periódico. 2. Direito de Sucessão – Periódico. CDU 347.6(05) CDU 347.65(05) Ficha catalográfica: Leandro Lima – CRB 10/1273 Capa: Apollo 13 LEXMAGISTER Diretor: Fábio Paixão. IASP – INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO Presidente: José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro Vice-Presidente: Maria Garcia Diretora-Secretária: Raquel Elita Alves Preto Diretor Financeiro: Flávio Maia Fernandes dos Santosi Diretor Cultural: Diogo Leonardo Machado de Melo Diretor de Comunicação: Alexandre Jamal Batista Comissão de Estudos de Direito de Família e das Sucessões: Águida Arruda Barbosa, Álvaro Villaça Azevedo, Caetano Lagrasta, Carolina Scatena do Valle, Cassio Sabbagh Namur, Cibele Pinheiro Marçal Tucci, Clarissa Bernardo, Cláudia Stein Vieira, Débora Brandão, Débora Gozzo, Fernanda Tartuce, Flávio Murilo Tartuce Silva, Gabriele Tusa, Jones Figueirêdo Alves, José Fernando Simão, Marco Antonio Fanucchi, Maria Fernanda Vaiano S. Chammas, Mário Luiz Delgado, Natalia Imparato, Renata Mei Hsu Guimarães, Renata Silva Ferrara, Silvano Andrade do Bonfim, Valeria Lagrasta Luchiari.
LexMagister Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040 magister@editoramagister.com www.lexmagister.com.br
IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo Rua Líbero Badaró, 377 – 26º andar São Paulo – SP – 01009-906 iasp@iasp.org.br www.iasp.org.br
Sumário Doutrina 1. Contrato de Namoro Jordana Maria Mathias dos Reis e José Luiz Gavião de Almeida.................................. 5 2. A Transição dos Direitos Adquiridos dos Transexuais de Antes para Após Operação de Mudança de Sexo Mateus Turíbio de Moura e Vinicius Pinheiro Marques.............................................. 26 3. Os Direitos da Personalidade em Face da Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado Leonardo Estevam de Assis Zanini, Edmundo Alves de Oliveira, Dirceu Pereira Siqueira e Raul de Mello Franco Jr..................................................... 40 4. A Perda do Direito Real de Habitação pelo Companheiro Sobrevivente Devido ao Não Exercício do Direito Através de Ação Declaratória Vitor Hugo de Melo e Aline Lampert Rocha Pagliosa................................................. 58 5. A Usucapião Familiar Carolina Curvelo da Luz Batista e Durval Salge Junior............................................ 81 6. Poliamor ou Não, Eis a Questão: Reflexão sobre sua Abrangência e Proposição de uma Definição Stricto Sensu Aníbal Fraga de Resende Chaves............................................................................... 92 7. Os Limites do Planejamento Sucessório como Meio de Divisão Patrimonial Segundo a Vontade do Titular Etel de Oliveira Monteiro....................................................................................... 113
Notas e Comentários 1. Regra Única para a Mudança do Nome, da Identidade Sexual e do Sobrenome Maria Berenice Dias.............................................................................................. 127
Jurisprudência 1. Supremo Tribunal Federal – Companheira de Ex-Militar. Concubinato. Direito à Pensão. Devolução dos Autos à Origem. Hipótese que se Amolda à Questão Discutida no RE 883.168-RG (Tema nº 526). Possibilidade de Concubinato de Longa Duração Gerar Efeitos Previdenciários Rel. Min. Roberto Barroso...................................................................................... 130 2. Superior Tribunal de Justiça – Alimentos. Falecimento do Genitor. Inventário. Prestação Alimentícia. Continuidade. É Obrigação do Espólio, Durante o Inventário, Continuar Prestando Alimentos ao Herdeiro a Quem o Falecido Devia, Mesmo que Vencidos Após sua Morte Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva...................................................................... 133
3. Superior Tribunal de Justiça – Prisão Civil. Alimentos. Imposição Acima do Máximo Legal. Impossibilidade. Ausência de Intimação do Devedor Acerca dos Cálculos Atualizados Apresentados pelo Credor Após o Primeiro Período Prisional. Nulidade Relª Minª Nancy Andrighi..................................................................................... 136 4. Superior Tribunal de Justiça – Estrangeiro. Expulsão. Filha Menor. Nascimento Após o Decreto Expulsório. Guarda e Convivência Socioafetiva. Demonstração. Excludente de Expulsabilidade. Constatação. Lei de Imigração. Aplicação Rel. Min. Gurgel de Faria...................................................................................... 144 5. Tribunal de Justiça da Bahia – Registro Civil. Retificação. Inclusão de Patronímico. Homenagem a Avô Materno. Procedimento de Jurisdição Voluntária. Ausência de Prejuízo. Possibilidade Relª Desª Cynthia Maria Pina Resende.................................................................. 152 6. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Inventário. Separação Obrigatória de Bens. O Cônjuge Sobrevivente Tem Direito de Partilhar, na Qualidade de Meeiro, os Bens Deixados pelo De Cujus, desde que Comprove o Esforço Comum para a Aquisição do Patrimônio Relª Desª Ana Paula Caixeta................................................................................. 156 7. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Prisão Civil. Alimentos. Pedido de Imposição de Regime Aberto. Concessão, Devendo Apresentar-se para Cumprimento da Pena Somente no Período Noturno Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro.............................................................. 161 8. Tribunal de Justiça de São Paulo – Partilha. Regime da Comunhão Parcial de Bens. Verba de Aposentadoria. Composição do Patrimônio Comum do Casal a Ser Partilhado Relª Desª Rosangela Telles...................................................................................... 165 9. Ementário............................................................................................................ 169
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 190
Doutrina
Contrato de Namoro Jordana Maria Mathias dos Reis Mestranda pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP; Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016); Advogada.
José Luiz Gavião de Almeida Livre Docente, Doutor e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP; Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Professor Titular do Curso de Mestrado da Universidade Metodista de Piracicaba; Professor de Direito Civil do UNASP; Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
RESUMO: A pesquisa tem como objeto de estudo a análise da possibilidade da existência e eficácia de uma nova modalidade de contrato atípico, o contrato de namoro. O tema é atual e mostra as mudanças dos relacionamentos amorosos recentes, isso porque o namoro foi se modificando ao longo do tempo e se confundindo com o instituto da união estável, o que provoca efeitos patrimoniais. O conflito é enfocado sobre a possibilidade de a autonomia da vontade prevalecer sobre os elementos caracterizadores da união estável, não havendo a incidência desta quando as partes não desejam que haja efeitos patrimoniais com o término do namoro. O método utilizado é o hipotético dedutivo, com base na doutrina, jurisprudência e legislação. PALAVRAS-CHAVE: Contrato de Namoro. União Estável. Namoro. Validade. Partilha de Bens.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Noções Contratuais; 2.1 Da Nova Dimensão da Autonomia da Vontade e das Novas Possibilidades Contratuais; 2.2 Sobre a Validade nos Contratos. 3 Do Estado Atual da Sociedade. 4 Da Análise sobre o Direito de Família; 4.1 Entidades Familiares; 4.2 União Estável x Namoro; 4.3 Da Judicialização dos Conflitos Familiares; 4.4 Direito de Família Mínimo. 5 Da Viabilidade do Contrato de Namoro; 5.1 Análise Doutrinária sobre a Temática; 5.2 Análise Jurisprudencial sobre a Temática. 6 Conclusões. 7 Referências.
1 Introdução O presente estudo tem como escopo problematizar uma nova modalidade contratual atípica criada por conta de novas necessidades que surgiram
6
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
na atualidade. Isso porque, atualmente, as relações afetivas podem vir a produzir efeitos jurídicos não desejados pelas partes, especialmente no âmbito patrimonial. O contrato de namoro surge no sentido de evitar a constituição de uma entidade familiar, a união estável, que prevê a partilha dos bens onerosos adquiridos na constância da relação amorosa. Isso decorre do fato de que a expressão “namoro”, no mundo atual, foi ampliada de um relacionamento sem compromisso para relacionamento em que os indivíduos se comportam como se companheiros fossem. Para o presente artigo, o método utilizado foi o dedutivo, porquanto partiu-se de um estudo sobre as noções contratuais, analisando a evolução histórica dos contratos, bem como os dispositivos legais atuais e a transformação da autonomia da vontade frente aos contratos. Em seguida, foram analisados os requisitos contratuais e a possibilidade da existência de contratos atípicos. Posteriormente, foi abordado o estado atual da sociedade conforme Zygmunt Bauman, para compreensão do contrato de namoro na sociedade atual. Analisou-se o direito de família mínimo, no qual deve haver prevalecimento da autonomia da vontade frente a intervenção estatal. A última parte do trabalho analisou a possibilidade da validade do contrato de namoro frente ao ordenamento jurídico brasileiro, a jurisprudência atual e o posicionamento doutrinário a respeito.
2 Noções Contratuais Para analisarmos o contrato de namoro, faz-se necessário uma breve analise dos contratos em geral, seu conceito e seus elementos constitutivos. Pelo conceito clássico, extraído do período liberal, contrato é o acordo de vontades para efeitos patrimoniais, dotado de uma visão individualista, baseado no pacta sunt servanda, garantidor do patrimônio e da segurança jurídica. “A teoria tradicional do contrato estava assentada na livre e consciente manifestação de vontade dos figurantes, de modo mais amplo possível, com interferência mínima do legislador ou do juiz. Sua função era meramente individual, ou seja, de regulação autônoma de interesses privados, considerados formalmente iguais. O indivíduo contratando com outro indivíduo. Os únicos limites que admitiam a intervenção judicial eram os bons costumes e a ordem pública.”1 1
LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
7
Entretanto, ao longo do século XX e com a transposição para um período de justiça social, é possível notar uma modificação no conceito do contrato, que passou a ser entendido como um acordo de vontades com a preocupação de repercussão social, ou seja, ligado à solidariedade social. Dessa forma, entende Paulo Lôbo2: “O contrato teve de sair do isolamento a que foi destinado pelo liberalismo individualista, como instrumento de autocomposição de interesses privados formalmente iguais, para abranger outras relações jurídicas contratuais que se desenvolveram à margem desse modelo voluntarista e marcadas pela necessidade de regulação social ou pública, pela relevância da conduta negocial típica, pela abstração da vontade e pela consideração do poder negocial.”
Portanto, nota-se que existia um conceito tradicional de contrato e, posteriormente, em face da necessidade de mudanças impostas, houve a criação de um conceito contemporâneo. Isso porque o contrato passou a ter uma função social, que é atualmente um dos seus princípios basilares, tendo o intuito de promover uma justiça comutativa, afastando as desigualdades substanciais das partes. Deve-se atentar que a função social tem a finalidade de limitar a autonomia da vontade quando esta estiver em confronto com o interesse social, ainda que impeça a própria liberdade de contratar3. “Nesse cenário, o presente Código procura inserir o contrato como mais um elemento de eficácia social, trazendo a ideia básica de que o contrato deve ser cumprido não unicamente em prol do credor, mas como benefício da sociedade. De fato, qualquer obrigação descumprida representa uma moléstia social e não prejudica unicamente o credor ou contratante isolado, mas toda uma comunidade.”4
Nesse sentido, conclui Paulo Lôbo: “O contrato é, pois, fenômeno cada vez mais onipresente na vida de cada um. No entanto, não é e nem pode ser categoria abstrata e universalizante, de características inalteradas em face das vicissitudes históricas. Seu significado e seu conteúdo conceptual modificaram-se profundamente, sempre acompanhando as mudanças de valores da humanidade, notadamente da sociedade brasileira.”5
Nesse diapasão, é possível afirmar que os contratos sofreram uma mutação conceitual, por conta da alteração da realidade social, havendo a 2
LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 16.
3
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 3. p. 24-25.
4
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. v. 3. p. 7.
5
LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 25.
8
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
necessidade de uma nova compreensão do seu conceito e conteúdo. Essa mudança encontra-se presente no art. 421 do Código Civil, que dispõem sobre a limitação da liberdade de contratar e a função social do contrato, uma vez que tal dispositivo demonstra a clara preocupação com a tutela dos interesses sociais daqueles que se veem cotidianamente contratando. É importante ressaltar que a função social do contrato é um desafio, não para o juiz, mas para os operadores do direito, em especial os advogados, que deverão demonstrar novos caminhos, distintos dos princípios clássicos6. Conforme Carlos Roberto Gonçalves, o contrato não está apenas presente no direito obrigacional, pois também se encontra disposto em outros ramos do direito civil, como no direito das coisas, no direito de família e no direito das sucessões7. Dessa forma, é importante ressaltar que os contratos de direito de família são tidos como contratos especiais, dos quais podemos citar o contrato de casamento e o contrato de união estável, em que as partes podem dispor sobre os seus interesses.
2.1 Da Nova Dimensão da Autonomia da Vontade e das Novas Possibilidades Contratuais É possível notar que atualmente estamos diante de uma nova dimensão da autonomia da vontade. Isso porque o princípio clássico no qual o direito faz lei entre as partes ganhou uma nova dimensão, visto que a vontade foi posta como o centro de todas as avenças. No entanto, é certo que a liberdade nunca foi ilimitada, porque sempre teve como limites os princípios de ordem pública8. Além disso, o princípio da autonomia da vontade dá ensejo aos chamados contratos atípicos, descritos no art. 425 do CC para fins de conceituação, conforme Gonçalves Dias: “Contrato atípico é o que resulta de um acordo de vontades não regulado no ordenamento jurídico, mas gerado pelas necessidades e interesses das partes. É válido, desde que estas sejam capazes e o objeto lícito, possível, determinado ou determinável e suscetível de apreciação econômica. Ao contrário do contrato típico, cujas características e requisitos são definidos na lei, que passam a integrá-lo, o atípico requer muitas cláusulas minuden6
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. v. 3. p. 7.
7
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 3. p. 22.
8
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. v. 3. p. 14.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
9
ciando todos os direitos e obrigações que o compõem. Essas noções, aceitas na doutrina, foram convertidas em preceitos legais, no atual diploma civil.”9
Nota-se que a existência de contratos atípicos não é tão recente, conforme Caio Mario: “Essas noções, pacíficas em doutrina, converteu-as o Código em preceituação legal, constante do art. 425. O dispositivo, posto que consignando verdade apodítica, desdobra-se em dois incisos. O primeiro, a autorizar a estipulação de contratos atípicos, é evidentemente ocioso, pois que, em todos os tempos, a velocidade da vida econômica e as necessidades sociais conduziram à criação de toda uma tipologia contratual que o legislador não pode prever, e que os Códigos absorveram após a prática corrente havê-la delineado. O segundo, a determinar que aos novos contratos elaborados atipicamente se apliquem as normas deste Código, poderia ser mais preciso, mencionando também as normas que constem de leis extravagantes, normalmente adequadas a cada contrato atípico.”10
Nesse sentido, estamos certos da importância da possibilidade de contratos atípicos, visto que o atual Código Civil contempla apenas vinte e três espécies de contratos nominados (arts. 481 a 853), não sendo possível abarcar todas as espécies contratuais existentes, uma vez que, com o passar do tempo, novas modalidades podem ser criadas. Tanto isso é verdade que o CC/02 expressamente prevê sua possibilidade11.
2.2 Sobre a Validade nos Contratos Os requisitos de validade do contrato estão dispostos no art. 104 do CC, in verbis: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.”
Entende Carlos Roberto Gonçalves que as condições de validade dos contratos são de duas espécies: as de ordem geral, que são comuns a todos 9
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 3. p. 42.
10 PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil: contratos. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III. p. 186. 11 “Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
10
os negócios jurídicos, previstas acima e a de ordem especial, que seria o consentimento recíproco. O contrato será nulo ou anulável, então, se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for suprida pela representação ou pela assistência12. O entendimento do doutrinador está em consonância com os arts. 166, I e 171, I, do CC: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz. (...) Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente.”
Nesse sentido, para que haja um contrato de namoro, as partes deverão ser capazes de manifestar seu consentimento. O segundo requisito, que dispõem sobre a licitude do objeto, tem o intuito de impedir situações contrárias à moral ou aos bons costumes. O objeto deverá ser possível, determinado ou determinável. Assim, o contrato de namoro, que tem por objeto o próprio namoro, pode ser entendido como algo lícito, pois inexiste proibição nesse sentido, mas, ao contrário, esse relacionamento é inclusive costumeiro. O terceiro requisito é a observância da forma prescrita ou não defesa em lei. Conforme o art. 107 do CC: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Portanto, a regra geral é que os contratos não dependem de forma especial, salvo quando prevista em lei. Sendo o contrato de namoro um contrato atípico, não se tem uma forma especial estabelecida em lei, podendo ser feito por instrumento público ou particular, por escrito ou oralmente, de forma expressa ou tácita. Por último, deverá ser observado, como requisito especial, o consentimento recíproco. A concordância deve ser feita de modo espontâneo, havendo possibilidade de acordo tácito, conforme o art. 111 do CC. Entretanto, o consentimento não poderá conter vícios, como erro, dolo, coação, etc. 12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 3. p. 33-34.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
11
Portanto, conclui-se que existe a necessidade de estarem todos os requisitos presentes para que esse contrato atípico celebrado seja válido.
3 Do Estado Atual da Sociedade Neste capítulo será demonstrado o estado atual da sociedade, que serve de norte para a pesquisa desenvolvida. Isso porque o “contrato de namoro” surge diante das mudanças ocorridas na população, sendo, portanto, imprescindível fazer uma breve análise da sociedade contemporânea. Para tanto, será utilizada a teoria da modernidade líquida13, elaborada pelo sociólogo Zygmunt Bauman. Destaca-se um trecho do seu livro que demonstra a opção pelo termo líquido: “(...) Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos os fluidos, eles não mantêm a forma por muito tempo. Dar-lhes forma é mais fácil que mantê-los nela. Os sólidos são moldados para sempre. Manter os fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo – e mesmo assim o sucesso do esforço é tudo menos inevitável.”14
Nota-se que a ideia de modernidade líquida é no sentido de que os líquidos não conseguem manter uma forma fixa, adquirindo o formato do recipiente em que forem inseridos, distintos dos sólidos, que conseguem manter uma forma fixa por um determinado tempo. O referido doutrinador entende que estamos vivendo em uma sociedade de consumo, que valoriza apenas a satisfação imediata, repudiando as conquistas que exigem esforços a longo prazo15. Dessa forma, entende o sociólogo que os indivíduos estão vivendo uma vida liquida. “A ‘vida líquida’ é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. ‘Líquido-moderna’ é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido13 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 13. 14 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 13. 15 BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citali Rovirosa-Madrazo. Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 217.
12
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.”16
Os indivíduos estão vivendo um período de instabilidade e fragilidade que repercute nos relacionamentos sociais. “E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a ‘experiência amorosa’ à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.”17
Desta forma, o doutrinador entende que houve uma mudança no modo da sociedade enxergar um relacionamento amoroso, isso porque o que antes era um princípio (até que a morte nos separe), atualmente é entendido como até quando for oportuno. “Os laços e parcerias são vistos (...) como coisas a serem consumidas, não produzidas; estão sujeitos aos mesmos critérios de avaliação de todos os outros objetos de consumo. No mercado consumidor, produtos ostensivamente duráveis são oferecidos por um ‘período de teste’ e a devolução do dinheiro é prometida se o comprador não estiver satisfeito. Se um parceiro é visto nestes termos, então não é mais tarefa de ambos os parceiros ‘fazer o relacionamento funcionar’ – fazê-lo funcionar nas boas e nas más situações, ajudar um ao outro ao longo dos trechos bons e ruins, podar, se necessário, as próprias preferências, fazer acordos e sacrifícios pelo bem da união duradoura. Em vez disso, é uma questão de obter satisfação com um produto pronto para ser usado; se o prazer derivado dele não se equipara ao padrão prometido e esperado ou se a novidade diminui gradualmente com a alegria, não existe razão para ficar com o produto inferior ou mais velho, ao invés de encontrar outro, ‘novo e melhorado’, na loja.”18
Portanto, diante do estado atual da sociedade, é imprescindível a existência do contrato de namoro, isso porque, com a mudança do entendimento sobre o que seria um relacionamento amoroso, a própria sociedade criou “novas possibilidade românticas”19, que seriam relações de “comprometimento 16 BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 7. 17 BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 14. 18 BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Trad. José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 199. 19 BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 27.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
13
light que minimizam a exposição a riscos”20. Demonstra Bauman como seriam esses novos relacionamentos amorosos: “Os esforços para estabelecer e estreitar os vínculos alinham uma sequência infinita de experimentos. Sendo experimentais, aceitos na base da tentativa e eternamente testados, sempre um provisório ‘vamos esperar para ver como funcionam’, não é provável que as alianças, compromissos e vínculos humanos se solidifiquem o suficiente para serem proclamados confiáveis de maneira verdadeira e integral. Nascidos da suspeita, geram suspeita.”21
Neste sentido, os novos relacionamentos passam por um período experimental para depois tornarem-se sólidos. O namoro passou por uma mudança no mundo atual e ainda deve ser uma das espécies de uniões que não geram, por si só, efeitos jurídicos22.
4 Da Análise sobre o Direito de Família 4.1 Entidades Familiares Conforme Silvio Venosa23, o instituto jurídico da família sofreu várias mutações ao longo do tempo. No início, os grupos familiares tinham como objetivo se abrigar do frio e de possíveis predadores. No estado primitivo havia predominância por relações sexuais entre todos os membros de uma tribo, gerando, assim, um desconhecimento do pai, levando a crer que a família tinha um caráter matriarcal. Entretanto, com o passar dos anos, foi estabelecido o casamento, sendo o único reconhecido pela sociedade como criador da entidade familiar. Entendiam os romanos que para haver o casamento era necessário a affectio, sendo que o seu desaparecimento seria causa suficiente para a dissolução conjugal. Na idade média havia apenas o reconhecimento do casamento religioso24. No ordenamento jurídico brasileiro, podemos afirmar que o instituto da família sofreu grande influência da família romana, canônica e germânica. O país foi colonizado pelos portugueses. Apenas recentemente, após transformações históricas, culturais e sociais, o direito da família passou a ter novos 20 BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 25-26. 21 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 115. 22 CHAVES, Jaqueline Cavalcanti. “Ficar com”: um estudo sobre um código de relacionamento no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 83. 23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. v. 5. p. 4. 24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 6. p. 32.
14
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
rumos, adaptando-se à realidade brasileira, nascendo assim novas entidades familiares além do casamento25. Com a Constituição Federal de 1988 surge um novo direito de família, pois encampou novas entidades familiares, que já existiam, com fundamento no princípio da dignidade humana, com o intuito de proteger a todos, sem preconceitos ou desigualdades. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado § 1º O casamento é civil e gratuito a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Entretanto, o atual Código Civil não estava conforme os moldes da Constituição, isso porque o projeto do referido Código foi elaborado entre 1969 a 1975, trazendo a mentalidade dessa época26. “O conceito de família mudou significativamente (...) assume concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados 25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 6. p. 32. 26 PINHEIRO, Luiz Claudio. História do novo Código Civil. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/ noticias/25690.html>. Acesso em: 5 nov. 2017.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
15
por traços biológicos ou sócio-psico-afetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um.”27
Portanto, houve a necessidade de uma constitucionalização do direito civil, que hoje deve ser interpretado à luz dos princípios trazidos pela Carta Magna.
4.2 União Estável x Namoro Pode-se afirmar que existe uma distinção entre os institutos. A união estável foi por um longo período nominada concubinato, sendo entendida apenas como uma união entre homem e mulher sem a presença de casamento28. Apenas em 1994, com o advento da Lei dos Companheiros, passou-se a regulamentar o referido instituto. Esta Lei trouxe o reconhecimento do direito a alimentos e à participação na herança, com o preenchimento de algumas condições: “Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.”
Posteriormente, veio nova Lei dos Conviventes (Lei nº 9.278/96) trazendo o direito de partilhar os bens adquiridos onerosamente durante a convivência e o direito real de habitação do imóvel de residência da família, no caso de morte do companheiro, salvo se o sobrevivente constituísse nova união estável ou se celebrasse casamento. Atualmente, não é necessário tempo mínimo para a configuração da união estável, havendo uma preocupação do legislador com a existência do vínculo de afetividade para a sua configuração29. Nas palavras de Paulo Lôbo: 27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 49. 28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 6. p. 604. 29 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2010. p. 169.
16
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
“O início da união estável é o início da convivência dos companheiros. A dificuldade é reduzida quando se pode provar o começo da convivência sob o mesmo teto. São inúmeras as possibilidades de prova: a aquisição de imóvel para a moradia, a aquisição de móveis para guarnecerem a moradia, o contrato de aluguel do imóvel, o testemunho de vizinhos, de amigos, de colegas de trabalho, o pagamento de contas do casal, a correspondência recebida no endereço comum. O nascimento de filho pode ser posterior à convivência como pode ser a causa da convivência.”30
Neste sentido, é possível que os namorados nem percebam que estão em união estável, podendo ser caracterizados como integrantes de uma entidade familiar31. Por outro lado, o namoro é um instituto que não foi regulado pela CF/88. Isso porque o namoro é uma relação informal da qual não se busca a constituição de uma família. Todavia, é certo que há necessidade de diferenciação entre as entidades, uma vez que, no caso da união estável: “Se os que vivem, conscientemente, nessa entidade familiar, já se sentem sufocados com a minuciosa normatização de suas vidas, imaginem as preocupações, a aflição e o medo dos que assumem um relacionamento afetivo de simples namoro, e têm o justo receio de que essa situação possa ser confundida com a da união estável (...)”32
Ademais, para Farias e Rosenvald33, a distinção entre a união estável e o namoro, atualmente, é uma linha muito tênue, já que “namorados viajam juntos, dormem juntos e, eventualmente compram bens”. Sob um olhar jurisprudencial, pode-se afirmar que o instituto do namoro é reconhecido como um relacionamento no qual não existe a intenção de constituir uma família. Esse pode ter os requisitos para a instituição de união estável (relacionamento público, continuo e duradouro), porém o que os diferencia é a intenção de ser uma família. “RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. NAMORO QUE PRECEDEU AO CASAMENTO DAS PARTES. AUSENTE OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA À ÉPOCA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA COMUNHÃO DE VIDAS. IMPROCEDÊNCIA. A união estável se caracteriza pela convivência pública, contínua e duradoura entre 30 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 167. 31 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 165. 32 VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável?. Disponível em: <http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leG liZV9ub3RpY2lhcw==&in=ODAwMA> Acesso em: 26 nov. 2017. 33 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 382.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
17
um casal com o objetivo de constituir uma família. Ao contrário do que ocorre no namoro, os conviventes se apresentam perante a sociedade como se casados fossem, e assumem para si ânimo próprio dos casados, de se constituírem enquanto entidade familiar. A relação mantida entre o casal, antes do casamento, embora duradoura e pública, tanto que culminou com o matrimônio, se caracteriza como namoro, não união estável, sob pena de desvirtuamento do instituto. Recurso improvido.”34 “AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. AUSÊNCIA. MERO NAMORO. 1. Não se reconhece a união estável quando ausentes os requisitos da união contínua, fidelidade, estabilidade, mútua assistência e ânimo de constituir família. Alegada união que não se reveste dos requisitos estatuídos no art. 1.723 do Código Civil. 2. Comprovado que a publicidade do relacionamento era de namoro, ainda que com intimidade, mas ausente prova cabal da residência sob o mesmo teto e da intenção de constituir família, a improcedência da ação se impõe. Recurso desprovido.”35 “PENSÃO ESTATUTÁRIA POR MORTE. COMPANHEIRO. CONDIÇÃO NÃO OSTENTADA. UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA. NAMORO QUALIFICADO. REQUISITOS OBJETIVOS. PUBLICIDADE, CONTINUIDADE E DURABILIDADE PREENCHIMENTO. ELEMENTO SUBJETIVO (AFFECTIO MARITALIS). AUSÊNCIA. FORMAÇÃO DA FAMÍLIA. PROJEÇÃO PARA O FUTURO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. I – Tanto a união estável quanto o namoro qualificado são relações públicas, contínuas e duradouras (requisitos objetivos). O requisito subjetivo (affectio maritalis: ânimo de constituir família) é o elemento diferenciador substancial entre ambas. II – Na união estável, a família já está constituída e afigura um casamento durante toda a convivência, porquanto, nela, a projeção do propósito de constituir uma entidade familiar é para o presente (a família efetivamente existe). No namoro qualificado, não se denota a posse do estado de casado: se há uma intenção de constituição de família, é projetada para o futuro, através de um planejamento de formação de um núcleo familiar, que poderá ou não se concretizar. Precedente do STJ. III – Verificado, no caso concreto, que o autor mantinha com a falecida um namoro qualificado, não faz jus à pensão estatutária por ela instituída. Embora a relação fosse pública, contínua e duradoura, não possuía o elemento subjetivo característico da união estável. O casal planejava formar um núcleo familiar, mas não houve comunhão plena de vida. IV – Remessa necessária provida. Apelação do autor prejudicada.”36 34 TJMG, AC 10024112852348001, Relª Heloisa Combat, j. 05.09.2013, 4ª Câmara Cível, publ. 12.09.2013. 35 TJRS, AC 70065287575, 7ª Câmara Cível, Relª Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 29.07.2015. 36 TRF da 2ª Região, Processo 0004779-38.2014.4.02.5101, Rel. Sergio Schwaitzer, j. 04.03.2016, 7ª Turma Especializada.
18
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Portanto, é inegável que a distinção entre os dois institutos não é simples, sendo difícil a comprovação da configuração da união estável e do namoro porque existem namoros que configuram a convivência pública, contínua e duradoura entre os parceiros, porém, não há intenção da constituição da união estável, porque não se têm os parceiros o intuito de criar uma família. Aliás, o próprio instituto da união estável carece de regulamento no Código Civil, conforme Rodrigo Toscano de Brito: “É interessante observar que, a par dessa constatação da pluralidade familiar, do número aberto, não se veem, por outro lado, regras bem definidas sobre as suas inúmeras repercussões patrimoniais. A família fundada no casamento é, ainda, do ponto de vista patrimonial, a que tem regramento mais detalhado. O Título II do Código Civil brasileiro é praticamente todo dedicado ao direito patrimonial de família no casamento. Mas, quando se caminha, por exemplo, para a união estável, que já é um instituto que se pode dizer consolidado entre nós, no Brasil, vislumbra-se um menor grau de detalhamento de normas do ponto de vista patrimonial, nomeadamente às que se referem à sucessão do companheiro. Quanto aos demais arranjos familiares, a normatização é ainda mais rara. Na seara patrimonial, a legislação brasileira apresenta lacunas em face desses novos arranjos familiares, motivo pelo qual, embora se deva reconhecer os vários tipos de famílias, há necessidade ainda de buscar em outras áreas do direito civil e em outras áreas do direito o apoio necessário para o preenchimento das lacunas.”37
Tudo mostra a dificuldade da diferenciação dos institutos, decorrente, principalmente, das lacunas do ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível afirmar que apenas a intenção de constituição de uma família os diferencia.
4.3 Da Judicialização dos Conflitos Familiares Pela dificuldade da distinção dos institutos acima, a via correta para a solução estaria numa solução legislativa e não na judicialização excessiva dos conflitos no âmbito familiar. Conforme o relatório do índice de confiança no Poder Judiciário, de 2016, o direito de família representa 87% das causas que levariam os entrevistados à busca de uma solução pelo poder judiciário38, demonstrando, assim, que reside em nosso país uma cultura de submeter os conflitos familiares ao 37 BRITO, Rodrigo Toscano de. Conceito atual de família e suas repercussões patrimoniais. In: DIAS, Maria Berenice (Org.). Direito das famílias. São Paulo: RT, 2009. p. 80. 38 FGV DIREITO SP. Relatório ICJ Brasil: 1º semestre/2016. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/ bitstream/handle/10438/17204/Relatorio-ICJBrasil_1_sem_2016.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 20 nov. 2017.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
19
crivo do poder judiciário. No entanto, essa não parece a melhor via. Leciona Maria Berenice Dias: “A sentença raramente produz o efeito apaziguador desejado pela justiça. Principalmente nos processos que envolvem vínculos afetivos, em que as partes estão repletas de temores, queixas e mágoas, sentimentos de amor e ódio se confundem. A resposta judicial jamais responde aos anseios de quem busca muito mais resgatar prejuízos emocionais pelo sofrimento de sonhos acabados do que reparações patrimoniais ou compensações de ordem econômica. Independentemente do término do processo judicial, subsiste o sentimento de impotência dos componentes do litígio familiar além dos limites jurídicos. O confortante sentido de justiça e de missão cumprida dos profissionais quando alcançam um acordo dá lugar à sensação de insatisfação diante dos desdobramentos das relações conflituosas.”39
As sentenças nem sempre cumprem a função esperada pelas partes que estão emocionalmente envolvidas, trazendo, ao invés de uma paz social, um conflito ainda maior. Entende Paulo Lôbo que: “O processo judicial invasivo da privacidade contribuía para o acirramento das diferenças, colocando-se as partes como contendores de uma disputa, segundo o código binário de tudo ou nada, de certo ou errado, de inocente ou culpado”40. Dessa forma, os conflitos familiares devem ser resolvidos por uma forma que traga um maior diálogo entre as partes. Neste sentido, a Lei nº 13.140/2015 poderá ser um instrumento para a solução de conflitos familiares. Isso porque a referida Lei trouxe a possibilidade de utilização da mediação para a solução de controvérsias, inclusive no âmbito do direito de família. É importante ressaltar que, com a mediação, utiliza-se uma terceira pessoa neutra que conduz as partes a solucionar o conflito existente ou até mesmo prevenir um possível conflito41. Por outro lado, podemos citar como dificuldades “os limites emocionais dos envolvidos, a privacidade que impede compensações emocionais, a exigência da boa-fé de todos e os desequilíbrios de poder”42.
4.4 Direito de Família Mínimo Conforme Leonardo Barreto Moreira Alves: 39 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009. p. 83-84. 40 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 47. 41 BARBOSA, Águida Arruda apud LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 48. 42 SERPA, Lopes apud LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 19.
20
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
“A expressão direito de família mínimo é colhida do direito penal, seara na qual se presencia fenômeno semelhante, propugnando-se um direito penal mínimo, uma vez que o Estado somente deve utilizar o direito penal para tutelar os bens mais caros à sociedade (fragmentaridade) e como extrema ou ultima ratio (intervenção mínima propriamente dita), quando insuficiente a tutela promovida por outros instrumentos sociais, como a família, a coletividade, o direito administrativo, o direito civil, etc.”43
Portanto, a expressão direito de família mínimo advém do direito penal mínimo, no qual o Estado deve intervir da menor forma possível no âmbito penal. Neste sentido, o direito de família tem a mesma finalidade, que seria dar aos indivíduos uma maior autonomia com uma menor intervenção estatal. O princípio da não intervenção no âmbito do direito de família está previsto no art. 1.513 do Código Civil, in verbis: “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. É a mesma orientação trazida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem44. É importante ressaltar que o próprio planejamento familiar, disposto no art. 226, § 7º, da Constituição Federal e o art. 1.565 do Código Civil dispõem sobre a liberdade de escolha do casal, sendo vedada a interferência estatal. Ademais, o princípio da não intervenção estatal está intimamente ligado ao princípio da autonomia da vontade. Isso porque, ao efetivar o primeiro, estaria, por conseguinte, afastando a intervenção. Neste sentido, entende Leonardo Barreto Moreira Alves: “Em verdade, o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a promoção dos direitos fundamentais dos seus membros – como a dignidade, a igualdade, a liberdade, a solidariedade, etc. –, e, contornando determinadas distorções, permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos, o desenvolvimento de sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um deles, bem como a manutenção do núcleo afetivo. Em outras palavras, o Estado apenas deve utilizar-se do Direito de Família quando essa atividade implicar uma autêntica melhora na situação dos componentes da família.”45 43 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo de incidência da autonomia privada no direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 144. 44 “Artigo XII: Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.” 45 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo de incidência da autonomia privada no direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 145.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
21
É inegável a importância da não intervenção estatal frente a todos os conflitos e relações familiares. Isso porque, com a não interferência, pode-se concretizar uma maior autonomia de vontades dos indivíduos, que poderão se relacionar e solucionar conflitos de forma livre.
5 Da Viabilidade do Contrato de Namoro Neste capítulo será analisado o contrato de namoro, seu conceito e sua possível validade no ordenamento jurídico brasileiro.
5.1 Análise Doutrinária sobre a Temática Entende Silvo Venosa que o contrato de namoro tem o intuito de invalidar a presunção legal da união estável46. Para ele, esse tipo de contrato é a proteção do patrimônio de uma das partes, com a nítida ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e do direito de família47. É importante ressaltar que não existe uma violação legal na celebração dessa espécie contratual. Todavia, existem vários doutrinadores que discordam da sua validade, conforme Paulo Lôbo: “Em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado ‘contrato de namoro’. Se a intenção de constituir união estável fosse requisito para sua existência, então semelhante contrato produziria os efeitos desejados. Todavia, considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de eficácia limitada, apenas servindo como elemento de prova, que pode ser desmentida por outras provas.”48
Para Maria Berenice Dias, o contrato de namoro, além de não ser válido, pode ser uma fonte de enriquecimento sem causa: “Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito. Não se pode olvidar que, mesmo no regime 46 VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos afetivos: o temor do amor. Notas e comentários. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 44, set./out. 2011, p. 183. 47 VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos afetivos: o temor do amor. Notas e comentários. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 44, set./out. 2011, p. 183-184. 48 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 166.
22
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
da separação convencional de bens, vem a jurisprudência reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum. O regime é relativizado para evitar enriquecimento injustificado de um dos consortes em detrimento do outro. Para prevenir o mesmo mal, cabe idêntico raciocínio no caso de namoro seguido de união estável. Mister negar eficácia ao contrato prejudicial a um do par. Repita-se: o contrato de namoro é algo inexistente e desprovido de eficácia no seio do ordenamento jurídico.”49
Entende Flávio Tartuce que o contrato de namoro deverá ser considerado nulo por violação da função social do contrato: “Problema dos mais relevantes é o relacionado à elaboração de um contrato de namoro ou de um contrato de intenções recíprocas entre as partes, justamente para afastar a existência de uma união estável entre elas. Existindo entre os envolvidos uma união estável, conforme outrora manifestado, posiciono-me pela nulidade do contrato de namoro, por afrontar às normas existenciais e de ordem pública relativas à união estável, notadamente por desrespeito ao art. 226, § 3º, da CF. Como fundamento legal ainda pode ser citado o art. 166, VI, do CC, pelo qual é nulo o negócio jurídico quando houver intuito das partes de fraude à lei imperativa. In casu, a lei imperativa é aquela que aponta os requisitos para a existência de uma união estável, categoria que tem especial proteção do Estado. Subsidiariamente, serve como argumento a função social do contrato que, em sua eficácia interna, deve ser utilizada para a proteção da dignidade humana nas relações contratuais (art. 421 do CC/02).”50
Outros doutrinadores defendem a sua possibilidade, como Zeno Veloso: “Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um ‘contrato de namoro’, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta.”51
Regina Beatriz Tavares da Silva ensina: “Há quem diga que a celebração do equivocadamente chamado ‘contrato de namoro’ configura ato ilícito. Porém, quem faz esse tipo de afirmação esquece de que a declaração de namoro serve para provar o que efetivamente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa 49 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2010. p. 186. 50 TARTUCE, Flávio. Direito de família: namoro – efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 256. 51 VELOSO, Zeno. Contrato de namoro. Disponível em: <http://www.soleis.adv.br/artigocontratodenamorozeno.htm>. Acesso em: 26 nov. 2017.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
23
declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira relação que existe entre aquelas duas pessoas, ou seja, declararem que há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável.”52
Neste sentido, para os que afirmam a validade dos contratos de namoro, ele é uma espécie de contrato atípico com o intuito de demonstrar a vontade de não constituir família, mas apenas um relacionamento amoroso. Há os que entendem a possibilidade de o documento ser realizado por escritura pública53.
5.2 Análise Jurisprudencial sobre a Temática Existem, ainda, poucos julgados sobre a validade do contrato de namoro, dos quais este negócio jurídico foi considerado válido, resultando no afastamento da união estável. O primeiro julgado ocorreu em 16 de junho de 2004 no TJRS, tendo como Relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Em sua decisão, afirmou que a configuração do instituto da união estável deve ser de forma clara, não podendo ser entendida para situações que trazem dúvidas, e o contrato de namoro é um “aborto jurídico”. Critica a necessidade da existência de um contrato para que um namoro espontâneo e singelo não seja considerado uma união estável com todas as suas consequências patrimoniais54. Outro julgado importante ocorreu no TJRJ em 15 de setembro de 2009, no qual o Desembargador Marcos Alcino A. Torres reconheceu a existência de um contrato particular que vedava a partilha de bens55. Por fim, também já foi reconhecida a existência do contrato de namoro em um processo no TJSP em 2008. Nas palavras do Desembargador Grava Brazil: “Verifica-se que os litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir família”56. Portanto, ao analisar as decisões jurisprudenciais acerca do tema, é possível notar que ainda são poucas as decisões que entendem a existência do contrato de namoro, não sendo esse ainda um meio hábil para afastar os efeitos da união estável. 52 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Contrato de namoro. Estadão Política. Disponível em: <http://politica.estadao. com.br/blogs/fausto-macedo/contrato-de-namoro/>. Acesso em: 23 nov. 2017. 53 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Contrato de namoro. Estadão Política. Disponível em: <http://politica.estadao. com.br/blogs/fausto-macedo/contrato-de-namoro/>. Acesso em: 23 nov. 2017. 54 TJRS, AC 70006235287, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 16.06.04. 55 TJRJ, AC 0000305-63.2006.8.19.00003, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Alcino A. Torres, j. 15.09.09. 56 TJSP, AC 554.280-417-00, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Grava Brazil, j. 12.07.08.
24
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
6 Conclusões Existe uma nítida diferença entre a união estável e o namoro, porém, a comprovação dela é extremamente dificultosa frente a regulamentação do instituto da união estável, especialmente sem a necessidade de um prazo determinado para a sua configuração e com a falta de leis que determinem sobre o namoro. Frente a tais dificuldades, é inegável que o contrato de namoro pode ser usado como meio de afastar o reconhecimento de uma entidade familiar, não podendo ser considerado um contrato nulo conforme grande parte da doutrina pretende. Este estudo analisou as consequências do amor líquido vivenciadas pela sociedade atual, que faz com que os relacionamentos amorosos contemporâneos sejam baseados na insegurança e em interesses individuais, constituindo laços frouxos e facilmente revogáveis. É certo que o namoro contemporâneo comporta experiências que antigamente só eram realizados após o casamento e, além disso, não é mais entendido como um período experimental anterior ao casamento, podendo ser um mero relacionamento sem compromisso em constituir uma família. Desta forma, o namoro tem um significado atual que destoa da visão clássica de anos atrás, sendo confundido inúmeras vezes com o instituto da união estável, trazendo as suas consequências jurídicas. Portanto, o presente estudo buscou demonstrar que, apesar de que a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante entenderem que o contrato de namoro deve ser entendido como nulo, por ele é possível identificar a existência ou não da intenção de constituir família, sendo o que diferencia a união estável do namoro. Ademais, é de notório conhecimento que não basta apenas o contrato, havendo a necessidade de se espelhar a realidade vivida pelo casal, que deverá ser analisada pelo Magistrado no caso concreto. TITLE: Dating contract. ABSTRACT: This study focusses on the possible existence of a new type of atypical contract, the dating contract. It is a modern theme, considering the constant changes of relationship status of these days, enabling confusion with stable unions. The conflict is focussed on the possible autonomy of will prevailing over the elements of the stable union, making it non-incident when both parts agree to not have patrimonial effects over the ending of the relationship.The method used is hypothetical-deductive based in doctrines, jurisprudences and legislations. KEYWORDS: Dating Contract. Stable Union. Dating. Validity. Sharing of Goods.
7 Referências ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo de incidência da autonomia privada no direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. BARBOSA, Águida Arruda apud LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
25
BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. ______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. ______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. ______. Vida a crédito: conversas com Citali Rovirosa-Madrazo. Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. ______. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. ______. Vidas desperdiçadas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. AC 10024112852348001. Relª Heloisa Combat, j. 05.09.2013, 4ª Câmara Cível, publ. 12.09.2013. ______. Tribunal de Justiça de São Paulo. AC 554.280-417-00. Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Grava Brazil, j. 12.07.08. ______. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. AC 0000305-63.2006.8.19.00003. Décima Nona Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Alcino A. Torres, j. 15.09.09. ______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70065287575. Sétima Câmara Cível, Relª Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 29.07.2015. ______. ______. Apelação Cível 70006235287. Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 16.06.04. ______. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Processo 0004779-38.2014.4.02.5101. Rel. Sergio Schwaitzer, 7ª Turma Especializada, j. 04.03.2016. BRITO, Rodrigo Toscano de. Conceito atual de família e suas repercussões patrimoniais. In: DIAS, Maria Berenice (Org.). Direito das famílias. São Paulo: RT, 2009. CHAVES, Jaqueline Cavalcanti. “Ficar com”: um estudo sobre um código de relacionamento no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2010. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2012. FGV DIREITO SP. Relatório ICJ Brasil: 1º semestre/2016. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/bitstream/handle/10438/17204/Relatorio-ICJBrasil_1_sem_2016.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 20 nov. 2017. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 3. ______. Direito civil brasileiro: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 6. LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ______. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil: contratos. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III. PINHEIRO, Luiz Claudio. História do novo Código Civil. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/ camaranoticias/noticias/25690.html>. Acesso em: 5 nov. 2017. SERPA, Lopes apud LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Contrato de namoro. Estadão Política. Disponível em: <http://politica. estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/contrato-de-namoro/>. Acesso em: 23 nov. 2017. TARTUCE, Flávio. Direito de família: namoro – efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável?. Disponível em: <http://www.notariado.org.br/index.php?pG =X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=ODAwMA> Acesso em: 26 nov. 2017. VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos afetivos: o temor do amor. Notas e comentários. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 44, set./out. 2011, p. 83. ______. Direito civil: contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. v. 3. ______. Direito civil: família. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. v. 5.
Doutrina
A Transição dos Direitos Adquiridos dos Transexuais de Antes para Após Operação de Mudança de Sexo Mateus Turíbio de Moura Acadêmico de Direito pela Faculdade Católica do Tocantins.
Vinicius Pinheiro Marques Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Professor de Direito da Faculdade Católica do Tocantins; Advogado.
RESUMO: Este artigo tem por objetivo identificar a ocorrência da transição dos direitos adquiridos pelos transexuais antes da cirurgia de mudança de sexo. Uma vez que essas pessoas não se identifiquem com seu gênero biológico e façam a cirurgia de mudança de sexo, não se sabe ao certo se os direitos inerentes à condição biológica da pessoa persistem mesmo após essa cirurgia, caindo em uma lacuna. Essa lacuna omissiva no ordenamento jurídico é a razão pela qual essa pesquisa se dá, abrindo espaço para vários debates jurídicos. Com essa ideia em mente, busca-se saber os limites do direito adquirido, com seu caráter absoluto, passando pelo princípio da dignidade da pessoa humana como um caminho para chegar a uma conclusão. Dispõe-se de uma pesquisa bibliográfica, em virtude de se tratar de princípios e instrumentos adotados pelo ordenamento jurídico vigente, onde grandes juristas de notório saber jurídico passaram pelos temas abordados. O método dialético-argumentativo é utilizado para abarcar, dentro da realidade social, as pertinentes contradições passíveis de argumentação. PALAVRAS-CHAVE: Transexual. Direito Adquirido. Constitucional. Dignidade Humana. Transição.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Considerações Terminológicas sobre Sexo e Gênero. 2 A Dignidade da Pessoa Humana e seus Reflexos. 3 O Direito Adquirido e seus Limites. Conclusão. Referências.
Introdução O transexual é uma pessoa que não se identifica com o gênero atribuído a si no nascimento, sentindo como se estivesse ocupando um corpo físico divergente do seu. Sente-se como uma pessoa do sexo oposto ao que possui, negando as características do seu sexo físico.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
27
Com o advento de novas tecnologias no âmbito da medicina, o transexual pode fazer uma cirurgia que alterará seu sexo para o que sente mais confortável. Discutiu-se muito acerca dos direitos dos homossexuais, deixando uma lacuna existente para pessoas que alteraram seu sexo de origem, acerca da transição dos direitos adquiridos durante o tempo em que a pessoa era de um gênero e passou a ser de outro gênero. Assim sendo, quando qualquer cidadão fizer a cirurgia de mudança de sexo, é certo que sua realidade mudará. Diante disso é importante firmar que o Direito é uma ciência social que, ao sinal de qualquer mudança de realidade, deverá se adaptar. A celeridade nos avanços tecnológicos é a principal causa de muitas discussões em meios jurídicos, e, como bem sabemos, o ordenamento jurídico brasileiro é cheio de lacunas devido a essa mudança brusca que a tecnologia é capaz de produzir na sociedade. Visando chegar a uma resposta para a lacuna entre os limites dos direitos adquiridos e a transição dos direitos dos transexuais, se faz necessário buscarmos os princípios que regem a CRFB, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio é o principal alicerce da CF/88, sendo amplamente discutido e podendo nos levar a uma resposta sobre a equidade entre os direitos individuais. Por outro lado, temos que os direitos adquiridos são absolutos, podendo retroagir quando ocorre a mudança de legislação, mas o caráter absoluto desses direitos pode ser variável, já que depende do livre exercício deles. Nesse intuito, é necessário avaliar várias ponderações a respeito de dignidade da pessoa humana em conjunto com os direitos adquiridos, de forma a não ofender a integridade dos transexuais e seus direitos.
1 Considerações Terminológicas sobre Sexo e Gênero Consideramos a perspectiva constitucional adotada no ordenamento jurídico brasileiro, que insere como uma de suas principais características o Estado Democrático de Direito e a garantia aos bens fundamentais, notadamente as conquistas de direitos básicos como saúde, liberdade e, principalmente, direito à vida. A princípio, para a compreensão do tema, faz-se necessário distinguir sexo e gênero. Yuval Noah Harari (2017, p. 157) diz que “(...) os estudiosos costumam distinguir ‘sexo’, que é uma categoria biológica e ‘gênero’, que é uma categoria cultural. O sexo se divide em masculino e feminino, e as características dessa divisão são objetivos e permaneceram constantes ao longo da história. O gênero se divide em homem e mulher (e algumas culturas reconhecem outras categorias)”.
28
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
O termo transexual está inserido na divisão de gênero, uma vez que não representa biologicamente o indivíduo. O transexual é uma pessoa que não se identifica com seu sexo, como se sua natureza biológica fosse divergente de sua mentalidade, tendo uma identidade sexual psicológica diferente, identidade essa relativa à característica de não se sentir como uma pessoa de seu sexo, negando-o. A ascensão dos direitos sociais e a ampliação das tecnologias usadas possibilitaram às pessoas que não se sentem confortáveis com sexo biológico a opção por trocar de sexo. Muitos procedimentos burocráticos são necessários para que a pessoa possa fazer a cirurgia para mudar de sexo. Assim, os direitos dos transexuais foram amplamente debatidos quando o Brasil começou a realizar as referidas cirurgias, sendo omisso nesses debates acerca da transição dos direitos dos transexuais e sendo omissa qualquer lei que poderia tratar acerca do assunto, afinal, as leis específicas existentes tratam de homens ou de mulheres. O Conselho Federal de Medicina, na sua Resolução nº 1.652/02, relata que o transexual é “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”. Sendo uma condição do transexual o caráter permanente do desvio psicológico, não demonstrando um caráter passageiro, o art. 3º da mesma resolução estabelece os seguintes critérios para a visualização do caráter permanente: “Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados: 1) Desconforto com o sexo anatômico; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente, por no mínimo, 2 anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais.”
Pode-se ver a existência de normas reguladoras que caracterizam o transexual. Apesar de o termo “transexualismo” ser adotado em virtude do caráter de distúrbio, não se pode, a bel prazer, adotar essa forma de designação, uma vez que o termo pode gerar críticas dentro da própria comunidade. E ainda, como o Estado Democrático de Direito adota a garantia de liberdades individuais, não se pode aderir a tal termo em virtude de ser passível a exclusão
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
29
dessa minoria dentro da própria sociedade. Apesar de amplamente difundido pela medicina, o Direito, contudo, cuida do caráter social, de forma a não colaborar com a marginalização e exclusão de minorias, como os Direitos Humanos pregam desde 1948. Tendo em vista que precisa acompanhar as diversas mudanças sociais ocorridas ao longo da história, o Direito tem por obrigação a função de harmonizar o princípio da dignidade da pessoa humana com a garantia de liberdades individuais. Em virtude disso, é necessário buscar, nos princípios e em outras fontes do Direito, meios legais que façam exercitar a tutela e as garantias conquistadas por esse grupo minoritário. Uma vez que os transexuais não se identifiquem com seu gênero biológico e façam a cirurgia de mudança de sexo, não se sabe se os direitos inerentes à condição biológica da pessoa persistem após a cirurgia, caindo em uma lacuna.
2 A Dignidade da Pessoa Humana e seus Reflexos Se, por um lado, temos as lacunas deixadas pelo avanço social e tecnológico, por outro, temos as fontes formais do Direito. Para tal, os princípios são de extrema importância, tendo em vista sanar a omissão e iluminar as obscuridades existentes no ordenamento jurídico, dentre os quais o princípio da dignidade da pessoa humana, que está intimamente ligado ao alicerce da CF, sendo assim de grande estima para o problema apontado. A dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico social. Celso Antonio Bandeira de Mello (2015, p. 986-987) reforça a ideia de que princípio é: “por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”
Sendo assim, os princípios são necessários para a compreensão do sistema jurídico ao todo, e não apenas por parte, afinal o Direito é uno, mesmo que dividido em matérias, e não se trata apenas do sistema positivado, se trata de chancelar a sociedade, transformá-la através da humanização. Como fundamento jurídico, os princípios vêm sendo cada vez mais usados, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana. A construção
30
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
do caráter de humanização das pessoas vem sendo feita com o valor dado a esse princípio, que se destaca por dar valor à norma jurídica e constrói, também, a noção acerca da justiça. Antes, não tínhamos sequer uma noção do que seria justiça, mas, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade ficaram mais intrínsecos no mundo, mesmo que ainda distantes da realidade de muitos lugares. O conceito de dignidade da pessoa humana que mais se encaixa na perspectiva adotada no ordenamento jurídico atual seria o de Sarlet (2008, p. 30): “(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, o que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres vivos.”
A CF aderiu efetivamente em seu ordenamento jurídico a dignidade da pessoa humana como parte fundamental da República Federativa do Brasil. Podemos entender, pela interpretação de Sarlet, que a qualidade de “ser humano” o faz merecedor de direitos e deveres que assegurem o indivíduo contra qualquer ato degradante por parte do Estado ou da comunidade, então, podemos inquirir que os transexuais precisam ter condições mínimas de existência e não podem sofrer qualquer abuso por parte do Estado. A dignidade da pessoa humana, contudo, seria considerada um super princípio, afinal, é usado internacionalmente, e o valor dado a isso na Declaração Universal dos Direitos Humanos é máximo, luta-se para que todos os direitos elencados nessa carta sejam cumpridos. Nessa vertente, Flávia Piovesan (2005, p. 41) destaca: “É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e Interno.”
Um princípio máximo como é, a dignidade não só alavancou as grandes mudanças, em especial na questão dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano, mas destaca-se o caráter internacional dado ao princípio, visando a união de povos e culturas diferentes frente ao desenvolvimento social e tecnológico. Frente a essa união é necessário explicitar que os direitos
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
31
adquiridos dos transexuais não passam a ser meramente direitos individuais, mas direitos exclusivos inerentes a essa minoria. No caso de uma mulher que, cumprindo todos os requisitos para alterar seu gênero, decide alterar seu gênero para homem e imediatamente é demitido por justa causa pelo seu empregador, com a fundamentação de que o emprego pelo qual estava sendo contratado era atividade exclusivamente de mulheres. Certamente o princípio da dignidade irá amparar esse indivíduo, uma vez que dependia financeiramente desse emprego e que o ordenamento jurídico se centra nos princípios para a criação da justiça. Immanuel Kant (1986, p. 77) já destacava em sua época: “No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade. O direito à vida, à honra, à integridade física, à integridade psíquica, à privacidade, dentre outros, são essencialmente tais, pois, sem eles, não se concretiza dignidade humana. A cada pessoa não é conferido o poder de dispô-los, sob pena de reduzir sua condição humana, todas as pessoas devem abster-se de violá-los.”
Então, pode-se entender que a dignidade humana já estava sendo construída a mais tempo do que quando realmente se concretizou. Entende-se que o valor da dignidade é algo imensurável, e que esse direito é único à condição humana. Durante muito tempo, minorias lutaram contra o abuso do direito por aqueles que perpetravam injustiças arbitrárias. Ao longo do tempo, diversos grupos éticos e sociais adquiriram maior liberdade e abrangência sobre o exercício de sua sexualidade, entretanto, houve uma grande resistência social com relação à homossexualidade e à transexualidade. Num meio social onde existem inúmeros grupos sociais divergentes e desafiadores às noções de normalidade perpetuada pela sociedade, não há espaço para a discriminação de grupos menores. Alexandre de Moraes (2005, p. 129) releva bem os valores extraídos da norma: “A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”
32
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
A Constituição de 1988 deixa explícita sua preocupação com a defesa da vida. Evidencia-se que a dignidade da pessoa humana exposta pela Constituição defende as pessoas de quaisquer danos físicos e psicológicos, mas, ao mesmo tempo, abre brecha para que possam ser feitas limitações aos direitos fundamentais e para que não ocorra o abuso de direitos de forma a prejudicar os outros ao redor. Afinal, nos Estados Unidos da América, a brecha deixada pela primeira emenda, que versa sobre a liberdade de expressão, dá causa para que as pessoas abusem desse direito para ofender outras, isso, de um lado, amplia a liberdade dada para cada indivíduo, mas também cria injustiças sob a faceta de agir de acordo com a lei. Maria Berenice Dias afirma que a dignidade humana é o principal componente que norteia não só a CF como todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo dela que se emanam todas as liberdades individuais: “A regra maior da Constituição pátria é o respeito à dignidade humana verdadeira pedra de toque de todo o sistema jurídico nacional. Este valor implica adotar os princípios da igualdade e isonomia da potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas, sendo que qualquer discriminação baseada na orientação sexual é um desrespeito à dignidade da pessoa humana e infringe regra expressa da CF que garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.” (2007, p. 71-72)
É importante mencionar a ADI 4.275, na qual se decidiu que pessoas transgêneros podem alterar o nome no registro civil sem que passem pela cirurgia, pelos princípios da autodeterminação e da dignidade da pessoa humana. No caso, o Ministro e Relator Marco Aurélio Mello (2018, p. 8) votou defendendo a “vivência desimpedida do autodescobrimento, condição de plenitude do ser humano” e ainda considerou: “dever do Poder Público, no Estado Democrático de Direito, promover a convivência pacífica com o outro, na seara do pluralismo sem admitir crivo da maioria sobre escolhas exclusivamente morais, sobretudo quando decorrem de inafastáveis circunstâncias próprias à constituição somática da pessoa.” (2018, p. 8)
Assim, o Ministro e Relator Marco Aurélio Mello decidiu que, sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, é dever do Estado promover assim a convivência pacífica entre as várias estratificações da sociedade. Ainda defendeu o princípio da autodeterminação, que nada mais é do que a garantia do direito de escolha próprio, o direito de o indivíduo determinar suas próprias escolhas. Marco Aurélio Schweizer (2007, p. 21) considera: “A dignidade da pessoa humana consiste em ter o ser humano garantido pela sociedade o
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
33
tratamento que atenda às mesmas necessidades físicas e psicológicas de seu semelhante à mesma época e lugar”. Entende-se que o princípio apontado não só deve satisfazer às necessidades físicas, mas também as psicológicas. Isso inclui satisfazer a vontade psicológica das pessoas em se sentirem felizes com o que acreditam ser. Assim, temos por dignidade o bem estar social, físico e psicológico do ser humano imerso dentro da sociedade, sendo não só um direito fundamental um alicerce do ordenamento jurídico como também um princípio absoluto internacional. O direito à dignidade está intimamente ligado à saúde, desse modo, para se ter uma vida digna, é necessário que o Estado providencie algumas necessidades sociais, sendo que o direito à saúde está exposto no art. 6º da CF/88 com um direito social, juntamente com diversos outros. Saúde, aqui, se trata tanto de um bem estar físico quanto emocional e psíquico, fazendo levar em consideração que a dignidade e a saúde devem estar presentes para que todos possam satisfazer seus desejos. Sendo a saúde, ainda, ligada ao princípio da vida, a consagração desse direito se deu de forma tardia. “É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de se informar se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem direito ao tratamento condigno, de acordo com o estado atual da ciência médica, independente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais.” (SILVA, 2004, p. 307)
Como Silva transcorre, cada um tem direito ao tratamento condigno, não só sob a óptica da ciência, mas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Evidencia-se então, pela CF/88, que a saúde, mesmo que tardiamente no Brasil, é um direito que cabe a todos. Como já dito anteriormente, os transexuais sofrem de um distúrbio, pela visão da ciência biológica, mas, sob o aspecto cultural e social, eles estão apenas cerceados, sendo uma minoria das camadas da sociedade, cabendo a eles os mesmos direitos que a todos. Acredita-se que o transexual, por nunca ter se visualizado naquele gênero correspondente, nunca teve direito àqueles direitos. Engana-se quem acredita nisso, uma vez que, na penumbra dos direitos e para a lei, não existe diferenciação entre homens e mulheres, afinal, a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como o art. 5º da Constituição Federal, instrui na crença de que “Todos são iguais perante a lei, independente de raça, gênero, cor e religião”. Assim, não se pode concluir nada com apenas a perspectiva da dignidade da pessoa humana, mas podemos chegar à outra conclusão além
34
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
desta: os princípios sozinhos não sanam as dúvidas do ordenamento jurídico, apesar de auxiliarem.
3 O Direito Adquirido e seus Limites Preliminarmente, o conceito de direito adquirido é amplamente difundido como parte do patrimônio de quem o tem, podendo ser exercido a qualquer tempo. Assim, salienta-se que está dentro do dito patrimônio jurídico do portador e exigível juridicamente, sendo esse instituto atrelado fielmente ao princípio da segurança jurídica. Nesse sentido, temos o conceito de direito adquirido por Gabba, exposto por Rubens Limongi França (1982, p. 205): “É adquirido todo direito que: (a) é consequência de fato idôneo a produzilo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, e que (b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”
Ainda Rubens Limongi França (1982, p. 208) diz que o direito adquirido: “É a consequência de uma lei, por via direta ou intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto”. No caso dos transexuais, os direitos adquiridos na fase pré-operatória constituem patrimônio jurídico, de modo que existe a livre iniciativa de se exercitar tais direitos. Cumpre exemplificar na prática: a pensão vitalícia para filhas, adotada na redação dada pela Lei nº 3.765/60. A MP nº 2.215-10/01 manteve o benefício para aqueles que contribuíssem com 1,5% das parcelas adotadas no art. 10 da dita Medida Provisória, entretanto, uma vez que a filha passe pela cirurgia de mudança de sexo, ela poderia perder o benefício, já que não se trata mais de uma filha. Mas, por se tratar de um direito adquirido que já estava constituído como patrimônio jurídico, pode-se dizer que ele não será oposto. O direito adquirido está amplamente ligado à segurança jurídica, por isso se faz necessário traçar um parâmetro acerca disso, uma vez que a segurança jurídica é algo estritamente ligado ao Estado Democrático de Direito. Silva (1999, p. 433) descreve segurança jurídica como: “(...) conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
35
jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída.”
É importante ressalvar que Silva fala em “relativa certeza”, assim a segurança jurídica não se presume absoluta. Ainda assim, deve ser respeitada, uma vez que é a base de uma sociedade justa. Em um país onde a segurança jurídica não é certa, as pessoas começam a ter aversão às instituições de poderes do Estado. Somente com a segurança jurídica é possível ter certeza e trazer confiança a essas instituições. Assim, o direito adquirido tem por dever resguardar a segurança jurídica. A segurança jurídica está, ainda, intrinsecamente ligada ao princípio da legalidade, uma vez que essa ideia surgiu no iluminismo como um meio de proteger as liberdades individuais dos cidadãos. Com isso, temos que a segurança jurídica é importante para a apreciação da transição dos direitos adquiridos dos transexuais, uma vez que visa não só proteger os cidadãos, mas também procura o equilíbrio dos direitos individuais com os interesses da sociedade, em favor do bem comum. Assim, Hely Lopes Meireles (2008, p. 137) sustenta: “(...) do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social, ao afirmar que os Estados Democráticos, como o Brasil, inspiram-se nos princípios de liberdade e solidariedade humana, daí porque a necessidade de procurar o equilíbrio entre fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum.”
Em discordância a isso, tem-se por certo a proteção aos interesses da coletividade, entretanto, em concordância ao princípio da dignidade da pessoa humana, não se pode tolerar, numa sociedade contemporânea e heterogênea como a nossa, que o direito haja arbitrariamente em favor dos anseios da sociedade. Por essa razão, as minorias, que historicamente foram exploradas e caçadas, devem ser resguardadas pelo direito, promovendo, assim, uma visão de equidade. Em atenção aos direitos adquiridos, a LINDB põe na redação do § 2º do art. 6º que: “§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém que por ele possa exercer, como aqueles do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”
Como estabelecido por esse parágrafo vemos que uma das condições visíveis é a capacidade de exercer tal direito sob a condição preestabelecida
36
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
inalterável. Na Lei nº 3.765/60, um dos pré-requisitos para a obtenção da pensão vitalícia é a característica de ser do sexo feminino. Mas a lei máxima do nosso país, chamada CF, em seu art. 5º, XXXVI, diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Desse modo, existe um vazio entre a LINDB e a CF, sendo a LINDB uma lei, ela não poderia prejudicar o direito adquirido. Mas, analisando por outra óptica, a LINDB contém as normas que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro. No caso, temos normas com forças iguais, mesmo sendo hierarquicamente diferentes. O art. 6º da LINDB estabelece: “A lei em vigor tem efeito imediato e geral, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Estabeleceu-se, por esse artigo, a irretroatividade da lei nova, ou seja, a lei nova não poderá prejudicar o direito adquirido. Pode-se presumir então que apenas emendas constitucionais limitam o direito adquirido enquanto parte da CF vigente. Entretanto, o direito adquirido não pode ser suprimido nem abolido por emendas constitucionais, mas pode ser delimitado pela via constitucional. Assim sendo, aparentemente, nenhum julgado de tribunais pode estabelecer a retirada de um direito adquirido. Por essa vertente, podemos entender que o direito adquirido não é limitado pelo Poder Judiciário, mas apenas o Poder Legislativo Federal pode versar sobre a matéria de limitação de um direito adquirido, exceto se o próprio Legislativo fosse omisso. Como bem se sabe, o Poder Judiciário pode, através de analogia, versar sobre matéria legislativa, em casos de lei omissa quanto à matéria julgada. Olhando pelo vértice do termo já conceituado, temos que o direito adquirido é disponível, a qualquer momento, para aquele que o porta, mas indisponível para todo o resto. Assim, o Estado não pode interferir no direito adquirido de um indivíduo, por ser algo líquido e certo. Temos que o direito adquirido pode atravessar o vértice da CF de forma que, se uma nova Constituição entrasse em vigência, o direito adquirido persistiria como um direito líquido e certo, a menos que a nova Constituição expressamente rejeitasse aquele direito. Entretanto, por se deparar com um aparente conflito de normas, temos que dar por claro que todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro devem obrigatoriamente obedecer ao que está previsto na Constituição Federal. Por essa vertente, podemos entender que o direito adquirido independe da condição anterior do possuidor, uma vez que, estando em seu patrimônio, não se sujeita a lei nova. Não obstante, Ivo Dantas (1997, p. 58-59) leciona: “Já dissemos que um texto constitucional é resultado de um hiato constitucional, vale dizer, de um processo revolucionário. Não se vincula a nenhum preceito jurídico-positivo que lhe seja anterior, muito embora, também nesta hipótese, os valores sociais e o Direito natural funcionem
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
37
como limitações ao exercício do Poder Constituinte. Por isto, e em consequência, poderia a nova Constituição desconstituir direitos adquiridos tal como aconteceu com a atual Constituição de 1988. Entretanto, neste caso – e já o dissemos –, há um pressuposto de ordem formal: a ressalva do não respeito aos direitos adquiridos com fundamento na Constituição anterior terá que vir expressa, não podendo ser objeto de meras deduções interpretativas.”
Estabelecido, assim, que o direito adquirido tem a sua ressalva prevista na lei máxima do ordenamento jurídico brasileiro, e que, no caso, a CF não restringiu nenhum direito adquirido até então, apesar de ter delineado os contornos de alguns. Assim, pressupõe-se que o direito adquirido dos transexuais tem seus limites, mas não está vinculado ao seu gênero e sim às imposições das leis do ordenamento jurídico brasileiro. Sem ressalvas, entretanto, com relação a essa lacuna, e com os princípios como fonte principal do ordenamento jurídico vigente, podemos realizar que, sem a imposição de leis, o direito adquirido ainda não é absoluto, afinal o absoluto significa soberania e o homem não tem essa soberania dentro da sociedade, sendo o direito, apesar de tudo, relativo. Dentro e de acordo com a CF/88, podemos dizer que o direito adquirido não conhece limites, sendo líquido e certo.
Conclusão Podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana nos mostra que as minorias devem ser protegidas sob a égide do Direito, uma vez que, sendo perseguidas e marginalizadas pela sociedade, devem ser resguardadas e protegidas pelas leis, buscando a equidade e a justiça. O transexual, apesar de sua condição ser admitida como doença, de acordo com a resolução do Conselho Federal de Medicina, deve ser visto como uma minoria da sociedade. Os direitos fundamentais fazem crer que as minorias devem ser protegidas e tem seus respectivos direitos como qualquer outro cidadão, devendo ser respeitadas e a elas ser dado tratamento digno. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana deduz que o tratamento igual, e a garantia de oportunidades e direitos a todos de forma a corroborar com o sentimento de humanização global, são necessários. Dessa forma, pode-se inquirir que a transição dos direitos adquiridos dos transexuais antes e após a mudança de sexo é algo plausível e tem sua causa e fundamentação embasadas principalmente nesse princípio.
38
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Pela definição de equidade, tratar a todos de forma a suprir às necessidades únicas de cada ser humano é estritamente necessário para a compreensão da transição desses direitos. Afinal, se as mulheres, crianças e homens são diferentes biologicamente, os transexuais também têm os direitos e garantias excutidos na Constituição Federal, quais sejam, o dever do Estado de proteger esses indivíduos e garantir a felicidade, dignidade e inserção na comunidade de forma e não gerar discriminação. Acerca dos direitos adquiridos, pudemos inserir um parâmetro de conceituação, de forma que confirma-se que o direito adquirido não conhece limites enquanto dentro de uma Constituição e de um ordenamento jurídico que não os impõe. Na CF, pode-se notar que não se impôs nenhuma restrição ao direito adquirido antes da promulgação desta. Claro que as Medidas Provisórias podem estabelecer esses limites, mas não se tem na especificidade atual, nada que limite o direito adquirido dos transexuais. Para as ciências biológicas, eles, para todos os efeitos, continuam sendo aquilo que nasceram, homens ou mulheres, apenas com um distúrbio mental. Mas, para as ciências sociais, a adequação e inserção na sociedade de forma a ser garantidas a própria felicidade, os transexuais são do sexo que optaram ser. Não sendo necessária nenhuma cirurgia para que isso seja prestigiado. Por fim, conclui-se que os direitos adquiridos dos transexuais de antes para após a cirurgia de mudança de sexo existem através do entendimento dos teóricos apresentados, mas ainda deve existir uma pacificação do assunto pelos tribunais, assim como houve com a partilha de bens para homossexuais em regime de união estável. Provavelmente, essa discussão ainda há de prosseguir em tribunais, afinal, os casos de transexuais ainda são muito isolados e não são tão expostos nem atraem a mídia. TITLE: The transition of vested rights of transsexuals from before to after sex reassignment surgery. ABSTRACT: This article aims at identifying the occurrence of the transition of the vested rights of transsexuals before sex reassignment surgery. Since these people do not identify with their biological gender and undergo sex reassignment surgery, it is not known for sure if the rights inherent to the person’s biological condition persist even after that surgery, falling into a gap. This omitting gap in the legal system is the reason why this research is carried out, sparking off several legal debates. With such idea in mind, the limits of vested rights are analyzed, with its absolute aspect, going through the principle of human dignity as a way to reach a conclusion. A bibliographical survey is available, due to the fact that these are principles and instruments adopted by the current legal order, in which great jurists of remarkable legal knowledge studied the subjects discussed. The dialectical-argumentative method was used to encompass, within social reality, the relevant contradictions that can be discussed. KEYWORDS: Transsexual. Vested Right. Constitutional. Human Dignity. Transition.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
39
Referências BARBOZA, Heloisa Helena. Disposição do próprio corpo em face da bioética: o caso dos transexuais. In: GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Bioética e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 abr. 2018. ______. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 29 abr. 2018. ______. Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960. Dispõe sobre as Pensões Militares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 maio 1960. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L3765compilado.htm>. Acesso em: 30 mar. 2018. ______. Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001. Dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas, altera as Leis ns. 3.765, de 4 de maio de 1960, e 6.880 de 9 de dezembro de 1980, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 ago. 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2215-10.htm>. Acesso em: 20 abr. 2018. ______. Superior Tribunal Federal. ADI 4.275/DF. Disponível em: <www.conjur.com.br/dl/voto-marcoaurelio-mudanca-nome.pdf>. Acesso em: 2 maio 2018. DANTAS, Ivo. Direito adquirido, emendas constitucionais e controle da constitucionalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: RT, 2007. FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. O direito adquirido e as emendas constitucionais. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 117, p. 137-148, jan./mar. 2005. HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. 25. ed. Porto Alegre: L&PM, 2017. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986. LIMONGI FRANÇA, Rubens. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 3. ed. São Paulo: RT, 1982. MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal de Direitos Humanos, Paris, 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 1º maio 2018. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 94, mar. 2005. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na CF de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. SCHWEIZER, Marco Aurélio Lopes Ferreira da Silva. A dignidade e a felicidade humana: biodireito e bioética aplicados ao registro civil das pessoas naturais. São Paulo: Scortecci, 2007. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
Doutrina
Os Direitos da Personalidade em Face da Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado Leonardo Estevam de Assis Zanini Livre-Docente e Doutor em Direito Civil pela USP; Pós-Doutor em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für Ausländisches und Internationales Privatrecht (Alemanha) e em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für Ausländisches und Internationales Strafrecht (Alemanha); Doutorando em Direito Civil pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha); Mestre em Direito Civil pela PUC-SP; Bacharel em Direito pela USP; Juiz Federal; Professor Universitário; Pesquisador do Grupo “Novos Direitos CNPq/UFSCar”; Pesquisador do Grupo “Poder Judiciário e Gestão de Conflitos” da Universidade de Araraquara (UNIARA); ex-Delegado da Polícia Federal; ex-Procurador do Banco Central do Brasil; exDefensor Público Federal; ex-Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Edmundo Alves de Oliveira Doutor em Sociologia pela UNESP; Professor de Sociologia Geral e Jurídica da Universidade de Araraquara – UNIARA; Assistente da Coordenação do Curso de Direito do Centro Universitário de Araraquara; Pesquisador na Área de Sociologia Jurídica, Política e Administração; Líder do Grupo de Pesquisa “Direito e Desenvolvimento Público” da Universidade de Araraquara (UNIARA).
Dirceu Pereira Siqueira Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra; Doutor e Mestre pelo ITE/Bauru; Pesquisador Bolsista (Modalidade Produtividade em Pesquisa para Doutor – PPD) do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICETI); Professor da Universidade de Araraquara – UNIARA; Professor Convidado do Programa de Mestrado em Gestão Estratégica de Empresas – Master of Science in Administrative Studies (MSAS), Missouri State University – EUA; Líder do Grupo de Pesquisa “Direito e Desenvolvimento Privado” da Universidade de Araraquara.
Raul de Mello Franco Jr. Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal); Mestre em Direito Público pela UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Professor de Direito Constitucional da UNIARA – Universidade de Araraquara; Promotor de Justiça; Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo; Pesquisador do Grupo “Direito e Desenvolvimento Público” da Universidade de Araraquara (UNIARA).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
41
RESUMO: O presente estudo busca analisar a clássica divisão do direito em público e privado, o que remonta ao direito romano, através de uma metodologia fundamentalmente bibliográfica, e os direitos da personalidade na perspectiva contemporânea. Partindo da distinção entre direito público e privado de modo a estabelecer uma constatação das diferentes, mas necessárias formas de efetivação destes direitos em favor de pessoas e grupos de pessoas. As implicações e distinções são relevantes e poderão facilitar o entendimento dos avanços ou retrocessos na concretização desses direitos. Reforçam argumentos favoráveis à implementação constante de medidas, de inegável importância social, voltadas à efetivação dos direitos da personalidade, cenário protagonizado pelo Estado. PALAVRAS-CHAVE: Direitos da Personalidade. Efetivação. Direito Público. Direito Privado.
SUMÁRIO: Introdução. A Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado. Os Fundamentos da Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado. Direito Público e Direito Privado: uma Distinção em Crise?. A Situação dos Direitos da Personalidade. Conclusão. Bibliografia.
Introdução O artigo propõe uma reflexão sobre a dicotomia entre o direto público e o privado, que pode ser percebida desde o direito romano. Sua fórmula pode ser extraída da seguinte sentença de Ulpiano: “Hujus studii duae sunt positiones, publicum et privatum. Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem” (Digesto, 1.1.1.2). Assim, entre os romanos, o direito público era aquele que dizia respeito ao estado dos negócios romanos, enquanto que o direito privado disciplinava os interesses particulares1. Esta breve incursão no pensamento romano permite aquilatar a considerável diferença dos diques que hoje constituem as fronteiras do público e do privado. A separação ganha nova relevância na era moderna quando é, com enfoque diverso, caracterizada pela oposição entre dois conjuntos (a sociedade e o indivíduo). Nesse contexto, desponta um novo elemento distintivo e artificial: o Estado2. O Estado e suas distintas configurações ao longo do tempo têm permitido mais ou menos nitidez no que se refere à distinção entre direito público e privado. Esta distinção entre direito público e privado permite estabelece as formas de efetivação desses direitos em favor de pessoas e grupos de pessoas na 1
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 250-251.
2
FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 136-137.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
42
realidade imposta pelo século XXI. Desta forma, o objetivo central do artigo, assentado nos fundamentos do direito romano e nas diferentes configurações históricas que assumiram distinção entre direito público e privado, é estabelecer uma base de entendimento do direito à personalidade na atualidade.
A Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado Tercio Sampaio Ferraz Junior, com base nos ensinamentos de Hannah Arendt, pontifica que essa separação entre a esfera pública e a privada caracterizava a cultura da Antiguidade de uma forma assaz peculiar. Para os antigos, a esfera privada compreenderia o reino da necessidade, o qual obrigaria o homem, se quisesse sobreviver, a exercer o labor, que estava ligado ao processo ininterrupto de produção de bens de consumo, como, por exemplo, os alimentos. Esses produtos não tinham permanência no mundo, já que eram bens perecíveis, e ainda exigiam, para a sua elaboração, instrumentos que se confundiam com o próprio corpo (os braços, as mãos, bem como suas extensões). A sede do labor era a casa (domus, oikia), locus das relações familiares baseadas nas diferenças, eis que o comando da casa era do pater familias, senhor de sua mulher, de seus filhos e de seus escravos. É neste ponto que encontramos a esfera privada, ou seja, no “âmbito em que o homem, submetido às necessidades da natureza, buscava sua utilidade no sentido de meios de sobrevivência”3. Por outro lado, os cidadãos empreendiam sua atividade em outro âmbito, ou seja, na cidade (polis), onde se encontravam entre os iguais. A atividade por eles exercida era a ação, a qual se assemelhava ao labor pela permanente continuidade. A dessemelhança se encontrava no fato de que a ação dignificava o homem, conferindo-lhe liberdade, já que seu terreno era o do encontro dos cidadãos livres que se governavam. Daí que a ideia de ação política era “dominada pela palavra, pelo discurso, pela busca dos critérios do bem governar, das normas do direito. A vida política constituía a esfera pública. Sendo, das atividades, a mais característica do ser humano, a ação permitiu a ideia do animal político”4. Quando Ulpiano distinguiu o direito público do direito privado, na verdade considerava como esfera pública o lugar da ação, da inter-relação dos homens livres; tomava como esfera privada o local do labor, isto é, a casa e as atividades vocacionadas à sobrevivência5. 3
Idem, p. 134.
4
Idem, p. 135.
5
Idem, p. 135.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
43
Essa distinção, porém, tão cara ao direito romano, perdeu seu sentido na Idade Média6. É que nesse período, conforme obtempera Marcos de Campos Ludwig, a ausência de um poder político centralizado tornou a dicotomia um “impossível histórico”. Imperavam no direito “(...) as marcas de status e suas respectivas relações hierarquizadas, com forte influência do costume e da Igreja enquanto pilar último da organização social do feudalismo”7. Quase tudo se confundia com a propriedade do suserano ou da Igreja, o que negava espaço para a divisão entre o público e o privado. O direito explicado pelo poder soberano, tomado pelo comando, daria vida à esfera pública, em oposição à esfera privada que, apesar de também ser social, carecia desses atributos, eis que ligada ao poder dos indivíduos nas suas relações8. Ademais, a summa divisio entre direito privado e o direito público também encontrava força na luta pela redução dos abusos do absolutismo, visto que se buscou “delimitar ao máximo os espaços de intervenção do Estado e os espaços de atuação privada. A divisão entre esses dois ramos era fundamental para a organização do direito, do Estado e da sociedade”9. Outro não foi o sentido do movimento codificatório, cujo marco exponencial foi o Código Civil francês. Valendo-se das codificações, a burguesia pretendia determinar, de forma bem clara, o âmbito das relações privadas, de modo a assegurar a não intervenção do Estado nessa seara e limitá-lo aos escaninhos do direito público10. As codificações tiveram papel determinante no traçado das fronteiras entre as esferas pública e privada. O Estado foi praticamente alijado das relações entre particulares, o que representou severa redução do espaço relacional entre as duas esferas do ordenamento jurídico, tornando estanques os ambientes da proteção da pessoa11. 6
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 78.
7
LUDWIG, Marcos de Campos. Direito público e privado: a superação da dicotomia. In: MARTINS-COSTA, Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: RT, 2002. p. 95.
8
FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 136-137.
9
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 74.
10 Idem, p. 77. 11 DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). A parte geral do novo Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 39.
44
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Ao lado do movimento das codificações, não se pode esquecer do constitucionalismo, que deu vida às liberdades negativas e delimitou nitidamente o espaço de atuação do Estado na moldura dos direitos individuais12. Em síntese, o reinado do liberalismo clássico, os movimentos de codificação e o constitucionalismo tornaram singelas e de fácil percepção, no século XIX, as diferenciações entre as esferas pública e privada. A distinção objetiva, porém, perdeu sensivelmente sua nitidez com o surgimento do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), que abandonou a doutrina liberal, acolheu as chamadas liberdades positivas e inaugurou novas frentes do direito, como o direito do consumidor, o direito ambiental, o direito do trabalho, etc.13, herdeiros de contribuições tanto do manancial jurídico público como privado. Com isso, a esfera pública e a esfera privada ganham espaços de intersecção, sobrepondo-se em áreas que dificultam a identificação de suas fronteiras, desafiando novas concepções doutrinárias ou incentivando, em outro extremo, teorias que negam a prevalência da dicotomia. De qualquer forma, é interessante notar que a divisão entre público e privado é traço característico dos direitos da família romano-germânica, não existindo essa preocupação em outras famílias jurídicas, como no direito inglês e no direito dos países do hemisfério oriental14. Passaremos agora ao estudo das teorias que procuram justificar a separação dessas esferas e, em seguida, à questão da necessidade ou não de sua manutenção no direito, bem como do espaço ocupado pelos direitos da personalidade.
Os Fundamentos da Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado Diversas teorias foram desenvolvidas na tentativa de pontuar a distinção entre o direito público e o direito privado, o que não constitui novidade, haja vista que os romanos já palmilhavam dificuldades nesse campo. Merecem destaque as teorias do sujeito, do interesse e da relação de dominação. 12 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito público e privado: a superação da dicotomia. In: MARTINS-COSTA, Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: RT, 2002. p. 96-97. 13 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 74. 14 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito público e privado: a superação da dicotomia. In: MARTINS-COSTA, Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: RT, 2002. p. 87-88.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
45
A teoria do sujeito (ou teoria da natureza da situação jurídica, como prefere Rosa Maria de Andrade Nery15) procura distinguir o direito público do direito privado a partir do destinatário das normas. O primeiro teria o Estado por destinatário, enquanto o último voltar-se-ia aos particulares. O problema dessa doutrina está no fato de que muitas vezes o Estado ou as pessoas a ele equiparadas têm atuação que não difere daquela dos particulares, o que acaba restringindo o seu âmbito de validade16. Vale como exemplo a compra em que seja dispensada a licitação em razão do pequeno valor do bem a ser adquirido (Lei nº 8.666/93). A teoria do interesse opõe a sociedade ao indivíduo, cada um com seus próprios núcleos de atenção e vantagens. Para essa teoria, que se difundiu no século XIX graças ao trabalho da Escola da Jurisprudência dos Interesses e de Rudolf von Ihering, os interesses da sociedade, representados pelo Estado, seriam comuns, “neutros em face dos egoísmos particulares”, envolvendo a gestão da coisa pública e da economia nacional. Todavia, esse critério perde força com a eclosão de interesses que se situam entre o público e o privado, como é o caso dos direitos trabalhistas17. Com efeito, muitas vezes não é possível uma afirmação categórica acerca da essência do interesse protegido, ou seja, embaraçam-se os elementos que permitem qualificá-lo como do Estado ou dos indivíduos, vez que “nenhuma norma atinge apenas o interesse do Estado ou o do particular. Há uma correlação, de modo que a norma jurídica que tiver por finalidade a utilidade do indivíduo visa também à do Estado e vice-versa”18. A crítica levou alguns autores então a fundamentar a distinção no interesse preponderante, pelo que as normas de direito público garantiriam diretamente o interesse da sociedade e indiretamente o do particular, ocorrendo exatamente o contrário com as normas de direito privado. Todavia, segundo Maria Helena Diniz, esse critério também é insatisfatório, dado que os interesses estão tão interligados “que é impossível verificar, com exatidão, qual o que prepondera”19. 15 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 172. 16 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 139. 17 Idem, p. 139. 18 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 251. 19 Idem, p. 252.
46
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Finalmente, há a teoria da relação de dominação (ou teoria da posição do sujeito da situação jurídica, conforme Rosa Maria de Andrade Nery20), que considera nas relações do direito público a atuação do Estado com poderes de autoridade (ius imperii), pondo-se superiormente aos entes privados. Estes, por outro lado, mantêm entre si relações de paridade, sem a presença do ius imperii. Com isso, destaca-se nas relações sociais o monopólio da força pelo Estado, o que é feito graças à concentração e centralização do poder de impor condutas, sendo que a unidade do Poder Público, para essa concepção, estaria fulcrada na noção de soberania21. Essa teoria, por sua vez, não passa imune às críticas de Brox e Walker que, em um primeiro momento, apresentam o direito privado (Privatrecht) como a parte do direito que regula as relações entre participantes da sociedade que se põem em relação de paridade, enquanto que o direito público (Öffentliches Recht) cuidaria da regulação das relações em que não haveria tal paridade. Em seguida, os autores tedescos ponderam que essa delimitação nem sempre é admitida. Há situações no direito privado em que os protagonistas da relação jurídica se colocam em situação díspar, como é o caso das relações entre os pais e os filhos. Lembram, ainda, que no direito público também despontam situações de paridade, como aquelas que se dão nas relações entre duas municipalidades22. E Maria Helena Diniz acrescenta que “mesmo os sujeitos dotados de imperium podem ser sujeitos de direito privado, como na hipótese em que o Estado é parte num contrato de compra e venda ou num contrato de locação”23. Rosa Maria de Andrade Nery observa que os critérios apresentados pelas teorias indubitavelmente correspondem a aspectos possíveis de serem invocados na distinção das categorias. Contudo, não bastam para o perfeito esclarecimento das discrepâncias existentes entre elas24. A mesma insuficiência leva Maria Helena Diniz a apontar os defensores de uma teoria eclética, que associa os elementos objetivo e subjetivo. O direito público seria aquele que regularia as relações em que o Estado é parte, atuando em razão de seu poder soberano e objetivando a tutela do bem coletivo; o direito privado disciplinaria “as relações entre particulares, nas 20 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 172. 21 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 140. 22 BROX, Hans; WALKER, Wolf-Dietrich. Allgemeiner teil des BGB. 36. ed. München: Vahlem, 2016. p. 10. 23 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 253. 24 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 174.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
47
quais predomina, de modo imediato, o interesse de ordem privada, como compra e venda, doação, usufruto, casamento, testamento, empréstimo, etc.”25. Mas é inegável que essa noção não passa de uma aglutinação das ideias já desenvolvidas pela doutrina, o que leva a jurista a reconhecer, em nome da unidade do direito, a inexistência de uma solução absoluta ou perfeita para o problema da distinção entre o direito público e o direito privado: Embora o direito objetivo constitua uma unidade, sua divisão em público e privado é aceita por ser útil e necessária, não só sob o prisma da ciência do direito, mas também sob o ponto de vista didático. Todavia, não se deve pensar que sejam dois compartimentos estanques, estabelecendo uma absoluta separação entre as normas de direito público e as de direito privado, pois intercomunicam-se com certa frequência26. Pode-se concluir, assim, que, não obstante os esforços envidados pela juspublicística, a maioria da doutrina segue admitindo que não há uma concepção que consiga distinguir cabalmente o direito público do direito privado27. A rigor, não se trata de novidade. Há milênios o direito tem trabalhado com essas categorias sem, contudo, encontrar teoria que pudesse dogmatizá-las em espaços estanques e incomunicáveis. Soma-se a isso o fato de que a sociedade e o direito, particularmente no pós-guerra, ganharam novas nuances, matizes que recolocaram em cena a milenar distinção, profligada por doutrinadores, muitos dos quais passaram a advogar a tese da sua superação. É o ponto que se pretende abordar na sequência.
Direito Público e Direito Privado: uma Distinção em Crise? As transformações revolucionárias pelas quais vêm passando o direito (particularmente o direito civil), atingido, entre outros, pelos movimentos da constitucionalização, da personalização, da descentralização e da recodificação, têm tornado cada vez mais difícil o delineamento das fronteiras entre o direito público e o direito privado. Fala-se, na atualidade, na privatização do direito público e na publicização do direito privado, uma vez que técnicas e institutos tradicionalmente reconhecidos como pertencentes ao direito privado são empregadas no direito 25 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 255. 26 Idem, p. 256. 27 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 140.
48
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
público e vice-versa. Autores de escol, como Perlingieri, afirmam que a distinção, em tal contexto, “não é mais qualitativa, mas quantitativa”28. Parece notório que é cada vez mais difícil apontar um interesse particular que se apresente, de forma extreme, independente do interesse público. Até mesmo o direito de propriedade, cultuado pelos doutrinadores oitocentistas como absoluto, hoje se vê bastante limitado por normas que reformaram sua essência e funcionalidade (e.g., art. 182, § 2º, da CF e art. 1.228, §§ 1º e 2º, do Código Civil). Com isso, não há mais espaço para a vetusta ideia de um direito privado que se assente na liberdade concedida a cada um para cuidar, até mesmo arbitrariamente, dos próprios interesses. Por outro lado, tampouco o direito público tutela apenas a soberania e a estruturação do Estado, estendendo suas preocupações a interesses até então tidos como meramente privados29. Há, outrossim, talvez como complicador da distinção, o aumento dos interesses que se alojam em categoria intermediária, como, por exemplo, o sindical ou das comunidades30. Natural que, neste cenário, ganhem adeptos as escolas que rezam o réquiem da distinção entre o direito público e o direito privado ou somente assentem a dicotomia a partir de critérios de preponderância. Pietro Perlingieri e Pasquale Femia, por exemplo, reconhecem a dificuldade da distinção, a menos que se acolha um critério quantitativo, visto que em todos os setores do direito convivem normas públicas e privadas, prevalecendo às vezes o aspecto privatístico, quando se satisfaz diretamente um interesse singular e, em outros casos, o aspecto publicístico31. Partindo daí, acolhem os autores italianos uma distinção bastante peculiar, pois reconhecem a inadequação da expressão “direito privado”, substituindo-a por direito civil, que entendem como aquele direito em condições de igualdade, o direito de todos, que não está em antítese com o direito público, mas sim que parte de um ordenamento unitário e que constitui somente um ramo que se justifica por razões didáticas e de especialização profissional32. 28 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. São Paulo: Renovar, 2007. p. 54. 29 Idem, p. 55-56. 30 Idem, p. 53. 31 PERLINGIERI, Pietro; FEMIA, Pasquale. Nozioni introduttive e principi fondamentali del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2004. p. 70. 32 Idem, p. 71.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
49
Entretanto, mesmo antes dessa grande polemização, já se reconhecia que o direito deve ser visto como um todo dotado de coerência, o que, porém, não significa que o sistema jurídico seja um conjunto rigorosamente lógico33. Ora, o que se está vendo nos últimos tempos é justamente o reflexo da unidade do direito, que sempre existiu e, anteriormente, somente era mais perceptível em determinadas áreas da ciência jurídica, como é o caso do direito de família, em que a tutela estatal era constante, mas que nem por isso passou a ser considerado como direito público. De forma semelhante, professa Perlingieri: “O fracionamento da matéria jurídica e do ordenamento em ramos tem um sentido porque divide por competências e por necessidade de exposição uma matéria única em si mesma, mas não deve significar que a realidade do ordenamento é divisível em diversos setores dos quais um é totalmente autônomo em relação ao outro, de tal modo que possa ser proclamada a sua independência.”34
Neste prisma, a divisão do direito em público e privado tem utilidade prática e didática, mesmo porque, se não pudermos admiti-la, também não poderíamos pretender a distinção, ainda de maior especialização, entre os vários ramos do direito e que não deixa de partir das mesmas raízes público-privadas. Ao contrário, vê-se, paulatinamente, um número cada vez maior de áreas do direito pretendendo sua independência (e.g., direito agrário, aeronáutico, do autor, marítimo, etc.), o que é visto com naturalidade pelos mesmos autores que advogam a superação da distinção entre o direito público e o direito privado. De qualquer forma, mesmo sendo incontestável a intersecção entre os ramos do direito, acreditamos que, pelo menos sob a ótica até então existente, mantêm-se vivas as esferas individual e pública, nada obstante o aparecimento de categorias que poderiam ser consideradas intermediárias, híbridas, o que, igualmente, garante a validade da separação dos campos do direito em público e privado. Aliás, a vitalidade da separação entre as esferas pública e privada pôde ser muito bem constatada quando entrou em vigor a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Tal lei, na tentativa afobada de aumentar o número de transplantes, defendendo, portanto, o interesse público, estabeleceu a presunção de 33 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 141. 34 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. São Paulo: Renovar, 2007. p. 55.
50
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
que todo brasileiro autorizava a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para finalidade de transplantes ou terapêutica. Para isso, dispôs em seu texto que, caso assim não desejasse, o cidadão deveria gravar a expressão “não doador de órgãos e tecidos” em seu documento de identidade (cf. art. 3º, § 3º), o que certamente violava a sua intimidade, eis que o documento seria visualizado por um número indeterminado de pessoas. A oposição social generalizada obrigou a revogação da presunção e da inscrição no documento pessoal (Lei nº 10.211/01)35, a demonstrar a ainda atual e nítida separação entre as esferas pública e privada, visto que a sociedade brasileira tem consciência dessas esferas e não admite a invasão desproporcional de uma delas na outra. Celeumas semelhantes, sempre a questionar a excessiva e indevida intromissão da regulação pública na esfera privada, foram suscitadas pela chamada “Lei das Palmadas” (Lei nº 13.010/2014, que, promovendo alterações no ECA, imiscui-se na educação familiar) e pela “Lei do Cigarro” (Lei nº 9.294/96 – proibindo o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos e assemelhados inclusive em recintos coletivos, ainda que privados). Outrossim, parece-nos que, em relação à didática e à prática, a distinção se faz certamente necessária, pois organiza as normas e as condutas levando em consideração os distintos objetivos, fundamentos e princípios36. Não é outro o entendimento de Tercio Sampaio Ferraz Junior, que salienta que, apesar das críticas, particularmente no que toca à falta de rigor, a dicotomia ainda persevera, dada a sua operacionalidade pragmática e seu enraizamento em quase todo o mundo, servindo ao jurista “como instrumento sistematizador do universo normativo para efeitos de decidibilidade”37. É mesmo difícil de se conceber, nos países de tradição romano-germânica, o ensino jurídico apartado da distinção entre o direito público e o direito privado. A dicotomia também foi levada em consideração pelo constituinte brasileiro, que em nossa Carta Magna reconhece a existência de vários setores do direito (e.g., direito civil, comercial, penal, processual, tributário, do trabalho, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, financeiro, econômico), bem como arrola princípios que regem alguns desses ramos jurídicos, o que reforça a sua manutenção, mesmo porque um dos critérios utilizados para a 35 AZEVEDO, Álvaro Villaça; NICOLAU, Gustavo Rene. Código Civil comentado: das pessoas e dos bens: artigos 1º a 103. São Paulo: Atlas, 2007. v. I. p. 57-58. 36 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 94. 37 FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 138.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
51
classificação está justamente nos princípios que regem o direito público e o direito privado. A manutenção da dicotomia, porém, não significa que direito público e direito privado devam ser encarados tal qual os viam os juristas do século XIX. Não quer dizer que estamos admitindo a separação do direito em compartimentos estanques, como pretendiam os autores liberais e cientificistas. Em realidade, vivemos nos dias atuais uma suavização das dessemelhanças, bem como do aumento da complementaridade das esferas, dada a unidade do ordenamento jurídico, o que não nos impede de reconhecer que os ramos do direito são “compostos por normas com algumas características mais fortes de direito público ou de direito privado, com objetivos e princípios específicos”38. A constitucionalização e a funcionalização do direito privado sem dúvida contribuem para o seu distanciamento da concepção tradicional, ensinada até tão pouco tempo nos bancos das faculdades de direito do Brasil e que preconizava o dogma absoluto da livre vontade dos sujeitos. Um direito privado que tencionava “prevenir ingerência nas esferas dos particulares e a intromissão arbitrária da autoridade na liberdade das pessoas”39. Em conformidade com essa nova realidade jurídica, adverte Rosa Maria de Andrade Nery que para a delimitação do âmbito de cada um dos termos da presente dicotomia é necessária a análise da finalidade imediata, isto é: “Se estivermos diante do exercício da atividade do Estado como viabilizadora da estrutura pública capaz de pôr em prática e viabilizar o cumprimento das regras que redundam na proteção do homem – o que acontece frequentemente –, estaremos diante de um fenômeno jurídico com lugar no chamado direito público. Se, por outro lado, o ponto de análise é a gerência de aspectos que viabilizem o exercício de fato e de direito, da humanidade da pessoa, é possível que haja necessidade de se enfrentar o problema a partir de princípios de direito privado.”40
Por conseguinte, entendemos que a distinção entre direito público e direito privado ainda é relevante para a ciência jurídica, mesmo porque a sociedade do início do século XXI não abdicou da proteção de sua esfera privada em favor da coletividade. Contudo, o fato de tal diferenciação ter se 38 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90. 39 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 173. 40 Idem, p. 174.
52
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
tornado mais complexa não significa que tenha deixado de existir, mas que tornou mais exigente o trabalho dos operadores do direito.
A Situação dos Direitos da Personalidade Abandonada a cizânia acerca da polarização público-privado do direito, impende analisar, neste momento, a posição ocupada pelos direitos da personalidade, ora concebidos na categoria de interesses privados, ora categorizados no rol dos interesses públicos ou de interesses híbridos, a depender dos ventos doutrinários. A partir de 1945, os direitos da personalidade se difundiram e se positivaram, sem perder a ligação umbilical com os direitos fundamentais, mesmo porque muitos deles estão, historicamente, entre os mais antigos e importantes direitos fundamentais41. A aproximação fica ainda mais evidente se observarmos que os direitos da personalidade se desenvolveram paralelamente ao movimento de constitucionalização do direito civil, daí surgindo o problema de se saber se ao direito civil interessam os conteúdos normativos constitucionalizados ou se tais situações são agora abarcadas pela teoria juspublicista. Em paralelo, ganha relevância a doutrina da eficácia “privada” ou “horizontal” dos direitos, liberdades e garantias (Drittwirkung)42, a ensanchar a couraça constitucional protetiva dos indivíduos não apenas em face das afrontas do poder estatal, mas nas relações jurídicas privadas, “na investidura dos particulares, a título principal, como sujeitos passivos dos direitos sub41 MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos de personalidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 77. 42 Conforme esclarece Gerhard Robbers, na Alemanha, os direitos fundamentais vinculam de forma imediata o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário (art. 1, 3, da Lei Fundamental), no entanto, no que toca aos particulares, a vinculação imediata dos direitos fundamentais é reconhecida somente no que toca ao art. 9, 3, da Lei Fundamental, que cuida da liberdade de associação (Koalitionsfreiheit). Assim, reconhecem os juristas alemães a teoria da vigência mediata dos direitos fundamentais (Theorie der mittelbaren Drittwirkung) sobre todos os ramos do direito, inclusive sobre o direito privado (ROBBERS, Gerhard, Einführung in das deutsche Recht, p. 50). Nesse mesmo sentido se manifestou o BVerfG no caso Lüth. O Tribunal Federal suíço, esclarece Claus-Wilhelm Canaris, também asseverou que “pelo menos a eficácia indirecta em relação a terceiros, no sentido de um imperativo de interpretação das normas de direito privado em conformidade com os direitos fundamentais, é praticamente reconhecida por todos”, fazendo desse o seu entendimento (CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2009. p. 20-21). Há, entretanto, segundo Heinz Hübner, uma corrente de doutrinadores alemães, entre eles Nipperdey, que reconhecem a eficácia imediata (unmittelbare Wirkung) dos direitos fundamentais sobre todos os ramos do direito (HÜBNER, Heinz. Allgemeiner teil des bürgerlichen gesetzbuches, p. 65). No mesmo sentido, Luiz Edson Fachin assevera que a aplicabilidade da norma constitucional se dá de forma direta e imediata sobre as relações privadas (FACHIN, Luiz Edson. Fundamentos, limites e transmissibilidade: anotações para uma leitura crítica, construtiva e de índole constitucional da disciplina dos direitos da personalidade no Código Civil brasileiro. In: CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (Coord.). Biodireito e dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2007. p. 201).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
53
jetivos fundamentais”43. Trata-se de problema que exaspera a tarefa de alocar os direitos da personalidade no arco do direito privado44. Esses dados conduziram muitos doutrinadores a admitir que a teoria geral dos direitos da personalidade deve “envolver uma confluência e um hibridismo de institutos de direito constitucional e de direito civil”45. De fato, a confluência entre o papel do Estado na sociedade contemporânea e a expressa previsão dos direitos da personalidade na Constituição e no Código Civil parece desenhar a ágora ideal para a defesa do caráter dúplice ou híbrido desses direitos. Não é outro o entendimento de Cláudio Ari Mello, que afirma que os direitos da personalidade são “(...) um lócus de encontro entre as duas esferas do universo jurídico”, o que lhes dá uma natureza híbrida46. Todavia, se consideramos os direitos da personalidade, pelo fato deles terem sido constitucionalizados, como uma categoria híbrida, o mesmo raciocínio deverá ser seguido com todos os demais direitos previstos na Constituição, como é o caso do direito de propriedade (art. 5º, XXII), do direito de herança (art. 5º, XXX), do direito de família (arts. 226 e segs.), dos direitos sociais (art. 7º), etc. Nesta linha, o caráter analítico da Constituição da República conduziria, praticamente, à extinção do direito privado e ao reconhecimento de que no Brasil só existem direitos híbridos e direitos públicos, o que não é exagero, eis que os brasileiros têm uma verdadeira obsessão pela constitucionalização (basta lembrar, de passagem, que a nossa Carta Magna cuida até mesmo do Colégio Pedro II)47. Por outro lado, a aceitação da natureza mista ou mesmo pública dos direitos da personalidade pode recair na redução da regulamentação da vida do ser humano aos princípios do direito público, conduzindo justamente à despersonalização do homem, que passa a ser um autômato. De fato, a maciça ingerência do direito público na esfera individual acaba por provocar a socialização da personalidade do ser humano, abstraindo 43 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2007. p. 262. 44 MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos de personalidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 80. 45 Idem, p. 83. 46 idem, p. 81. 47 Cf. art. 242, § 2º, do ADCT.
54
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
sua identidade, o que em nada contribui para a realização da dignidade da pessoa humana48. Não se pode colocar o direito a serviço de interferências desequilibradas, do Estado ou da sociedade, na vida das pessoas. Nesse campo, a atividade estatal deve se manter discreta, comedida, subordinada à realização da dignidade da pessoa humana, que não se coaduna com o arbítrio.
Conclusão Por conseguinte, pode-se considerar que o Estado e a sociedade não têm direito de se imiscuir na vida privada das pessoas e “impor aos particulares certos modos de vida íntima ou certas concepções de dignidade que apenas ao próprio indivíduo cabe eleger”49. Se isso fosse permitido, nossa sociedade não diferiria muito daquela nazifascista, onde a privacidade era sacrificada em nome de um suposto benefício coletivo. Assim, o reconhecimento de um espaço “reservado à individualidade e às relações intersubjetivas, relativamente autônomo em face do Estado”, continua a ser uma notável conquista da modernidade50, que não pode ser ignorada em nome da coletividade. Neste passo, Perlingieri e Femia defendem que não se sustenta, do ponto de vista constitucional, a consideração do interesse público como sendo aquele superior, visto que a autoridade do Estado está na legitimidade dos seus princípios, que não colimam uma relação de subordinação do cidadão, mas sim a realização dos interesses das pessoas51. Há que se reconhecer, sem dúvida, a importância dos movimentos de reação ao liberalismo e ao neoliberalismo econômico. Todavia, não se pode adotar a mesma técnica quando se defronta a esfera privada das pessoas, distinta das atividades de conteúdo econômico e que em nada afetam direitos de terceiros52. O processo de socialização das relações patrimoniais, capitaneado pelo direito constitucional, não deve ser trazido para o campo das relações extrapatrimoniais, pois nesse caso, ao invés de uma intromissão benéfica do Estado, 48 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Dos direitos da personalidade. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 257. 49 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 99. 50 MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos de personalidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 82. 51 PERLINGIERI, Pietro; FEMIA, Pasquale. Nozioni introduttive e principi fondamentali del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2004. p. 70-71. 52 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 98.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
55
estaremos diante de uma atuação bastante prejudicial, visto que não se pode simplesmente funcionalizar a pessoa humana e sua dignidade, subordinando seus direitos mais íntimos ao interesse público. Daí admitir-se que na aplicação do direito existe um aspecto individualista e privatista, relevante para a pessoa humana, sendo exatamente neste núcleo que se aninham os direitos da personalidade53. Com isso, considerando que a vida, a integridade física, a honra, a liberdade, entre outros bens, “satisfazem aspirações e necessidades próprias do indivíduo considerado em si mesmo”, pontifica Adriano de Cupis que os direitos da personalidade fazem parte da esfera privada, pertencendo, por conseguinte, à categoria dos direitos privados54. Nessa mesma linha, professa Rosa Maria de Andrade Nery: “(...) quer porque o direito privado se estrutura a partir do conceito de sujeito; quer porque o direito de humanidade tem por objeto as essências e as potências do ser humano; quer porque o corpo é uma das substâncias de nossa humanidade; quer porque o direito privado se interessa por toda a atividade que tenha relevância econômica, o chamado ‘direito de personalidade’ encontra aqui lugar para discussão e enfrentamento.”55
Enéas Costa Garcia também vê como sendo de direito privado esse regime jurídico, ainda que seu fundamento último, “tal como ocorre com os direitos fundamentais, possa ser fixado na Constituição”56. Renan Lotufo entende que não há como deixar de enquadrar esses direitos “na categoria dos direitos privados, pois eles satisfazem aspirações e necessidades próprias do indivíduo”57. Alinhamo-nos a esses autores, entendendo que, não obstante a admissão de algumas interferências do direito público no campo dos direitos da personalidade, tal atuação deve ser bastante limitada, visando tão somente ao atendimento da dignidade da pessoa humana, o que, por si só, não tem o condão de afastar do direito civil a tutela dos direitos da personalidade, mesmo porque o direito privado sempre conviveu com normas cogentes, inarredável pela vontade das partes. 53 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Dos direitos da personalidade. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 257. 54 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. São Paulo: Romana Jurídica, 2004. p. 34. 55 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 285. 56 GARCIA, Enéas Costa. Direito geral da personalidade no sistema jurídico brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 144. 57 LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: parte geral (arts. 1º a 232), p. 53.
56
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Contudo, quando passamos do âmbito dos direitos da personalidade para o patamar constitucional da tutela da dignidade humana, devemos ter em conta que a proteção deve se dar de forma integrada, o que certamente deixa de lado a dicotomia direito público e direito privado, situando-se, na verdade, acima dela58, pois a dignidade da pessoa humana é o valor fonte do nosso ordenamento jurídico. E parece que não há muita divergência no que toca à colocação da tutela da dignidade da pessoa humana acima das telas que separam a seara pública e a privada, dado que, em última instância, a pessoa humana demanda tutela unitária. A despeito disso, a distinção entre direitos fundamentais e direitos da personalidade não deixa de ser assaz importante, tendo em vista o seu papel facilitador do trabalho do operador do direito. Nesta esteira, destaca-se o escólio de Gustavo Tepedino, a esclarecer que a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana “supera a setorização da tutela jurídica (a partir da distinção entre os direitos humanos, no âmbito do direito público, e os direitos da personalidade, na órbita do direito privado) bem como a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o ordenamento”59. E não poderia ser diferente, já que a tutela constitucional da pessoa humana, de acordo com Perlingieri e Femia, funda a legitimidade do ordenamento jurídico e a soberania do próprio Estado60. Pode-se concluir que, se seguirmos uma visão parcial da tutela da pessoa humana (certamente interessante do ponto de vista prático e didático), os direitos da personalidade aparecem, sobretudo, como direitos privados, enquanto que os direitos fundamentais se aquartelam no âmbito do direito público. Porém, quando uma visão unitária da pessoa humana for imprescindível para a solução do problema posto, então é manifesta a superação da setorização, já que a dignidade da pessoa humana é a pedra angular do sistema jurídico e não só da seara pública ou privada. TITLE: Personality rights in light of the dichotomy between Public Law and Private Law. ABSTRACT: The present study seeks to analyze, through a bibliographical methodology, the rights of the personality in the contemporary perspective, starting from the distinction between public and private law in order to establish the verification of the different but necessary ways of effecting these rights in favor of individuals and groups of people. The implications and distinctions are relevant and may represent advances 58 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, p. 57. 59 TEPEDINO, Gustavo. Introdução: Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. XXIV. 60 PERLINGIERI, Pietro; FEMIA, Pasquale. Nozioni introduttive e principi fondamentali del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2004. p. 72.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
57
or setbacks to the realization of these rights, hence the need for a better understanding. The reflexes of the present analysis are very relevant for the legal area, since they reinforce favorable arguments for the constant implementation of measures that can affect the rights of the personality, a scenario in which the state has an important role of primary actor. Therefore, to place properly, the quadrant and the rules to be applied in favor of the realization of the rights of the personality are of great importance for the society. KEYWORDS: Personality Rights. Effectiveness. Public Right. Private Right.
Bibliografia ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2007. AZEVEDO, Álvaro Villaça; NICOLAU, Gustavo Rene. Código Civil comentado: das pessoas e dos bens: artigos 1º a 103. São Paulo: Atlas, 2007. v. I. BROX, Hans; WALKER, Wolf-Dietrich. Allgemeiner teil des BGB. 36. ed. München: Vahlem, 2016. CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (Coord.). Biodireito e dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2007. CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. São Paulo: Romana Jurídica, 2004. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). A parte geral do novo Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. GARCIA, Enéas Costa. Direito geral da personalidade no sistema jurídico brasileiro. São ������������������������� Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008. MARTINS-COSTA, Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: RT, 2002. NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. PERLINGIERI, Pietro; FEMIA, Pasquale. Nozioni introduttive e principi fondamentali del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2004. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direito de autor. São Paulo: Saraiva, 2015. ______. Direitos da personalidade. São Paulo: Saraiva, 2011.
Doutrina
A Perda do Direito Real de Habitação pelo Companheiro Sobrevivente Devido ao Não Exercício do Direito Através de Ação Declaratória Vitor Hugo de Melo Advogado/Sócio do Escritório Theodoro & Melo Advogados Associados; Pós-Graduando em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina.
Aline Lampert Rocha Pagliosa Advogada; Professora do Curso de Direito da Universidade do Planalto Catarinense; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
RESUMO: Desde o advento da CR/88, os relacionamentos firmados a título de união estável passaram a ser visualizados sob o foco de entidade familiar, como o casamento. Obteve-se, ao longo da história, vários direitos que, até então, eram negados aos companheiros devido ao preconceito e aos costumes da época. Promulgado o Código Civil atual, surgiram questionamentos sobre os direitos e obrigações atrelados aos relacionamentos mantidos em união estável, entre os quais a forma de concessão da habitação ao companheiro sobrevivente sobre o imóvel escolhido para a formação da família. Assim, o trabalho abordará a reflexão histórica sobre as origens do direito real de habitação, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito da revogação (ou não) do direito real de habitação, seu relacionamento com o usufruto para, ao final, reproduzir os desdobramentos da boa-fé objetiva sobre o direito real de habitação, estudando possibilidades jurídicas de mitigação do caráter vitalício para se declarar a extinção do direito pelo não uso. PALAVRAS-CHAVE: Direito Real de Habitação. União Estável. Supressio. Declaração Judicial de Extinção do Direito pelo Não Uso. SUMÁRIO: Introdução. 1 Aspectos Relevantes – União Estável, Origem do Direito Real de Habitação e Princípio da Solidariedade Familiar; 1.1 Contextualizando a União Estável; 1.2 Abordagem Histórica do Direito Real de Habitação na Legislação Pátria; 1.3 Solidariedade Familiar – o Direito Real de Habitação como Forma de Conjugação do Princípio no Direito Sucessório. 2 Aspectos Técnico-Jurídicos do Direito Real de Habitação; 2.1 Vitaliciedade do Direito Real de Habitação e Necessidade de Exteriorização; 2.2 Extensão aos Companheiros Sobreviventes – Revogação da Lei nº 9.278/96 com a Vigência do Código Civil? Visão Doutrinária e Jurisprudencial. 3 A Possibilidade de Extinção do Direito Real de Habitação pelo Não Exercício do Direito; 3.1 Desdobramentos da Boa-Fé Objetiva – Supressio; 3.2 Extinção do Direito Real de Habitação; 3.2.1 Aplicação das Regras do Usufruto; 3.2.2 Teoria de Cessação da Necessidade Pessoal. Conclusão. Referências.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
59
Introdução O direito real de habitação concedido ao(à) companheiro(a) sobrevivente sobre o imóvel onde constituiu o lar familiar até o falecimento do(a) companheiro(a) é instituto de grande relevância jurídica na medida em que sua normatização no direito civil brasileiro traduz garantia de não abandono pelos herdeiros do(a) falecido(a) daquela pessoa que sempre esteve ao lado do proprietário do imóvel. Assim, elevou-se a ideia de perquirir sobre a viabilidade da declaração judicial de perda do direito real de habitação (que, a priori, é vitalício) pelo não exercício do seu titular. A legislação não prevê explicitamente prazo para o exercício do direito real de habitação concedido ao(à) companheiro(a) sobrevivente sobre o imóvel onde fixou família, tampouco determina alguma formalidade para o início de vigência como condição para a eficácia perante terceiros. Neste contexto, a pretensão desenvolvida reside na indagação sobre a função social do direito real de habitação em contrapartida à restrição do direito de uso e gozo dos legítimos proprietários do imóvel, ao passo que o titular da posse (do direito de habitação) não a exerce, causando prejuízos imediatos aos interesses de terceiros. Investiga-se, portanto, a viabilidade de reconhecimento da perda do direito real de habitação à luz da nova sistemática constitucional, processual e material, conjugando-se as teorias da boa-fé objetiva (supressio) e extinção da necessidade do titular do direito, fazendo apanhado sobre as origens, natureza jurídica, incidência e aplicação do direito real de habitação no regime da união estável.
1 Aspectos Relevantes – União Estável, Origem do Direito Real de Habitação e Princípio da Solidariedade Familiar 1.1 Contextualizando a União Estável O relacionamento mantido entre homens e mulheres com intuito de constituir família, duradoura e pública, contudo, sem as formalidades e vicissitudes do regime legal imposto ao casamento, há muito se mostra real nas órbitas social e cultural de todos os povos. Francisco José Cahali (apud BLISKEIN, 2009, p. 48-49) sustenta sobre a origem da união estável (então intitulada de concubinato):
60
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
“Efetivamente, como visto, no plano constitucional foi criada uma nova categoria social denominada ‘entidade familiar’ decorrente da ‘união estável entre o homem e a mulher’. Mas esta categoria tratada na Constituição Federal nada mais fez do que institucionalizar uma situação fática pré-existente, constituída pelas relações concubinárias já merecedoras de estudos tanto no campo social como no campo religioso e jurídico. Desde a origem da sociedade, sempre existiu família formada entre o homem e a mulher e sua prole, com ente inafastável de uma civilização.”
A formação da família, no decorrer do tempo, representa situação inerente ao instinto humano e, por isso, as regras fixadas no ordenamento jurídico não possuíam o condão de obstar os relacionamentos afetivos além do casamento. Porém, a existência de entidade familiar não contemplada pelos pilares do casamento até o advento da CR/88 era conhecida como concubinato, expressão até hoje de conotação pejorativa, pois, historicamente, conduzia a conclusões atreladas à promiscuidade, à traição, à ilegalidade, etc. Paulo Lôbo (2008, p. 148-149), ao falar sobre o tratamento aplicado ao concubinato no direito brasileiro, observa: “A união estável, inserida na Constituição de 1988, é o epílogo de lenta e tormentosa trajetória de discriminação e desconsideração legal, com as situações existenciais enquadradas sob o conceito depreciativo de concubinato, definido como relações imorais e ilícitas, que desafiavam a sacralidade atribuída ao casamento. A influência da Igreja Católica, inclusive durante o período da República – auto proclamada laica –, impediu as tentativas de projetos de lei em se atribuir alguns efeitos jurídicos ao concubinato, máxime em razão do impedimento legal ao divórcio, que apenas em 1977 ingressou na ordem jurídica brasileira. A ausência do divórcio foi responsável pelo crescimento exponencial das relações concubinárias.”
De tal sorte, o CC/1916 apresentava dispositivos regulamentando os relacionamentos advindos do concubinato, relutando em antever o resguardo de direitos patrimoniais à concubina, não a contemplando em possível sucessão hereditária; firmava também questões de evidente cunho discriminatório vislumbrados no direito de filiação, diferenciando o tratamento entre descendentes concebidos na constância do casamento e aqueles da relação concubinária. Deixava-se de lado o estudo e interesse na resolução dos problemas (legislativos) oriundos do concubinato (pelo Direito de Família), afastando-se essa forma de relacionamento de sua origem para lhe alcançar a natureza jurí-
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
61
dica no domínio do direito obrigacional, como pode ser visto na interpretação das Súmulas ns. 380 e 382 do STF (década de 1960): “Súmula 380: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” “Súmula 382: A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.”
Logo, para obstar o enriquecimento sem causa em situações atinentes à partilha de bens adquiridos dentro do relacionamento concubinário, a jurisprudência desdobrou-se, como dito, para o campo obrigacional, como leciona Paulo Lôbo (2008, p. 149-150) ao tecer considerações sobre a interpretação dada pelo STF: “Diante dos impedimentos constitucionais e legais anteriores à configuração do concubinato como entidade familiar, a solução não poderia ser encontrada no direito de família. Destarte, socorreu-se do direito das obrigações, a partir da figura de sociedade de fato, cuja dissolução levava à partilha do patrimônio, que se presumia adquirido com o esforço comum. Em situações em que era problemática a verificação do esforço comum, quando o tribunal não admitia sua presunção pela ocorrência da convivência familiar apenas, construiu-se outra solução, igualmente extraída do campo do direito das obrigações, desta feita pela indenização dos serviços prestados pela concubina (raríssima era a hipótese de ser o homem o que a pleiteava). Quando direito de família dava as costas para a realidade social, apenas o direito das obrigações poderia favorecer decisões que se aproximavam da equidade.”
A CR/88 deu fim ao tratamento discriminatório nas relações familiares não advindas do casamento e, assim, contemplou pela primeira vez no ordenamento jurídico/normativo o termo união estável: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento;”
Devido a necessidade de complementação da norma, sobreveio a Lei nº 8.971/94, que deferiu a postulação de alimentos (se provada a convivência
62
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
por mais de cinco anos ou se da relação houvessem filhos), incluindo a legitimidade do convivente na sucessão com o passamento do(a) companheiro(a). Rolf Madaleno (2009, p. 769), externando o posicionamento majoritário da doutrina no tocante ao conteúdo normativo acima transcrito, pontua: “De má técnica legislativa, ambígua, gerou mais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, quando, por exemplo, excluiu da sua menção as uniões de pessoas separadas de fato, e também retrocedeu quanto estabeleceu um tempo mínimo de cinco anos de convivência para a efetiva configuração da união estável, isto quando ausente prole, como se a estabilidade do relacionamento fosse contada pelos dias e noites de coabitação e não pela qualidade e pela intensidade da relação afetiva.”
Mediante as incongruências, erros e omissões visíveis na Lei nº 8.971/94, editou-se a Lei nº 9.278/96, objetivando regulamentar o art. 226, § 3º, da CF/88, a qual no artigo primeiro garantiu à união estável o patamar de entidade familiar, tipificando sua natureza jurídica: “Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.”
A Lei nº 9.278/96 retificou imperfeições da norma anterior ampliando direitos e obrigações: afastou a necessidade de convivência pelo prazo de cinco anos ou qualquer lapso temporal no caso de prole para o reconhecimento da união; estendeu, atendendo ao princípio constitucional da solidariedade, os direitos e deveres advindos da união estável (art. 2º); fixou as condições de aquisição e divisão patrimonial entre os conviventes mediante a constituição de condomínio em frações idênticas na falta de estipulação contrária (art. 5º) via instrumento escrito; determinou, através do cunho assistencial inerente aos relacionamentos familiares, o direito de postulação de alimentos (art. 7º, caput) havendo a dissolução da união estável mediante rescisão; fez a incursão do convivente no plano dos direitos sucessórios ao conceder o direito real de habitação no caso de resolução da união devido ao falecimento (art. 7º, parágrafo único) e; estabeleceu taxativamente a competência das Varas de Família e o trâmite do processo envolvendo interesses provindos da união estável em segredo de justiça (art. 9º). O CC/02 (que, segundo posicionamento desenvolvido adiante, revogou tacitamente todos os artigos da Lei nº 9.278/96) respaldou a união estável e previu o regramento nos arts. 1.723 a 1.726:
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
63
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”
Portanto, a entidade familiar denominada união estável, que possui regramento adequado no plano infraconstitucional, possui natureza jurídica bem definida nas palavras de Paulo Lôbo (2008, p. 148): “A união estável é a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casamento (more uxorio). É um estado de fato que se converteu em relação jurídica em virtude de a Constituição e a lei atribuírem-lhe dignidade de entidade familiar própria, com seus elencos de direitos e deveres. Ainda que o casamento seja sua preferência estrutural, é distinta deste; cada entidade é dotada de estatuto jurídico próprio, sem hierarquia ou primazia.”
1.2 Abordagem Histórica do Direito Real de Habitação na Legislação Pátria Frente aos aspectos históricos e culturais no início da vigência do CC/1916, falar em direitos à companheira (ou concubina) era circunstância quase impossível numa sociedade que afirmava, no âmbito legal, a incapacidade relativa da mulher casada para certos atos da vida civil (art. 6º do CC/1916, com redação anterior a Lei nº 4.121/62). Assim, o direito real de habitação, no seu nascedouro, foi destinado exclusivamente ao cônjuge sobrevivente. O direito real de habitação (ao cônjuge sobrevivente) passou a ser definido e instituído com a entrada em vigor da Lei nº 4.121/62.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
64
A Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), marco de abertura ao direito real de habitação, que apesar das limitações impostas devido ao tempo e cultura, promoveu significativas alterações no art. 1.611 do CC/1916, introduzindo o parágrafo segundo assim descrito: “Art. 1.611. A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. (...) § 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.”
O art. 1.611 sofreu nova mudança sob o advento da CR/88, tendo o legislador estendido o direito real de habitação aos descendentes possuidores de alguma deficiência que tornasse impossível o trabalho (e fossem órfãos de pai e mãe). A Lei nº 10.050/00 inseriu o § 3º no art. 1.611 do CC/1916: “§ 3º Na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2º ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho”. O direito real de habitação, sob o manto do Estado Democrático de Direito espelhado na CR/88 e a equiparação entre casamento e união estável no art. 226, passou a ser positivado em benefício dos companheiros sobreviventes com o advento da Lei nº 9.278/96: “Art. 7º Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.”
Em janeiro de 2003 entrou em vigor o atual Código Civil (Lei nº 10.406/02), que manteve o direito real de habitação, todavia não realçou expressamente a extensão da norma material aos companheiros/conviventes: “Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
65
direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”
Apresentada a abordagem histórica, passa-se a conjugar o direito real de habitação com os demais ramos e princípios importantes ao estudo desenvolvido.
1.3 Solidariedade Familiar – o Direito Real de Habitação como Forma de Conjugação do Princípio no Direito Sucessório O princípio da solidariedade passou a ser disseminado e assim compreendido (ou seja, como princípio geral de direito) somente com o advento da CR/88 que, ao estabelecer os pilares de Estado Democrático de Direito contemplou, no art. 3º, I e IV: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Paulo Lôbo (2013, n.p), ao conceituar o princípio da solidariedade, assim se refere: “A solidariedade, como categoria ética e moral que se projetou para o mundo jurídico, significa um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que impõe a cada pessoa deveres de cooperação, assistência, amparo, ajuda e cuidado em relação às outras. A solidariedade cresce de importância na medida em que permite a tomada de consciência da interdependência social”. No âmbito familiar, o princípio da solidariedade está compreendido nos arts. 226 e seguintes da CR/88, em que se estruturam as diretrizes regulamentadas na legislação infraconstitucional com relação aos direitos e obrigações oriundos da formação de entidades familiares, aqui compreendidas como aquelas além do casamento, isto é, estando inseridos nestas categorias os relacionamentos advindos da convivência ou união estável. Neste viés, recorre-se a Paulo Lôbo (2013, n.p) para destacar os aspectos atinentes à solidariedade no âmbito familiar: “A solidariedade do núcleo familiar compreende a solidariedade recíproca dos cônjuges e companheiros ou conviventes, principalmente quanto à assistência moral e material. O lar
66
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
é por excelência um lugar de colaboração, de cooperação, de assistência, de cuidado; em uma palavra, de solidariedade”. Rolf Madaleno (2009, p. 769), ao conceituar o princípio, pondera: “A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que for necessário”. Por uma ótica mais específica, afirma-se que o princípio da solidariedade, falando-se no direito real de habitação, se espraia na órbita dos direitos reais e das sucessões. Neste aspecto, pontua-se que o direito à moradia (razão de existir do direito real de habitação) inserido no art. 6º da CR/88, é forma de exteriorização do princípio da solidariedade familiar (no âmbito dos direitos reais – propriedade), pois, em conflito de princípios constitucionais, à luz da ponderação, há impedimento ao exercício pleno do direito de propriedade. Flavio Tartuce, ao analisar o conteúdo do Enunciado nº 117, exarado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo STJ, e justificar a tese de existência do direito real de habitação ao companheiro após a vigência do CC/02, anteviu a incidência do princípio da solidariedade: “Dois são os argumentos que constam do enunciado doutrinário em questão. O primeiro é que não houve a revogação expressa da Lei nº 9.278/96, na parte que tratava do citado direito real de habitação (art. 7º, parágrafo único). O segundo argumento, mais forte, é a prevalência do citado direito diante da proteção constitucional da moradia, retirada do art. 6º da CF/88, o que está em sintonia com o Direito Civil Constitucional e com a teoria do patrimônio mínimo, desenvolvida pelo Ministro Luiz Edson Fachin.” (2016, p. 261)
Frente às premissas conceituais, não paira dúvida que o princípio da solidariedade familiar está inserido e deve ser interpretado à luz das regras e disposições de cunho sucessório, pois, com a abertura da sucessão, nascem aos sujeitos de direito ou legitimados a suceder, situações fáticas que interferem sobremaneira em questões diuturnas e, por derradeiro, na esfera jurídica como, por exemplo, a manutenção de relacionamentos entre os descendentes do de cujus e seu cônjuge ou convivente; a posse sobre bens (móveis e imóveis) objetos da herança até a partilha; a sustentabilidade dos indivíduos que dependiam economicamente do finado, etc. O direito real de habitação é verdadeira proteção advinda do direito de família (porque sua natureza jurídica provém de uma relação conjugal) inserida no âmbito dos direitos reais (pode interferir no direito de propriedade
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
67
de outrem e de terceiros quando averbada no registro imobiliário a concessão do direito de habitação – o imóvel poderá ser vendido desde que mantida a benesse ao cônjuge/convivente), cuja eficácia se perfaz junto ao direito sucessório (pois somente é concebido o direito de habitação após a morte do cônjuge ou companheiro e, portanto, com a abertura da sucessão hereditária). Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 483) ao tecer comentários sobre o direito real de habitação, leciona: “Esse direito real sucessório estabelece-se no momento da abertura da sucessão, de modo que desde então tem o cônjuge as ações próprias para exercê-lo. O objetivo da lei foi assegurar moradia ao cônjuge, que dela poderia ser privado quando concorresse com os demais herdeiros. Por vezes, o cônjuge supérstite era levado a situação angustiosa de não ter onde residir, após ter convivido por muito tempo no mesmo lar conjugal.”
Em suma, o princípio da solidariedade familiar está umbilicalmente ligado ao âmbito das sucessões e o direito real de habitação traduz a prova inequívoca de sua incidência no plano jurídico.
2 Aspectos Técnico-Jurídicos do Direito Real de Habitação 2.1 Vitaliciedade do Direito Real de Habitação e Necessidade de Exteriorização Questão de estudo indispensável reside na duração do direito real de habitação concedido a título sucessório. A doutrina pátria inclinou-se em concluir pelo caráter vitalício do direito real de habitação. Para Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 483-484): “Mais útil, em tese, que o simples uso, o direito de habitação serve para proteger vitaliciamente alguém, provendo-o de um teto de morada. (...) Tal como o usufruto, é direito temporário, tendo por limite máximo a vida do habitador (assim o é na hipótese de habitação sucessória)”. Quanto à necessidade de exteriorização do direito real de habitação, a doutrina pontua em maioria com relação à desnecessidade de registro na matrícula imobiliária, pois, cuidando-se de direito que se opera na abertura da sucessão e advindo da lei, ostenta eficácia contra todos. Camila Moreira Barros Dutra, advertindo sobre a incongruência de sobreposição das formalidades para fins de eficácia do direito real de habitação, enfatiza:
68
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
“Frise-se, no entanto, não parecer necessário o registro para o exercício do direito real de habitação, muito embora o seja para que gere efeito erga omnes, e até para que se atenda ao princípio da publicidade, exigido nos direitos reais. Isso porque, o dispositivo que assegura ao possuidor a faculdade de valer-se das medidas possessórias, bem como a outorga legislativa no que tange à auto-tutela da posse, ou legítima defesa da posse, não exigiu outro requisito, além do exercício efetivo da posse sobre o bem.” (2007, p. 147)
Os aspectos jurídicos inerentes à vitaliciedade do direito real de habitação conferido no âmbito sucessório serão alvos de análise específica em tópico posterior, destacando de antemão a imprescindibilidade de ressalvas no que tange a essa conclusão doutrinária, devido à passagem de exceções que podem e devem ser trazidas ao debate e, salvo melhor juízo, afastam sobremaneira tamanha amplitude do direito em evidência. Igualmente, merece ponderações e críticas o entendimento majoritário que estabelece ser dispensável o registro ou averbação do direito real de habitação conferido no âmbito da sucessão, junto a matrícula do imóvel. À corrente minoritária que confere o direito real de habitação aos cônjuges/companheiros, a necessidade, tanto para o resguardo do titular desse direito quanto para terceiros, da exteriorização mediante averbação na matrícula do imóvel converge com o atendimento aos ditames de segurança jurídica, pois seu titular saberá que todos, ao realizarem a leitura das informações imobiliárias, serão cientificados da instituição do gravame e, portanto, estarão obstados de interromper o exercício da habitação. A publicidade do direito real de habitação também converge a boa-fé objetiva que norteia as relações de direito civil operacionalizadas no dia a dia e a averbação tem relevância jurídica para afastar dificuldades de acesso às informações imbricadas ao imóvel, preservando em última instância a função social da propriedade, reverenciada na Constituição da República de 1988. É direito aos cidadãos, até mesmo para não serem induzidos a erro, conhecimento da existência do gravame, a princípio vitalício. Nos dizeres Luciano Lopes Passarelli (2005, p. 124-125): “Em face disso, tenho que o intérprete deve desprestigiar qualquer hermenêutica que dificulte o acesso da sociedade a uma informação eficaz. É dizer: a sociedade tem direito de saber se há ou não direito real de habitação constituído sobre o imóvel. (...) Trata-se, parece, de confrontar o direito do cônjuge-morador à habitação com o direito de toda a sociedade à informação, e informação eficaz, não fictícia ou extremamente dificultada, lembrando que é justamente o Registro Imobiliário que vem ‘garantir a publicidade’, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 8.935/94. Tenho, pois,
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
69
que, em face do texto constitucional, o titular de direitos sobre um imóvel deve levá-los a registro, em ordem a proporcionar à sociedade a mais ampla visibilidade e publicidade possível.”
2.2 Extensão aos Companheiros Sobreviventes – Revogação da Lei nº 9.278/96 com a Vigência do Código Civil? Visão Doutrinária e Jurisprudencial O direito real de habitação em prol dos companheiros sobreviventes foi garantido com a promulgação da Lei nº 9.278/96. Contudo, o Legislador, no advento do atual Código Civil, ao tratar sobre as questões sucessórias inerentes à união estável, silenciou quanto ao direito real de habitação, resguardando a pretensão, na interpretação literal do art. 1.831, somente aos relacionamentos matrimoniais. Importa saber se, devido ao silêncio normativo do Código Civil, o direito real de habitação, em sede de união estável, foi extirpado do ordenamento jurídico, fixando-se a revogação do art. 7º da Lei nº 9.278/96. A doutrina brasileira construiu, na maioria, entendimento que a ausência de manifestação do legislador no Código Civil não revogou o art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96, visto que deveria ter expressamente veiculado a extinção, bem como a dicção de referido texto legal não é incompatível com a CR/88, havendo, inclusive, a sustentação em última hipótese de concessão do benefício através de aplicação analógica do art. 1.831 do CC frente à equiparação da união estável ao casamento. Maria Berenice Dias (2013, p. 79) sinaliza: “O Código Civil garante ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação independentemente do regime de bens do casamento (CC, art. 1.831). Porém, olvidou-se de reconhecer o mesmo benefício ao companheiro sobrevivente. O cochilo da lei, no entanto, não permite afastar o direito do companheiro permanecer na posse do bem que servia de residência à família. Dois fundamentos autorizam sua concessão. O primeiro é de ordem constitucional. Reconhecidos o casamento e a união estável como entidades familiares merecedoras da especial proteção do Estado (CF, art. 226, § 3º), não se justifica tratamento diferenciado em sede infraconstitucional. Descabe distinguir ou limitar direito quando a Constituição não o faz. Fora isso, a lei que regulou a união estável expressamente assegura o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente (Lei nº 9.278/96, art. 7º). Desse modo, a omissão do Código Civil não significa que foi revogado o dispositivo que estendeu ao companheiro o mesmo direito concedido ao cônjuge. São normas que não se incompatibilizam.”
70
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
No mesmo contexto, doutrina Rolf Madaleno (2009, p. 818-819): “Embora o Código Civil não tenha estendido o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família ao sobrevivente da união estável, o art. 2.045 do CC não revogou expressamente a Lei nº 9.278/96, cujo parágrafo único do art. 7º confere à união estável o direito real de habitação. E, de acordo com o art. 2º, § 1º, da LICC, a lei posterior só revoga a anterior quando expressamente o declare; quando com ela seja incompatível; ou quando regule inteiramente a matéria. Portanto, tecnicamente segue em plena vigência a Lei nº 9.278/96, naquilo que não for incompatível com o Código Civil, como sucede em relação ao direito real de habitação, mesmo porque seria inconcebível deixar de assegurar o direito real de habitação na união estável quando prevista para o casamento.”
Destaca-se, todavia, a existência de corrente doutrinária divergente, que proclama ter ocorrido a revogação da Lei nº 9.278/96 com a entrada em vigor do Código Civil e, não havendo esta norma expressamente concedido o direito real de habitação na parte que tratou sobre as disposições sucessórias no plano da união estável, ter extinto o benefício. Um dos principais defensores da revogação da norma especial que autoriza o direito real de habitação dos companheiros é Francisco José Cahali (2014, p. 220): “Questão tormentosa é a que diz respeito ao direito real de habitação e o usufruto vidual em favor do companheiro sobrevivente ainda prevalecem diante do atual Código Civil, o primeiro previsto no art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96 e o segundo previsto nos incisos I e II do art. 2º da Lei nº 8.971/94. Em nosso entender, houve a revogação dos artigos referidos por incompatibilidade com a nova lei. Com efeito, o art. 1.790 estabelece que o companheiro ou a companheira ‘participará da sucessão do outro (...) nas condições seguintes’. Fora das condições previstas na norma, o sobrevivente não participa da sucessão de seu falecido companheiro, e aqueles direitos não deixam de representar uma forma de participar da sucessão. Vale dizer, neste particular – sucessão decorrente da união estável – o Código Civil disciplinou inteiramente a matéria, revogando, assim, os efeitos sucessórios entre os conviventes previstos em normas anteriores.”
E conclui o insigne jurista: “Enfim, embora contrários à modificação legislativa, por subtrair do companheiro-viúvo um direito assistencial outorgado ao cônjuge, nossa inclinação é no sentido de considerar insubsistentes pelo atual Código Civil o direito real de habitação e o usufruto vidual previstos na legislação anterior” (CAHALI, 2014, p. 222). Cotejando os fundamentos assumidos pelas duas correntes doutrinárias, prudente e próxima da boa técnica a tese que considera revogadas (ou derro-
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
71
gadas) todas as disposições constantes na Lei nº 9.276/96. As regras de cunho sucessório inerentes à união estável foram previstas no art. 1.790 do CC e, desta maneira, entender pela vigência isolada do art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96 não se coaduna como adequação sensata. Porém, é incoerente afirmar a não existência do direito real de habitação aos companheiros sobreviventes, porque tal pensar se afasta do caráter assistencialista e protecionista concebidos às entidades familiares pela CR/88. Melhor sorte, então, é alinhar-se àqueles que sustentam “equidade” entre o casamento e a união estável, entendidas como entidades familiares reconhecidas pela CR/88, para se deferir o direito real de habitação aos companheiros sobreviventes por analogia, aplicando o art. 1.831 do Código Civil. Ademais, o STF, em julgamento inédito e na via dos recursos repetitivos, declarou no dia 10.05.2017, por maioria de votos, a inconstitucionalidade incidental do art. 1.790 do CC nos autos do RE 878.694. Veja-se o teor da decisão Colegiada: “Decisão: O Tribunal, apreciando o Tema nº 809 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, deu provimento ao recurso, para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02 e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do CC/02, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que votaram negando provimento ao recurso. Em seguida, o Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou tese nos seguintes termos: ‘É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/02, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/02’. Ausentes, justificadamente, os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que votaram em assentada anterior, e, neste julgamento, o Ministro Luiz Fux, que votou em assentada anterior, e o Ministro Gilmar Mendes. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, sucessor do Ministro Teori Zavascki, que votará em assentada anterior. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.05.2017.”
Logo, com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC e a orientação sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal, de incidência para fins sucessórios da união estável das regras constantes no art. 1.829 do citado Diploma Legal, verifica-se que o alinhamento de concessão do direito real de habitação tanto para o casamento quanto para a união estável pela via do art. 1.831 prevalecerá ao longo do tempo com o aparecimento de litígios envolvendo a celeuma.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
72
3 A Possibilidade de Extinção do Direito Real de Habitação pelo Não Exercício do Direito 3.1 Desdobramentos da Boa-Fé Objetiva – Supressio O Código Civil trouxe como regras de conduta os comandos previstos nos seus arts. 113, 187 e 422, que sustentam, respectivamente: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (...) Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercêlo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (...) Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
De forma mais recente, o legislador fez inserir no CPC o art. 5º, que determina: “Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”
As normas positivadas, tanto no âmbito do direito material quanto processual, versam sobre a boa-fé objetiva, cláusula geral que fixa e norteia parâmetros em todas as relações jurídicas (públicas ou privadas), permeando o destino de maneira geral e incondicionada. Nelson Rosenvald (apud CAMPOS, 2014, p. 2) conceitua a boa-fé objetiva: “O princípio da boa-fé objetiva – circunscrito ao campo do direito das obrigações – é o objeto do nosso enfoque. Compreende ele um modelo de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de acordo com determinadas padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legitima confiança da outra parte. (...) Esse dado distintivo é crucial: a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer que a aferição se dirige à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. De fato, o princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
73
sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos sedimentados parâmetros de honestidade e retidão. Por isso, a boa-fé objetiva é fonte de obrigações, impondo comportamentos aos contratantes, segundo as regras de correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social.”
Para Cássio Scarpinella Bueno (2016, p. 93): “A doutrina ensina que a boa-fé objetiva é verdadeira cláusula geral – e é tratada como tal pelo art. 5º –, que encerra uma série de comportamentos desejados ou esperados dos agentes em geral e aqui, no plano do processo, de todos os sujeitos processuais que, em última análise, conduzem à proteção da confiança legitima. Nesse amplo contexto, as aplicações da boa-fé objetiva são as mais variadas. Ela pode ser empregada como vetor hermenêutico, ela pode ser fonte de criação de deveres e, por isso mesmo, como modalidade de regulamentação do exercício de direitos.”
A boa-fé objetiva possui desdobramentos firmados pela doutrina e se mostra importante o estudo da supressio. A supressio possui origem no direito alemão (Verwirkung), surgindo com a vigência do Código Civil alemão de 1900. Antônio Menezes Cordeiro (apud MARTINS, 2014, p. 117) leciona: “A situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé”. Na ótica de Fredie Didier Junior (2009, p. 36): “A supressio é a perda de uma situação jurídica de vantagem, pelo não exercício em lapso temporal, tal que gere no sujeito passivo a expectativa legitima de que a situação jurídica não seria mais exercida; o exercício tardio seria contrário à boa-fé e abusivo”. Ainda com relação à definição do instituto, oportuna a lição de Salomão Viana e Pablo Stolze Gagliano (2017, n.p): “Decorrente da expressão alemã Verwirkung, consiste na perda (supressão) de um direito pela falta de seu exercício por razoável lapso temporal. Trata-se de instituto que não se confunde com a prescrição (que se refere à perda da pretensão, e não do direito), nem como a decadência, (que consiste na extinção de um direito potestativo). Na supressio, malgrado o direito não tenha sido extinto pela decadência e nem se possa falar em prescrição, o que há é, metaforicamente, um silêncio ensurdecedor, ou seja, um comportamento omissivo tal – no que se refere ao exercício de um direito – que um movimento posterior, tendente a exercitar aquele direito, soa incompatível com as legítimas expectativas até então geradas pelo silêncio.”
74
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Portanto, a supressio tem incidência devido ao não exercício de certo direito durante lapso temporal, situação que faz surgir na esfera jurídica a expectativa legitima, calcada nos ditames da boa-fé objetiva e nos deveres de probidade e confiança, que aquele direito não será mais exigido ou postulado. A doutrina mais tradicional afirma que a supressio possui aplicação erga omnes e seus requisitos são, basicamente, a inércia e o decurso de tempo. Valendo-se novamente de Antônio Menezes Cordeiro (apud MARTINS, 2014, p. 119) assim se verifica: “(...) hão de ser observados os seguintes requisitos para a verificação do regime da supressio: 1) Em regra, salvo raras exceções, todos os direitos subjetivos se lhe sujeitam, sejam individuais ou coletivos, desde que transcorra um certo período de tempo sem o exercício do direito; 2) A existência de indícios objetivos de que esse direito não seria mais exercido, devendo ser ponderado o comportamento do titular, havendo, portanto, uma legitima expectativa no tocante à inatividade do credor.”
Com essas considerações se analisará a viabilidade jurídica de incidência da supressio em situações envolvendo o direito real de habitação concedido ao companheiro sobrevivente.
3.2 Extinção do Direito Real de Habitação 3.2.1 Aplicação das Regras do Usufruto O direito real de habitação advindo de abertura da sucessão, conforme a majoritária doutrina, possui caráter vitalício. Para os que visualizam o benefício concedido ao companheiro sobrevivente (habitação) tendo como fonte primordial os direitos reais (art. 1.225, IV, do CC), criou-se entendimento que, mediante as previsões legais atualmente vigentes, é viável a aplicação das disposições pertinentes ao usufruto. O argumento encontra sustentação no art. 1.416 do Código Civil, que reza: “Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.”
Havendo a possibilidade jurídica de incidência das regras praticadas ao regime do usufruto para o direito real de habitação, fala-se na extinção deste, devido ao não uso da coisa, conforme estabelecido no art. 1.410, VIII, do mesmo diploma legal citado acima:
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
75
“Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: (...) VIII – pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).”
O TJRS, ao julgar recurso de AI, albergou a extinção do direito real de habitação mediante o reconhecimento de aplicabilidade da tese supra referida: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPORTAR AS DESPESAS PROCESSUAIS SEM COMPROMETER O PRÓPRIO SUSTENTO. Carência do autor, a autorizar a ajuda do Estado, demonstrada pela cópia da CTPS do agravante, a qual comprova estar desempregado desde julho de 2011 e, atualmente, acumulando dívidas. Decisão de primeiro grau, reformada, para conceder ao recorrente o benefício da Justiça gratuita. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LEVANTAMENTO DE GRAVAME. PROVIMENTO FINAL. POSSIBILIDADE. Exigência da verossimilhança da alegação, atestada por prova inequívoca, e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação para a concessão da tutela antecipada (art. 273, I, do CPC). Aplicam-se ao direito real de habitação, no que couber, as disposições concernentes ao usufruto. Extinção do direito real de habitação pelo não uso por parte do beneficiário, conforme autorizado pelo art. 1.410, VIII, do CCB. Verossimilhança das alegações do autor, filho da falecida titular registral do bem, com concordância da parte adversa no levantamento do gravame, pois não tem mais interesse em residir no imóvel. Risco de dano irreparável a justificar a urgência do requerente no cancelamento da restrição para viabilizar a alienação do imóvel, pois teve seu nome inscrito em órgão de proteção ao crédito, por dívidas inadimplidas. Depósito em juízo de metade do produto que obtiver com a venda do imóvel, conforme ofertado pelo próprio recorrente, a fim de garantir a reversibilidade da decisão. Interlocutória reformada. Deram provimento ao AI. Unânime.” (AI 70056494198, 18ª Câmara Cível, Rel. Nelson José Gonzaga, j. 28.11.2013)
3.2.2 Teoria de Cessação da Necessidade Pessoal Fixada a premissa de vitaliciedade do direito real de habitação, poderse-ia dizer que sua cessação somente se daria mediante o falecimento do beneficiário. Porém, viu-se que a jurisprudência evolui gradativamente no sentido de mitigar o caráter vitalício do direito (real de habitação), analisando a pretensão caso a caso e fazendo incidir as regras atinentes ao usufruto para proclamar a extinção do direito real de habitação.
76
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
A perspectiva e a dinâmica na evolução das relações sociais fizeram surgir no campo de aplicação da ciência do direito a necessidade de verificação (por todos os sujeitos da relação) de outros elementos atrelados aos negócios e obrigações que ultrapassam o mero cumprimento ou a concessão dos direitos, sob qualquer campo (público, privado, administrativo ou fiscal). Logo, mesmo havendo o caráter vitalício do direito real de habitação, é imprescindível o cuidado na sua aplicabilidade, porque o seu exercício de forma inadequada interfere diretamente na esfera jurídica de terceiros (proprietários do imóvel, por exemplo). O caso estudado diz respeito à companheira que obteve o direito real de habitação reconhecido judicialmente e, após a decisão transitada em julgado, com o trâmite do processo por mais de oito anos, instada pelo Magistrado, permaneceu por 12 meses sem apresentar manifestação, estando o imóvel desocupado. Indaga-se: sendo de cunho vitalício, o direito real de habitação pode ser declarado extinto pela inércia do seu titular? Verificou-se que a teoria da boa-fé objetiva está ligada a todos os direitos e obrigações, isto é, não se admite avença sem o respeito aos ditames da probidade e confiança, vetores intrínsecos do princípio geral de direito referendado. Assim, como a boa-fé objetiva se articula em todos os ramos do direito, é certo que o companheiro sobrevivente, ao exercer o direito real de habitação, deve se sujeitar aos parâmetros medianos impostos na regra geral de conduta, sendo vedada a má-fé ou o abuso de direito. Nesse viés, constrói-se na apuração da possibilidade de extinção do direito real de habitação a tese de averiguação quanto à “cessação da necessidade pessoal” do titular. Daniel Blikstein (2009, p. 212-213) enfatiza: “É certo que, nesse particular, deve ser analisado também se o direito real de habitação está servindo ao fim a que se destina ou se o habitador, casado com novo cônjuge, por exemplo, passa a ter outros imóveis para residir e não o faz por singela má-fé ou abuso de direito, ou seja, para prejudicar, claramente, o direito dos proprietários do bem gravado. Não se pode privilegiar a má-fé ou o abuso de direito em claro prejuízo aos proprietários do bem que, muitas vezes, têm necessidade de ocupar o imóvel onerado.”
José de Oliveira Ascenção (apud BLIKSTEIN, 2009, p. 213) exterioriza a tese da “cessação da necessidade pessoal” afirmando:
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
77
“Pelo contrário, temos de entrar em conta pelo menos com mais uma causa de extinção do direito de uso, além da extinção de extinção do usufruto: a cessação da necessidade pessoal que justificou a constituição do direito. Se o morador usuário deixar de viver na localidade onde se encontra a habitação, extingue-se automaticamente o direito de habitação. Também quando a desnecessidade for originária deve considerar-se inválida a constituição desses direitos.”
Percebe-se que a construção doutrinária pretende estabelecer foco social e finalístico ao direito real de habitação, fazendo análise sobre a permanência ao longo do tempo dos requisitos autorizadores do benefício em prol do companheiro sobrevivente, o que se aproxima dos parâmetros da boa-fé objetiva. Não é justo que os proprietários do imóvel estejam obstados de deter a posse direta do imóvel se o companheiro sobrevivente, inadvertidamente, deixou de fazer uso do direito real de habitação. Veja-se que o não exercício do direito real de habitação por período razoável de tempo (12 meses no caso objeto da problemática sugerida) estabelece duas premissas inquestionáveis: 1) A perda da necessidade que, num dado instante, determinou o pedido de reconhecimento do direito real de habitação tendo havido, por exemplo, a aquisição de imóvel pelo companheiro, ou a construção de nova entidade familiar que lhe supriu a deficiência atrelada a moradia; e 2) criou-se nos proprietários do imóvel gravado com o direito real de habitação a expectativa legitima e de boa-fé que seu titular (companheiro sobrevivente) não exercitará a pretensão reconhecida judicialmente. Portanto, a vitaliciedade do direito real de habitação, caso não haja o pleno exercício por seu titular ao longo do tempo, deve ser mitigada em razão da supressio, trazendo com isso a viabilidade jurídica dos proprietários postularem a declaração de extinção do direito então concedido ao companheiro(a).
Conclusão O direito real de habitação, segundo os argumentos produzidos, teve sua origem no direito brasileiro, de maneira discreta, através de leis que versaram, à época de sua vigência, exclusivamente sobre o casamento. Com a promulgação da CR/88, outras formas de relacionamentos além do casamento foram alçadas ao patamar de entidades familiares, instante no qual a união estável passou a ter outra visão no ordenamento jurídico.
78
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Verificou-se que, mesmo havendo divergência na doutrina, a jurisprudência construiu posicionamento uniforme no sentido de manter vigente a concessão do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente da relação em união estável, reconhecendo-se a não revogação do art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/66, situação que, ao final, contempla a preocupação constitucional com relação à proteção das entidades familiares. O direito real de habitação oriundo da sucessão pode ser exigido contra qualquer pessoa que interfira no exercício pleno pelo titular, dispensando a averbação no registro imobiliário para operar-se erga omnes, situação criticada em parte da doutrina, que se inclina no entendimento de que a averbação está em compasso com os princípios da publicidade e segurança jurídica. Identificou-se que as relações jurídicas de qualquer natureza devem respeitar os preceitos de probidade e lealdade que, por se tratarem de princípios basilares, também se estendem ao direito real de habitação advindo com abertura da sucessão. A boa-fé objetiva determina que as partes tenham, durante todos os contornos que enlaçam a situação jurídica experimentada (início, meio e fim), o dever de manter conduta que represente atuação sem a intenção de condicionar prejuízos a outrem. Tal premissa não se mostra razoável no caso empírico apresentado, no qual o interessado em obter a concessão do direito real de habitação, permanecendo inerte quanto ao exercício desse direito, possa mantê-lo latente enquanto viver. O direito real de habitação deve ser avistado à luz das necessidades específicas do seu detentor que, como visto, estão conceituadas na doutrina como “necessidade pessoal”, isto é, se findaram os fatos e condições que a época do pedido ensejaram o deferimento do direito real de habitação, esse perde a razão de ser, havendo a mitigação do seu caráter vitalício. Portanto, nada obsta a aplicação da teoria da supressio como fundamento jurídico para postular, mediante ação declaratória, a perda (ou extinção) do direito real de habitação, ao passo que, inexistindo a utilização do imóvel pelo titular do direito por determinado lapso temporal, suscita no proprietário do bem a ideia de “desistência” quanto ao uso do imóvel ou, ainda, a ocorrência de “cessação da necessidade pessoal” do titular, preenchendo, com isso, os requisitos fixados na doutrina e jurisprudência inerentes ao desdobramento da boa-fé objetiva (supressio).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
79
TITLE: The loss of the real housing right for the surviving spouse due to non-exercise of the right by means of suit for declaratory judgment. ABSTRACT: Since the advent of the Constitution of the Republic of 1988, relationships established as a stable union began to be seen under the focus of a family entity, such as marriage. Throughout history several rights were obtained that, until then, were denied to the domestic partners due to the prejudice and the customs of the time. After the promulgation of the current Civil Code, questions emerged about the rights and obligations tied to relationships maintained in as stable union, among which, the form of granting housing to the surviving spouse on the property chosen for the formation of the family. Thus, this paper will address the historical reflection on the origins of the real right to housing, the positioning of jurists and courts regarding the repeal (or not) of the real right to housing, its relation with the usufruct, in order to replicate the unfolding of the objective good faith on the real right to housing, studying legal possibilities of mitigation of lifelong nature to state the dissolution of the right by non-use. KEYWORDS: Real Housing Rights. Stable Union. Supressio. Judicial Declaration of Termination of the Right to Non-Use.
Referências BLISKEIN, Daniel. Direito real de habitação na sucessão hereditária. (Tese) Doutorado em Direito. São Paulo: PUC, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <www.planalto. gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2017. ______. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br>. Acesso em: 15 mar. 2017 ______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2017. ______. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2017. ______. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2017. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br>. Acesso em: 15 mar. 2017. ______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2017. ______. Supremo Tribunal Federal. RE 878.694. Rel. Min. Luis Roberto Barroso, j. 10.05.2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 6 jun. 2017. ______. ______. Súmula nº 380: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 7 jun. 2017. ______. ______. Súmula nº 382: A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 7 jun. 2017. ______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento 70056494198. Rel. Des. Nelson José Gonzaga, j. 28.11.2013. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 16 maio 2017. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do NCPC, de acordo com a Lei nº 13.256, de 4-2-2016. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. CAHALI, Francisco José. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: RT, 2014.
80
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
CAMPOS, Carla. O princípio da boa-fé objetiva – teorias e princípios. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 130, 2014. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15478>. Acesso em: maio 2017. DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. São Paulo: RT, 2013. DIDIER Jr., Fredie. Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio: aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil. Revista de Processo, n. 171, 2009. DUTRA, Camila Moreira Barros. O direito real de habitação na sucessão do convivente supérstite. (Tese). Mestrado em Direito Civil. São Paulo; PUC, 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze; VIANA, Salomão. Boa-fé objetiva processual: reflexões quanto ao atual CPC e ao projeto do novo Código. Jusbrasil, 2012. Disponível em: <www.jusbrasil.com.br/artigos>. Acesso em: 18 maio 2017. LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. ______. Princípio da solidariedade familiar. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3.759, 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25364>. Acesso em: 21 fev. 2017. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. MARTINS, Guilherme Magalhães. A função de controle da boa-fé objetiva e o retardamento desleal no exercício de direitos patrimoniais (supressio). Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, MPRJ, n. 53, jul./set. 2014. PASSARELLI, Luciano Lopes. O direito real de habitação no direito das sucessões. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, RT, v. 59, jul. 2005. TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 4. ______. Direito civil: direito das sucessões. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 6. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016. ______. Direito civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
Doutrina
A Usucapião Familiar Carolina Curvelo da Luz Batista Advogada; Graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu; Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Pós-Graduanda em Direito Imobiliário, Notarial e Registral.
Durval Salge Junior Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1990); Especialista em Tecnologia Educacional pela Universidade Nove de Julho (2000); Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos (2002); Professor da Faculdade Legale e Coordenador dos Cursos de PósGraduação; Palestrante da OAB/SP; Advogado em São Paulo.
RESUMO: Este trabalho tem por finalidade apresentar o instituto da posse em seu conceito puro, seu desenvolvimento ao longo da história, desde a Roma antiga, bem como o instituto da propriedade em geral e sua evolução histórica para, ao fim, chegarmos ao instituto da usucapião, e sua ramificação na usucapião familiar, como meio de aquisição da propriedade, que foi instituída em 2011 pela Lei nº 12.424, ao incluir o art. 1.240-A no Código Civil. O artigo que trata da usucapião familiar define o instituto, bem como traz o rol de requisitos obrigatórios para a caracterização desta modalidade como meio de aquisição da propriedade imóvel. Assim, com a implementação do artigo que trata da usucapião familiar, houve grande discussão acerca da intenção do legislador: teria trazido de volta a discussão (já finda e incontroversa) sobre a culpa do cônjuge ou companheiro para o fim do casamento e da união estável? Discutiremos o entendimento dos juristas e do Tribunal acerca da culpa no fim do relacionamento conjugal, bem como os requisitos para a caracterização do instituto. PALAVRAS-CHAVE: Posse. Propriedade. Usucapião. Abandono. Ex-Cônjuge. Ex-Companheiro. SUMÁRIO: Introdução. 1 Usucapião Familiar; 1.1 Posse; 1.2 Algumas Teorias sobre a Posse; 1.3 Posse Ad Usucapionem. 2 Propriedade; 2.1 Momento Histórico; 2.2 Definição; 2.3 Função Social da Propriedade. 3 Usucapião como Forma de Aquisição da Propriedade; 3.1 Usucapião Familiar; 3.1.1 Conceito; 3.1.2 A Volta da Culpa no Fim do Casamento e da União Estável; 3.2 Prazo Prescricional. Conclusão. Referências.
Introdução O instituto da posse vem sendo discutido desde a antiguidade. Naquela época, a posse era sinônimo de paz social.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
82
Era possuidor aquele que defendesse a sua coisa da intervenção de outrem. Ainda na Roma antiga, os proprietários somente podiam ser os nascidos na própria Roma. Posteriormente, esse direito se estendeu aos nascidos em outras localidades, e os pequenos proprietários se viram diante da necessidade de repassar suas terras aos grandes senhores em troca do usufruto das terras. A posse deu início à discussão para o que se tornaria, anos depois, a distinção entre posse e propriedade, bem como para o surgimento de todas as ramificações oriundas do direito de posse, como a usucapião, por exemplo, que se finda na declaração do direito de propriedade pela posse da coisa durante intervalo ininterrupto de tempo, desde que atenda aos demais requisitos da lei. A Usucapião familiar é um dos mais novos institutos incluídos no Direito Civil brasileiro. Em sua implementação, causou diversas dúvidas quanto a sua finalidade, requisitos e ainda o mais importante: se teria o legislador trazido de volta a discussão de culpa pelo fim do relacionamento conjugal. Discutiremos aqui os conceitos de posse, propriedade, bem como os requisitos e o entendimento do Tribunal acerca da usucapião familiar, instituto que gerou grande polêmica em relação à discussão da culpa pelo fim do casamento e da união estável.
1 Usucapião Familiar 1.1 Posse O conceito de posse é ainda mais antigo que o conceito de propriedade. Para os romanos, tinha a posse todo aquele que possuía a coisa na intenção de que ela fosse sua, não importando se era ou não sua. O animus era elemento essencial para caracterização da posse, pois era a convicção de ser dono da coisa de que se tinha a posse. Por outro lado, os que tinham a coisa em nome do proprietário tinham o que se chamava de possessio naturalis. Diferente da posse, a detenção não recebia a proteção dos interditos possessórios. Cesar Fiuza traz que: “A visão moderna de posse modificou-se um pouco. O tema atualmente se discute com base em duas correntes: subjetivista e objetivista. O mais importante defensor da teoria subjetivista foi o alemão Friedrich Karl von Savigny1”. 1
FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 18. ed. São Paulo: RT, 2015.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
83
1.2 Algumas Teorias sobre a Posse Naquela época, a tutela da situação de fato a que dava origem à posse era reflexo de paz social. Sua origem é bem controvertida, mas o fato é que existem duas teorias que merecem destaque: a de Savigny, e a teoria de Ihering. Para Savigny, a posse se caracteriza por dois elementos: corpus (detenção física da coisa) e animus (intenção de exercer sobre a coisa poder no interesse próprio e de defendê-la em caso de intervenção de outrem). Carlos Roberto Gonçalves destaca: “Não é propriamente a convicção de ser dono (opinio seu cogitatio domini), mas a vontade de tê-la como sua (animus domini ou animus rem sibi habendi), de exercer o direito de propriedade como se fosse o seu titular. Os dois citados elementos são indispensáveis, pois, se faltar o corpus, inexiste a posse, e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção.”2
No entanto, a teoria não encontrou sustentáculo, pois não contemplava outros institutos, tais como o arrendamento, a locação, o comodato, o penhor, etc. Para Ihering, a recusa a posse nesses casos é protegida, mas para aquele que melhor exerce a posse sobre a coisa. Carlos Roberto Gonçalves ilustra que: “Para Ihering, portanto, basta o corpus para a caracterização da posse. Tal expressão, porém, não significa contato físico com a coisa, mas sim conduta de dono. Ela se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa, tendo em vista sua função econômica. Tem posse quem se comporta como dono, e nesse comportamento já está incluído o animus. O elemento psíquico não se situa na intenção de ser dono, mas tão somente na vontade de agir como habitualmente o faz o proprietário (affectio tenendi), independentemente de querer ser dono (animus domini).”3
1.3 Posse Ad Usucapionem A posse ad usucapionem é aquela que é capaz de gerar o direito de propriedade se exercida ao longo do tempo. Carlos Roberto Gonçalves define esse tipo de posse como: “(...) é a que se prolonga por determinado lapso de tempo estabelecido na lei, deferindo 2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 50.
3
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
84
a seu titular a aquisição do domínio. É, em suma, aquela capaz de gerar o direito de propriedade”4.
2 Propriedade 2.1 Momento Histórico O direito à propriedade se originou no Direito Romano, que definia o instituto como ius utendi, fruendi et abutendi que traduzindo seria o direito de usar, fruir e dispor. Naquela época, a propriedade do solo era tida como mística, podendo ser adquirida apenas por cidadãos romanos e em território romano, em razão de sua religião e misticismo ligados aos mortos. Os romanos cultuavam seus próprios deuses, cada família tinha os seus “lares” ou “manes”, na forma de seus antepassados, vez que os romanos acreditavam que os mortos continuavam vivendo, mas no território que haviam ocupado em vida. Desta forma, as terras eram tidas como solo sagrado, onde eram enterrados e cultuados os seus ancestrais. Com o passar dos anos, o misticismo relacionado à propriedade se perdeu, podendo ser expandida para outros territórios, além do romano, sendo posteriormente estendido a todos os habitantes do Império, independentemente de onde nasceu. E com as Invasões Bárbaras, os pequenos proprietários de terra se viram na condição de entregar suas terras aos senhores em troca de proteção, tornando-se vassalos e mantendo o direito de continuar fruindo da terra. Com o surgimento da burguesia, houve o início da democratização da propriedade, o início do capitalismo e posteriormente o surgimento de pensadores revoltados com o sistema: iluministas, liberalistas acarretando nas três grandes revoluções: a Gloriosa, na Inglaterra; a Americana (pela independência); e a Revolução Francesa. Hoje, temos a propriedade vinculada à ideia de função social. Cézar Fiuza define como: “Atualmente a propriedade tem-se entendida vinculada a sua função social, embora a ideia em si não seja nova. Se um indivíduo pode dizer-se dono de algo, é porque os outros indivíduos não são. A propriedade existe porque existem outras pessoas. Ninguém é dono de nada, a não ser que viva em sociedade. E é a essa sociedade que se deve render tributos.”5
Os direitos inerentes à propriedade somente podem ser exercidos em função da sociedade, houve uma limitação do uso absoluto da pessoa sobre a 4
Idem, p. 104.
5
FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 18. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 963.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
85
coisa, que inicialmente ficou impedida de usar a coisa em malefício dos demais membros da sociedade, e posteriormente fica obrigada a usá-la conforme a demanda da coletividade. O legislador se preocupou em deixar isso claro, e traz no Código Civil, em seu art. 1.228, § 1º, que os direitos de propriedade devem ser exercidos em consonância com as finalidades econômicas e sociais do bem e de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o patrimônio artístico e cultural, entre outros, bem como no § 2º do mesmo artigo, proíbe os atos que não tragam ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. Complementa em seu § 3º tratando da desapropriação administrativa por utilidade ou necessidade pública ou ainda por interesse social, e finaliza com o § 4º tratando da forma de perda da propriedade pelo trabalho alheio. O conceito de usar, gozar, fruir, dispor e reivindicar foi mantido pelo CC/02, incluindo o direito de propriedade na lista dos direitos reais.
2.2 Definição É o nome que se dá ao instituto que trata da relação entre o dono da coisa, a coisa, e a coletividade. César Fiuza define propriedade como: “propriedade pode ser definida como a situação jurídica consistente em uma relação dinâmica e complexa entre uma pessoa, o dono e a coletividade”6. O direito à propriedade, que existe desde os tempos antigos, distingue-se de domínio, vez que a propriedade traz consigo poderes exclusivos ao dono para usar, gozar, fruir, dispor da coisa, bem como reivindicá-la, respeitados os direitos da coletividade. Cesar Fiuza complementa que, “na verdade, dizer que propriedade ou domínio é direito de usar, fruir, dispor e reivindicar é prender-se à definição abreviada de propriedade (...)”7. Assim, para que seja possível o exercício pleno do direito de propriedade, é dever do dono fazer com que a sua propriedade exerça a sua função social.
2.3 Função Social da Propriedade É um conceito e um princípio muito criticado no âmbito jurídico por sua complexidade. Em suma, a função social da propriedade está ligada à ideia 6
FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 18. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 959.
7
Idem, p. 960.
86
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
de que toda propriedade tem que ser utilizada para a sua finalidade. O dono tem o dever de tornar a coisa útil à coletividade. A CF define no art. 186 que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos requisitos definidos no mesmo artigo: “I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. Caso não seja cumprida a função social, o município poderá impor o pagamento de multa ou IPTU progressivo para quem seja proprietário de lote vago, bem como a União poderá desapropriar terras para fins de reforma agrária.
3 Usucapião como Forma de Aquisição da Propriedade Usucapião significa “adquirir pelo uso”. Em latim, usucapio quer dizer captura, tomada, obtenção, e em outras palavras: adquirir. É causa extraordinária de aquisição de propriedade e se origina com a posse prolongada, que transforma a situação de fato em situação de direito. César Fiuza define a usucapião: “Usucapião é, pois, causa extraordinária de aquisição da propriedade. Funda-se em posse prolongada, que transforma situação de fato em situação de direito. Sua justificativa baseia-se em duas teorias predominantes. Para a primeira teoria, denominada subjetiva, encontra-se no intuito de eliminar a incerteza em relações jurídicas fundamentais e tão relevantes, como a propriedade. O domínio das coisas não pode ser incerto – ne rerum dominio in incerto essent. Para uma segunda teoria, chamada de objetiva, o usucapião só se legitima se o analisarmos sob a óptica da função social da propriedade: dono é quem explora o imóvel; é quem o torna útil à sociedade. Ainda na opinião de terceiro grupo, o usucapião seria espécie de pena para a negligência do verdadeiro dono, que abandona a coisa.”8
Para que se caracterize a usucapião, a posse deve ser mansa, pacífica, ininterrupta, por período previsto em lei, e principalmente de boa-fé. O Código Civil dividiu o instituto usucapião de bens imóveis em diversas espécies, no entanto, aqui trataremos apenas de uma delas, a chamada usucapião familiar. 8
FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 18. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 996.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
87
3.1 Usucapião Familiar 3.1.1 Conceito A finalidade é garantir que a pessoa abandonada por seu cônjuge ou companheiro tenha um teto para moradia. Cesar Fiuza complementa que: “Introduzido pelo CC/02 (art. 1.240-A), tem por objetivo garantir um teto à família ou à pessoa abandonada por seu cônjuge ou companheiro. Em outras palavras, seu fundamento é a proteção à família e à pessoa, é a dignidade humana em primeira e última instância”9. Deve atender aos requisitos: a) Posse ad usucapionem (pacífica, ininterrupta, direta, exclusiva e com título de domínio); b) Imóvel urbano de até 250 m2; c) Abandono do lar por parte do cônjuge ou companheiro; d) Uso residencial próprio (familiar) do imóvel; e) Não ser o usucapiente proprietário de qualquer outro imóvel urbano ou rural; f) Prazo de dois anos ininterruptos e sem oposição.
3.1.2 A Volta da Culpa no Fim do Casamento e da União Estável Agora, será mesmo que a implementação deste artigo resolveu um problema, ou acabou criando outro? Vejamos que a posse deve ser direta e exclusiva, ou seja, se o usucapiente alugar ou emprestar o imóvel, perderá o direito de usucapir. Note-se que o imóvel deve fazer parte da comunhão de bens do casal, devendo haver uma relação de condomínio sobre o imóvel entre o cônjuge ou companheiro e o usucapiente, devendo ser usado para residência do usucapiente, filhos e demais integrantes da família. César Fiuza complementa: “O cônjuge ou companheiro do usucapiente há de ter abandonado o lar. O abandono se caracteriza pelo desamparo. O cônjuge ou companheiro saem de casa, deixando seu consorte e/ou filhos ao desamparo, sem sua 9
Idem, p. 996.
88
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
contribuição, sem sua presença física. O fato de o cônjuge ou companheiro sair de casa, mas continuar contribuindo, não configura o abandono.”10
A vigência da lei traria novamente a discussão relacionada à culpa pelo fim do matrimônio ou da união estável, já não mais discutida para justificativa e partilha de bens? De início, houve uma conturbação, pois o instituto era novo e não havia ainda a noção do entendimento dos Tribunais a esse respeito. Luiz Antonio Scavone Junior elucida que: “Feita a análise inicial, resta a conclusão da absoluta atecnia da redação em vigor. Isto porque, na medida que menciona a propriedade dividida entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, de duas uma: ou impropriamente se refere a ex-cônjuge ou companheiro quando, na verdade, deveria se referir ao cônjuge que abandonou o lar ou, caso se entenda o contrário, a ação de usucapião de que trata será aplicada apenas na hipótese de divórcio sem partilha, com a permanência do ex-cônjuge abandonado no lar conjugal, sem oposição daquele que se afastou.”11
Vejamos que a proteção será sempre à dignidade humana, sendo a razão de o art. 1.240-A do Código Civil existir. Desta forma, pode-se entender que a Lei traz como requisito não só o abandono do imóvel, friamente, mas principalmente o abandono da família, de modo que a usucapião familiar vem para garantir um amparo ao cônjuge ou companheiro e filhos (se houver) abandonados. Nesse sentido, entende o Tribunal: “USUCAPIÃO FAMILIAR. Ação ajuizada em face do cônjuge, do qual a autora está separada de fato. Legitimidade passiva configurada (art. 1.240A do CC). Existência, no entanto, de contrato de alienação fiduciária em garantia de imóvel celebrado com a Caixa Econômica Federal (CEF), em fase de cumprimento. CEF que deveria, necessariamente, integrar o polo passivo da ação, porquanto detentora da propriedade resolúvel. Inexistência, ademais, de posse ad usucapionem, sendo a autora equiparada a simples depositária (art. 1.363 do CC). Indeferimento da inicial. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, APL 1020384-16.2014.8.26.0506, Rel. Alexandre Marcondes, j. 05.11.2015, 3ª Câmara de Direito Privado, publ. 05.11.2015) 10 FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 18. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 1.004. 11 SCAVONE Jr., Luiz Antonio. Direito imobiliário: teoria e prática. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1.058.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
89
A ideia da lei era proteger as famílias de baixa renda, de modo que, além desses requisitos, o abandono deve ser voluntário e injustificado, bem como o usucapiente deve ser coproprietário do imóvel, em comunhão ou condomínio com o ex-cônjuge ou ex-companheiro, e dessa forma, Carlos Roberto Gonçalves ilustra que: “A principal crítica que se tem feito à nova espécie é que ela ressuscita a discussão sobre a causa do término do relacionamento afetivo, uma vez que o abandono do lar deve ser voluntário, isto é, culposo, numa época em que se prega a extinção da discussão sobre a culpa para a dissolução do casamento e da união estável. É evidente que, se a saída do lar, por um dos cônjuges, tiver sido determinada judicialmente, mediante, por exemplo, o uso das medidas previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), não estará caracterizado o abandono voluntário exigido pela lei.”12
3.2 Prazo Prescricional Havia grande dúvida quanto ao dies a quo do prazo prescricional, vez que não se sabia a partir de quando era contado o prazo, que é de dois anos. Carlos Roberto Gonçalves discorre que: “(...) um dos pressupostos da nova espécie é que a propriedade seja dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro, deixando dúvida sobre o dies a quo da fluência do prazo prescricional. À primeira vista pode parecer que o referido prazo somente começaria a fruir a partir da decretação do divórcio ou da dissolução da união estável, uma vez que, antes disso, não se pode falar em ex-cônjuge ou ex-companheiro, além do que não corre prescrição entre cônjuges e companheiros, na constância da sociedade conjugal ou da união estável (CC, arts. 197, I e 1.224).”
Desta forma, a mera separação de fato, por abalar a estrutura conjugal, acarreta o fim do casamento e seus deveres, bem como do regime patrimonial. Assim, os bens adquiridos após a separação de fato não se comunicam, conforme entendimento do STJ: “RECURSO ESPECIAL. 1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após a decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio. (REsp 1.065.209/SP, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 08.06.2010)”13 12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 274. 13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 274.
90
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Portanto, a data da separação de fato pode ser utilizada como marco inicial para contagem do prazo da usucapião familiar, desde que caracterizado o abandono voluntário por um dos cônjuges ou companheiros. Importante ressaltar que o prazo não retroage, sendo contado a partir de sua vigência, pois o direito não poderia retroagir e causar surpresa a um dos coproprietários, pois não era anteriormente previsto. Os primeiros pedidos somente puderam ser feitos a partir de 16 de junho de 2013.
Conclusão Concluímos com este trabalho que, embora a usucapião familiar traga o direito do cônjuge ou companheiro adquirir a propriedade de seu imóvel pelo abandono, não basta apenas a separação de fato, mas o abandono deve ser não somente do imóvel, mas da família. O cônjuge que decidir abandonar o lar, não pode reivindicar sua parte durante o prazo prescricional de dois anos, tampouco auxiliar no provimento da família. Da mesma forma, não é possível caracterizar o instituto da usucapião familiar quando houver decisão judicial para o afastamento do cônjuge nos casos que se enquadrem na Lei Maria da Penha, pois a força da ordem judicial já descaracterizaria o abandono familiar. Temos aqui que embora a usucapião familiar dê ao cônjuge ou companheiro abandonado o direito de propriedade sob o restante do imóvel, esse deve estar no patrimônio do casal para a partilha, bem como o imóvel deve estar livre e desimpedido de quaisquer ônus. O intuito do legislador com a instituição do art. 1.240-A do Código Civil era a proteção do cônjuge ou companheiro abandonados a fim de evitar que a família ficasse a mercê da sociedade, desprovida de um teto para moradia. Ao meu ver, jamais foi intenção do legislador trazer de volta esta discussão, mas proteger o cônjuge e o companheiro abandonados. A discussão sobre a culpa foi findada, uma vez que não preenchidos os requisitos do art. 1.240-A do Código Civil na íntegra, não é possível a caracterização do instituto, não há que se falar em usucapião familiar. TITLE: Family adverse possession. ABSTRACT: The purpose of this work is to present the institute of possession in its pure concept, its development throughout history, from ancient Rome, as well as the institute of property in general and its historical evolution to finally arrive at the institute of adverse possession, and its subdivision as family adverse possession, as a means of acquiring property, which was instituted in 2011 by Law no. 12,424 by including article 1,240-A in the Civil Code. The article dealing with family misuse defines the institute, as well as the list of mandatory requirements for the characterization of this modality as a means of acquiring real property. Thus, with the implementation of the article dealing with family adverse possession, there was
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
91
a great deal of discussion about the legislative intent: would that be to bring back the (already unfinished and incontrovertible) discussion of the guilt of the spouse or partner towards the end of marriage and of the stable union? We will discuss the understanding of the jurists and the Court about guilt at the end of the marriage relationship, as well as the requirements for the characterization of the institute KEYWORDS: Possession. Property. Adverse Possession. Abandonment. Ex-Spouse. Ex-Partner.
Referências DIAS, Maria Berenice. Usucapião e abandono do lar: a volta da culpa? Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/usucapi%E3o_e_abandono_do_lar.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2018. FIUZA, Cézar. Direito civil: curso completo. 18. ed. São Paulo: RT, 2015. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. IBDFAM. Usucapião familiar: o que é preciso para caracterizá-la? Disponível em: <http://www.ibdfam.org. br/noticias/6295/Usucapi%C3%A3o+Familiar%3A+o+explica+o+que+%C3%A9+preciso+para+car acteriz%C3%A1-la%3F>. Acesso em: 17 fev. 2018. SCAVONE Jr., Luiz Antonio. Direito imobiliário: teoria e prática. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Doutrina
Poliamor ou Não, Eis a Questão: Reflexão sobre sua Abrangência e Proposição de uma Definição Stricto Sensu Aníbal Fraga de Resende Chaves Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC); Pós-Graduado em Direito Notarial e de Registro pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac); Pós-Graduado em Direito Registral Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas); Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Oficial de Registro de Imóveis.
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo geral a compreensão do poliamor, não como um sinônimo para qualquer relação não monogâmica, mas como um tipo específico dela. Para evidenciar essa conjectura foi necessário arrolar e comparar a diversidade conceitual que até então vem sendo atribuída a esse fenômeno relacional; analisar seus elementos substanciais e cotejá-los com os de institutos afins – porém distintos – tais como o swinging, a poligamia e as relações abertas propriamente ditas, para, ao fim, propor uma uniformidade conceitual mais restrita, apta a identificá-lo como uma entidade relacional – capaz de dar origem a uma família – que merece proteção jurídico-constitucional. PALAVRAS-CHAVE: Poliamor. Conceito. Requisitos. Polifidelidade.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Relacionamentos e Envolvimentos Plurais: um Fenômeno Contemporâneo. 3 Poliamor: um Conceito Controverso. 4 O Poliamor em Sentido Amplo. 5 Outros Arranjos Não Monogâmicos; 5.1 Swinging x Poliamor; 5.2 Poligamia x Poliamor; 5.3 Relações Abertas x Poliamor. 6 Poliamor Stricto Sensu; 6.1 Conceito e Elementos do Poliamor Stricto Sensu; 6.2 O Poliamor Stricto Sensu Não Comporta Subcategorias. 7 Considerações Finais. 8 Referências.
1 Introdução O reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas como entidade familiar1 é constatação de que as formas de relacionamento não estão circuns1
Os Ministros do STF, ao julgarem a ADI 4.277 e a ADPF 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela PGR e pelo Governador do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
93
critas apenas ao padrão heteroafetivo, majoritariamente praticado no Brasil. Contudo, no que concerne às questões poliafetivas, que vão de encontro à monogamia compulsória – como é o caso do poliamor e de outras formações sui generis –, o assunto ainda é tabu. Apesar disso, os indivíduos vêm vivenciando e experimentando essas novas formas de relacionamento, sendo crescente o número de adeptos e simpatizantes, como se observa nas redes sociais. O poliamor é um fenômeno presente2. Boa parte dos estudos e pesquisas científicas em torno do tema tem como base a experiência empíricoindividual dos seus partidários. Por consequência, a descrição dessas relações é marcada pela subjetividade, não havendo consenso quanto a sua abrangência e significação. Este artigo tem como objetivo geral a compreensão do poliamor, não como um sinônimo para qualquer relação não monogâmica, mas como um tipo específico dela, propondo uma uniformidade conceitual menos ampla e estabelecendo alguns critérios para a sua caracterização. Insta esclarecer que essa concepção estreitada não pretende negar reconhecimento ou efeitos jurídicos acidentais a diversas outras formas de relacionamento simultâneo com pluralidade de indivíduos, mas, tão só, apartá-las do poliamor stricto sensu, acabando com o seu emprego generalizado e inapropriado. Pretende-se, para tanto, arrolar e comparar a diversidade de sentidos que lhe foi até então atribuída; analisar seus elementos substanciais e cotejálos com os de institutos afins, tais como o swinging3, a poligamia e as relações abertas propriamente ditas, e identificá-lo como uma entidade relacional, que merece proteção jurídico-constitucional. O método adotado é o dedutivo-indutivo, com base em pesquisa bibliográfica, consulta a periódicos, artigos científicos – que abrangem mais de uma área do conhecimento4, pois o tema é multidisciplinar –, observação de comportamentos em redes sociais, assim como outras fontes informativas. 2
“O crescimento do número de casas de swing, de adeptos do poliamor e de casais que optam pelo relacionamento aberto coloca em xeque a exclusividade afetiva e sexual, o último dogma das relações conjugais.” Reportagem publicada em 29 de agosto de 2014 pela revista Isto É. Disponível em: <http://istoe.com.br/380010_SERA+O+FIM +DO+TABU+DA+MONOGAMIA+/>.
3
Neste artigo, o termo será mantido em inglês, swinging, apesar de a forma mais utilizada por seus praticantes e por seus pesquisadores no Brasil ser swing.
4
Alcançam áreas de Ciências Humanas, Psicologia e Ciências Sociais Aplicadas, consoante tabelas publicadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Disponível em: <http://www.cnpq.br/ documents/10157/186158/TabeladeAreasdoConhecimento.pdf>.
94
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
2 Relacionamentos e Envolvimentos Plurais: um Fenômeno Contemporâneo Nos últimos anos, as relações entre múltiplos parceiros têm conquistado maior visibilidade. A imprensa já noticiou alguns “casamentos”, ou melhor, uniões estáveis poliafetivas formalizadas em cartórios5. Percebe-se, pois, que os indivíduos que subscrevem essas alianças coletivas se mostram preocupados com os (im)previsíveis efeitos jurídicos – sucessórios, familiares, previdenciários, entre outros – decorrentes dessa prática amorosa, ainda alijada do sistema legal. É verdade que a instrumentalização6 dessas uniões ainda não representa um número expressivo, mas isso não é capaz de negar a sua prática concreta7 no Brasil e no mundo8. De fato, esse fenômeno social tem alcançado novos partidários e simpatizantes9, que contam com os mais variados softwares direcionados a encontros simultâneos, permanentes e contínuos ou eventuais e casuais, entre três ou mais indivíduos. Apenas para exemplificar, podem ser enumerados alguns aplicativos, tais como Polyamorous Dating; 3Fun; 3Somer; Feeld; Swingery; BothWays; BiLove; Bangarang; Swinging; Bi Couples Free to Chat Threesome. No Facebook, há inúmeros grupos cujos partidários organizam eventos, encontros e debates com o propósito de difundir, na teoria e na prática, o poliamor e outras relações que se opõem aos padrões sociais monogâmicos do Brasil. E, como não poderia deixar de ser, tudo que vai de encontro às antigas tradições e aos costumes habituais encontra resistência, sendo, por vezes, alvo de repúdio e preconceito. 5
“Eu vos declaro marido e mulheres”. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Mente-aberta/ruth-de-aquino/ noticia/2012/08/eu-vos-declaro-marido-e-mulheres.html>; “Primeiro casamento de 3 mulheres é oficiado no Brasil”. Disponível em: <https://noticias.gospelprime.com.br/primeiro-casamento-3-mulheres-brasil/>; “Tabeliã diz que registro de união poliafetiva é evolução do Direito de Família”. Disponível em: <http://www.conjur.com. br/2016-abr-14/tabelia-registro-uniao-poliafetiva-evolucao-direito>.
6
Vide escritura pública lavrada em 13.02.2012, às fls. 17 a 20 do Livro 509 do Tabelião de Notas e de Protesto de Tupã/ SP, e escritura pública lavrada em 01.04.2016, à fl. 01 do Livro 3.580 do 15º Tabelião de Notas do Rio de Janeiro/RJ; escritura pública lavrada em 28.04.2016, às fls. 383 a 388 do Livro 239 do 3º Tabelião de Notas e Protestos de São Vicente/SP.
7
A dicionarização do neologismo “poliamor” (polyamory) é comprovação da sua prática social. Com efeito, a aludida expressão já foi incluída nos dicionários Oxford English Dictionary, Macmillan English Dictionary, Merriam-Webster Collegiate Dictionary, Poly Lexicon Dictionary, entre outros.
8
Por meio de busca da palavra polyamory e suas variações, pode ser identificada nas redes sociais a organização de inúmeros grupos simpatizantes dessa prática amorosa em países da América, Oceania e Europa.
9
Segundo reportagem intitulada Polyamorous Relationships May Be the Future of Love, isto é, “Relações poliamorosas podem ser o futuro do amor”, publicada pela British Broadcasting Corporation – BBC. Disponível em: <http://www. bbc.com/future/story/20160623-polyamorous-relationships-may-be-the-future-of-love>.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
95
A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), que não nega a existência fática das relações poliafetivas10, buscou11, junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma medida administrativa que vedasse aos cartórios extrajudiciais a escrituração de declarações de vontade daquelas pessoas que, de fato, mantêm relação afetiva, estável, simultânea e ostensiva com mais de um parceiro. Em oposição, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defendeu12 o reconhecimento13 jurídico das mencionadas alianças. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, recentemente e por maioria de votos, julgou o referido pedido. Dentre os fundamentos da decisão colegiada foi expressamente consignada a “ausência de sistematização dos conceitos”, a dificuldade de “definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos” e a falta de um amadurecimento do tema, por ainda ser “pouco debatido na comunidade jurídica”14. Isso demonstra que esses relacionamentos são um fato social presente, relevante e apto a desafiar as velhas concepções do que seria uma relação normal/natural, bem como as ideias estatais de posse e propriedade e o casamento como instituição apenas de valores monogâmicos. Noções próprias de um sistema jurídico fechado e codificado que vem sucumbindo a uma interpretação dinâmica e aberta, em permanente dialética com as relações sociais em constante mutação. 10 “Se alguém quiser viver uma relação poligâmica (sic), nada o impedirá, mas não podem ser atribuídos efeitos jurídicos de direito de família. (...) não existirão efeitos de direito sucessório”. Trecho da peça vestibular do Pedido de Providências 0001459-08.2016.2.00.0000, fls. 11 e seguintes, que tramita no CNJ. 11 Ao argumento de que se trata de relações afetivas ilícitas e inconstitucionais; que a Carta Maior teria adotado como princípio a monogamia e que o conceito de família não pode ser estendido para abraçar essas hipóteses; entre outros. 12 Como se depreende da manifestação acostada ao Pedido de Providências 0001459-08.2016.2.00.0000, fls. 173 e seguintes, que tramita no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 13 Argui que o não reconhecimento seria uma afronta aos princípios da liberdade, da igualdade, da busca da felicidade, da laicidade, da não intervenção estatal na vida privada, da não hierarquização e da pluralidade das formas constituídas de família. 14 “PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA. ENTIDADE FAMILIAR. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILDADE. FAMÍLIA. CATEGORIA SOCIOCULTURAL. IMATURIDADE SOCIAL DA UNIÃO POLIAFETIVA COMO FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DE VONTADE. INAPTIDÃO PARA CRIAR ENTE SOCIAL. MONOGAMIA. ELEMENTO ESTRUTURAL DA SOCIEDADE. ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA DE UNIÃO POLIAFETIVA. LAVRATURA. VEDAÇÃO. (...) 4. A relação ‘poliamorosa’ configura-se pelo relacionamento múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas e é tema praticamente ausente da vida social, pouco debatido na comunidade jurídica e com dificuldades de definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos. 5. Apesar da ausência de sistematização dos conceitos, a ‘união poliafetiva’ – descrita nas escrituras públicas como ‘modelo de união afetiva múltipla, conjunta e simultânea’ – parece ser uma espécie do gênero ‘poliamor’. (...) 7. A diversidade de experiências e a falta de amadurecimento do debate inabilita o ‘poliafeto’ como instituidor de entidade familiar no atual estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial. Uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e os poucos casos existentes no país não refletem a posição da sociedade acerca do tema; consequentemente, a situação não representa alteração social hábil a modificar o mundo jurídico. (...) 13. Pedido de providências julgado procedente.” (Pedido de Providências 0001459-08.2016.2.00.0000)
96
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
O poliamor, fruto dessas transformações socioafetivas, vem sendo descrito e explicado de maneira genérica, o que acabou abrangendo, equivocadamente, diversas formas de relação ou envolvimento não monogâmico, compreendendo tanto relações eventuais e casuais quanto relações estáveis e duradouras.
3 Poliamor: um Conceito Controverso Poliamor é um neologismo de raiz dúplice, do grego, poli, e do latim, amor, cuja definição vem sendo erigida a partir de relatos e depoimentos empíricos dos sujeitos que experimentam essa prática amorosa, cada qual sob sua óptica individual, circunstância essa que tem tolhido a elaboração de um conceito inequívoco, livre de ambiguidades e contradições. Nesse sentido, Meg Barker e Langdridge Darren (2010) afirmam que: “É provável a coexistência de múltiplos entendimentos e práticas em jogo nas relações consensualmente não monogâmicas, e que o mesmo grupo de pessoas (poliamoroso, swinger e assim por diante), e até o mesmo indivíduo, empregará discursos conflitantes e contará diferentes histórias, sob pontos de vista diversos, enquanto navegam os tipos de tensões sobre o tema, atingindo diferentes objetivos.”
Ademais, como bem ressaltado por Cardoso (2010), o poliamor conta “com uma história recente, curta e potencialmente confusa, (...) uma palavra mal-amada, até por alguns (muitos?) dos que a subscrevem como modo de vida”. Reforçando essa ideia, Santiago (2015) atesta a existência de dificuldade no que concerne ao estudo dessas relações de poliamor face à inexistência de um conceito claro e preciso, capaz de relacionar todos os seus elementos substanciais. Cardoso (2010), por sua vez, assevera que essas definições variam não apenas em estilo, mas também em relação ao seu conteúdo. Com base na análise de discursos poliamoristas, Christian Klesse (2006) assegura que o poliamor é um termo contestado e que seu sentido concreto é uma questão em debate, não havendo, portanto, consenso sobre sua acepção. Marriage e Marston (2015) acrescentam que essas relações são variadas e refletem as escolhas, ideologias e filosofias dos envolvidos, havendo, portanto, fluidez em sua definição para acomodar diferentes tons de significado. Essa volubilidade conceitual pode ser explicada, segundo Cardoso (2010), pela necessidade de se relativizar os comportamentos de forma a abarcar um maior leque de experiências. Santiago (2015), por outro lado, atribui a referida instabilidade à circunstância de se tratar de um tema contemporâneo.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
97
Por conseguinte, foram produzidas definições amplas, que são fruto de um apanhado das mais diversas experiências subjetivas não monogâmicas. Tais definições genéricas, por vezes, são incapazes de distinguir o poliamor strictu sensu de outras formas de relacionamento, que, apesar de comungar semelhanças pontuais, em sua essência são práticas sexuais e/ou amorosas diversas. Impende, pois, o cotejo dessas diversificadas conceituações procurandose, na medida do possível, identificar elementos caracterizadores mínimos, essenciais e comuns, capazes de cunhar um conceito teórico mais restrito, apto a apartar o poliamor strictu sensu de outros fenômenos relacionais – tais como swinging, relacionamento aberto propriamente dito, poligamia, entre outros –, que possuem natureza e fins diversos, de forma a ilustrar e delinear o que seria ou não capaz de extremá-lo em abstrato como uma relação amorosa idônea ao reconhecimento e à proteção jurídica.
4 O Poliamor em Sentido Amplo Nesse momento, apresentar-se-ão diversas definições de poliamor, que serão objeto de análise crítica, a fim de possibilitar a construção de um conceito mais estrito e uniforme. As conceituações em exame foram extraídas de dicionários, trabalhos científicos, sítios da internet, periódicos e outras publicações. Segundo o Wikipedia, poliamor “é a prática, desejo ou aceitação de se ter mais do que uma relação íntima simultaneamente, com o conhecimento e consentimento de todas as pessoas envolvidas”15. Para o Glossary of Polyamory, “Poliamor: (Literalmente, poly many + amor love) o estado ou prática de manter múltiplas relações sexuais e/ou românticas simultaneamente, com o pleno conhecimento e consentimento de todas as pessoas envolvidas”16. No dicionário Poly Lexicon, poliamor “é a filosofia e prática não possessivas, honestas, responsáveis e éticas de amar múltiplas pessoas de forma simultânea. (...) Dá ênfase à escolha consciente de com quantos parceiros cada pessoa se quer envolver, ao revés de aceitar as normas sociais, que ordenam que apenas uma pessoa pode ser amada de cada vez”17. 15 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Poliamor>. 16 Disponível em: <https://www.morethantwo.com/polyglossary.html>. 17 Disponível em: <https://www.xeromag.com/poly101.pdf>.
98
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Para Macmillan English Dictionary, seria a “prática de ter mais de um relacionamento íntimo de cada vez”18. Por sua vez, o Oxford English Dictionary, em setembro de 2006, finalmente acrescentou a palavra polyamory (e -ous e -ist) ao seu cânone da língua inglesa, enunciando-a como: “O fato de ter, simultaneamente, estreitas relações emocionais com dois ou mais indivíduos, visto como uma alternativa à monogamia, especialmente no que tange à fidelidade sexual; O costume ou a prática de se envolver em múltiplas relações sexuais com o conhecimento e consentimento de todos os parceiros envolvidos.”19
O Merriam-Webster Collegiate Dictionary anuncia-o como “o estado ou prática de ter mais do que uma relação romântica aberta [open] ao mesmo tempo”20. A Polyamory Society – organização sem fins lucrativos que promove e apoia os relacionamentos e famílias formados por múltiplos parceiros –, reiterando que poliamor é a filosofia e prática não possessiva, honesta, responsável, ética e consciente de amar mais de uma pessoa concomitantemente, rejeitando as normas sociais, que impõem como regra o amor a apenas uma pessoa de cada vez, acrescenta que: “poliamor é um vocábulo geral que integra elementos de relações tradicionais com múltiplos parceiros com termos igualitários mais evoluídos. Abrange a igualdade sexual e todas as orientações sexuais para um círculo expandido de intimidade e amor. Certamente, o amor em si é um termo bastante ambíguo, mas a maioria dos polys [poliamoroso(s)] parece definilo como uma união séria, íntima, romântica, ou menos estável, afetuosa que uma pessoa tem com outra pessoa ou por um grupo de pessoas, e que, geralmente, embora não necessariamente, envolve sexo. Sexualove ou eromance são outras expressões inventadas para descrever este tipo de amor. Outros termos frequentemente usados como sinônimos para o poliamor são responsáveis, éticos ou intenção não monogâmica.”21
Haritaworn (2006) conceitua-o, basicamente, como “a suposição de que é possível, válido e valioso manter relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais de uma pessoa”, admitindo que esse estreito relacionamento, em geral, é de longo prazo. 18 Disponível em: <http://www.macmillandictionary.com/dictionary/british/polyamory>. 19 Disponível em: <http://polyinthemedia.blogspot.com.br/2007/01/polyamory-enters-oxford-english.html>. 20 Disponível em: <https://www.merriam-webster.com/dictionary/polyamory?show=0&t=1283872099>. 21 Disponível em: <http://www.polyamorysociety.org/page6.html>.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
99
Em sua dissertação de mestrado, Cardoso (2010) corrobora o entendimento segundo o qual: “Poliamor é um tipo de relação em que cada pessoa tem a liberdade de manter mais do que um relacionamento ao mesmo tempo. Não segue a monogamia como modelo de felicidade, o que não implica, porém, a promiscuidade. Não se trata de procurar obsessivamente novas relações pelo facto de ter essa possibilidade sempre em aberto, mas sim de viver naturalmente tendo essa liberdade em mente.”22
Para Song (2012), é a prática honesta e aberta de manter mais de uma relação íntima simultânea com consciência e conhecimento de todos os participantes, abarcando, inclusive, relacionamentos como swinging, amizade colorida (friends with benefits) e as relações abertas. Aos olhos de Marriage e Marston (2015), é o desejo, a prática ou a aceitação de ter mais de um amor, mais de um relacionamento íntimo concomitante, com o pleno conhecimento e consentimento dos envolvidos. Suas perspectivas se diferem das monógamas na medida em que se respeita a relação secundária ou adicional – igualmente significativa – do parceiro, harmonizando-a à união preexistente. Além disso, o poliamor também é descrito como um estilo de vida ou escolha relacional e filosófica, e não apenas como um status de relacionamento dos indivíduos em um determinado momento. É um termo que abrange muitas orientações e modos de relacionamento. Brake (2014), reforçando o entendimento de Tweedy (2011), afirma que o poliamor é, simplesmente, a prática de ter múltiplas relações amorosas e sexuais. Ao contrário de promiscuidade, swinging ou sexo casual, concentra-se em cultivar relacionamentos, não em encontros breves. Klesse (2006) explica que o poliamor se distingue do sexo casual, defendendo a sua diferenciação de outras formas de relacionamento plural, com o propósito de fundamentar uma verdadeira ética sexual pluralista que possa abarcar a diversidade de práticas sexuais e íntimas não monogâmicas. Pois, diferentemente dos que mantêm relações promíscuas, de swinging e de sexo casual, os praticantes do poliamor, além de possuírem menos parceiros, têm interesse honesto em construir relacionamentos íntimos e duradouros. Em dissertação de doutorado, Lester Leroy Roberts IV (2015) proclamou que talvez a melhor descrição do poliamor tenha sido formulada nas palavras da socióloga e professora Elisabeth Sheff, segundo a qual o poliamor é uma forma de relacionamento em que os praticantes têm múltiplos parceiros românticos, sexuais e/ou emocionais, distinguindo-se do swinging, pois 22 Disponível em: <https://run.unl.pt/bitstream/10362/5704/1/Tese%20Mestrado%20Daniel%20Cardoso%2016422.pdf>.
100
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
dá ênfase a relações emocionais íntimas e duradouras; do adultério, porque tem foco na honestidade, transparência e consenso; e da poligamia, visto que tanto homens como mulheres têm acesso a parceiros adicionais. Sheff (2007) o descreve como um estilo de relacionamento no qual as pessoas mantêm, abertamente, relações sexuais com múltiplos parceiros, havendo, em geral, compromisso emocional íntimo, sem promessa de exclusividade sexual, salvo se houver polifidelidade, que, segundo a referida socióloga, se difere do poliamor na medida em que os polifideles (polyfidelity) – termo empregado para designar alguém que pratica a polifidelidade – esperam que seus parceiros permaneçam sexualmente exclusivos em um grupo que contém mais de duas pessoas, embora alguns desses grupos tenham membros que não têm relações sexuais entre si, os poliafetivos (polyaffective). Afirma ainda que quase todos os polifideles se veem como membros da família, independentemente do grau de contato sexual em seus relacionamentos. Na ótica de Ritchie e Barker (2006), o poliamor é uma forma de não monogamia, uma diversidade de redes de relacionamento, que se apoia na crença de que as pessoas têm capacidade para compartilhar e multiplicar seu amor de maneira honesta e consensual, por meio de relações íntimas, sexuais e emocionais, ou de sua idealização, mas sem promessa de exclusividade sexual. No escólio de Stefanini e De Luca (2016), “(...) poliamor é a união entre mais de dois sujeitos, independente dos gêneros e da constituição afetiva, onde o que prevalece é o intuito de constituição familiar pautada no afeto e na mútua concordância, como ocorre em todo relacionamento válido, legalmente. O que se deve frisar é a existência de apenas uma relação afetiva, e não relações paralelas isoladas, como no concubinato, o que, por sua vez, não impede que os poliamoristas tenham relações paralelas separadas (desde que haja a concordância dos demais), porém, as relações paralelas – unicamente – não farão parte do poliamor.”
Passos (2014), introduzindo elementos caracterizadores de uniões estáveis civis, define o poliamor, “(...) como sendo uma relação conjugal envolvendo simultaneamente mais de duas pessoas, de forma consensual, e onde os envolvidos vivem como uma única família, em comunhão plena de vidas, ou seja, os requisitos básicos para a configuração de uma união poliafetiva são os seguintes: a) convivência conjugal entre mais de duas pessoas; b) que a convivência seja pública, contínua e duradoura; c) que seja consensual e admitida por todos os envolvidos; e d) que haja o objetivo de constituir família (affectio maritatis).”
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
101
Com base nas acepções retrorreferidas, ratifica-se o entendimento segundo o qual não há convergência de opiniões quanto à compreensão, à extensão e ao significado do poliamor. Observa-se, ainda, com perplexidade, o emprego fortuito e indistinto de conjunções23 aditivas e alternativas24, bem como a utilização de alguns vocábulos que comportam vários sentidos. Além disso, nas aludidas conceituações, parece haver certa ambiguidade quanto à extensão e ao alcance do que seria uma “relação íntima”. Realmente, Elisabeth Sheff (2007), Ani Ritchie e Mag Barker (2006) incluem no poliamor parceiros que não mantêm relações sexuais entre si e a Polyamory Society admite que esse “vínculo afetivo geralmente, embora não necessariamente sempre, envolve sexo”25. Seriam esses “relacionamentos íntimos” tão só ligações sexuais e romântico-amorosas ou abarcariam, igualmente, vínculos de amizade? Demais disso, é aparente a utilização de ideias contrapostas, como o fato de abranger ou não as relações não afetivas, eventuais, de swinging, entre outras. Não obstante, alguns caracteres análogos podem ser identificados, tais como multiplicidade de parceiros, simultaneidade e consentimento, bem como outros que se repetem com menor intensidade, quando, v.g., se faz referência ao fato de se tratar de relações duradouras. Urge, portanto, antes de aventar um conceito mais estreitado, compreender melhor algumas dessas outras formas de relacionamento ou envolvimento simultâneo com pluralidade de indivíduos.
5 Outros Arranjos Não Monogâmicos De maneira generalizada, diversas práticas sexuais ou amorosas entre múltiplos parceiros vêm sendo equivocadamente associadas ao poliamor. Susan Song (2012), referindo-se ao poliamor, afirma que relações abertas, de swinging e friends with benefits26 são práticas nele incluídas, in verbis: “Polyamory refers to the practice of openly and honestly having more than one intimate relationship simultaneously with the awareness and knowledge 23 Conjunção é empregada em seu sentido morfológico, como classe de palavras. 24 Para exemplificar: relações íntimas, sexuais e/ou amorosas; relações sexuais e/ou românticas. 25 Disponível em: <http://www.polyamorysociety.org/page6.html>. 26 Friends with benefits é uma forma de relacionamento em que há interação ou intenção sexual entre os envolvidos, geralmente passageira, sem compromisso de estabilidade ou fidelidade. É conhecida no português como amizade colorida, apesar de não significar que os envolvidos sejam, necessariamente, amigos.
102
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
of all participants. This includes relationships like swinging, friends with benefits, and people in open relationships”27. Por outro lado, Sandra Freire (2013) assegura que poliamor, swinging e poligamia possuem particularidades que os distinguem, apesar de haver alguma confusão no que concerne ao significado desses vocábulos. “Com frequência as pessoas consideram que estes são a mesma coisa. (...) Entretanto, alguns autores chamam a atenção para as possíveis diferenças, demonstrando que o poliamor possui algumas peculiaridades que o torna distinto dos demais” (sic). No mesmo norte, Tweedy (2011) e Roberts IV (2015) entendem que o poliamor se concentra em cultivar relações amorosas e duradouras, ao contrário de swinging, que se limita a breves encontros. Em face da divergência posta, é imprescindível, pois, entender melhor cada uma dessas práticas, a fim de verificar se possuem ou não identidade total ou parcial de elementos e objetos.
5.1 Swinging x Poliamor O Dicionário Aurélio descreve o swinging como “suingue, s.m. 4. bras. chulo. orgia sexual em que participam dois ou mais casais” (FERREIRA, 2004). De acordo com o léxico da Polyamory Society, trata-se de uma atividade sexual recreativa, também chamada de “sexo esportivo” (sportive sex), em que os parceiros ou participantes concordam em fazer sexo casual com outrem, sem envolvimento emocional. Uma forma de monogamia em que, de maneira geral, dois parceiros concordam em ter sexo casual com outros casais ou solteiros. Também conhecido como troca de casais, o swinging – segundo a antropóloga portuguesa Maria Silvério (2014) – pode ser definido como uma prática em que casais heterossexuais estáveis mantêm relações sexuais com outros casais ou pessoas solteiras na companhia e com o consentimento do parceiro. Uma de suas características fundamentais é a separação entre sexo e amor, razão pela qual os praticantes, swingers, se consideram amorosamente monogâmicos e sexualmente não monogâmicos. Para Sônia Rodrigues Bértolo (2009), o swinging é uma forma de atividade sexual que tem como base casais, mas que não se limita a eles, e se manifesta num comportamento que envolve relações sexuais fora do casamento, com consentimento dos envolvidos. Os cônjuges podem entrar 27 Poliamor refere-se à prática honesta e aberta de manter mais de uma relação íntima simultânea com consciência e conhecimento de todos os participantes, abarcando, inclusive, relacionamentos como swinging, friends with benefits e pessoas em relações abertas.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
103
neste comportamento na mesma altura, normalmente no mesmo local, com parceiros diversos ou não, saciando seus desejos das mais variadas formas, podendo caracterizar trios, casal com casal, troca de parceiros ou não e sexo em grupo. Esclarece, ainda, que: “Não existe consenso em relação à abrangência do termo swinger. Uma corrente afirma que swing é uma vasta área de comportamentos sexuais que envolvem três ou mais pessoas, outras fazem a dissociação e separação, e afirmam que swing é apenas uma relação entre casais. Tipicamente considera-se Swing quando um casal inclui um ou mais elementos numa relação sexual.” (BÉRTOLO, 2009)
Para Fahel (2013), o swinging é o encontro ocasional de dois casais que, por meio da troca de parceiros, procuram diversificar o sexo sem qualquer envolvimento romântico-afetivo. Essa prática sexual “nunca acontece separadamente e exige concordância prévia entre os parceiros, ou seja, os amantes não podem se encontrar a sós” com terceiros, sob pena de traição, pois os swingers são considerados (afetivamente) monogâmicos. Oliveira e Pocahy (2015) compreendem o swinging como prática que envolve relações eróticas-sexuais “fora” do relacionamento (do contexto doméstico) e mediante o consentimento das partes envolvidas. Com base nessas explicações, observam-se peculiaridades aptas a distinguir e apartar o poliamor stricto sensu do swinging. Em primeiro lugar, porque no poliamor stricto sensu, ao contrário do swinging, o sexo não é o objetivo, mas a consequência de um envolvimento amoroso. Além disso, no swinging existe apenas uma ligação sexual efêmera e perfunctória com o(s) terceiro(s), pois, segundo Silvério (2014), o que se procura é a variedade de experiências e de parceiros sexuais que a prática proporciona. Por outro lado, na relação de poliamor stricto sensu são perseguidas ligações emocionais amorosas, contínuas e duráveis. Outrossim, como bem destaca Pianovski (2006), “pode-se sustentar a exclusão dos relacionamentos esporádicos do âmbito das relações familiares”. Assim, diferentemente do poliamor, não se nota formação de vínculo ou convivência familiar no grupo swinger, porquanto uma simples e temporânea troca erótico-sexual de parceiros não é suficiente para preencher os requisitos necessários para tanto. Ademais, no poliamor existe tão só uma única aliança amorosa que conta com a participação de mais de dois indivíduos fiéis entre si, ao passo que no swinging os indivíduos apenas compartilham seu cônjuge/companheiro com outrem para o deleite coletivo.
104
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Cumpre ressaltar ainda que, quando se trata de um casal adepto ao swinging, não se pode negar a existência de uma fidelidade sentimental circunscrita apenas ao casal participante e que não se estende ao(s) outro(s) parceiro(s) ocasional(is), solteiro(s) ou não – o que permite apontar mais uma dissimilitude – porquanto o poliamorista é amorosa e sexualmente não monogâmico, ao passo que o par swinger é amorosamente monogâmico, não o sendo sob o aspecto sexual. Demais disso, poliamoristas propendem à ostentabilidade e difusão pública, tanto de sua ideologia quanto de sua vida conjugal plural, ao passo que, como asseverado por Silvério (2014), casais swingers tendem a ocultar sua prática sexual para conservar a boa reputação. Por último, enquanto no poliamor stricto sensu existe fidelidade afetivosexual entre os parceiros – polifidelidade –, no swinging, quando existe, esta se limita apenas ao aspecto sentimental.
5.2 Poligamia x Poliamor Poligamia, do grego poli + -gam(o) + ia, é o estado ou condição de manter muitas uniões ou matrimônios simultaneamente, noutras palavras, o casamento com mais de uma pessoa. De acordo com o glossário da Polyamory Society, é a prática de ter, ao mesmo tempo, mais de uma esposa ou marido. Os casos mais típicos são a poliginia, em que um homem é casado com várias mulheres, e a poliandria, em que uma mulher vive em matrimônio com vários homens. Ademais, como bem explicitado por Pianoviski (2006), a formação poligâmica pode ser endógena ou exógena. Esta se caracteriza pelo surgimento de conjugalidades exteriores a uma comunidade familiar originária. A endógena, em contraposição, constitui-se por múltiplas conjugalidades inseridas em um mesmo grupo familiar. Para a Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS (2016) a poligamia e a relação poliafetiva são práticas análogas, in verbis: “A utilização da expressão que qualifica essas relações como poliafetivas (...) é um engodo, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica”28. 28 Trecho extraído da peça inicial do Pedido de Providências 0001459-08.2016.2.00.0000 que tramita no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
105
Roberts IV (2015) e Stefanini e De Luca (2016) afastam esses dois fenômenos apontando elementos distintivos entre poligamia e poliamor. Segundo esses autores, tratam-se de comportamentos diferentes porque no poliamor há apenas uma relação afetiva, e não relações paralelas e isoladas. Para aqueloutro doutrinador, difere-se da poligamia pelo fato de tanto homens como mulheres terem acesso aos parceiros adicionais, in verbis: “Both men and women have access to additional partners in a polyamorous relationship, distinguishing it from polygamy”29. Com efeito, a poligamia, endógena ou exógena, geralmente remete a uma prática unilateral, que pressupõe assimetria entre os participantes30, pois não há inter-relação entre todos os parceiros, mas apenas de um cônjuge polígamo com os demais. Já o poliamor stricto sensu é uma prática plurilateral e simétrica, porquanto existe relação amorosa recíproca. Ademais, a poligamia é marcada pela coexistência de múltiplas alianças conjugais sincrônicas. No poliamor há apenas um vínculo, ou seja, somente um círculo amoroso que incorpora todos os policonsortes. Por fim, o significado de poligamia está muito mais atrelado ao ato do casamento do que à afetividade múltipla, como bem elucidado, in verbis: “Casar com várias mulheres ou vários homens não significa necessariamente nutrir sentimentos por todos eles. Afinal, casamento nunca foi sinônimo de amor. A poligamia pode acontecer, também, como mera fidelidade a determinados padrões culturais religiosos; mera formalidade. Por outro lado, o poliamor [lato sensu] é motivado apenas pela afetividade múltipla e tem formato fluido, portanto é uma prática livre de padrões e incentivos religiosos” (FAHEL, 2013).
5.3 Relações Abertas x Poliamor As relações abertas são caracterizadas por uma maior flexibilização e alta comunicação entre os parceiros, que estabelecem acordos expressos que possibilitam experiências sexuais com outras pessoas que não os cônjuges. Já os relacionamentos exclusivamente monogâmicos pressupõem um acordo explícito de exclusividade sexual (OLIVEIRA; POCAHY, 2015). Segundo Noronha (2013), não se deve ignorar que em alguns relacionamentos íntimos, notadamente, nos chamados “relacionamentos abertos”, abdiquem convencionalmente os membros do casal do requisito moral da fidelidade recíproca. 29 “Tanto homens como mulheres têm acesso a parceiros adicionais numa relação poliamorosa, o que a distingue da poligamia.” 30 Em geral, verifica-se, também, assimetria de gênero.
106
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Para a psicoterapeuta Jacqueline Meireles (2010), “a ideia é que essas relações extras oxigenem o namoro [relacionamento], desvalorizando o valor da fidelidade em prol da felicidade”31. Fernanda Fahel (2013) esclarece que os parceiros que optam por um relacionamento aberto: “(...) defendem a monogamia afetiva em parceria com a liberdade sexual. Portanto, relações extraconjugais não são consideradas como infidelidade, contanto que não haja envolvimento amoroso; este deve existir apenas entre o casal. ‘Liberamos o desejo, não o sentimento’, diz um adepto”. Logo, relacionamentos abertos pressupõem a preexistência de uma relação primária e principal – usualmente entre duas pessoas – em que os participantes são livres para terem parceiros suplementares, os quais, via de regra, não estabelecem qualquer relação entre si. Por sua vez, nas relações poliamorosas estritas, todos os companheiros nutrem o ânimo de manter o relacionamento fechado. Demais disso, a relação aberta é marcada pela extraconjugalidade, consensualidade, simultaneidade, pacto de não fidelidade, monogamia afetiva em parceria com a liberdade sexual e multiplicidade de relações com diferentes graus hierárquicos e que tem por objetivo, entre outros, a flexibilização das regras de fidelidade, visando ao fortalecimento da relação primária hierarquicamente superior. Por outro lado, o poliamor stricto sensu está cingido por uma unidade conjugal, com afetividade múltipla e recíproca e pacto de polifidelidade, cujas relações afetivas e sexuais estão restritas aos indivíduos do círculo amoroso e sem graus hierárquicos entre os policonsortes, pois a intenção é a incorporação deles na relação, única e original. Dessarte, apesar de possuírem alguns pontos de intersecção, a relação aberta e o poliamor stricto sensu não são sinônimos, porquanto este é permeado por elementos e animus diversos daquela.
Figura 1. Exemplos de relações abertas: não há inter-relação entre todos os sujeitos. Nas figuras os círculos são os indivíduos e as linhas representam os vínculos instituídos. Disponível em: <http://www.topvitrine. com.br/artigo/o-poliamor-e-o-trisal>. 31 O prazer da relação aberta. Entrevista ao periódico Folha de Pernambuco, 2010. Disponível em: <http://www. psicologiaemanalise.com.br/2010/06/o-prazer-da-relacao-aberta.html>.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
107
6 Poliamor Stricto Sensu Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a presente proposta de desenvolver um conceito restrito almeja estabelecer um critério objetivo para a caracterização e delimitação do poliamor, apartando-o de outros fenômenos que também contam com pluralidade de indivíduos. Atualmente, a apreciação do que seja poliamor – ou não – é marcada pela subjetividade, caracterizada, sobretudo, nas palavras de Klesse (2006), “por um interesse honesto de construir relacionamentos íntimos a longo prazo”, in verbis: “The major difference between people who are into promiscuity, swinging and casual sex, and practitioners of polyamory is that the latter have fewer partners and an honest interest in building intimate long-term relationships”32. Ademais, há uma tendência no direito fundamental contemporâneo que prefere conceituações mais amplas e capazes de abarcar uma gama de situações merecedoras de proteção jurídica. No entanto, ao restringir o alcance do poliamor, não se pretende negar a existência ou eventuais efeitos jurídicos a outras formas de relacionamento simultâneo com pluralidade de indivíduos, mas, tão só, apartá-las do poliamor stricto sensu, acabando com o uso inapropriado e generalizado do termo e permitindo seu estudo particularizado.
6.1 Conceito e Elementos do Poliamor Stricto Sensu A partir da análise crítica das diversas definições retromencionadas, apresenta-se, neste tópico, uma conceituação mais restrita, proposição que parece ser mais adequada na medida em que é suficiente para diferenciar o poliamor de outros arranjos não monogâmicos. Além disso, a partir da subsunção do fato social a todos os elementos contemplados no conceito abaixo especificado, possibilitada estará a caracterização objetiva da relação como um poliamor, afastando, assim, o subjetivismo até então verificado nos conceitos mais amplos. Destarte, o poliamor stricto sensu é uma forma de relacionamento que se caracteriza como uma a) unicidade relacional e conjugal com b) igualdade, c) polifidelidade, d) pluralidade de consortes – que nutrem e) afetividade múltipla, recíproca, contínua e duradoura –, f) liberdade comportamental mitigada e que g) tem por escopo o amor e, como possível consequência, o sexo.
32 “A principal diferença entre as pessoas que estão em promiscuidade, swinging e sexo casual e os praticantes do poliamor é que estes últimos têm menos parceiros e um interesse honesto na construção íntima de relacionamentos de longo prazo.” (KLESSE, 2006)
108
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
Figura 2. Exemplos de poliamor stricto sensu: há inter-relação entre todos os sujeitos. Nas figuras os círculos são os indivíduos e as linhas representam os vínculos instituídos. Disponível em: <http://www. topvitrine.com.br/artigo/o-poliamor-e-o-trisal>.
Isso posto, passa-se a explicar os elementos que integram o referido conceito: a) Unicidade relacional e conjugal: A aliança afetiva deve estar limitada a um único círculo amoroso, que incorpora três ou mais indivíduos. Um grupo fechado. Assim, é possível desassociar o termo das ideias de extraconjugalidade, de manutenção de múltiplas alianças conjugais e do mero ato de compartilhar parceiros amorosos com outrem. b) Igualdade: Caracteriza-se pela ausência de hierarquia entre as relações de desejo e afeto, não se falando, assim, em ligações primárias, secundárias, terciárias, mas em um só corpo amoroso; e pela isonomia33, pois não se observa assimetria entre os policonsortes, na medida em que suas práticas plurilaterais simétricas são marcadas pela inter-relação entre todos os parceiros, independentemente de seu gênero, e não de apenas um indivíduo com os demais. c) Polifidelidade34: Empregada com dúplice finalidade. Concebe a noção de que as ligações amorosas e sexuais estão restritas aos indivíduos do círculo afetivo, revelando-se como um elemento substancial para diferenciar o poliamor stricto sensu de outros relacionamentos plurais sui generis, bem como das relações abertas propriamente ditas. Não bastasse, pode evidenciar a sua aptidão como formação familiar, desde que cumpridos os padrões constitucionais mínimos de família pós-moderna. Nesse sentido, Santiago (2015) assevera que, havendo polifidelidade, a relação se assemelhará a um matrimônio com múltiplos indivíduos que, em geral, moram no mesmo imóvel e convivem uns com os outros à semelhança de um casamento monogâmico, concluindo pelo direito ao mesmo tratamento jurídico dispensado às demais entidades familiares reconhecidas pelo Direito. 33 Nas hipóteses em que os policonsortes não forem do mesmo sexo, pode-se falar também em simetria de gênero. 34 A palavra “polifidelidade” comporta certa polêmica no que concerne a sua significação. Analisando sentidos que já lhe foram atribuídos, Klesse (2006) explica que em uma primeira definição supõe que a polifidelidade é uma subcategoria do poliamor lato sensu. A segunda acepção identifica-a como um sinônimo. Freire (2013) e Pilão (2015) remetem-na à ideia de que as experiências amorosas devem ser restritas e exclusivas aos membros da família, id est, do círculo amoroso.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
109
d) Pluralidade de consortes: Consiste na participação consensual e simultânea de três ou mais indivíduos ou policonsortes. e) Afetividade múltipla e recíproca, contínua e duradoura: Múltipla e recíproca na medida em que todos os indivíduos nutrem afeto e desejo uns pelos outros. Contínua e duradoura, para dissociar qualquer ligação eventual ou sexual efêmera e possibilitar a sua caracterização como entidade familiar. f) Liberdade comportamental mitigada: Em verdade, não há como negar a existência de liberdade afetiva e sexual nas relações não monogâmicas em geral. Os policonsortes também gozam de liberdade, porém restrita ao grupo afetivo. g) Ter por escopo o amor e, como possível consequência, o sexo: O amor mútuo é a essência, a “alma”, o “coração” do poliamor stricto sensu. Assim, as relações permeadas por tolerância, simpatia ou amizade podem até caracterizar outra coisa, mas não o poliamor estrito. De mais a mais, se a causa é o amor, o possível efeito, como em qualquer outro relacionamento conjugal, é a prática sexual entre os policonsortes.
6.2 O Poliamor Stricto Sensu Não Comporta Subcategorias Os autores que trabalham com um conceito de poliamor abrangente, por inserir elementos inadequados em sua definição, veem-se obrigados a, equivocadamente, apresentar subcategorias do poliamor, que podem ser sintetizadas em: a) “grupos fechados” (closed group marriage), marcados pelo compromisso de polifidelidade, em que, à semelhança de um matrimônio, todos os parceiros mantêm ligações amorosas entre si; b) “grupos abertos” (open polyamory), segundo o qual é possibilitado o relacionamento com terceiros, alheios à relação preexistente; c) “redes de relacionamentos interconectados ou hierarquizados”, que admitem grupos de indivíduos com variados níveis de compromisso e de interligação pessoal, permitindo que cada membro tenha distintos parceiros – primários, secundários, terciários; d) “relação mono/ poli” (single polyamory), em que, segundo Santiago (2015), “um indivíduo vive diversos relacionamentos sem um compromisso principal, de modo a não buscar um parceiro para viver uma relação de longo prazo”. Explicando essa subdivisão, Antônio Pilão (2015), in verbis: “(...) existem basicamente três tipos de arranjos poliamoristas: a ‘relação em grupo’, quando todos os membros do arranjo têm relações amorosas entre si; a ‘rede de relacionamentos interconectados’, quando cada membro tem relacionamentos poliamoristas distintos daqueles dos parceiros, e a ‘relação mono/poli’, quando, em um casal, um dos parceiros é poliamorista e o outro, por opção, não é. Os modelos se dividem em ‘aberto’ e ‘fechado’.
110
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
No primeiro caso, está colocada a possibilidade de novos amores e, no segundo, é praticada a ‘polifidelidade’, restringindo as experiências amorosas àquelas já existentes.”
No mesmo sentido, de acordo com Rafael da Silva Santiago (2015), “(...) torna-se inviável padronizar todos os comportamentos poliamorosos. No entanto, de forma mais genérica é possível identificar seus modelos relacionais, que não representam, frise-se, as suas únicas formas de manifestação. Esses modelos são: (i) polifidelidade (polyfidelity), (ii) poliamorismo aberto (open polyamory), (iii) poliamorismo com rede de relacionamentos íntimos hierarquizados e (iv) poliamorismo individual (single polyamory).”
Ao que parece “redes de relacionamentos interconectados ou hierarquizados”, “grupos abertos”, “relação mono/poli” e qualquer outro suposto modelo “aberto” confunde o poliamor com os conceitos de relações abertas propriamente ditas e de outros relacionamentos plurais sui generis, tornando nebulosa e subjetiva a avaliação concreta do preenchimento dos elementos necessários à formação de um arranjo poliamoroso familiar. Além do mais, um indivíduo pode até se identificar com o poliamorismo, mas essa simples circunstância não autoriza que sejam todos os seus relacionamentos automaticamente rotulados como tal. Demais disso, não se deve avaliar uma relação sob a ótica ou o discurso do(s) indivíduo(s) que a integra(m), mas sim pelo que essas relações são efetiva e concretamente. Ao poliamor não podem ser atribuídas definições generalizadas e intangíveis, sob pena de ser mal compreendido, interpretado e até banalizado. A aludida subdivisão reforça a necessidade de se construir um conceito restrito, técnico e objetivo, capaz de distingui-lo de outras formas de não monogamia. Portanto, a admissão dessas subcategorias parece equivocada, porque tenta fazer com que o poliamor, para abrangê-las, invada a seara de outros fenômenos relacionais, abrindo mão de alguns de seus elementos essenciais, tais como a unicidade relacional e conjugal, a ausência de hierarquia, a inter-relação entre todos os parceiros, a polifidelidade, a afetividade múltipla e recíproca e a liberdade comportamental mitigada.
7 Considerações Finais Os relacionamentos ou envolvimentos plurais como o poliamor, as relações abertas, o swinging e outras ligações mistas ou sui generis são um fato contemporâneo e crescente que despertou a atenção e curiosidade de antropólogos, sociólogos, psicólogos e juristas, entre outros.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
111
As pesquisas e os estudos desenvolvidos pelos aludidos profissionais em torno do poliamor apontam que as acepções atribuídas ao termo são concebidas com base no relato e testemunho empírico daqueles indivíduos, cada qual sob sua óptica individual, que vivenciam essa prática amorosa. Em função disso, constatou-se que o poliamor tem recebido definições genéricas e, às vezes, até contraditórias, em razão do epítome dessas mais variadas experiências subjetivas. Assim, em face das generalidades retrorreferidas e da aparente necessidade de se estabelecer uma definição mais objetiva e restrita, foram identificadas as semelhanças e as incoerências conceituais a partir do cotejo daquelas acepções alargadas. Ademais, o confronto do poliamor com outros fenômenos relacionais afins possibilitou a identificação de elementos objetivos aptos a diferenciá-lo daqueloutros. Por fim, restou sugerida a seguinte definição: O poliamor stricto sensu é uma forma de relacionamento que se caracteriza como uma unicidade relacional e conjugal com igualdade, polifidelidade, pluralidade de consortes – que nutrem afetividade múltipla, recíproca, contínua e duradoura –, liberdade comportamental mitigada e que tem por escopo o amor e, como possível consequência, o sexo. TITLE: Poliamory or not, that is the question: reflections upon its comprehensiveness and proposition of a stricto sensu definition. ABSTRACT: This article aims the general understanding of polyamory, not as a synonym, but as sort of non-monogamous relationship. In order to highlight this issue, it was necessary to trace and compare the conceptual diversity that has been attributed to this affective phenomenon up to now, to analyze its substantial elements and to measure them with all of the related but distinct institutes such as swinging, polygamy and people in open relationships to propose a more restricted conceptual uniformity and be able to identify it as a relational entity – resulting a new family – which deserves legal and constitutional protection. KEYWORDS: Polyamory. Concept. Requirements. Polyfidelity.
8 Referências BARKER, Meg; LANGDRIDGE, Darren. Whatever happened to non-monogamies? Critical reflections on recent research and theory. Sexualities, v. 13, n. 6, p. 748-772, 2010. BÉRTOLO, Sónia Rodrigues. A relevância da prática do swing na conjugalidade de um casal: estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Psicologia), Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação, Universidade de Lisboa, 2009. BRAKE, Elizabeth. Recognizing care: the case for friendship and polyamory. Disponível em: <http://slace. syr.edu/issue-1-2013-14-on-equality/recognizing-care-the-case-for-friendship-and-polyamory/>. CARDOSO, Daniel dos Santos. Amando vári@s: individualização, redes, ética e poliamor. Lisboa. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2010. DIAS, Maria Berenice. Escritura de união poliafetiva: possibilidade. Carta Forense [online], São Paulo, nov. 2012.
112
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
FAHEL, Fernanda. Poliamor x relacionamento aberto x amor livre x swing x poligamia x “ficar”. Mundo Poli-amoroso, setembro de 2013. Disponível em: <https://mundopoliamoroso.wordpress.com/2013/09/30/ poliamor-x-relacionamento-aberto-x-amor-livre-x-swing-x-poligamia-x-ficar/>. FERREIRA, Aurélio B. H. (Ed.). Novo dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004. FREIRE, Sandra Elisa de Assis. Poliamor, uma forma não exclusiva de amar: correlatos valorativos e afetivos. Tese (Doutorado em Psicologia Social), Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal de Paraíba, 2013. HARITAWORN, Jin; LIN, Chin-Ju; KLESSE, Christian. Poly/logue: a critical introduction to polyamory. Sexualities, v. 9, n. 5, p. 515-529, 2006. KLESSE, Christian. Polyamory and its “others”: contesting the terms of non-monogamy. Sexualities, v. 9, n. 5, p. 565-583, 2006. MARRIAGE, Chain; MARSTON, William Moulton. Encyclopedia Polyamory. Disponível em: <http:// www.statemaster.com/encyclopedia/Polyamory>. MEIRELES, Jacqueline. O prazer da relação aberta. Entrevista ao periódico Folha de Pernambuco, 2010. Disponível em: <http://www.psicologiaemanalise. com.br/2010/06/o-prazer-da-relacao-aberta.html>. NORONHA, Carlos Silveira. O instituto dos esponsais na história, no direito comparado e no direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFRS, v. 1, n. 31, 2013. OLIVEIRA, Andréa Marília Alves de; POCAHY, Fernando Altair. Eu, tu, ele(s), ela(s): cartografando heteroconjugalidades na prática do swing. Fractal: Revista de Psicologia, v. 27, n. 3, p. 228-237, 2015. PASSOS, Anderson. Família de ontem e de hoje: estudo sobre os aspectos constitucionais e civis do poliamor. Letras Jurídicas, Maceió, ano 52, n. 1, p. 50-62, dez. 2014. PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias simultâneas e monogamia. In: CONGRESSO INTERNACIONAL IBDF. 4., Família e dignidade humana, Gramado/RS, 18 a 25 de outubro. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Anais... Belo Horizonte: IBDFAM, 2006. PILÃO, Antonio Cerdeira; GOLDENBERG, Mirian. Poliamory and monogamy: constructing diferences and hierarchies/poliamor e monogamia: construindo diferenças e hierarquias. Revista Ártemis, v. 13, p. 62-74, 2012. PILÃO, Antonio. Entre a liberdade e a igualdade: princípios e impasses da ideologia poliamorista. Cadernos Pagu, n. 44, p. 391-422, 2015. RITCHIE, Ani; BARKER, Meg. There aren’t words for what we do or how we feel so we have to make them up: constructing polyamorous languages in a culture of compulsory monogamy. Sexualities, v. 9, n. 5, p. 584-601, 2006. ROBERTS IV, Lester Leroy. Conceptualizations of family and identity among polyamorous individuals. Thesis (Master of Arts Sociology), College of Humantities and Social Sciences, George Mason University, 2015. SANTIAGO, Rafael da Silva. Poliamor e direito das famílias: reconhecimento e consequências jurídicas. Curitiba: Juruá, 2015. SHEFF, Elisabeth. An introduction to polyamory: definitions, terminology, and details. In: SSTAR: 32nd Annual Meeting. Papers... Atlanta: Society for Sex Therapy & Research, 2007. SILVÉRIO, Maria. Gender, sexuality and swinging: resignification of values through partner exchange. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 18, p. 111-139, 2014. SONG, Susan. Polyamory and queer anarchism: infinite possibilities for resistance. In: DARING, C. B. et al. (Ed.). Queering anarchism: essays on gender, power, and desire, 2012. STEFANINI, Marília Rulli; DE LUCA, Guilherme Domingos. Um novo conceito de família: a poliafetividade. In: COSTA, Ilton Garcia et al. Paz, direito & fraternidade. Curitiba: Instituto Memória; Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2016. TWEEDY, Ann E. Polyamory as a sexual orientation. University of Cincinnati Law Review, n. 79, p. 1.4611.515, 2011.
Doutrina
Os Limites do Planejamento Sucessório como Meio de Divisão Patrimonial Segundo a Vontade do Titular Etel de Oliveira Monteiro Graduada em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2003); Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Damásio (2017) e em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2007); Advogada do Monteiro Advogados Associados.
RESUMO: Trata-se de trabalho de conclusão de curso de especialização que pretendeu descobrir o fundamento legal e os limites para a realização de planejamento sucessório seguindo os critérios subjetivos do futuro autor da herança e em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. A experiência prática demonstrou o crescente interesse dos titulares de bens, direitos e obrigações na transmissão do acervo hereditário aos herdeiros de maneira mais célere, conforme a sua vontade e durante a sua vida, de modo que pudesse escolher, treinar e experimentar os seus sucessores. Levantados o permissivo legal e as balizas que devem orientar a escolha do hereditando, foi possível concluir pela legalidade e celeridade do instrumento, bem como pelo estímulo à sua utilização a bem da união familiar, da perpetuação dos valores e filosofia de vida do criador, da função social do patrimônio por ele obtido e da solução extrajudicial de conflitos, contribuindo para a desobstrução do Poder Judiciário. PALAVRAS-CHAVE: Planejamento Sucessório. Sucessão Planejada. Legalidade. Limites. Vontade.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Fundamento Legal para a Divisão do Patrimônio Segundo a Vontade do Titular; 2.1 Os Subjetivos Critérios do Hereditando Influindo na Divisão de Bens; 2.2 O Embasamento Constitucional; 2.3 A Previsão Infraconstitucional; 2.3.1 Os Instrumentos Jurídicos do Direito Sucessório. 3 Os Limites do Ordenamento Jurídico Brasileiro à Divisão do Patrimônio Segundo a Vontade do Titular; 3.1 O Limite Constitucional; 3.2 O Limite Infraconstitucional; 3.3 Redução das Disposições Testamentárias, Dever de Colação, Nulidade e Anulabilidade da Divisão de Patrimônio a Despeito do Balizamento Legal. 4 Conclusão. 5 Referências Bibliográficas.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
114
1 Introdução O desejo de definir o destino do patrimônio, desde já ou após a morte, valendo-se de instrumentos legais para conferir aos herdeiros os bens e também os parâmetros pessoais, filosofia e planos de trabalho, moveu a experiência jurídica a criar o planejamento sucessório. Tomada a decisão de dividir os seus bens, o futuro sucedido poderá escolher, treinar e experimentar os seus sucessores, de modo que a transição desencadeada pelo óbito ocorra sem sobressaltos. Observado o crescente interesse dos hereditandos pelo tema, verificouse quais são os parâmetros e limites legais para tanto, bem como se eles têm agido de acordo com a lei ao realizar a divisão de bens entre os herdeiros conforme a sua vontade.
2 O Fundamento Legal para a Divisão do Patrimônio Segundo a Vontade do Titular A população brasileira não possui o hábito de traçar estratégias para além de sua própria existência. Neste país, reforçam-se crenças de que o pensar sobre a própria morte é suficiente para atraí-la, antecipá-la e induzir os familiares a acirrar os ânimos ao pretender, desejar ou pedir para receber o que entendem ter direito (MAMEDE; MAMEDE, 2015, p. 2). Nos dizeres de Rolf Madaleno (2014, p. 12), planejar o destino do patrimônio pelo qual fora dedicada uma vida inteira de trabalho é imprescindível, “(...) pois é incontestável que um indivíduo detentor de uma riqueza construída em vida, também tenha planejado os caminhos percorridos com a construção da sua fortuna e o percurso das suas conquistas, sendo absolutamente coerente busque igualmente contribuir antes de sua morte com a planificação futura dos bens que deixará para seus herdeiros. O planejamento sucessório, até onde isso seja possível, permite às pessoas preverem quem, quando, como e com quais propósitos serão utilizados os bens destinados a seus herdeiros legítimos e testamentários, reduzindo conflitos, fortalecendo vínculos, identificando lideranças e atuando na preservação dos interesses familiares, que ao fim e ao cabo, continuarão atendendo pela própria essência do acervo material a nutrição e o constante processo de socialização dos sucedidos.”
Na seara empresarial, a importância do preparo da sucessão na gestão dos negócios é mais clara e menos dada a subjetividades, posto que não só o falecimento, mas a aposentadoria, a demissão, as férias, entre outros, eviden-
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
115
ciam que o titular do patrimônio ou do posto de comando da empresa não será eterno ou insubstituível. Em sentido oposto à falta de adoção de estratégias sucessórias, a sucessão planejada traz benefícios ao futuro autor da herança, aos seus herdeiros legítimos e testamentários e ao próprio patrimônio. Esse, bem administrado e protegido dos sobressaltos decorrentes da surpresa do falecimento, só tem a crescer e perpetuar-se, em benefício da família, da sociedade e das funções sociais, da propriedade e da sucessão.
2.1 Os Subjetivos Critérios do Hereditando Influindo na Divisão de Bens O titular do conjunto de bens é um ser humano. Tem sua filosofia de vida, costumes, crenças e é qualificado para fazer as próprias escolhas. Por isso, e consciente de sua finitude, é que, em determinada altura da vida, o futuro autor da herança cogite sobre quem irá dar continuidade ao seu legado patrimonial, familiar, moral e, inclusive, à função social do seu patrimônio e da sua sucessão. Nesse momento examinará dentre os seus futuros herdeiros – entendidos esses como legítimos e testamentários, em que estão compreendidos os descendentes, os ascendentes, o cônjuge ou companheiro, os colaterais e os que, parentes ou não, forem escolhidos por ele para um dia tornarem-se destinatários dos seus bens, tudo em conformidade com os arts. 1.829, 1.845, 1.846, 1.857, 2.014 e 2.018 do Código Civil – quem são aqueles a quem considera aptos para prosseguir com suas atividades negociais, sejam elas empresariais ou pessoais. Ao seu julgamento, avaliará pessoas, rotulando-as de acordo com o próprio juízo de valor. Haverá também o exame dos fatos, que conduzirá às rotulações de “equidade”, “justiça” e “injustiça” quando examinados à luz dos conceitos legais de legítima, disponível, indignidade e deserdação. Considera-se que aí estão alguns dos mais expressivos motivos para a realização do planejamento sucessório. O futuro transmissor dos bens pode dar efetividade ao que considera justo, correto e mais conveniente à continuidade dos negócios, bem como proporcionar o bem-estar de seus herdeiros.
2.2 O Embasamento Constitucional O direito de propriedade, assim como a sua função social (art. 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal), aliados à proteção infraconstitucional,
116
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
integram o sistema de direitos e garantias fundamentais que regem a celebração dos negócios jurídicos pela pessoa natural. Se a pessoa capaz pratica os atos da vida civil é porque a Constituição Federal lhe assegura o direito de negociar de acordo com os próprios critérios, desde que observe os limites legais. É o que assegura o princípio da autonomia da vontade, fixado no inciso II do art. 5º, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O princípio da autonomia da vontade é tratado por Judith MartinsCosta (2013, p. 340) como princípio da autodeterminação pessoal. Para a constitucionalista, juntamente com a autonomia, estão ligados ao direito de herança vários outros direitos e garantias fundamentais, dentre os quais destaca os direitos à liberdade (art. 5º, caput), à dignidade da pessoa humana e à livre iniciativa (do art. 1º, incisos III e IV c/c o art. 170, inciso II) e à propriedade (do art. 5º, inciso XXII), todos da Constituição Federal. Na visão da autora: “Sendo garantida a propriedade privada e reconhecida a autodeterminação, importaria em dupla incoerência sistemática que o Estado dissolvesse, após a morte, essa dupla garantia, ou absorvendo o patrimônio ou negando ao autor da herança a possibilidade de regular os próprios interesses. No primeiro caso, estaria a criar instabilidade nas relações patrimoniais, frustrando credores e premiando injustamente devedores ou mesmo desestabilizando estruturas sociais (como as empresas, ao impedir, por exemplo, o planejamento sucessório por meio do adiantamento da legítima ou doação de quotas ou ações aos herdeiros). Além do mais, sustenta-se que a transmissibilidade integra o próprio conteúdo do direito de propriedade, que, se insuscetível de transmissão, converter-se-ia em mero usufruto vitalício. No segundo caso, estaria a impedir a efetivação de aspirações pessoais legítimas da pessoa humana, na medida em que a continuidade em bens patrimoniais tem, para além de seus reflexos econômicos, dimensões no plano extrapatrimonial.” (grifou-se)
Entende-se que o princípio da autonomia da vontade tem a sua interpretação constitucional estendida ao mundo dos atos e negócios jurídicos que envolvem o patrimônio familiar, assim como é possível visualizá-lo na redação dos arts. 1.899, 2.014 e 2.018 do Código Civil, que disciplinam a divisão de bens seguindo a vontade do seu titular e autorizam, portanto, a adoção de estratégias de sucessão planejada. O assunto será tratado no tópico seguinte. Desde a promulgação da Lei Maior em 1988, a propriedade não é mais observada apenas do ponto de vista do proprietário. No entendimento de Bernardo Gonçalves Fernandes (2017, p. 480), passou a ser considerada como “socializada”, ou seja, “a sua afirmação como algo maior que a esfera privada
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
117
do seu sujeito titular”. Agora, “a propriedade deve oferecer uma maior utilidade à coletividade”. Sua função social deve estar integrada ao conceito de propriedade, sob pena desta não ser considerada como plenamente constituída. Com a morte do titular de bens, surgem outros três direitos e garantias fundamentais: o direito de herança, consagrado pelo inciso XXX do art. 5º da Constituição Federal, o fundamento da dignidade da pessoa humana, constante no art. 1º, inciso III, e o objetivo de solidariedade social, fulcrado no art. 3º, inciso I, também da Carta Magna, para assegurar aos herdeiros legítimos e testamentários a continuidade do exercício das relações jurídicas decorrentes daquela universalidade de bens, direitos e obrigações. Judith Martins-Costa (2013, p. 338) destaca o direito de herança como direito fundamental econômico, importante e intangível garantia constitucional oferecida aos cidadãos, inclusive de autodeterminar-se, traçando as linhas do seu planejamento sucessório: “Há ainda uma eficácia no plano hermenêutico, na medida em que o direito assegurado concretiza aspectos dos princípios da autodeterminação pessoal (ao assegurar ao particular o direito de planejar, ainda que limitadamente, a sucessão nos seus bens, em razão da morte) e da solidariedade econômica familiar (ao reservar aos herdeiros necessários uma parte da herança, a ‘legítima’ ou ‘quota legitimária’). Articulam-se, assim, no inciso XXX, a dimensão subjetiva (o direito à sucessão, pelo qual a herança é atribuída a alguém) e a dimensão jurídico-objetiva, esta espelhando decisão valorativa da Constituição em matéria econômica do direito à herança.” (grifos da autora)
Morrendo o titular de bens, direitos e obrigações, ao espeque da “valorização constante da dignidade humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo”, assim como do “preceito da solidariedade social”, surge o direito à sucessão causa mortis, conceituada por Flávio Tartuce (2017, p. 3-4) como aquela “que tem como conteúdo as transmissões de direitos e deveres de uma pessoa a outra, diante do falecimento da primeira, seja por disposição de última vontade, seja por determinação da lei, que acaba por presumir a vontade do falecido”. Uma vez que a sucessão planejada é um ato jurídico tomado pelo hereditando ainda em vida, é na Constituição Federal que está o seu esteio: se o faz é porque está amparado no princípio da autonomia da vontade. Coube à legislação infraconstitucional, mormente ao Código Civil, pormenorizar as faculdades e limites aos quais o pretendente ao planejamento sucessório está suscetível.
118
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
2.3 A Previsão Infraconstitucional A legislação infraconstitucional brasileira apresenta as linhas gerais da divisão do patrimônio em decorrência da morte do titular, demonstrando onde pode e onde não pode dispor. Seguindo tais preceitos, poderá escolher entre repartir conforme a sua vontade ou permanecer inerte. O direito das sucessões é tratado pelo Código Civil entre os arts. 1.784 e 2.027. No Código de Processo Civil, é tratado nos arts. 625 a 688. Há legislação esparsa tratando sobre o tema. A garantia da reserva de metade dos bens a título de legítima, permitindo que da outra metade o hereditando possa dispor ao seu critério, deixando-os a quem lhe aprouver, consta nos arts. 1.798 e 1.789 do Código Civil. As modalidades de sucessão são as descritas na lei. O art. 1.786 do Código Civil denota que dá-se por disposição de última vontade através de testamento ou em virtude da lei deferindo-a aos sucessores. Ou seja, quando não houver testamento, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos do falecido (Código Civil, arts. 1.786, 1.829, 1.857 e 1.788). No Brasil, ao não exercer o direito de escolher a quem serão destinados os bens, presume-se que o falecido optou pela forma de divisão escolhida pelo legislador no art. 1.788 do Código Civil. A realização de um planejamento sucessório em conformidade com a lei tem raízes no direito de herança fixado no art. 5º, inciso ������������� XXX, da �������� Constituição Federal c/c o direito dos herdeiros legítimos à metade dos bens da herança, do art. 1.789, assim como o direito à redução das disposições testamentárias que excederem à parte disponível, do art. 1.967, tanto quanto a obrigatoriedade de igualar as legítimas, caso os herdeiros legítimos tenham recebido doações não dispensadas de colação por parte do autor da herança, dos arts. 2.002 e 2.006, e, por fim, o direito do herdeiro preterido requerer a partilha, ainda que tenha sido proibido pelo testador, nos termos do art. 2.013, todos do Código Civil. A divisão dos bens segundo a vontade do titular está fulcrada no art. 2.014 do Código Civil, segundo o qual “pode o testador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários, deliberando ele próprio a partilha, que prevalecerá, salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas estabelecidas” e no art. 2.018 do mesmo diploma legal, o qual assinala que “é válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários”.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
119
É importante frisar a presença do princípio constitucional da autonomia da vontade irradiando efeitos na regra de interpretação oferecida à decisão do futuro autor da herança pelo art. 1.899 do Código Civil, segundo a qual “quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador”. O direito das sucessões, sozinho, não é capaz de proporcionar a gama de possibilidades de que trata o planejamento sucessório. Dentro das claras regras do direito civil, fixando os limites da legítima e da disponível, não há espaço para as subjetividades. Vigora a regra constitucional que assegura o direito hereditário. Neste sentido, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2015, p. 79) ressalta a “intensa simbiose” entre o direito empresarial, o direito civil, o direito de família e o direito das sucessões. Refere que desse “diálogo das fontes” surgiu o “planejamento sucessório empresarial”, através do qual foram criadas as empresas holdings, as doações, os testamentos, os legados, entre outros, “sempre em prol da evolução do Direito Patrimonial de Família”.
2.3.1 Os Instrumentos Jurídicos do Direito Sucessório Por ser o Direito um fenômeno vivo em constante transformação, as ferramentas jurídicas são mutáveis. Mais: é importante dizer que o Direito persegue a evolução social, e não o contrário. Eis o motivo pelo qual, não só o Direito, mas antes mesmo o costume, pode criar, alterar, extinguir e fazer ressurgirem as estratégias jurídicas atuais e antigas. Atualmente, há uma vasta quantidade de soluções jurídicas e não jurídicas, a exemplo dos instrumentos do direito sucessório, empresarial, mas também as aplicações em fundos e investimentos privados. Nem é necessário que as estratégias de sucessão planejada contemplem a universalidade dos bens da futura herança (MAMEDE; MAMEDE, 2015, p. 97): “(...) não há uma obrigatoriedade de se optar por um só instrumento ou mecanismo. Pelo contrário, a arquitetura sucessória pode envolver múltiplas ações e operações, o que, aliás, é extremamente comum quando haja patrimônios vultosos e/ou coletividades de bens de naturezas diversas, entre imóveis (urbanos e rurais), participações societárias, obras de arte, investimentos financeiros, etc., essa multiplicidade pode decorrer, igualmente, da situação jurídica e/ou geográfica dos bens, seja considerando as diferenças de legislações municipais, estaduais ou distritais. Aliás, não se pode esquecer, sequer, que os bens podem estar no exterior.
120
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
De se frisar, ademais, que o planejamento sucessório não precisa alcançar a totalidade do patrimônio do autor da herança. Pelo contrário, é possível constituir uma arquitetura jurídica que abarque certa parte do patrimônio – determinados bens, a exemplo de participações societárias ou bens imóveis (um, alguns ou todos) –, deixando o restante para os meios ordinários de transmissão, ou seja, para o inventário.” Presume-se que a criatividade humana fará com que os instrumentos jurídicos variem com o tempo, com a evolução dos costumes e da jurisprudência. Além disso, possíveis alterações na legislação podem fazer com que tais instrumentos jurídicos tornem-se obsoletos, inviáveis, inócuos e que outros surjam em seu lugar. Argumenta Rolf Madaleno (2014, p. 17-18) que o “exercício prático de uma atividade preventiva”, que implica a adoção de tais procedimentos de estratégia sucessória, possui caminhos tradicionais e a eles podem ser acrescidos outros instrumentos, os quais, conjuntamente, “se constituem nas úteis ferramentas de construção da planificação patrimonial, que, por sua vez, e na sua medida permite prever até onde é possível, saber quem, quando e com quais propósitos irá utilizar os bens depois da morte do seu titular”. O autor exemplifica: “Alguns dos pressupostos utilizados para resguardar o cumprimento de um planejamento sucessório projetado para depois da morte de uma pessoa podem ser identificados nas figuras da sucessão no casamento, e na união estável; nas doações interconjugais feitas em razão das núpcias; ou na doação com cláusula de reversão; na doação com reserva de usufruto; no pacto antenupcial; nos regimes de bens; na alteração do regime de bens; nos contratos de união estável; no bem de família; nos planos de previdência privada; no seguro de vida por morte; no testamento; na deliberação sobre a partilha; na partilha em vida; no adiantamento da legítima e a colação; no direito real de habitação; no trust; no fideicomisso; na sucessão da pessoa jurídica, em especial por meio da formação de empresas holdings. Cada um destes mecanismos contribuiu no conjunto, ou individualmente, na construção do planejamento sucessório.” (grifos do autor)
O importante, enquanto vigorar a legislação atual, é que as garantias constitucionais e infraconstitucionais como a herança, a legítima, a disponível e a partilha sejam respeitadas.
3 Os Limites do Ordenamento Jurídico Brasileiro à Divisão do Patrimônio Segundo a Vontade do Titular A seguir, há a verificação de até onde pode ir a vontade do sucedido ao definir critérios e realizar a divisão do próprio patrimônio, de modo a efetivar
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
121
a sucessão planejada e respeitar o direito positivo, preservando os institutos jurídicos da herança, da legítima, da disponível, da doação, da partilha, do testamento e de sua clausulação.
3.1 O Limite Constitucional A Constituição Federal garante os direitos à propriedade, à herança e às funções sociais da propriedade e da sucessão. Fixa também o princípio da autonomia da vontade, também denominado autodeterminação, nas relações privadas. São os dispositivos contidos nos incisos XXII, XXX, XXIII e II, do art. 5º, no inciso III do art. 1º e no inciso I do art. 3º da Lei Básica, respectivamente. Se é garantido o direito de propriedade, o exercício do princípio da autonomia da vontade para livremente decidir os rumos do seu patrimônio, dentro dos limites legais, também o é. A função social da sucessão corrobora com o direito de herança, assegurando que o planejamento sucessório preservará o quinhão dos herdeiros necessários. Assim, o limite constitucional imposto ao planejamento sucessório é a análise, em sentido contrário, do seu permissivo legal. O titular dos bens, direitos e obrigações está autorizado pela lei a programar como os transferirá aos seus herdeiros, desde que respeite o direito de herança, as funções sociais da propriedade e da sucessão e cumpra os requisitos da legislação infraconstitucional. Deve dar especial atenção aos limites da herança, da quantidade de bens destinada à legítima e à disponível, da existência de herdeiros necessários, da partilha, da própria solvibilidade, da existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos.
3.2 O Limite Infraconstitucional Ao pretendente à sucessão planejada, dotado de capacidade relativa e pleno discernimento, cumpre responder “quanto”, “a quem”, “o que” e “quando” realizará a divisão do seu patrimônio, tendo em vista o evento futuro e certo do próprio óbito. A totalidade do patrimônio pode ser objeto de planejamento sucessório. As dúvidas sobre o “quanto”, na verdade, tratam da quantidade de bens que deve ser transmitida aos herdeiros necessários e da quantidade de bens que pode ser transmitida a quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas. Se a legítima é uma garantia infraconstitucional e corresponde à metade do patrimônio pessoal do hereditando, nos termos do art. 1.789 – “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”–,
122
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
a disponível corresponde à outra metade. A quantidade de bens que podem ser transferidos respeitando os requisitos legais está, portanto, estabelecida. Outra questão a ser atendida, e que influi na quantidade, é a solvibilidade. É necessário que todos os credores do futuro autor da herança estejam satisfeitos, pois “a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido”, conforme dispõe o art. 1.997, primeira parte, do Código Civil. Também no Código de Processo Civil há garantias aos credores do falecido. Ainda que o inventariante descumpra o dever legal de alertar o juízo da existência de dívidas em nome do sucedido (art. 620, inciso IV, alínea f), a legislação processual as protege, posto que “antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis”, de acordo com o contido no art. 642 da aludida legislação. Neste caso, o juízo providenciará a separação do dinheiro ou a entrega de bens suficientes para o pagamento dos credores do falecido. A definição de “quem” são os herdeiros necessários está no art. 1.845 do Código Civil. São os descendentes, os ascendentes e o cônjuge ou companheiro, os quais não cometeram os atos que os colocam entre os excluídos da sucessão, indignos ou deserdados, sem que tenham recebido a reabilitação expressa do hereditando, nos termos dos arts. 1.814, 1.815 e 1.818, parágrafo único, 1.961, 1.962 e 1.963, todos do Código Civil. Portanto, a estes cabe a metade dos bens. Definir “o que” pode ser objeto de planejamento sucessório tem dupla conotação. Pode significar a quantidade de patrimônio, já respondida no início deste tópico ou “quais” as estratégias de sucessão planejada propriamente ditas. A resposta é ampla porque as faculdades são amplas: o art. 2.014 do Código Civil faculta ao testador – aqui entendido como o “planejador” – que realize a divisão dos bens – mesmo os da legítima – conforme lhe aprouver. É a sua redação: “pode o testador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários, deliberando ele próprio a partilha, que prevalecerá, salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas estabelecidas”. No mesmo sentido, o art. 2.018 da Lei Material o complementa e garante: “é válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários”. Reitera-se: a forte proteção constitucional e infraconstitucional é atenta à repartição da quantidade de bens, e ainda assim, aproximada. Diz o art. 2.017: “No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível”.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
123
A questão final é o momento em que os bens serão divididos. A legislação brasileira permite ao proprietário dividir conforme lhe aprouver, mas determina um formato mínimo, para o caso de o sucedido não ter quisto fazê-lo aos seus moldes. Se o importante é respeitar a quantidade de bens e a de herdeiros necessários, o momento pode ser em vida ou após a morte. Se for realizada em vida, ajustes serão obrigatórios sempre que a situação patrimonial do planejador da sucessão ou a quantidade de herdeiros necessários aumentar ou diminuir. Podem nascer mais herdeiros, pode algum tornar-se indigno, ser deserdado ou excluído, pode o titular dos bens decidir alterar a parte disponível para privilegiar um herdeiro necessário ou mesmo um herdeiro alheio à sua linha de parentesco, em detrimento dos demais. Tais fatores podem aumentar a cota disponível em quantia que dependerá da quantidade de herdeiros. Logo, pode-se garantir aos herdeiros necessários que será objeto de partilha a metade dos bens do futuro autor da herança, desde que esta seja superior a eventuais dívidas suas e somente quando vir a falecer. Em sentido contrário, deduz-se que é direito do autor da herança dispor de metade do seu patrimônio para pessoas físicas ou jurídicas, as quais lhe aprouver, com base no permissivo legal do art. 1.799 e seus incisos. Da mesma forma, também é permitido definir, dentre a variedade do patrimônio que possua, com quem e em que proporção ficarão os bens, da maneira que julgar conveniente. Apenas a título de exemplo, é possível definir que a um herdeiro cabem os bens imóveis, a outro as cotas empresariais, a outro os objetos de arte e ao último, rendimentos passivos. Maria Berenice Dias (2015, p. 399) entende que se não há como prevenir a morte, há formas de oferecer segurança financeira à família. Considera que “o planejamento sucessório permite a divisão justa de bens e reduz custos, além de evitar dissabores futuros entre herdeiros” demonstra serem legais as formas de planejamento sucessório que vêm sendo praticadas, eis que não implicam “(...) pacto sucessório, ou seja, a disposição de herança futura, o que é proibido (CC, art. 426)”.
3.3 Redução das Disposições Testamentárias, Dever de Colação, Nulidade e Anulabilidade da Divisão de Patrimônio a Despeito do Balizamento Legal O ordenamento jurídico prevê a redução das disposições que excederem a parte disponível (art. 1.967, § 1º, do Código Civil). Já o § 2º do mesmo artigo
124
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
exibe uma ordem de preferência para a redução das disposições testamentárias, fazendo prevalecer a vontade do testador: “se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente”. Testar além dos limites da metade dos bens que pertencerá aos herdeiros necessários por ocasião da morte do testador, assim como doar os próprios bens ainda em vida em quantidade que exceda essa metade denominada “legítima” implica nulidade. Corrige-se a nulidade com a redução das disposições testamentárias e pela colação as “doações inoficiosas”, arts. 2.003 do CC, 1.014 do CPC de 1973 e 639 do CPC de 2015, (OLIVEIRA; AMORIM, 2016, p. 84). A inobservância dos limites aos quais a sucessão planejada está submetida, por óbvio, conduzirá a sua nulidade ou anulabilidade. São anuláveis as disposições eivadas de erro, dolo ou coação (art. 1.909 do Código Civil) e nulas as condições captatórias, o benefício de pessoa incerta ou arbitrada por outrem, bem como as proibidas de herdar (arts. 1.801, 1.802 e 1.900 do Código Civil). A manutenção de bens necessários à subsistência do doador é necessária à perfeição do ato (art. 548 do Código Civil). Outra forma de estratégia sucessória nula é a que a doutrina convencionou chamar de “pacto sucessório” ou “pacta corvina” (art. 426 do Código Civil). Maria Berenice Dias (2015, p. 125) expõe o seu fundamento legal, o seu conceito e une-se aos escritos de Orosimbo Nonato e de Rolf Madaleno para explicitar os motivos pelos quais qualquer estratégia sucessória traçada pelos herdeiros deve ser reprochada: “(...) o pacto sucessório restringe a liberdade de testar e resultaria odioso e imoral especular sobre a morte de alguém para obter vantagem patrimonial, podendo suscitar o desejo da morte pela cobiça de haver os bens”. Importante frisar que a partilha em vida da parte disponível, assim como a doação em adiantamento da parte legítima dos bens, apesar de poderem contar com a participação dos herdeiros na estratégia sucessória, não implica nulidade por pacto sucessório, haja vista que “ambas as liberalidades são levadas a efeito pelo titular, não pelos herdeiros” (DIAS, 2015, p. 399). No art. 1.824 do Código Civil, a legislação brasileira garante ao herdeiro necessário “demandar o reconhecimento do seu direito sucessório” e participar da partilha.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
125
Isso significa que aquele que entender-se preterido em uma divisão de bens decorrente de vínculo hereditário tem assegurado o direito a ver os bens do hereditando divididos entre si e os demais herdeiros, “(...) ainda que o testador o proíba (...)”, como assegura o art. 2.013 do Código Civil. Essa pessoa poderá “(...) demandar os bens da herança, mesmo em poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens alienados”, nos termos do art. 1.927 do referido Diploma Legal. Será necessário propor ação judicial para expor a divisão de bens ao Poder Judiciário e ao Ministério Público sempre que estiver presente o interesse jurídico de incapazes e sempre que os herdeiros divergirem de um modo geral (arts. 3º e 3º-A do Código Civil, c/c os arts. 178 e 610 do Código de Processo Civil).
4 Conclusão Estudadas as estratégias de planejamento sucessório utilizadas no país, verificou-se que possuem fundamentos e limites legais, conferindo-lhe segurança jurídica. Se realizado conforme o direito, é hábil ao direito das sucessões por ser célere, atender a vontade e aos critérios pessoais do hereditando, poder ser revisto durante sua vida, contar com a participação e opinião dos herdeiros e servir como um instrumento de união familiar. Caso não tenha obedecido aos limites legais, em seu lugar o juízo fará a divisão propugnada pela ordem de vocação hereditária da Constituição Federal e do Código Civil. Nem sempre a estratégia de sucessão planejada adotada precisará ser exposta ao crivo judicial. Somente o será quando presente o interesse jurídico de incapazes, quando existir testamento ou quando os herdeiros não estiverem de acordo. Apesar disso, uma vez traçadas as linhas gerais pelo falecido, ao juízo e ao ministério público cumprirá examinar a conformidade entre a lei e a pretensão do autor contida no plano de sucessão. O resultado do estudo legal e doutrinário para a divisão do patrimônio atenta às hipóteses e balizas legais é a realização de uma estratégia sucessória que confira segurança jurídica ao futuro autor da herança. TITLE: The limits of estate planning as a means for property division according to the owner’s will. ABSTRACT: This text is a dissertation for the completion of a specialization program, which aimed at unveiling the legal grounds and the limits for the realization of estate planning following the subjective criteria of the future decedent and in accordance with the legal system in force. Practical experience has shown the increasing interest of holders of assets, rights and obligations in transmitting the estate to the heirs more quickly, according to their will and during their life, so that they could choose and train their successors. Defined the legal permissions and the guidelines for the choice of an heir, it was possible to
126
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Doutrina
agree with the legality and speed of the instrument, as well as by the encouragement to its use for the good of the family union, the perpetuation of the values and philosophy of life of the creator, the social function of the property obtained by him/her and the out-of-court dispute settlement, contributing to the clearing of the Judiciary. KEYWORDS: Estate Planning. Planned Succession. Legality. Limits. Will.
5 Referências Bibliográficas BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 jul. 2017. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 jul. 2017. ______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 10 jul. 2017. DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O conceito de família e sua organização jurídica. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015. MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 11-33. jan./fev. 2014. MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Planejamento sucessório: introdução à arquitetura estratégica – patrimonial e empresarial – com vistas à sucessão causa mortis. São Paulo: Atlas, 2015. MARTINS-COSTA, Judith. Art. 5º, XXX – é garantido o direito de herança. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. 6. tir. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. OLIVEIRA, Euclides de; AMORIM, Sebastião. Inventário e partilha: teoria e prática. 24. ed. 3. tir. São Paulo: Saraiva, 2016. TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 6.
N o ta s
e
Comentários
Regra Única para a Mudança do Nome, da Identidade Sexual e do Sobrenome Maria Berenice Dias Presidente Nacional da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB e da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM.
Pelo Código Civil de 1916, a mulher foi obrigada a adotar “os apelidos” do marido, eis que a família era identificada pelo patronímico do varão. A mudança compulsória do sobrenome não abalava a segurança das relações sociais. Afinal, com o casamento, a mulher perdia a plena capacidade. Seus bens passavam à administração do marido e ela precisava da autorização dele para trabalhar. Foi o chamado Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) que devolveu à esposa sua plena capacidade e, com isso, a liberdade de trabalhar e gerir seus bens. Neste contexto histórico é que foi editada, em 1973, a Lei nº 6.015 – Lei dos Registros Públicos, que consagrou o princípio da imutabilidade do nome para emprestar garantia aos registros públicos. A imposição de mudança do nome pela mulher perdurou por mais de 60 anos, até o advento da Lei do Divórcio (Lei nº 5.015/77). Admitida a dissolubilidade do casamento, a alteração se tornou facultativa. Já o Código Civil atual faculta a ambos os noivos adotar o sobrenome do outro, o que permite a troca de sobrenome entre eles. Quando do casamento, bastava a livre manifestação do noivo para que fosse possível a mudança do sobrenome. Do mesmo modo, por ocasião do divórcio, tinha o cônjuge a faculdade de retornar ao nome de solteiro. Apesar de ditas alterações provocarem a alteração da própria identidade da pessoa, não havia qualquer preocupação com a segurança social.
128
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Notas e
Comentários
Agora, reconhecida repercussão geral, no julgamento da ADI 4.275, o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou aos transgêneros o direito de alterarem nome e sexo, diretamente junto ao registro civil, mediante autodeclaração, independente de terem realizado tratamento hormonal ou cirurgia de redesignação sexual. Diante da decisão claramente autoaplicável, muitos cartórios passaram a proceder à alteração. Em face da insegurança de alguns registradores, vários Estados editaram provimentos regulamentando o procedimento retificatório, com o cuidado de atentar ao propósito da decisão em desjudicializar e agilizar a mudança, de modo a preservar a dignidade de quem busca adequar o nome à sua própria identidade. De forma surpreendente – e para lá de preconceituosa – o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu o Provimento nº 73/2018, trazendo uma série de exigências e limitações não impostas pelo STF. Condiciona o pedido a quem tenha completa habilitação para a prática de todos os atos da vida civil, sem atentar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) assegura a quem protege o direito ao exercício da capacidade legal em igualdade de condições, sendo que a curatela afeta tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Assim, do jeito que está posto, o fato de alguém não ter condições de gerir seus bens não o autoriza a pedir a alteração da identidade de gênero. Do mesmo modo, limita a pretensão a quem tiver mais de 18 anos, a impedir a iniciativa, a partir dos 16 anos, com a assistência dos pais. A restrição é igualmente descabida, uma vez que a identidade trans, de modo geral, se manifesta muito cedo e é causa de enorme sofrimento. Principalmente na adolescência, o que leva à evasão escolar e consequente baixa escolaridade e dificuldade de ingressar no mercado de trabalho, restando em situação de absoluta vulnerabilidade. De outro lado, ao exigir um número exacerbado de negativas, parece pressupor uma pretensão espúria do requerente, impondo-lhe um verdadeiro calvário, dificilmente superável por quem é marginalizado e excluído da sociedade. Dita norma regulatória, no entanto, dispõe de efeito de outra ordem. Como só agora foi estabelecido um procedimento para a alteração do elemento mais significativo da identidade de alguém, o mesmo é aplicável também ao pedido de alteração do sobrenome quando do casamento ou do divórcio. São situações que em nada se diferenciam do pedido de mudança
Notas e Comentários – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 129
do prenome da população trans. Qualquer das mudanças afronta o princípio da imutabilidade identitária e fragiliza a estabilidade das relações jurídicas. Assim, manifestando um ou ambos os noivos o desejo de adotar o sobrenome do outro; ou, no divórcio, havendo o pedido de retorno ao nome de solteiro, é indispensável exigir certidões dos últimos cinco: do distribuidor cível, distribuidor criminal, execução criminal e de todos os tabelionatos de protesto, bem como das Justiças Eleitoral e do Trabalho. A falta de qualquer destes documentos impede quaisquer das alterações pretendidas. Havendo alguma ação em andamento, o oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais deve comunicar aos órgãos competentes. Do mesmo modo, às expensas do requerente, devem ser cientificados os órgãos expedidores do RG, ICN, CPF, passaporte e o Tribunal Regional Eleitoral. Ou é assim, ou o Provimento é escancaradamente discriminatório e tisnado de evidente inconstitucionalidade, ao pressupor a má-fé de quem, tanto quanto os noivos e os divorciandos, pretende a alteração registral na busca da felicidade.
Jurisprudência
Supremo Tribunal Federal AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 865.131 PERNAMBUCO RELATOR: MINISTRO ROBERTO BARROSO
Companheira de Ex-Militar. Concubinato. Direito à Pensão. Tema nº 526. Devolução dos Autos à Origem 1. Hipótese que se amolda à questão discutida no RE 883.168-RG (Tema nº 526), Rel. Min. Luiz Fux – possibilidade de concubinato de longa duração gerar efeitos previdenciários. 2. Os argumentos aduzidos pela parte agravante não foram suficientes para caracterizar o alegado erro de enquadramento realizado pela decisão agravada. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STF; RE-AgR 865.131; PE; 1ª T.; Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 12/06/2018)
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual, na conformidade da ata de julgamento, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Relator, com ressalva do Ministro Marco Aurélio. Brasília, 18 a 24 de maio de 2018. Ministro Luís Roberto Barroso – Relator
RELATÓRIO O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Relator): 1. Trata-se de agravo interno cujo objeto é decisão monocrática que determinou o retorno dos autos à origem, para que fosse aplicada a sistemática de repercussão geral (Tema nº 526). 2. A parte agravante sustenta que o caso não se enquadra ao paradigma apontado, uma vez que manteve união estável com o companheiro falecido
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
131
enquanto este se encontrava separado de fato, não configurando, portanto, o concubinato impuro. 3. É o relatório.
VOTO O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Relator): 1. Deixo de abrir prazo para contrarrazões, na medida em que está sendo mantida a decisão que aproveita à parte agravada. Passo à análise do recurso. 2. O recurso não merece provimento. 3. O Tribunal de origem, analisando o caso concreto, concluiu que a ora agravante mantinha união estável com o ex-militar, apesar da relação concubinária. Confiram-se os seguintes trechos do acórdão recorrido esclarecendo a questão: “8. Sobre a eventualidade de concomitância entre relacionamentos caracterizados como uniões estáveis e o casamento, apesar da distinção existente em Direito Civil entre companheira e concubina (art. 1.727 do Código Civil), para fins previdenciários, deve ser dada primazia à realidade, protegendo-se a relação com feições de entidade familiar, não obstante haja impedimento ao casamento de qualquer das partes. 9. Esta Corte Regional tem posicionamento firmado acerca da possibilidade de partilha de pensão entre a viúva e a concubina, desde que reste comprovada a união estável com o falecido: (...) 10. In casu, constam nos autos elementos suficientes que comprovam a convivência mantida entre o de cujus e a apelada, e a dependência econômica da autora em relação ao ex-militar. 11. Com efeito, nos autos consta que a demandante e o de cujus conviveram por aproximadamente 8 anos, conforme se comprova dos depoimentos das testemunhas (fls. 361/364 do termo da audiência de instrução), o que já denota estabilidade significativa, considerado o longo período de convivência, somente finalizada após a morte do instituidor. 12. Por conseguinte, fazendo-se uma avaliação conjunta das provas coligidas aos autos, verifica-se com clareza a comprovação, por parte da apelante, de sua condição de companheira do de cujus apesar da relação concubinária que mantinha com o ex-militar, não restando qualquer dúvida a respeito desta qualidade e da dependência econômica.”
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
132
4. A controvérsia de fato diz respeito à discussão constitucional abordada no Tema nº 526, qual seja, saber “se é possível reconhecer direitos previdenciários à pessoa que, durante longo período e com aparência familiar, manteve união com pessoa casada”. Assim, acertada a decisão monocrática que determinou a devolução deste feito ao Tribunal de origem em razão do RE 883.168-RG, Rel. Min. Luiz Fux. 5. Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.
VOTO O Senhor Ministro Marco Aurélio – Acompanho o Relator com ressalva quanto à fundamentação. Conforme assentei ao reconhecer a repercussão geral da matéria versada no Recurso Extraordinário 669.465 – posteriormente substituído pelo de nº 883.168, como paradigma do Tema nº 526, cujo julgamento não foi iniciado –, a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas, e nelas não está incluído o concubinato. Descabe confundir os institutos, mostrando-se impróprio o implemento de divisão da pensão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina – precedente: Recurso Extraordinário 590.779, do qual fui relator, julgado pela Primeira Turma em 10 de fevereiro de 2009. No caso, configurada situação de concubinato, cabe proceder à devolução do processo à origem, para que se aguarde a apreciação do aludido processo.
Jurisprudência
Superior Tribunal de Justiça AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL Nº 1.694.597 MATO GROSSO DO SUL RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Ação de Alimentos. Falecimento do Genitor. Inventário. Prestação Alimentícia. Continuidade 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos ns. 2 e 3/STJ). 2. É obrigação do espólio, durante o inventário, continuar prestando alimentos ao herdeiro a quem o falecido devia, mesmo que vencidos após sua morte. Precedentes. 3. Agravo interno não provido. (STJ; AgInt-REsp 1.694.597; Proc. 2017/0213777-6; MS; 3ª T.; Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; DJE 02/08/2018; p. 6.605)
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro-Relator. Brasília (DF), 26 de junho de 2018 (Data do Julgamento). Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – Relator
RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Trata-se de agravo interno interposto pelo espólio de Dion Ross Kasakoff contra a decisão (fls. 93/95, e-STJ) que negou provimento ao recurso especial. As razões do recurso reiteram os termos do apelo extremo, afirmando que “os alimentos ostentam caráter personalíssimo e, por isso, denotam intransmissibilidade do dever jurídico à sua prestação” (fl. 102, e-STJ).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
134
O agravante requer que o presente recurso seja submetido ao julgamento colegiado para a reforma da decisão agravada. É o relatório.
VOTO O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos ns. 2 e 3/STJ). A irresignação não merece prosperar. Os argumentos expendidos nas razões do agravo são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que essa merece ser mantida. A jurisprudência desta Corte fixou entendimento no sentido de que, durante o inventário, o espólio tem a obrigação de continuar prestando alimentos ao herdeiro a quem o falecido devia, mesmo os vencidos após o falecimento. No caso dos autos, a pensão alimentícia judicialmente fixada já vinha sendo prestada pelo falecido a seu filho. Nesse sentido: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. AVÔ PATERNO. OBRIGAÇÃO DE NATUREZA COMPLEMENTAR. COMPROVAÇÃO DE QUE A GENITORA E O ESPÓLIO DO GENITOR ESTÃO IMPOSSIBILITADOS DE ARCAREM COM A PRESTAÇÃO ALIMENTAR. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. A obrigação dos avós de prestar alimentos tem natureza complementar e somente exsurge se ficar demonstrada a impossibilidade de os dois genitores proverem os alimentos dos filhos, ou de os proverem de forma suficiente. Precedentes. 2. No julgamento do REsp 1.354.693/SP, ficou decidido que o espólio somente deve alimentos na hipótese em que o alimentado é também herdeiro, mantendo-se a obrigação enquanto perdurar o inventário. 3. Nesse contexto, não tendo ficado demonstrada a impossibilidade ou a insuficiência do cumprimento da obrigação alimentar pela mãe, como também pelo espólio do pai falecido, não há como reconhecer a obrigação do avô de prestar alimentos. 4. O falecimento do pai do alimentante não implica a automática transmissão do dever alimentar aos avós.
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
135
5. Recurso especial provido.” (REsp 1.249.133/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. p/ o Acórdão Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 16.06.2016, DJe 02.08.2016 – grifou-se) “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. ALIMENTOS. TRANSMISSIBILIDADE. ESPÓLIO. Transmite-se aos herdeiros do alimentante a obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 1.700 do CC/02. O espólio tem a obrigação de continuar prestando alimentos àquele a quem o falecido devia. Isso porque o alimentado e herdeiro não pode ficar à mercê do encerramento do inventário, considerada a morosidade inerente a tal procedimento e o caráter de necessidade intrínseco aos alimentos. Recurso especial provido.” (REsp 1.010.963/MG, Relª Minª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 26.06.08, DJe 05.08.08)
Assim, não prosperam as alegações postas no recurso, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto.
Jurisprudência
Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 437.560 MATO GROSSO DO SUL RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Prisão Civil por Alimentos. Imposição Acima do Máximo Legal. Impossibilidade. Ausência de Intimação do Devedor Acerca dos Cálculos Atualizados Apresentados pelo Credor Após o Primeiro Período Prisional. Nulidade. Maioridade Civil, Formação Acadêmica e Remuneração Própria Atingidas pelo Credor no Curso da Execução de Alimentos. Recalcitrância do Genitor e Aumento Significativo da Dívida. Ausência de Atualidade do Débito e de Urgência na Prestação dos Alimentos na Hipótese. Ineficácia da Medida Coativa nesse Contexto. Suposto Excesso de Execução. Questão Complexa e que Deve Ser Debatida, em Contraditório, na Execução I – O propósito do presente habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de prisão civil do paciente em razão das alegações de nulidade por ausência de intimação após o cumprimento do primeiro período prisional, de que a nova prisão se referiria à mesma dívida em virtude da qual permaneceu inicialmente preso, e de que a dívida perdeu o caráter de atualidade e urgência em virtude de o credor, atualmente, ser maior, formado em curso superior e com atividade profissional remunerada. II – Mesmo na hipótese de decretos prisionais sucessivos, é inadmissível a fixação da prisão civil do devedor de alimentos por período superior ao máximo legal de 90 (noventa) dias. III – Apresentado novo valor da dívida atualizada pelo credor, é imprescindível que o devedor seja previamente intimado, antes da decretação de nova prisão civil, a fim de que possa, por exemplo, pagar o débito, provar que pagou, apresentar justificativa para não pagar ou impugnar o valor cobrado pelo credor.
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
137
IV – O fato de o credor, durante a execução, ter atingido a maioridade civil, cursado ensino superior e passado a exercer atividade profissional remunerada, embora não desobrigue o devedor pela dívida pretérita contraída, exclusivamente, em razão de sua renitência, torna desnecessária e ineficaz, na hipótese, a prisão civil como medida coativa, seja em razão da ausência de atualidade e de urgência na prestação dos alimentos, seja porque essa técnica será nitidamente insuficiente para compelir o devedor a satisfazer integralmente o vultoso débito. V – É inviável examinar o suposto excesso de execução se a questão é complexa e exige discussão em contraditório, que deverá ser realizado inicialmente perante o juízo da execução. VI – Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida. (STJ; HC 437.560; Proc. 2018/0037148-0; MS; 3ª T.; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 29/06/2018; p. 1.250)
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, confirmando a liminar anteriormente concedida, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra-Relatora. Brasília (DF), 26 de junho de 2018 (Data do Julgamento). Ministra Nancy Andrighi – Relatora
RELATÓRIO A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cuida-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado por Ricardo Hugueney Dal Faria em favor de L.A.N.B. Ação: de execução de alimentos ajuizada por P.B.B. em desfavor do paciente.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
138
Decisão interlocutória: face o cumprimento do primeiro decreto prisional de 60 (sessenta) dias pelo paciente e a manutenção do inadimplemento da dívida de natureza alimentar, restabeleceu a prisão civil do devedor, por mais 60 (sessenta) dias e independentemente de nova intimação (fls. 375, e-STJ). Decisão unipessoal do TJMS: revogou a decisão proferida em plantão judiciário que havia concedido a ordem (fls. 576/580, e-STJ) e não conheceu do habeas corpus por entender que se tratava de repetição de writ anteriormente impetrado, sem que houvesse fato novo que justificasse nova impetração (fls. 581/583, e-STJ). Habeas corpus: afirma o impetrante, em síntese, que: i) o paciente não teria sido pessoalmente intimado dos novos cálculos apresentados pelo exequente após o seu recolhimento ao estabelecimento carcerário pelo período inicial de 60 (sessenta) dias; ii) a nova prisão decretada se referiria à mesma dívida em virtude da qual permaneceu 60 (sessenta) dias em cárcere, na medida em que o exequente teria atualizado a dívida toda, e não apenas as 3 parcelas vencidas após o primeiro decreto prisional; iii) que o credor dos alimentos atualmente possui 25 anos, é formado no curso superior de Direito e exerce atividade profissional remunerada, o que retiraria o caráter alimentar da dívida (fls. 1/24, e-STJ). Liminar: deferida por meio da decisão de fls. 737/739 (e-STJ). Informações do TJMS e do juízo da execução: prestadas, respectivamente, às fls. 756/761 e 750/751 (e-STJ). Parecer do Ministério Público Federal: opina pela concessão da ordem (fls. 766/773, e-STJ). É o relatório.
VOTO A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): O propósito do presente habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de prisão civil do paciente em razão das alegações de nulidade por ausência de intimação do paciente após o cumprimento do primeiro período prisional, de que a nova prisão se referiria à mesma dívida em virtude da qual permaneceu inicialmente preso e de que a dívida perdeu o caráter de atualidade e urgência em virtude de o credor, atualmente, ser maior, formado em curso superior e com atividade profissional remunerada.
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
139
1 Da Ilegalidade da Prisão Civil por Excesso de Prazo e por Ausência de Intimação Acerca dos Novos Cálculos Apresentados pelo Credor Para melhor contextualizar a questão, é preciso realizar uma breve reconstrução cronológica dos atos processuais praticados em 1º grau de jurisdição. A execução de alimentos foi deflagrada no ano de 2008, pretendendo o credor o adimplemento da dívida de natureza alimentar cujo valor era, à época, de R$ 1.190,83 (um mil, cento e noventa reais e oitenta e três centavos) e, diante da rejeição das justificativas apresentadas, foi decretada a prisão civil do paciente por 60 (sessenta) dias por meio de decisão proferida em 12.08.2010 (fls. 636/638, e-STJ). O paciente foi recolhido ao estabelecimento prisional em 06.07.2011 (fl. 359, e-STJ) e foi colocado em liberdade em 03.09.2011 (fl. 363, e-STJ), isto é, logo após o integral cumprimento do primeiro período de encarceramento. Diante disso, o juízo da execução de alimentos intimou o credor para atualizar o débito (decisão de fl. 367, e-STJ), tendo sido a referida determinação cumprida pelo credor por intermédio da petição de fls. 373/374 (e-STJ), protocolizada em 12.12.2011. Ato contínuo, foi proferida, em 16.12.2011, a seguinte decisão pelo juízo da execução de alimentos (fl. 375, e-STJ): “Considerando que a parte executada, após cumprir integralmente o decreto prisional, não pagou a dívida e, tão pouco, demonstrou a intenção de pagá-la, defiro o pedido da parte exequente e restabeleço a prisão civil do executado, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, sendo que a duração da medida foi estabelecida em tempo superior ao mínimo em razão do longo atraso no cumprimento da obrigação alimentar pelo devedor.”
Após sucessivas tentativas de localização do devedor para efetuar a prisão civil, todas infrutíferas, houve a impetração de habeas corpus em favor do paciente perante o TJMS, cuja liminar foi indeferida em 29.06.2017 (fls. 515/517, e-STJ). Ato contínuo, o paciente requereu, em 1º grau, a reconsideração da decisão que havia decretado a prisão civil do devedor e, diante da negativa, impetrou novo habeas corpus perante o TJMS, cuja liminar foi deferida no plantão judiciário (fls. 576/580, e-STJ) e foi posteriormente revogada pelo juiz natural, que não conheceu do segundo habeas corpus ao fundamento de que se tratava de mera repetição do writ anterior (fls. 581/583, e-STJ), motivando a impetração do habeas corpus perante esta Corte.
140
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
Feito esse breve histórico, percebe-se desde logo que há duas diferentes ilegalidades na decisão judicial a qual se refere a impetração (fl. 375, e-STJ) e por meio da qual se decretou um novo período de encarceramento do paciente: o excesso de prazo da prisão e a ausência de intimação do devedor após o cumprimento do primeiro período de encarceramento. Em relação ao primeiro aspecto, verifica-se que a decisão unipessoal de fls. 515/517 (e-STJ) expressamente se pronunciou sobre os prazos de cada decreto prisional: “Dessume-se pelo documento juntado à fl. 32 que o paciente permaneceu encarcerado pelo prazo de sessenta dias, por essa razão, ainda, que se considerasse como ilegal a renovação da decisão do decreto de prisão, em razão do excesso do prazo máximo em cárcere, tem-se que o período de noventa dias estabelecido no art. 528, § 3º, do CPC, ora vigente, de permanência no cárcere, pelo paciente, não foi atingido.”
A despeito de reconhecer a existência de ilegalidade em se recolher o devedor ao cárcere por 120 (cento e vinte) dias, a decisão unipessoal indeferiu a liminar e afastou essa patente ilegalidade ao fundamento de que, de todo modo, ainda restariam 30 (trinta) dias suscetíveis de cumprimento até que se atingisse o máximo legal, quando o correto seria, ao menos, conceder em parte a ordem, limitando o encarceramento somente a mais 30 (trinta) dias. A segunda ilegalidade, todavia, é mais grave e insuscetível de convalidação, pois, após o cumprimento do primeiro período de encarceramento do devedor por 60 (sessenta) dias, o credor foi intimado a promover a atualização do débito (fl. 367, e-STJ), protocolou petição apontando o valor da dívida devidamente atualizado (fls. 373/374, e-STJ) e, ato contínuo, foi imediatamente proferida decisão restabelecendo a prisão do devedor por mais 60 (sessenta) dias (fl. 375, e-STJ), sem que tenha havido a prévia intimação do devedor acerca dos cálculos apresentados pelo credor. Essa circunstância de fato, aliás, foi expressamente reconhecida pelo juízo da execução no momento em que prestou as informações requeridas neste habeas corpus (fls. 750/751, e-STJ): “Às fls. 318/319, ainda no ano de 2011, quando a parte exequente veio informar aos autos que, mesmo depois de cumprida a prisão, o executado permaneceu inerte quanto ao pagamento das pensões, fora restabelecida a sua prisão, sem a determinação de nova intimação. Referido procedimento é o adotado pelo juízo, eis que o executado já se encontra plenamente ciente da obrigação, não sendo cabível nova intimação de dívida por ele conhecida e não paga.”
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
141
O procedimento adotado, contudo, revela-se nitidamente equivocado, pois a prévia intimação do devedor do valor atualizado que fora apresentado pelo credor é indispensável, sob pena de gravíssima ofensa ao contraditório. Com efeito, a partir do valor atualizado que fora unilateralmente apresentado pelo credor, poderá o devedor, por exemplo, pagar as parcelas subsequentes ao primeiro decreto, provar que fez os referidos pagamentos, apresentar justificativas relacionadas à impossibilidade de fazê-lo ou, ainda, questionar o próprio acerca do cálculo apresentado pelo credor. E o seu direito de adotar quaisquer das condutas acima mencionadas deve ser exercido, sem dúvida, antes de ser novamente preso. Desse modo, não há dúvidas de que o decreto prisional que é objeto desta impetração reveste-se de indiscutível ilegalidade que justifica a concessão da ordem pretendida.
2 Da Ausência de Atualidade e Urgência que Justifique a Adoção da Medida Coativa Ademais, o exame deste habeas corpus também revela que a medida coativa extrema, na específica hipótese em exame, revela-se desnecessária e ineficaz. Isso porque se trata de execução de alimentos iniciada no ano de 2008, quando o credor possuía 16 (dezesseis) anos, por meio da qual se pretendia a satisfação de débito de natureza alimentar que, naquela época, era de R$ 1.190,83 (um mil, cento e noventa reais e oitenta e três centavos). O valor da referida dívida, tendo como base o cálculo apresentado pelo credor no mês de agosto de 2017, ultrapassa os R$ 177.000,00 (cento e setenta e sete mil reais). Nesse ínterim, todavia, o credor atingiu a maioridade civil e hoje possui 25 (vinte e cinco) anos, tornou-se bacharel em direito e exerce atividade profissional como advogado regularmente inscrito na OAB/MS. A partir dessa moldura, verifica-se que a prisão civil se tornou desnecessária porque a dívida, cuja satisfação tempestiva seria de grande relevância para o credor naquele momento, permitindo que atingisse mais facilmente os objetivos que efetivamente alcançou sem nenhum auxílio de quem deveria prestá-lo, hoje não mais se reveste de real atualidade e de urgência. De outro lado, é possível afirmar que a prisão civil será fatalmente ineficaz na hipótese. Se, no ano de 2011 (quando o valor era infinitamente menor), o devedor foi preso por 60 (sessenta) dias e nem isso foi capaz de vencer a sua renitência, não será no ano de 2018, com uma dívida que beira
142
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
os R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que a medida será capaz de superar a sua histórica renitência. A prisão civil é técnica de coerção que visa, pelo temor, vencer a resistência do devedor. A prisão civil não é pena, não pode ser elemento de vingança e, sem dúvida, não será meio capaz de curar ou minimizar as mágoas de um filho desassistido emocional e materialmente por um pai desidioso. Dito de outra maneira, se o vultoso valor devido pelo pai ao filho não será adimplido nem mesmo mediante a adoção da técnica coercitiva mais gravosa existente no ordenamento jurídico, é correto dizer que a prisão, ainda que perpétua fosse, não será meio útil e eficaz para o seu fim precípuo, qual seja, compelir o devedor a cumprir integralmente a obrigação de origem alimentar. A esse respeito, assim se posicionou esta Corte: “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL POR ALIMENTOS. MAIORIDADE CIVIL, FORMAÇÃO ACADÊMICA E REMUNERAÇÃO PRÓPRIA ATINGIDAS PELO CREDOR NO CURSO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RECALCITRÂNCIA DO GENITOR E AUMENTO SIGNIFICATIVO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE ATUALIDADE DO DÉBITO E DE URGÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS ALIMENTOS NA HIPÓTESE. INEFICÁCIA DA MEDIDA COATIVA NESSE CONTEXTO. AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS SOBRE A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA QUE, ALIÁS, TORNA INCERTO O EXATO VALOR DA DÍVIDA. 1. O propósito do presente habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de prisão civil do paciente em virtude de dívida de natureza alimentar que, em razão do reiterado inadimplemento do genitor, avolumou-se ao longo dos últimos 19 (dezenove) anos. 2. O fato de o credor dos alimentos, durante o trâmite da execução, ter atingido a maioridade civil, cursado ensino superior e passado a exercer atividade profissional remunerada, embora não desobrigue o genitor pela dívida pretérita contraída exclusivamente em razão de sua recalcitrância, torna desnecessária, na hipótese, a prisão civil como medida coativa, seja em razão da ausência de atualidade e de urgência da prestação dos alimentos, seja porque essa técnica será ineficaz para compelir o devedor a satisfazer integralmente o débito que se avolumou de forma significativa. 3. A existência de dúvida sobre o período em que os alimentos foram prestados pela avó, quais valores foram destinados ao credor e a natureza substitutiva ou complementar dos alimentos que foram prestados também desautoriza o uso da prisão civil como técnica coercitiva. 4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida.” (HC 415.215/SP, 3ª Turma, DJe 08.02.2018)
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
143
Finalmente, registre-se ainda que está sendo vedado somente o uso da prisão civil, técnica de coerção mais gravosa existente no ordenamento jurídico para estimular o cumprimento da obrigação, de modo que poderá o juízo de 1º grau empregar quaisquer outras medidas típicas e atípicas de coerção ou de sub-rogação, como autoriza o art. 139, IV, do CPC/2015.
3 Da Impossibilidade de Segunda Prisão Civil pela Mesma Dívida Finalmente, afasta-se a alegação de que o segundo decreto prisional seria ilegal porque se referiria à mesma dívida geradora da primeira prisão. A esse respeito, anote-se em primeiro lugar que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que “o devedor não pode ser preso novamente em virtude do inadimplemento da mesma dívida” (HC 397.565/SP, 3ª Turma, DJe 30.06.2017). Entretanto, na hipótese em exame, verifica-se que a irresignação do impetrante está assentada exclusivamente no fato de que o exequente teria atualizado a dívida toda, e não apenas as três parcelas vencidas após o primeiro decreto prisional, questão cujo exame não se coaduna com o estreito âmbito do habeas corpus, por envolver a necessidade de amplo contraditório sobre os números envolvidos e a forma de atualização da dívida.
4 Conclusão Forte nessas razões, concedo a ordem de habeas corpus, confirmando a liminar anteriormente concedida.
Jurisprudência
Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 441.090 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MINISTRO GURGEL DE FARIA
Estrangeiro. Expulsão. Filha Menor. Nascimento Após o Decreto Expulsório. Guarda e Convivência Socioafetiva. Demonstração. Excludente de Expulsabilidade. Constatação. Lei de Imigração. Aplicação 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao tempo em que vigorava o Estatuto do Estrangeiro – Lei nº 6.815/80 –, flexibilizava a interpretação do art. 75, II, daquele diploma para impedir a expulsão de estrangeiro que possuísse filho brasileiro, mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório, no afã de tutelar a família, a criança e o adolescente. 2. Na orientação jurisprudencial firmada sob os auspícios da lei revogada, a simples existência de prole brasileira não garantia a permanência do estrangeiro no território nacional se não houvesse prova pré-constituída de casamento ou união estável há mais de 5 anos (art. 75, II, a, da Lei nº 6.815/80) “nem de manutenção da guarda de filho menor ou de dependência econômica entre filho menor e o paciente (art. 75, II, b, da Lei nº 6.815/80)” (HC 418.116/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, j. 22.02.2018, DJe 28.02.2018). 3. A Lei de Imigração revogou aquele diploma (Lei nº 13.445/2017) e estatuiu que não se procederá a expulsão quando o expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; ou b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente (art. 55, II, a e b). 4. Antes da mudança legal, a jurisprudência do STJ assegurava a permanência do paciente em território nacional, mediante a demonstração de “provas de vínculos de afetividade e dependência” (HC 402.100/ DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 23.08.2017, DJe 30.08.2017).
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
145
5. À luz do novo regramento, é preciso demonstrar, no momento da impetração, que a prole brasileira do expulsando está sob sua guarda ou dependência econômica ou convivência socioafetiva, de modo alternativo e não mais cumulativo, como dantes se entendia. 6. Caso em que se determinou a expulsão de cidadão nigeriano do território nacional, como incurso nos arts. 70 e 71 da Lei nº 6.815/80, devido à condenação ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 anos, 4 meses e 23 dias de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 33, c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06. 7. Ao contrário de impetração anterior (HC 411.952/DF), na qual a ordem foi denegada, o caso presente permite o reconhecimento de hipótese excludente de expulsabilidade. 8. A declaração de união estável lavrada e assinada pelo casal em 27.07.2017 aponta que o paciente convive com brasileira nata, de forma pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família, de cujo vínculo adveio filha nascida em 26.02.2018, após a expedição do decreto expulsório (DOU 17.05.2017), recém-nascida que está sob guarda e convivência socioafetiva do paciente, consoante fotografias juntadas aos autos. 9. Esta Corte Superior já se inclinou, em casos como o presente, por prestigiar os interesses do infante, tutelando o direito à convivência familiar, de arcabouço constitucional (art. 227 da CF), manifesto na permanência do genitor em território brasileiro, providência que se harmoniza com a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente (art. 1º do ECA). Precedentes. 10. Writ concedido. (STJ; HC 441.090; Proc. 2018/0060386-5; DF; 1ª S.; Rel. Min. Gurgel de Faria; DJE 02/08/2018; p. 5.543)
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Benedito Gonçalves,
146
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
Assusete Magalhães, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro-Relator. Brasília, 23 de maio de 2018 (Data do Julgamento). Ministro Gurgel de Faria – Relator
RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Modestus Chukwuemeka Ezeaka, cidadão nigeriano, no qual aponta como autoridade coatora o Ministro de Estado da Justiça. Insurge-se a impetração contra a Portaria nº 409, de 15 de maio de 2017 (publicada no DOU de 17.05.2017), expedida pelo Ministério da Justiça, que determinou a expulsão do paciente do território nacional, como incurso nos arts. 70 e 71 da Lei nº 6.815/80, devido à condenação ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 anos, 4 meses e 23 dias de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 33, c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06. Afirma que o paciente está em união estável com brasileira nata, com quem teve filha menor, recém-nascida. Noticia haver movido habeas corpus anterior quando a companheira do paciente estava grávida de três meses, cujo pedido foi denegado em razão da fragilidade das provas apresentadas (HC 441.090). Alega que aquele pleito merece nova apreciação, porquanto a situação jurídica do paciente teria se alterado, haja vista o nascimento de prole brasileira, em data recente (26.02.2018). Declina que o nascimento de filho oriundo da relação marital constitui excludente de expulsabilidade prevista na nova Lei de Migração (art. 55, II, a e b, da Lei nº 13.445/2017). Pontua que a criança encontra-se sob a guarda do paciente e reside com ele sob o mesmo teto, juntamente com a genitora, havendo, portanto, dependência econômica e socioafetiva. Após discorrer sobre os direitos da criança, a proteção da prole brasileira, a dignidade da pessoa humana, bem como defender a presunção de existência de dependência socioafetiva, a impetrante pleiteia, liminarmente, a suspensão do ato apontado como coator (portaria indigitada) para garantir a permanência do impetrante em território brasileiro até o julgamento definitivo do writ, medida a ser tornada definitiva no mérito.
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
147
Indeferida a liminar (fls. 172/173). O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 175/179). Prestadas as informações (fls. 185/410). É o relatório.
VOTO O Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator): A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao tempo em que vigorava o Estatuto do Estrangeiro – Lei nº 6.815/80 – flexibilizava a interpretação do art. 75, II, daquele diploma para impedir a expulsão de estrangeiro que possuísse filho brasileiro, mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório, no afã de tutelar a família, a criança e o adolescente. Para tanto, exigia-se, no momento da impetração, a comprovação de que o menor dependia economicamente do expulsando e com ele mantinha convivência socioafetiva (HC 289.637/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 11.06.2014, DJe 20.06.2014). Isso significa que, na orientação jurisprudencial firmada sob os auspícios da Lei nº 6.815/80, a simples existência de prole brasileira não garantia a permanência do estrangeiro no território nacional se não houvesse prova pré-constituída de casamento ou união estável há mais de 5 anos (art. 75, II, a, da Lei nº 6.815/80) “nem de manutenção da guarda de filho menor ou de dependência econômica entre filho menor e o paciente (art. 75, II, b, da Lei nº 6.815/80)” (HC 418.116/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, j. 22.02.2018, DJe 28.02.2018). A Lei de Imigração, que revogou aquele diploma (Lei nº 13.445/2017), trouxe o seguinte regramento para o tema: “Art. 55. Não se procederá à expulsão quando: I – a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira; II – o expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente;” (grifos acrescidos)
148
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
Como se vê, a novel legislação aboliu a exigência temporal mínima de cinco anos para o reconhecimento da união estável prevista na lei revogada. Além disso, estabeleceu que o estrangeiro que tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela não sofrerá medida administrativa de expulsão. Isso significa que, à luz do novo regramento, deve o impetrante demonstrar, no momento da impetração, que a prole brasileira do expulsando está sob sua guarda ou dependência econômica ou convivência socioafetiva, de modo alternativo e não mais cumulativo, como dantes se entendia. Antes da mudança legal, a jurisprudência do STJ assegurava a permanência do paciente em território nacional, mediante a demonstração de “provas de vínculos de afetividade e dependência” (HC 402.100/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 23.08.2017, DJe 30.08.2017). A nova lei, no entanto, abrandou a demonstração de tais exigências, conferindo-lhe um caráter alternativo e não mais cumulativo. No caso dos autos, foi determinada a expulsão de cidadão nigeriano condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 anos, 4 meses e 23 dias de reclusão pela prática do crime do art. 33, combinado com o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06, perante o juízo da 2ª Vara Federal de Guarulhos. Em impetração anterior por mim analisada (HC 411.952/DF), a impetrante requereu a mesma ordem aqui desejada, que, no entanto, foi ali denegada, a míngua de elementos de prova pré-constituída da existência de união estável do paciente com a mulher apontada como sua noiva, sendo insuficiente para os fins almejados na impetração o atestado médico de gravidez de 11 semanas. Na análise do presente pleito, no entanto, convenço-me de que estão presentes requisitos aptos ao reconhecimento de hipótese excludente de expulsabilidade. A declaração de e-STJ, fl. 24, lavrada e assinada por ambos em 27.07.2017, aponta que o paciente convive em união estável com brasileira nata (Renata Aparecida Alencar de Ramos), de forma pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família. O fato de a assinatura da brasileira naquele documento ter sido reconhecida em cartório por semelhança, como destacado nas informações (e-STJ, fl. 397), não tem o condão de desmerecer sua lavratura. Penso que, à hipótese, há de ser emprestada a compreensão firmada nesta Corte acerca do reconhecimento daquele instituto para fins previdenciários,
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
149
qual seja, de que “a comprovação da união estável pode se dar por qualquer meio robusto e idôneo de prova, não se esgotando no contrato escrito registrado ou não em cartório” (REsp 1.715.485/RN, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 27.02.2018, DJe 06.03.2018). Consta, ainda, dos autos que daquela união adveio o nascimento da filha menor do paciente, em 26.02.2018, após a expedição do decreto expulsório (e-STJ, fl. 19). Além disso, as fotografias juntadas aos autos demonstram que a filha recém-nascida do paciente está sob sua guarda e convivência socioafetiva (e-STJ, fls. 26/27). Esta Corte Superior já se inclinou, em casos como o presente, por prestigiar os interesses do infante, tutelando-lhe o direito à convivência familiar, de arcabouço constitucional (art. 227 da CF), manifesto na permanência do genitor em território brasileiro, providência que se harmoniza com a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente (art. 1º do ECA). Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTERNACIONAL. HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRA QUE CUMPRIU PENA POR CRIME DE FURTO NO BRASIL. INGRESSO DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS EM HABEAS CORPUS. PRECEDENTES DA CORTE. PACIENTE COM QUATRO FILHOS NASCIDOS NO PAÍS, UM DELES ANTES DO DECRETO EXPULSÓRIO. PRESUNÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E AFETIVA EM RELAÇÃO À MÃE, POR SE TRATAR DE FILHOS ENTRE 4 E 14 ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA AO CONVÍVIO FAMILIAR E À PROTEÇÃO INTEGRAL. CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, ENTRE OS QUAIS O DE MANTER RELAÇÕES PESSOAIS COM GENITORES. RECONHECIMENTO PELA AUTORIDADE IMPETRADA DE NÃO SER CASO DE EXPULSÃO EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROLE. 1. Não cabe intervenção de terceiros, no caso a União, no processo de habeas corpus, por se tratar de rito célere, sumaríssimo e de proteção urgente ao direito de ir e vir. Precedentes do STJ. 2. Preenche um dos requisitos da não expulsão a existência de filhos, mesmo que o parto tenha ocorrido depois do decreto expulsório. No presente caso, porém, a primeira filha da paciente nasceu antes do decreto de expulsão. 3. Os princípios da proteção integral e da manutenção do convívio familiar a que se referem o art. 227 da Constituição Federal e o princípio da preservação das relações pessoais familiares a que se refere à Convenção da ONU sobre os direitos da criança correm o risco de violação se concretizada a expulsão
150
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
da mãe de quatro crianças nascidas no Brasil, atualmente com idade entre 4 e 14 anos. 4. Reconhecimento pela autoridade impetrada, com base em posição do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, de que, independentemente da averiguação quanto à dependência econômica, não se promove a expulsão, quando se tratar de estrangeira com prole no Brasil. 5. O Parecer do Ministério Público Federal, da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República, Brasilino Pereira dos Santos, é pela concessão da ordem. 6. Habeas Corpus concedido para anular o Decreto de expulsão.” (HC 304.112/ DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 14.10.2015, DJe 22.10.2015) “ADMINISTRATIVO. HABEAS CORPUS CÍVEL. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. PACIENTE GENITOR DE FILHA BRASILEIRA DE TENRA IDADE. GUARDA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADAS. INVIABILIDADE DA EXPULSÃO. EXEGESE DO ART. 75, II, B, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/80). PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA NO ATENDIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL (ART. 1º DO ECA). CONCESSÃO DO REMÉDIO HEROICO. 1. Não se viabiliza a expulsão de estrangeiro quando comprovado tratar-se de pai de criança brasileira, que se encontre sob sua guarda e dependência financeira. 2. Revela-se desinfluente a circunstância de o nascimento do filho ter ocorrido após o fato gerador do decreto de expulsão. Precedentes. 3. O princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos fundamentais concernentes à criança e ao adolescente, em cujo rol se inscreve o direito à convivência familiar (art. 227 da CF), direciona, in casu, para solução que privilegie a permanência do genitor em território brasileiro, em harmonia, ademais, com a doutrina da proteção integral (art. 1º do ECA). 4. Habeas corpus concedido, com a consequente revogação da portaria de expulsão.” (HC 293.634/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 22.10.2014, DJe 29.10.2014)
Destarte, caracterizada hipótese de exclusão de expulsabilidade, uma vez comprovados a guarda e o vínculo socioafetivo entre o estrangeiro e a prole nacional, deve a ordem ser concedida para anular o decreto de expulsão, resguardando-se a proteção à unidade familiar e aos interesses da criança. Anoto a salutar preocupação manifesta pela autoridade impetrada quanto às situações “de estrangeiros que se casam ou tem filhos numa daquelas
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
151
‘uniões de arranjo’, tão somente com o objetivo de permanecer no Brasil” (e-STJ, fl. 400). Porém, nos contornos legais agora inaugurados com a Lei nº 13.445/2017, o reconhecimento da excludente de expulsabilidade requer a efetiva comprovação, no momento da impetração, da guarda ou da dependência econômica ou da convivência socioafetiva do estrangeiro com a prole brasileira, hipótese que entendo ter sido demonstrada na espécie. Diante do exposto, concedo a ordem para anular a Portaria de expulsão do paciente, conferindo-lhe a permanência em território nacional. É como voto.
Jurisprudência
Tribunal de Justiça da Bahia APELAÇÃO Nº 0501453-28.2015.8.05.0229 RELATORA: DESEMBARGADORA CYNTHIA MARIA PINA RESENDE
Alteração de Registro Civil. Inclusão de Patronímico. Homenagem a Avô Materno. Procedimento de Jurisdição Voluntária. Ausência de Prejuízo. Possibilidade. Recurso Provido Possível o acréscimo do sobrenome do avô materno, dada a excepcionalidade do caso, sobretudo quando comprovado que a adição não prejudica terceiros, nem a segurança jurídica. Ademais, o parágrafo único do art. 723 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, em se tratando de procedimentos de jurisdição voluntária, a observância de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais adequada. (TJBA; AP 0501453-28.2015.8.05.0229; 4ª C.Cív.; Relª Desª Cynthia Maria Pina Resende; DJBA 03/07/2018; p. 682)
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível 050145328.2015.805.0229, em que figura como apelante B.S.S., representada por Valdenice Sacramento de Jesus. Acordam os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, à unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos da Relatora. Sala das Sessões, 24 de maio de 2018. Desembargadora Presidente Cynthia Maria Pina Resende – Relatora
RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação interposto por B.S.S., representada por sua genitora Valdenice Sacramento de Jesus, através da Defensoria Pública do Estado da Bahia, face a sentença de fls. 17/19, proferida pelo Juízo da Vara dos Feitos de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Santo Antônio
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
153
de Jesus, que, nos autos da Ação de Retificação de Registro de Nascimento, julgou improcedente o pedido, por entender que não foram trazidos aos autos elementos suficientes a justificar a alteração do nome, eis que o pedido não encontra respaldo nas disposições contidas na Lei nº 6.015/73. Em suas razões recursais (fls. 23/26), aduz a apelante que, com o advento da Lei nº 9.708/98, deixou de vigorar o princípio da imutabilidade do nome, mas sim da definitividade do prenome, conforme preceitua o art. 58 da Lei nº 6.015/73. Argumenta que não se trata de alteração de prenome, mas tão somente da inclusão de um sobrenome de família, não existindo para tanto qualquer vedação de lei. Sobreleva que o nome de família tem a função de revelar e identificar a origem familiar do indivíduo perante o meio social, conforme disposto no art. 109 da Lei de Registro Públicos, e que eventuais divergências entre a realidade social e jurídica devem ser corrigidas a qualquer tempo. Diz que resta evidenciado nos autos que a alteração pretendida não causará qualquer prejuízo a terceiros ou mesmo à ordem jurídica, tendo por tal razão o Ministério Público opinado favoravelmente ao pedido. Pugna pelo provimento do apelo, com a reforma da sentença. Parecer Ministerial (fl. 16) pela procedência do pedido. É o que importa relatar. Inclua-se em pauta. Salvador, 24 de maio de 2018. Desembargadora Cynthia Maria Pina Resende – Relatora
VOTO Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo. Trata-se de ação de retificação de registro civil, através da qual pretende a parte autora/apelante adicionar ao seu nome o patronímico do avô materno, qual seja, “de Jesus”, com o intuito de homenageá-lo. Dispõe o art. 58 da Lei nº 6.015/73, alterado pelo art. 1º da Lei nº 9.708/98: “Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.”
Com efeito, apesar de não comprovado nos autos razão relevante capaz de justificar o afastamento da regra da imutabilidade do nome, no caso em questão, entendo que tal impedimento pode ser relativizado.
154
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
Isto porque, a presença do nome de família da recorrente traduz um histórico familiar, cabendo ressaltar que a inclusão não acarretará nenhum prejuízo a terceiros, e que não existe razão para discordar do pedido. Ademais, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, tenho como perfeitamente aplicável ao caso o disposto no parágrafo único do art. 723, verbis: “Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente e oportuna.”
Sobre o tema “nome”, asseverou José Serpa de Santa Maria (Direitos de personalidade e a sistemática civil geral, Julex, p. 132): “A finalidade do nome civil, como já deflui de sua significação, é servir para distinguir as pessoas humanas de uma sociedade, durante a sua vida e até após a morte, pela memória que se fixa através de seus sucessores e da estima e mérito pessoal. Muitas vezes o nome adquire tal respeitabilidade pela tradição que cria, que serve também para dignificar o seu portador, com um escopo secundário e variável.”
Assim sendo, a alteração do registro do nome da apelante com a inclusão do patronímico do seu avô “de Jesus”, sem a exclusão de qualquer outro, não causará prejuízo a terceiros nem à segurança jurídica. Instado a se manifestar, o Ministério Público, em seu parecer de fl. 16, opinou pela procedência do pedido, fundamentando o seu entendimento nos termos abaixo transcritos: “(...) Compulsando os autos, verifica-se que os documentos acostados são suficientes para comprovar a veracidade dos fatos apontados e considerando o elo emocional que está em jogo, não havendo prejuízos a terceiros, não há porque o Ministério Público se opor ao pedido. Assim, por não se visualizar irregularidade ou má-fé, manifesta-se este órgão do Ministério Público pelo deferimento do pedido, mandando-se retificar os respectivos assentos de registro civil, com fulcro no art. 109 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registro Público).”
Também, diante da ausência de prejuízo, têm se manifestado favoravelmente diversos Tribunais pátrios. Vejamos: “APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO. ACRÉSCIMO DO PATRONÍMICO DOS AVÓS PATERNOS. Não enseja violação à lei o acréscimo do patronímico do avô paterno, já que o pedido é motivado e não enseja alteração à identificação da apelante, nem viola o princípio da modificação dos apelidos de família. Contudo, não há como inserir o sobrenome
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
155
da avó materna, usado quando solteira, já que o registro civil não pode prejudicar os apelidos de família do pai, devendo manter a cadeia de registro. Apelação parcialmente provida.” (TJRS, Apelação Cível 70052859527, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, j. 24.04.2013) “RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO. ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ACRÉSCIMO DE PATRONÍMICO PATERNO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. POSSIBILIDADE. I – Nos procedimentos de Jurisdição Voluntária, o juiz não fica adstrito a critérios de estrita legalidade, sendo permitida a adoção de solução mais conveniente e oportuna para a quaestio iuris apresentada. II – É admitida a adição de patronímicos ao prenome, por favorecerem a identificação social da estirpe e aprimorarem, por consequência, o próprio fim teleológico do nome civil.” (TJMG, Ap. Cível, 1.0024.08.984792-5/001, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Fernando Botelho, publ. 29.04.2010). “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ACRÉSCIMO PATRONÍMICO. POSSIBILIDADE. REFORMA DA SENTENÇA A QUO. PROVIMENTO DO APELO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. ACRÉSCIMO DO APELADO DE FAMÍLIA. VIABILIDADE. O APELIDO DE FAMÍLIA DEVE ACOMPANHAR O NOME E PRENOME DO TITULAR DO CORRELATO DIREITO. ADMISSÍVEL A RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL PARA QUE SE ACRESCENTE AO NOME O PATRONÍMICO PATERNO, POSTO QUE SE TRATE DE UM DIREITO PERSONALÍSSIMO DO RETIFICANTE. APELAÇÃO CÍVEL 1.0210.04.017901 7/001 (CONEXÃO: 1.0210.04.017893-3/001). COMARCA DE PEDRO LEOPOLDO. APELANTE: RENATO GOMES DA SILVA. RELATOR: EXMO. SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA. REGISTRO CÍVEL. RETIFICAÇÃO. FILHA QUE PRETENDE ACRESCER AO SEU NOME O APELIDO DA SUA MÃE QUE NÃO LHE FOI DADO.” (TJBA, Ap. Cível 290944/2008, Primeira Câmara Cível, Relª Desª Sara Silva de Brito, j. 06.08.08)
Diante do exposto, voto pelo provimento do recurso, para determinar que o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do Distrito Sede de Santo Antônio de Jesus proceda a retificação de Registro de Nascimento da Apelante, incluindo o patronímico de seu avô materno “de Jesus”, anterior ao Soares, passando a constar na certidão de nascimento Bianca Sacramento de Jesus Soares. Não há que se falar em sucumbência. Sala das Sessões, 24 de maio de 2018. Desembargadora Cynthia Maria Pina Resende – Relatora
Jurisprudência
Tribunal de Justiça de Minas Gerais AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.0372.15.000725-3/001 RELATORA: DESEMBARGADORA ANA PAULA CAIXETA
Inventário. Direito de Família. Separação Obrigatória de Bens. Incidência da Súmula nº 377 do STF. Necessidade de Comprovação do Esforço Comum. Prova a Ser Realizada no Curso do Inventário Mediante Contraditório Reconhecimento da Qualidade de Meeira Ainda que se trate do regime de separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente tem direito de partilhar, na qualidade de meeiro, os bens deixados pelo de cujus, desde que comprove o esforço comum para a aquisição do patrimônio. Reconhecida a qualidade de meeira, deve também ser atestada a possibilidade de todos os seus herdeiros receberem a respectiva meação, representados pelo espólio. (TJMG; AGIN 1.0372.15.000725-3/001; 4ª C.Cív.; Relª Desª Ana Paula Caixeta; DJEMG 07/08/2018)
ACÓRDÃO Vistos, etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso. Desembargadora Ana Paula Caixeta – Relatora
VOTO Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo espólio de Vicente Jacinto dos Santos e por Rosa Elaine dos Santos contra a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Lagoa da Prata, Dr. Islon Cézar Damasceno, que, nos autos do inventário de Vicente Jacinto dos Santos, determinou a adequação do plano de partilha, de forma a contemplar a meeira, no prazo de 30 (trinta) dias. Inconformada, a parte agravante requereu a reforma da decisão, ao fundamento de que: i) quando do seu falecimento, ocorrido em 21.05.2014,
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
157
o de cujus era casado com Maria da Conceição Ferreira, sob o regime da separação de bens, que também veio a falecer, na data de 10.03.2015; ii) a agravada, filha unilateral de Maria da Conceição Ferreira, requereu a inclusão de sua genitora como herdeira na partilha dos bens e que fosse substituída por seus respectivos herdeiros; iii) deve ser comprovado o esforço comum para que a viúva seja incluída como meeira dos bens deixados pelo de cujus quando se tratar de regime de separação de bens, situação que não ocorre nos autos; iv) durante a constância do casamento, o autor da herança amealhou bens, conforme as primeiras declarações prestadas; v) não há provas, contudo, de esforço comum dos cônjuges para aquisição dos bens que fazem parte do inventário, razão pela qual a viúva não poderia ter sido incluída como meeira dos bens deixados pelo de cujus; vi) a Súmula nº 377 do STF deve ser interpretada de modo que a comunicação patrimonial acontece somente se houver comprovação do esforço comum dos cônjuges; vii) a prova da comunhão de esforços é imprescindível para que haja comunicabilidade dos bens adquiridos onerosamente depois do casamento, caso contrário, os efeitos do regime de separação legal de bens tornar-se-iam idênticos aos do regime da comunhão parcial, em nítido desvirtuamento da opção legislativa. Pretendeu, ao final, que “seja dado efeito suspensivo ao agravo aviado, determinando ao Magistrado a quo que não proceda à partilha de bens enquanto não houver decisão final, com o trânsito em julgado, acerca do recurso” (fls. 02/11, TJ). O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso foi deferido e, na sequência, oportunizado o contraditório (fls. 70/71v, TJ). Regularmente intimada, Vicentina Aparecida Ferreira apresentou resposta ao recurso, requerendo o seu desprovimento (fls. 75/79, TJ). Os demais agravados não apresentaram resposta, conforme certificado pelo Cartório (fl. 80, TJ). O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Carlos Eduardo Mafra Cavalcanti, opinou pelo provimento do recurso (fls. 82/84, TJ). É o relatório. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. Versam os autos originários sobre o inventário dos bens de Vicente Jacinto dos Santos, instaurado pela parte agravante (fls. 31/33, TJ). Analisando os autos, percebo que, após a apresentação das primeiras declarações, Grécia Maria Ferreira requereu a sua inclusão no rol de herdeiros, amparando-se no direito à representação de sua genitora, casada com o de cujus sob o regime da separação de bens. Sustentou, naquela oportunidade, que
158
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
“tem o seu direito à representação, na parte que cabia a sua genitora, como se viva fosse, conforme art. 1.851 e seguintes do CC” (fls. 34/37, TJ). Depois de proceder à oitiva da Inventariante e do Ministério Público, o ilustre Magistrado a quo, asseverando a qualidade de meeira do cônjuge do de cujus, determinou “a adequação do plano de partilha e do cálculo de ITCD, bem como as providências pertinentes, no sentido de contemplar a meeira, no prazo de 30 (trinta) dias” (fls. 12/13, TJ). Eis o inconformismo recursal. O desate da controvérsia cinge-se, portanto, em verificar a qualidade de meeira do cônjuge do de cujus, bem como a repercussão desse eventual reconhecimento no processo de inventário. No caso dos autos, observo que o autor da herança, Vicente Jacinto dos Santos, era casado, ao tempo de seu falecimento, com Maria da Conceição Ferreira, sob o regime da separação de bens, segundo demonstra a certidão de casamento juntada aos autos (fl. 54, TJ). Conforme estipulava a legislação civil, à época da realização do casamento entre o autor da herança e Maria da Conceição Ferreira, se afigurava obrigatório o regime da separação de bens no casamento do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos (inciso II do parágrafo único do art. 258 do CC/2016). O referido regime de bens, todavia, sofreu temperamento pelo enunciado da Súmula de jurisprudência de nº 377 do Supremo Tribunal Federal, que acabou por admitir a partilha do patrimônio angariado na constância da união pelo esforço comum dos envolvidos. Assim se encontra redigido o enunciado da Súmula de jurisprudência de nº 377 do STF: “Súmula 377. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.” (Data de aprovação: Sessão Plenária de 03.04.64. Fonte de Publicação: DJ 08.05.64, p. 1.237; DJ 11.05.64, p. 1.253; DJ 12.05.64, p. 1.277)
Nesse ponto, se revela indispensável a comprovação da existência do patrimônio a ser partilhado e da presença de esforço comum de ambos os cônjuges para sua aquisição, sob pena de desvirtuamento do regime da separação legal, confundindo-o com o regime da comunhão parcial. Sobre as razões para exigência de comprovação do esforço comum, trago à baila as lições de Flávio Tartuce: “(...) a falta da prova do esforço comum transforma o regime da separação de bens em uma comunhão parcial, o que não parece ter sido o objetivo da
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
159
súmula. Segundo, diante da vedação ao enriquecimento sem causa, constante do art. 844 do Código Civil, eis que a comunicação automática ocorreria sem qualquer razão plausível, em decorrência do mero casamento. Terceiro, porque o presente autor tem suas ressalvas quanto à eficiência atual do regime da comunhão parcial de bens. Quarto, pois o melhor caminho para o nosso Direito é extinguir definitivamente a separação legal e não transformá-la em outro regime, o que seria uma solução temporária.” (Direito civil: direito de família. São Paulo: Método, 2014. v. 5. p. 172)
Este entendimento também tem sido adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que o aplica tanto para casamento como para a união estável: “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/02, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial.” (EREsp 1.171.820/PR, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 26.08.2015, DJe 21.09.2015 – grifei) “CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM. PRECEDENTE. ALTERAR A CONCLUSÃO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA DE QUE NÃO HOUVE A DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO. REEXAME DE PROVAS. NECESSIDADE. INCIDE A SÚMULA Nº 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Terceira Turma do STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.403.419/ MG, julgado aos 11.11.2014, da relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, firmou o entendimento de que a Súmula nº 377 do STF, isoladamente, não confere ao companheiro o direito de meação aos frutos produzidos durante o período de união estável independentemente da demonstração do esforço comum.
160
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
2. Alterar a conclusão do Tribunal a quo de que não houve a comprovação do esforço comum na aquisição ou manutenção do patrimônio do ex-companheiro falecido demanda o reexame do conjunto fático probatório do autos, o que não é possível de ser feito em recurso especial, a teor da Súmula nº 7 do STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 675.912/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 02.06.2015, DJe 11.06.2015 – grifei)
Portanto, em linhas gerais, ainda que se trate do regime de separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente tem direito de partilhar, na qualidade de meeiro, os bens deixados pelo de cujus, desde que comprove o esforço comum para a aquisição do patrimônio. Resolvida a questão relativa à qualidade do cônjuge do de cujus, importa, agora, investigar a repercussão desse reconhecimento no desfecho do inventário, levando-se em consideração o seu posterior falecimento (isto porque, segundo consta dos documentos dos autos, o autor faleceu em 21.05.2014 (fl. 54, TJ) e, posteriormente, a sua esposa em 10.03.2015 (fl. 33, TJ). À vista da exigência quanto à prova do esforço comum na aquisição dos bens, deverá ser resguardado o direito das partes, mediante contraditório, de comprovarem qual parcela do patrimônio deverá sofrer meação. Aplica-se, no particular, o procedimento estipulado pela legislação processual que trata sobre as citações e as impugnações no processo de inventário (arts. 626 e 627, ambos do CPC/2015). Nessa oportunidade, as partes poderão se manifestar sobre a existência, ou não, do esforço comum quanto à aquisição dos bens inventariados, sendo que, após, o juiz decidirá sobre quais destes bens deverão compor a meação. No particular, há que se atentar que a meeira faleceu posteriormente ao óbito do de cujus, de forma que a quota parte eventualmente a ser distinguida no plano de partilha deverá fazer referência ao seu espólio, tal como determinado pela decisão agravada. Em resumo: reconhecida a qualidade de meeira, deve também ser atestada a possibilidade de todos os seus herdeiros receberem a respectiva meação, representados pelo espólio. Com essas considerações, nego provimento ao recurso. Custas recursais ex lege, observada a gratuidade judiciária deferida ao processamento do presente recurso. Desembargador Renato Dresch – De acordo com a Relatora. Desembargador Kildare Carvalho – De acordo com a Relatora. Súmula: “Negaram provimento ao recurso”.
Jurisprudência
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0197267-43.2018.8.21.7000 RELATORA: DESEMBARGADORA LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO
Alimentos. Pedido de Imposição de Regime Aberto Aplicação subsidiária da Lei de Execuções Penais. Caso concreto. Recurso parcialmente provido. (TJRS; AI 0197267-43.2018.8.21.7000; 7ª C.Cív.; Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro; DJERS 11/07/2018) Vistos. Trata-se de agravo de instrumento de Guilherme L. S., inconformado com a decisão que, nos autos do Cumprimento de Sentença movido por Gabriel B. S., decretou a prisão civil daquele, indeferindo os pedidos de prisão em regime aberto ou domiciliar. Afirma que possui três filhos com sua atual esposa, sendo que um deles, Pedro, é portador de paralisia cerebral, traqueostomia, cadeirante, e com indicação de risco em cirurgia, a qual será realizada brevemente, não sendo cabível a manutenção da sua prisão. Alega que a genitora não tem como se dividir entre estar em casa com os demais filhos e no hospital com Pedro. Sustenta ser motoboy. Postula a aplicação analógica do art. 117, inciso III, da LEP, sendo deferido o benefício do regime aberto em residência particular. Junta doutrina e jurisprudência. Pede, por isso, liminarmente, a soltura do agravante, e, no mérito, o provimento do recurso, oportunizando os benefícios e garantias fundamentais do CPC e da LEP. Junta documentos. É o relatório. A inconformidade merece prosperar parcialmente. No caso, inegavelmente que o recorrente está inadimplente com suas obrigações alimentícias em relação ao filho Gabriel (menor de idade, porquanto nascido em 23.11.06). Atualmente, o débito está em aproximadamente R$ 3.310,74.
162
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
Ademais, também é verdade que o recorrente tem outros três filhos com a nova esposa, sendo que um deles, Pedro, sofre de graves problemas de saúde. Da mesma forma, restou esclarecido que o recorrente trabalha como motoboy, entre as 10h até às 15h e das 18h às 24h. Pois bem. Atenta às particularidades do caso, entendo ser cabível, ao menos por ora, a manutenção da prisão do recorrente, no entanto no regime aberto, devendo apresentar-se para cumprimento da pena no período noturno, somente. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ainda que, em regra, não se apliquem as normas da Lei de Execuções Penais à prisão civil, em situações excepcionais é possível a concessão de prisão domiciliar ou aberta ao devedor de pensão alimentícia. Ademais, o recorrente comprova que auxilia sua atual esposa nos cuidados do filho Pedro, portador de paralisia cerebral, traqueostomia, cadeirante e com indicação de risco em cirurgia, amoldando-se ao art. 117, inciso III, da LEP. Assim é a jurisprudência do STJ (HC 358.668, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 25.10.2016): “Pois bem. Não vejo nenhuma ilegalidade apta a afastar a prisão civil decretada pelo Juízo de primeiro grau, ante o inadimplemento de pensão alimentícia e consequente execução pelo rito do art. 733 do Código de Processo Civil de 1973. Todavia, reputo absolutamente desproporcional, ainda que considerado o caráter coercitivo e não punitivo da medida, a negativa do pedido de prisão domiciliar, uma vez que, se estivéssemos diante de ilícito penal, a legislação possibilitaria o deferimento da medida menos gravosa aqui buscada, notadamente em razão das nuances que cercam o caso em apreço, sobretudo se considerados não somente os problemas de saúde comprovados nos autos, como também a idade avançada dos pacientes avós dos alimentandos, os quais não são apenas ‘idosos’, mas sim pessoas com nada mais, nada menos que 75 (setenta e cinco) e 80 (oitenta) anos de idade. De se ver que a razoabilidade, como princípio constitucional norteador, deve pautar toda e qualquer decisão judicial, independentemente da esfera de atuação, e, na espécie, não se tem por razoável o indeferimento do regime mais brando postulado se outra seria a solução adotada na hipótese de incidência de institutos de natureza penal, como tem ocorrido, inclusive, com réus acusados do cometimento de crimes graves e ensejadores de incontáveis prejuízos para o país.
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
163
Assim, a despeito de a prisão civil em regime domiciliar não ser, em regra, adotada por esta Corte em virtude do seu caráter coercitivo, entendo que as particularidades do caso não só autorizam como também exigem solução diferenciada, em atendimento tanto ao princípio da proporcionalidade quanto ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, especialmente porque a paciente D.M.P.M., de 75 (setenta e cinco) anos, é portadora de neutropenia crônica grave idiopática (e-STJ, fls. 705-707), e o paciente E.C.P.M., de 80 (oitenta) anos, possui ‘doença pulmonar crônica’, com ‘restrição respiratória grave, sendo necessária à restrição de esforço físico, uso de medicamentos contínuos e monitoramento contínuo dado o risco de piora súbita com risco iminente de insuficiência respiratória’ (e-STJ, fl. 704). Logo, na situação peculiar e excepcional dos autos, parece-me suficientemente justificado o deferimento do cumprimento da prisão civil, ordenada pelo Juízo de primeiro grau, em regime domiciliar, sob pena de a sanção estritamente coercitiva de cunho civil se traduzir em penalidade cruel e desumana. A propósito: ‘RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. PACIENTE COM IDADE AVANÇADA (77 ANOS) E PORTADOR DE PATOLOGIA GRAVE. HIPÓTESE EXCEPCIONAL AUTORIZADORA DA CONVERSÃO DA PRISÃO CIVIL EM RECOLHIMENTO DOMICILIAR. 1. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as que vencerem no curso do processo. Precedentes. 2. Em hipótese absolutamente excepcional, tal como na espécie, em que a paciente, avó dos alimentados, possui patologia grave e idade avançada, é possível o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar, em prestígio à dignidade da pessoa humana. Precedentes. 3. Recurso provido.’ (RHC 38.824/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, DJe 24.10.2013) ‘HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. REGIME DOMICILIAR. PACIENTE IDOSO E DOENTE. APLICAÇÃO EXCEPCIONAL DAS LEP. Em regra, não se aplicam as normas da Lei de Execuções Penais à prisão civil, vez que possuem fundamentos e natureza jurídica diversos. Em homenagem às circunstâncias do caso concreto, é possível a concessão de prisão domiciliar ao devedor de pensão alimentícia.’ (HC 57.915/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 14.08.06) ‘HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEVEDOR DE ALIMENTOS. MAIOR DE 75 ANOS E ACOMETIDO DE MOLÉSTIAS GRAVES. APLICAÇÃO EXCEPCIONAL DE NORMAS DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. É legal a prisão civil de devedor de alimentos, em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas vencidas à data do mandado de citação, mais as que vencerem no curso do processo. Precedentes. Em regra, não se aplicam as normas da Lei de Execu-
164
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
ções Penais à prisão civil, vez que possuem fundamentos e natureza jurídica diversos. Em homenagem às circunstâncias do caso concreto, é possível a concessão de prisão domiciliar ao devedor de pensão alimentícia.’ (HC 44.754/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 10.10.05).”
Sendo assim, diante das peculiaridades do caso concreto, entendo que o recorrente deverá cumprir a pena no regime aberto, devendo apresentar-se para cumprimento da pena no período noturno, saindo durante o dia para trabalhar e auxiliar nos cuidados do filho. Do exposto, dou parcial provimento ao recurso, determinando o cumprimento da pena em regime aberto, devendo o recorrente apresentar-se no período noturno somente. Intimem-se. Porto Alegre, 9 de julho de 2018. Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro – Relatora
Jurisprudência
Tribunal de Justiça de São Paulo APELAÇÃO Nº 1000896-20.2015.8.26.0222 RELATORA: DESEMBARGADORA ROSANGELA TELLES
Partilha de Bens. Regime da Comunhão Parcial de Bens. Verba de Aposentadoria Composição do patrimônio comum do casal, a ser partilhado. Orientação do c. STJ. No regime de comunhão parcial de bens, o direito ao recebimento dos proventos não se comunica ao fim do casamento, mas, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio, transmudam-se em bem comum, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts. 1.658 e 1.659, VI, do Código Civil). O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e a sua reclamação judicial ocorrem durante a vigência do vínculo conjugal. Sucumbência. Fixação na origem em seu patamar máximo. Recurso improvido. (TJSP; APL 1000896-20.2015.8.26.0222; Ac. 11675175; 2ª C.D.Priv.; Relª Desª Rosangela Telles; DJESP 10/08/2018; p. 1.667)
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação 100089620.2015.8.26.0222, da Comarca de Guariba, em que é apelante João Oliveira do Sacramento, é apelada Josenita de Souza Oliveira (justiça gratuita). Acordam, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores Marcia Dalla Déa Barone (Presidente sem voto), José Carlos Ferreira Alves e José Joaquim dos Santos. São Paulo, 2 de agosto de 2018. Desembargadora Rosangela Telles – Relatora
166
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
VOTO Nº 11050 Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 122/128, mantida pela r. decisão de fls. 136/137, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados para determinar a partilha de 50% de todos os supostos proveitos oriundos da ação de indenização por dano material, Processo 0055380-41.2011, bem como partilhar em 50% os proveitos oriundos da ação de aposentadoria por invalidez, Processo 0050402-55.2010, observando, nesta última, que a meação recairá somente sobre os créditos pagos relativos ao período de constância da união conjugal, até a separação de fato do casal. Fixou custas, despesas processuais e honorários advocatícios, os últimos, em 20% sobre o valor atribuído à causa, observada a gratuidade de justiça. Sustenta o apelante, em síntese, que, de acordo com o regime da comunhão parcial de bens, excluem-se da partilha os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, situação apta a afastar a comunicabilidade dos proventos de aposentadoria. Busca a reforma do decisum. Recurso regularmente processado, com apresentação de contrarrazões às fls. 148/157. Eis o relatório. Inicialmente, cumpre consignar que a r. sentença guerreada fora proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, de sorte que as disposições desta legislação deverão ser observadas. Extrai-se que a apelada formulou pedido de sobrepartilha de bens, aduzindo, em síntese, que se casou com o apelado sob o regime da comunhão parcial de bens em 24.02.81 (fl. 11), com divórcio em 23.08.2013 (autos do Processo 0052933-46.2012.8.26.0222, fl. 02). Todavia, não se tratou da partilha do proveito econômico oriundo das ações judiciais em trâmite, em nome do apelante (0050402-55.2010 e 0055380-41.2011), das quais faz jus a 50%, tendo em vista que ambas foram propostas durante a sociedade conjugal. Na origem, os pedidos foram julgados parcialmente procedentes, nos seguintes termos: “Ante o exposto, julgo procedentes em parte os pedidos iniciais, a fim de: A) partilhar em 50% todos os supostos proveitos oriundos da Ação de Indenização por Dano Material 0055380-41.2011; B) partilhar em 50% os proveitos oriundos da Ação de Aposentadoria por Invalidez 0050402-55.2010, observando, nesta última, que a meação recairá somente sobre os créditos pagos relativos ao período de constância da união
Jurisprudência – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
167
conjugal, até a separação de fato do casal; e assim o faço com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil;”
Observada a devolutividade recursal trazida nas razões de fls. 140/144, cinge-se a controvérsia à partilha de 50% dos proveitos oriundos da Ação de Aposentadoria por Invalidez 0050402-55.2010. Incontroverso que as partes foram casadas sob o regime da comunhão parcial de bens, conforme certidão de fl. 11. O Código Civil de 2002 trouxe em seu texto, de forma expressa, a possibilidade de exclusão dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, em relação aos casamentos celebrados pelo regime de comunhão parcial de bens. Contudo, também ressalvou, em seu art. 1.660, a comunicação dos frutos percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão1. Conforme orientação do c. STJ, no regime de comunhão parcial de bens, o direito ao recebimento dos proventos não se comunica ao fim do casamento, mas, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio, transmudam-se em bem comum, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts. 1.658 e 1.659, VI, do Código Civil). O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e a sua reclamação judicial ocorrem durante a vigência do vínculo conjugal. Inexorável, portanto, o direito à partilha dos proveitos oriundos da Ação de Aposentadoria por Invalidez 0050402-55.2010. Nessa linha de intelecção, segue orientação do c. STJ: “AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. PARTILHA. COMUNICABILIDADE DOS SALDOS BANCÁRIOS ADVINDOS DE VERBA TRABALHISTA E APOSENTADORIA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.658 E 1.659, VI, DO CC E ART. 5º DA LEI Nº 9.278/96. 1. No regime de comunhão parcial ou universal de bens, o direito ao recebimento dos proventos não se comunica ao fim do casamento, mas, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio, transmudam-se em bem comum, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts. 1.658 e 1.659, VI, do Código Civil). 1
“Art. 1.660. Entram na comunhão: (... ) V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.”
168
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Jurisprudência
2. O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e a sua reclamação judicial ocorrem durante a vigência do vínculo conjugal, independentemente do momento em que efetivamente percebidos, tornando-se, assim, suscetíveis de partilha. Tal entendimento decorre da ideia de frutos percipiendos, vale dizer, aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas não o foram. Precedentes. 3 Na hipótese, os saldos bancários originam-se de economias advindas de salários e aposentadoria do falecido, sendo imprescindível que o montante apurado seja partilhado com a companheira no tocante ao período de vigência do vínculo conjugal. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1.143.642/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 26.05.2015, DJe 03.06.2015)
Portanto, a r. sentença deve ser mantida. Observo que a r. sentença fora proferida já sob a vigência do novo Código de Processo Civil, todavia deixo de majorar os honorários advocatícios, pois já fixados em seu patamar máximo. Alerto ser desnecessária a interposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento, na medida em que toda a matéria questionada está automaticamente prequestionada. Posto isso, pelo meu voto, nego provimento ao recurso. Desembargadora Rosangela Telles – Relatora
Ementário Prezado Assinante: consulte os acórdãos na íntegra das respectivas ementas publicadas nesta edição em nosso endereço eletrônico www.editoramagister.com, produtos online, no link dedicado a esta publicação. 25/1 – ABANDONO MATERIAL E AFETIVO PELA AUSÊNCIA DO PAI. RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCABIMENTO. O pedido de reparação por dano moral no direito de família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim, de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. Recurso desprovido. (TJRS; AC 0156807-14.2018.8.21.7000; 7ª C.Cív.; Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro; DJERS 11/07/2018) 25/2 – AÇÃO DE ADOÇÃO DE PESSOA MAIOR. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. PEDIDO POSSÍVEL. SENTENÇA CASSADA. 1. Cuida-se de recurso de apelação em face de sentença que indeferiu a petição inicial de ação em que se pleiteia a adoção de pessoa maior. 2. A magistrada, ao sentenciar, afirmou que os requerentes buscam a adoção com a manutenção do nome do pai biológico do adotando, enquanto que o precedente indicado na inicial, para fundamentar a causa de pedir e pedidos, diz respeito aos casos de reconhecimento de paternidade socioafetiva. Ademais, não teriam formado o litisconsórcio passivo necessário, apesar de intimados duas vezes para promoverem a correção da peça de ingresso. 3. Em homenagem ao princípio da primazia da decisão de mérito, caso em que o órgão julgador deve dar prioridade aos julgamentos com mérito, sempre que possível (art. 4º do CPC). De mais a mais, o princípio da cooperação (art. 6º do CPC) também afirma que os sujeitos que atuam no processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em prazo razoável, decisão de mérito. 4. Não deve ser mantida a sentença de extinção do processo por indeferimento da petição inicial, quando, pela narrativa da peça inaugural, mostra-se possível examinar as questões de mérito. Assim, o postulado da primazia do julgamento do mérito, consagrado na atual legislação processual, deve ser prestigiado e almejado em todos os processos judiciais, somente podendo ser afastado, quando, de fato, não for possível examinar o mérito da questão controvertida. 5. Em que pese a divergência doutrinária a respeito da questão sobre a possibilidade jurídica do pedido, há forte corrente que afirma confundir-se com o mérito da questão, mormente após a vigência do atual Código de Processo Civil, que não indica a possibilidade jurídica como questão meramente processual. 6. Sentença cassada. (TJDF; APC 2017.11.1.003288-4; Ac. 111.2488; 3ª T.Cív.; Rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira; DJDFTE 06/08/2018) 25/3 – AÇÃO DE ALIMENTOS. AVÓ PATERNA. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA INCAPACIDADE DA MÃE BIOLÓGICA. SÚMULA Nº 596 DO STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. A obrigação alimentar dos avós é subsidiária ou complementar, eis que somente poderão ser chamados a prestar alimentos aos netos na hipótese de impossibilidade dos pais biológicos prestá-los, ou, quando providos por estes, não suprirem as necessidades do alimentando. Súmula nº 596 do colendo STJ. 2. Recurso de apelação a que se nega provimento. (TJAP; APL 000869957.2016.8.03.0002; C.Un.; Rel. Juiz Conv. Eduardo Contreras; DJEAP 24/07/2018; p. 35) 25/4 – AÇÃO DE ALIMENTOS. INCIDÊNCIA DOS ALIMENTOS SOBRE O ADICIONAL DE FÉRIAS. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA SOBRE A PARTICIPAÇÃO
170
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
NOS LUCROS E RESULTADOS. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 1. A pensão alimentícia incide sobre o décimo terceiro salário e sobre o adicional de férias (terço constitucional de férias), porque tais verbas estão compreendidas nas expressões “vencimento”, “salários” ou “proventos” que consubstanciam a totalidade dos rendimentos auferidos pelo alimentante. Precedentes. 2. Não incide a verba alimentar sobre a participação nos lucros e resultados, uma vez que se trata de parcela não relacionada ao salário ou à remuneração percebida pelo alimentante. Precedente. 3. Dissídio jurisprudencial prejudicado devido a análise do mérito recursal. 4. Agravo em recurso especial conhecido. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido para determinar a incidência dos alimentos sobre o terço constitucional de férias. (STJ; AREsp 1289784; Proc. 2018/0106731-5; SP; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 03/08/2018; p. 14.424) 25/5 – AÇÃO DE ALIMENTOS. OMISSÃO SOBRE QUESTÃO RELEVANTE. OCORRÊNCIA. INCORPORAÇÃO DA MATÉRIA AO ACÓRDÃO RECORRIDO. PREQUESTIONAMENTO FICTO. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE OMISSÃO SOBRE QUESTÃO RELEVANTE. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA INSTITUÍDA POR RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL ESTADUAL. ATO PROCESSUAL DISTINTO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E INSTRUÇÃO PREVISTA NA LEI DE ALIMENTOS. ARQUIVAMENTO DO PROCESSO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DA PARTE. IMPOSSIBILIDADE. ATOS PROCESSUAIS NÃO EQUIPARÁVEIS E COM CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DIFERENTES. DESINTERESSE EM CONCILIAR DO QUAL NÃO SE PODE PRESUMIR O DESINTERESSE NOS ALIMENTOS PRETENDIDOS NA AÇÃO. 1. Ação distribuída em 12.11.2012. Recurso especial interposto em 08.11.2016 e atribuídos à Relatora em 23.03.2017. 2. O propósito recursal consiste em definir se houve omissão no acórdão recorrido, se os embargos de declaração opostos em face do acórdão recorrido eram protelatórios e se a ausência do autor da ação em audiência de conciliação instituída por resolução do Tribunal pode acarretar o arquivamento do processo em que pleiteiam os alimentos. 3. Deixando o acórdão recorrido de se pronunciar sobre questão relevante oportunamente arguida pela parte em embargos de declaração, deve ser reconhecida a existência de omissão, com a consequente incorporação, ao acórdão, da matéria suscitada pela parte. Inteligência dos arts. 1.022 e 1.025 do CPC/2015. 4. O reconhecimento da existência de omissão no acórdão conduz logicamente ao reconhecimento de que os embargos de declaração opostos em 2º grau de jurisdição não eram manifestamente protelatórios, devendo ser afastada a multa aplicada à parte a esse título. 5. A instituição, pelo Tribunal Estadual, de uma audiência de conciliação prévia à citação do réu da ação de alimentos, não é equiparável à audiência de conciliação e instrução prevista expressamente na Lei nº 5.478/68, de modo que a ausência do autor naquela audiência não pode ser apenada com o arquivamento do processo, consequência jurídica prevista apenas para a hipótese de ausência do autor na audiência disciplinada pela Lei de Alimentos, sob pena de violação aos princípios da legalidade, do acesso à justiça e da vedação às decisõessurpresa. 6. Na hipótese, a ausência do autor à audiência de conciliação prévia apenas significa o seu desinteresse em conciliar, mas não no regular prosseguimento da ação de alimentos. 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ; REsp 1.660.916; Proc. 2017/0058538-9; MG; 3ª T.; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 09/08/2018; p. 4.542) 25/6 – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CASAMENTO. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL. CAPACIDADE PARA CASAR. PECULIARIDADE DO CASO. CASAMENTO REALIZADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.146/2015. AUSÊNCIA DE APTIDÃO PARA EXPRIMIR VONTADE DE FORMA LIVRE E CRÍTICA SOBRE O ATO DE CA-
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
171
SAR. NULIDADE DO MATRIMÔNIO. SENTENÇA MANTIDA. 1. À luz da análise do encadeamento dos atos processuais do presente feito, torna-se clarividente a inexistência de cerceamento do direito de defesa, pois é certo que a mera ausência de apresentação da petição de razões finais escritas não é causa suficiente a macular de nulidade a sentença ora combatida. Vê-se que, em audiência de instrução e julgamento, as partes não levaram testemunhas, bem assim dispensaram a oitiva delas mesmas em depoimento pessoal, motivo pelo qual houve a designação de perícia pela Magistrada a quo. Realizada a perícia, foi aberta oportunidade a todas as partes em se manifestarem sobre o laudo produzido, o que efetivamente foi realizado por todas elas. Assim, não há que se falar em qualquer prejuízo processual pela não apresentação de alegações finais escritas, mormente porque a causa não apresenta qualquer questão complexa de fato ou de direito a demonstrar a indispensabilidade do oferecimento dessa peça processual. Aliás, não há dúvida nos autos de que as partes, bem como o MPDFT, tiveram oportunidade de se manifestar sobre todas as provas produzidas nos autos, do que resulta conclusão inequívoca no sentido de que não houve cerceamento do direito de defesa ou, ainda, do direito de produção de provas. 2. No Brasil, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo de Nova Iorque foi ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/08, em conformidade com o procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da CF, e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25.08.09, marcando a internalização dessa convenção internacional em nosso ordenamento jurídico. No plano infraconstitucional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, concretizando os compromissos assumidos pelo Brasil no plano externo, foi aprovado pela Lei nº 13.146, de 06.07.2015, destinando-se a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (art. 1º). Importante destacar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, no plano interno, deu nova roupagem à conformação das incapacidades no ordenamento jurídico-civil brasileiro, uma vez que expressamente consagrou-se que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (art. 6º). De acordo com a nova sistemática, as pessoas com deficiência não são mais consideradas absolutamente incapazes, do que decorreu a revogação dos incisos II e III do art. 3º do Código Civil, mas tão somente relativamente incapazes se, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, ou sobre a maneira de os exercer, sobre certos atos da vida civil. 3. Ocorre, contudo, que a nova tessitura legislativa, a despeito das louváveis inovações que introduzira no ordenamento jurídico-civil, não é suficiente para alterar a declaração de nulidade de casamento realizada pelo Juiz de primeiro grau. Isso porque a celebração do enlace se deu antes da vigência da Lei nº 13.146/2015, quando ainda vigorava o inciso I do art. 1.548 do Código Civil, segundo o qual seria nulo o casamento contraído por enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil. Por mais que a nova disciplina normativa não preveja a deficiência mental como causa para obstaculizar o casamento, não há dúvida de que ele só possa ser realizado por quem tenha, de alguma maneira, capacidade para assentir sobre este ato civil. A prova produzida, de forma inafastável, desde o tempo em que realizada a interdição do Réu até a perícia feita nestes autos, salienta a inexistência de aptidão para que ele, de forma autônoma, possa exprimir sua vontade sobre o ato de casar-se. Dessa maneira, se o caso dos autos é de casamento de pessoa com deficiência contraído anteriormente à edição da Lei nº 13.146/2015, é certo que os vícios que macularam de nulidade os casamentos anteriormente celebrados não poderão ser convalidados tão somente pelo fato de que o legislador infraconstitucional deu nova roupagem à teoria das capacidades no ordenamento jurídico-civil. (TJDF; APC 2015.06.1.013240-4; Ac. 111.3483; 5ª T.Cív.; Rel. Des. Ângelo Passareli; DJDFTE 09/08/2018) 25/7 – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DE FILHA NA DIVISÃO DO MONTANTE.
172
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
PRETENSÃO DA PARTE RÉ DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE ADOÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE VONTADE. QUESTÃO ACOBERTADA PELA COISA JULGADA. SÚMULA Nº 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Na hipótese em exame, verifica-se que os réus já ingressaram com duas ações visando revogar a adoção, sendo que ambas foram julgadas improcedentes, razão pela qual tal questão encontra-se acobertada pela coisa julgada. 2. Em decorrência do preconizado pelo art. 227, § 6º, da CF, que não permite qualquer tipo de distinção ou discriminação relativas à natureza da filiação, há de se reconhecer a nulidade da escritura de inventário e partilha que excluiu a filha adotiva da sucessão. 3. Agravo interno não provido. (STJ; AgInt-AREsp 1.013.845; Proc. 2016/0295266-4; RJ; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Conv. Lázaro Guimarães; DJE 12/06/2018; p. 2.782) 25/8 – AÇÃO DE DIVÓRCIO. ALIMENTOS. VERBA DESTINADA À EXCOMPANHEIRA. BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE DEMONSTRADO. FIXAÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. Os alimentos devidos entre ex-cônjuges/ companheiros decorrem do dever de mútua assistência e são concedidos em razão da necessidade de sobrevivência, quando, em razão do término da relação conjugal, um deles não tiver condições de, ao menos na imediaticidade, prover sua própria subsistência. 2. É cabível o arbitramento de verba alimentar em favor de um dos ex-consortes, por ocasião da separação, do divórcio ou da dissolução de união estável, quando comprovado que o necessitado não possui renda, ou que não é adequada e suficiente para sua própria subsistência logo após o rompimento da relação conjugal. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. AQUISIÇÃO ONEROSA DE IMÓVEL NA CONSTÂNCIA DA RELAÇÃO. PROTESTO DE INALIENABILIDADE NA MATRÍCULA DO BEM. CABIMENTO. Havendo demonstração de que o ex-casal convivia em união estável, pelo regime de comunhão de bens, e que na constância da relação foi adquirido bem imóvel em nome de um deles, mesmo que esteja alienado fiduciariamente, revela-se cabível a averbação de protesto de inalienabilidade na matrícula do patrimônio, até decisão posterior que reveja o ato ou até a efetivação da partilha, para evitar o desfazimento indevido da coisa. (TJSC; AI 4010873-21.2018.8.24.0000; 5ª C.D.Civ.; Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros; DJSC 09/08/2018; p. 173) 25/9 – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS PARA EX-CÔNJUGE EM SEDE DE RECONVENÇÃO. LIMINAR DEFERIDA, FIXANDO EM QUATRO SALÁRIOS MÍNIMOS. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. PRESENTE O BINÔMIO NECESSIDADE/CAPACIDADE. INALIENABILIDADE DE BENS ATÉ A EFETIVAÇÃO DA PARTILHA. POSSIBILIDADE. 1. O agravante ingressou com o presente recurso visando revogar a tutela antecipada deferida no primeiro grau, que fixou alimentos provisórios no importe de 4 (quatro) salários mínimos, bem como a inalienabilidade dos bens a serem partilhados. 2. Da análise dos autos, verificase que o ex-casal são sócios em duas das três empresas da agravada, possuindo, também, um terceiro sócio que é um dos filhos do casal, contudo, todas as empresas são administradas pelo agravante. 3. Observa-se que a agravada possui mais de 50 anos de idade, sendo difícil a sua reinserção no mercado de trabalho, principalmente pelo fato de sempre ter trabalhado nas empresas do casal, restando, assim, configurada a necessidade da agravada e a possibilidade do agravante, haja vista que é sócio majoritário de suas empresas. 4. É certo que a jurisprudência vem mitigando o pagamento de pensão alimentícia a ex-cônjuge, quando comprovada a ausência de dependência econômica entre estes ou quando o alimentado possui capacidade laborativa, fixando-lhe prazo final para o pagamento dos alimentos provisórios. Contudo, no caso concreto, a agravada laborava nas empresas do casal, a qual agora está impedida, portanto, resta configurada a dependência econômica a qual só deverá cessar quando da efetiva partilha de bens. 5. Em relação ao pedido referente à indisponibilidade dos bens, verifica-se que o
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
173
magistrado singular determinou apenas a inalienabilidade dos bens relacionados na contestação, excluindo um automóvel por estar em nome de terceiros, até a realização da partilha dos bens comuns ao casal, razão pela qual não merece acolhida o pedido. 6. Recurso conhecido e desprovido. (TJBA; AI 0010927-20.2017.8.05.0000; 3ª C.Cív.; Relª Desª Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo; DJBA 18/07/2018; p. 649) 25/10 – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. COMPETÊNCIA. FORO DO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO ALIMENTANDO. INCIDÊNCIA DO ART. 53, II, DO CPC. ART. 80 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI Nº 10.741/03). INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Não há se falar de intempestividade se o agravo de instrumento é interposto dentro do prazo legalmente previsto. 2. Na ação de exoneração de alimentos, a competência é do foro do domicílio ou da residência do alimentando, nos mesmos termos da regra prevista no art. 53, II, do CPC. 3. A competência de foro prevista no art. 80 da Lei nº 10.741/03 é inaplicável nesses casos, por consubstanciar regra específica de demandas envolvendo direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de pessoas idosas. 4. Agravo desprovido. (TJAP; AI 0000300-74.2018.8.03.0000; C.Un.; Relª Desª Sueli Pini; DJEAP 09/08/2018; p. 34) 25/11 – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHA MAIOR, ESTUDANTE E QUE RECENTEMENTE TORNOU-SE MÃE. DECISÃO QUE ACOLHEU O PEDIDO LIMINAR DE SUPRESSÃO DO ENCARGO ALIMENTAR. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DA VERBA ALIMENTAR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DO SUBSÍDIO. O presente agravo de instrumento tem por objetivo a reforma da decisão exarada nos autos da ação de exoneração de alimentos, que deferiu o pedido liminar e exonerou o agravado de prestar alimentos à filha, ora agravante. Para tanto, a alimentada sustentou a necessidade de manutenção da verba alimentar. No caso, a prestação alimentar não pode mais ser apreciada sob a premissa do poder familiar, posto que este liame extingue-se com o surgimento da maioridade do descendente, que, por sua vez, não mais possui suas necessidades presumidas. Destarte, deve-se analisar o cabimento de tal encargo, hodiernamente, sob o enfoque constitucional, de reciprocidade familiar e de preservação da dignidade do alimentado, incumbindo ao credor comprovar a indispensabilidade dos alimentos. Em que pese a alimentada tenha atingido a maioridade civil, estando atualmente com 25 anos, prevalece o dever de prestação alimentar, agora fundado na solidariedade familiar, pois ela demonstrou que carece deste aporte para manter-se minimamente. Credora que estuda e recentemente tornou-se mãe. Torna-se impreterível o acolhimento do pleito recursal, porquanto a decisão hostilizada recepcionou tão somente as informações prestadas pelo ora agravado, deixando de ponderar se a alimentada efetivamente necessitava ou não do auxílio material, nos termos da orientação contida na Súmula nº 358 do Superior Tribunal de Justiça. Recurso provido. (TJRS; AI 0128423-41.2018.8.21.7000; 8ª C.Cív.; Rel. Des. José Antônio Daltoé Cezar; DJERS 08/08/2018) 25/12 – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE EXONERAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Diante da ausência de fixação de termo certo para a desoneração da obrigação alimentar, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha no momento da sua fixação, a exoneração do seu pagamento poderá dispensar a variação no binômio necessidade/possibilidade. Súmula nº 568/STJ. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ; REsp 1.713.189; Proc. 2017/0278720-3; SP; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 02/08/2018; p. 14.605)
174
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
25/13 – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS PRESTADOS PELA GENITORA. FILHO INTERDITADO. GENITOR CURADOR. SENTENÇA MANTIDA. 1. Impossibilitada a reinserção do alimentando (curatelado) no mercado de trabalho e não comprovada a diminuição da capacidade contributiva da alimentante, rejeita-se a pretensão de exoneração de alimentos. 2. Apelação conhecida, mas não provida. Unânime. (TJDF; APC 2016.01.1.098507-9; Ac. 111.3682; 3ª T.Cív.; Relª Desª Fátima Rafael; DJDFTE 07/08/2018) 25/14 – AÇÃO DE EXONERAÇÃO/REVISÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. Pensão devida ao filho maior, porém, regularmente matriculado em curso de ensino superior. Alegação de impossibilidade de arcar com os alimentos devido à constituição de uma nova família pelo alimentante. Sentença pela improcedência do pedido. Apelação cível. Teses de mérito: I) da alteração das possibilidades do alimentante diante da constituição de uma nova família, da qual adveio dois filhos, menores, além de uma terceira criança, sobrinha da atual esposa dele, que vivem às suas expensas. Acolhida; II) da desnecessidade do alimentado. Filho que atingiu a maioridade e cursa ensino superior. Genitora que trabalha e pode arcar com as despesas do demandado apelado. Afastada; III) da necessidade de análise do pleito de redução do percentual referente à pensão alimentícia, pedido alternativo não observado pelo juízo a quo princípio da vinculação do juiz ao pedido. Acolhida; e, IV) o desconto deve ser efetuado sobre o salário padrão do apelante, e não sobre a totalidade dos seus vencimentos. Afastada. A maioridade, por si só, não enseja a exoneração da prestação dos alimentos. Alimentando que se encontra matriculado em curso de ensino superior, prestes a ser concluído. Não obstante a jurisprudência pátria entenda que a constituição de uma nova família não tenha o condão de afastar o dever de prestar alimentos aos filhos nascidos de relacionamento anterior, referido entendimento deve ser visto com certa parcimônia diante das especificidades do caso concreto, permitindo a revisão do encargo para patamares condizentes com as possibilidades do alimentante. Prestação alimentar que deve ser mantida, porém, reduzida ao percentual de 10% (dez por cento) sobre os rendimentos do alimentante até a conclusão do curso superior. (TJAL; APL 0703733-79.2012.8.02.0001; 2ª C.Cív.; Rel. Des. Pedro Augusto Mendonça de Araújo; DJAL 16/07/2018; p. 146) 25/15 – AÇÃO DE INVENTÁRIO. INCLUSÃO NO MONTE-MOR DOS VALORES ORIUNDOS DO PLANO DE VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE (VGBL). NATUREZA SECURITÁRIA DO PLANO. VALORES QUE NÃO COMPÕEM O ACERVO HEREDITÁRIO. O plano de previdência privada denominado VGBL tem natureza securitária e, portanto, nos termos do art. 794 do Código Civil, não compõe o acervo hereditário. (TJMG; AGIN 1.0701.14.027846-9/001; 1ª C.Cív.; Rel. Des. Edgard Penna Amorim; DJEMG 09/08/2018) 25/16 – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. HERANÇA. Prescrição. Termo inicial. Reconhecimento da paternidade. Entendimento adotado pelo acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. Súmula nº 83/STJ. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial. (STJ; AREsp 1.312.805; Proc. 2018/0148345-0; RS; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 02/08/2018; p. 14.334) 25/17 – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. TERMO INICIAL DA CONVIVÊNCIA. COABITAÇÃO. REQUISITO NÃO ESSENCIAL PARA A CONFIGURAÇÃO DO OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. I – Para o reconhecimento da união estável, deve se comprovar o preenchimento dos requisitos constitucionais e legais, quais sejam, a convivência pública, contínua e duradoura entre as partes, com o intuito de formar família. II – A coabitação dos companheiros não é requisito essencial para a caracterização da união estável, podendo o termo inicial da convivência ser anterior à data
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
175
da residência comum. III – Negou-se provimento ao recurso. (TJDF; APC 2016.03.1.0113550; Ac. 111.3840; 6ª T.Cív.; Rel. Des. José Divino; DJDFTE 08/08/2018) 25/18 – AÇÃO DE SONEGADOS C/C SOBREPARTILHA. LEGITIMIDADE ATIVA. HERDEIROS E CREDORES DA HERANÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE SONEGADOS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO EM RELAÇÃO À PRETENSÃO DE SOBREPARTILHA. LEGITIMIDADE ATIVA DO CREDOR DO HERDEIRO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA E DESPROVIMENTO DO RECURSO. Com fundamento no art. 1.994 do CC/02, somente os herdeiros ou credores da herança podem instaurar ação de sonegados. Sendo o autor/apelado credor de um dos herdeiros (mas não do de cujus), carece de legitimidade para deduzir tal pretensão. Lado outro, o art. 616 do CPC/2015, confere legitimidade ao credor de um dos herdeiros para instaurar o procedimento de inventário e, consequentemente, de sobrepartilha, bastando a comprovação em abstrato da relação jurídica que traduziu crédito em seu favor. Demonstrada a existência de nota promissória emitida por um dos herdeiros em favor do autor e que há bem imóvel pendente de partilha, na qual o referido herdeiro poderá ser contemplado, deve prosseguir o processo de sobrepartilha inaugurado pelo credor. Recurso desprovido. (TJMG; APCV 1.0338.13.011719-9/001; 4ª C.Cív.; Relª Desª Ana Paula Caixeta; DJEMG 03/07/2018) 25/19 – AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO DE CONTRATO DE CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E DE MEAÇÃO POR DAÇÃO EM PAGAMENTO CUMULADA COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E DE PERDAS E DANOS. PRESENÇA DOS REQUISITOS DE VALIDADE E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO, NÃO TENDO SIDO COMPROVADOS VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. Cessão de direitos hereditários realizada por instrumento particular em inobservância ao disposto no art. 1.793 do Código Civil, o que obsta a transferência de propriedade, mas se revela suficiente para o reconhecimento da obrigação de fazer assumida pelos réus, bem como comprova a confissão de dívida. Boa-fé contratual que veda o comportamento contraditório. Negócio jurídico realizado com a presença da inventariante e de todos os herdeiros. Réus que, apesar de devidamente notificados, não retiraram o ônus hipotecário e a penhora incidente sobre o imóvel rural. Hipótese de rescisão contratual, fundada no descumprimento de “cláusula resolutiva expressa”. Perdas e danos limitadas ao valor da dívida confessada. Juros corretamente fixados a contar da citação, tratando-se de responsabilidade civil contratual. Sentença que carece de pequeno reparo somente para suprir omissão quanto ao termo inicial da correção monetária que deverá incidir a partir do desembolso da verba. Parcial provimento do recurso do autor e negado provimento ao apelo do réu. (TJRJ; APL 0020185-63.2010.8.19.0209; 13ª C.Cív.; Rel. Des. Mauro Pereira Martins; DORJ 06/08/2018; p. 337) 25/20 – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE DE FILIAÇÃO C/C INVESTIGAÇÃO E CANCELAMENTO DE REGISTRO. Peculiaridades do caso concreto. Inexistência de vínculo afetivo com o pai registral e comprovação do liame com o pai biológico por meio do exame de DNA. Direito personalíssimo ao reconhecimento da paternidade biológica. Entendimento firmado na origem de acordo com a jurisprudência desta Corte. Recurso desprovido. (STJ; REsp 1.664.804; Proc. 2017/0072785-3; MA; Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino; DJE 14/06/2018; p. 4.526) 25/21 – AÇÃO RESCISÓRIA. PROVA NOVA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. CABIMENTO. SEGURO DPVAT. COMPANHEIRO. MEAÇÃO. 1. O reconhecimento de união estável post mortem após o trânsito em julgado do acórdão rescindendo mostra-se como prova nova apta a ensejar a propositura de ação rescisória, nos
176
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
termos art. 966 do CPC. 2. Comprovada a condição de companheira do de cujus, ostentada pela autora na data do óbito, mostra-se presente a legitimidade para pleitear o seguro obrigatório DPVAT, do qual, havendo herdeiros, tocar-lhe-á metade do valor. 3. Ação rescisória julgada procedente. (TJAP; AR 0002097-22.2017.8.03.0000; S.Un.; Rel. Des. Rommel Araújo; DJEAP 01/08/2018; p. 15) 25/22 – ALIMENTOS. FILHA MAIOR DE IDADE. EXONERAÇÃO. CABIMENTO. Com a maioridade civil, passa a ser dever da parte alimentada provar que ainda necessita dos alimentos. Caso em que a autora, com 26 anos de idade atualmente, concluiu o curso superior, já estando, inclusive, inserida no mercado de trabalho. Negaram provimento ao apelo. (TJRS; AC 0158087-20.2018.8.21.7000; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Rui Portanova; DJERS 24/07/2018) 25/23 – ALIMENTOS. Incidência da pensão alimentícia sobre as verbas referentes às horas extras. Possibilidade. Precedentes. Recurso provido. (STJ; REsp 1.683.981; Proc. 2017/0163355-4; SP; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 27/06/2018; p. 4.524) 25/24 – ALIMENTOS. NECESSIDADE. EXECUÇÃO. COMPENSAÇÃO. OUTRAS VERBAS. CARÁTER EXCEPCIONAL. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. NECESSIDADE. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Não se admite a compensação de dívida alimentar fixada judicialmente com alimentos pagos in natura e por mera liberalidade do alimentante. 2. Em casos excepcionais, a regra geral deve ser afastada de forma a evitar o enriquecimento sem causa do credor de alimentos. Precedentes. 3. Hipótese em que o devedor dos alimentos pagou as cotas de condomínio e IPTU de imóvel de sua propriedade e no qual residem gratuitamente os alimentandos, obrigação esta que, segundo a compreensão das instâncias de origem, com base nas provas dos autos, deveria ter sido adimplida pelos ocupantes do bem. 4. No âmbito do recurso especial, é vedado o reexame das provas dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 5. Agravo interno provido. (STJ; AgInt-EDcl-REsp 1.577.110; Proc. 2016/0004255-6; SP; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Conv. Lázaro Guimarães; DJE 01/08/2018; p. 2.130) 25/25 – ALIMENTOS PROVISÓRIOS. EXECUÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS ALIMENTOS. EFEITOS. PRECEDENTES. 1. Os efeitos da sentença proferida em ação de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (Lei nº 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas (EREsp 1.181.119/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Relª p/ o Acórdão Minª Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j. 27.11.2013, DJe 20.06.2014). 2. ������������������������������������ Agravo interno a que se nega provimento. (STJ; AgInt-REsp 1.689.450; Proc. 2017/0189266-5; SP; 4ª T.; Relª Minª Maria Isabel Gallotti; DJE 10/08/2018; p. 1.828) 25/26 – ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NÃO INTEGRAM O PATRIMÔNIO JURÍDICO SUBJETIVO DO ALIMENTANDO, PODENDO SER REVISTOS A QUALQUER TEMPO. REVOGAÇÃO DA DECISÃO QUE FIXOU ALIMENTOS PROVISIONAIS. PRETENSÃO DE RECEBER VERBA, POSTERIORMENTE RECONHECIDA COMO INDEVIDA. INVIABILIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO NO ÂMBITO DO STJ. 1. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento dos EREsp 1.181.119/RJ, ao interpretar o art. 13, § 2º, da Lei nº 5.478/68, concluiu que os alimentos provisórios não integram o patrimônio jurídico subjetivo do alimentando, podendo ser revistos a qualquer tempo, porquanto provimento rebus sic stantibus, já que não produzem coisa julgada material (art. 15 da Lei nº 5.478/68). 2. Com efeito, conforme entendimento sufragado por aquele Colegiado, demonstrado em sede de juízo exauriente, observado o contraditório e a ampla defesa, que a obrigação imposta liminarmente não deve subsistir, fica vedada a cobrança dos denominados alimentos
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
177
provisórios, sob pena de enriquecimento sem causa. 3. “Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (Lei nº 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas (AgRg nos EREsp 1.256.881/SP, Relª Minª Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j. 25.11.2015, DJe 03.12.2015). 4. Recurso especial provido. (STJ; REsp 1.583.608; Proc. 2014/0225547-7; SP; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; DJE 27/06/2018; p. 5.509) 25/27 – ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS. CASAMENTO CELEBRADO SOB A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE COMUNHÃO DE BENS. MODIFICAÇÃO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DE EDITAL. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. REJEITADA. FALTA DE MOTIVAÇÃO PARA ALTERAÇÃO DO REGIME. PEDIDO NEGADO. SENTENÇA MANTIDA. Em consonância com o disposto no § 1º do art. 734 do CPC/2015, em se tratando de alteração de regime de bens, ao receber a inicial, o juiz, além de determinar a intimação do Ministério Público, determinará a publicação de edital para dar publicidade ao ato. Contudo, o próprio CPC/2015 traz previsão para relativizar a regra, dispondo que os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros. Restando demonstrado nos autos que a ausência de publicação de edital não causará prejuízos aos requerentes ou a terceiros, em face do indeferimento do pedido, não deve ser declarada nulidade processual se não houver demonstração de prejuízo às partes ou terceiros (pas de nullité sans grief). É admitida a alteração do regime de bens que rege o casamento, mediante autorização judicial, por pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas, ressalvados direitos de terceiros. Assim, se o pedido de alteração do regime de bens pretendido pelo casal encontra-se ausente de motivação, o desprovimento é a medida que se impõe. Recurso conhecido e não provido. (TJMG; APCV 1.0704.09.137973-2/001; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Gilson Soares Lemes; DJEMG 06/08/2018) 25/28 – ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. DOAÇÃO INOFICIOSA. PRELIMINAR. Cerceamento de defesa em razão do julgamento antes do término do inventário. Desacolhimento. Parte disponível da herança a ser calculada em relação ao patrimônio do de cujus na data da doação e não do óbito. MÉRITO. Anulação do negócio jurídico, com fundamento no direito societário, invocada como plano de fundo. Acolhimento. Herdeira que, embora não integre o quadro societário, possui interesse na anulação de doação feita por seu pai (autor da herança), por refletir diretamente em seu patrimônio. Doação de quotas sociais a pessoas estranhas à sociedade. Necessidade de anuência de sócios que contenham mais de um quarto do capital social (preservação da affectio societatis). Inteligência do art. 1.057 do Código Civil. Doação que, in casu, carece de eficácia, inclusive em relação a terceiros, em razão da não anuência expressa dos demais sócios, bem como da ausência de averbação da pretendida modificação do quadro societário no órgão competente (publicidade). Doação anulada. Recurso provido. (TJSP; APL 0021533-35.2005.8.26.0068; Ac. 11119795; 5ª C.D.Priv.; Rel. Des. Fábio Podestá; DJESP 10/08/2018; p. 1.771) 25/29 – ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. DOAÇÕES RECÍPROCAS. ASCENDENTE E DESCENDENTE. ÔNUS DA PROVA. SIMULAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. VIOLAÇÃO DA LEGÍTIMA. NÃO COMPROVAÇÃO. Nos termos do art. 373 do CPC/2015, incumbe ao autor provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu, os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor. Dispõe o art. 544 do CC/2015 que: “a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”. Contudo, o art. 2.005 do mesmo diploma legal preceitua que “são
178
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado seu valor ao tempo da doação”. Não restando comprovado que a doação efetuada de pai para filho atingiu a legítima, em prejuízo dos demais herdeiros necessários, não há que se falar em anulação do ato jurídico. (TJMG; APCV 1.0476.10.0014689/001; 18ª C.Cív.; Rel. Des. Sérgio André da Fonseca Xavier; DJEMG 09/08/2018) 25/30 – CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. SEPARAÇÃO DE FATO POST MORTEM. INTERRUPÇÃO DO CONVÍVIO CONJUGAL. ÔNUS PROBATÓRIO. PROVA TESTEMUNHAL. VALORAÇÃO DA PROVA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. TESTEMUNHAS REFERENCIAIS. PARTILHA. PARTICIPAÇÃO. IMÓVEL ADQUIRIDO ANTERIORMENTE AO VÍNCULO CONJUGAL. DOAÇÃO. SUB-ROGAÇÃO. BEM INCOMUNICÁVEL. CRÉDITOS DECORRENTES DE VERBAS SALARIAIS. FATO GERADOR E RECLAMAÇÃO JUDICIAL ANTERIORES AO CASAMENTO. EXCLUSÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. 1. A valoração da prova se submete ao princípio da persuasão racional, a partir do qual o julgador possui liberdade para formar o seu convencimento, atribuindo às provas produzidas o peso que entender cabível, considerando os fatos alegados pelas partes. 2. As testemunhas trazidas pela ré/apelante revelam pouco conhecimento a respeito dos acontecimentos, o que decorre, naturalmente, de seu caráter referencial, meramente indiciário, já que, como deixaram claro em seus depoimentos, não tiveram contato direto com os fatos. 2.1. Uma vez constatado que as testemunhas dos autores/ apelados demonstram maior conhecimento e guardam maior proximidade com os eventos, a sua percepção e, consequentemente, a sua versão se revelam mais verossímeis e, portanto, merecem ser valoradas com maior peso. 3. Assim, considerando as provas produzidas, não há como reconhecer a ocorrência de outro efeito jurídico senão aquele que restou declarado pelo d. Julgador monocrático de primeiro grau, no sentido de que a ré/apelante e o de cujus encontravam-se separados de fato há mais de um ano quando da data do falecimento. 4. O art. 1.659, inciso I, do Código Civil, não autoriza a comunicação de bens adquiridos mediante doação e os sub-rogados em seu lugar, tampouco daqueles integrados à esfera patrimonial do consorte falecido anteriormente ao casamento regido por comunhão parcial. 5. O art. 1.659, inciso VI, do Código Civil, não autoriza a comunicação de proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge sob o regime da comunhão parcial, mormente quando o seu fato gerador e a sua reclamação judicial dizem respeito a períodos anteriores ao casamento. 6. Recurso conhecido e desprovido. (TJDF; APC 2017.01.1.028712-8; Ac. 111.3489; 7ª T.Cív.; Relª Desª Gislene Pinheiro; DJDFTE 07/08/2018) 25/31 – CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. GRAVAME SOBRE A LEGÍTIMA. VIOLAÇÃO AO ART. 165 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE PERÍCIA. LIVRE CONVENCIMENTO. INSTITUIÇÃO DE CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Não se verifica a alegada vulneração do art. 165 do CPC/73, porquanto a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. 2. Em ação movida por herdeiros necessários, que receberam doações em vida do de cujus, visando à redução de disposições testamentárias em prol da viúva para preservação da legítima (CC, art. 1.789), pode o Juízo, visando à formação do livre convencimento, determinar a realização de perícia, para verificação dos valores envolvidos no patrimônio, nas doações e no testamento. Precedentes. 3. Nos termos do art. 1.848 do CC de 2002, para que tenha validade a cláusula testamentária de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima, exige-se do testador a declaração de justa causa à restrição imposta. A verificação da exigência dessa imposição legal demanda a análise do contexto fático-probatório, inviável
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
179
em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 4. Recurso especial não provido. (STJ; REsp 1.598.771; Proc. 2016/0009853-8; SP; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; DJE 01/08/2018; p. 9.740) 25/32 – CUMULAÇÃO DE INVENTÁRIOS. Possibilidade de cumulação de inventário e sobrepartilha de cônjuges falecidos, sendo os mesmos o bem a ser partilhados e os herdeiros. Aplicação do princípio da economia processual. Dependência entre as partilhas. Recurso provido. (TJSP; AI 2150431-85.2018.8.26.0000; Ac. 11684990; 4ª C.D.Priv.; Rel. Des. Alcides Leopoldo; DJESP 09/08/2018; p. 1.561) 25/33 – DÚVIDA. REGISTRO DE IMÓVEL. DIVÓRCIO CONSENSUAL. PARTILHA DE BENS AMIGÁVEL. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE PAGAMENTO/DESONERAÇÃO DE ITCD. NECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO. 1. Ainda que a partilha tenha sido realizada amigavelmente, em divórcio consensual, para o registro do formal é necessária à apresentação da Certidão de Pagamento ou Desoneração do ITCD, conforme previsto no art. 18 da Lei nº 14.941/03 e no art. 33 do Decreto nº 43.981/05. (TJMG; APCV 1.0232.17.000145-6/001; 3ª C.Cív.; Rel. Des. Jair Varão; DJEMG 10/07/2018) 25/34 – EX-CÔNJUGE DE MILITAR FALECIDO. ALIMENTOS IN NATURA. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE AFASTADA. AUSÊNCIA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. REVISÃO DO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. 1. A dependência econômica da recorrente ao ex-marido foi afastada pelo Tribunal de origem, o qual assentou que “a manutenção do vínculo da apelante com o Fusex, mas sob as expensas daquele (...) só obrigava o ex-marido; não compelia diretamente o Fusex, porque não se pode opor ao Exército – de forma autônoma – obrigação existente apenas entre a autora e seu exesposo, já falecido”. 2. É certo que o compromisso do falecido militar de custear o plano de saúde da ex-esposa não vincula o Fusex. Ao lado disso, tem-se que o termo “pensão alimentícia” somente diz respeito à prestação em pecúnia. Tanto o Código Civil de 1916 como o de 2002 empregam o termo “alimentos” para se referirem à subsistência a ser provida por quem de direito. 3. Alimentos podem ser próprios e impróprios. Os primeiros são pagos em espécie, em utilidades, ao passo que os segundos são pagos mediante “pensão”, termo utilizado no art. 50, § 2º, VIII, da Lei nº 6.880/80. Desse modo, como regra, apenas a prestação pecuniária qualifica a ex-cônjuge como dependente e a argumentação recursal não comprova ser a hipótese sob exame uma exceção à regra. 4. Analisar a fundo os autos em que foi realizado o divórcio demanda revisão do conjunto probatório dos autos para afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido. Aplica-se, portanto, o óbice da Súmula nº 7/STJ. 5. Recurso especial não provido. (STJ; REsp 1.725.556; Proc. 2018/0039693-1; RS; 2ª T.; Rel. Min. Herman Benjamin; DJE 02/08/2018; p. 6.368) 25/35 – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. 1. É pacífica a jurisprudência do STJ reconhecendo a possibilidade da inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de inadimplentes. 2. Recurso especial provido. (STJ; REsp 1.503.631; Proc. 2014/0305097-3; SP; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; DJE 19/06/2018; p. 5.639) 25/36 – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. JUÍZO COMPETENTE. ESTATUTO DO IDOSO. INAPLICABILIDADE EM FACE DA PREJUDICIALIDADE IN REVERSO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL. FORO DO DOMICÍLIO DO ALIMENTANDO. ART. 100, II, DO CPC/73. RELATIVA. POSSIBILIDADE. REGRA DO ART. 575, II E ART. 475-P, II E PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DO CPC. FACULDADE DO CREDOR. 1. Em juízo de ponderação, considerando-se a melhor proteção aos interesses da
180
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
pessoa idosa (89 anos), a prestação jurisdicional célere deve ater-se não somente às normas que regem o tema em apreço, mas sobretudo, os princípios que a albergam, especialmente o da proteção integral disposta no seu Estatuto (Lei nº 10.741/03). Aplicar esta norma, no caso concreto, implicará em dano in reverso, contrapondo-se ao intuito da norma. 2. Aplicável as disposições contidas no CPC de 1973, porquanto a competência se estabeleceu sob sua égide. Em se tratando de obrigação alimentícia, descumprida esta, faculta-se ao alimentando (credor) ajuizar a execução: a) no juízo em que a sentença exequenda foi proferida (CPC, art. 575, II, e art. 475-P, II); b) no juízo do local onde se encontram bens do devedor sujeitos à expropriação (CPC, art. 475-P, parágrafo único, 1ª parte); c) no juízo do atual domicílio do executado (CPC, art. 475-P, parágrafo único, 2ª parte); ou ainda d) no foro do domicílio ou residência do alimentando (CPC, art. 100, II), este último dispõe de uma regra de competência relativa, que pode ser renunciada pelo alimentando se, no particular, lhe for mais conveniente ajuizar a ação em local diverso. 3. In casu, embora a agravante pudesse ajuizar a ação de execução de alimentos no foro do seu domicílio, com título constituído em outro juízo, optou por abdicar desta prerrogativa para tramitação no domicílio do devedor. Melhor se revela para, não só o cumprimento das ordens judiciais, uma vez que o patrimônio deste se encontra na Comarca de Cruzeiro do Sul, mas sobretudo pelo fato de que uma vez deslocada a competência para a Comarca do Rio de Janeiro, o princípio da celeridade processual será obstado pelas inúmeras cartas precatórias que serão expedidas para comunicação entre os juízos. 4. Provimento do recurso. (TJAC; AI 1002177-23.2017.8.01.0000; Ac. 6.189; 2ª C.Cív.; Rel. Des. Roberto Barros; DJAC 03/08/2018; p. 23) 25/37 – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA PARCELA ALIMENTÍCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado nº 2 do Plenário do STJ: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. 2. Quanto ao termo inicial da obrigação, o Tribunal de origem decidiu em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte no sentido de que, em ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, o termo inicial destes é a data da citação e não da sentença que os concede. 3. Os juros de mora, no caso em voga, incidem a partir do vencimento da parcela alimentícia. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ; AgInt-AREsp 969.725; Proc. 2016/0218077-1; SP; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Conv. Lázaro Guimarães; DJE 29/06/2018; p. 1.589) 25/38 – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. SÚMULA Nº 309/STJ. Pagamento pelo credor de parte do débito correspondente a três prestações vencidas anteriores ao ajuizamento da ação de execução, associado a outras circunstâncias do caso que recomendam o afastamento do decreto de prisão. Reconsideração, em parte, para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial. (STJ; AgInt-AREsp 1.145.247; Proc. 2017/0188415-8; DF; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 10/08/2018; p. 6.237) 25/39 – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. SUSPENSÃO DA CNH E DE CARTÕES DE CRÉDITO DO DEVEDOR/EXECUTADO. O deferimento ou indeferimento de medidas alternativas, como, por exemplo, a medida de suspensão da CNH do devedor/executado, depende do contexto do caso concreto. Precedentes do STJ. No presente caso, foram tentadas diversas medidas, desde a prisão até a constrição de bens, inclusive via Bacen Jud, tudo sem sucesso. Entende-se estar bem demonstrada a situação de excepcionalidade, que justifica a aplicação da medida alternativa de suspensão da CNH do devedor/executado, bem assim de suspensão dos cartões de crédito dele. Precedentes. Deram provimento. (TJRS; AI 016569739.2018.8.21.7000; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Rui Portanova; DJERS 07/08/2018)
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
181
25/40 – EXEQUATUR. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECISUM. PEDIDO DE INTIMAÇÃO. SUPOSTA OFENSA À ORDEM PÚBLICA E À SOBERANIA NACIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A diligência para simples intimação de decisum não constitui ofensa à soberania nacional ou à ordem pública. 2. A parte Interessada foi devidamente intimada, por intermédio de oficial de justiça, de acórdão proferido em ação de divórcio e deixou de apresentar impugnação contra o exequatur. Nesse contexto, não se observa violação da soberania nacional ou da ordem pública, bem como dos princípios da ampla defesa ou do contraditório. 3. Agravo interno desprovido. (STJ; AgInt-CR 10.792; Proc. 2016/0123511-0; EX; C.Esp. Relª Minª Presidente; DJE 07/08/2018; p. 530) 25/41 – EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE CARÁTER ANTECIPATÓRIO QUE REDUZIU PENSIONAMENTO DE 80% PARA 50% DO SALÁRIO MÍNIMO. Indícios de prova do binômio necessidadepossibilidade a autorizar a redução perpetrada. Dilação probatória que oportunizará à alimentanda a prova da necessidade na continuidade aos alimentos. Recurso desprovido. (TJSP; AI 2125723-68.2018.8.26.0000; Ac. 11611424; 6ª C.D.Priv.; Rel. Des. Percival Nogueira; DJESP 10/08/2018; p. 1.779) 25/42 – FALECIMENTO DE HERDEIRO COLATERAL DE QUARTO GRAU NO CURSO DO INVENTÁRIO. Indeferimento da habilitação dos herdeiros do colateral pósmorto da sucessão. Possibilidade de habilitação do espólio. Reforma da decisão. Falecimento de herdeiro colateral no curso do inventário. Pedido de substituição processual deduzido pelos filhos da herdeira falecida. Direito pleiteado que não é o de representação, mas de sucessão, pois desde o óbito da autora da herança, houve a transmissão da herança a favor da mãe da agravante. Sobrevivendo o herdeiro ao autor da herança, os bens desse se incorporam ao patrimônio daquele sucessor. Caso, o referido herdeiro vem a falecer no curso do inventário, o seu quinhão deve ser partilhado entre os seus sucessores. Abertura de inventário da herdeira habilitada pós-morta em Estado da Federação distinto. A tramitação em separado outro inventário em relação aos outros bens da herdeira falecida impossibilita a partilha do quinhão da mesma entre seus sucessores nos próprios autos, bem como a habilitação direta dos herdeiros. Habilitação do espólio na proporção do quinhão da herdeira falecida, a fim de possibilitar a transferência e posterior partilha no inventário autônomo já aberto do quinhão aos sucessores próprios da herdeira. Reforma da decisão. Conhecimento e provimento parcial do recurso. (TJRJ; AI 0073662-02.2017.8.19.0000; 22ª C.Cív.; Rel. Des. Rogerio de Oliveira Souza; DORJ 29/06/2018; p. 521) 25/43 – GUARDA COMPARTILHADA. POSSIBILIDADE. PROTEÇÃO INTEGRAL E MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. 1. O poder familiar é igualmente exercido pelos genitores e decorre da paternidade e filiação e, nos termos do art. 1.579 do Código Civil, mesmo no caso de dissolução da sociedade conjugal contraída entre os genitores, não se modificam os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, devendo ser exercido de forma conjunta entre estes, independentemente da situação conjugal existente. 2. A guarda compartilhada foi recepcionada no art. 1.583 do Código Civil vigente como regra e o seu § 1º a preceitua como a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. 3. A instituição da guarda compartilhada, neste momento, atende aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança. 4. Apelo conhecido e desprovido. (TJDF; APC 2016.07.1.007369-4; Ac. 111.3923; 3ª T.Cív.; Relª Desª Maria de Lourdes Abreu; DJDFTE 09/08/2018) 25/44 – GUARDA E RESPONSABILIDADE. ANIMOSIDADE LATENTE ENTRE OS GENITORES. IMPOSSIBILIDADE DE GUARDA COMPARTILHADA. GUAR-
182
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
DA UNILATERAL. DECISÃO MANTIDA. 1. O magistrado é o destinatário das provas, restando-lhe assegurado que rejeite pedido de produção de provas que reputem inúteis ao deslinde da controvérsia, quando entender suficiente o acervo fático-probatório constante nos autos para decidir, na forma do art. 370 do Código de Processo Civil, ainda mais quando as provas carreadas aos autos são suficientes para a formação de sua convicção. 2. O exercício da guarda de maneira compartilhada pressupõe respeito e boa convivência entre os genitores e, quando inexistentes tais condições, impõe-se o exercício da guarda de forma unilateral, assegurando-se, entretanto, o direito de visitas ao outro genitor (art. 1.589 do Código Civil). 3. Imperando entre os genitores a incapacidade de comunicação e de entendimento, não se faz recomendável o compartilhamento da guarda, haja vista que tal divisão do encargo pressupõe uma relação de colaboração e de confiança, pois é da própria essência do instituto que a rotina dos filhos seja decidida em conjunto por ambos, exigindo, portanto, capacidade de diálogo e de entendimento e, nesse contexto, pode-se concluir que a guarda compartilhada poderá gerar muito mais danos ao menor do que benefícios, militando em desfavor de seus superiores interesses, haja vista a perspectiva de recrudescimento dos desentendimentos entre os genitores, causando impacto negativo na criança. Preliminar rejeitada. Apelação cível desprovida. Maioria qualificada. (TJDF; APC 2016.12.1.005894-5; Ac. 111.4022; 5ª T.Cív.; Rel. p/o Ac. Des. Ângelo Passareli; DJDFTE 09/08/2018) 25/45 – HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ALIMENTANTE/ EXECUTADA DESEMPREGADA E COM GRAVIDEZ DE ALTO RISCO. Caso em que a paciente/executada provou estar desempregada e com gravidez de alto risco. Hipóteses que justificam o inadimplemento alimentar, nos termos do art. 528 do CPC. Ordem de prisão que se revela ilegal. Concederam a ordem. (TJRS; HC 0154744-16.2018.8.21.7000; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Rui Portanova; DJERS 24/07/2018) 25/46 – HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. PENSÃO ALIMENTÍCIA. DÍVIDA PRETÉRITA. ALIMENTANDO MAIOR QUE CONCLUIU O SEGUNDO CURSO SUPERIOR. PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. O decreto de prisão civil, por dívida alimentícia, tem cabimento como condição de exigibilidade do pagamento das três últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da ação executiva e das que vencerem no seu curso (Súmula nº 309/STJ), não se prestando para cobrar, anos depois, o valor integral do débito, por período pretérito, concluído o segundo curso superior pelo alimentando, ausente o caráter de subsistência do crédito que autoriza a custódia extrapenal. Ordem concedida. (TJGO; HC 42913-44.2018.8.09.0000; 2ª C.Crim.; Rel. Des. Luiz Cláudio Veiga Braga; DJEGO 02/07/2018; p. 52) 25/47 – HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL POR ALIMENTOS DEVIDOS A EX-CÔNJUGE. DEVEDOR DESEMPREGADO. CREDORA MAIOR, CAPAZ E RECOLOCADA PROFISSIONALMENTE DESDE O ANO DE 2013. DESNECESSIDADE E INEFICÁCIA DA PRISÃO CIVIL NA HIPÓTESE. AUSÊNCIA DE RISCO DE VIDA À CREDORA. PONDERAÇÃO ENTRE A MÁXIMA EFETIVIDADE DA TUTELA SATISFATIVA E A MENOR ONEROSIDADE DA EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. DÍVIDA INDISCUTIVELMENTE EXISTENTE E SUSCETÍVEL DE EXECUÇÃO SEM A ADOÇÃO DA TÉCNICA DE COERÇÃO PESSOAL. I – O propósito do presente habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de prisão civil do paciente, decretada em decorrência de obrigação alimentar devida a ex-cônjuge, na hipótese em que, de um lado, o devedor está desempregado e, de outro lado, a credora exerce atividade profissional. II – A autorização constitucional e legal para que se utilize a prisão civil como técnica de coerção do devedor de alimentos não significa dizer que se trata de medida de deferimento obrigatório e irrefletido, devendo ser examinado, sempre, as circunstâncias que permeiam a hipótese em juízo de pon-
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
183
deração entre a máxima efetividade da tutela satisfativa e a menor onerosidade da execução. III – Na hipótese, além de o devedor estar comprovadamente desempregado, consignou-se que a credora não está em situação de risco iminente de vida, pois é pessoa maior, capaz e que se recolocou profissionalmente no ano de 2013, de modo que, nesse contexto específico, os alimentos, indiscutivelmente devidos até que haja a eventual exoneração por sentença, deverão ser executados sem a possibilidade de decretação da prisão civil, podendo o juízo de 1º grau, inclusive, valer-se de outras medidas típicas e atípicas de coerção ou sub-rogação, como autoriza o art. 139, IV, do CPC/2015. IV – Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida. (STJ; HC 422.699; Proc. 2017/0281330-7; SP; 3ª T.; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 29/06/2018; p. 1.248) 25/48 – HABEAS CORPUS CÍVEL. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO VISITANTE. PACIENTE GENITOR DE FILHA BRASILEIRA DE TENRA IDADE. DEPENDÊNCIA SOCIOAFETIVA COMPROVADA. INVIABILIDADE DA EXPULSÃO. APLICAÇÃO DO ART. 55, II, A, DA NOVA LEI DE MIGRAÇÃO (LEI Nº 13.445/2017). PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA NO ATENDIMENTO DOS DIREITOS E INTERESSES DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL (ART. 1º DO ECA). CONCESSÃO DO REMÉDIO HERÓICO. 1. Não se viabiliza a expulsão de estrangeiro visitante ou migrante do território nacional quando comprovado tratar-se de pai de criança brasileira, que se encontre sob sua dependência socioafetiva (art. 55, II, a, da Lei nº 13.445/2017). 2. O princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos e interesses da criança e do adolescente, em cujo rol se inscreve o direito à convivência familiar (art. 227 da CF), direciona, in casu, para solução que privilegie a permanência do genitor em território brasileiro, em harmonia, também, com a doutrina da proteção integral (art. 1º do ECA). 3. Habeas corpus concedido, com a consequente revogação da portaria de expulsão. (STJ; HC 420.022; Proc. 2017/0262538-2; SP; 1ª S.; Rel. Min. Sérgio Kukina; DJE 27/06/2018; p. 916) 25/49 – HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA PROFERIDA NA ESPANHA. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. CITAÇÃO VÁLIDA. DECRETAÇÃO REGULAR DA REVELIA PELA JUSTIÇA ESTRANGEIRA. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. A homologação da sentença alienígena demanda o preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 216-C e 216-D do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, quais sejam: I – Estar instruída com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda, bem como de outros documentos indispensáveis, traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira competente; II – Haver sido proferida por autoridade competente; III – Terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; IV – Ter transitado em julgado. Outrossim, exige o art. 216-F do RISTJ que a sentença estrangeira não ofenda a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana nem a ordem pública. 2. No caso, a sentença estrangeira foi proferida pela autoridade competente, transitou em julgado, está autenticada pelo cônsul brasileiro e foi traduzida por tradutor juramentado no Brasil, não ofendendo a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana nem a ordem pública. Pressupostos formais preenchidos. 3. Homologação da sentença estrangeira deferida. (STJ; SEC 12.728; Proc. 2014/0264403-6; GB; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; DJE 29/06/2018; p. 2.359) 25/50 – INTERDIÇÃO. ABRANGÊNCIA DOS EFEITOS. Nos termos do art. 85 da Lei nº 13.146/2015, a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Trata-se de limitação material à curatela, assegurando direitos mínimos ao curatelado, resguardados pela legislação de regência, sobre os quais não poderá haver interferência, com vistas à preservação, na maior
184
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
medida possível, das questões pessoais do protegido. Nesse passo, não se mostra possível o atendimento da pretensão recursal, para que a interdição alcance todos os atos da vida civil, devendo ser mantida a sentença apelada. Negaram provimento ao apelo. (TJRS; AC 017120478.2018.8.21.7000; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Rui Portanova; DJERS 09/08/2018) 25/51 – INVENTÁRIO. DECISÃO AGRAVADA DETERMINOU QUE A BASE DE CÁLCULO DO ITCMD DEVE CORRESPONDER AO VALOR VENAL DO IMÓVEL RURAL. Inconformismo. Descabimento. ITCMD. Base de cálculo deve corresponder ao valor venal do imóvel na data de abertura da sucessão, fato gerador do tributo. Precedentes desta c. Corte. Decisão mantida. Agravo improvido. (TJSP; AI 2080046-15.2018.8.26.0000; Ac. 11683998; 8ª C.D.Priv.; Rel. Des. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho; DJESP 08/08/2018; p. 2.101) 25/52 – INVENTÁRIO. EX-CÔNJUGE. VIÚVA. HERANÇA DA SOGRA. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO RESTRITO AOS DESCENDENTES. EXTINÇÃO DO MATRIMÔNIO COM A MORTE DO HERDEIRO PRÉ-MORTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.851, I, DO CCB/02. I – O direito sucessório possibilita que os descendentes do herdeiro pré-morto, exercendo direito de representação, se habilitem e recebam a quota-parte que o falecido receberia se vivo estivesse. II – O direito de representação é legalmente garantido apenas aos descendentes, sendo inviável conferir-lhe interpretação extensiva para contemplar a possibilidade do(a) viúvo(a) representar o cônjuge falecido. Além disso, extinguindo-se a sociedade conjugal com a morte de um dos cônjuges, injustificável seria atribuir-se ao(à) viúvo(a) o direito de representação no que tange à herança de sua sogra. (TJMG; AGIN 1.0151.16.001109-5/001; 7ª C.Cív.; Rel. Des. Peixoto Henriques; DJEMG 12/06/2018) 25/53 – INVENTÁRIO. HABILITAÇÃO DE CÔNJUGE SUPÉRSTITE. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. ART. 1.838 DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. Não há impeditivo legal a obstar a habilitação do cônjuge sobrevivente no inventário dos bens deixados pelo seu falecido consorte, ainda que casados sob o regime de separação convencional. 2. Segundo o art. 1.838 do Código Civil, na falta de descendentes, será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente em concorrência com os ascendentes, independentemente do regime de bens. 3. Recurso não provido. (TJMG; AGIN 1.0395.17.001957-8/001; 5ª C.Cív.; Relª Desª Áurea Brasil; DJEMG 31/07/2018) 25/54 – INVENTÁRIO. INTERESSE DE PESSOA INTERDITADA. Alvará para alienação de imóvel integrante do acervo hereditário que havia sido concedido desde que respeitadas duas condições: valor mínimo de R$ 942.000,00 e depósito judicial de R$ 471.000,00 (meação do interditado). Descumprimento. Imóvel alienado por quase a metade do valor mínimo e depósito não realizado. Matrícula bloqueada. Imóvel adquirido com o produto da alienação do anterior. Pedido de alvará para registro da nova escritura pública. Indeferimento. Violação ao art. 619, I, do CPC. Suspeita de lesão aos interesses do interditado. Necessidade de prestação de contas relativa ao exercício da curatela. Incompetência do juízo do inventário. Decisão mantida. Recurso improvido. (TJSP; AI 2146460-29.2017.8.26.0000; Ac. 11671586; 4ª C.D.Priv.; Rel. Des. Hamid Bdine; DJESP 09/08/2018; p. 1.560) 25/55 – INVENTÁRIO. Os credores habilitados ao inventário se sub-rogam nos direitos do herdeiro executado, nos termos do art. 394 do Código Civil, podendo impugnar de forma fundada o plano de partilha formalizado com o consenso dos herdeiros. No caso de cumulação de inventários, respaldada na identidade das pessoas entre as quais devem ser repartidos os bens, a partilha deve considerar todo o acervo, não se exigindo que todos os herdeiros recebam um quinhão correspondente a cada um dos bens, desde que se preserve a igualdade
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
185
na divisão. A partilha deve, tanto quanto possível, resultar na extinção do condomínio, para evitar litígios futuros, e além desse critério, observar a máxima igualdade quanto ao valor, natureza e qualidade dos bens e a máxima comodidade dos coerdeiros, nos termos do art. 648 do CPC. Composto o acervo por três imóveis, a divisão que confere uma quota maior do imóvel urbano para os credores, pessoas estranhas às relações familiares, e a herdeira incapaz, e, ao mesmo tempo, divide o imóvel rural apenas entre os demais herdeiros, observando o valor de avaliação de cada imóvel, preservando a igualdade na divisão, atende aos critérios legais e não enseja prejuízo aos apelantes. Recurso não provido. (TJMG; APCV 1.0439.12.000103-7/001; 1ª C.Cív.; Rel. Des. Armando Freire; DJEMG 09/08/2018) 25/56 – INVENTÁRIO. PAGAMENTO DE ITCD. RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR OU CÔNJUGE MEEIRO, LIMITADA AO MONTANTE DO QUINHÃO. A Lei Estadual nº 8.821/89, estabelece que o contribuinte do ITCD nas transmissões causa mortis é o beneficiário ou recebedor do bem ou direito transmitido. Descabe bloquear valores nas contas que foram deixados em legado para a inventariante, visto que cada herdeiro é responsável pelo pagamento do imposto de transmissão na proporção de seu quinhão. Agravo de instrumento provido. Unânime. (TJRS; AI 0282383-51.2017.8.21.7000; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Ivan Leomar Bruxel; DJERS 07/08/2018) 25/57 – INVENTÁRIO. PARTILHA. MEEIRA. QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO ANTERIOR AO ÓBITO. TRANSFERÊNCIA DE COTAS SOCIETÁRIAS. AÇÃO ANULATÓRIA. 1. Questões de alta indagação são as que demandam a produção de provas que não estão nos autos do inventário, e, por exigirem ampla cognição para serem apuradas e solucionadas, devem ser decididas em ação própria, nas vias ordinárias (CPC/73, art. 984 e CPC/2015, art. 612). Precedentes. 2. Os sucessores e o meeiro não são terceiros interessados em relação aos negócios jurídicos celebrados pelo inventariado; recebem eles o patrimônio (ativo e passivo) nas condições existentes na data do óbito. 3. As cotas societárias transferidas antes da data do óbito não integram o patrimônio a ser partilhado no inventário, sendo irrelevante, em relação aos sucessores do falecido, a circunstância de o registro do negócio jurídico na junta comercial ter ocorrido após o óbito. O registro é necessário apenas para a produção de efeitos da alteração societária em face da própria sociedade e de terceiros. 4. A verificação de existência de eventuais vícios no contrato de compra e venda das cotas societárias, sob o argumento de que teria a finalidade de beneficiar o filho do de cujus, deverá ser precedida de ampla instrução probatória, configurando, pois, questão de alta indagação a ser decidida pelas vias ordinárias, no caso, em ação que já se encontra em tramitação. 5. Agravo interno provido. Recurso especial parcialmente provido. (STJ; AgInt-REsp 1.359.060; Proc. 2012/0265037-3; RJ; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Conv. Lázaro Guimarães; DJE 01/08/2018; p. 2.116) 25/58 – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA. EXAME DE DNA NÃO REALIZADO. COISA JULGADA. RELATIVIZAÇÃO. AÇÃO DE ESTADO. PREVALÊNCIA DA VERDADE REAL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Deve-se dar prevalência ao princípio da verdade real, nas ações de estado, como as de filiação, admitindo-se a relativização da coisa julgada, quando na demanda anterior não foi possível a realização do exame de DNA. 2. O Poder Judiciário não pode, sob a justificativa de impedir ofensa à coisa julgada, desconsiderar os avanços técnico-científicos inerentes à sociedade moderna, os quais possibilitam, por meio de exame genético, o conhecimento da verdade real, delineando, praticamente sem margem de erro, o estado de filiação ou parentesco de uma pessoa. 3. Agravo interno não provido. (STJ; AgInt-REsp 1.414.222; Proc. 2013/0352142-4; SC; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Conv. Lázaro Guimarães; DJE 29/06/2018; p. 1.879)
186
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
25/59 – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE EXAME DE DNA IMPUTANDO A PATERNIDADE AO AGRAVANTE. PRESENÇA DA VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DO ALIMENTANTE. 1. Embora a prova inconteste da paternidade seja essencial para o julgamento de procedência dos pedidos contidos na ação de investigação de paternidade e fixação dos alimentos definitivos, considero que, para ocorrer a estipulação da prestação alimentícia provisória é suficiente a probabilidade do direito alegado, que, no caso concreto, é observada pela juntada de exame de DNA que revela o vínculo de filiação. Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime. (TJAL; AI 0801047-18.2018.8.02.0000; 1ª C.Cív.; Rel. Des. Fernando Tourinho de Omena Souza; DJAL 02/08/2018; p. 42) 25/60 – MODIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO DO PATRONÍMICO DA GENITORA, MODIFICADO APÓS O CASAMENTO, NO REGISTRO DE NASCIMENTO. É cediço que a regra geral é a da imutabilidade dos dados constantes do registro civil, pois expressam a situação real do momento em que é lavrado o respectivo assento de nascimento, garantindo, assim, a segurança dos atos. O art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.560/92 assegura o direito de alteração do patronímico materno no termo de nascimento do filho, em razão do casamento. Pretensão que deve ser acolhida. Recurso a que se dá provimento para determinar a retificação no registro de nascimento da requerente, para que passe a constar o nome de casada de sua genitora. (TJRJ; APL 0058436-25.2016.8.19.0021; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Augusto Alves Moreira Junior; DORJ 09/08/2018; p. 228) 25/61 – OFERTA DE ALIMENTOS. Decisão agravada que majorou a verba alimentar provisória para 24% da remuneração do recorrente (12% para cada agravado). Insurgência do alimentante. Admissibilidade. Preliminar de ausência de interesse recursal destacada pelo Ministério Público. Inacolhimento. Inconformismo do recorrente quanto à base de cálculo fixada na decisão a quo. Pretensão de que os alimentos sejam fixados sobre o salário-base e não sobre o total dos rendimentos. Binômio necessidade-utilidade evidenciado. Prefacial afastada. Mérito. Pleito de redução em consequência da incidência apenas sobre o salário-base. Insubsistência. Alimentos que devem incidir sobre o total dos rendimentos, subtraídos apenas os descontos oficiais. Precedentes neste sentido. Incapacidade econômica para suportar o encargo alimentar não comprovada. Necessidades dos alimentandos presumidas em razão da menoridade. Obrigação alimentar destinada a outra filha no patamar de 12% dos rendimentos, deduzidos apenas os descontos obrigatórios. Percentual que se encontra em consonância com o princípio da igualdade entre os filhos. Observância do binômio necessidade-possibilidade que, no caso concreto, evidencia o acerto da decisão agravada. Decisão em caráter provisório. Possibilidade de modificação do quantum alimentar no curso do processo. Recurso desprovido. (TJSC; AI 4001763-95.2018.8.24.0000; 6ª C.D.Civ.; Rel. Des. André Luiz Dacol; DJSC 08/08/2018; p. 207) 25/62 – PARTILHA. A partilha dos bens do de cujus ocorre após a quitação das dívidas e encargos, consoante estabelecido em lei. Constitui matéria de fundo do processo de inventário a destinação a ser dada aos bens inventariados, razão pela qual o pedido de simples expedição de alvará para cessão de quotas societárias, na proporção de 50% para cada uma das partes (meeira e herdeira) não pode ser atendido. Recurso a que se nega provimento. (TJMG; AGIN 1.0223.04.149211-5/002; 1ª C.Cív.; Rel. Des. Armando Freire; DJEMG 09/08/2018) 25/63 – PENSÃO. MENOR. DECISÃO ESTRANGEIRA QUE JULGOU OBJETO DIVERSO DE HAVIDO NO ACORDO JUDICIAL BRASILEIRO. AUSÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA. POSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO. PRECEDENTE. 1. Pedido de homologação de decisão estrangeira que, em 2015, reconheceu a existência de uma dívida do requerido, em razão do descumprimento de obrigações parentais. É alegada
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
187
a impossibilidade de homologação em razão da potencial violação à soberania. 2. Todos os requisitos formais para homologação do título judicial estrangeiro estão presentes; apenas se debate se a sua homologação esbarraria, ou não, na potencial violação à soberania nacional, pois existe um acordo judicial firmado, em 2016, pelas partes, no Brasil, sobre o pagamento de pensão mensal ao menor. 3. O título judicial português somente fixou a dívida do requerido pelo inadimplemento do pagamento da pensão mensal nos meses de outubro de 2013 até o mês de setembro de 2015 (fls. 13-22), ao passo que o acordo judicial brasileiro nada tratou de tal período, somente se referindo ao pagamento de pensão para os meses de abril de 2016 em diante (fls. 72-74). 4. Não há que se falar em violação à soberania se os títulos judiciais possuem objetos diversos e não conflitantes, como já foi firmado pela Corte Especial do STJ: “(...) A jurisprudência mais recente desta Corte é orientada no sentido de que a existência de decisão no Judiciário brasileiro acerca de guarda e alimentos, ainda que após o trânsito em julgado da sentença estrangeira, impede a sua homologação na parte em que versa sobre os mesmos temas, sob pena de ofensa aos princípios da ordem pública e soberania nacional (...) Pedido de homologação deferido em parte, no que concerne ao divórcio (...)” (SEC 6.485/ EX, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 23.09.2014). Pedido de homologação deferido. (STJ; HDE 342; Proc. 2017/0038547-5; EX; C.Esp.; Rel. Min. Humberto Martins; DJE 29/06/2018; p. 794) 25/64 – PENSÃO POR MORTE. CREDORA DE ALIMENTOS. Pagamento da integralidade da pensão. Revisão administrativa. Restabelecimento do pagamento integral de pensão por morte. Aplicação da lei vigente ao tempo do óbito. Inteligência do art. 17, § 1º, da Lei Estadual nº 5.260/08. Pensão que deve ser paga no percentual da cota alimentícia. Alegação de manutenção da sociedade conjugal que não subsiste diante das provas dos autos. O fato gerador do benefício previdenciário é o óbito do segurado, ocorrido em 2014, impondo-se o preenchimento dos requisitos legais vigentes à data do falecimento. Subsunção ao princípio do “tempo rege o ato”. Ainda que, na data do óbito, o segurado ostentasse o estado de casado, mediante certidão acostada aos autos, não restou provada a vida em comum entre alimentante e alimentanda ao tempo de seu passamento, tendo sido firmado acordo de alimentos entre ambos. Separação de fato hábil a gerar o rompimento do vínculo previdenciário do cônjuge dependente em relação ao segurado, apenas sendo paga a prestação de alimentos por exceção legal (art. 17, § 1º, da Lei Estadual nº 5.260/08). Direito à percepção de pensão na integralidade inexistente. Sentença que se mantém. Conhecimento e desprovimento do recurso. (TJRJ; APL 023338384.2017.8.19.0001; 22ª C.Cív.; Rel. Des. Rogerio de Oliveira Souza; DORJ 10/08/2018; p. 533) 25/65 – PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. CABIMENTO CONTRA DECISÃO UNIPESSOAL QUE MANTEVE A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 691/STF. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. QUESTÃO QUE NÃO SE RELACIONA DIRETAMENTE COM A LEGALIDADE DO DECRETO PRISIONAL POR DÍVIDA. POSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE DETERMINAÇÃO DE MEDIDAS DE URGÊNCIA POR JUÍZO INCOMPETENTE. MANIFESTO DESCABIMENTO DO WRIT. 1. Restabelecida a prisão civil do paciente em grau recursal, caberá a interposição do respectivo recurso, devendo-se aguardar o julgamento de mérito daquela impugnação, a fim de que seja exaurida a jurisdição no grau antecedente antes de impetrar habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça. Inteligência da Súmula nº 691/STF. 2. O reconhecimento de incompetência do juízo, posteriormente reconsiderado em decisão fundamentada em que, ademais, decretou-se a prisão civil do devedor de alimentos não é manifestamente ilegal ou teratológica, sobretudo porque é possível o deferimento de medidas de urgência ou acautelatórias até mesmo por juízo incompetente. 3. Habeas corpus liminarmente indeferido. (STJ; HC 461362; Proc. 2018/0188271-3; SP; Relª Minª Nancy Andrighi; DJE 06/08/2018; p. 10.303)
188
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Ementário
25/66 – PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS. EXCEPCIONALIDADE. DESEMPREGO, DOENÇA GRAVE E TRATAMENTO FORA DE DOMICÍLIO. IMPOSSIBILIDADE TEMPORÁRIA DE PAGAMENTO PELO DEVEDOR. CONCESSÃO. 1. É certo que o simples fato de o paciente apontar impossibilidade de cumprir com sua obrigação de prestar alimentos em decorrência de desemprego não o exime de cumprir com os valores devidos decorrentes do débito alimentício. Da mesma forma, o fato de a alimentanda ser maior de idade e não cursar faculdade não exonera, de imediato, o devedor de sua obrigação, tampouco suspende o decreto prisional, porquanto tais questões fáticas serão objeto da ação de exoneração de pensão alimentícia. 2. Contudo, ante as particularidades da causa, atesta-se a impossibilidade temporária de cumprimento do débito alimentar pelo paciente, em face do desemprego, acometimento de moléstia grave (câncer de próstata), negativa de aposentadoria pelo INSS e o tratamento da doença fora do domicílio, o que afasta, momentaneamente, a possibilidade de prisão. 3. Precedentes do STJ e TJAP. 4. Ordem concedida. (TJAP; HC 0000505-06.2018.8.03.0000; S.Un.; Rel. Juiz Conv. Eduardo Contreras; DJEAP 18/07/2018; p. 11) 25/67 – RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. CONTRATOS DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. DIREITOS PARTILHÁVEIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. Aplicam-se às relações patrimoniais entre os ex-conviventes o regime da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.725 do Código Civil. Comprovada a celebração de contratos de promessa de compra e venda de imóveis pelo ex-companheiro na constância da união estável, é assente na jurisprudência que os direitos incidentes sobre esses contratos integram o acervo partilhável. Ex-companheiro que não se desincumbiu do ônus da prova do distrato. (TJBA; AP 0506015-22.2014.8.05.0001; 3ª C.Cív.; Rel. Des. Moacyr Montenegro Souto; DJBA 20/07/2018; p. 636) 25/68 – REVISÃO DE ALIMENTOS. Filho maior cursando faculdade. Observância do binômio necessidade/possibilidade. Majoração. Cabimento. Sentença reformada. Apelo provido. (TJBA; AP 0809896-51.2015.8.05.0080; 4ª C.Cív.; Relª Desª Cynthia Maria Pina Resende; DJBA 27/07/2018; p. 535) 25/69 – REVISÃO DE ALIMENTOS. Sentença que julgou procedente o pedido, ao fundamento da existência de mudança na capacidade econômica do alimentante em face do nascimento de novo filho. A redução dos alimentos justifica-se quando comprovada alteração no binômio necessidade x possibilidade. Embora mantidos os ganhos do alimentante, que é assalariado, em relação à época da fixação revisanda, com o nascimento de novo filho, mister se faz sopesar a pensão alimentícia precedente, sob pena de penalizar-se, injustamente, o novo filho. Necessária a redução do percentual de 20% para 10% dos rendimentos líquidos, a fim de adequar os alimentos ao binômio necessidade x possibilidade. Recurso improvido. (TJBA; AP 0300485-08.2013.8.05.0146; 3ª C.Cív.; Rel. Des. José Cícero Landin Neto; DJBA 03/08/2018; p. 525) 25/70 – SEPARAÇÃO JUDICIAL. SOBREPARTILHA. TESE DE INCOMUNICABILIDADE DOS VALORES INVESTIDOS EM PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA. PROCEDÊNCIA. PRECEDENTE DESTA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. De fato, esta Corte pacificou entendimento de que “o art. 1.659, VII, do CC/02 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da previdência complementar fechada” (REsp 1.477.937/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 27.04.2017, DJe 20.06.2017). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ; AgInt-AREsp 1.205.416; Proc. 2017/0271028-0; SP; 3ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 22/06/2018; p. 692)
Ementário – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
189
25/71 – SOBREPARTILHA DE BENS. PROCESSO DE INVENTÁRIO. SUSPENSÃO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. BENS PROVENIENTES DE SUCESSÃO. BENS NÃO PARTILHÁVEIS. Conforme disposto nos arts. 1.658 e 1.659, do Código Civil, no regime da comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal na constância do matrimônio, excluindo-se aqueles que cada cônjuge possuía antes do casamento, os provenientes de doação ou sucessão, além daqueles adquiridos mediante subrogação. Considerando que os bens discutidos no processo sobrevêm de herança dos genitores do de cujus, os quais são excluídos de eventual partilha em favor da companheira, não há razão para que se suspenda o curso do processo de inventário. (TJMG; AGIN 1.0672.05.1778229/001; 8ª C.Cív.; Rel. Des. Paulo Balbino; DJEMG 10/07/2018) 25/72 – UNIÃO ESTÁVEL. AQUISIÇÃO ONEROSA DE BENS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE ESFORÇO COMUM. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior já proclamou que, após a edição da Lei nº 9.278/96, vigente o regime da comunhão parcial na união estável, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da convivência são resultado do esforço comum dos conviventes. 2. Recurso especial não provido. (STJ; REsp 1.605.102; Proc. 2016/0132076-3; MG; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; DJE 27/06/2018; p. 5.513)
Í n d i c e A lf a b é t i c o - R e m i s s i v o A A PERDA DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PELO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE DEVIDO AO NÃO EXERCÍCIO DO DIREITO ATRAVÉS DE AÇÃO DECLARATÓRIA - Artigo de Vitor Hugo de Melo e Aline Lampert Rocha Pagliosa........................................ 58 A TRANSIÇÃO DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DOS TRANSEXUAIS DE ANTES PARA APÓS OPERAÇÃO DE MUDANÇA DE SEXO - Artigo de Mateus Turíbio de Moura e Vinicius Pinheiro Marques................................... 26 A USUCAPIÃO FAMILIAR - Artigo de Carolina Curvelo da Luz Batista e Durval Salge Junior........................................ 81 ABANDONO MATERIAL E AFETIVO - Ausência do pai. Responsabilidade civil. Dano moral. Descabimento. TJRS (Em. 25/1)................................................................ 169 AÇÃO ANULATÓRIA - Casamento. Pessoa com deficiência mental. Capacidade para casar. Peculiaridade do caso. Casamento realizado antes da vigência da Lei 13.146/2015. Ausência de aptidão para exprimir vontade de forma livre e crítica sobre o ato de casar. Nulidade. TJDF (Em. 25/6)..... 170 - Doação inoficiosa. Herdeira que, embora não integre o quadro societário, possui interesse na anulação de doação feita por seu pai (autor da herança), por refletir diretamente em seu patrimônio. Doação de quotas sociais a pessoas estranhas à sociedade. Necessidade de anuência de sócios que contenham mais de um quarto do capital social (preservação da affectio societatis). Inteligência do art. 1.057 do CC. TJSP (Em. 25/28).............................. 177 - Doações recíprocas. Ascendente e descendente. Ônus da prova. Simulação. Não demonstração. Violação da legítima. Não comprovação. TJMG (Em. 25/29)................ 177 - Escritura pública de inventário e partilha. Procedência. Exclusão de filha adotiva na divisão do montante. Pretensão da parte ré de anulação de registro de adoção. Impossibilidade. Inexistência de vícios de vontade. Questão acobertada pela coisa julgada. STJ (Em. 25/7)....................................................... 171
AÇÃO DE SONEGADOS - Cumulada com sobrepartilha. Legitimidade ativa. Herdeiros e credores da herança. Demonstrada a existência de nota promissória emitida por um dos herdeiros em favor do autor e que há bem imóvel pendente de partilha, na qual o referido herdeiro poderá ser contemplado, deve prosseguir o processo de sobrepartilha inaugurado pelo credor. TJMG (Em. 25/18)..................................................... 175 AÇÃO RESCISÓRIA - Prova nova. Reconhecimento de união estável post mortem. Cabimento. Seguro DPVAT. Companheiro. Meação. TJAP (Em. 25/21).. 175 AÇÃO REVISIONAL - Alimentos. Concessão de tutela de urgência de caráter antecipatório que reduziu pensionamento de 80% para 50% do salário mínimo. Indícios de prova do binômio necessidadepossibilidade a autorizar a redução perpetrada. Dilação probatória que oportunizará à alimentanda a prova da necessidade na continuidade aos alimentos. TJSP (Em. 25/41).. 181 - Alimentos. Filho maior cursando faculdade. Observância do binômio necessidade/possibilidade. Majoração. Cabimento. TJBA (Em. 25/68).............................................................. 188 - Alimentos. Nascimento de novo filho. Necessária a redução do percentual de 20% para 10% dos rendimentos líquidos, a fim de adequar os alimentos ao binômio necessidade x possibilidade. TJBA (Em. 25/69)................ 188 - Alimentos. Pensão devida ao filho maior, porém, regularmente matriculado em curso de ensino superior. Alegação de impossibilidade de arcar com os alimentos devido à constituição de uma nova família pelo alimentante. Prestação alimentar que deve ser mantida, porém, reduzida ao percentual de 10% sobre os rendimentos do alimentante até a conclusão do curso superior. TJAL (Em. 25/14).............................................................. 174 ACUMULAÇÃO DE INVENTÁRIOS - Possibilidade de cumulação de inventário e sobrepartilha de cônjuges falecidos, sendo os mesmos o bem a ser partilhados e os herdeiros. Aplicação do princípio da economia processual. Dependência entre as partilhas. TJSP (Em. 25/32)........................................... 179
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
ADOÇÃO - Pessoa maior. Desnecessidade de intimação do pai biológico. Multiparentalidade. Pedido possível. TJDF (Em. 25/2)............................. 169 ALIMENTOS - A pensão alimentícia incide sobre o 13º salário e sobre o adicional de férias (terço constitucional de férias). Não incide a verba alimentar sobre a participação nos lucros e resultados. STJ (Em. 25/4)............................. 169 - Ação revisional. Concessão de tutela de urgência de caráter antecipatório que reduziu pensionamento de 80% para 50% do salário mínimo. Indícios de prova do binômio necessidade-possibilidade a autorizar a redução perpetrada. Dilação probatória que oportunizará à alimentanda a prova da necessidade na continuidade aos alimentos. TJSP (Em. 25/41).............................................................. 181 - Ação revisional. Filho maior cursando faculdade. Observância do binômio necessidade/ possibilidade. Majoração. Cabimento. TJBA (Em. 25/68)..................................................... 188 - Ação revisional. Nascimento de novo filho. Necessária a redução do percentual de 20% para 10% dos rendimentos líquidos, a fim de adequar os alimentos ao binômio necessidade x possibilidade. TJBA (Em. 25/69)................ 188 - Acórdão do STJ – Falecimento do genitor. Inventário. Prestação alimentícia. Continuidade. É obrigação do espólio, durante o inventário, continuar prestando alimentos ao herdeiro a quem o falecido devia, mesmo que vencidos após sua morte......................... 133 - Acórdão do STJ – Prisão civil. Imposição acima do máximo legal. Impossibilidade. Ausência de intimação do devedor acerca dos cálculos atualizados apresentados pelo credor após o primeiro período prisional. Nulidade. Maioridade civil, formação acadêmica e remuneração própria atingidas pelo credor no curso da execução. Suposto excesso de execução. Questão complexa e que deve ser debatida, em contraditório, na execução....... 136 - Acórdão do TJRS – Prisão civil. Pedido de imposição de regime aberto. Concessão. Apresentação para cumprimento da pena somente no período noturno......................... 161 - Audiência de conciliação prévia. Instituída por resolução do tribunal estadual. Ato processual distinto da audiência de conciliação e instrução prevista na lei de alimentos. Arqui-
191
vamento do processo em virtude da ausência da parte. Impossibilidade. STJ (Em. 25/5).... 170 - Avó paterna. Impossibilidade. Responsabilidade subsidiária. Ausência de provas da incapacidade da mãe biológica. TJAP (Em. 25/3)................................................................ 169 - Execução. Compensação. Outras verbas. Caráter excepcional. Enriquecimento sem causa. Necessidade. Possibilidade. Hipótese em que o devedor dos alimentos pagou as cotas de condomínio e IPTU de imóvel de sua propriedade e no qual residem gratuitamente os alimentandos, obrigação esta que, segundo a compreensão das instâncias de origem, com base nas provas dos autos, deveria ter sido adimplida pelos ocupantes do bem. STJ (Em. 25/24).............................................................. 176 - Execução. Competência. Estatuto do idoso. Inaplicabilidade em face da prejudicialidade in reverso. Princípio da proteção integral. Foro do domicílio do alimentando. Art. 100, II, do CPC/73. Relativa. Possibilidade. Regra do art. 575, II e art. 475-P, II e p. único, ambos do CPC. Faculdade do credor. TJAC (Em. 25/36).............................................................. 179 - Exoneração. Competência. Foro do domicílio ou residência do alimentando. Incidência do art. 53, II, do CPC. Art. 80 do Estatuto do Idoso. Inaplicabilidade. Na ação de exoneração de alimentos, a competência é do foro do domicílio ou da residência do alimentando, nos mesmos termos da regra prevista no art. 53, II, do CPC. TJAP (Em. 25/10)................ 173 - Exoneração. Diante da ausência de fixação de termo certo para a desoneração da obrigação alimentar, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha no momento da sua fixação, a exoneração do seu pagamento poderá dispensar a variação no binômio necessidade/possibilidade. STJ (Em. 25/12). 173 - Exoneração. Filha maior. Caso em que a autora, com 26 anos de idade atualmente, concluiu o curso superior, já estando, inclusive, inserida no mercado de trabalho. TJRS (Em. 25/22)..................................................... 176 - Exoneração. Filha maior. Estudante e que recentemente tornou-se mãe. Decisão que acolheu o pedido liminar de supressão do encargo alimentar. Pedido de manutenção da verba alimentar. Possibilidade. Princípio da solidariedade familiar e dignidade da pessoa
192
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Índice
humana. Comprovação da necessidade de preservação do subsídio. TJRS (Em. 25/11). 173 - Exoneração. Filho interditado. Genitor curador. Impossibilitada a reinserção do alimentando (curatelado) no mercado de trabalho e não comprovada a diminuição da capacidade contributiva da alimentante, rejeita-se a pretensão de exoneração de alimentos. TJDF (Em. 25/13)............................ 174 - Exoneração. Revisão de pensão alimentícia c/c pedido de tutela antecipada. Pensão devida ao filho maior, porém, regularmente matriculado em curso de ensino superior. Alegação de impossibilidade de arcar com os alimentos devido à constituição de uma nova família pelo alimentante. Não obstante a jurisprudência pátria entenda que a constituição de uma nova família não tenha o condão de afastar o dever de prestar alimentos aos filhos nascidos de relacionamento anterior, referido entendimento deve ser visto com certa parcimônia diante das especificidades do caso concreto, permitindo a revisão do encargo para patamares condizentes com as possibilidades do alimentante. Prestação alimentar que deve ser mantida, porém, reduzida ao percentual de 10% sobre os rendimentos do alimentante até a conclusão do curso superior. TJAL (Em. 25/14)............ 174 - Incidência da pensão alimentícia sobre as verbas referentes às horas extras. Possibilidade. STJ (Em. 25/23)............................................. 176 ALIMENTOS PROVISÓRIOS - Divórcio. Pedido de fixação de alimentos provisórios para ex-cônjuge em sede de reconvenção. Liminar deferida, fixando em quatro salários mínimos. Dependência econômica demonstrada. Presente o binômio necessidade/capacidade. Inalienabilidade de bens até a efetivação da partilha. Possibilidade. No caso concreto, a agravada laborava nas empresas do casal, a qual agora está impedida, portanto, resta configurada a dependência econômica a qual só deverá cessar quando da efetiva partilha de bens. Em relação ao pedido referente à indisponibilidade dos bens, verifica-se que o magistrado singular determinou apenas a inalienabilidade dos bens relacionados na contestação, excluindo um automóvel por estar em nome de terceiros, até a realização da partilha dos bens comuns ao casal, razão pela qual não merece acolhida o pedido. TJBA (Em. 25/9)............. 172
Alfabético
- Divórcio. Verba destinada à ex-companheira. Binômio necessidade-possibilidade demonstrado. Fixação provisória. Possibilidade. União estável. Regime de comunhão parcial de bens. Aquisição onerosa de imóvel na constância da relação. Protesto de inalienabilidade na matrícula do bem. Cabimento, até decisão posterior que reveja o ato ou até a efetivação da partilha, para evitar o desfazimento indevido da coisa. TJSC (Em. 25/8).. 172 - Execução. Sentença de improcedência dos alimentos. Efeitos. Os efeitos da sentença proferida em ação de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (Lei 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas. STJ (Em. 25/25)........................... 176 - Investigação de paternidade. Possibilidade. Existência de exame de DNA imputando a paternidade ao agravante. Presença da verossimilhança das alegações do alimentante. TJAL (Em. 25/59)........................................... 186 - Não integram o patrimônio jurídico subjetivo do alimentando, podendo ser revistos a qualquer tempo. Revogação da decisão que fixou alimentos provisionais. Pretensão de receber verba, posteriormente reconhecida como indevida. Inviabilidade. Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (Lei 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas. STJ (Em. 25/26).............................................................. 176 ANÍBAL FRAGA DE RESENDE CHAVES - Artigo: “Poliamor ou Não, Eis a Questão: Reflexão sobre sua Abrangência e Proposição de uma Definição Stricto Sensu”..................... 92 AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - Instituída por resolução do tribunal estadual. Ato processual distinto da audiência de conciliação e instrução prevista na lei de alimentos. Arquivamento do processo em virtude da ausência da parte. Impossibilidade. Atos processuais não equiparáveis e com consequências jurídicas diferentes. Desinteresse em conciliar do qual não se pode presumir
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
o desinteresse nos alimentos pretendidos na ação. Na hipótese, a ausência do autor à audiência de conciliação prévia apenas significa o seu desinteresse em conciliar, mas não no regular prosseguimento da ação de alimentos. STJ (Em. 25/5)............................................... 170 AVÓS - Alimentos. Avó paterna. Impossibilidade. Responsabilidade subsidiária. Ausência de provas da incapacidade da mãe biológica. A obrigação alimentar dos avós é subsidiária ou complementar, eis que somente poderão ser chamados a prestar alimentos aos netos na hipótese de impossibilidade dos pais biológicos prestá-los, ou, quando providos por estes, não suprirem as necessidades do alimentando. TJAP (Em. 25/3)...................... 169
C
193
quem tenha, de alguma maneira, capacidade para assentir sobre este ato civil. TJDF (Em. 25/6)................................................................ 170 CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - Ação declaratória de rescisão de contrato de cessão e transferência de direitos hereditários e de meação por dação em pagamento cumulada com pedido de restituição de valores e de perdas e danos. Presença dos requisitos de validade e eficácia do negócio jurídico, não tendo sido comprovados vícios de consentimento. Inexistência de nulidade. Boa-fé contratual que veda o comportamento contraditório. Negócio jurídico realizado com a presença da inventariante e de todos os herdeiros. Réus que, apesar de devidamente notificados, não retiraram o ônus hipotecário e a penhora incidente sobre o imóvel rural. TJRJ (Em. 25/19)........................................... 175
CADASTRO DE INADIMPLENTES
COISA JULGADA
- Inscrição. Possibilidade. É pacífica a jurisprudência do STJ reconhecendo a possibilidade da inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de inadimplentes. STJ (Em. 25/35).............................................................. 179
- Relativização. Investigação de paternidade. Ação anteriormente ajuizada. Exame de DNA não realizado. Ação de estado. Prevalência da verdade real. STJ (Em. 25/58)....................... 185
CAROLINA CURVELO DA LUZ BATISTA E DURVAL SALGE JUNIOR - Artigo: “A Usucapião Familiar”..................... 81 CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO E CARTÃO DE CRÉDITO - Execução de alimentos. Suspensão da CNH e de cartões de crédito do devedor/executado. Entende-se estar bem demonstrada a situação de excepcionalidade, que justifica a aplicação da medida alternativa de suspensão da CNH do devedor/executado, bem assim de suspensão dos cartões de crédito dele. TJRS (Em. 25/39).............................................................. 180 CASAMENTO - Ação anulatória. Pessoa com deficiência mental. Capacidade para casar. Peculiaridade do caso. Casamento realizado antes da vigência da Lei 13.146/2015. Ausência de aptidão para exprimir vontade de forma livre e crítica sobre o ato de casar. Nulidade. Sentença mantida. Por mais que a nova disciplina normativa não preveja a deficiência mental como causa para obstaculizar o casamento, não há dúvida de que ele só possa ser realizado por
COMPETÊNCIA - Alimentos. Exoneração. Foro do domicílio ou residência do alimentando. Incidência do art. 53, II, do CPC. Art. 80 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). Inaplicabilidade. Na ação de exoneração de alimentos, a competência é do foro do domicílio ou da residência do alimentando, nos mesmos termos da regra prevista no art. 53, II, do CPC. TJAP (Em. 25/10).............................................................. 173 - Execução de alimentos. Estatuto do idoso. Inaplicabilidade em face da prejudicialidade in reverso. Princípio da proteção integral. Foro do domicílio do alimentando. Art. 100, II, do CPC/73. Relativa. Possibilidade. Regra do art. 575, II e art. 475-P, II e parágrafo único, ambos do CPC. Faculdade do credor. TJAC (Em. 25/36)..................................................... 179 COMUNICABILIDADE - Acórdão do TJSP – Verba de aposentadoria. Composição do patrimônio comum do casal, a ser partilhado, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts. 1.658 e 1.659, VI, do CC). O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e
194
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Índice
a sua reclamação judicial ocorrem durante a vigência do vínculo conjugal......................... 165 CONCUBINATO - Acórdão do STF – Companheira de exmilitar. Direito à pensão. Devolução dos autos à origem. Hipótese que se amolda à questão discutida no RE 883.168-RG (Tema 526). Possibilidade de concubinato de longa duração gerar efeitos previdenciários............ 130 CONSTITUIÇÃO DE NOVA FAMÍLIA - Ação revisional. Alimentos. Nascimento de novo filho. Embora mantidos os ganhos do alimentante, que é assalariado, em relação à época da fixação revisanda, com o nascimento de novo filho, mister se faz sopesar a pensão alimentícia precedente, sob pena de penalizar-se, injustamente, o novo filho. Necessária a redução do percentual de 20% para 10% dos rendimentos líquidos, a fim de adequar os alimentos ao binômio necessidade x possibilidade. TJBA (Em. 25/69)................ 188 - Revisão de pensão alimentícia c/c pedido de tutela antecipada. Pensão devida ao filho maior, porém, regularmente matriculado em curso de ensino superior. Alegação de impossibilidade de arcar com os alimentos devido à constituição de uma nova família pelo alimentante. Não obstante a jurisprudência pátria entenda que a constituição de uma nova família não tenha o condão de afastar o dever de prestar alimentos aos filhos nascidos de relacionamento anterior, referido entendimento deve ser visto com certa parcimônia diante das especificidades do caso concreto, permitindo a revisão do encargo para patamares condizentes com as possibilidades do alimentante. Prestação alimentar que deve ser mantida, porém, reduzida ao percentual de 10% sobre os rendimentos do alimentante até a conclusão do curso superior. TJAL (Em. 25/14).............................................................. 174 CONTRATO DE NAMORO - Artigo de Jordana Maria Mathias dos Reis e José Luiz Gavião de Almeida.........................
5
D
Alfabético
DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO/ ADICIONAL DE FÉRIAS - A pensão alimentícia incide sobre o 13º salário e sobre o adicional de férias (terço constitucional de férias), porque tais verbas estão compreendidas nas expressões “vencimento”, “salários” ou “proventos” que consubstanciam a totalidade dos rendimentos auferidos pelo alimentante. Não incide a verba alimentar sobre a participação nos lucros e resultados, uma vez que se trata de parcela não relacionada ao salário ou à remuneração percebida pelo alimentante. STJ (Em. 25/4). 169 DIREITO DE REPRESENTAÇÃO - Inventário. Ex-cônjuge. Viúva. Herança da sogra. Direito de representação restrito aos descendentes. Extinção do matrimônio com a morte do herdeiro pré-morto. Inteligência do art. 1.851, I, do CCB/02. TJMG (Em. 25/52).............................................................. 184 DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - Artigo de Vitor Hugo de Melo e Aline Lampert Rocha Pagliosa: “A Perda do Direito Real de Habitação pelo Companheiro Sobrevivente Devido ao Não Exercício do Direito Através de Ação Declaratória”....................... 58 DIREITOS DE PERSONALIDADE - Artigo de Leonardo Estevam de Assis Zanini, Edmundo Alves de Oliveira, Dirceu Pereira Siqueira e Raul de Mello Franco Jr.: “Os Direitos da Personalidade em Face da Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado”.......................................................... 40 DIVÓRCIO - Alimentos provisórios. Verba destinada à ex-companheira. Binômio necessidadepossibilidade demonstrado. Fixação provisória. Possibilidade. União estável. Regime de comunhão parcial de bens. Aquisição onerosa de imóvel na constância da relação. Protesto de inalienabilidade na matrícula do bem. Cabimento, até decisão posterior que reveja o ato ou até a efetivação da partilha, para evitar o desfazimento indevido da coisa. TJSC (Em. 25/8)............................................ 172
DANO MORAL
DIVÓRCIO CONSENSUAL
- Abandono material e afetivo pela ausência do pai. Responsabilidade civil. Descabimento. TJRS (Em. 25/1)............................................. 169
- Dúvida. Registro de imóvel. Partilha de bens amigável. Exigência de apresentação de certidão de pagamento/desoneração de ITCD.
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
195
E
Necessidade. Impossibilidade de registro. TJMG (Em. 25/33)........................................ 179 DIVÓRCIO LITIGIOSO
ESTRANGEIRO
- Pedido de fixação de alimentos provisórios para ex-cônjuge em sede de reconvenção. Liminar deferida, fixando em quatro salários mínimos. Dependência econômica demonstrada. Presente o binômio necessidade/ capacidade. Inalienabilidade de bens até a efetivação da partilha. Possibilidade. No caso concreto, a agravada laborava nas empresas do casal, a qual agora está impedida, portanto, resta configurada a dependência econômica a qual só deverá cessar quando da efetiva partilha de bens. Em relação ao pedido referente à indisponibilidade dos bens, verifica-se que o magistrado singular determinou apenas a inalienabilidade dos bens relacionados na contestação, excluindo um automóvel por estar em nome de terceiros, até a realização da partilha dos bens comuns ao casal, razão pela qual não merece acolhida o pedido. TJBA (Em. 25/9)............................................ 172
- Acórdão do STJ – Expulsão. Filha menor. Nascimento após o decreto expulsório. Guarda e convivência socioafetiva. Demonstração. Excludente de expulsabilidade. Constatação. Lei de Imigração. Aplicação........................... 144
DOAÇÃO - Ação anulatória. Doações recíprocas. Ascendente e descendente. Ônus da prova. Simulação. Não demonstração. Violação da legítima. Não comprovação. Não restando comprovado que a doação efetuada de pai para filho atingiu a legítima, em prejuízo dos demais herdeiros necessários, não há que se falar em anulação do ato jurídico. TJMG (Em. 25/29)..................................................... 177 DOAÇÃO INOFICIOSA - Ação anulatória. Herdeira que, embora não integre o quadro societário, possui interesse na anulação de doação feita por seu pai (autor da herança), por refletir diretamente em seu patrimônio. Doação de quotas sociais a pessoas estranhas à sociedade. Necessidade de anuência de sócios que contenham mais de um quarto do capital social (preservação da affectio societatis). Inteligência do art. 1.057 do CC. Doação que, no caso, carece de eficácia, inclusive em relação a terceiros, em razão da não anuência expressa dos demais sócios, bem como da ausência de averbação da pretendida modificação do quadro societário no órgão competente (publicidade). TJSP (Em. 25/28).............................................................. 177
ESTRANGEIRO VISITANTE - Expulsão. Paciente genitor de filha brasileira de tenra idade. Dependência socioafetiva comprovada. Inviabilidade da expulsão. Aplicação do art. 55, II, a, da nova Lei de Migração (Lei 13.445/2017). Princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos e interesses da criança e do adolescente (art. 227 da CF). STJ (Em. 25/48)................. 183 ETEL DE OLIVEIRA MONTEIRO - Artigo: “Os Limites do Planejamento Sucessório como Meio de Divisão Patrimonial Segundo a Vontade do Titular”..................... 113 EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - Compensação. Outras verbas. Caráter excepcional. Enriquecimento sem causa. Necessidade. Possibilidade. Hipótese em que o devedor dos alimentos pagou as cotas de condomínio e IPTU de imóvel de sua propriedade e no qual residem gratuitamente os alimentandos, obrigação esta que, segundo a compreensão das instâncias de origem, com base nas provas dos autos, deveria ter sido adimplida pelos ocupantes do bem. STJ (Em. 25/24).............................................................. 176 - Competência. Estatuto do idoso. Inaplicabilidade em face da prejudicialidade in reverso. Princípio da proteção integral. Foro do domicílio do alimentando. Art. 100, II, do CPC/73. Relativa. Possibilidade. Regra do art. 575, II e art. 475-P, II e parágrafo único, ambos do CPC. Faculdade do credor. TJAC (Em. 25/36)..................................................... 179 - Inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Possibilidade. É pacífica a jurisprudência do STJ reconhecendo a possibilidade da inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de inadimplentes. STJ (Em. 25/35).................... 179 - Juros de mora. Termo inicial. Vencimento da parcela alimentícia. STJ (Em. 25/37)............. 180
196
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Índice
- Prisão civil. Alimentante/executada desempregada e com gravidez de alto risco. Hipóteses que justificam o inadimplemento alimentar, nos termos do art. 528 do CPC. Ordem de prisão que se revela ilegal. TJRS (Em. 25/45)..................................................... 182 - Prisão civil. Dívida pretérita. Alimentando maior que concluiu o segundo curso superior. Perda do caráter alimentar. Constrangimento ilegal. Ordem concedida. TJGO (Em. 25/46).............................................................. 182 - Prisão civil. Ex-cônjuge. Devedor desempregado. Credora maior, capaz e recolocada profissionalmente desde o ano de 2013. Desnecessidade e ineficácia da prisão civil na hipótese. Ausência de risco de vida à credora. Ponderação entre a máxima efetividade da tutela satisfativa e a menor onerosidade da execução. Possibilidade. Dívida indiscutivelmente existente e suscetível de execução sem a adoção da técnica de coerção pessoal. STJ (Em. 25/47)............................................. 182 - Prisão civil. Pagamento pelo credor de parte do débito correspondente a três prestações vencidas anteriores ao ajuizamento da ação de execução, associado a outras circunstâncias do caso que recomendam o afastamento do decreto de prisão. STJ (Em. 25/38)............... 180 - Suspensão da CNH e de cartões de crédito do devedor/executado. Entende-se estar bem demonstrada a situação de excepcionalidade, que justifica a aplicação da medida alternativa de suspensão da CNH do devedor/executado, bem assim de suspensão dos cartões de crédito dele. TJRS (Em. 25/39)..................... 180 EXEQUATUR - Divórcio. Decisão. Pedido de intimação. Suposta ofensa à ordem pública e à soberania nacional. Não ocorrência. A parte interessada foi devidamente intimada, por intermédio de oficial de justiça, de acórdão proferido em ação de divórcio e deixou de apresentar impugnação contra o exequatur. STJ (Em. 25/40).............................................................. 181 EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS - Competência. Foro do domicílio ou residência do alimentando. Incidência do art. 53, II, do CPC. Art. 80 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). Inaplicabilidade. Na ação de exoneração de alimentos, a competência é do foro do domicílio ou da residência do alimentando, nos mesmos termos da regra
Alfabético
prevista no art. 53, II, do CPC. TJAP (Em. 25/10).............................................................. 173 - Diante da ausência de fixação de termo certo para a desoneração da obrigação alimentar, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha no momento da sua fixação, a exoneração do seu pagamento poderá dispensar a variação no binômio necessidade/ possibilidade. STJ (Em. 25/12)...................... 173 - Filha maior. Caso em que a autora, com 26 anos de idade atualmente, concluiu o curso superior, já estando, inclusive, inserida no mercado de trabalho. TJRS (Em. 25/22)....... 176 - Filha maior. Estudante e que recentemente tornou-se mãe. Decisão que acolheu o pedido liminar de supressão do encargo alimentar. Pedido de manutenção da verba alimentar. Possibilidade. Princípio da solidariedade familiar e dignidade da pessoa humana. Comprovação da necessidade de preservação do subsídio. TJRS (Em. 25/11)..................... 173 - Filho interditado. Genitor curador. Impossibilitada a reinserção do alimentando (curatelado) no mercado de trabalho e não comprovada a diminuição da capacidade contributiva da alimentante, rejeita-se a pretensão de exoneração de alimentos. TJDF (Em. 25/13)..................................................... 174
G GUARDA COMPARTILHADA - Animosidade latente entre os genitores. Impossibilidade de guarda compartilhada. Guarda unilateral. Imperando entre os genitores a incapacidade de comunicação e de entendimento, não se faz recomendável o compartilhamento da guarda, haja vista que tal divisão do encargo pressupõe uma relação de colaboração e de confiança, pois é da própria essência do instituto que a rotina dos filhos seja decidida em conjunto por ambos. TJDF (Em. 25/44)............................. 181 - Possibilidade. A instituição da guarda compartilhada, neste momento, atende aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança. TJDF (Em. 25/43)........ 181
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
I IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO - Base de cálculo. Deve corresponder ao valor venal do imóvel na data de abertura da sucessão, fato gerador do tributo. TJSP (Em. 25/51).............................................................. 184 - Divórcio consensual. Dúvida. Registro de imóvel. Partilha de bens amigável. Exigência de apresentação de certidão de pagamento/ desoneração de ITCD. Necessidade. Impossibilidade de registro. TJMG (Em. 25/33).... 179 - Pagamento. Responsabilidade do sucessor ou cônjuge meeiro, limitada ao montante do quinhão. Descabe bloquear valores nas contas que foram deixados em legado para a inventariante, visto que cada herdeiro é responsável pelo pagamento do imposto de transmissão na proporção de seu quinhão. TJRS (Em. 25/56)........................................... 185 INCOMUNICABILIDADE - Inventário. Suspensão. Ação de reconhecimento de união estável. Bens provenientes de sucessão. Considerando que os bens discutidos no processo sobrevêm de herança dos genitores do de cujus, os quais são excluídos de eventual partilha em favor da companheira, não há razão para que se suspenda o curso do processo de inventário. TJMG (Em. 25/71). 189 - Partilha. Casamento. Comunhão parcial de bens. Separação de fato post mortem. Interrupção do convívio conjugal. Participação. Imóvel adquirido anteriormente ao vínculo conjugal. Doação. Sub-rogação. Bem incomunicável. Créditos decorrentes de verbas salariais. Fato gerador e reclamação judicial anteriores ao casamento. Exclusão do patrimônio comum. TJDF (Em. 25/30)............... 178 - Sobrepartilha. Valores investidos em previdência privada fechada. Procedência. Art. 1.659, VII, do CC/02. STJ (Em. 25/70)........ 188 INTERDIÇÃO - Abrangência dos efeitos. Nos termos do art. 85 da Lei 13.146/2015, a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Nesse passo, não se mostra possível o atendimento da
197
pretensão recursal, para que a interdição alcance todos os atos da vida civil, devendo ser mantida a sentença apelada. TJRS (Em. 25/50).............................................................. 183 INVENTÁRIO - Acórdão do TJMG – Separação obrigatória de bens. Cônjuge sobrevivente. Direito de partilhar, na qualidade de meeiro, os bens deixados pelo de cujus, desde que comprove o esforço comum para a aquisição do patrimônio. Reconhecida a qualidade de meeira, deve também ser atestada a possibilidade de todos os seus herdeiros receberem a respectiva meação, representados pelo espólio........ 156 - Cumulação de inventários. Possibilidade de cumulação de inventário e sobrepartilha de cônjuges falecidos, sendo os mesmos o bem a ser partilhados e os herdeiros. Aplicação do princípio da economia processual. Dependência entre as partilhas. TJSP (Em. 25/32). 179 - Ex-cônjuge. Viúva. Herança da sogra. Direito de representação restrito aos descendentes. Extinção do matrimônio com a morte do herdeiro pré-morto. Inteligência do art. 1.851, I, do CCB/02. TJMG (Em. 25/52)..... 184 - Falecimento de herdeiro colateral no curso do inventário. Pedido de substituição processual deduzido pelos filhos da herdeira falecida. Direito pleiteado que não é o de representação, mas de sucessão, pois desde o óbito da autora da herança, houve a transmissão da herança a favor da mãe da agravante. Sobrevivendo o herdeiro ao autor da herança, os bens desse se incorporam ao patrimônio daquele sucessor. Caso, o referido herdeiro vem a falecer no curso do inventário, o seu quinhão deve ser partilhado entre os seus sucessores. Abertura de inventário da herdeira habilitada pós-morta em Estado da Federação distinto. Habilitação do espólio na proporção do quinhão da herdeira falecida, a fim de possibilitar a transferência e posterior partilha no inventário autônomo já aberto do quinhão aos sucessores próprios da herdeira. TJRJ (Em. 25/42)........................................... 181 - Habilitação. Cônjuge supérstite. Regime de separação total de bens. Segundo o art. 1.838 do CC, na falta de descendentes, será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente em concorrência com os ascendentes, independentemente do regime de bens. TJMG (Em. 25/53)..................................................... 184
198
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Índice
- Habilitação. Os credores habilitados ao inventário se sub-rogam nos direitos do herdeiro executado, nos termos do art. 394 do CC, podendo impugnar de forma fundada o plano de partilha formalizado com o consenso dos herdeiros. No caso de cumulação de inventários, respaldada na identidade das pessoas entre as quais devem ser repartidos os bens, a partilha deve considerar todo o acervo, não se exigindo que todos os herdeiros recebam um quinhão correspondente a cada um dos bens, desde que se preserve a igualdade na divisão. Composto o acervo por três imóveis, a divisão que confere uma quota maior do imóvel urbano para os credores, pessoas estranhas às relações familiares, e a herdeira incapaz, e, ao mesmo tempo, divide o imóvel rural apenas entre os demais herdeiros, observando o valor de avaliação de cada imóvel, preservando a igualdade na divisão, atende aos critérios legais e não enseja prejuízo aos apelantes. TJMG (Em. 25/55)........................................ 184 - Imposto sobre transmissão causa mortis e doação. A base de cálculo deve corresponder ao valor venal do imóvel na data de abertura da sucessão, fato gerador do tributo. TJSP (Em. 25/51).............................................................. 184
Alfabético
escritura pública. Indeferimento. Violação ao art. 619, I, do CPC. Suspeita de lesão aos interesses do interditado. Necessidade de prestação de contas relativa ao exercício da curatela. Incompetência do juízo do inventário. TJSP (Em. 25/54)................................. 184 - Partilha. Meeira. Transferência de cotas societárias. Ação anulatória. As cotas societárias transferidas antes da data do óbito não integram o patrimônio a ser partilhado no inventário, sendo irrelevante, em relação aos sucessores do falecido, a circunstância de o registro do negócio jurídico na junta comercial ter ocorrido após o óbito. O registro é necessário apenas para a produção de efeitos da alteração societária em face da própria sociedade e de terceiros. STJ (Em. 25/57).... 185 INVENTÁRIO E PARTILHA - Escritura pública. Ação anulatória. Procedência. Exclusão de filha adotiva na divisão do montante. Pretensão da parte ré de anulação de registro de adoção. Impossibilidade. Inexistência de vícios de vontade. Questão acobertada pela coisa julgada. STJ (Em. 25/7).... 171 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
- Imposto sobre transmissão causa mortis e doação. Pagamento. Responsabilidade do sucessor ou cônjuge meeiro, limitada ao montante do quinhão. Descabe bloquear valores nas contas que foram deixados em legado para a inventariante, visto que cada herdeiro é responsável pelo pagamento do imposto de transmissão na proporção de seu quinhão. TJRS (Em. 25/56)........................... 185
- Ação anteriormente ajuizada. Exame de DNA não realizado. Coisa julgada. Relativização. Ação de estado. Prevalência da verdade real. STJ (Em. 25/58)............................................. 185
- Inclusão no monte-mor dos valores oriundos do plano de vida gerador de benefício livre (VGBL). O plano de previdência privada denominado VGBL tem natureza securitária e, portanto, nos termos do art. 794 do Código Civil, não compõe o acervo hereditário. TJMG (Em. 25/15)........................................ 174
- Herança. Prescrição. Termo inicial. Reconhecimento da paternidade. Entendimento adotado pelo acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. STJ (Em. 25/16).............................................................. 174
- Interesse de pessoa interditada. Alvará para alienação de imóvel integrante do acervo hereditário que havia sido concedido desde que respeitadas duas condições: valor mínimo de R$ 942.000,00 e depósito judicial de R$ 471.000,00 (meação do interditado). Descumprimento. Imóvel alienado por quase a metade do valor mínimo e depósito não realizado. Matrícula bloqueada. Imóvel adquirido com o produto da alienação do anterior. Pedido de alvará para registro da nova
- Alimentos provisórios. Possibilidade. Existência de exame de DNA imputando a paternidade ao agravante. Presença da verossimilhança das alegações do alimentante. TJAL (Em. 25/59)........................................... 186
J JORDANA MARIA MATHIAS DOS REIS E JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA - Artigo: “Contrato de Namoro”.....................
5
JUROS DE MORA - Execução de alimentos. Termo inicial. Vencimento da parcela alimentícia. STJ (Em. 25/37).............................................................. 180
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
L LEONARDO ESTEVAM DE ASSIS ZANINI, EDMUNDO ALVES DE OLIVEIRA, DIRCEU PEREIRA SIQUEIRA E RAUL DE MELLO FRANCO JR. - Artigo: “Os Direitos da Personalidade em Face da Dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado”.......................................... 40
M MARIA BERENICE DIAS
bilidade de modificação do quantum alimentar no curso do processo. TJSC (Em. 25/61)..... 186 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE EM FACE DA DICOTOMIA ENTRE O DIREITO PÚBLICO E O DIREITO PRIVADO - Artigo de Leonardo Estevam de Assis Zanini, Edmundo Alves de Oliveira, Dirceu Pereira Siqueira e Raul de Mello Franco Jr............... 40 OS LIMITES DO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO COMO MEIO DE DIVISÃO PATRIMONIAL SEGUNDO A VONTADE DO TITULAR - Artigo de Etel de Oliveira Monteiro............. 113
- Comentário: “Regra Única para a Mudança do Nome, Identidade Sexual e Sobrenome”.................................................................. 127 MATEUS TURÍBIO DE MOURA E VINICIUS PINHEIRO MARQUES - Artigo: “A Transição dos Direitos Adquiridos dos Transexuais de Antes para Após Operação de Mudança de Sexo”.................................... 26 MULTIPARENTALIDADE - Adoção. Pessoa maior. Desnecessidade de intimação do pai biológico. Pedido possível. TJDF (Em. 25/2)............................................ 169
N NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - Cumulada com investigação e cancelamento de registro. Peculiaridades do caso concreto. Inexistência de vínculo afetivo com o pai registral e comprovação do liame com o pai biológico por meio do exame de DNA. Direito personalíssimo ao reconhecimento da paternidade biológica. STJ (Em. 25/20)... 175
O OFERTA DE ALIMENTOS - Pretensão de que os alimentos sejam fixados sobre o salário-base e não sobre o total dos rendimentos. Binômio necessidadeutilidade evidenciado. Pleito de redução em consequência da incidência apenas sobre o salário-base. Insubsistência. Alimentos que devem incidir sobre o total dos rendimentos, subtraídos apenas os descontos oficiais. Possi-
199
P PARTILHA - A partilha dos bens do de cujus ocorre após a quitação das dívidas e encargos, consoante estabelecido em lei. Constitui matéria de fundo do processo de inventário a destinação a ser dada aos bens inventariados, razão pela qual o pedido de simples expedição de alvará para cessão de quotas societárias, na proporção de 50% para cada uma das partes (meeira e herdeira) não pode ser atendido. TJMG (Em. 25/62)........................................ 186 - Acórdão do TJMG – Separação obrigatória de bens. Cônjuge sobrevivente. Direito de partilhar, na qualidade de meeiro, os bens deixados pelo de cujus, desde que comprove o esforço comum para a aquisição do patrimônio. Reconhecida a qualidade de meeira, deve também ser atestada a possibilidade de todos os seus herdeiros receberem a respectiva meação, representados pelo espólio........ 156 - Acórdão do TJSP – Regime da comunhão parcial de bens. Verba de aposentadoria. Composição do patrimônio comum do casal, a ser partilhado, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts. 1.658 e 1.659, VI, do CC). O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e a sua reclamação judicial ocorrem durante a vigência do vínculo conjugal......................... 165 - Casamento. Comunhão parcial de bens. Separação de fato post mortem. Interrupção do convívio conjugal. Participação. Imóvel adquirido anteriormente ao vínculo conjugal. Doação. Sub-rogação. Bem incomunicável.
200
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Índice
Créditos decorrentes de verbas salariais. Fato gerador e reclamação judicial anteriores ao casamento. Exclusão do patrimônio comum. TJDF (Em. 25/30).......................................... 178 - Divórcio consensual. Dúvida. Registro de imóvel. Partilha de bens amigável. Exigência de apresentação de certidão de pagamento/ desoneração de ITCD. Necessidade. Impossibilidade de registro. TJMG (Em. 25/33).... 179 - Falecimento de herdeiro colateral no curso do inventário. Pedido de substituição processual deduzido pelos filhos da herdeira falecida. Direito pleiteado que não é o de representação, mas de sucessão, pois desde o óbito da autora da herança, houve a transmissão da herança a favor da mãe da agravante. Sobrevivendo o herdeiro ao autor da herança, os bens desse se incorporam ao patrimônio daquele sucessor. Caso, o referido herdeiro vem a falecer no curso do inventário, o seu quinhão deve ser partilhado entre os seus sucessores. Abertura de inventário da herdeira habilitada pós-morta em Estado da Federação distinto. Habilitação do espólio na proporção do quinhão da herdeira falecida, a fim de possibilitar a transferência e posterior partilha no inventário autônomo já aberto do quinhão aos sucessores próprios da herdeira. TJRJ (Em. 25/42)........................................... 181 - Meeira. Transferência de cotas societárias. Ação anulatória. As cotas societárias transferidas antes da data do óbito não integram o patrimônio a ser partilhado no inventário, sendo irrelevante, em relação aos sucessores do falecido, a circunstância de o registro do negócio jurídico na junta comercial ter ocorrido após o óbito. O registro é necessário apenas para a produção de efeitos da alteração societária em face da própria sociedade e de terceiros. STJ (Em. 25/57)............................. 185 - União estável. Ação de reconhecimento e dissolução. Contratos de promessa de compra e venda de imóveis. Direitos partilháveis. Comprovada a celebração de contratos de promessa de compra e venda de imóveis pelo ex-companheiro na constância da união estável, é assente na jurisprudência que os direitos incidentes sobre esses contratos integram o acervo partilhável. TJBA (Em. 25/67).............................................................. 188 - União estável. Aquisição onerosa de bens. Presunção absoluta de esforço comum. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior já proclamou que, após a edição da Lei 9.278/96,
Alfabético
vigente o regime da comunhão parcial na união estável, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da convivência são resultado do esforço comum dos conviventes. STJ (Em. 25/72)... 189 - União estável post mortem. Ação de reconhecimento. Seguro DPVAT. Companheiro. Meação. Comprovada a condição de companheira do de cujus, ostentada pela autora na data do óbito, mostra-se presente a legitimidade para pleitear o seguro obrigatório DPVAT, do qual, havendo herdeiros, tocar-lhe-á metade do valor. TJAP (Em. 25/21)................................. 175 PATRONÍMICO - Acórdão do TJBA – Inclusão. Registro civil. Retificação. Homenagem a avô materno. Procedimento de jurisdição voluntária. Ausência de prejuízo. Possibilidade................... 152 - Registro civil. Retificação. Patronímico da genitora, modificado após o casamento, no registro de nascimento. O art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.560/92 assegura o direito de alteração do patronímico materno no termo de nascimento do filho, em razão do casamento. Pretensão que deve ser acolhida. Recurso a que se dá provimento para determinar a retificação no registro de nascimento da requerente, para que passe a constar o nome de casada de sua genitora. TJRJ (Em. 25/60).............................................................. 186 PENSÃO POR MORTE - Acórdão do STF – Companheira de exmilitar. Concubinato. Direito à pensão. Devolução dos autos à origem. Hipótese que se amolda à questão discutida no RE 883.168-RG (Tema 526). Possibilidade de concubinato de longa duração gerar efeitos previdenciários............................................... 130 - Credora de alimentos. Pagamento da integralidade da pensão. Revisão administrativa. Restabelecimento do pagamento integral de pensão por morte. Aplicação da lei vigente ao tempo do óbito. Inteligência do art. 17, § 1º, da LE 5.260/08. Pensão que deve ser paga no percentual da cota alimentícia. Alegação de manutenção da sociedade conjugal que não subsiste diante das provas dos autos. Direito à percepção de pensão na integralidade inexistente. TJRJ (Em. 25/64)............................. 187 - Ex-cônjuge de militar falecido. Alimentos in natura. Condição de dependente afastada. Ausência de pensão alimentícia. Revisão do
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
quadro fático-probatório. Alimentos podem ser próprios e impróprios. Os primeiros são pagos em espécie, em utilidades, ao passo que os segundos são pagos mediante “pensão”, termo utilizado no art. 50, § 2º, VIII, da Lei 6.880/80. STJ (Em. 25/34)............................. 179 POLIAMOR OU NÃO, EIS A QUESTÃO: REFLEXÃO SOBRE SUA ABRANGÊNCIA E PROPOSIÇÃO DE UMA DEFINIÇÃO STRICTO SENSU - Artigo de Aníbal Fraga de Resende Chaves.. 92 PRESCRIÇÃO - Investigação de paternidade. Herança. Termo inicial. Reconhecimento da paternidade. Entendimento adotado pelo acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. STJ (Em. 25/16).................................. 174 PRISÃO CIVIL - Acórdão do STJ – Alimentos. Imposição acima do máximo legal. Impossibilidade. Ausência de intimação do devedor acerca dos cálculos atualizados apresentados pelo credor após o primeiro período prisional. Nulidade. Maioridade civil, formação acadêmica e remuneração própria atingidas pelo credor no curso da execução. Suposto excesso de execução. Questão complexa e que deve ser debatida, em contraditório, na execução....... 136 - Acórdão do TJRS – Alimentos. Pedido de imposição de regime aberto. Concessão. Apresentação para cumprimento da pena somente no período noturno......................... 161 - Execução de alimentos. Alimentante/executada desempregada e com gravidez de alto risco. Hipóteses que justificam o inadimplemento alimentar, nos termos do art. 528/CPC. Ordem de prisão que se revela ilegal. TJRS (Em. 25/45)..................................................... 182 - Execução de alimentos. Dívida pretérita. Alimentando maior que concluiu o segundo curso superior. Perda do caráter alimentar. Constrangimento ilegal. Ordem concedida. TJGO (Em. 25/46)......................................... 182 - Execução de alimentos. Excepcionalidade. Desemprego, doença grave e tratamento fora de domicílio. Impossibilidade temporária de pagamento pelo devedor. Concessão. Ante as particularidades da causa, atesta-se a impossibilidade temporária de cumprimento do débito alimentar pelo paciente, em face do desemprego, acometimento de
201
moléstia grave (câncer de próstata), negativa de aposentadoria pelo INSS e o tratamento da doença fora do domicílio, o que afasta, momentaneamente, a possibilidade de prisão. TJAP (Em. 25/66)........................................... 188 - Execução de alimentos. Ex-cônjuge. Devedor desempregado. Credora maior, capaz e recolocada profissionalmente desde o ano de 2013. Desnecessidade e ineficácia da prisão civil na hipótese. Ausência de risco de vida à credora. Ponderação entre a máxima efetividade da tutela satisfativa e a menor onerosidade da execução. Possibilidade. Dívida indiscutivelmente existente e suscetível de execução sem a adoção da técnica de coerção pessoal. STJ (Em. 25/47)................................ 182 - Execução de alimentos. HC. Cabimento contra decisão unipessoal que manteve a prisão civil do devedor. Incidência da Súmula 691/ STF. Incompetência do juízo. Questão que não se relaciona diretamente com a legalidade do decreto prisional por dívida. Possibilidade, ademais, de determinação de medidas de urgência por juízo incompetente. Manifesto descabimento do HC. STJ (Em. 25/65)........ 187 - Execução de alimentos. Pagamento pelo credor de parte do débito correspondente a três prestações vencidas anteriores ao ajuizamento da ação de execução, associado a outras circunstâncias do caso que recomendam o afastamento do decreto de prisão. STJ (Em. 25/38).............................................................. 180 PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BEM - União estável. Cabível a averbação de protesto de inalienabilidade na matrícula do patrimônio, até decisão posterior que reveja o ato ou até a efetivação da partilha, para evitar o desfazimento indevido da coisa. TJSC (Em. 25/8) e TJBA (Em 25/9)................................. 172
R REGIME DE BENS - Alteração. Casamento celebrado sob a vigência do CC/1916. Regime de comunhão de bens. Modificação. Regime de comunhão parcial de bens. Falta de motivação para alteração do regime. Pedido negado. TJMG (Em. 25/27)..................................................... 177
202
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018 – Índice
Alfabético
REGISTRO CIVIL
SOBREPARTILHA
- Acórdão do TJBA – Retificação. Inclusão de patronímico. Homenagem a avô materno. Procedimento de jurisdição voluntária. Ausência de prejuízo. Possibilidade................... 152
- Inventário. Suspensão. Ação de reconhecimento de união estável. Bens provenientes de sucessão. Considerando que os bens discutidos no processo sobrevêm de herança dos genitores do de cujus, os quais são excluídos de eventual partilha em favor da companheira, não há razão para que se suspenda o curso do processo de inventário. TJMG (Em. 25/71). 189
- Retificação. Patronímico da genitora, modificado após o casamento, no registro de nascimento. O art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.560/92 assegura o direito de alteração do patronímico materno no termo de nascimento do filho, em razão do casamento. Pretensão que deve ser acolhida. Recurso a que se dá provimento para determinar a retificação no registro de nascimento da requerente, para que passe a constar o nome de casada de sua genitora. TJRJ (Em. 25/60)............................ 186 REGRA ÚNICA PARA A MUDANÇA DO NOME, IDENTIDADE SEXUAL E SOBRENOME - Comentário de Maria Berenice Dias............ 127 RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - Vide Registro Civil. Retificação. Patronímico.
- Legitimidade ativa. Herdeiros e credores da herança. Extinção do processo em relação ao pedido de sonegados. Prosseguimento do feito em relação à pretensão de sobrepartilha. Legitimidade ativa do credor do herdeiro. Demonstrada a existência de nota promissória emitida por um dos herdeiros em favor do autor e que há bem imóvel pendente de partilha, na qual o referido herdeiro poderá ser contemplado, deve prosseguir o processo de sobrepartilha inaugurado pelo credor. TJMG (Em. 25/18)........................................ 175 - Tese de incomunicabilidade dos valores investidos em previdência privada fechada. Procedência. Art. 1.659, VII, do CC/02. STJ (Em. 25/70)..................................................... 188
T
S SEGURO DE VIDA - Inventário. Inclusão no monte-mor dos valores oriundos do plano de vida gerador de benefício livre (VGBL). O plano de previdência privada denominado VGBL tem natureza securitária e, portanto, nos termos do art. 794 do CC, não compõe o acervo hereditário. TJMG (Em. 25/15).................... 174 SENTENÇA ESTRANGEIRA - Homologação. Pensão. Menor. Decisão estrangeira que julgou objeto diverso de havido no acordo judicial brasileiro. Ausência de ofensa à soberania. Possibilidade de homologação. STJ (Em. 25/63)............................... 186 - Homologação. Proferida na Espanha. Divórcio litigioso. Citação válida. Decretação regular da revelia pela justiça estrangeira. Pressupostos formais preenchidos. STJ (Em. 25/49).............................................................. 183 SEPARAÇÃO JUDICIAL - Vide Sobrepartilha.
TESTAMENTO - Cláusula de inalienabilidade. Gravame sobre a legítima. Violação ao art. 165 do CPC/73. Não ocorrência. Necessidade de perícia. Livre convencimento. Instituição de cláusula de inalienabilidade. Necessidade de justa causa. Nos termos do art. 1.848/CC/2002, para que tenha validade a cláusula testamentária de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima, exige-se do testador a declaração de justa causa à restrição imposta. STJ (Em. 25/31)... 178 TRANSEXUAIS - Artigo de Mateus Turíbio de Moura e Vinicius Pinheiro Marques: “A Transição dos Direitos Adquiridos dos Transexuais de Antes para Após Operação de Mudança de Sexo”.. 26
U UNIÃO ESTÁVEL - Ação de reconhecimento e dissolução. Partilha. Contratos de promessa de compra e venda de imóveis. Comprovada a celebração de
Índice Alfabético – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 25 – Jul-Ago/2018
contratos de promessa de compra e venda de imóveis pelo ex-companheiro na constância da união estável, é assente na jurisprudência que os direitos incidentes sobre esses contratos integram o acervo partilhável. TJBA (Em. 25/67).............................................................. 188 - Aquisição onerosa de bens. Presunção absoluta de esforço comum. A jurisprudência desta Corte Superior já proclamou que, após a edição da Lei 9.278/96, vigente o regime da comunhão parcial na união estável, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da convivência são resultado do esforço comum dos conviventes. STJ (Em. 25/72)................................. 189 UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM - Ação de reconhecimento. Termo inicial da convivência. Coabitação. Requisito não essencial para a configuração do objetivo de constituir família. A coabitação dos compa-
203
nheiros não é requisito essencial para a caracterização da união estável, podendo o termo inicial da convivência ser anterior à data da residência comum. TJDF (Em. 25/17)......... 174 USUCAPIÃO - Artigo de Carolina Curvelo da Luz Batista e Durval Salge Junior: “A Usucapião Familiar”................................................................. 81
V VITOR HUGO DE MELO E ALINE LAMPERT ROCHA PAGLIOSA - Artigo: “A Perda do Direito Real de Habitação pelo Companheiro Sobrevivente Devido ao Não Exercício do Direito Através de Ação Declaratória”................................................... 58
Edital
de
Submissão
de
Artigos
A Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões faz público o seu edital de submissão de artigos científicos para publicação. 1. Os trabalhos podem ser redigidos em diferentes idiomas (inglês, português, espanhol, francês, italiano e alemão), mas devem observar as normas da revista, bem como a linha editorial de publicação. 2. Os artigos serão submetidos à apreciação do conselho editorial – e/ou a outros especialistas da área – pelo sistema de blind peer review, com aceite ou não, podendo ainda algum tipo de alteração ser recomendada pelos pareceristas. Tais eventuais sugestões de modificação serão acordadas com os autores. É garantido o anonimato dos autores, pareceristas e instituições de ensino envolvidas no processo de avaliação. 3. O artigo deve ser original, encaminhado via e-mail para doutrina@ editoramagister.com, em arquivo do Microsoft Word, com espaçamento entre linhas de 1,5, fonte Times New Roman tamanho 12 e formatação em papel A4 (com margem superior e esquerda em 3 cm e margem inferior e direita em 2 cm). Devem ser apresentadas em destaque as citações com mais de três linhas, em fonte tamanho 10 e espaçamento simples. 4. Os textos devem conter no mínimo 10 e no máximo 25 laudas, incluindo notas finais. As resenhas não devem ultrapassar 5 laudas. 5. Os artigos deverão ser acompanhados de resumo em português e inglês, com no máximo 15 linhas e indicação de palavras-chave em português e inglês. O sumário contendo os tópicos em que se divide o artigo deverá estar localizado abaixo do título e nome do autor. 6. Deverão estar indicadas, ainda, as seguintes informações sobre o autor: instituição a qual é ligado, cargo que ocupa, e-mail e titulação acadêmica. 7. As referências bibliográficas dos artigos deverão ser elaboradas de acordo com as especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (NBR 6023) e apresentadas no final do texto. 8. O autor receberá um exemplar da revista na qual seu artigo for publicado.