Corrente 59

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Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023 Corrente d’escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil Fundado por Afonso Rocha julho 2017 www.issuu.com/correntedescrita 2017 2023

Corrente d’ escrita

Florianópolis

Santa Catarina

Brasil

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www.issuu.com/correntedescrita

Fundador e diretor:

Afonso Rocha

Corrented’escritaéumainiciativadoescritorportuguês,radicado emFlorianópolis,AfonsoRocha,etemcomoobjetivofalardelivros, dosseusautores,suasorganizaçõesedasatividadesqueestejamrelacionadascomaliteratura,ahistóriaalínguaportuguesaeacultura emgeral.

ChamaremosparacolaborarcomoCorrented’escritaescritorese agentesliterários,aqualquernível,cujacolaboraçãoseráexclusivamentegratuitaesemqualquercontrapartida,anãoser,ocompromissoparadivulgar,propagaredistribuiresteMagazineLiterário.

Oenvioparapublicaçãodequalquermatéria(textooufoto)implicaa autorizaçãodeformagratuita.Asmatériasassinadassãodaresponsabilidadeexclusivadeseusautoresenãoreflete,necessariamente,a opiniãodeCorrented’escrita.Asimagensnãocreditadassãodo domíniopúblicoquecirculamnainternetsemindicaçãodeautoria.As matériasnãoassinadasãodaresponsabilidadedaredação.

Homenageia a Academia de Letras de Biguaçu pelo lançamento da sua antologia sobre os 200 anos de Independência do Brasil, com a aprovação de uma Moção de Aplauso (29/11/2022).

ACâmara de Vereadores do Município de Biguaçu/SC

A nossa capa Muitos críticos literarios e autores expressaram suas opinioes sobre o autor, entre eles, Mario Dionísio que prefaciou a obra Barranco de Cegos com os seguintes dizeres: "...Romance do Ribatejo, sim, e o mais completo livro que se escreveu sobre uma regiao que ja entusiasmara Garrett e interessara Ramalho. Romance dumafamíliapoderosaedummundoqueemtornodelaesobelagravita,decampinos,varinos,valadores.Masromancetambemdumaepocaedumpaís.Fundamentalmente,decegosqueconduzemcegospara obarranco,naimagemdeS.Mateus,edoesforçomaisoumenoscego, denodado e violento, para evita-lo em vao. Quem sao os cegos? Os políticos dum governo que cede perante a desordens dos tempos (industria, caminhos-de-ferro, liberalismo) em vez de reagir-lhes comdureza,comopensaDiogoRelvas."

AautoradecontosepoesiasparaopublicoadultoeinfantilMatildeRosaAraujodiz:“Julgoquetoda obradeAlvesRedolvivenaraizdeumprofundorespeitodeamorpelosdireitosdoHomem.E,necessariamente,pelosdireitosdacriança.”

ArquimedesdaSilvaSantosexpressasuaopiniaosobreRedol:“... aqualidadedeumaoutrasuaarte, hojetaoraramente cultivada, a da amizade. Sentimo-la, companheiros de Vila Franca, quando promovia reunioesdeleituraereflexaoemsuacasa,emprestando-noslivros,levando-osacolaboraremjornaiserevistas,ouorganizando sessoes culturais, passeios as lezírias e visitas a museus, aproximando pessoas de diferentes estratos socioeconomicos,deruraisecitadinos,deembarcadiçosribatejanosauniversitarioslisboetas,numconvíviodecomunhao,ousadosnessestemposdesuspeiçao.”

AntonioAlvesRedol,criadonoRibatejo,presenciadesdejovemas precariascondiçoesdevidadohomemrural,oquemaistarde,ira refletirdeformapreponderantenasuaescrita.

SobreAlvesRedol,voltaremosafalar...

Porhojeetudo,boasleituraseateaoproximomes.

Afonso Rocha

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Corrente d’escrita Número 50—fevereiro 2022
Editorial
ESCREVA

Antonieta de Barros

Atualidade

1901-07-11-1952-03-18

A primeira parlamentar mulher do Estado de Santa Catarina e a primeira deputada negra do Brasil nasceu em Desterro, hoje Florianopolis, terras conhecidas pela influencia e colorido europeu. Filha deumjardineiroedeumalavadeira, ambos escravos libertos, AntonietadeBarrosnasceunodia11de julho de 1901. Nessa epoca, quem mandava no campo da política eramoshomens–todosbrancos,e claro – e o destino de meninas pobresemodestaseraserempregada de famílias poderosas. Antonieta chegouatrabalharemcasadopolítico Vidal Ramos, pai de Nereu Ramos, que chegou a ser vicepresidentedoSenadoeapresidentedaRepublica,pordoismeses.

Ainda menina, Antonieta perdeu seupaiesuamaee,paraaumentar os seus recursos, transformou, em 1917, sua casa em uma pensao para estudantes. Esta foi a oportunidade para que ela começasse os estudose,comodemonstroudesde cedo um grande interesse pelo aprendizado,foiaceitenumaescola daregiaoparacursaroestudofundamental. Em 1921, ingressou na Escola Normal Catarinense, o que so foi possível com o auxílio financeiro de amigos da família. Mas, para a menina Antonieta, aquela nao era apenas a oportunidade de conseguir um emprego cobiçado

pormoçaspobrescomoela.Naverdade, foi o início de uma das mais legítimasvocaçoesdeeducadorade quetemosnotícianoBrasil.Antonieta continuou ensinando ate o fim desuavida,em1952.

Quando se formou, criou o Curso Particular Antonieta de Barros, com a convicçao de que o ensino era a condiçao de libertaçao das pessoas pobres. Foi tambem professora de portugues e de psicolo-

gianoColegioCoraçaodeJesus,no ColegioDiasVelhoenoColegioCatarinense. Foi diretora do Colegio DiasVelhoedoInstitutodeEducaçao,noperíodode1937a1945.Em diversos discursos diziaque a educaçaoeraocaminhoparaofuturo. Nos seus escritos, nas suas conversas,afirmavaque"educareensinar os outros a viver; e iluminar caminhos alheios; e amparar debilitados, transformando-os em fortes;e

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mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços; e transportaras almas que o Senhor nos confiar, a força insuperavel da Fe.

"Ides ensinar pequeninos. Ensinaios, pelo exemplo, a ser bons, sem ser tímidos; a ter a coragem da lealdade, sem ser indelicados; a ser valentes, na defesa da propria felicidade e na do proximo, sem a estreiteza do egoísmo. Nao deixeis que a raça,a cor, afortuna e todos esses ridículos nadas em que se perdem,muitasvezes,ascriaturas, sejam traços de distinçao, entre os pequeninos que o Senhor vos confiar.

"Socializai a criança, fazendo-a viver convosco as virtudes de que sereis pregoeiros, a fim de que cada uma aprenda que as nobres açoes so refletem a beleza quando praticadas por um imperativo de consciencia.Aqui,abençoando-vos, com abundancia d'alma, a vossa Amigadesempredeixa-vosir,saudosa, mas tranquila e confiante, porque sabe que haveis de pontilhar de luz a vossa caminhada, transformando-a numa esplendorosa Via Lactea, para, sob o olhar da Providencia, mais engrandecer oBrasil,dentrodeSantaCatarina.

"Olareaescolasaoasoficinasonde se formam e se aprimoram os

caracteres. A ambos, pois, cabe, dentrodasualindaesoberbafinalidade, preparar e adestrar o espíritodoque,inevitavelmente,entrara, amanha, no grande combate, que nao so abate os fracos, mas tambem os desprevenidos. So o conhecimento da ciencia da vida permite ao homem fugir das paixoes negativas que proliferam la fora, onde as competiçoes se chocameoshomensseentredevoram.

"E, se, pelo desamor ou – incuria dos que nos deveriam guiar – penetramosnagrandeluta,sos,olhos vendados,ignorantesdadissimulaçaodoataqueedaginasticadadefesa, quantas quedas e como os desencantos se encastelam em nosso caminho!... Em meio aprendizado, apenas, ja se sente a alma cansada, magoada, dolorosamente envelhecida, em farrapos... E forte eprivilegiadoeoquenaosucumbe vencido,esedeixair,arrastadono grande turbilhao... Que se inicie cada criança no conhecimento dos deveres, inerentes a sua condiçao de humano. Nao e bastante dizerse humano: e preciso se-lo realmente, agindo com a preocupaçao elevada de alcançar, na aurora de amanha,umpoucomaisdoareda luz, que hoje se obteve. Isto, porem, sem acotovelamento, dentro dos limites da sua individualidade, sem ferir ou negar direitos de ou-

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trem. O bem-estar, entre os humanos, so sera duradouro quando houver conhecimento da individualidade propria e o respeito pela doproximo.

"Que os pequeninos conheçam o venenoquedestilaalisonja,abajulaçao, armas dos incapazes, dos que necessitam de muletas; que aprendam a repudiar os ginastas dasespinhasflexíveise,sobretudo, quenaosedeixemvencerpelavaidade – o mais tolo dos sentimentos, capaz de esbater e apagar todas as virtudes. Que se mostre aos pequeninos,comaluzdocoraçaoe daexperiencia,"ocaminhoporonde devem andar", ensinando-lhes quetodasasestradassaopedregosasehaespinhosemtodasasveredas,masque,porsercadacriatura o deus da sua trajetoria, e seu deverimperativoarealizaçaododivino milagre – tanto mais admiravel quanto mais difícil: transformar em frutos e flores as pedras e os espinhos encontrados na dolorosa 'sendadecurvasestreitas'".

Ser professora era o seu principal talento, mas Antonieta nao parou poraí.Em 1926,fundouo periodico "A Semana", colaborou com o jornal "A Republica", de 1931 a 1936, escrevendo cronicas com o pseudonimo de Maria da Ilha. Em 1937, publicou a primeira ediçao de um livro de cronicas, "Farrapos

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de Ideias", o mesmo título de sua coluna em "A Republica", onde aprofundou as suas ideias de vanguarda.

A renda do livro foi destinada ao abrigo dos filhos de leprosos da Colonia Santa Tereza, conhecido como"FilhosdeLazaro".

ComanovaConstituiçaodeGetulio Vargas,em1934,AntonietaconcorreuaeleiçaoparaaAssembleiaLegislativa do Estado e foi eleita, em 1935. Seu mandato foi ate 1937, pelo Partido Liberal Catarinense. O interessanteequeAntonietanaose dizia feminista, mas pregava que a mulherdeveriadeixardedepender do homem e conseguir sua independenciagraçasaoestudo.

Em 1951, ela deixou a política e morreu no dia 18 de março de 1952, no Hospital de Caridade. Tinha apenas 51 anos. Nao se casou, nemtevefilhos.Ojornal"OEstado" noticiou: "A capital do Estado foi ontemabaladacomadolorosanotí-

Atualidade

cia do falecimento da Exma. Sra. Antonieta de Barros, que dias antes fora internada no Hospital de Caridade.Anotícia de imediato se propalou por toda a cidade, provocando a maior consternaçao".

Antonieta de Barros esta sepultada no Cemiterio Sao Francisco de Assis, no bairrodoItacorubi,emFlorianopolis.

Homenagens prestadas a Antonieta de Barros:

• AuditorioAntonietadeBarros, AssembleiaLegislativadoEstado deSantaCatarina,Florianopolis.

• EscolaAntonietadeBarros, Centro,Florianopolis.

• TunelAntonietadeBarros,Florianopolis/SC.

• RuaProfessoraAntonietade Barros,Canto,Florianopolis.

• SalaAntonietadeBarrosda ProcuradoriadaMulher,Camarade VereadoresdePenha.

• DiretorioCentraldeEstudantes AntonietadeBarros,Universidade doEstadodeSantaCatarina,DCE/ UDESC.

• Painel(32metrosdealturapor 9delargura),RuaTenenteSilveira, CentrodeFlorianopolis,elaborado

pelosartistasThiagoValdi,Tuane FerreiraeGugie,inauguradoem18 deagostode2019.

• InscriçaodonomedaDeputada CatarinensenoLivrodosHeroise HeroínasdaPatria,solicitaçaoPL 4.940/2020,doCongressoNacional,aprovaçao2021.Olivro,depositadonoPanteaodaPatriaeda LiberdadeTancredoNeves,destina -seaoregistroperpetuodonome dosbrasileirosquetenhamoferecidoavidaaPatria,parasuadefesae construçao,comexcepcionaldedicaçaoeheroísmo,conformeaLei nº11.597/07.OnomedeAntonieta deBarrosfoiaprovadopelaComissaoeConstituiçaoeJustiçaede CidadaniadaCamaradosDeputadosemjunhode2022,esancionadapeloatualpresidenteLulada Silva,em3dejaneirode2023.

• ProgramaAntonietadeBarros (PAB),políticapublicadaAssembleiaLegislativadoEstadodeSanta Catarina,instituídapelaLeinº 13.075,de29dejulhode2004. Trata-sedeumaaçaoafirmativa quearticulapolítica,educaçaoe trabalho.OPABtemcomoobjetivo promoveratransformaçaosocial atravesdoestagiodestinadoaos jovensemsituaçaodevulnerabilidadesocioeconomica.UmainiciativainclusivaeantirracistadaALESC paraenfrentarasdesigualdades ocasionadaspeloracismoestrutural.Aprimeiracoordenadorafoi JeruseRomao,asegundafoiMarilu LimadeOliveira,atualmente,o ProgramaecoordenadoporMirian LopesPereira.ParamaisinformaçoessobreoPABbuscaroartigo

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"Estagio,inclusaoetransformaçao socialcomopolíticaantirracista".

• ProgramaMemorialAntonieta deBarros,daUniversidadedoEstadodeSantaCatarina.Promove açoesdeextensaonoauxílioaimplementaçaodasLeisFederaisnº 10.639/03enº11.645/08,sobre asDiretrizesNacionaisdeEducaçaoparaasRelaçoesEtnico-raciais, HistoriaeCulturaAfro-Brasileirae AfricanaeasDiretrizesparaaEducaçaoIndígenaePolíticadeAçoes afirmativas.

• RecebeuhomenagemdaAssembleiaLegislativadoEstadode SantaCatarinapelaslegislaturas exercidasnoseculopassado,deferenciaconcedidanoanode1999.

• MedalhaAntonietadeBarros, daCamaradeVereadoresdeFlorianopolis.Parahomenagearmulheresquesedestacaramnasareas cultural,política,desportiva,empresarial,deprestaçaodeserviços ouaçaosocialnomunicípio.

• MensagemafamíliadeAntonietadeBarrosemreverenciaaos 120anosdonascimentodaDeputada.

• TítulodeDoutoraHonoris Causa,concedidopelaUniversidadeFederaldeSantaCatarina (UFSC)poriniciativadaspesquisadorasdoCentrodeEducaçao:Dra. JoanaCeliadosPassos,Dra.Eliane DebuseDra.PatríciadeMoraes Lima,2021.

• Antonieta,documentarioda cineastapaulistaFlaviaPerson, lançamentoemFlorianopolis,final de2015.

• SeçaoAntonietadeBarrosna

bibliotecaeacervovirtualdaUniversidadedoEstadodeSantaCatarina(UDESC).

• PersonalidadesdoParlamento, seriedereportagenscomfiguras historicasqueforamhomenageadascomanomeaçaodosespaços daALESC,nocasodaDeputada Antonieta,oauditorio.

• AntonietadeBarros:cultura afro-brasileiraapartirdaeducaçao,dapolíticaedaliteratura, transmissaoaovivorealizadaem 19denovembrode2020,organizadapelaEscoladoLegislativoDeputadoLícioMaurodaSilveira.O eventoremotocontoucomaparticipaçaodasescritorasJeruseRomaoeElianeDebus.

• Resistenciasnegrasnosespaçosdepoder:olegadodeAntonietadeBarros,eventoon-linepromovidopelaSecretariadeAçoes Afirmativase Diversidadesda Universidade FederaldeSanta Catarina.Jeruse Romaofoiaconvidadaparaa palestra,emnovembrode2021.

• Oprojeto40 MulheresNegras foiumprocesso seletivoexclusivoeaprimeira açaoafirmativa etnico-racialda Universidadedo EstadodeSanta Catarina (UDESC).Asvagasforamofer-

tadasnocursodePedagogia,do CentrodeEducaçaoaDistancia (CEAD),naturmade2003.De acordocomAssessoriadeComunicaçaodaUDESC,asestudantesse identificavamcomoas"40Antonietas",emreferenciaaDeputada EstadualAntonietadeBarros.A açaofoiummarconavidadessas estudantes,emboapartedoscasos,asalunasforamaprimeiraintegrantedafamíliaaingressare concluiroensinosuperior.Marilu LimadeOliveira,Coordenadorado ProgramaAntonietadeBarros (PAB),doParlamentoCatarinense, noperíododemarço/2005ate março/2016,integrouessainiciativadeinclusaosocial.

•AntonietadeBarrosepatronada cadeiranumero06daAcademiade LetrasdeBiguaçu,atualmenteocupadapeloescritorportugues,radicadoemFlorianopolis,AfonsoRocha.

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VIRGÍLIO VÁRZEA, 1863-01-06/2023-01-06

Virgílio dos Reis Varzea nasceu na FreguesiadeCanasvieirasem06de janeiro de 1863, numa casa engenhopertencenteatradicionalfamília do Major da Guarda Nacional, Luiz Alves de Brito, lavrador mais prosperoemaispopulardolugare vidaaplicadaafainadasredes.Possuía dois primitivos engenhos de açucar e de farinha de mandioca, alem de dois ranchos de pesca, onde abrigava grandes canoas na praiadeCanasvieiras,juntoaPonta dasPedras.

Seupai,oCapitaoJoaoEstevesVarzea, portugues do Minho quando navegandopelacostadoBrasil,um belo dia aportou na ponta norte da Ilha de Santa Catarina, conheceu e se casou com Chiquinha de Andrade, que faleceu alguns anos depois, deixando-lhe dois filhos: Joao EsteveseManoel.

Casou-senovamente,destavezcom a menina moça de quatorze anos JuliaMariaAlvesdeBrito,primada primeira mulher e com quem costumava brincar desde criança, trazendo-a ao colo. Com esta segunda esposa, que viria a falecer somente a 2 de maio de 1904, aos 74 anos de idade, teve cinco filhos: Julia, MariaAmelia,LuíseTerencio-este ultimofalecidonaidadedeumano. Dessa uniao tambem nasceu nosso ilustrefilhodeCanasvieirasVirgílio

Varzea.JuliaMariaAlvesdeBrito,a mae de Virgílio, era de família destacada,nascidadetradicionaltron-

coaçoriano,quejaderacomandantesdeveleirosealmirantesamarinha brasileira. Pelos avos maternos,Virgíliobrotoudeumaassociaçao de marinheiros (os Lemos) e lavradores (os Alves de Brito) o que lhe proporcionou heranças hereditariasdecisivas.

Nas "Memorias", assim caracterizou sua mae: “casou aos quatorze anosesportivosquebatiamacavalo os caminhos dos arredores, enganchadacomo homemeenfrentavaderebenquenamaoosescravos bebedos, quando nos engenhos se celebrava a fartura do melado e da cachaça". Considerado o autentico retratista dos costumes da gente e da paisagem marinha de sua terra, introdutordogeneromarinhistana Literatura Brasileira e o criador do conto catarinense. Engenhos, ranchos, canoas, praias, promontorios saopaisagensconstantesnoslivros doescritor.Nas"Memorias"falada sualiberdadeecontatocomanatureza:"Naofoigurique viveu trancado e relata ter nascido no "casarao amarelo, de quatro aguas, na rua Velha, a um quilometro do mar", em Canasvieiras. Virgílio era "produto de duas vidas criadas ao ar livre", como ele mesmo anota.

Quando tinha oito anos de idade sua família transferiu-se para a cidade do Desterro, indo morar no bairrodaFigueirajunto ao mar. Nas ferias

escolares acompanhava o pai nas viagens regulares do litoral catarinense, transportando imigrantes europeus e cargas para os portos de Sao Francisco do Sul, Laguna e Itajaí. Em Desterro, Virgílio passou a frequentar, em 1871 e 1872, o ColegioRioBranco.Iniciaentaoseu conhecimento com Cruz e Sousa, masaamizadeentreambosseconsolida em 1873, quando ambos eram alunos da escola primaria do professor Jose Ramos da Silva. Virgílio era extrovertido e habil conversadordesdejovem.

Em 1876, o pai de Virgílio Varzea veioafalecer.Osonhodesetornar oficial da marinha do Brasil e o amorpelomarlevounossoVirgílio para a Escola Naval, no Rio de Janeiro.Aos16anosdeidadeincompatibilizando-secomoprofessorde matematica,portertraçadocaricaturasqueforamconsideradasofensivas,areprovaçaonessadisciplina o fez abandonar a intençao de tor-

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nar-se oficial da Marinha Brasil. Desgostoso e sem avisar a família, vai para a cidade de Santos, arranjando trabalho como praticante de piloto,nolugre“Lívia.

A bordo da polaca-goleta "Mercedes",debandeiraespanhola, conheceu entao as Antilhas, Cuba, Havana, Venezuela, Colombia e fez diversasviagensparaBuenosAires, Montevideu,costadaPatagoniaeo Estreito de Magalhaes. Depois foi transferido para o brigue ingles “Theodoro”, passando a percorrer outrosmares.Foiumandarilhodos oceanos, conheceu os portos do arquipelago de Cabo Verde e da Europa.

No retorno ao Brasil, a pedido de sua mae emprega-se por pouco tempo na tipografia do catarinense Justiniano Esteves Junior, radicado no Rio de Janeiro. Algum tempo depois,voltaaosmaresevaiconhecer a Africa do Sul e os portos do Oceano Indico, viagem essa que inspirou a escrever belos contos e novelas.

Em 1881, Virgílio resolve entao ficaremDesterro,ereencontracolegas de bancos escolares, dentre eles: Cruz e Sousa, Santos Lostada, Araujo Figueiredo e Horacio de Carvalho e o proprio Virgílio Varzea, começando a escrever nas paginasdosjornaisdeSantaCatarina. Ainda moço começa a ensaiar os primeirospassosnojornalismo.Na literatura e nas atividades jornalísticas e que vai desabrochar e formar-se o nosso filho ilustre de CanasvieirasegrandeescritorVirgílio Varzea.

Em parceria com Cruz e Sousa e

ManoeldosSantosLostada,fundou e editou em 1881, o jornal manuscrito “Colombo”, que circulou poucos numeros e depois a “Tribuna Popular”, que mais tarde transformou em folha abolicionista. Em 1883 o medico Francisco Luiz da Gama Rosa assumiu a Presidencia daProvíncia,dandoguaridaaogrupo. Virgílio Varzea entao e nomeado oficial de gabinete da Presidencia, começando ali sua carreira de servidor publico, ocupando diversoscargos.Em1884naspaginasdo jornal“ARegeneraçao”,atacaotradicionalismoatravesdeartigosque mais tarde reuniu sob o título “Guerrilha Literaria Catarinense”. Começou escrevendo versos, “Traços Azuis” em 1884, depois “Tropas e Fantasias” escritos em parceriacomCruzeSousa.Quando GamaRosadeixaoGovernovaipara o Rio de Janeiro. Abolicionista discreto entrou na política em 1892, e eleito deputado ao Congresso Estadual, participa da Constituinte.

Em 1896, fixa-se definitivamente noRiodeJaneiro.

Em1889enomeadoinspetorescolar do Distrito Federal, exercendo estafunçaoateaaposentadoria.

Em1895publica“MareseCampos” eanovela“RoseCastle”.Em1900a obra “Santa Catarina – a Ilha”, um trabalho que retrata o ambiente socioculturaldasuaterra,osusose costumesdesuagente,alemdedados historicos e geograficos, descrevendo as admiraveis paisagens da Ilha de Santa Catarina. No ano seguinte:“ContosdeAmor”,“Anoiva do Paladino”, “Jorge Marcial” e em 1902 escreve “Garibaldi na

America”.

O mais importante de seus romances foi “O Brigue Flibusteiro” em 1904 e relançado em 1941, ano de sua morte. Escreveu outros livros contos: “Historias Rusticas”, “Os Argonautas” e “Nas Ondas”. Escreveu em varios jornais do Rio de Janeiro: “Cidade do Rio”, “Gazeta de Notícias”, “Jornal do Comercio”, “O País”,“AImprensa”“CorreiodaManha” e “Correio Mercantil” de Sao Paulo. Por falta de interesse proprio nao chegou a entrar para a AcademiaBrasileiradeLetras,contudoem1906seunomefoilembrado pelo crítico Jose Veríssimo para ocupar a vaga do poeta Teixeira de Mello,masrenunciouacandidatura emfavordoamigoaquemadmiravaArturJaceguay.

A Academia Catarinense de Letras reservouaVirgílioVarzeaacadeira numero 40. Em 1963, a Academia promoveu a comemoraçao do centenario de nascimento do escritor. Na ocasiao foram realizadas conferencias e reediçoes de seus trabalhosemfolhasliterarias.Tambemo Governo do Estado deu o nome de “Virgílio Varzea” a rodovia que liga FlorianopolisaCanasvieiras.

Longe de sua terra natal, um ano antes de seu falecimento redigiu suas “Memorias” e reviu sua obra literaria, ordenando os ineditos. Faleceu no dia 29 de dezembro de 1941,deixandoumprofundovacuo na literatura brasileira. Deixou de publicar diversas obras que mais tarde foram lançadas: “Santa Catarina–oContinente”“Garibaldieas Republicas Juliana e Rio Grandense”, “Cartas da Beira Mar”, “A Rosa dosVentos”,entreoutras.

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Perfil

Bahia, em Salvador, formando-se em1948.Masnaodeixouointeressepelageografiadelado.

Ele tambem trabalhou no jornal ‘A Tarde’, primeiro como correspondente,depoiscomoeditor.Namesmaepoca,escreveuolivro‘Zonado Cacau’, posteriormente incluído na Coleçao Brasiliana, ja com influen-

de Federal da Bahia. Nessa epoca, teve presença marcante na vida academica, em atividades jornalísticas e políticas de Salvador. Em 1961,viajouaCuba,comoeditordo jornal ‘A Tarde’, com a comitiva de Janio Quadros, entao eleito Presidente da Republica. Logo apos ser empossado, Janio Quadros o convi-

Milton Almeida dos Santos

O brasileiro perseguido pela ditadura que ganhou o “Nobel da Geografia” . Milton Santos foi o primeiro geógrafo da América Latina a receber o Prêmio Vautrin Lud.

Milton Almeida dos Santosnasceu em Brotas de Macaubas (BA), no dia 3 de maio de 1926, e foi um geografobrasileiro.

Graduado em Direito, destacou-se por seus trabalhos em diversas areasdageografia,emespecialnos estudosdeurbanizaçaodoTerceiro Mundo. Foi um dos grandes nomes darenovaçaodageografianoBrasil ocorrida na decada de 1970. Tambemsedestacouporseustrabalhos sobreaglobalizaçaonosanos1990. A obra de Milton Santos caracterizou-se por apresentar um posicionamento crítico ao sistema capitalista, e seus pressupostos teoricos dominantes na geografia de seu tempo.

Ao terminar os estudos ginasiais, Milton Santos fez o curso prejurídico entre 1942 e 1943 e com 18 anos prestou o vestibular para direito na Universidade Federal da

cia da escola francesa do posguerra.

No Congresso Internacional de Geografia, sediado no Rio de Janeiro, Milton Santos foi convidado para fazer doutorado na França. Entre 1956 e 1958, Milton concluiu seu doutorado na Universidade de Estrasburgo, com a tese ‘O Centro da CidadedeSalvador’.

Ao regressar ao Brasil, criou o LaboratoriodeGeomorfologiaeEstudosRegionais,mantendointercambio com os mestres franceses. Em 1960, tornou-se livre-docente em GeografiaHumanapelaUniversida-

dou para ser subchefe da casa civil naBahia,cargoqueexerceuduranteocurtomandatodopresidente.

Em 1964, logo apos o golpe militar que instituiu a ditadura no Brasil, Milton Santos foi preso. Em junho, navesperadodiadeSaoJoao,devidoauminíciodeAVC,foilevadoao hospital e depois foi solto. Nessa epoca,jatinharecebidovariosconvitesparatrabalharemuniversidades francesas, porem estava impedidodedeixaropaís.

Importantes personalidades locais, sobretudo o consul da França na Bahia na epoca, intervieram junto asautoridadesmilitareslocaispara

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negociarsuasaídadopaís,aposter cumprido meio ano de prisao domiciliar. Milton conseguiu deixar o Brasil, partindo para a França. Ele achou que ficaria fora do país por seis meses, mas acabou ficando 13 anos. No período, passo por universidades de diferentes países: foi pesquisador no MIT (Massachusetts Institute of Technology – EUA) e professor convidado nas universidades de Toronto (Canada), Caracas (Venezuela), Dar-es-Salam (Tanzania) e Columbia University (NewYork).

Milton Santos retornou ao Brasil em 1977 e em 1978 publicou o livro ‘Por uma Geografia Nova’, no qual criticava os parametros existentes e pedia pela renovaçao dessaciencia.Produzindomuito,antes e depois do exílio, o impacto de suasobrasnoBrasilfoienorme.

Milton Santos ganhou o Premio Vautrin Lud, em 1994, o de maior prestígio na area da geografia. O premio e considerado “o Nobel da Geografia”. Milton Santos foi o primeiroeeounicogeografodaAmerica Latina a ter ganhado o premio em questao. Foi tambem agraciado postumamente, em 2006, com o PremioAnísioTeixeira.MiltonSantos continuou lecionando na USP ate sua aposentadoria, em 1997. Milton Santos faleceu em 24 de junho de 2001, aos 75 anos, em Sao Paulo.

Para saber mais sobre ele, acesse aosite miltonsantos.com.br.

O site e mantido pela família de Milton Santos e reune informaçoes e materiais relacionados a vida e a obradogeografo.

CONVENTO DE MAFRA

Mandado construir no seculo XVIII peloReiD.JoaoVemcumprimento deumvotoparaobtersucessaodo seu casamento com D. Maria Ana de Austria, o Palacio Nacional de Mafra e o mais importante monumentodobarrocoemPortugal.

Olançamentodaprimeirapedrada RealBasílicadeMafraocorreua17 de Novembro 1717 e foi sagrada a 22deoutubrode1730,diado41.º aniversariodoReiD.JoaoV,sendo dedicada aVirgem Maria e a Santo Antonio.

Naosendoaresidenciahabitualda família Real portuguesa, o Paço de Mafra foi sempre muito visitado pelos reis, para assistirem a festas religiosas ou caçar na Tapada. Construído em pedra lioz da regiao, o edifício ocupa uma area de quatrohectares(37.790m2),compreendendo1200divisoes,maisde 4700 portas e janelas, 156 escadariase29patiosesaguoes.Talmagnificencia so foi possível devido ao ouro do Brasil, que permitiu ao monarca por em pratica uma políticamecenaticaedereforçodaautoridaderegia.

O Real Convento de Mafra possui um conjunto de dois carrilhoes ou seja uma serie de sinos afinados musicalmente entre si. No caso de Mafra sao noventa e oito sinos, o queostornaunsdosmaiorescarrilhoes historicos do mundo. Cada torresineiratinhacinquentaeoito sinos,pertencendoacadacarrilhao quarenta e nove, com o peso total de217toneladas.

Em 1717, D. Joao V mandou construir o Real Convento deMafra em cumprimentodeumapromessa:se a rainha Dona Maria Ana de Austria,lhedesseumfilhovaraomandava construir um convento dedicadoaSantoAntonio.Eassimfoi.O projeto que pretendia abrigar apenas109fradesfranciscanostornou -se rapidamente - devido ao ouro quevinhadoBrasilequecomeçou a entrar nos cofres portuguesesnum projeto muito ambicioso que empregou 52 mil trabalhadores e passouaabrigar330frades.

Apesar dos acrescentos em reinados posteriores, a obra de Mafra caracteriza-se pela unidade estilística.Resistiuaoterramotode1755 easinvasoesfrancesas.

Saber mais: Ler Memorial do Convento, de José Saramago.

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Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023 Manuel Grilo

ANTÓNIO MEGA FERREIRA VENCE O GRANDE PRÉMIO DE LITERATURA DE VIAGENS MARIA ONDINA BRAGA

Umjuri,coordenadoporJoseManuel Mendes, constituído por Annabela Rita, Guilherme d’Oliveira Martins e Isabel Cristina Mateus, atribuiu, por unanimidade, o Grande Premio de Literatura de Viagens Maria Ondina BragaAPE/CMdeBragaaolivroCronicasItalianas,(SextanteEditora),de AntonioMegaFerreira.

Naataojurifundamenta:«AntonioMegaFerreiraem “CronicasItalianas”da-nosumaobradegrandequalidade literaria, na qual a viagem se associa a grande literatura, a arte e a cultura e onde o classico “Grand Tour” cede lugar a descoberta das narrativas ocultas nascidadesdeItaliaeaodialogoquecomelasestabeleceramturistasapaixonadosegrandeautoresdacultura europeia como Stendhal, Rilke, Proust e Freud. Viajarganha,assim,umaricadimensaodeprocurada vida,daHistoriaedavalorizaçaodopatrimoniocultural para alem da imediata apreensao do que se ve e sente.

Pode dizer-se que se trata de um precioso vademecumcapazdeenriqueceraviagemeoviajante.»

Nesta 5.ª ediçao da Grande Premio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga, instituído pela AssociaçaoPortuguesadeEscritorescomopatrocíniodaCamaraMunicipaldeBraga,concorreramobraspublicadasnoanode2021.

O valor monetario deste Grande Premio e, para o autordistinguido,de€12.500,00.

A cerimonia de entrega do premio sera anunciada oportunamente.

Nota Biográfica

Antonio Mega Ferreira, escritor, gestor e jornalista, nasceu em Lisboa em 1949. Estudou Direito e Comunicaçao Social, foi jornalista no Jornal Novo, noExpresso,emOJornalenaRTP,ondechefiouaredaçao da Informaçao do segundo canal. Foi chefe de redaçaodoJL JornaldeLetras,ArteseIdeias.Fundou as revistas Ler e Oceanos. Chefiou a candidatura

de Lisboa a Expo’98, de que foi comissario executivo. Foi presidente da Parque Expo, do Oceanario de Lisboa e da Atlantico, Pavilhao Multiusos de Lisboa. S.A. De 2006 a 2012, presidiua FundaçaoCentro Cultural de Belem. De 2013 a 2019, desempenhou as funçoes de diretor executivo da AMEC/Metropolitana. Tem cercade40obraspublicadas,entreficçao,ensaio,poesiaecronicas.

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Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023

Num evento cultural / literário organizado pelo executivo de Governador Celso Ramos, no passado dia 5 de novembro, onde tomaram posse os novos acadêmicos na Academia de Letras do referido município, diversos escritores foram homenageados pela sua atividade na divulgação de literatura e cultura no Estado de Santa Catarina.

O nosso diretor, Afonso Rocha, também seria um dos homenageados, recebendo o troféu do “1º Festival Literário”.

Na foto ainda os confrades William Wollinger Brenivida; Janice Valpato, José André Gesser e Neusita Azevedo, da Academia de Letras de Biguaçu.

Em baixo, os novos Acadêmicos, sendo recebidos pelo presidente Miguel João Simão.

Página 13 Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023 Divulgue Partilhe Leia Corrente d’escrita Aceda ao nosso site e inscreva-se: será sempre avisado quando tivermos novidades www.issuu.com/correntedescrita

Casario em Portugal

Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023 de 2022

Com a participação de 16 acadêmicos da Academia de Letras de Biguaçu; 3 acadêmicos mirins e 30 alunos das escolas públicas e particulares de Biguaçu que participaram no concurso literário 2022.

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Ano
Número 59 Mensal: fevereiro de 2023

Para divulgar (grátis) seus trabalhos no Corrente d’escrita

Envie-nosseustextos(maximo:4miltoquesparacronica,contoouensaio).

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Notas de Leitura

UmaFLORNAJANELA,deRudneyOttoPfutzenreuter foiminhacompanhianestesdiasdedescanso.Leitura defacilcompreensaoedeenredocativante,oautor conta-nosos “azares”davidaqueconduziramTeresae Robertaparaumacasadeacolhimento. Tudoistoacontecenaprimaveradainfancia,quese voltama“deglutir”,janosdiasoutonaisdavida. Rudney,querecentementefoiadmitidonaAcademia CatarinensedeLetras,enaturaldeOrleans.Avida “

empurrou-oparaforadeSantaCatarina,onderegressouapos21anos,tendovividoemSaoPaulo,Riode JaneiroeBrasília.

Contatodoautor:rudneyop@gmail.com

LUPE Tudo começa na localidade do Amâncio, em Biguaçu/ SC, um dos lugares mais lindos do mundo, na segunda metade da década de 1960. Assim conta o autor de LUPE, e o resgate da medalha, numa obra que são três em um: romance, conto e crônica e que também fez parte das nossas escolhas de leitura neste período de férias de verão.

José Braz da Silveira é advogado, escritor, ex presidente da Academia de Letras de Biguaçu/SC. Escreve, por prazer, mas também porque, como cita Monteiro Lobato, acredita que “um país se faz com homens e livros”.

Contato do autor: braz@braz.adv.br

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CASOS & GENTE com História

Escravos açorianos no Brasil

Escravos açorianos no Brasil: uma história quase desconhecida do grande público.

O desejo de encontrar um futuro melhornemsemprecorriacomose esperava e muitos emigrantes açorianos acabaram por ser escravos noBrasil.

Em Portugal, o fenomeno da emigraçao organizada dirigida para a colonizaçao foi predominante nos seculos XVII e XVIII, impondo-se a emigraçaoespontanea.IstoaconteciaespecialmenteparaoBrasil,que eravistocomoumdestinocheiode novasoportunidadesedemelhores condiçoes de vida para os portugueses que para la fossem. Mas nemtudoeramrosas…

Ao longo destes seculos, a emigraçao de portugueses, especialmente de açorianos, aumentou e, a partir da decada de 30 do seculo XIX, o fluxo aumentou de tal forma que autoridades e a opiniao publica se aperceberam do fenomeno da chamada “escravatura branca” ou “escravatura açoriana”, com relaçao a emigraçao clandestina, e que afetavatodooterritorionacional.

Assim, num tempo em que se pro-

curava abolir a escravatura, o foco daemigraçaoerammulheresaçorianasquechegavamaoRiodeJaneiro e eram forçadas a trabalhar em prostíbulos, vítimas de contratos ilegais e abusivos.Getulio Vargasestabeleceuumaleiqueinstituía cotas de migraçao para o Brasil, numatentativadeconterachegada de pessoas vindas de outras regioes,ajudandoassimnocombateao fenomeno. No entanto, ainda era perceptívelofluxodeaçorianosno BrasileminíciosdoseculoXX.

Estas transaçoes foram denunciadasporvariasvozes,masaverdade e que em alturas de crise e de escassez,ounicocontornoparaafalta de empregos e demeios desubsistencia era a emigraçao, mesmo que ilegal. Como os açorianos tinham a fama de bons trabalhadores e se encaixavam no perfil de pessoas que as Companhias de Colonizaçao queriam fazer chegar ao Brasil, as atividades nestas ilhas forammuitomarcanteseprolongadas,areveliadalei.

Namaior parte das vezes, este tipo deescravaturadiziarespeitoacontratos de trabalho desvantajosos, oumesmoapropriavendadamaode-obra no Brasil. Para alem das condiçoes de trabalho desumanas no país de destino, o transporte destas pessoas era feito em navios sobrelotados e sem condiçoes, o que levava a que muitos nao chegassem ao seu destino, e que os sobreviventes ficassem em condiçoesprecariasdesaude.

Os emigrantes, na impressao de que iam para um destino melhor, empenhavamtudooquetinhamna partida.Oseucontrato,noentanto, obrigava-os a descontar do futuro salario o pagamento da passagem, acabandoestesporficaremabertos atodootipodesituaçoesabusivas. Como nao sabiam contar e desconheciam a moeda, tornavam-se presasfaceisparaosempregadores estrangeiros, dos quais se tornavamdependentes.

Como forma de desmistificar a ideia da terra de oportunidades que o Brasil poderia representar, osjornaisdedicaram-seaconsciencializaçao das autoridades locais, regionais e nacionais, publicando testemunhos de pessoas que tinham sido vítimas do fenomeno e lançando-se contra o negocio do aliciamento. Tornaram-se frequentesaslistasdeportuguesesmortos no Brasil, e apelava-se ate aos padres para que persuadissem os crentes a nao embarcarem na viagem.

Na decada de 30, surgiu a expressao “escravatura branca”, usada pela primeira vez pelo secretario de Estado Jose Maria Capelo, referindo-se ao trafico de migrantes, vindos especialmente dos Açores, MadeiraenortedePortugal.

Eminícios de 1839,o deputado Almeida Garrett denunciava igualmente o fenomeno, dando particular relevo aos Açores, pela sua populaçao estar sujeita a uma manifesta desigualdade em relaçao ao

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continente.Em1840,odeputadoSa Nogueiraalertavaparaanecessidade de manter uma comissao que propusesse meios de travar este fenomenonocivo.

Em1842,porintervençaodoMinisterio da Marinha e do Ultramar, o governoprocurourestringirotrafico da escravatura açoriana, o que se revelou difícil, ja que nenhuma leiproibiaamudançadedomicílio.

Mesmo assim, publicou-se uma portaria pelo Major General da Armada, os seus intendentes e outras

autoridades que, entre outras medidas, obrigava a apresentaçao de passaporte, eao transporte de passageiros em conformidade com as regras definidas (o que incluía um abastecimento de comestíveis e de agua).

De pouco resultaram estas medidas, porqueem1859, osíndices de emigraçao clandestina nos Açores chegaramatalnívelqueoPrimeiro -TenentedaArmada,AiresPacheco Lamare,foidestacadoparairailha deS.Miguel,deformaaproporos

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AimigraçaoportuguesaparaoBrasil, entreosanosde1820e1972,chegou aatingirnumeroastronomicos,sem falar,todaapopulaçaoqueveiopara oBrasilduranteoperíodocolonial. Entre1820e1930,chegaram1341 826indivíduose, Entre1931e1972,vierammais448 388,perfazendoumtotalde1790 214.

Em20anos,entre1880e1900,teriamvindo332293. Opovoportuguesfoi,desdesempre,o maiorcontingentedepovosqueengrossaramapopulaçaobrasileira.

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Escravos açorianos (cont)

meios adequados para por travao aofenomeno.

Em 1863, o Regulamento Geral de Polícia voltava a incluir medidas relativas ao policiamento das embarcaçoes, chegando a estipular as tipologias de navios destinados ao

transporte de emigrantes. A questao ressurgiu em 1876, graças a faltademeiosouainerciadasautoridades.

Mas a verdade e que o aliciamento de emigrantes era um problema de difícil extinçao, ja que os agentes iam de aldeia em aldeia a anunciar

braçoes literariase metaforas acadasegundo.

ilusoes de fortuna a quem os quisesseouvir,levandoaqueoslocais vendessem tudo o que tinham e assinassemumaescritura,pagando a passagem com o seu trabalho e, muitasvezes,comasuavida.

Antes de aprender a ler livros, Mia Couto (Beira, Moçambique, 1955) aprendeu a ler a terra. A grande diversao de seu pai, um poeta que tevequeexilar-sedePortugaldevido a perseguiçoes políticas, era passear com os filhos ao longo da linha do trem para buscar pequenas pedras brilhantes no meio da poeira. "Ele ensinou-nos a olhar para as coisas que pareciam sem valor. E, sem nunca nos obrigar a ler,ensinou-nosaleravida",conta AntonioEmílioLeiteCouto Miae um pseudonimo em uma sala de reuniaodeumarranha-ceusdeSao Paulo. Com uma camiseta azul (um tanto amassada) da mesma tonalidade de seus olhos e uma calça jeans, o escritor parece haver caído de repente no espaço onde, no recinto ao lado, homens e mulheres em blazers e paletos discutem negocios. Por vezes, as vozes do grupoelevam-se,aindaquesutilmente, mas o suficiente para contrastar com o tom monocordio e pausado do escritor moçambicano, que, em sua fala tranquila, constroi elucu-

O escritor moçambicano visitou diversas capitais do Brasil para falar sobre a obra-prima do brasileiro, Grande Sertao: Veredas (1956), que ganhou uma nova ediçao da Companhia das Letras. Numa dessasvindas,conversoucomoELPAIS,emSaoPaulo,sobreainfluencia desse livro em sua escrita, sexismo na literatura e sobrecomo as palavrasreinventam-seeseguemvivas, firmes, mesmo quando tudo ao redorsedestroi.

Quando você conheceu a literatura de Guimarães Rosa?

Ele chegou amim atravesde Luandino Vieira, um escritor angolano quemeinfluencioumuito.Meuprimeiro livro de contos foi muito marcado pela escrita do Luandino, que deixava que as vozes da rua entrassemnahistoriaefossemelas propriaspersonagens.Eumdiaele faloucomigoedisse:“Vaiateafonte,queestanoBrasil.Eumesmofui influenciado pelo Guimaraes Rosa”. Em 1985, quando Moçambique vivia uma guerracivil quenos fechavaparaomundo,eunaoconseguia ter ligaçao com o Brasil, mas um amigotrouxe-meumafotocopiad’A terceira margem do rio. Eu estava no processo de criar meu segundo

livrodecontos,eaquilofoicomose eutivessedescobertoapropriavocaçaodeescrever.Essefoimeuprimeiro grande contato com Guimaraes. Depois fiquei anos tentando voltar e encontra-lo em livros e maistempoaindademoreiemchegar a Grande Sertao: Veredas. E, quandochegueiaele,mesmotendo passado pelos contos, o primeiro encontro nao foi facil. Eu acho que tinha medo, continuo tendo. E como se de repente houvesse uma revelaçao,naosobreoqueeleestava contando, mas sobre mim proprio.

Qual foi essa revelação?

O que o Guimaraes fez foi uma abertura de caminho, uma especie de luz verde, uma autorizaçao, dizendo “voce pode ir por este caminho, pode-se fazer literatura assim”,deixandoqueasvozeschamadas nao cultas, que as vozes das pessoasdocampopudessemremexer na historia e no proprio narrador. Quando cheguei a Grande Sertao, eu ja estava embriagado dessa literaturabrasileira.

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corpose,assim,remove-losemblocos para leva-los a Arequipa, onde foram mantidos pela Universidade Catolica de Santa María por quase duasdecadas.

Sacrifício de crianças

Os segredos do maior sacrifício de crianças feito pelos incas para 'acalmar' um vulcão. Os restos mortais de sacrifícios humanos no Misti foram mantidos congelados antes de serem estudados.

Um dos 16 vulcoes ativos no Peru, o Ubinas entrou em erupçao em julho de 2018, lançando cinzas a mais de 5 mil metros de altura e levandoaevacuaçaodemilharesde pessoasemcidadesproximas. Se isso tivesse acontecido cinco seculos atras, os incas provavelmente teriam preparado oferendas humanas para apaziguar o vulcao, porque era costume, tanto dessa civilizaçao quanto de outras culturas pre-colombianas, fazer sacrifícios de pessoas por causa de erupçoes.

Nas ultimas decadas, em meio a exploraçao dos picos andinos mais importantes, arqueologos encontraram plataformas de sacrifício e, em muitas delas, evidencias das oferendashumanas.

As descobertas mais importantes foram Juanita (1995), nos Andes peruanos, e as Crianças de Llullail-

laco (1999), nos Andes argentinos. Os corpos estavam congelados, em condiçoesquaseperfeitas. Um sacrifício realizado no Misti, vulcao proximo da cidade de Arequipa,noPeru,foiumdosquemais despertaram interesse. Estudos recentes revelaram que oito criançasforammortasnacrateradovulcao,nomaior ritualincadesse tipo descobertoatehoje.

Uma forma de aplacar a ira do vulcão.

Em 1998, Johan Reinhard, o descobridor de Juanita, e Jose Antonio Chavez, codiretores do projeto "Santuarios de Altura" (santuarios daaltitude,emtraduçaolivre),chegaram com um grupo de arqueologosaotopodoMistieencontraram doistumulosdentrodacratera.

Elesnaopodiamescava-lospormedo de danificar os restos mortais, que ja estavam bastante deteriorados pelas condiçoes climaticas e pela atividade geologica. A noite, derramaram agua para congelar os

Entrefevereiroemarçode2018,os restos foram descongelados em laboratorio. Foram identificados cinco corpos de meninos e tres de meninas, alem de objetos de ceramica,ouroeprataeconchas.

A bioarqueologa Dagmara Socha, da Universidade de Varsovia, na Polonia, examinou os restos mortais e estima que o sacrifício tenha ocorridoha550anos.Issocoincide comumadaserupçoesdaquelevulcao, que era considerado pelos incas como um "Apu" um ser vivo "hostil" e "agressivo" que exigia muitos sacrifícios, segundo as cronicas do padre Martín de Murua, escritasem1590.

De acordo com o arqueologo Jose Antonio Chavez, por volta de 1450, o Misti entrou em erupçao, e o imperador inca Yupanki "fez muitas

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oraçoes para aplacar a ira do importanteApu".

O diretor do Museu dos Santuarios Andinos,RuddyPerea,ondeJuanita e os restos mortais deste sacrifício estao preservados, explica que "no mundo andino, se acreditava que os deuses influenciavam fenomenos naturais, como terremotos, erupçoes vulcanicas, inundaçoes e secas". "E por isso que as crianças sao enviadas como mensageiros aos deuses para que tudo voltasse aonormal".

Sacrifícios ou oferendas?

Osrituaisdesacrifícioshumanosas divindades eram conhecidos como "capacochas". Arqueologos como Chavez e Perea preferem falar sobreoferendashumanasenaosacrifícios, porque tomar parte disso nao era algo inesperado e forçado as vítimas eram criadas especialmentepara esse fim, esuas famílias adquiriam benefícios e prestígiodentrodacomunidade.

As capacochas imperiais eram feitasemocasioescomoonascimento do herdeiro do trono, uma guerra ouadoençaoumortedeumgover-

nante. Nas aldeias, havia tambem capacochas locais, que eram feitas principalmente por catastrofes naturais e eram autorizadas pelo soberano.

As vítimas eram meninos e meninas por causa de sua pureza. As meninas eram entregues ainda muitojovensporsuasfamíliaspara serem criadas nos acllahuasi, que Murua descreve como "a casa das mulheres escolhidas". Ali, eram selecionadasparaossacrifícios.

Elas eram sacrificadas ainda crianças ou adolescentes, mas os homens eram sempre sacrificados enquantocriançasporque,naosendo criados em uma instituiçao especial,poderiamperdersuapureza napuberdade.

As capacochas mais suntuosas começavam com rituais em Cusco, capital do imperio inca conhecida como Tawantinsuyo. A partir daí, era feita uma peregrinaçao a area ondeseriafeitaaoferendahumana aosdeuses.Algumasperegrinaçoes, comoadasCriançasdeLlullaillaco, podiamlevarmeses.

Quandoaexpediçaode1998alcan-

çou o topo do vulcao, a 17 km de Arequipa,foramavistadosnaimensa cratera dois círculos de pedras brancasedoisretangulosaolado.

Perea diz que pensaramque as pedras haviam sido colocadas ali recentemente, porque o Misti e um vulcao frequentemente escalado porturistaseesportistas.

Noanopassado,ogovernadorregional de Arequipa, Elmer Caceres Llica, subiu ao Misti para realizar um ritual de agradecimento aos Apus Misti, Chachani e Pichupichu, ostresvulcoesdacidade.

Ele queria subir a cratera com sete lhamas, em uma peregrinaçao que incluía rituais com folhas de coca, mas as instituiçoes de proteçao de animais o impediram. As lhamas ornamentadas ficaram nas encostas do vulcao, cujo cume fica a 5,8 milmetrosacimadoníveldomar.

Ha 550 anos, uma grande comitiva chegouacrateraacompanhadapor oitocriançasqueseriammensageirasdacomunidadediantedosdeuses.La,elasforamsacrificadas.

Aofertadevidashumanaserafeita por estrangulamento, com um golpenacabeçaouenterrandoasvítimasvivas.AfamosamumiaJuanita morreu com um golpe certeiro no cranio, quando foi sacrificada em cimadoAmpato,cercade500anos atras.

Naosesabecomooscincomeninos e tres meninas do Misti morreram devidoaomauestadodeconservaçaodosseusrestosmortais.Aprincípio, seu sexo foi identificado pelo tipo de ceramica e figuras encontradas no tumulo. Depois, isso foi confirmadoemlaboratorio.

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Osoloealtamenteacido,porqueha uma mina de enxofre bem perto dali. E o impacto de raiosfragmentaramequeimaramosossosedestruíram quase completamente os materiaistexteis.

Perea ressalta que os sacerdotes incas colocaram as sepulturas em locais com alta probabilidade de queda de raios. "Era uma maneira de saber que a oferta havia sido aceitapelosdeuses",dizele.

Emmuitoscasos,aofertafoifeitaa Illapa,deusdotrovao,quesegundo a mitologia inca era filho de Inti, o deusdoSol,e de Quilla,adeusa da Lua.

Quem eram as crianças?

Quatro dos meninos do Misti ti-

nham cerca de 6 anos, e uma tinha 12ou13anos,umaidadeincomum porque a vítima ja seria consideradaimpura.Noentanto,essacriança tinha uma deformidade: pernas muitocurvas.

Emboracrianças"perfeitas"fossem maisusadas,deacordocomascronicas de Arriaga de 1621, para as ofertasaodeusIllapa,sepreferiam pessoas atingidas por um raio ou queapresentavamalgumaanormalidade genetica, como pernas curvasoulabioleporino.

No tumulo feminino, havia uma meninade9a11anoseduasmeninas de 6 anos. Elas tinham bens pessoais mais valiosos que os homens, como colares e alfinetes de cobreeprata.

Segundo os arqueologos Perea e Socha, a capacocha do Misti tem varias peculiaridades. Nunca haviam sido encontrados sacrifícios na propria cratera de um vulcao ou varios indivíduos em uma unica sepultura. Tambem surpreendeu o numero de corpos oito. Antes, o maximoencontradoeramtres.

Reinhard encontrou sacrifícios humanos em seis montanhas, no sul doPeru(Ampato,PichuPichu,MistieSaraSara)enonortedaArgentina (Quechuar e Llullaillaco). Os especialistas agora planejam novas expediçoes para cumes andinos aindanaoexplorados.

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Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023 Enrique Zavala Especial para a BBC News Mundo 13 outubro 2019

Fale com o André

Dia 2 de janeiro de 2023. A velha senhora apoiando os passos numa bonita bengala aproxima-se de mim dentro de uma livraria de Curitiba. Pede desculpas por interromperminhaprocuradelivrosno terreo e me entrega este bilhete: "Os melhores estao no andar de cima. Compre este, se nao o tem. FalecomoAndre".

Antes de subir, pergunto:"Este papelzinho, quantos a senhora copiou?". "Hoje, cinquenta. Minha neta meajudou.Porcausadosolhos".

Subi."VoceeoAndre!""Sim.Como equeosenhorsabe?Naoedaqui!".

Fique a saber, brevemente, a história de

Maria das Acácias

"Nao sei como e que eu sei. Na minha família, so mamae e eu pressentíamos algumas coisas. Minha unicafilhatambem.Tenhodoisnetos. Um e logico. O outro saiu a mae,aoavo,abisavoeaotrisavo".

"Outra marca adicional?". "Dedos dopeesparramadosecalcanharde martelo. Quando serios, os sobrolhos nos fazem parecer tristes ou preocupados,dramaticos".

"Outra mais?" "Sim. Nascemos com o bumbum virado para alua. Arrumamos conjuges carinhosos, leves e que dao a impressao de nos entender.Enosajudammuitosemter consciencia disso. Mas para eles deveserdifícil"."Possoimaginar".

"E o livro?". "Ali", e aponta para a estante, acrescentando: "O senhor naoperdeofoco,hein.Nemadisciplina.Eseusegredo?".

"Meus segredos nao conto para ninguem".

"49. Paga no caixa. Mais algum li-

vro?""Temolivrodecapapretade Sao Cipriano?" "O legítimo. O preto "e" o branco", diz ele em seu sotaque depolaco do Parana. "Queros dois?""Qualadiferença?"."Umtem capapreta;outrotemcapabranca".

"Por que 'legítimo'? Alguns nao sao?". "Nao. Sao falsos, dizem os que entendem ". "Levo os quatro. Osfalsostambem"."Falsoesoode capapretasem'legítimo'notítulo". "Tudo da 276. No caixa, avisa se e presente. Um e, ne?" "O senhor e umbomatendente"."Muitoobrigado".

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Número 59 Mensal: fevereiro de 2023

A imprensa

Sou um apaixonado pelo fazer jornal. Republico esta cronica (de novembro de 2009), em homenagem aosoperariosdainformaçao. Ah,aimprensa

NostemposdaTribunadaSerra,de Sao Bento do Sul, saiu uma notícia comnomesmaisdoquetrocadose misturados. Procurei por Alexandre Pfeiffer, o faz tudo do jornal. Ouviu-me atentamente, como sempre, e explicou, didatica epausadamente: “Senhor Malschitzky, um jornaljamaisadmitequeerrou,por issonaopodereiatende-lo.Voulhe contar uma historia: um jornal ingles noticiou a morte de um homem.Diasdepois,omesmohomem compareceu a sede, pedindo que publicassem uma errata, dizendo que estava vivo. O jornal,evidentemente,negou-seafaze-loepropos: “Na proxima semana noticiaremos seunascimento,paracompensar”.

Foi apenas divertido, meio folclori-

co, sem maldade e sem ressentimentos, ate porque havia amizade e um profundo respeito mutuo (sobre o “mutuo” descobri bem maistarde). Anoseanosdepois,eu assessordeimprensadaPrefeitura, umpolíticoviviameatormentando: “ O jornal tal nunca recebe release teu”. Quando passou do limite, juntei o arquivo de centenas de releases enviados no ultimo mes, todos comconfirmaçaoderecebimento,e o levei a ele. O comentario: “Nao adianta voce provar, o que interessaeoqueelesdizem.”

Fazer jornal e empolgante, “adrenalínico”, desafiador. E um fazer diario e recomeçar novamente,nooutrodia.Otempodejornale diferente do tempo comum: cada momento começa e se refaz com umarapidezincrível.

Uma vida inicia e acaba em menos de 24 horas. O alívio nao dura um suspiro mais longo, melhor aproveita-lo para puxar folego para ter forçasparaooutrocomeço.

Mas fazer jornal e, tambem e prin-

cipalmente, uma responsabilidade imensa. A letra impressa e mais fortedoqueamaiorconvicçaoese espalha mais rapida e definitivamente do que penas ao vento. Por isso nao ha lugar para frivolidades, irresponsabilidades,rabopreso.Ha lugar,apenas,paraaverdadeesua irredutível defesa, inclusive por partedoanunciante.

Nem soderesponsabilidadeeseriedade se vive: as vezes acontecem coisasqueateojornalduvida.Liha uns tempos: “Mortes ja superam homicídios”. Talvez ja tenham publicadocomooshomicídiospoderiam superar as mortes, afinal, imprensaeimprensa.

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Oconto e umgenero literarioque possui narrativa curtae tem sua origem da necessidade humana de contar e ouvir historias. Passa por narrativas orais de povos antigos, trilhando pelos gregos e romanos, pelas lendas orientais, parabolas bíblicas, novelas medievais, ate chegaranoscomoeconhecidohoje.

Aestruturadocontoeformadapor situaçao inicial, desenvolvimento e situaçao final. Essa divisao e parte importante para composiçao do enredo.Dessaforma,naconstruçao do conto, ocorrem os elementos danarrativa, que sao: foco narrativo, espaço, tempo e verossimilhança.Devidoanecessidadedecontextualizar a narrativa, o contosofreu diversas transformaçoes ao longo dahistoria,originandotipos: conto de ficçao científica; conto infantiljuvenil;contofantastico;contodefadas.

O conto e composto basicamente por situaçao inicial, desenvolvimentoesituaçaofinal.

Estrutura do conto

Aoescreverumconto,enecessario

observar sua estrutura e as partes que compoem o enredo. Enredo tambem e conhecido como trama ou intriga e tem a funçao de dar sequencia a narrativa e localizar o leitor em relaçao a sucessao de acontecimentos, dando enfase a causalidade.

Exemplo:

O Conto

Opríncipemorreu,eaprincesa,de tristeza,foi viversozinhanumavelhacidadelongedocastelo. Perceba aocorrencia de uma sequencia temporale a enfase que se da a sequencia de acontecimentos, dando ao leitor a percepçao de como a princesa sentiu-se diante da morte do príncipe. Dessa forma, o leitor fica na expectativa do que vira adiante na narrativa. Essa construçao queconduzoleitora imaginaçao e ao estabelecimento denovossentidosnotexto constituienredo.

O conto e composto basicamente por situaçao inicial, desenvolvimentoesituaçaofinal.Veja: Situação inicial: evidencia a situaçao que dara início a narrativa, apresentando os personagens, o tempo e o espaço descrevendo-os. Trata-se de um trecho essencial paralocalizarecaptaraatençaodo leitor. Na introduçao tambem se apresenta a situaçao inicial, que sera desenvolvida ao longo do texto por meio do conflito, clímax e desfecho.Essestermosseraoexplicadosmaisadiante.

Desenvolvimento: e nesse mo-

mento que surge a quebra do aspectopredominantementedescritivo e o conflito começa a ser percebidopeloleitor.Esseconflitoresultara no clímax, o momento de maiortensaodanarrativa.

Situação final:e o momento de desfechodoconto,quandooconflito e resolvido, resultando na quebra ou confirmaçao de uma expectativa. Nesse trecho, o conflito passoueospersonagenssaoinseridos emumanovasituaçao.

Apos evidenciar a estrutura basica do conto, e preciso considerar os elementos fundamentais que dao a ele boa estruturaçao da narrativa.

Veja:

Conflito:trata-se do momento em que ocorre uma oposiçao entre os elementos da narrativa, resultando em uma tensao que organiza os fatos. O conflito instiga o leitor em relaçaoanarrativa.

Clímax:e quando a narrativa alcança a tensao maxima. E o ponto culminante do conflito. Trata-se tambemdeumatecnicamuitoutilizada para despertar a curiosidade doleitor.

Desfecho:trata-se da situaçao final,ouseja,asoluçaodoconflito.

Elementos da narrativa

Apesar de oconto ser uma narrativacurta,essegeneroapresentaelementos como foco narrativo, espaço,tempoeverossimilhança.

Foco narrativo

Eaposiçaoqueonarrador assume

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PARA BEM CRIAR...

pararelatarosacontecimentos.

O conto pode ser narrado em 1ª pessoaou3ªpessoa.

Narrador em 1ª pessoa:trata-se donarradorpersonagem.Comesse foco narrativo, o conto ganha mais subjetividade, pois o narrador esta emocionalmente envolvido na narrativa.

Narrador em 3ª pessoa:o narrador nao participa ativamente dos acontecimentos, com isso, a narrativaganhamaisobjetividade.Nesse foco narrativo, o narrador pode seroniscienteouobservador.

Narrador onisciente:eonarrador que conhece profundamente a historia e relata, inclusive, os pensamentosdospersonagens.

Narrador observador: nao esta a par de toda a historia e relata apenas os fatos que vao acontecendo. Essenarradornaofazantecipaçoes nem intervençoes no relato da historia.

Espaço

Trata-se dacomposiçao espacial da narrativa em que ocorre a açao do enredo, espaço onde os personagens movimentam-se. Normalmente,oespaçoeapresentadopormeio de recursos descritivos que caracterizam o lugar. Esse elemento da narrativa pode ocupar dois níveis: espaço físico, tambem conhecido comogeografico,eespaçosocial.

Espaçofísico:eliteralmenteoespaçofísicoemqueocorreanarrativa. Oespaçopodeserdescritodetalhadamente ou suas características podem ser evidenciadas ao longo dotexto.

Espaço social:e o espaço que con-

diz com as condiçoes socioeconomicas, morais ou psicologicas dos personagens. Esses espaços podem determinar a vida dos personagens ou servir apenas de parte da composiçao da narrativa. Dessa forma, um espaço descrito como macabro, porexemplo, pode referir-se a tristeza do personagem, a uma lembrançademorteetc.

Tempo

O tempo compoe asmarcas cronologicas na narrativa,expressas por meiodeconstruçoescomodia,mes, ano, estaçoes do tempo etc. Tambem pode ocorrer por meio demarcas psicologicas do personagemounarrador.Esseelementoda narrativa possui tres níveis: tempo cronologico, tempo psicologico e a tecnicadoflashback.

Tempo cronológico: o tempo transcorredeformalinearemrelaçao aos fatos, do começo para o final. Trata-se de um tempo que pode ser medido em horas, meses, anos,seculos.

Tempo psicológico:e o tempo “interior”, aquele que ocorre com basenaimaginaçaooumemoriado narrador ou personagem e e marcado pelas sensaçoes experimentadas porele em relaçao a um determinado momento. Nao e linear, pois os acontecimentos nao ocorremdeformanatural.

A técnica do flashback:trata-sede uma marca que consiste em voltar no tempo em relaçao ao que esta sendo narrado. Ocorre quando o personagem ou narrador relembra umfatooucompartilhaessesacontecimentosrelembrados.

Verossimilhança

Verossimilhançapossui o significado daquilo que e “provavel”, ou seja,umuniversopossíveldeserrealizado dentro de uma narrativa ficcional, dando ao leitor a ideia de quetaisacontecimentossaoperfeitamentepossíveisnomundoreal.

Tipos de conto

Devidoanecessidadedecontextualizar a narrativa, o conto sofreu diversas transformaçoes ao longo da historia, originando tipos: conto de ficçaocientífica,contoinfantiljuvenil, conto fantastico e conto de fadas.Vejaostiposdeconto:

Conto de ficção cientifica: caracterizadoporpossuirelementosque nao fazem parte de uma realidade comum. Seu enredo e construído combaseempercepçoescientíficas etecnologicas.

Conto infantil juvenil:narrativa destinadaacriançaseadolescentes. Possui linguagem mais simples e elementos que fazem parte do mundodoseupublico-alvo.

Conto fantástico:construído com personagens e narrativas impossíveis na realidade, e inspirado em narrativas classicas, comoOdisseia, deHomero.

Conto de fadas:caracterizado por iniciar com a expressao“Era uma vez... ”eapresentaralgumamaldade feitaporalguem,costumaterdesfecho favoravel aos personagens, podendo ou nao ter interferencia de seres encantados (fadas, bruxas, duendes).

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benefício”.E“somaistardenavida e que algumas destas pessoas vao perceber quao importante teria sido proteger a sua privacidade”, avisa.

O Tim ocupa a maior parte do seu tempo, na Microsoft, a sensibilizar os clientes e as empresas para a responsabilidade na ino-

passado.

Está a referir-se à inteligência artificial, em especial?

Inteligência Artificial vs Privacidade

"Só mais tarde, na vida, é que algumas pessoas vão perceber quão importante teria sido proteger a sua privacidade".

O alerta e de Tim O'Brien, um veterano da Microsoft que hoje se dedicaaetica.

Se perguntarmos a uma pessoa qualquer, escolhida de forma aleatoria,elairadizerque“sim,claro,a privacidadeealgomuitoimportante”, mas depois “o seu comportamento e completamente o oposto”, comentaTim O’Brien, um veterano da Microsoft que hoje se dedica, sobretudo, a pesquisa sobre questoes relacionadas com a etica na inovaçao tecnologica, sobretudo na InteligenciaArtificial(IA).

Na opiniao de Tim O’Brien, um dos keynote speakers do evento “Building the future”, organizado em Lisboa pela Microsoft no final de janeiro (de 2022), “a maioria das pessoas, na pratica, mostra-se rapidamente disponível para secundarizar as questoes relacionadas com a privacidade, a troco de pertencer a um grupo ou receber uma app gratuita ou outro tipo de

vação tecnológica. É assim?

Sim, o meu trabalho envolve alguma advocacia, falar com clientes, comparceiros,adarpalestras.Mas tambem faço muita pesquisa sobre etica intercultural. Porque a etica e um conjunto de normas culturais e sociais sobre o que e correto fazer numadadasituaçao eissonaoe universal, varia entre culturas e entrepaíses.Esteeumcampoonde ha pouca pesquisa, no campo mais alargado da etica na inteligencia artificial.

O debate sobre a ética na tecnologia, no geral, tem de acelerar?

Esse debate nao e novo. Se recuarmos100anos,ateaPrimeiraGrande Guerra, falou-se de etica a proposito do uso de avioes para fazer bombardeamentos, a proposito do uso de gases venenosos. Isto nao e uma discussao nova, mas nas tecnologias de que falamos hoje o potencialqueexisteparafazermalas pessoas e algo sem precedentes. O acesso a essas tecnologias e mais distribuídoeavelocidadedainovaçaoemais rapida doqueacontecia comastecnologiasqueexistiamno

Sim,queeumtemaquejaeestudado hamaisde 50anos. Mas foi nos ultimos10anosqueseviramavanços em areas como a Inteligencia Artificialconversacional, traduçao por maquinas, modelos analíticos, portanto a velocidade e um aspeto importante a ter em conta porque na tecnologia as leis e a regulaçao tendemamarcarpasso,emrelaçao a velocidade da inovaçao. Vimos, por exemplo, quanto tempo levou ate se criarum regimedeproteçao dedadoscomooRGPD,naEuropa. Neste caso, estamos a falar de tecnologias que tem potencial para violar direitos humanos, quebrar leis eosgovernostemumpapel importante a desempenhar nesta materia.

A velocidade e um aspeto importanteporquenatecnologiaasleise aregulaçaotendemamarcarpasso, emrelaçaoainovaçao.

Mas o Tim fala sobre a diversidade cultural e sobre como o que é certo e errado varia conforme as partes do mundo. É possível criar regras uniformes e universais?

Quando se fala em etica, normalmente divide-se entre etica da cultura Ocidental e Oriental, onde a cultura ocidental e baseada na herançajudaico-cristaeaculturaorientaltendeanaovalorizarmuitoo individualismo. Como empresa

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doc.com

norte-americana, tentamos nao imporosnossosvaloreslocaisnanossa base de clientes, que e global. Temos baseado a nossa política no cumprimento da lei de cada geografia,masquandosefaladainovaçao tecnologica responsavel a lei nao e suficiente.No quediz respeito a privacidade, por exemplo, ate mesmo dentro da UE ha sensibilidades diferentes sobre aquilo que significa privacidade nos dados. A AlemanhapensaumacoisaeoReino Unido pensa outra, muito diferente,sobrecoisascomoasegurança publica vs privacidade. Um dia teremosdeterumconjuntodenormas globais ate porque temos algumas empresas, incluindo empresaschinesas,quenaoescondem ter ambiçoes globais. Na Microsoft temos um compromisso muito claro com a autorregulaçao e insistimos sempre com o nosso governo paraquecrieregulaçao.

As outras, como as chinesas, não fazem isso? Quem pode regular isto, a Organização das Nações Unidas?

Talvez. Porque nao as Naçoes Unidas? Nos recorremos frequentemente, como referencial, ao que defendem organizaçoes como as Naçoes Unidas, a Human Rights Watch, a Freedom Watch. Muitas vezes usamos esses organismos como referencia para decidir, por exemplo, se vendemos esta ou aquela tecnologia a certos governos… Mas a minha questao e que a tecnologia esta a evoluir tao rapidamentequenemasNaçoesUnidas poderaotercapacidadeparaacompanhar, quando sabemos que nem os nossos governantesestao a con-

seguiracompanhar,atravesdacriaçaodeleis.

É como dizia Elon Musk? Que é preciso regular a Inteligência Artificial antes de haver “robôs a descer as ruas a alvejar pessoas”? O que é que os governos têm de fazer?

Numa questao como o reconhecimentofacial,porexemplo,acredito que tem de haver regulaçao para o uso dessa tecnologia por parte das autoridades policiais. Essa e uma tecnologiamuitopoderosa,comum potencial muito grande para violar os direitos das pessoas, e as proprias empresas tecnologicas tambem tem de se autorregular nessa materia.

As pessoas têm noção das possíveis implicações de uma vigilância com reconhecimento facial? Muita gente dirá, provavelmente, que não se importa que isso aconteça, a troco de um maior sentimento de segurança. O que esta em causa e termos o nosso rosto reconhecido e, depois, haverumcomputadoraidentificarnos com alguma margem de erro. Estamos a falar de se usarem tecnologias que se comprovou recentemente, por exemplo, terem dificuldades em reconhecer rostos compelemaisescura,comoosafro -americanos. Estas tecnologias podemagravarosriscosdemarginalizaçao e discriminaçao. Alem disso, de um modo geral, ha questoes muito importantes relacionadas com a privacidade. Ha um caso muitofamosodeumpaiquesoube que a filha estava gravida porque uma loja detectou um padrao de compras e começou a enviar-lhe

publicidade específica para casa, a venderprodutosdebebe.Amulher ainda nao tinha contado a família, mas o pai ficou a saber por causa dessesenviosdepublicidade.Aloja naodesrespeitounenhumalei,mas nao viulimitesnasuautilizaçaode tecnologia para obter negocio, nao quis saber da privacidade da pessoa.

As pessoas compreendem como as empresas usam estas tecnologias?

Julgo que na Europa as pessoas estao um pouco mais sensibilizadas para estas questoes. Sao mais curiosasequerempercebercomoeque as empresas usam os dados. Basta ver que nos EUA nao ha qualquer regime comparavel ao RGPD. Nao ha regras de privacidade como as que existem na Europa. Se perguntarmos a uma pessoa qualquer, de forma aleatoria, ela ira dizer-nos que “sim,a privacidade ealgomuito importante” para elas, mas depois o seu comportamento e completamente o oposto. As pessoas preocupam-se menos com a privacidade do que aquilo que dizem, o que se pode explicar por pressoes sociaiscomoapressaodospares sobretudo nos jovens, cria-se uma percepçao de que se nao estas nas redes sociais e porque nao existes. Muitas vezes so mais tarde na vida e que algumas destas pessoas vao perceber quao importante teria sido proteger a sua privacidade. A realidade e que a maioria das pessoas, na pratica, mostra-se rapidamente disponível para secundarizar as questoesrelacionadascoma privacidade, a troco de pertencer a um grupo oureceberuma appgra-

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tuitaououtrotipodebenefício. Mas é impossível escapar a isso, a ter os nossos dados a serem trabalhados por sistemas de IA?

Sim, muitas pessoas pensam que isto da Inteligencia Artificial e algo que pertence ao futuro, que esta relacionado com os robos. Mas se ve filmes no Netflix, esta a usar algoritmosdeIA.SereceberecomendaçoesdaAmazon,estaausaraIA. Se faz pesquisas na internet, tambemestaausaraIA.QualquerpessoaqueusaaInternetesta,mesmo que nao se aperceba, a alimentar bases de dados utilizadas por empresas que usam essa informaçao para melhorar o funcionamento dosalgoritmosdeIA. A Microsoft também?

Claro, somos muito transparentes emrelaçaoaisso.Estamosnonegocio dos motores de busca. E queremos que as pessoas usem o nosso motordepesquisaporqueissoajuda a torna-lo melhor. Queremos que usem os nossos sistemas de traduçao porque tambem ajuda a que eles melhorem. Felizmente paranos,apublicidadeonlinenaoea principal area de negocio, como acontece com outras empresas temos um conjunto alargado de fontes de negocio e, portanto, a nossa motivaçaoe melhorar nestas tecnologiaspara,porexemplo,venderserviçoscognitivosaempresas, paraasajudaratornarassuasoperaçoesmaiseficientes,osseuscolaboradores mais produtivos ou as suas instalaçoes mais seguras, por exemplo.

Recentemente escrevemos, no Observador, sobre um relatório

que apontava os riscos de a IA cair nas “mãos erradas”. Um dos riscos estava relacionado com a facilidade com que se conseguem difundir vídeos falsos, os chamados deepfakes. Na era das fake news, como é que se consegue controlar isto?

Nem eprecisoir tao longe, aopontodefalardos deepfakes.Vejacomo se espalhou aquela informaçao falsasobreoapoiodoPapaFrancisco a candidatura presidencial de Donald Trump. Era facil perceber que era uma historia falsa, mas espalhou-seportodoolado,aumavelocidade impressionante. Mesmo uma coisa tao obviamente falsa causou um problema grave de desinformaçao portantocomosera quando tivermos coisas mais difíceis de desmentir? Temo que a crençavaisempreviajarmaisrapidamente do que o esforço para a desmentir portanto estou convencidodequeaunicasoluçaoeas pessoasseremumpoucomaisinteligentes, serem mais criteriosas na propagaçao de informaçao, nao se limitarem a gravitar em direçao a conteudos que confirmam os seus preconceitos.

Mas como é que se faz isso? Como é que se promove essa maior sensibilidade por parte das pessoas?

Eu penso que nesta fase, depois deste ultimo ciclo eleitoral, as pessoas ja estao um poucomais sensibilizadasparaestesriscos.Opublico,emgeral,compreendeagoraum pouco melhor como a desinformaçaopodeterimpactonavidademocratica e nas eleiçoes. Tenho esperança de que, porque existe essa

maior sensibilizaçao, no futuro poderaserdiferente.

Acha que as pessoas vão saber detectar melhor as informações falsas?

Sim,masatesegeraroutroproblema, nesta era das fakenews. Outro perigo e quando estamos perante algoque,defacto,ereal,aconteceu mesmo mas alguem pode dizer que e falso. Isto e um conceito novo, que nao existia hauns anos. Alguem escreve um artigo sobre si, sobre ter aceitado um suborno ou algoassim,ehaumvídeoquemostra o seu rosto, enquanto recebe umsuborno. Hoje podedizer: “Isso eum deepfake“.Ousuponhaqueha um registo sonoro, de alguem a aceitar um suborno: tambem se podedizerqueoaudioecompletamentefalso,queefeitocomastecnologias que hoje existem e sao muitofaceisdeutilizar.

Quando se fala de ética, pensa-se, também, em questões como aquelas que dominam o debate sobre os veículos autónomos. As questões como o “problema do trolley” — ter a máquina a decidir virar para um lado e matar um conjunto de pessoas ou virar para o outro e matar uma criança, por exemplo. Também é uma área onde faz pesquisa?

Eu tenho alguns problemas com essas teorias porque, na realidade, qual e a probabilidade de alguem ter de tomar decisoes como essas, navidareal?

Contudo, sao questoes importantes em areas como a pesquisa sobre veículos autonomos. Nao e uma area onde a Microsoft esteja pre-

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sente, mas ha questoes eticas e de responsabilidade civil complexas alias, mesmo quando se fala de um carro que nao e totalmente autonomo ha questoes legais complexas,porqueseumcondutoratropela alguem quandoo carroia em pilotoautomatico,mascompossibilidadedeintervir,seocondutornao intervier sera responsabilizado. Portanto,eunaoseiexatamenteem quepontoequeestamosnestaevoluçao, dos carros autonomos so seiqueharazoesobviasporqueos testes sao feitos em locais como o Arizona,ondeoclimaeameno,nao ha muita chuva nem neve (com os quais os sistemas tem muitas dificuldadesemlidar),naohacolinase o sistema de estradas e todo em angulos de 90º. Testar um carro destes em Lisboa seria bem mais complicado…

Depreendo que seja, de certo modo, um pessimista sobre esta tecnologia dos carros autónomos… É da opinião de que muitas pessoas estão a exceder-se um pouco no seu otimismo, em comparação com aquilo que é realista a médio prazo?

Digamos que tenho tendencia para acharquepoderademorarumpoucomais do que as pessoas pensam, precisamente por causa das questoes de que falamos. Estamos a falar de situaçoes em que existe potencial para fazer mal a alguem. Basta que olhemos para a forma comoosmedicamentoseasterapiasmedicasefarmaceuticaschegam aomercado Eumprocessomuito controlado, com muita supervisao, ensaiosclínicos.Tercarrosautonomos a serem testados em estradas

abertas e algo que considero um poucopreocupante.

Independentemente dos benefícios que se apontam para essa tecnologia, nomeadamente a redução drástica dos acidentes?

Sim,osbenefíciosseriaminegaveis. E vao ate mais longe: basta olhar para o setor da camionagem nos EUA, as empresas desse setor tem muita dificuldade em contratar os condutores de que precisam. Falase muito de ter os robos a roubarem postos de trabalho, mas ha escassez de trabalhadores em varias areas, inclusivamente por razoes demograficas que afetam muitos países, incluindo aqui na Europa. A IApodeserdecisivaparaassegurar o crescimento das economias. So estouadizerquetemosdeavançar deformaresponsavel.

Tenho tendenciapara achar queos carros autonomos poderao demorarumpoucomaisdoqueaspessoas pensam, por questoes da etica. Estamos a falar de situaçoes em que existe potencial para fazer mal aalguem.

É mais correto falar de homem vs máquina ou de homem com máquina vs homem sem máquina?

Claramente, o que vai importar e homem com maquina (vs homem semmaquina).Vemosasmaquinas, desde sempre, como um potenciadordascapacidadeshumanas,nuncacomoumaameaça.Haumaserie de características humanas que as maquinas, simplesmente, nao poderao ter: empatia, curiosidade, inteligencia emocional. Continuamosaver,porem,muitostrabalhos

entediantes,repetitivos,queprovavelmente ficam mais bem feitos se forem feitos por uma maquina. Essapessoaficalivrepara Para estar desempregada?

Nao sera assim. E ja vimos no passado como nao e assim. Temos variashistoriasnaMicrosoft,decomo vendemos produtos que foram recebidoscomalgumaapreensaopor quem trabalhava naquelas areas, mas depois acabaram por ficar muito satisfeitos porque houve muitascoisasrepetitivasqueforam eliminadas das suas rotinas e deixaram, por exemplo, de acordar as 2 da manha com um pager a fazer bip-bip. E recordamo-nos como as caixas multibanco iam significar desempregoparaosbancarios,mas aconteceuocontrario:quantomais caixas automaticas eraminstaladas mais bancarios eram contratados, porquetornou-semaisbaratoabrir pequenas sucursais bancarias paraissocontratou-semaisgentee as pessoas passaram a poder dedicar-se mais a outras atividades, porque as operaçoes simples podiamserfeitaspelamaquina.

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Fotos com História

UmadasruasmaishistoricasdoRiodeJaneiro,quecarregaonossopassadodesteotempodoimperio.

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Minha língua, minha pátria.

Corrente d escrita

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Escritor

Divulga as tuas obras e as obras de teus confrades.

Não vivas numa masmorra, isolado do mundo e da vida.

Teus escritos não foram criados para viverem numa gaveta ou na memória de teu computador.

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Se tens uma crônica, um conto, um poema, um ensaio que queiras partilhar com nossos leitores, envia para narealgana@gmail.com e dependendo do espaço e de identificação com nossos propósitos, poderás ter teu trabalho aqui divulgado.

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Mensal: fevereiro de 2023
Página 37 Ano V Número 59 Mensal: fevereiro de 2023 Divulgue Partilhe Leia Corrente d’escrita Aceda ao nosso site e inscreva-se: será sempre avisado quando tivermos novidades www.issuu.com/correntedescrita No Ceará, o cantinho das leituras.

CANASVIEIRAS 270 anos, retrataahistoriaeasgentesquefundaram este distrito de Florianopolis/SC. Criado oficialmente a 15 de abril de 1835, o povoado ja existia desde os primordios da fundaçao do arraial Nossa Senhora do Desterro, em 1673, por Francisco Dias Velho. Recebeu um grande incremento populacional com a chegada dos primeiros açorianos em 1748. No tempo, o povoado estava integrado na freguesia de Santo AntoniodeLisboadesde1750.

Oseunomederivadaexistenciana regiaodeumgrandecanavial(cana -do-rei, ou simplesmente cana).

Muitos escritores, particularmente Virgílio Varzea escreveram sobre Canasvieiras.

Afonso Rocha da-nos, com este seu recente trabalho, um novo olhar e umaprevisaofuturistadobalneario maisfamosodeFloripa.

Livros à venda, direto do autor

Impressos: R$ 35,00—E-book/Pdf: R$ 5,00

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Pedidos a: narealgana@gmail.com

OUTONO, uma forma de pensar a vida.Quandoseatingetresquartos de um seculo, a vida tem outros horizontes, outros prazeres, outros estadosdealma.Ostemasdasconversas sao diferentes, as preocupaçoessaooutras,mas,esobretudo,a experiencia e as liçoes da vida sao muito mais enriquecedoras e valorizadas.

MOMENTOS, quepoderiamserde amargura, de tristeza, de sofrimento, mas tambem de alegria, de comemoraçao,decomemoraçao,mas, embora possam ser tudo isso, sao, sobretudo,MOMENTOS depoesiae dereflexao.

Afonso Rocha mistura poesia com pensamentos de cariz fisiologico, mas sobretudo, de pensamentos refletivos tomados ao longo das vivenciadoquotidiano.

Foi isso que oautor quistestemunharcomesteOUTONO cronicas &arrufos,umconjuntode75narrativas uma por cada ano, que tomamaformadecronicas,contos, ensaios, reportagens. Umas mais longas, outas mais curtas; umas mais distantes, outras mais recentes, mas todas com endereço e nome.

Sao testemunhos de vidae de estadosdealma.

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As mulheres, os homens, as crianças e os idosos; a comunidade LGBT;os negros, os índios, osciganos, os imigrantes e todos os demais desprotegidos, sao perseguidos, violentados, agredidos e estuprados...

Nesta obra intimista, Afonso Rocha passeia-se pela sua propria experiencia, mas tambem a de todos nos, como comunidade, para que se dinamizeereforceaformadecombaterestasmazelas,estescrimesbarbaros (a pedofilia, estupro), ja considerados como o holocausto do seculoXXI.

SANGUE LUSITANO, atraves de estorias imperdíveis, Afonso Rocha leva-nos ate 500 anos atras, quando os portugueses chegaram aosul doBrasil,ondecriaramfamília,cultivaram tradiçoes e culturas que viriam a “marcar” a cultura catarinense.Aolongodostempos

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Olhos D’Água Historiasdeum tempo sem tempo, relata-nos as vivencias do povo portugues entre 1946 e 1974 e a sua resistencia a ditadura e ao fascismo do regime salazaristadeentao.

Poroutrolado,configuraumaautobiografia do autor (Afonso Rocha) nas suas andanças pelo período escolar,peloserviçomilitar;aguerra colonial em Africa; a emigraçao emFrança;aresistencia,atearevoluçaodoscravos.Em25deabrilde 1974.

Um livro a nao perder, sobretudo paraquemgostadehistoria.

Trovas ao Vento, e uma coletanea de poemas e outros pensares, enriquecida com o contributo de outros poetas convidados naturais do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Moçambique, Angola e da Galiza, como expressao do pensar lusofono.

Um encontro de expressoes diferentes, manifestadas pela língua comum que nos cimenta e faz pensarportugues.

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Página
Página Corrente d’ escrita Número 37 - setembro 2020 INÉDITOS na amazon.com

Na casa dos livros

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