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verdade com conteúdo evangélico
Outubro / Novembro 2009 Ano 3, número 13
R E P O R T A G E N S
V a l t e r C a m p a n a t o / A g ê n c i a Br a s i l
14 O fantasma da intolerância
22 Matrículas sempre abertas
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Escola Bíblica Dominical enfrenta crise, mas ainda é vista como elemento fundamental da Igreja Evangélica
P o r Ta t i a n a P i v a |
32 Muitas páginas de história
Editora Vida comemora 25 anos celebrada como uma das maiores publicadoras evangélicas do país
Por Laelie Machado |
D i v u l g a ç ã o / C P AD
34 Marchando por quem?
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Foto de capa: rubenshito
Crise econômica e epidemia da nova gripe assustam a sociedade, mas crentes buscam apoio na espiritualidade
Por Renata Sturm |
42 Sementes de mostarda
Em meio a divisões políticas, étnicas e religiosas, cristãos sudaneses lutam para pacificar um país traumatizado pela guerra
Por Isaac Phiri |
46 Campeões de audiência
Processo contra líderes da Igreja Universal faz reacender guerra entre Globo e Record
Da redação |
48 Construtor de pontes
46
De volta ao Brasil após prisão nos EUA, Estevam Hernandes marca presença
Da redação |
38 A fé que ajuda
Ar q u i v o Ricardo Stuckert/Presidência da República
Decisão contra psicóloga cristã suscita debate sobre existência de movimento de perseguição contra os evangélicos
P o r L a e l i e M a c h a d o e C a r l o s Fe r n a n d e s |
D a r e d a ç ã o | Aos 77 anos, morre o pastor Nilson Fanini, um dos maiores líderes evangélicos do país
56 “Ficamos insensíveis”
P o r G e o r g e G u i l h e r m e | Autor de Cristãos ricos em tempo de fome e de O escândalo do comportamento evangélico, Ronald Sider faz suas críticas com amor
Outubro / Novembro 2009
N O T Í C I A S ,
S E Ç Õ E S
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C O L U N A S
6 Primeiras palavras
7 Cartas e mensagens Rubinho Pirola
Ar q u i v o
HUMOR:
8 CH Informa P&R:
John Stott
MENTE E CORAÇÃO:
J.I.Packer
8 Dia Mundial de Oração pelas Crianças
28 Reflexão | Ricardo Agreste
Entre pastores e tosquiadores
50 Mulher | Esther Carrenho
Lidando com o peso da culpa
52 CH Cultura
Livros | Nataniel Gomes Música | N e l s o n B o m i l c a r
Divulgação
60 Especial | Gregory Fung e Christopher Fung
10 Pregações proibidas nos trens do Rio
Quando e como o Senhor quer Estudos sobre os efeitos da intercessão mostram que a ação divina não tem compromisso com a lógica das metodologias
62 Os outros seis dias | Carlo Carrenho Jesus usa chuteiras?
64 Últimas palavras
| Carlos Queiroz
Espiritualidade e responsabilidade social
HISTÓRIA DA IGREJA
A vida e a morte de um mártir moderno Nascido na riqueza, Dietrich Bonhoeffer, seguia para uma carreira brilhante como teólogo, até passar a ver a vida ‘sob a perspectiva daqueles que sofrem’, na Alemanha nazista, o que lhe custou a vida. Por Geffrey B. Kelly C.S. Lewis: a queda de um ateu O escritor que considerava Deus seu inimigo e se tornou um defensor da fé. Por Ted Olsen John Wesley - a biografia que mudou a Inglaterra A vida de um homem que com sua paixão por Deus mexeu com a vida espiritual dos ingleses e com a estrutura social de seu país. Christian History and Biography
12 Saramago: Caim foi v´tima de Deus
ARTIGOS
A solução sandu´che Como uma esposa retribuiu o mal com o bem. Por Gary D. Chapman
Um investimento infal´vel Como orar em meio a uma catástrofe financeira. Por Philip Yancey
ENTREVISTA
Aprofundando nossa conversa com Deus Entrevista histórica com Henri Nouwen e Richard Foster. Larry Crabb diz que há algo melhor do que sucesso Escritor, conferencista e psicoterapeuta, fala sobre espiritualidade em entrevista.
Divulgação
Primeiras palavras Marcos Simas Editor Revista Cristianismo Hoje A verdade com conteúdo evangélico www.cristianismohoje.com.br
Crescendo e aparecendo
Cristianismo Hoje é uma publicação bimestral da Msimas Editora Ltda. Quem somos Cristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo informar, encorajar, unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do Evangelho a todos os seus leitores
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ara muita gente, falar em intolerância religiosa no Brasil pode soar como absurdo. Vivendo em uma democracia plena, seus cidadãos têm toda liberdade para aderir a qualquer comunidade espiritual ou praticar a crença que bem entenderem, assim como abster-se de qualquer confissão, sem sofrer nenhum tipo de pressão. Contudo, alguns fatos recentes dão o que pensar. Caso da psicoterapeuta evangélica Rozângela Justino, que foi punida pelo Conselho Federal de Psicologia por atender pessoas que manifestam conflito com sua sexualidade – no caso, homossexuais que desejam livremente alterar essa orientação. Amplamente divulgado, o caso serve de alerta para a força da secularização na sociedade. A pressão que Rozângela tem sofrido é motivada, em parte, pela militância homossexual. Enfim, é uma questão de direito ou trata-se de injustiça? Parece evidente que, se não há – ainda, frise-se – qualquer tipo de perseguição religiosa em terras brasileiras, casos pontuais como este sugerem que, ao menos, existe má vontade contra a fé em geral, e a evangélica, em particular. Talvez isso se deva a um período de mudanças e crescimento quantitativo do segmento, ou até por conta de uma Igreja que finalmente está aparecendo – para bem ou para mal. Tal discussão, que inquieta o povo evangélico e suas lideranças, é o tema de capa do número 13 de CRISTIASNISMO HOJE. Na reportagem Matrículas sempre abertas, mostramos como a Escola Bíblica Dominical (EBD) continua sendo fundamental para a Igreja. Há quem acredite que ela passa por uma crise, manifestada, principalmente, por seu esvaziamento em diversas denominações; mas também é verdade que diversos setores têm apostado numa reinvenção da EBD. É o caso da Assembleia de Deus, que tem dado cada vez mais ênfase ao estudo sistemático das Escrituras. Ponto para o Reino de Deus. Edificante também é a entrevista com o pastor Ronald Sider, que aponta o pecado coletivo da Igreja e o individualismo dos crentes contemporâneos como motivos da atual crise de conteúdos da cristandade ocidental. Mas ele faz questão de ressaltar que o amor e a graça de Deus são as melhores soluções para o problema. Esta edição, que marca o segundo aniversário de circulação de CRISTIANISMO HOJE, chega numa tiragem aumentada de 20 mil para 30 mil exemplares e circulação em bancas. Conseguir crescer em um momento de grandes dificuldades para a mídia impressa é motivo de gratidão a Deus. Todos nós – direção, redação, colaboradores, anunciantes e distribuidores – gostaríamos também de compartilhar essa vitória com cada um dos leitores que têm prestigiado este ministério. Obrigado e boa leitura!
A revista tem uma parceria com o grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo, com 7 revistas e 35 sites de conteúdo Conselho Editorial Carlo Carrenho • Carlos Buczynski • Eleny Vassão Eude Martins da Silva • Marcelo Augusto Souto Mário Ikeda • Mark Carpenter • Nelson Bomilcar Richard Werner • Ronaldo Lidório • Volney Faustini Ziel Machado • William Douglas Editor Marcos Simas Diretor de redação e jornalista responsável Carlos Fernandes – MTb 17336 Jornalistas desta edição George Guilherme • Isaac Phiri • Laelie Machado Renata Sturm • Tatiana Piva Colunistas Carlo Carrenho • Carlos Queiroz • Esther Carrenho Nataniel Gomes • Nelson Bomilcar Ricardo Agreste • Rubinho Pirola Revisora Alzeli Simas Colaboradores desta edição Carlos Buczynski • Christopher Fung • Gregory Fung Arte Oliverartelucas Publicidade publicidade@cristianismohoje.com.br Assinaturas 0800 644 4010 assinaturas@cristianismohoje.com.br Informações e permissões para republicação de artigos redacao@cristianismohoje.com.br Editora LUA Caixa Postal 870-2 CEP 06709-970, Cotia - SP www.editoralua.com.br Diretor executivo: Moacir Feldenheimer Diretor de redação: Romualdo Venâncio Gerente financeira: Adriana Lima Assistente financeira: Angela Nascimento Circulação e Marketing: Sidney Almeida Assistente de marketing: Raquel Maria da Silva Distribuição DINAP Impressão Gráfica Bandeirantes Tiragem – 30.000 exemplares ISSN 1982-3614
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Lamento muito pelos ditos ‘cristãos’ que apoiam uma ideia de caráter tão descaradamente financeiro
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recisamos, como cristãos, entender o momento que vivemos diante da ciência e também à luz da Bíblia Sagrada [sobre reportagem A ética da vida e o consenso impossível, edição nº 12]. Acontece que os limites entre a ciência e uma fé saudável estão longe de chegar a um consenso. Devemos, então, refletir e ouvir os profissionais da ciência, e fazer como os bereanos – analisar tudo de acordo com as Sagradas Escrituras.
Rodrigo Fonseca
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ssa discussão é realmente interessante. E polêmica! Confesso-me bastante liberal nesse assunto. Não vejo mal algum em combater enfermidades usandose a manipulação genética.
Bruno Siqueira Moreira
credito que a grande questão envolvida nesse debate ético seja o desejo humano pela imortalidade – e a busca por atalhos a ela. Assim sendo, o homem natural, inconformado com a morte, anseia pela vida eterna, mas sabe que esse caminho é um beco sem saída, uma vez que todos nós chegaremos ao fim da vida. E apenas os remidos permanecerão para a eternidade de vida em Cristo, conforme João 17.3.
Daniel J.A. Santos
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ssa imposição da Ordem dos Músicos do Brasil sobre aqueles que fazem música na igreja é inaceitável e absurda [sobre reportagem Louvor enquadrado, edição nº 12]. Os “evangélicos” que a estão apoiando mostram, desse modo, a quem de fato servem.
Victor Hugo Ramallo
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omo músico cristão, toco na igreja há doze anos. Acho de uma arbitrariedade extrema estipular a obrigatoriedade de um registro junto a uma entidade que nada faz pelo interesse de uma categoria – e, principalmente, requerer isso de quem atua em regime de voluntariado. A Igreja e o Estado sempre entrarão em conflito quando uma invadir o espaço da outra. Então, um simples trabalhador que toca violão e dirige um período de cânticos em sua igreja precisará pagar R$ 100,00 anuais para continuar desenvolvendo essa atividade, que faz por amor e disposição? Essa OMB é interesseira. Se as músicas tocadas nos cultos não são tributadas em direitos autorais, por que músicos que não
Humor
são remunerados pelo que fazem precisam ter esse registro?
Paullo Di Castro
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carteira da Ordem é necessária para músicos profissionais; portanto, para aqueles que são remunerados pelo seu serviço prestado. A grande maioria dos músicos que atuam nas igrejas e em todos os cultos das diversas religiões não estão nesse perfil. São amadores voluntários e não recebem cachê ou salário para estarem lá. Lamento muito pelos ditos “cristãos” que apoiam uma ideia de caráter tão descaradamente financeiro.
Leandro Cabral
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ue essa legislação é uma atrocidade imensurável, ninguém duvida; porém, o que mais me deixou espantado foi que líderes cristãos aderiram a isso. E tudo por causa do dinheiro… Esses homens que se dizem de Deus estão muito enganados quanto ao Evangelho. Na melhor das hipóteses, estão sendo covardes e coniventes com o erro. A outra possibilidade? São mesmo uns mercenários, que utilizam o nome do Senhor para alcançar seus objetivos. Deixemos que Deus lhes pague segundo as suas obras!
Jonathan Maxuell de Oliveira
Por necessidade de clareza e em função do espaço disponível, CRISTIANISMO HOJE reserva-se o direito de editar as cartas que recebe, adaptando sua linguagem ou suprimindo texto. Todas as mensagens foram recebidas via portal www.cristianismohoje.com.br
CONTATO COM CH Redação da revista
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[ S oc i e d a d e ]
Apoio à infância Rede religiosa mundial propõe criação do Dia Mundial de Oração pelas Crianças A Rede Global de Religiões pelas Crianças (GNRC, na sigla em inglês) propôs a criação do Dia Mundial de Oração e Ação pelas Crianças, a ser celebrado a cada ano em 20 de novembro. A data marca o 20º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, instituída pela ONU naquela data, em 1989. “Queremos o apoio de pessoas de diferentes tradições religiosas, governos, instituições, organizações
não-governamentais e a sociedade civil à causa da infância”, diz a coordenadora da GNRC para a América Latina, Mercedes Roman. A entidade é ligada à Fundação Arigatou, do Japão, e tem tradição budista. Mercedes lembra que o cuidado com as crianças é traço comum a todas as crenças. “É nossa esperança que os líderes espirituais de cada país trabalhem num espírito de cooperação inter-religiosa”, destaca a ativista. Entre as ações propostas pela rede, está o combate à violência contra a criança e à desnutrição infantil. No Brasil, a GNRC propõe, ainda, a introdução de uma Semana de Oração e Ação pelas Crianças, que seria observada sempre entre 15 e 22 de novembro.
Crentes na pol´cia Ministério de Segurança do México quer contratar jovens evangélicos porque eles nutrem “valores e respeito às instituições” Violência e corrupção policial não são exclusividades do Brasil. No México, o Ministério de Segurança Pública anda preocupado com os índices de criminalidade e pretende contratar evangélicos entre 21 e 35 anos de idade para compor os quadros das forças da lei. A Polícia Federal (PF) quer que esses jovens desenhem “novas estratégias” de luta contra a delinquência organizada. A PF entende que os crentes atendem aos requisitos para a função, já que pastores transmitem, dos púlpitos, bons valores e respeito às instituições. A iniciativa partiu do pastor Miguel Bustamante, servidor público do Ministério, que propôs a contratação desses
GNRC quer incentivar religiosos ao engajamento em favor da infância 8
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Pelo direito de trabalhar de saia 9 Declarado curado, acabou morrendo 10 Igreja Batista boicota a Pepsi
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Policiais preferem estudar teologia
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Religiosos contra os transgênicos 13
jovens a fim de que se integrem no que deverá ser a nova Polícia Científica, a quem caberá o combate do crime organizado e a fiscalização da corrupção. Bustamante explicou que esses novos servidores não vão cobrir o pessoal que atua nos confrontos armados com criminosos, mas trabalharão na área administrativa e no planejamento de estratégias de combate a delitos como roubo, pornografia infantil, lavagem de dinheiro e narcotráfico. [ T ele v i são ]
Termômetro de audiência Rede Record, controlada pela Igreja Universal, faz sucesso nas regiões onde a denominação tem presença forte Em meio à guerra entre as duas maiores redes de TV do país, um levantamento realizado pelo jornal Folha de São Paulo revelou a influência da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) sobre a audiência da Record, ligada à denominação. Nas cidades e regiões onde a igreja tem presença mais forte, os índices da emissora são mais robustos. A pesquisa levou em conta a relação entre templos e número de fiéis e a audiência, e descobriu que, por exemplo, no Rio de Janeiro – estado onde o grupo religioso possui maior número de templos por habitante –, a Record tem uma médiadia de quase nove pontos, superando, em diversos horários, a rival Globo. A situação se repete no Ceará, onde a Iurd também tem bases sólidas. A região metropolitana da capital, Fortaleza, representa a segunda maior audiência da emissora em todo o país, com 8,6 pontos. O mesmo acontece em Brasília. No Distrito Federal, a igreja mantém grande quantidade de pontos de pregação. Resultado: em julho, a Record cravou 7,6 pontos. Já em Belo Horizonte (MG), onde a Universal é menos disseminada, a média pouco passou dos quatro pontos.
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Leia Também
Show da fé Reality show de emissora turca causa polêmica ao reunir padre, rabino, sheik e monge budista O que podem fazer juntos um padre católico, um sacerdote ortodoxo, um rabino, um sheik muçulmano e um monge budista? Muita coisa – inclusive, competir pelo prêmio do reality show Tobvekarlar Yarisiyor (algo como “Penitentes em competição”), que acaba de estrear no Kanal-T, da TV turca. Além deles, participam do programa dez pessoas assumidamente ateias, que não concorrem, mas terão a função de testar a fé e o equilíbrio dos religiosos, inclusive com provocações. O caldo tem tudo para render muitas desavenças entre os participantes e não menos polêmica. Apesar da promessa tácita dos produtores de que Tobvekarlar Yarisiyor em nenhum momento ridicularizará qualquer dos credos representados, entidades religiosas estão preocupadas. Hamza Aktan, importante clérigo islâmico da Turquia, já pôs a boca
no trombone: “Fazer algo assim simplesmente para ganhar audiência é desrespeitoso com todas as religiões, uma zombaria.”. Já se cogita até mesmo uma intervenção estatal para tirar o programa do ar. Alheia aos protestos, a emissora anuncia o reality show num comercial que diz ao telespectador: “Neste programa, encontrarás a serenidade.” Como o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, o prêmio ao vencedor será dos mais simbólicos: nada mais que uma peregrinação a lugares sagrados da religião do ganhador. Ideal para se penitenciar de qualquer pecado cometido no programa...
Igrejas, fora! SBT questiona legalidade do arrendamento de horários na TV por denominações evangélicas O SBT entrou na guerra religiosa na TV. O diretor da emissora controlada pelo empresário Silvio Santos, Guilherme Stoliar, apresentou um protesto ao ministro
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das Comunicações, Hélio Costa, contra o crescimento da programação evangélica na tevê brasileira. O executivo levou a Costa um levantamento de todas as emissoras compradas ou arrendadas por igrejas evangélicas, questionando a legalidade de tais transações. Além dos horários comprados nas grades para veiculação de cultos e programas, as instituições evangélicas já administram canais abertos e fechados – o que, no entender do diretor do SBT, fere a legislação. O ministro ficou de analisar a situação. [ J ust i ça ]
Pelo direito de trabalhar de saia Funcionária pública evangélica luta na Justiça para não usar calça comprida A agente de saúde Evanir Abreu de Campos, de 40 anos, comprou uma briga inusitada com a Justiça do Mato Grosso do Sul. Evangélica e conservadora, ela quer ter o direito
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Revelação mortal Após ser declarado curado em culto, paciente abandona tratamento de câncer e Aids e morre Uma suposta revelação divina de cura pode ter levado o desempregado Gilson de Oliveira Silva, de 44 anos, à morte. Familiares denunciam que dirigentes da Igreja Ministério do Fogo, localizada no bairro do Imbuí, em Salvador (BA), o estimularam a abandonar o tratamento de um câncer na face porque teria recebido um milagre de Deus. Gilson, que também era portador do vírus da Aids, recebia atendimento médico e medicamentos no Hospital das Clínicas (HC) da capital baiana e morreu no fim de agosto. Os parentes querem agora que a polícia apure 10
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a responsabilidade da igreja no episódio. Segundo o médico epidemiologista Eduardo Martins, responsável pelo tratamento de soropositivos do HC, a religião está entre os principais motivos que levam pacientes a abandonar os tratamentos prescritos: “A gente orienta, mas o paciente é livre para decidir se quer ou não ser atendido”. Segundo ele, é grande o número de pessoas que buscam os chamados tratamentos alternativos, o que, em casos extremos, pode ser um perigo. No entender do coordenador estadual do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia (Gapa), Harley Henriques, a religiosidade é muito importante para melhorar a qualidade de vida dos doentes. “Mas a igreja, seja ela qual for, não pode interferir no saber médico e colocar vidas em risco”, alerta.
Pregações proibidas
Templo sem isenção
As pregações evangélicas nos trens suburbanos do Rio estão proibidas. A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu liminar favorável à ação impetrada pelo Ministério Público (MP) contra a SuperVia, concessionária que explora o transporte ferroviário na região. A empresa foi obrigada a afixar comunicados nos vagões, bilheterias e estações avisando os usuários da proibição de cultos e sermões religiosos nas composições. A ação movida pelo MP tramitava há mais de um ano. Segundo o processo, os pregadores usam microfones e instrumentos musicais, o que perturbaria a tranquilidade dos passageiros. “A prática obriga os usuários desse meio de transporte a se submeter a doutrinas religiosas”, menciona o processo. A atuação de evangelistas itinerantes é uma antiga tradição nos trens suburbanos. Os evangélicos chegaram até a instituir, informalmente, “vagões de crentes”, onde músicas de louvor e mensagens bíblicas eram proferidas a viagem toda. Segundo a decisão judicial, instrumentos musicais e aparelhos de som deverão ser apreendidos e devolvidos a seus donos apenas no fim da viagem. Em caso de desobediência, os agentes da concessionária podem acionar a força policial.
Por não provar destinação religiosa de seu patrimônio, Assembleia de Deus pode ter de pagar R$ 32 mil de IPTU O caso pode firmar jurisprudência e render uma bela dor de cabeça – e prejuízos – às igrejas evangélicas. A Justiça do Mato Grosso do Sul determinou que um templo da Assembleia de Deus naquele estado terá de pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). A congregação perdeu o direito à isenção tributária, prevista na Constituição Federal, porque não conseguiu provar que seus bens imóveis são utilizados para a atividade essencialmente religiosa. “Não basta comprovar a propriedade, faz-se necessário que tal patrimônio esteja servindo ao cumprimento da finalidade essencial da instituição”, destacou o relator do processo, desembargador Atapoã da Costa Feliz. A igreja impetrara mandado de segurança nas duas instâncias judiciais, mas o pedido foi negado pela 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça. Com a decisão, a Assembleia de Deus pode ser obrigada a pagar R$ 32,5 mil em impostos ao município, conforme as doze ações a que responde na Vara de Execuções Fiscais. o u t u b r o
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Justiça fluminense determina que empresa de trens do Rio impeça cultos em suas composições
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de trabalhar vestindo saia, e não calça comprida, como determina a Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Parque Lageado, da qual é servidora. “Fiz um voto com o Senhor de só usar saia”, explica Evanir. O pacto com Deus teve como motivação a cura de sua filha Carolaine. Mas a prefeitura quer que ela use apenas calça comprida, como determina a todas as suas agentes do Programa de Saúde Familiar, seguindo procedimentos de segurança no trabalho. A queda de braço arrastase desde 2006, quando a evangélica transformou a calça que recebeu como uniforme em saia e foi suspensa por “insubordinação” às regras. Ela recorreu e, no ano seguinte, obteve uma liminar reconhecendo seu direito a trabalhar com os trajes que julgasse apropriados à sua fé. A trégua durou até novembro de 2008, quando a Justiça, na análise do mérito, deu razão à Secretaria de Saúde. O juiz Fernando Paes Campos, na sua sentença, até sugeriu que a agente usasse a saia por cima da calça, o que ela não aceitou. O advogado de Evanir recorreu à segunda instância, e, novamente em caráter liminar, o Tribunal de Justiça determinou a volta da funcionária ao trabalho – de saia. O recurso foi negado em agosto passado, mas a prefeitura de Parque Lageado ainda pode recorrer mais uma vez. “Meu voto está sendo testado pelo Senhor”, diz a mulher, convicta.
Trem lotado no Rio: no entender do MP, pregações perturbam a tranquilidade dos passageiros
Igreja batista dos EUA veta o consumo do refrigerante A Igreja Batista de Bell Shoals, na Flórida (EUA), está boicotando a Pepsi Cola. Sob a justificativa de que a empresa apoia o estilo de vida homossexual, a igreja determinou a retirada de todas as máquinas de refrigerantes Pepsi de seus templos. Terry Kemple, presidente do Conselho de Assuntos da Comunidade, ligado aos batistas, justifica a atitude argumentando que a multinacional doou mais de 1 milhão de dólares à campanha contra a Proposição 8, que aboliu o casamento gay na Califórnia. Outro motivo para o boicote seria o apoio da Pepsi às paradas do orgulho homossexual no país. “A fábrica de bebidas está usando o dinheiro que lhe pagamos para atacar valores que consideramos importantes”, reclama. No seu relatório anual, a igreja menciona que a Pepsi obriga seus funcionários a participar de treinamentos sobre diversidade de gênero e orientação sexual, onde seriam ensinados a aceitar a homossexualidade. Como prova de sua insatisfação com a Pepsi, a denominação já fechou contrato com sua arqui-rival, a Coca-Cola.
Assanhamento no templo Casal é surpreendido fazendo sexo na igreja; marido diz que mulher queria “apimentar a relação” “Queríamos apimentar nossa relação”. Essa foi a justificativa de um casal surpreendido pelo pastor de uma pequena congregação pentecostal em Ikeja, subúrbio de Lagos, a capital da Nigéria, quando faziam sexo dentro do templo. “Minha mulher achava que nossa vida sexual estava morna demais e disse que queria torná-la mais interessante”, disse Tolu Akintepe, de 30 anos. Ele e Bunni, 28, são casados há quatro anos. Indignado com o que considerou uma profanação ao templo, o pastor denunciou os dois a um tribunal local. O casal recebeu uma multa, no valor
Pegou o carro e fugiu da igreja
O perigo do orgulho Aos 88 anos de idade, o teólogo britânico John Stott é o que se pode chamar de lenda viva. Escreveu seu nome na história como presidente do comitê que elaborou o Pacto de Lausanne, em 1974. Há mais de três décadas, Stott dedica, todos os anos, três meses para viajar pelo mundo, dando atenção especial às igrejas localizadas em regiões onde o cristianismo é minoria. Em sua casa, em Londres, na Inglaterra, ele recebeu Christianity Today para esta conversa: CRISTIANISMO HOJE – O que mudou na Igreja Evangélica ao longo de seu ministério?
Garoto de sete anos, perseguido pela pol´cia, disse que não queria ir ao culto Muitas crianças costumam inventar as mais variadas desculpas quando não querem ir à igreja com seus pais. Mas um menino americano de sete anos não recorreu a dores de cabeça ou cansaço imaginários para escapar de um culto. O garoto, cujo nome não foi divulgado, pegou o carro do pai escondido num domingo e o dirigiu por algumas ruas da cidade de Plain City, no estado de Ohio. A polícia local recebeu a denúncia de que uma criança estava ao volante e saiu em perseguição ao veículo. O menino acabou voltando para casa. Surpreso com a movimentação, o pai contou que nem havia percebido o sumiço do filho. Perguntado acerca dos motivos de sua atitude, o garoto apenas encolheu os ombros: “É que eu não queria ir à igreja hoje”. [ R el i g i ão ]
Ateus criticam Lula Em carta aberta, associação reclama do que considera manifestações pró-religião do presidente A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) encaminhou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticando suas recentes declarações sobre a questão religiosa no país. Na mensagem, o grupo, fundado ano passado e que inclui entre seus aproximadamente 800 associados pessoas de variadas classes sociais e profissionais, defende a igualdade entre religiosos de todas as crenças, os ateus
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Boicote à Pepsi
equivalente a cerca de 300 reais, e teve de prestar serviços voluntários durante uma semana, limpando a igreja. O magistrado não quis saber das preocupações conjugais de Bunni e exortou o casal a ter mais respeito pelas instituições religiosas.
por Tim Stafford
JOHN STOTT – Fui ordenado há 64 anos e lembro que, quando comecei, os evangélicos eram uma minoria desprezada e rejeitada. Desde então, vi o movimento evangélico crescer em tamanho, maturidade, e, com certeza, em erudição. Em termos de influência, saímos de um gueto e nos colocamos em posição de predomínio, um lugar muito perigoso. Qual é o perigo?
O orgulho é o perigo que está sempre presente e que se coloca diante de nós. Em muitos aspectos, é bom sermos desprezados e rejeitados. Penso nas palavras de Jesus: “Ai de vocês, quando todos falarem bem de vocês”. Provavelmente, ninguém conhece mais a Igreja ocidental do que o senhor. Faça uma avaliação sucinta dela.
Vejo crescimento sem profundidade. Ninguém contesta o crescimento imenso da Igreja – mas esse processo tem sido, em grande escala, numérico e estatístico. O crescimento do discipulado não tem sido equivalente ao aumento dos números. O que a Igreja precisa fazer para alcançar a sociedade pós-cristã e secularizada do século 21?
Acredito que essas pessoas que taxamos como seculares se lançam à busca de pelo menos três coisas. A primeira é transcendência. Cada vez mais gente procura alguma coisa além do que vive e vê. A segunda é a busca de significado. Quase todo mundo procura sua identidade pessoal, quer encontrar o sentido da vida. Isso desafia a qualidade de nosso ensino cristão de que os humanos são criados à imagem de Deus. E a terceira coisa que todos andam buscando é comunhão, relacionamentos de amor. Gosto muito do que está escrito em I João 4.12: “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós.” 11
tradução: Claudia Ziller
[ C omportamento ]
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Arma e B´blia Pesquisa mostra que quase 30% dos agentes públicos de segurança gostariam de estudar teologia O que pensam os profissionais da segurança pública no Brasil, consulta realizada pelo Ministério da Justiça com 65 mil policiais civis e militares, bombeiros, guardas municipais e agentes penitenciários, chegou a uma conclusão surpreendente: quase 30% dos chamados homens da lei gostariam de estudar teologia. A especialidade surge como preferência logo após carreiras diretamente ligadas ao ofício que desempenham, como direito, criminologia, e junto a outras como psicologia, comunicação e educação física. O estudo observou que quase cem por cento desses profissionais vivem conflitos em relação a procedimentos próprios de seu trabalho, sobretudo ocorrências com morte, o que provavelmente os leva a desejar estudar aspectos ligados à religião. 12
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Saramago não perde o tom Em seu novo romance, Caim, premiado autor português segue confrontando Deus
no céu ou no inferno, que também foram inventados pelo homem”, fuzila. Sobre sua recente experiência pessoal, quando, doente, esteve à beira da morte, Saramago mantém o tom. Segundo ele, os méritos por sua recuperação são de sua mulher, Pilar, da equipe médica e de seu “resistente coração”. [ A rqueolo g i a ]
A couraça de Jerusalém Muralha de 1700 a.C. é descoberta em Israel
O português José Saramago: romancista premiado mais uma vez ironiza Deus Caim, o novo romance do escritor português José Saramago, segue a trilha de outras obras suas sobre a temática religiosa – a polêmica. Novamente, o escritor, ateu confesso, dirige suas baterias contra o sagrado: “Deus não é confiável. Que diabo de Deus é esse que, para enaltecer Abel, despreza Caim?”, indaga, referindo-se aos motivos do primeiro assassinato registrado na Bíblia. Na obra, Saramago redime Caim e atribui ao Todo Poderoso a autoria intelectual do crime. O autor já enfurecera a comunidade religiosa com O Evangelho segundo Jesus Cristo, de 1991, no qual insinua uma relação amorosa entre Jesus e Maria Madalena e classifica o galileu como uma personalidade de caráter frágil. O livro foi defenestrado até pelo então primeiro-ministro lusitano, Cavaco Silva, para quem o romancista “não representava o pensamento dos portugueses”. Furioso, Saramago deixou o país. Em 1998, acabou agraciado com o Nobel de Literatura, o primeiro prêmio conferido a um escritor de língua portuguesa. Provocativo, o escritor disse não considerar o novo livro seu particular e definitivo ajuste de contas com Deus. “Contas com Deus não são definitivas, e sim com os homens, que o criaram”, afirma. “Deus, demônio, o bem, o mal, tudo está em nossa cabeça e não o u t u b r o
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Uma muralha de 3,7 mil anos de idade é a mais nova sensação arqueológica de Israel. A estrutura, com 240 metros de comprimento e quase oito de altura, está localizada em um sítio localizado no bairro palestino da cidade velha de Jerusalém. No passado, ela faria parte de uma antiga fortificação, com objetivo de proteger de salteadores uma nascente próxima, única fonte de água que abastecia a região. A descoberta foi anunciada pela Autoridade de Antiguidades do Estado de Israel no início de setembro. Segundo os estudiosos, o muro foi construído por povos cananeus sete séculos antes de o rei Davi conquistar Jerusalém para os hebreus. “A obra mostra que essas populações já realizavam projetos de engenharia complexos em plena Idade do Bronze”, disse o arqueólogo Ronny Reich, professor da Universidade de Haifa. Ele acha sensacional o fato de que a muralha não tenha sido destruída por construções posteriores ou pelos frequentes conflitos ao longo da história de Israel. [ P ol í t i ca ]
Mulheres em disputa Poss´vel candidata à Presidência, Marina Silva critica voto religioso A senadora Marina Silva (PV-AC), possível candidata de sua legenda à Presidência ano que vem, parece disposta a colocar sua fé em segundo
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e os agnósticos. Lembrando que Lula chegou ao poder carregando a bandeira de uma sociedade mais justa e inclusiva, a Atea lamenta que o presidente faça declarações que considera depreciativas ao segmento dos sem-religião. O documento menciona discurso recente, em que o chefe de Estado teria ironizado os ateus que usam termos da cultura cristã quando em situação de perigo ou espanto, como “Nossa” ou “Meu Deus”. Na fala, Lula disse que “muitos ateus são hiopócritas ou contraditórios” por causa disso. “Consideramos que essa referência a tantos de nós é ofensiva e preconceituosa”, protesta a associação. O grupo também cita outra fala do presidente, em que ele disse considerar que, se houvesse mais religiosidade, o mundo seria “menos violento e com mais paz”. “Isso equivale a afirmar que as pessoas sem religião seriam mais violentas e contra a cultura da paz”, enfatiza a associação de ateus. A carta encerra-se com a afirmação de que o Estado pertence a todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor, idade, sexo, ideologia ou credo e lembrando que os ateus brasileiros têm o direito de não serem “vilipendiados” por um presidente “eleito também com seus votos”.
[ M e i o am b i ente ]
Contra os transgênicos Produtores agr´colas, religiosos e ambientalistas querem que governo restrinja ação de multinacionais da biotecnologia Em meio ao debate sobre as polêmicas cotas de produtividade agrícola que o governo federal quer implantar no país, representantes de 80 associações de agricultores, movimentos sociais, organizações não-governamentais e entidades de defesa dos consumidores reuniram-se no fim de agosto para tratar de um tema que anda meio esquecido – o impacto das culturas transgênicas sobre a biodiversidade e a saúde pública. Entidades de orientação cristã, como a Cáritas, a Comissão Pastoral da Terra e a Diaconia, participaram do evento. Eles querem a imediata suspensão do cultivo e comercialização do milho transgênico e que os convênios do Ministério do Desenvolvimento Agrário com a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sejam voltados exclusivamente para a agricultura familiar agroecológica. “As respostas às crises dos alimentos, do clima, energética e financeira, não serão dadas pela via do mercado, mas sim pela construção de um novo paradigma em que o uso racional dos recursos naturais passa a ter centralidade no futuro da civilização”, diz a Carta política, emitida no encontro. O documento denuncia ainda o Ministério da Agricultura por não fiscalizar as lavouras transgênicas, e a Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio) pela “aprovação irresponsável e açodada de invenções das transnacionais de biotecnologia”, como Monsanto, Syngenta, Bayer e Du Pont. Ficou estabelecido o 21 de outubro como Dia de Luta pela Vida e contra os Transgênicos. [ M erca d o ]
Bolso cheio Setor de produtos e serviços de orientação evangélicas cresce em meio à crise Apesar da crise mundial, o mercado gospel parece cada vez mais abençoado. Análises de especialistas indicam que o setor deve fechar o ano com 30% de crescimento. E, se a inveja é pecado, atire a primeira pedra quem não gostaria de fechar os balanços de 2009 com uma movimentação de R$ 1,5 bilhão, assim como as empresas que distribuem produtos e serviços de orientação evangélica. Só o mercado fonográfico cristão avançou oito por cento, na contramão dos outros estilos, que desafinam com a pirataria e a disseminação da música virtual. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), o gospel ocupa o segundo lugar entre os campeões de venda, atrás apenas do pop-rock. Mas nem só de louvor se faz o mercado evangélico. Livros – com destaque para a Bíblia Sagrada, da qual o país é o maior produtor mundial –, brinquedos, vestuário, turismo, instrumentos musicais, serviços e diversos outros produtos embalam o consumo crente. o u t u b r o
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embro do Conselho Editorial da revista Christianity Today, J.I. Packer é teólogo anglicano e professor no Regent College, em Vancouver, no Canadá. Autor largamente reconhecido no meio evangélico, tem vários livros publicados em português, onde expressa suas ideias sobre fé, espiritualidade e vida com Deus:
“A teocentricidade, que repudia a egocentricidade – reconhecendo que, no sentido fundamental, nós existimos para Deus, em vez de ele para nós –, é a base para a verdadeira piedade” O plano de Deus para você
“A esperança é uma planta delicada, facilmente esmagada e eliminada, e todo cristão deve aprender a lutar por ela” Nunca perca a esperança
“Os homens às vezes falam coisas que realmente não querem dizer simplesmente porque não conhecem suas próprias mentes; e, porque seus pontos de vista mudam, eles frequentemente descobrem que não podem sustentar as coisas que disseram no passado” O conhecimento de Deus
“A consciência é o poder inato de nossas mentes de exercer autojulgamentos morais, aprovando ou desaprovando nossas atitudes, ações, reações, pensamentos e planos, e dizendo-nos, em caso de desaprovanção, que devemos sofrer por isto”. Teologia concisa Seleção de Carlos Buczynski 2 0 0 9
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plano numa eventual corrida sucessória. “Eu sou evangélica e faço questão de professar a minha crença, mas acho que cada um deve votar de acordo com suas convicções políticas”, declarou a parlamentar em agosto, quando teve seu nome lançado ao Planalto. Marina tem sido apontada como ameaça à candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ligada ao PT e apoiada pelo governo, já que seria a primeira vez em que duas mulheres disputariam com chances o cargo de presidente da República. A senadora preferiu não especular como seria uma disputa eleitoral de mulher para mulher em 2010: “O Brasil tem se preparado para isso”, opina. “A vantagem de ter uma candidatura feminina é que a mulher tem capacidade de dividir a autoria das coisas”. A última vez que um evangélico disputou a Presidência foi em 2002, quando o presbiteriano Anthony Garotinho concorreu pelo PSB e chegou em terceiro lugar, com quase 17 milhões de votos.
O fantasma da INTOLER Decisão contra psicóloga cristã suscita debate sobre existência de movimento de perseguição contra os evangélicos
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O Brasil é, por força de sua Constituição, um país laico. Em e ilegalidades supostamente cometidos por dirigentes de igrejas linguagem bem objetiva, isso significa dizer, entre outras coi- e ministérios protestantes. Não se discute a veracidade de tais sas, que não existe religião oficial e, portanto, toda pessoa é fatos, mas a maximização de sua divulgação – além do perigo livre para professar a fé que desejar – ou abster-se de qualquer da generalização, que afeta todas as igrejas evangélicas, inclucrença –, sem receio de se tornar alvo de discriminação, vio- sive as que zelam pela probidade e ética cristã. No momento, a lência, constrangimento ou quaisquer outras manifestações de bola da vez é a briga entre a Rede Record de Televisão, emissointolerância. Como teoria, nada mais justo e adequado. Mas ra controlada pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e a a prática desse princípio fundamental foi colocada em xeque Rede Globo, antiga desafeta do bispo Edir Macedo, dirigente no fim de julho, quando a psicóloga Rozângela Justino, co- da denominação. A igreja está no olho do furacão por conta de nhecida por defender o direito à assistência psicoterápica para processos criminais movidos pelo Ministério Público de São pessoas que desejam deixar o homossexualismo, recebeu cen- Paulo contra seus dirigentes, acusados de enriquecimento ilísura pública pelo Conselho Federal de Psicologia, cito, desvio de verbas oriundas de doações dos fio CFP (ver quadro). Evangélica, ela foi punida sob éis para empresas como a própria Record e outros Sociedade a alegação de que teria infringido uma resolução crimes. Por sua vez, Record e Universal se dizem emitida pelo órgão em 1999; mas a decisão tamvítimas de perseguição com motivação religiosa. bém embute uma crítica à orientação religiosa de Rozângela. Houve momentos em que a situação era muito pior. O Some-se a isto a discussão sobre a validade do uso de símbolos crescimento exponencial dos evangélicos nas últimas três décristãos em espaços públicos; a depredação de um centro espí- cadas jogou para o terreno do esquecimento uma situação que rita no Rio de Janeiro; e a recente onda de ataques de vários as igrejas protestantes enfrentaram durante mais de um século setores da imprensa aos jogadores de futebol que declaram no Brasil. O pastor Euder Faber, presidente da organização em campo sua fé em Cristo, e está configurado algo que nin- interdenominacional Visão Nacional para a Consciência Crisguém, em sã consciência, pode desejar: uma possível escalada tã (Vinacc), traz à lembrança o tempo em que os evangélicos da intolerância religiosa no país. brasileiros sofriam muito com perseguições. Ele conta que, A quantidade de epi- no início do século passado, sob o comando de religiosos de sódios envolvendo evan- grande influência popular como o católico frei Damião, em gélicos faz com que este muitas partes do interior nordestino era proibida até a vensegmento sinta-se alvo, da de leite e pães aos protestantes. Naquela época, os temno mínimo, da má vonta- plos evangélicos não raro eram apedrejados e até destruídos. de de outros setores. Uma De acordo com Euder, embora situações como essas tenham das queixas é contra a ficado no passado, os seguidores da fé cristã em geral, e os imprensa. Já se tornaram evangélicos, em particular, são desafiados por outro problerecorrentes as reportagens ma na atual realidade brasileira: “Preocupa-me o fato de que denunciando desmandos haja diversas leis tramitando no Congresso Nacional que, caso aprovadas, possibilitariam um novo tipo de perseguição, desta vez patrocinada pelo próprio Estado”, diz. Ele cita o caso do ativista cristão Júlio Severo que, dizenEuder Faber está do-se pressionado e até ameaçado por movimentos de defesa preocupado: “Novas dos direitos dos homossexuais, acabou deixando o país com leis podem levar a família. Escritor, Severo tem diversos trabalhos publicados, o Estado a ser nos quais critica a homossexualidade como prática contrária patrocinador da aos ensinos bíblicos, e portanto, pecaminosa sob a ótica cristã. intolerância”
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Laelie Machado e Carlos Fernandes
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Punida pelo Conselho de Psicologia, a terapeuta Rozângela Justino denuncia que está tendo seus direitos cerceados: “Essa censura é uma mordaça”
Segundo ele, o Ministério Público Federal vinha exigindo de pessoas próximas informações a seu respeito, o que interpretou como intimidação. Severo, entrevistado por CRISTIANISMO HOJE em sua edição nº 11, foi acusado de homofobia por conta de suas manifestações públicas – embora não haja, no país, qualquer instrumento legal que restrinja o direito de opinião. Pelo menos, por enquanto. Apesar de ainda não ter sido aprovado, o Projeto de Lei 122/2006, que criminaliza a chamada homofobia, tem gerado muita polêmica. Parlamentares católicos e evangélicos no Congresso fizeram muita pressão pela rejeição ao projeto, argumentando que é inconstitucional por ferir o direito à liberdade de expressão. Muita gente teme até o estabelecimento de uma espécie de “ditadura gay” no país, onde até a crítica de natureza religiosa ao comportamento homossexual seria penalizada. A votação da matéria foi adiada para o dia 22 de novembro, pois o Senado defende que o texto precisa de mudanças. O pastor José de Oliveira, responsável pela área de Missões Mundiais da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, não chega a defender a existência de perseguição religiosa no Brasil – não, pelo menos, como um movimento declarado –, mas entende que a liberdade de culto e pregação está cerceada. “A perseguição não é explícita. Hoje, há uma restrição”, denuncia. Sem liberdade para evangelizar – No entender de Oliveira, o incômodo de determinados setores, como o clero católico, com o crescimento da Igreja Evangélica nacional pode estar por trás disso. “Hoje, já não temos a liberdade que tínhamos
antigamente para atuar em evangelismo”, lembra. De fato, quem é crente e tem mais de 30 anos pode confirmar que a prática de cultos ao ar livre, antes comum, é cada vez mais rara, por conta de uma série de dificuldades impostas por órgãos públicos. Mas não apenas isso. “É proibida a distribuição de literatura e tratados orientadores quanto às informações de nossa fé cristã quando se realiza pregações ao ar livre, além de ser necessário solicitar permissão às autoridades”, acrescenta o pastor. A preocupação com os impedimentos à propagação da fé vai além, e ele faz uma previsão preocupante: “Assim como aconteceu na China e em outros países, se os evangélicos brasileiros não espernearem um pouco, daqui a pouco o Brasil vira um país de intolerância”, vaticina. “Os adventistas têm enfrentado alguns problemas com respeito à guarda do sábado em escolas e faculdades e também em algumas empresas”, aponta, por sua vez, o pastor Manoel Pereira Andrade. De acordo com a fé professada pela Igreja Adventista, o sétimo dia deve ser reservado exclusivamente para práticas religiosas – direito que, inclusive, tem amparo legal no país. Mas ele conta que muitos fiéis daquela confissão têm sido prejudicados, tanto no mercado de trabalho quanto no ambiente acadêmico. “Funcionários adventistas perdem o emprego por não serem liberados no dia de sábado, e muitos alunos demoram três a quatro anos a mais para concluir uma graduação, pois ficam em dependência nas disciplinas ministradas aos sábados”, menciona. Andrade acredita que a perseguição de natureza religiosa será bem mais grave do que é hoje, não só no Brasil, como também no mundo todo: “A intolerância religiosa voltará com toda sua força, semelhante ao período da Inquisição”, o u t u b r o
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Acordo de cavalheiros
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Craques brasileiros comemoram t´tulo ostentando camisetas com mensagens cristãs: cr´ticas da m´dia 16
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Estevam e Sônia Hernandes, foram presos nos Estados Unidos por mais de um ano sob acusação de porte ilegal de divisas. Além disso, o fato de o jogador fazer ofertas em dinheiro à denominação é constantemente ironizado, assim como sua decisão de chegar virgem ao casamento por acreditar ser esta a vontade de Deus. Tenuta insiste que o motivo dessa implicância é o grande crescimento da população evangélica no Brasil. “Dirigem-nos calúnias, transformando coisas boas em coisas ruins”, reclama. “Apropriação indevida” – É também na área esportiva que outro tipo de intolerância tem sido notado. Depois da decisão da última Copa das Confederações, vencida pela seleção brasileira em junho, diversos atletas crentes posaram para as câmeras ostentando camisetas com mensagens cristãs. O próprio Kaká, um dos destaques da competição, deu a volta olímpica com a frase I belong to Jesus (“Eu pertenço a Jesus”) à vista de milhões de telespectadores. Foi o suficiente para a Federação Internacional de Futebol (Fifa) recomendar “moderação” à Confederação Brasileira de Futebol. A imprensa internacional não poupou palavras pejorativas para criticar asperamente o que chamou de “apropriação indevida” do esporte pela fé. Outro setor onde a profissão de fé cristã tem dado pano para manga é no serviço público. Diversos tribunais do país têm retirado os crucifixos que tradicionalmente ornamentam
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destaca, referindo-se a uma época em que a fé podia até levar gente para a fogueira (ver reportagem coordenada). Pode ser exagero, mas para ele, o processo que ora se desenrola na sociedade brasileira é um indício do fim dos tempos. O deputado federal Geraldo Tenuta (DEM-SP), bispo e presidente da Igreja Renascer em Cristo, não tem nenhuma dúvida de que, hoje, os evangélicos são alvo de perseguição, pelo menos nos meios de comunicação. Conhecido na sua denominação como bispo Gê, o parlamentar cita como exemplo reportagens sobre o jogador de futebol Kaká, que é presbítero da Renascer. Ele argumenta que, toda vez que o craque é citado no noticiário, é mencionado que os líderes da igreja,
Ricardo Stuckert/Presidência da República
O debate sobre o papel da Igreja Católica no Brasil esquentou das demais religiões”, critica a professora Roseli Fischmann, no mês de agosto no Congresso Nacional. O teor do tratado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade firmado em novembro de 2008 pelo presidente Luiz Inácio Lula de São Paulo (USP). A Lei Geral das Religiões, redigida a toque da Silva e pelo papa Bento 16 foi aprovado na Câmara no dia 27 de caixa por parlamentares evangélicos, copia vários dos 20 juntamente com outra proposta, a da Lei Geral das Religiões, artigos do tratado Brasil-Vaticano. A grande diferença entre os de autoria do deputado George Hilton (PP-MG). O acordo de cadois textos é justamente a substituição da expressão “Igreja valheiros entre as representações políticas das igrejas Católica Católica” por “todas as confissões religiosas”. e Evangélica pôs fim a uma polêmica que vinha crescendo nos “Esse foi o acordo: nós aprovamos o deles e eles aprovam o últimos meses. Tudo porque o Acordo entre a República Federanosso”, admitiu Hilton, que é evangélico e membro da Igreja Unitiva do Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja versal do Reino de Deus. As duas propostas foram aprovadas por Católica no Brasil concedia, em voto simbólico, entre as lideranças tese, privilégios ao catolicismo, já dos partidos com representativique a crença é ligada ao Vaticano, dade na Casa. Agora, a matéria a sede da Santa Sé, um Estado segue para apreciação no Senado com personalidade jurídica de DiFederal. Mas o clima de paz pode reito Internacional Público. estar com os dias contados. InconAnalistas acreditam que treformado com o que considera uma chos do documento, que não foi violação à laicidade do Estado bradebatido com a sociedade, ferem sileiro, o líder do PSOL, Ivan Valena laicidade do Estado – como o te (SP), antecipou que vai usar “toque prevê ensino religioso, a imudos os recursos disponíveis” para nidade das instituições religiosas questionar o resultado da votação. perante as leis trabalhistas e o “No país, não cabe regulamentauso de verbas públicas na preção legal sobre prática religiosa”, servação do patrimônio católico. diz o parlamentar. Ele questiona Lula discursa em solenidade na Catedral “Ratificar esse acordo significa ainda as manobras regimentais Presbiteriana do Rio: governo foi criticado por firmar alçar a Igreja Católica a um pausadas pelos colegas para resolacordo com Vaticano sem discussão parlamentar tamar oficialmente diferenciado ver a questão.
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O veterano jornalista Percival de Souza prefere não falar em perseguição: “Fatos não são produzidos; são noticiados” os espaços comuns e salas de audiência, sob a justificativa de que sua exposição pode causar constrangimento aos adeptos de outras crenças – embora seja o cristianismo a principal tradição religiosa do país, com pelo menos 175 milhões de seguidores. Mês passado, a juíza federal Maria Lúcia Lencastre Ursaia, da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou, em decisão liminar, que símbolos religiosos, como crucifixos e imagens, poderão permanecer nos órgãos públicos federais daquele estado. Para a magistrada, o Estado laico não deve ser entendido como uma instituição anti-religiosa ou anticlerical: “A laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas na tolerância aos mesmos”, diz, em sua sentença. Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, tem havido exageros na questão. “Esse tema dos símbolos religiosos tem gerado debates jurídicos em todo o mundo”, reconhece. “Mas, se formos radicais, vamos ter que rever o próprio calendário, que tem festas de caráter cristão como o Natal e a Páscoa”. Em evento realizado em agosto na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mendes foi irônico: “Tomara que não mandem derrubar o Cristo Redentor”. Na opinião do presidente do STF, muitos desses símbolos
vão além da religiosidade, e constituem a própria expressão da civilização ocidental cristã. O advogado Aldir Guedes Soriano, que pesquisa a liberdade religiosa como um direito constitucional, diz que existem vários casos pontuais no Brasil, como o de um delegado de polícia que autorizou visitas aos presos somente de pessoas adeptas de determinadas religiões. Contudo, não acredita que isso configure um fenômeno. “É um caso isolado de violação à liberdade religiosa. No Brasil, os problemas são mais sutis. Acontecem no ambiente de trabalho, nas escolas”, explica Aldir, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania. Soriano vê a necessidade de uma mudança no conceito de intolerância. “Não aceitar que falem mal de sua religião ou de sua prática de vida é uma forma de intolerância praticada pelo indivíduo”, explica. Ele observa que não só os evangélicos, mas adeptos de religiões de matriz africana e até os ateus se sentem perseguidos em determinadas situações. E, por vezes, são evangélicos os acusados de intolerantes. Estaria incluído nesse perfil o caso do pastor Tupirani da Hora Lores, líder da Igreja Geração Jesus Cristo, do Rio de Janeiro. Ele e um fiel de sua congregação, Afonso Henrique Lobato, foram indiciados e presos em junho, sob acusação de promover a violência religiosa. Os dois depredaram imagens e objetos de culto em um centro espírita, um ano antes. Concorrência – Atitudes criminosas como a dos dois evangélicos demonstram que a intolerância não é exclusividade de apenas um ou dois segmentos religiosos. A própria Igreja Universal, que já passou pelo dissabor de ver seu líder máximo ser preso, em 1992, sob acusação de charlatanismo – episódio que uniu diversas correntes evangélicas contra o ato, considerado arbitrário –, também reúne em suas fileiras gente radical, que não hesita em agredir a fé alheia. Ninguém esquece, por exemplo, do lamentável “chute na santa” desferido em rede nacional de TV por um de seus bispos, Sérgio Von Helde, no dia 12 de outubro de 1995, justamente a data que homenageia a santa católica Senhora de Aparecida. No fim de junho deste ano, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR)
Os números da intolerância no mundo 200 milhões é o número de cristãos perseguidos
150 milhões enfrentam algum tipo de discriminação religiosa
50 mil pessoas estariam presas ou detidas em virtude de sua fé
60 são as nações onde há graves violações à liberdade religiosa Fonte: Missão Portas Abertas
Geraldo Tenuta, deputado e bispo da Renascer, reclama: “Dirigem calúnias contra os evangélicos” o u t u b r o
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Manifestantes protestam contra a censura imposta a Rozângela Justino: psicóloga se diz perseguida por movimentos homossexuais 18
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entregou ao embaixador Martin Uhomoibai, presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, um relatório que denuncia o que seria uma “ditadura religiosa” praticada no Brasil. O documento elenca quinze relatos de casos acompanhados pela comissão e aponta os neopentecostais como responsáveis pela maioria deles. É a generalização, de novo, prejudicando o segmento religioso que mais cresce no país. O pensamento acadêmico nacional parece seguir uma posição mais moderada. Para a professora Sandra Duarte de Souza, doutora em ciências da religião, o Estado não apresenta obstáculos à pratica religiosa. “Ao contrário, além da liberdade religiosa ser um direito garantido constitucionalmente, já há casos em que o Estado tem criminalizado atitudes persecutórias movidas por uns grupos religiosos contra outros, ou mesmo contra pessoas físicas”, destaca. Na opinião da estudiosa, a concorrência religiosa tem gerado comportamentos intolerantes diversos. Contudo, ao mesmo tempo em que o fenômeno permite uma pluralidade de credos ou de instituições religiosas, termina quebrando esse monopólio religioso. “A configuração religiosa brasileira atual mostra uma relativa autonomia dos sujeitos religiosos em relação às instituições.” Para o escritor e jornalista Percival de Souza, com décadas de experiência e passagens por grandes jornais de São Paulo, a realidade é diferente. Cristão da Igreja Metodista, ele diz que nenhuma igreja tradicional, teológica e doutrinariamente forte e consistente, costuma se queixar de perseguição por parte da imprensa. Ele acha que a mídia só exerce seu papel de expor a realidade. “Fatos não são produzidos. São noticiados. Fatos não são criados. São divulgados”, pontifica. Ele não acredita em perseguição à Igreja. “Além disso, nem tudo o que vemos por aí é endossável em nome da crença. Aliás, assistimos a episódios lamentáveis, deploráveis até”, comenta Percival. O jornalista explica que, pelo fato de não existir um pensamento uniforme sobre “o que a mídia pensa”, ela recorre às universidades para dirimir dúvidas e buscar esclarecimentos. “A mídia busca o espaço do conhecimento, e onde está este espaço? Nas igrejas ou na academia?”, questiona. “A Palavra de Deus é uma ponte que metaforicamente une céus e terra, como a escada que Jacó viu em sonhos, mas nem todos sabem construí-la”, encerra.
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Gilmar Mendes, presidente do STF, enxerga exageros: “Tomara que não derrubem o Cristo Redentor”
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No dia 31 de julho, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) impôs censura pública sobre a psicóloga Rozângela Justino. O motivo não foi o exercício indevido da profissão, nem alguma atitude antiética ou ilegal em seu trabalho. No entender da entidade, a profissional infringiu uma resolução de 22 de março de 1999, segundo a qual “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. Traduzindo – os psicólogos estão proibidos de usar os procedimentos terapêuticos para atender pacientes em conflito com sua orientação sexual, ainda que solicitem isso. Rozângela, que é evangélica, não está proibida de exercer a profissão, desde que se submeta às limitações impostas pelo CFP. E ela não parece disposta a se submeter. Formada em 1981 e especializada em psicologia clínica e escolar, Rozângela Justino, que é crente batista, defende o direito de que qualquer um possa receber auxílio profissional com objetivo de deixar o comportamento homossexual, se assim desejarem. A prática não é aceita pelo Conselho. “A imposição dessa censura é uma forma de mordaça”, protesta a psicóloga. Em seu blog, Rozângela escreveu: “Essa decisão significa que eles declararam que eu faço algo muito errado: apoiar pessoas que voluntariamente desejam deixar a atração pelo mesmo sexo. Os ativistas do movimento pró-homossexualismo continuarão me perseguindo para me impedir de exercer a profissão”. Ela não abre mão de prestar assistência a quem, voluntariamente, quer mudar o foco de sua atração sexual. O caso mobilizou a opinião pública. Enquanto grupos de defesa dos direitos dos homossexuais entregavam um abaixo-assinado ao CFP pedindo a manutenção da censura contra a profissional, entidades evangélicas também se manifestaram junto ao órgão em apoio a Rozângela. Ela garante que não vai deixar de exercer suas atividades profissionais por causa da decisão do Conselho Federal de Psicologia – e, numa atitude desafiadora, aconselha as pessoas que estiverem sofrendo com sua orientação sexual e sentirem vontade de abandonar o homossexualismo a procurar ajuda psicológica. “Não tenho vergonha de acolher essas pessoas”, declara.
A religião que persegue
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Os conflitos religiosos são quase tão antigos quanto a própria História. No Brasil, existem registros de perseguições violentas contra cristãos evangélicos até meados do século passado. No nordeste, por exemplo, muitos católicos se referiam aos evangélicos como “bodes”, uma forma jocosa de distingui-los das “ovelhas”, como se chamavam. Essa pressão ostensiva começou a diminuir a partir das décadas de 1960 e 70 e praticamente sumiu com a redemocratização do país, na década de oitenta. No mundo, a intolerância religiosa já foi responsável por verdadeiros massacres, e ainda hoje está na raiz de genocídios e atos de violência de todo tipo:
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Perseguição dos judeus aos cristãos (primeiro século) – A intolerância contra os cristãos teve início ainda durante o ministério de Jesus na terra. As pessoas que atribuíam divindade a Cristo e acreditavam nele como o Messias foram perseguidas tanto por judeus como por pagãos. Sob a força do Império Romano (64 ) – O primeiro registro de perseguição religiosa por parte dos romanos aos cristãos está ligado ao reinado de Nero. O imperador jogou a culpa do incêndio em Roma sobre os seguidores de Jesus Cristo, o que resultou no aumento das hostilidades contra o segmento. Ficaram célebres os massacres em arenas, onde famílias inteiras eram despedaçadas por feras. A loucura das Cruzadas (1096 – 1272) – Foram movimentos de caráter cristão e militar, que partiram da Europa com o objetivo de retomar a Terra Santa e a cidade de Jerusalém das mãos dos muçulmanos. Estima-se que tenha havido nove dessas expedições exaustivas e violentas, que não poupavam as populações civis. Houve vitórias e derrotas de parte a parte, mas ao final os mouros prevaleceram. Os cavaleiros cristãos animavamse com a crença de que, caso morressem em campanha, teriam direito imediato à salvação.
Inquisição, período de trevas – Conjunto de ações levadas a cabo por tribunais que julgavam pessoas e grupos considerados ameaçadores às doutrinas da Igreja Católica Romana. Um dos alvos prioritários eram os hereges, mas cientistas também foram perseguidos por defender ideias contrárias aos dogmas religiosos de então, como o gênio Galileu Galilei. Durante o século 15, muitos se aproveitaram dessa força para perseguir os nobres e os judeus. A sangrenta Noite de São Bartolomeu (1572) – A hostilidade contra os protestantes huguenotes na França culminou no massacre conhecido como a Noite de São Bartolomeu, promovido pela Casa Real no dia 24 de agosto daquele ano. Calcula-se que 30 mil a 100 mil huguenotes morreram nesse episódio. Foi a perseguição aos cristãos reformados que levou o vice-almirante Nicolas Villegaignon e seus comandados a tentar a sorte no Brasil, onde, em 1555, fundaram a França Antártica. Para ali acorreram vários reformados perseguidos na Europa, inclusive pastores. A colônia foi destruída dez anos mais tarde pelo portugueses. Os crimes da Alemanha nazista – A população perseguida de maneira mais feroz pelos nazistas alemães durante as décadas de 1930 e 40 foram os judeus, sem qualquer motivo razoável – o regime racista de Hitler simplesmente considerava-os responsáveis por todos os males. Estimase que mais de 6 milhões de judeus foram trucidados nos campos de concentração e fornos crematórios ao longo da 2ª Guerra Mundial. Em menor escala, católicos e protestantes alemães também sofreram muito com a intolerância do III Reich.
Ao longo dos tempos, a fé tem sido desculpa para todo tipo de atrocidades
Cena do filme Cruzada: cristandade ocidental empunhou a cruz e a espada
Pintura retrata a Noite de São Bartolomeu: massacre de protestantes
Hindus contra cristãos na Índia (2008) – Um dos casos de perseguição religiosa mais recentes ocorreu no estado indiano de Orissa, ano passado. Extremistas hindus massacraram aldeias cristãs e destruíram igrejas. Há relatos dando conta de mais de mil mortos. o u t u b r o
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Campo de concentração da II Guerra Mundial: genoc´dio contra judeus 2 0 0 9
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Abertura do último Congresso Nacional de EBD: Assembleia de Deus tem incentivado o estudo da Palavra
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Tatiana Piva
Domingo é dia de escola! Pelo menos, para milhões de pre houve discussões quanto à pedagogia e ao conteúdo, é crentes que saem de suas casas no chamado dia de descan- verdade; mas, apesar do formato e das metodologias aplicaso a fim de aprender a Palavra de Deus. A Escola Bíblica das, matricular-se em uma das classes era o que se esperava Dominical (EBD) é a maior e mais democrática institui- de todo e qualquer membro da congregação, fosse veterano ção de ensino do mundo. Ela abre suas portas a qualquer ou novo convertido. pessoa, independentemente de idade, classe social ou nível Todavia, por volta de trinta anos atrás, teve início uma de instrução. Gratuita, oferece a todos a oportunidade de espécie de crise. Algumas denominações mais novas, notaampliar seus horizontes de conhecimento e espiritualida- damente as de linha neopentecostal, acharam por bem subsde. É ali que muita gente senta-se pela primeira vez em tituir a boa e velha Escola Dominical por outras atividades, um banco escolar, e é nela que pessoas sem qualquer ins- ou simplesmente aboli-la. A justificativa, correta em partrução formal podem tornar-se mestres. Além te, era de que o modelo estava desgastado. Em disso, a EBD está diretamente ligada à história muitas igrejas, de fato, as manhãs de domingo Educação das igrejas evangélicas no Brasil, já que foi imtransformaram-se em enfadonhos encontros, plantada ainda em meados do século 19, época onde temas com pouca conexão com a realidade em que as primeiras denominações protestantes de missão e a vida dos crentes eram abordados. Mas a pergunta é: por chegaram ao país. Pode-se dizer que a Igreja Evangélica, mais que a EBD precise de renovação e dinamismo, alguém por aqui, nasceu de mãos dadas com a Escola Dominical. conseguiu inventar coisa melhor? Se depender das igrejas Até o início da década de 1980, quando a liturgia das mais tradicionais, a resposta é a mesma – ou seja, um retumigrejas históricas ainda predominava, a EBD era tão funda- bante “não”. Muitas denominações continuam adeptas do mental ao domingo quanto o próprio culto público, a ponto modelo tradicional de Escola Dominical e reiteram que seus de se apropriar naturalmente da nomenclatura “domini- frutos são benéficos aos cristãos, mesmo em pleno século 21, cal”. Em inúmeras congregações, as atividades matinais época de tantas modernidades. “Acredito que ela é a mais concentram-se no estudo bíblico, conferindo à Palavra de importante agência de aprendizado bíblico e de evangelizaDeus um papel de centralidade na vida dos crentes. Sem- ção da Igreja”, afirma Rute Bertoldo Vieira Moraes, pasto-
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(Colaboração: Carlos Fernandes)
Escola Bíblica Dominical enfrenta crise, mas ainda é vista como elemento fundamental da Igreja Evangélica
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ra, redatora e coordenadora do Departamento Nacional de Escola Dominical da Igreja Metodista. “Muitas igrejas surgiram a partir da EBD, especialmente através do trabalho com crianças”, confirma. Material abundante – Não existem estatísticas oficiais, nem mesmo denominacionais, para indicar se a frequência à Escola Dominical está mesmo em queda, como se queixam tantos pastores e educadores cristãos. Mas ninguém tem dúvidas de que a instituição está longe da extinção. E, mesmo não sendo uma unanimidade, ela continua contando com forte apoio entre os evangélicos. Segundo a teóloga Lilia Dias Marianno, mestre em ciências da religião e assessora do Departamento de Educação da Convenção Batista Brasileira (CBB), as pessoas podem estar desacreditadas da igreja, mas não das Escrituras. “O amor pela Bíblia está aumentando nesses últimos dias”, entusiasma-se. “Mas há muitas igrejas que não estão vivendo a Palavra de Deus e, por isso, também não conseguem suprir a necessidade das pessoas”, opina. Por essa razão, variados ministérios seguem investindo na EBD como principal ferramenta de discipulado. Uma das maneiras encontradas para se fazer isso tem sido através das editoras das próprias denominações, as quais têm colaborado com a publicação de materiais e organização de eventos para formação de professores. A Assembleia de Deus, maior confissão evangélica do país, constitui o melhor exemplo. A Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), sediada no Rio de Janeiro, não apenas produz vasto material para alunos e professores das mais diferentes classes, como também promove encontros nacionais para educadores. Esses congressos, de grande porte, atraem professores e dirigentes de ensino bíblico de diversas denominações, interessados no know-how de uma igreja que já caminha para 100 anos de fidelidade às Escrituras. Outras instituições eclesiásticas fazem o mesmo, elaborando e publicando o próprio material educativo. As igrejas batistas contam com a Junta de Educação Religiosa e Publicações (Juerp); já a Editora Cultura Cristã é responsável pelas lições dos presbiterianos; e as igrejas metodistas e congregacionais também
O veterano educador cristão Antônio Gilberto: “Se a EBD fosse mais promovida, ter´amos uma Igreja quatro vezes maior”
Classes b´blicas em templo da Assembleia de Deus: Escola Dominical tem sido questionada, mas não há como negar sua essencialidade dispõem de material próprio de EBD. Em todos os casos, os currículos são elaborados de acordo com a ortodoxia da doutrina cristã e as particularidades teológicas de cada grupo. “Preparamos uma matriz que apresenta a divisão dos temas, sua distribuição e seu detalhamento ao longo dos anos”, explica Cláudio Antônio Batista Marra, teólogo, jornalista e editor da Editora Cultura Cristã, de São Paulo. A casa edita e distribui material eclesiástico, respeitando cada fase do desenvolvimento etário e espiritual de seus fiéis, de modo que os alunos possam aprender e aplicar os ensinamentos na vida prática. “As idades são agrupadas em faixas para viabilizar a criação do material, sua comercialização e uso”, diz o editor. Hoje em dia, a diversidade de bons materiais é tanta que, mesmo entre as igrejas históricas, congregações locais muitas vezes optam por trocar o material da casa publicadora denominacional por lições de outras editoras, por entender que é mais adequado àquele momento – isso, quando não o produzem internamente. Quem oferece essas lições sem traços teológicos ou eclesiológicos específicos de uma denominação precisa manter duas preocupações: com o preço final – as publicadoras independentes não contam com subsídios de igrejas, e por isso precisam produzir lucro para continuar funcionando – e com a qualidade do conteúdo. “Isso exige uma postura de vida tanto corporativa quanto individual orientada pelo paradigma da grande missão da Igreja”, afirma André de Souza Lima, editor assistente da Editora Cristã Evangélica. “Ou seja, existimos para ensinar os discípulos de Cristo a guardar todas as coisas.” “Alimento nutritivo” – “Se a Escola Dominical fosse mais promovida, teríamos uma Igreja quatro vezes maior”, pontifica o pastor e professor Antônio Gilberto, da Assembleia o u t u b r o
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de Deus, um dos mais respeitados educadores cristãos do país. Formado em psicologia, teologia, pedagogia e letras, Gilberto tem 56 anos de experiência na área e é autor de sete livros, entre eles o Manual de Escola Dominical (CPAD), considerada obra de referência. No entender de Gilberto, muitas igrejas têm sofrido com problemas devido à pouca importância que dão ao estudo da PalaPara Cláudio Marra, é vra. Defensor intransigente fundamental respeitar as da EBD clássica – aquela que caracter´sticas de cada se realiza ao menos uma vez faixa de público por semana, envolvendo toda a igreja, com métodos de ensino e conteúdo –, o veterano mestre anda preocupado com o que vê no cenário evangélico brasileiro. “As igrejas precisam se conscientizar de que a
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Escola para a vida
A Escola Bíblica Dominical tem certidão de nascimento. Ela surgiu em 1780, na cidade inglesa de Gloucester. O jornalista evangélico Robert Raikes percebeu que muitas crianças da cidade estavam envolvidas com furtos, vícios e outros delitos. Resolvido a tentar mudar aquele quadro de perigo social, saiu pelas ruas e convidou os pequenos que encontrou a participar de uma reunião aos domingos, na qual seriam oferecidas aulas de alfabetização, linguagem, gramática, matemática e religião. As crianças ficaram muito empolgadas e a participação foi crescendo. Em pouco tempo, os alunos não aprenderam lições apenas sobre a Bíblia, mas também acerca de moral e ética com princípios cristãos. O próprio Robert Raikes jamais poderia imaginar que aquela pequena semente se tornaria um ministério importante e estratégico para a Igreja de Cristo, oferecendo a cada crente a oportunidade de – como recomenda a própria Bíblia – conhecer e prosseguir em conhecer as Sagradas Escrituras. Nos Estados Unidos, um dos maiores entusiastas do ensino bíblico era o editor e evangelista Dwight L.Moody. A escola dominical que montou em Chicago foi a maior de sua época, com frequência média de 650 pessoas e sessenta professores. Assim como Raikes, Moody deu especial atenção à formação cristã das crianças. Sua EBD infantil atendia a quase mil meninos e meninas, além de suas famílias. Como sinal do prestígio de seu trabalho, até o presidente americano Abraham Lincoln visitou suas instalações e falou aos alunos. O trabalho do evangelista deu origem a respeitados estabelecimentos de ensino de orientação cristã, como o Instituto Bíblico Moody e Escola Monte Hermon. Já no Brasil, a Escola Dominical surgiu em meados do século 19. O casal de missionários congregacionais escoceses Robert e Sarah Kalley instalou-se em Petrópolis, na Região Serrana fluminense, buscando ali um clima mais parecido
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educação bíblica é um investimento que merece lugar entre as prioridades da igreja”, sentencia. Algumas denominações de surgimento mais recente, no entanto, parecem dispostas a quebrar o modelo clássico e oferecer a seus fiéis algo que entendem mais contextualizado como prática educacional e de discipulado. É o caso da Igreja Renascer em Cristo, com a sua Escola de Profetas, mais voltada para a formação de liderança. Já a Igreja Bola de Neve – denominação criada por surfistas evangélicos e que tem membresia predominantemente jovem –, por sua vez, mantém um ministério voltado para o estudo da Bíblia chamado Mergulhando na Palavra, de natureza mais informal. De maneira geral, são duas as principais críticas às iniciativas que diferem da EBD convencional: a primeira diz respeito à confiabilidade do conteúdo ministrado; e a outra se concentra na falta de uma estrutura que contemple as necessidades específicas de cada grupo dentro da igreja. O modelo em células, por exemplo, é rejeitado por muitos especialistas religiosos no que se refere ao discipulado. Para Lilia Dias Marianno, esse modelo muitas vezes se limita a reproduzir aquilo que é dito pelo pastor nos cultos durante as reuniões na semana. “O
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Moody (de barba) com alunos de sua EBD infantil, em Chicago: pioneirismo com o deixado para trás na Europa. Erudito e bem articulado, o médico Kalley logo tornou-se interlocutor do imperador D.Pedro II. Graças às suas boas relações com o monarca, o missionário conseguiu que, pouco a pouco, as restrições à fé protestante no Império fossem abrandadas. Uma delas impedia que os grupos evangélicos se reunissem em construções com aspecto de templo, a fim de que não fossem confundidos com as igrejas católicas. Outra discriminação – a que proibia o sepultamento de protestantes em cemitérios gerais – também foi abolida. No dia 19 de agosto de 1855, a casa dos Kalley abriu-se para cinco crianças da região. Naquele dia, Sarah, que já dominava o português, deu uma aula baseada na história do profeta Jonas – aquele que fugiu de Deus e foi engolido por um peixe –, enfatizando a necessidade da obediência ao Senhor. Nascia ali a EBD em território nacional.
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O que levou a isso? Um somatório de fatores. Experiências fracassadas, estruturas arcaicas e carência de recursos didáticos e pedagógicos colaboraram para isso. Some-se os modismos, a frieza espiritual de nossos dias – fato profetizado biblicamente –, a escassez de líderes e os inúmeros compromissos que hoje envolvem a liderança e o povo evangélico, e você terá um quadro pronto para o esvaziamento da EBD.
O teólogo e médico Angelo Gagliardi Júnior, 53 anos, escreveu o livro Você acredita em Escola Dominical? no fim dos anos 1990, no qual debatia a crise desse modelo de ensino. Em entrevista a CRISTIANISMO HOJE, ele mostra que o tema continua atual.
CRISTIANISMO HOJE – Na década passada, quando o senhor escreveu o livro, o panorama da Escola Bíblica Do minical era diferente do de hoje? ANGELO GAGLIARDI JR – Basicamente, os problemas são os mesmos, com o agraMuitas igrejas se recusam a adotar vante de que o Evangelho é apresentado Para Angelo Gagliardi Jr, o formato convencional de EBD. Se hoje numa visão mais utilitária, superficial, valorizar a EBD é ria uma boa justificativa? hedonista, sem ênfase no necessário coquestão prioritária Nunca enfatizei o formato nem o apego a nhecimento da Palavra e em atitudes como uma exclusiva metodologia, sequer a um o arrependimento, a mudança de vida e o único material didático acessório ou complementar. A escompromisso com o Senhor. Creio que o fato de hoje haver cola está posta como ministério na Igreja para promover bem mais igrejas questionando-se e pensando em buscar o conhecimento de Deus revelado em Cristo Jesus. Ela alternativas seja um avanço. Isso era impensável, por exemdeve prover instrução, formação e a maturação do povo plo, há trinta anos, quando matava-se o povo de fome com de Deus através do ensino, da meditação, do compartilhaabsoluta frieza em nome da tradição denominacional. O que mento das Sagradas Escrituras. regrediu foi o fato de ser cada vez maior o desapego ao ensino e ao manuseio da Bíblia como material central de A pergunta inevitável: como é possível resgatar o estudo da escola. É, contudo, a Bíblia, a Palavra de Deus, valor e a utilidade da Escola Dominical? o alimento, a espada, o mel, a lâmpada. Ela é insubstituível Só com a participação verdadeira e comprometida dos líderes como instrumento de revelação de Deus. e pastores das comunidades. O púlpito exalta o pregador. As Muitas igrejas promoveram mudanças na estrutura sociedades internas e as células são, administrativamente faclássica da escola bíblica. Qual a sua opinião sobre lando, mais fáceis de serem gerenciadas e aliviam grande parte do descomunal peso transferido para as costas do pastor. isso? Mas quem proverá o enÉ uma questão de visão, de importância, de prioridades, de sino da Palavra de forma filosofia. Sem que essas coisas mudem primeiro, nada dará cuidadosa, metódica, orresultado. É como colocar vinho novo em odres velhos. O prodenada e progressiva? blema é que ninguém mais põe fé na EBD, nem os pastores.
modelo de células não produz conhecimento bíblico. Nele não há estudos consistentes das Escrituras”, critica. Há ainda as denominações que nem mesmo possuem algo que substitua a EBD, limitando a transmissão do conhecimento bíblico às pregações nos cultos. É o caso, por exemplo, das igrejas de linha neopentecostal, como Universal do Reino de Deus, Mundial do Poder de Deus e a Internacional da Graça. Procuradas pela reportagem de CRISTIANISMO HOJE para dar informações a respeito do assunto, seus representantes não haviam se pronunciado até o fechamento desta edição. Como investem fortemente em mídia, principalmente em rádio e televisão, igrejas dessa linha atraem milhares de pessoas a seus templos, promovendo cultos todos os dias da semana. Mas muita gente discorda que tais ajuntamentos constituam uma forma de discipulado. “O culto é celebração, não ensinamento. O espaço de ensino bíblico é outro momento. Na Escola Bíblica Dominical, são 26
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formados discípulos; é o momento de o povo leigo sentar, estudar e buscar conhecimento”, opina Lilia. A questão não se resume à consistência do alimento espiritual; ela passa também pela maneira como esse conteúdo é apresentado. A concorrência pela atenção do membro da igreja é forte. “Hoje em dia, as igrejas sofrem com a falta de interesse dos membros pelo estudo da Bíblia, pois existem outros atrativos mais interessantes, como louvor, festas e confraternização, sem falar na ênfase nos milagres e na solução rápida de problemas, elementos com alto apelo sensorial”, afirma Silas Davi Santos, professor de EBD dos jovens da Igreja Metodista em Itaberaba (SP). No seu entender, o verdadeiro estudo da Palavra segue na contramão disso, pois exige tempo, disciplina e dedicação. “A Escola Dominical pode e deve ajudar o cristão e aluno a manter o foco na Palavra, fomentando os ensinamentos de Jesus para que não se desvie por caminhos errados.”
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“Nem os pastores põem mais fé na EBD”
reflexão Ricardo Agreste teólogo e escritor
Entre pastores e tosquiadores Precisamos de pastores comprometidos em conduzir seus seguidores à imagem de Cristo
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lguns dos personagens principais do Novo Testamento são aqueles chamados de pastores ou presbíteros. A eles cabia a responsabilidade de cuidar, orientar e capacitar o rebanho de Deus. No processo de formação espiritual de homens e mulheres comprometidos com o discipulado de Jesus Cristo, eles funcionavam mesmo como pais espirituais, zelando pelo desenvolvimento saudável dos crentes. Neste sentido, é interessante lembrar que, na tradição católica romana, o responsável pela comunidade é chamado de padre, ou seja, “pai”. O termo pressupõe maturidade emocional e espiritual condizente ao fato de estes religiosos terem, sob seus cuidados, filhos e filhas. Além disso, espera-se de um bom e verdadeiro pai amor altruísta, capaz até mesmo de sacrificar-se para prover o necessário ao desenvolvimento dos que estão sob sua responsabilidade. Tamanha era a importância dos pastores no processo de formação espiritual na Antiguidade que o autor do livro dos Hebreus escreve em tom imperativo: “Obedecei aos vossos guias, e sede submissos para com eles; pois velam por vossas almas” (Hebreus 13.17). Tal exortação, juntamente com outros textos das Escrituras, deixa claro que, no processo de formação espiritual, é fundamental haver pastores comprometidos em conduzir seus seguidores à imagem de Cristo. Numa cultura superficial como a nossa, essa relação de submissão à orientação e ao cuidado de outros tornou-se muito rara. O caráter individualista de nossa fé não nos permite sermos guiados por ninguém, e o perfil consumista de nossa cultura faz de cada crente um cliente, que determina o que deseja e como o quer. Assim, a formação espiritual se torna cada dia menos viável em nossas comunidades. Por outro lado, não são apenas as chamadas ovelhas que mudaram ao longo dos últimos séculos. Aqueles que se intitulam de pastores também não deixaram por menos. Em meio às pressões pelo sucesso e pela prosperidade – próprias dessa mesma sociedade ocidental capitalista –, a figura do pastor ganhou traços de oportunismo, ganância, manipulação, ostentação e abuso de poder. Não é difícil encontrarmos pastores nos púlpitos, nas rádios e nas emissoras de TV gastando mais tempo falando de suas realizações pessoais e das instituições que dirigem do que da centralidade da obra de Jesus na vida cristã. Isso, quando tais espaços não são destinados inteiramente ao comércio
de produtos e serviços que carregam a marca do ministério do líder. Sim, os pastores do século 21 têm usado seu poder de influência para induzir as pessoas a fazer aquilo que lhes beneficia. Os profetas bíblicos Jeremias e Ezequiel falaram da ira de Deus contra aqueles que transformaram o rebanho em fonte do próprio alimento. Aqueles que deveriam ser pastores haviam se transformado em tosquiadores, vivendo da lã produzida pelas ovelhas. A consequência disso está relatada nas Escrituras: “Meu povo tem sido ovelhas perdidas; seus pastores as desencaminharam e as fizeram perambular pelos montes. Elas vaguearam por montanhas e colinas e se esqueceram de seu próprio curral” (Jeremias 50.6); e “As minhas ovelhas vaguearam por todos os montes e por todas as altas colinas. Foram dispersas por toda a terra, e ninguém se preocupou com elas, nem as procurou” (Ezequiel 34.6). A cada dia aumenta o número daqueles que, vítimas de abusos ou tomados por decepções, deixam suas igrejas e se tornam como ovelhas perdidas que vivem perambulando de grupo em grupo. Elas vagueiam longe de um contexto comunitário, sem receber o devido cuidado pastoral – e, de tão machucadas pelos líderes, fecham seus corações para o pastoreio. E, se há gente que diante disso recusa qualquer orientação, na outra ponta temos líderes que justificam tal atitude, agindo como predadores do rebanho pelo qual deveriam zelar. Qual o caminho a tomar? Pode existir esperança? Aqueles que realmente estão empenhados com a formação espiritual consistente – aquela que conduz homens e mulheres à imagem de Cristo – precisam se empenhar na restauração desta relação. Os crentes precisam avaliar com maior profundidade as motivações que os levam a romper tão facilmente com as comunidades locais e a resistir tão intensamente ao processo de se deixarem guiar por pastores. Finalmente, precisamos de pastores. Precisamos orar pedindo a Deus que levante homens e mulheres realmente comprometidos com o cuidado, orientação e capacitação de seu povo. Paralelamente, aqueles que remam contra a maré, insistindo em simplesmente serem pastores, precisam ser valorizados e encorajados diante da sociedade que os pressiona, demandando que se transformem em provedores espirituais dos sonhos de consumo de suas ovelhas – ou mais apropriado seria dizer clientes?
O perfil consumista de nossa cultura faz de cada crente um cliente, e a figura do pastor ganha traços de oportunismo, ganância, manipulação e abuso de poder
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Muitas páginas de história Editora Vida comemora 25 anos celebrada como uma das maiores publicadoras evangélicas do país
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Eude Martins (esq) e Sérgio Henrique de Lima: duas fases na gestão da Editora Vida
Construir um legado é uma tarefa longa e difícil. No caso do editorial evangélico foi o pastor Eude Martins, hoje coorde uma instituição de orientação cristã, é preciso também denador nacional da campanha É tempo de ouvir a Palavra de permanecer atento ao que se chama de ministério, ou seja, a Deus, da Sociedade Bíblica do Brasil. Ele foi diretor-executivo vocação espiritual que delineia seus trabalhos. Pois a Editora da editora durante quase 20 anos, até março de 2007. MarVida conseguiu alcançar esse objetivo através da letra impres- tins, pastor assembleiano, conta que as mudanças realizadas sa. Ao longo dos últimos 25 anos, a publicadora, sediada em em sua gestão tornaram a editora mais interconfessional, além São Paulo, consolidou sua imagem junto aos leitores e à Igreja de firmá-la como uma das maiores do setor no país. Foi sob brasileira conjugando o binômio qualidade e conteúdo. O lan- sua administração que a publicadora lançou vários sucessos çamento de bíblias diferenciadas e de autores de sucesso são editoriais, sendo que dois deles estão presentes no gabinete de marcos na história da Vida, bem como sua aquisição nove em cada dez pastores. O primeiro foi a Bíblia pelo grupo argentino Producciones Peniel, em 2007. Thompson, conhecida pela riqueza de seu conteúdo. Mercado Para comemorar o aniversário, a editora ofereceu um “Ela se tornou um grande sucesso também pela quajantar a convidados especiais, incluindo homenagens lidade, pois era produzida nos Estados Unidos, na a personalidades que fizeram parte de sua história, como os então mais conceituada gráfica de bíblias do mundo, a R.R. pastores Jarbas Ramires, Josué de Campos e Eude Martins, e Donnelley”, explica o pastor. apresentações musicais. Outro lançamento histórico foi a Bíblia na Nova Versão InO evento, realizado no dia 9 de setembro, também foi uma ternacional (NVI), fruto de uma parceria com a International oportunidade para a entrega do Prêmio Top Vida 50, com o Bible Society (Sociedade Bíblica Internacional). “A opção se qual a editora estimula as atividades do mercado livreiro na- deu pelo fato de a Vida ser, na época, propriedade da Zoncional. Segundo o diretor-executivo Sérgio Henrique de Lima, dervan Corporation, parceira da IBS na tradução, publicação e vários fatores foram relevantes na construção da história da distribuição da NVI em inglês”, diz Eude Martins. Ele ainda editora. “Com a aquisição pela Zondervan, uma das maiores destaca o sucesso dos livros do pastor Rick Warren, que comeeditoras evangélicas do mundo, em 1995, a Editora Vida se çou com Uma igreja com propósitos. modernizou e se firmou como a maior casa publicadora não denominacional do país”, afirma. Ele também ressalta a forte guinada da empresa há dois anos, quando a Peniel, sediada em Buenos Aires, assumiu o controle, promovendo mudanças na estrutura organizacional. Década de 1980 Para Sérgio Henrique, o resultado foi uma gestão mais efiBíblia Thompson ciente. “A administração da Peniel, além de cristã e flexível, é Livros A quarta dimensão e Há poder em suas muito objetiva e focada em parcerias e bons relacionamentos”, destaca. Na época, a atual controladora da Editora Vida pro- palavras moveu cortes em vários setores e uma política mais agressiva Década de 1990 de vendas. O executivo revela ainda que a estratégia deve ser Livros Maravilhosa graça e Uma igreja com mantida nos próximos anos. “Queremos expandir ainda mais nossas publicações em todos os canais possíveis, fortalecer a propósitos distribuição em áreas defasadas ou menos acessíveis e continu- A Vida passa a integrar o Grupo Zondervan ar publicando obras excelentes”, garante.
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Sucesso editorial – Um dos responsáveis pela trajetória que levou a Vida a organizar um dos maiores catálogos do merca32
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Década de 2000 Lançamento da Bíblia na versão NVI A argentina Producciones Peniel compra a editora
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Laelie Machado
Estevam Hernandes, com a camisa da seleção brasileira e diante da multidão no evento de 2006: ele quer dar a volta por cima
Marchando por quem? De volta ao Brasil após prisão nos EUA, Estevam e Sônia Hernandes esforçam-se para marcar presença
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Um mês depois de retornarem dos Estados Unidos, onde de 1 milhão de evangélicos saem às ruas da capital paulisestavam detidos havia mais de dois anos, o casal Estevam ta – e os comandantes da Renascer são figura de proa no e Sonia Hernandes foi recebido por ninguém menos que evento. o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O encontro foi no Pela nova lei, a Marcha para Jesus acontecerá sempre dia 3 de setembro, nas dependências do Centro Cultural sessenta dias após a celebração da Páscoa. Em 2010, pordo Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. Além deles, a tanto, o evento deverá ocorrer no dia 5 de junho. Desde reunião contou com a presença de outros líderes evangé- que começou a ser realizada no Brasil, nos anos 1990, licos, como o bispo e deputado federal Robson a concentração evangélica acontece no primeiRodovalho (DEM-GO), dirigente da Igreja Sara ro semestre. A exceção é justamente agora em Igreja Nossa Terra; o missionário Doriel de Oliveira, 2009, quando uma edição extra da Marcha será presidente da Casa da Bênção; e o senador Marrealizada no dia 2 de novembro, feriado de Ficelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igrenados, só em São Paulo. Por que a mudança? ja Universal. Foi uma volta por cima e tanto para o apóstolo Na Renascer, ninguém confirma a intenção, mas a escoe a bispa da Igreja Renascer em Cristo: naquele dia, Lula lha da data veio bem a calhar para permitir a participasancionou o Projeto de Lei 3234/08, de autoria de Crivella, ção de Estevam e Sônia pela primeira vez desde 2006. que instituiu o “Dia da Marcha para Jesus” no calendário No dia 9 de janeiro de 2007, os dois foram presos quanoficial do país. Isso porque Estevam é o principal protago- do entraram nos EUA com 56 mil dólares não declarado nista do evento, que acontece em todo o mundo, mas tem ao Fisco – parte do dinheiro estava escondido em uma em São Paulo sua expressão máxima. Todos os anos, mais Bíblia. Condenados pela Justiça americana, cumpriram
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Da redação
parte da pena em regime fechado e o restante em prisão domiciliar. Desde que voltaram ao Brasil, em agosto, os líderes da Renascer têm feito de tudo para permanecer na vitrine. No CCBB, Estevam Hernandes fez questão de reunir os pastores presentes e puxar uma oração pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Escolhida por Lula para sucedê-lo na Presidência, ela recupera-se de um câncer linfático. As fotos do encontro foram capa de jornais de todo o país. Na semana seguinte, Estevam bateu ponto na Expo Cristã, feira de produtos e serviços evangélicos realizada todo ano em São Paulo desde 2002. Foi a primeira vez que ele compareceu ao evento. No estande da Central de Mídia Renascer, entre artistas, cantores gospel, admiradores, curiosos e seguranças, o religioso autografou os livros da série Coleção fundamentos apostólicos, lançada na feira.
Ricardo Stuckert/Presidência da República
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Reinserção – A estratégia de reinserção de Estevam e Sônia na vida brasileira completa-se com a presença na Marcha para Jesus. Os organizadores anunciam a presença de 5 milhões de pessoas, cifra que só seria alcançada se metade dos paulistanos resolvesse aparecer por lá. Em todo caso, espera-se uma multidão, já que os membros da Renascer são participantes assíduos do evento. O tema escolhido, sugestivamente, é “Marchando para derrubar gigantes”, inspirado na ideia de batalha espiritual. Estevam está entusiasmado. “Vai ser uma ocasião muito especial. Vamos demonstrar que a nação reconhece a Jesus Cristo como Senhor”, diz. À reportagem de CRISTIANISMO HOJE, ele garantiu que a realização do evento em novembro não foi calculada: “Nós tivemos alguns problemas de data. Encontramos no calendário somente esse dia”. Para ele, a assinatura da lei é uma vitória da fé: “A gente tinha essa expectativa no coração de ter o Dia Nacional da Marcha para Jesus. Foi uma conquista muito grande, principalmente sob o ponto de vista espiritual.” A personalização do evento, surgido para celebrar a unidade dos cristãos (ver quadro), bem como a atribuição
Lula cumprimenta Crivella após assinar lei que cria Dia da Marcha para Jesus: vitória da Renascer
Evento de multidões
Criada pelo pastor Roger Forster, pelo cantor cristão Graham Kendrick e pelos evangelistas Gerald Coates e Lynn Green, em 1987, na Inglaterra, a Marcha para Jesus surgiu como um movimento para promover e celebrar a unidade dos evangélicos. Naquele primeiro ano, a expectativa dos organizadores, ligados a entidades como a Comunhão Cristã Ichtus e o movimento Jovens com uma Missão (Jocum), era de reunir umas 5 mil pessoas, mas a presença do triplo disso mostrou que a ideia fora muito bem aceita. Nos anos seguintes, a Marcha para Jesus espalhou-se pelo Reino Unido. Em 1990, foi realizada em Belfast, na Irlanda, reunindo protestantes e católicos – fato significativo, já que a província britânica era palco de conflitos sangrentos entre os dois grupos. O evento tornou-se global em 1994. Naquele ano, estima-se que 10 milhões de pessoas, em mais de 150 países, tenham ido às ruas proclamar o nome de Jesus. Aqui no Brasil, a Marcha começou a ser realizada em 1993, em diversas cidades. Ano passado, a concentração reuniu 1,2 milhão de pessoas em São Paulo. O recorde de público, não confirmado pelos órgãos oficiais, teria ocorrido em 2006, com a presença de quase 3 milhões de paulistanos e caravanas vindas de várias partes do país.
de um excessivo peso espiritual à caminhada, faz com que muitos crentes e igrejas não apenas se afastem, mas vejam a Marcha com desconfiança. “Discordo da teologia que está por detrás da Marcha para Jesus, que é aquela da batalha espiritual e da teologia da prosperidade”, aponta o teólogo Augustus Nicodemos Lopes, pastor presbiteriano e chanceler da Universidade Mackenzie. Segundo ele, tais conceitos são contrários a uma exegese sadia das Escrituras. “De acordo com esta teologia, marchar para Jesus é um ato profético que dá consciência espiritual às pessoas, uma espécie de reivindicação territorial a suposta destruição de fortalezas que seriam erguidas pelo inimigo em certas áreas e regiões onde a Marcha acontece”, explica. Para o pastor, é um “equívoco teológico monumental” acreditar que a Marcha celebra ou promova algum tipo de unidade entre as igrejas cristãs. “Se queremos de fato unidade, não será marchando que conseguiremos isso. Vamos resolver nossas diferenças, encarando-as de frente e procurando discuti-las”, sugere. “Se os evangélicos desejam impactar o nosso país, que o façam através de vidas que impressionem pela santidade e por ministérios que não causem escândalos”, arremata. “Dono” – “Como tudo no Brasil parece acabar em pizza, samba ou malandragem, eis que a nossa Marcha virou marca patenteada por uma denominação pseudopentecostal. É o u t u b r o
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O templo destru´do em janeiro e a prisão nos EUA: momentos dif´ceis
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um desvirtuamento que não ocorre em nenhum outro lugar do mundo”, alfineta o bispo Robinson Cavalcanti, da Diocese Anglicana do Recife (PE). “No Brasil, a Marcha tem dono.” Ele questiona o fato de o evento paulista não seguir a relação original, no calendário eclesiástico, com o Dia de Pentecostes. Cavalcanti diz que, em épocas de cegueira espiritual, a manipulação emocional por parte de lideranças carismáticas é comum: “Há quem prefira esse oba-oba do que o caminho da cruz.” Cientista político e escritor, o clérigo condena ainda o uso partidário do evento. Desde 1996, quando o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, subiu no palco para bradar “aleluias” e cabalar votos para seu candidato na eleição municipal daquele ano, Celso Pitta, a concentração atrai políticos interessados no voto crente. Foi ali também que dirigentes da Renascer, como os bispos Geraldo Tenuta e José Bruno – hoje, deputados – pavimentaram sua carreira parlamentar. Em 2002, o então candidato à Presidência Anthony Garotinho, ligado à Igreja Presbiteriana, também esteve sob os holofotes da Marcha. “Um ato que, no mundo todo é apartidário, aqui virou palanque. Isso é uma aberração”, aponta Robinson. Por sua magnitude, a Marcha para Jesus de São Paulo tem grande visibilidade, e não apenas entre os evangélicos. Como acontece no mesmo local e na mesma época que a Parada do Orgulho Gay, é vista como uma espécie de resposta crente ao movimento homossexual. Contudo, fora da capital paulista, o evento não faz tanto sucesso. No Rio, por exemplo, a falta de articulação entre os organizadores, que mudam praticamente todo ano, já acarretou fracassos retumbantes, como passeatas com menos de 10 mil pessoas – embora, proporcionalmente, a cidade tenha mais crentes que São Paulo. Em Recife, já houve ocasiões em que mais de 100 mil evangélicos se reuniram, mas nada se compara às superproduções da Renascer. Presidente nacional da agência missionária Jovens com Uma Missão (Jocum), o pastor Wellington Oliveira C R I S T I A N I S M O
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reconhece que a Marcha para Jesus já não é a mesma de outros tempos. A entidade foi uma das responsáveis por seu surgimento, em 1987, no Reino Unido. Segundo ele, a Jocum participa de várias marchas no Brasil. “No início, éramos muito envolvidos. Hoje, cada base missionária local decide como vai participar”, explica. Ele admite, contudo, que a entidade “tem divergências” com quem está à frente da organização em algumas cidades. “É preciso cuidado com a politização do evento. A Marcha é um movimento muito especial e exalta o nome de Jesus, e por isso é importante estar atento aos contextos em que ela é realizada.” Com a disposição que lhe é característica, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo vai para as ruas de São Paulo em festa, deixando para trás um ano que lhe foi muito difícil. Além da prisão dos líderes nos EUA, a denominação sofreu com a queda de seu templo-sede, no bairro do Cambuci, região central da capital, cujo teto veio abaixo no dia 18 de janeiro, pouco antes do culto de domingo à noite. O acidente, que deixou um saldo de nove mortos e mais de cem feridos, rendeu uma saraivada de críticas à igreja. No inquérito policial, os peritos concluíram que houve negligência, já que uma das vigas de sustentação do telhado do templo, um antigo cinema adaptado, não recebeu reforço metálico, como previsto no projeto. Foi ali nos escombros que Estevam fez mais uma badalada aparição pública no último dia 7 de setembro. Ao lado de Sônia, do jogador e presbítero Kaká e de mil fiéis, o apóstolo da Renascer lançou a pedra fundamental do novo templo, cuja construção foi liberada pela Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo. A previsão da igreja é inaugurar o novo templo-sede no início de 2011. Em lágrimas, a bispa Sônia disse que aquela igreja será uma marca no Brasil. “Vamos reconstruir”, bradou. Para quem tem enfrentado tantos percalços e consegue mesmo assim manter-se em evidência, uma obra dessas deve ser fácil.
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Renata Sturm
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Crise econômica e epidemia da nova gripe assustam a sociedade, mas crentes buscam apoio na espiritualidade
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O governo jura de pés juntos que o pior já passou. No dis- Espiritualidade Doxa Brasil (ver quadro). Ele lembra que curso oficial, a crise econômica que apavorou o mundo na a fé ajuda, por certo, mas não é salvo-conduto contra as virada do ano ficou para trás. Bravatas à parte, o certo é agruras do tempo presente. “Como cristãos, acreditamos que o anunciado apocalipse não ocorreu – mas deixou con- que a espiritualidade proporcione às pessoas uma atmossequências na vida de muita gente. Embora, fera de esperança e confiança em Deus”, conproporcionalmente, tenha sido menos atingitinua Adriano, que também é pastor. “Mas a Comportamento do que os Estados Unidos e algumas nações negação do sofrimento só irá agravar o deseeuropeias – caso da pequena Islândia, que quilíbrio emocional”, adverte. quase foi à bancarrota –, o Brasil sentiu a repercussão da Se a crise atinge a tudo e a todos, é a maneira de reaquebradeira no sistema financeiro mundial. A taxa de de- gir a ela que faz a diferença. Márcia Maria Rodrigues da semprego atingiu perigosos índices nas principais regiões Silva, de 27 anos, festejou muito a oportunidade de estametropolitanas do país e o crescimento econômico, que giar na área de recursos humanos numa grande indústria vinha de vento em popa desde o início do governo Lula, sofreu um refluxo. Os analistas mais otimistas esperam um crescimento perto do zero para 2009. De fato, este tem sido um ano difícil para o país. Aos efeitos da crise somouse a epidemia da nova gripe – que, a exemplo do colapso financeiro que abalou o mundo, também teve seu epicentro lá pelas bandas da América do Norte. Aqui, o vírus H1N1 está fazendo estragos. Até o fechamento desta edição, cerca de 600 pessoas haviam morrido por complicações oriundas da doença, com elevado índice de letalidade entre gestantes. E mesmo quem não se tornou vítima da infecção ou tenha perdido o emprego na crise anda abalado. O brasileiro, festejado em todo o mundo por seu caráter otimista, tem motivos para andar meio sorumbático ultimamente. “Esse ambiente de instabilidade é capaz de atingir a saúde física e emocional da população”, Márcia Silva conta que, na hora da demissão, diz o terapeuta Adriano Chagas, do Instituto de Saúde e contou com o consolo e as orações dos irmãos |
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Operadores da Bolsa de São Paulo em momento de apreensão: crise afetou todos os setores da economia
de produtos alimentícios quando recebeu a má notícia. “A chefia disse que estávamos na berlinda até que a situação econômica melhorasse. Mas ninguém pensa que será demitido, não é?”, comenta. Embora tivesse a consciência de que seu trabalho ali estava apresentando bons resultados, ela foi dispensada. Depois, veio o desânimo. A fase difícil foi superada com o apoio dos pastores e irmãos da Igreja Bola de Neve de Atibaia (SP), onde a moça congrega: “Eles oraram, me consolaram e até passaram a me avisar de toda oportunidade que viam em minha área. Se você não correr para Deus, vai se agarrar em quê?”, questiona. Mas a fé da moça valeu. Passado o pior momento, Márcia acaba de ser readmitida na mesma empresa, e com 15% a mais na bolsaestágio. “Não podemos nos acomodar, mas também não dá para esquecer que o Senhor sempre tem o melhor para seus filhos”, afirma, confiante. Más notícias – Fato é que igrejas de todo o Brasil tiveram seus membros afetados pela turbulência da economia. Em alguns lugares, mais do que em outros. A cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo, é um exemplo de região que sentiu a crise de perto. A Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), uma das maiores fabricantes de
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Por uma espiritualidade equilibrada
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Pastor da Comunidade Cristã do Tatuapé (SP), terapeuta e diretor do Instituto de Saúde e Espiritualidade Doxa Brasil, Adriano Chagas tem analisado o comportamento da população diante de crises. Nesta conversa com CRISTIANISMO HOJE, ele fala de seus efeitos sobre a saúde psicológica das pessoas, particularmente dos crentes: CRISTIANISMO HOJE – Como seus pacientes têm rea gido diante de tantas dificuldades? ADRIANO CHAGAS – O estresse e a ansiedade são reações que podem anteceder um quadro de patologia psíquica. Evidentemente, tais desequilíbrios emocionais são potencializados diante de acontecimentos que nos levam a um sentimento de insegurança quanto ao futuro. As pessoas reagem de maneira diferente às crises de acordo com sua fé? Como cristãos, acreditamos, por uma questão de fé, que a espiritualidade cristã proporciona aos seus fiéis uma atmosfera de esperança e confiança em Deus. Tanto a medicina psicossomática quanto as pesquisas da neurociência demonstram a importância da espiritualidade no processo de cura para doenças físicas e psíquicas. Portanto, o ser humano precisa ser compreendido e tratado em sua totalidade. É importante salientar que falamos de uma espiritualidade cristã equilibrada, isto é, que ensine seus fiéis a conviver com a realidade do sofrimento. Uma fé triunfalista, centra
da na negação da dor, só irá agravar ainda mais o desequilíbrio emocional das pessoas. O sofrimento é uma realidade da vida humana; enfrentar e saber superá-lo é uma real busca pela felicidade. Até que ponto o sofrimento psíquico é capaz de desen cadear enfermidades físi No entender de Adriano, cas? pastores e l´deres Segundo dados do Ministério precisam estar atentos ao da Saúde, 60% da busca pelo desequil´brio emocional serviço púbico de saúde está de seus fiéis relacionado a doenças de origem emocional. Trata-se de enfermidades que, embora reais, não podem ser diagnosticadas por exames laboratoriais. No segmento evangélico, muitos acreditam que isso acontece por ação de demônios. Embora, como pastor, acredite na atuação do diabo sobre a vida das pessoas, precisamos entender que nem tudo é força maligna. Por isso, há inúmeros cristãos fazendo uso de substâncias químicas, como antidepressivos e afins. Ora, patologias psíquicas precisam ter tratamento psicoterápico, e não de exorcismo; os pastores e líderes cristãos deveriam estar informados acerca desta realidade. o u t u b r o
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Den´lson lançou mão de várias estratégias para salvar a empresa e os empregos de seu pessoal
O pastor Carlito: “Procuramos levar mais esperança e fé às pessoas nos cultos” 40
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frio do outono. Foi chocante”. Satyia trabalhava montando telefones celulares numa unidade da Panasonic. É, trabalhava – já está de volta à sua cidade, Maringá (PR), desempregada. “Mais de 120 brasileiros foram demitidos de uma tacada só”, conta. “Não é fácil viver uma situação dessas, a pressão é muito grande”, admite. Evangélica, Satyia contou com o apoio da família, inclusive do irmão, pastor, e da cunhada, psicóloga. “Sempre orávamos pedindo a direção de Deus”. Por enquanto, ela está esperando para ver que rumo tomar. Vários setores da economia nacional, sobretudo aqueles voltados às exportações, também esperam ansiosamente a poeira baixar. No maior pólo produtor de sapatos femininos do país, que fica no Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, a redução de encomendas de clientes tem sido um verdadeiro pesadelo para os empresários. Doze das 100 fábricas de calçados da cidade de Sapiranga, a 60 quilômetros da capital Porto Alegre, fecharam as portas, jogando no olho da rua 2,6 mil funcionários só no primeiro semestre deste ano. Na cidade de Igrejinha, a história não foi muito diferente. A retração nas compras gerou grande instabilidade nos funcionários da Shoes Export e Import, localizada naquele município gaúcho. O diretor comercial da empresa, Denilson Ferreira da Silveira, teve que ter muito jogo de cintura para trabalhar diante das circunstâncias nada promissoras. Ele tem feito o possível para preservar os empregos de sua equipe e a sobrevivência da fábrica. “Nossa estratégia foi investir em países aos quais não exportávamos antes da crise, e também criamos uma linha específica de produtos para o mercado brasileiro, onde não atuávamos”, explica. Crente em Jesus, o empresário afirma que, baseado nas suas próprias experiências, os cristãos têm vantagens em situações difíceis, como essas vividas no setor calçadista. “A ética cristã impregnada em nossas empresas faz com que tenhamos alicerces firmes e perenes para nosso dia-a-dia, o que nos dá calma e tranquilidade para atravessar as tormentas”, sustenta. E complementa, com bom humor: “Sou um eterno otimista; caso contrário não poderia ser empresário no Brasil.”
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aviões de médio porte do mundo e principal geradora de empregos na região, demitiu nada menos que 4.270 funcionários – vinte por cento do quadro total – de uma única vez, no início do ano. As más notícias alcançaram também, direta ou indiretamente, os 4,2 mil membros da Primeira Igreja Batista (PIB) da cidade, alguns deles funcionários da indústria de aviação. “Procuramos levar mais esperança e fé às pessoas nos cultos”, lembra o pastor da PIB, Carlito Paes. Ele mesmo foi convidado a orar em três empresas, cujos proprietários temiam o pior. “Graças a Deus, as coisas melhoraram”, diz Carlito. O pastor acredita que o pior da crise já passou e que no fim as notícias eram mais pessimistas do que a realidade. Mesmo assim, quem foi engolfado pelo turbilhão ainda procura chão para pôr os pés. Quando o rastilho de pólvora do abalo financeiro espalhou-se pelo mundo, os cerca de 320 mil brasileiros que viviam e trabalhavam no Japão até o fim do ano passado – os chamados dekasseguis – começaram a suar frio. Afinal, numa situação de risco sobre o mercado de trabalho, os estrangeiros são sempre as maiores vítimas. Morando na Terra do Sol Nascente havia três anos, a dekassegui Satiya Fabrícia Hirata, de 29 anos, viu pela primeira vez a pobreza rondando aquela próspera nação: “Testemunhei muitos brasileiros passando fome, morando em seus carros ou embaixo da ponte. Alguns morreram devido ao
Linha de produção em montadora japonesa: solavanco nas finanças do pa´s desempregou milhares de dekasseguis
O pastor James Lual Atak: voluntário da reconstrução de um pa´s devastado pela guerra e pela miséria
Sementes de mostarda Em meio a divisões políticas, étnicas e religiosas, cristãos sudaneses lutam para pacificar um país traumatizado pela guerra
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Gangura, uma aldeia próxima da cidade de Yambio, a apenas seis quilômetros da fronteira do Sudão com o Congo, é um território dominado pelo Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês). O grupo é uma pequena e brutal milícia de resistência que luta para derrubar o governo local. É um território sem lei. Saques, depredações, sequestros, estupros e massacres são rotina ali. Valas comuns abrigam os restos mortais das vítimas, próximas às aldeias encravadas na vegetação espessa. A violência é generalizada, e grupos rebeldes e milícias tribais são, em grande parte, os culpados. O Sudão, maior nação da África em extensão territorial, está conflagrado há muito tempo. Vinte e dois anos de guerra civil deixaram dois milhões de mortos, quatro milhões de desalojados e um país dividido étnica, cultural e religiosamente. O norte, de maioria árabe e muçulmana,
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é bem diferente do sul, cuja população é ser decidida – estejam insuflando e arnegra e fracionada em diferentes povos, mando os rebeldes. O que está em jogo, muitos deles cristãos. Um acordo de paz entre outros interesses, são as reservas de firmado em 2005 deu uma trégua no petróleo do sul, que poderiam tornar o conflito entre as duas facções do país, futuro país bem mais rico que o norte do mas apenas oficialmente, já que as dispu- Sudão. Contudo, uma pequena semente tas locais não acabaram. A principal rei- de paz, do tamanho de um grão de mosvindicação dos sudaneses do sul, que têm tarda – para usar a célebre citação bíblica governo próprio, é a separação do resto – está germinando em solo sudanês. A do país. “O acordo de paz pôs Igreja tem promovido a pacifim a uma guerra devastadora. ficação a seu próprio modo, Missões Mas ainda falta muito para mantendo a sua missão com o pacificar o país”, observa Ripovo da terra graças à ação de chard Williamson, enviado especial do líderes cristãos apaixonados, que abrem governo americano ao Sudão. mão da própria segurança para construir Desde julho, combates de natureza o Reino de Deus e trabalhar por um Suétnica recrudesceram na região. O nú- dão mais unificado. mero contabilizado de mortos chega a Um deles é o alto e magro James Lual 2 mil, mas é provável que vá bem além Atak. Anos atrás, como um refugiado e disso. A suspeita é que grupos políticos soldado mirim, Atak foi um dos 27 mil interessados em inviabilizar as eleições chamados meninos perdidos, separados do ano que vem e o referendo marcado de seus pais durante os anos de guerra para 2011 – quando a secessão poderá para lutar por motivos que eles mesmos
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Isaac Phiri (colaboração de Jonathan Fitzgerald)
Jonathan Fitzgerald
eram incapazes de compreender. Hoje, ele é um pastor, fundador do New Lives Ministries (Ministério Vidas Novas), na distante aldeia de Nyamlell, no estado sulista de Bahr el-Ghazal. Atak levanta as mãos acima de sua cabeça para proteger seus olhos do sol ardente enquanto observa o carregamento de 1,6 tonelada de material médico. Os suprimentos foram trazidos de Nairóbi, capital do vizinho Quênia, e serão levados pelo restante do caminho em um outro avião para o vilarejo de Atak. Os suprimentos serão estocados nas prateleiras da clínica médica construída recentemente pela entidade cristã que o pastor dirige. O complexo já inclui uma escola, um templo e vários dormitórios. Debaixo das árvores – Quando Atak fundou o Vidas Novas, em maio de 2002, estava sozinho para cuidar e educar 153 crianças. A cada dia, o pastor tinha que dividi-las em três grupos e colocar cada um embaixo de uma árvore diferente. Ele pegava um grupo e começava a ensiná-los a contar números; então, corria para a sombra de outra árvore, na tarde de sol quente, para fazer as crianças recitarem o alfabeto até que aprendessem – e, em seguida, ia para o terceiro grupo, onde ensinava canções com conteúdo bíblico à garotada. Depois de aterrissar com os suprimentos médicos em Nyamlell, James Atak orgulhosamente apresenta seus dois novos dormitórios. Numa paisagem de tons marrons e beges, terra, árvores e barracas, brilham as paredes brancas do dormitório, onde o telhado ondulado surge como um farol. O vilarejo inteiro parece girar em torno do complexo do Vidas Novas, cujo orfanato abriga cerca de 400 menores. O destino de Nyamlell poderia ter sido diferente se Atak tivesse aceitado o bilhete dourado para refugiados se estabelecerem nos Estados Unidos. Ele e aproximadamente outros 3.800 jovens sudaneses que haviam sobrevivido à guerra receberam a oferta de um bilhete só de ida num avião com destino à América. Depois de muita oração, ele rejeitou o convite; estava decidido a fazer alguma coisa por sua gente. Mais tarde, graduou-se numa faculdade bíblica no Quênia e voltou e para a sua aldeia. Por um grande milagre, descobriu que seus pais ainda estavam vivos.
Usando um terreno doado, o pastor Atak deu início ao seu ministério pregando debaixo de uma árvore. Aos poucos, foi ganhando a confiança de muitos órfãos, aos quais ofereceu um lar. Ele admite haver questionado sua decisão de permanecer na África por duas vezes. “Mas nós podemos ser felizes onde estamos, longe ou perto, contanto que tenhamos a Cristo”, diz, resoluto. Em pouco tempo, os habitantes locais preencheram todos os postos de trabalho do Vidas Novas. Atak tornou o ministério indígena a prioridade máxima para mostrar aos jovens órfãos novas maneiras de dar moradia, alimentação e educação uns aos outros na aldeia.
funciona em dois contêineres fortificados com concreto e cobertos por um telhado de zinco. Ali trabalha a mexicana Cecília Sierra Salcido. De compleição física frágil, ela é uma evangelista zelosa e pertence à ordem religiosa Missionários Combonianos do Coração de Jesus, assim chamada em homenagem a Daniel Comboni, padre italiano que atuou como missionário na região na segunda metade do século 19. A ordem fundada por Comboni resume suas estratégias no slogan “Salve a África através da África”. A ideia é motivar as igrejas africanas a formar obreiros para trabalhar no próprio continente. Vestida com um traje branco, a despeito da poeira de Juba, Cecília conta que é diretora da Radio Bakhita, que iniciou suas transmissões na véspera do Natal de 2006 apresentando músicas natalinas e mensagens de líderes católicos e anglicanos. A estação de rádio recebeu o nome de Josephine Bakhita, sudanesa que foi escrava durante a maior parte de sua vida. Após décadas de sofrimento, Bakhita uniu-se às irmãs Canossian na Itália e ajudou a preparar missionários ocidentais para a África. A emissora é a primeira de uma sonhada rede de sete estações a serem espalhadas pelo sul do Sudão e pelas montanhas Nuba. A Bakhita transmite 14 horas diárias, principalmente em inglês e árabe, mas também em dialetos locais, e tem uma audiência potencial de 500 mil ouvintes. Os programas incluem temas dirigidos a mulheres e jovens, ensino religioso para membros de igrejas e assuntos sobre re-
“Kit tiroteio” – No sudeste de Nyamlell, está a cidade de Juba, sede do Movimento para Libertação dos Povos do Sudão, que ocupou a linha de frente no combate às forças do governo. É um retrato dos efeitos de uma guerra em nações miseráveis – faltam água, eletricidade, comida e serviços básicos de saúde. O aeroporto internacional virou terminal rodoviário e muitas famílias desabrigadas amontoam-se em casas devastadas, outrora luxuosas. Atualmente, Juba tem cerca de 250 mil moradores, mas este número cresce rapidamente. Habitação é um problema crítico devido aos milhares de sulistas que retornam do exílio em Cartum, a capital do país. Não há hotéis em condições de funcionamento, por isso os visitantes são acomodados em casamatas pré-fabricadas. Em cada alojamento, é possível encontrar um kit que inclui instruções sobre como proceder em caso de tiroteio. “Mantenha a calma. Fique abaixado. Se possível, corra para a sala de segurança”, diz o texto. Dentro da tal sala, sem janelas e normalmente utilizada como cozinha, há um telefone para chamadas de socorro para os pacifistas armados. Em Juba, fica a única estação de rádio cristã em todo o Crianças assistidas pelo Ministério Vidas Novas: ação Sudão. A emissora cristã representa a diferença entre a vida e a morte o u t u b r o
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conciliação e crescimento. “Quanto ponho nossos programas no ar, sei que uma palavra pode atingir diretamente o público”, diz Cecília. Para ela, a Rádio Bakhita tem a missão de reforçar o processo de reconciliação, desenvolvimento e construção da paz.
Outras preocupações incluem rivalidades tribais, lutas sangrentas entre criadores de gado e fazendeiros e um doloroso conflito por terras. A exploração de petróleo também é um grande problema. Aldeões perderam propriedades, abrigo e terras. Um analista da Visão Mundial resume os desafios do Sudão em três Retomada – A paz, contudo, ainda é palavras: poder, riqueza e seguranalgo distante do cotidiano dos habiça. O país tem que resolver como o tantes do sul. Ao longo das fronteipoder e a riqueza devem ser distriras, milícias violentas vivem às cusbuídos. E os dois temas estão diretas de roubos de gado, praticamente tamente ligados à segurança. à vontade e com extrema violência. Entretanto, o relógio marca a Conflitos armados ainda são frequentes no Viajar pelas estradas, que não são che gada do referendo de 2011 para pa´s, e mil´cias recrutam jovens e até crianças pavimentadas, é uma tarefa penosa decidir se o sul do Sudão deve see perigosa. No entorno de Juba, tudo parar-se do norte. Mesmo entre os igrejas aumentou e as visitas pastorais às que se vê é uma terra virgem. A cidade aldeias, que antes eram uma verdadeira líderes de igrejas, esta questão é contromais próxima é Yambio, onde vive o povo aventura, tornaram-se menos arriscadas. versa. Para o arcebispo de Juba, Daniel azande. O chefe da tribo, um homem de Todavia, o progresso não chegou. Os Deng Bul, a independência do sul é a cerca de 30 anos, pede para não ser identi- serviços de saúde e de educação continu- conclusão de um processo iniciado em ficado. Cristão, ele se queixa de que o povo aram carentes e a pobreza cresceu. “Al- 1956, quando o país tornou-se indedo sul é tratado como “gente de segunda gumas coisas foram resgatadas, outras, pendente do Reino Unido. Mas o bispo classe”: “O governo central quer que todos não”, diz Kumba. anglicano de Cartum, Ezekiel Kondo, é sejam muçulmanos”, denuncia. totalmente contra a divisão. Sua preocuSegundo ele, o acordo de 2005 foi Unificação X divisão – Uma coisa que pação é de que, se o sul de maioria cristã benéfico para todos, mas o processo ain- o governo do sul do Sudão luta para se separar, a Igreja do norte, espremida da é precário. “Nossa paz ainda é frágil, oferecer é segurança. É difícil pensar numa sociedade muçulmana, vai desapaassim como uma casca de ovo”, compa- em qualquer lugar seguro nos dez es- recer ao longo do tempo: “Eu sinto que a ra. Uma perspectiva para melhorar as tados que compõem a região. As ame- unidade do Sudão deveria ser uma causa condições de vida na região é a receita aças surgem de muitos lados: soldados defendida pela Igreja. Jesus mesmo veio oriunda da exploração do petróleo da re- indisciplinados, rivalidades entre clãs e para unir, não para dividir.” gião de Abyei, que fica exatamente entre tribos e um banditismo bárbaro, resulEm sua declaração final, intitulaas duas partes do país. A corrupção, con- tante de anos de guerra. Em Yambio, a da Vamos mudar da guerra para a paz, tudo, impede que a riqueza tenha finali- maior ameaça é o Exército de Libertação os dirigentes cristãos reunidos em Juba dade social. “Nós não estamos dividindo do Senhor, cuja brutalidade é notória e afirmaram que a Igreja não tem fronteio dinheiro do petróleo”, protesta o líder. temida. O bispo anglicano de Torit, a ras. “Nós nos comprometemos a unir a “Oramos muito”, resigna-se. capital do estado de Equatoria, Bernard Igreja do Sudão, quer seja em um ou em Por décadas, o sul do Sudão foi des- Balmoi, lembra de um incidente grotes- dois países”, destaca o documento. Entre crito como “cristão e animista”, uma re- co em sua diocese, onde o LRA matou outros 53 pontos, a conferência elencou ferência à histórica atividade missionária várias pessoas e obrigou seus parentes a ações específicas que os cristãos sudacristã e o espiritualismo indígena. Hoje, cozinhar e comer os corpos. Estes incrí- neses deveriam adotar como modelo de as igrejas indígenas, com a maior parte veis relatos têm efeito aterrorizante sobre reconciliação: fala-se de tribalismo, dedos pastores sudaneses negros, estão em centenas de aldeias sudanesas ao longo sarmamento, exploração de petróleo, retoda parte. Seis grupos protestantes atu- de todos os mais de 800 quilômetros de fugiados, uso sustentável da terra, aconam no distrito de Yambio, e aproveitam fronteira do sul. selhamento para traumas pós-guerra, o momento de calma para se concentraAno passado, a Igreja Episcopal do harmonia étnica e união das igrejas. rem no fortalecimento espiritual das co- Sudão, a maior e mais influente denomiO caminho a percorrer é árduo, mas munidades, na reconstrução dos templos nação protestante do país, hospedou uma iniciativas como a da Rádio Bakihta e do e nos ministérios junto às famílias. conferência em Juba que se concentrou Ministério Vidas Novas apontam para a Os primeiros anos foram promissores. especificamente na questão dos pastores. possibilidade de a fé cristã exercer papel “Um governo foi formado e havia uma No encontro, os relatórios de campo atra- fundamental no processo de pacificação ordem”, diz Nicholas Kumba, pastor da vés do país eram alarmantes. A tensão do país. O pastor James Lual Atak sinteIgreja Evangélica Luterana local. Os su- entre muçulmanos e cristãos, por exem- tiza a idéia: “Eu sou apenas um homem daneses que haviam fugido para países plo, permanece muito elevada. Uma parte a quem Deus usa para abençoar a muitos vizinhos – Congo, Uganda, República consideravelmente grande do cemitério outros” – exatamente como a semente de Centro-Africana, Quênia e Etiópia – cristão em Cartum havia sido tomada mostarda que desabrocha em algo exucomeçou a retornar. A frequência nas pelos muçulmanos para vender carros. berante e belo. 44
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Se m e n t e s de m o s t arda
Campeões de audiência
Processo contra líderes da Igreja Universal faz reacender guerra entre Globo e Record
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Os mesmos conhecidos personagens, só que em novo capítu- piorar. Diversas pessoas nesta situação têm pedido reparação lo. Tal qual os repetitivos enredos das novelas que transmi- por via judicial. tem, a Globo e a Record voltaram a protagonizar cenas muito Os réus no processo são, além de Macedo, Honorilton parecidas às da guerra travada pelas duas emissoras em 1995. Gonçalves, bispo e antigo dirigente da Universal, hoje viceNovamente, o ponto de partida da briga, em que os respecti- presidente da Record; João Batista Ramos da Silva, membro vos telejornais viram armas principais, são acusações contra os da igreja e ex-deputado federal; Jerônimo Alves Ferreira, líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), tendo o presidente do grupo Record no Rio Grande do Sul; Alba seu líder e fundador, o bispo Edir Macedo, à frente. A relação Maria da Costa, diretora de finanças da emissora; e outros entre igreja e emissora é estreita, já que a Record é controla- diretores e ex-diretores de empresas ligadas ao grupo Unida pela Universal e Macedo detém, segundo informações do versal, como Osvaldo Sciorilli, Edilson da Conceição Gonmercado, 90% da tevê. zales, Verissimo de Jesus, João Luis Dutra Leite e Maurício O juiz Gláucio de Araújo, da 9ª Vara Criminal de São Pau- Albuquerque e Silva. A partir da aceitação da denúncia pela lo, abriu em agosto processo contra o religioso e mais nove Justiça, todos responderão por lavagem de dinheiro e formapessoas ligadas a ele pelos crimes de lavagem de dinheiro e ção de quadrilha. formação de quadrilha. Ele acolheu a denúncia do MinistéCirco armado, restava a plateia. E ela foi obtida em rede rio Público (MP), segundo a qual as doações dos fiéis nacional no dia em que o MP apresentou a denúnda Iurd eram desviadas por meio de uma engenhosa cia. O Jornal Nacional, da Rede Globo, o mais prestiBrasil triangulação entre corporações com sede em paraísos giado noticioso da TV brasileira, dedicou quase dez fiscais, até chegarem, ilegalmente, às contas da Rede minutos de sua pauta ao tema. Só para comparar, foi Record e a várias outras empresas de comunicação ligadas ao tempo semelhante ao destinado à cobertura do nascimento grupo. O dinheiro seria repassado para as empresas Unimetro da menina Sasha, filha da apresentadora Xuxa Meneghel, em e Cremo, que o enviariam para outras empresas com sede nas 1998. Antiga desafeta de Macedo e da Universal, a vênus plaIlhas Cayman, no Caribe: a Investholding e a Cableinvest. Os tinada encontrou um bom motivo para fustigar sua principal recursos depois voltariam no Brasil, sendo utilizados em ativi- concorrente. De maneira didática, em reportagem de César dades alheias às da igreja. Crime, portanto. As informações são Tralli, o jornal mostrou como funcionaria o esquema supostado Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). mente montado para enriquecer Macedo e irrigar com recurO trabalho do MP paulista, fruto de uma investigação de sos a Record. Falou-se de algo em torno de R$ 300 milhões dois anos, produziu uma denúncia contundente: “A atuação por ano, que seriam obtidos graças à venda, a preços cinco veda quadrilha não conheceu limites. Seus integrantes se uti- zes acima do mercado, de horários para a Universal veicular lizaram da Igreja Universal do Reino de Deus para a prática seus programas. de fraudes em detrimento da própria igreja e de inúmeros Cenas de Macedo e seus auxiliares, largamente usadas pela fiéis”. Além disso, o MP, que calcula a arrecadação da Iurd Globo nos últimos 14 anos sempre que a intenção é atacar a em cerca de R$ 1,4 bilhão por ano – cifra que a catapultaria Universal e a Record, voltaram ao ar. As imagens são grotesao seleto grupo das grandes corporações, se empresa fosse cas. Numa delas, um Macedo ainda jovem (hoje, o bispo tem –, acusa Macedo e os demais líderes de usarem os dízimos 62 anos), no intervalo de uma pelada, ensina a seus pastores, e ofertas dos fiéis em benefício próprio. A denúncia do MP usando linguagem chula, como arrecadar dinheiro em cultos. chama os líderes da igreja de “grupo criminoso” e lista casos O destaque é para a frase “ou dá, ou desce”, com suas mais de pessoas decepcionadas com a Iurd, que, após terem sido variadas interpretações. O advogado que representa tanto a persuadidas a doar alta soma de dinheiro, com a promessa de igreja quanto o bispo, Arthur Lavigne, considera a denúncia receberem bênçãos materiais, viram sua situação financeira uma mera repetição de outras que motivaram processos, já ar-
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Ricardo Stuckert/Presidência da República
quivados, que envolviam a compra da TV Record, no fim dos anos 1980. Lavigne é enfático ao afirmar que, em todas as ações, Macedo foi considerado inocente. O advogado sustenta que a movimentação financeira do grupo é totalmente legal, e o acolhimento da denúncia pela Justiça de São Paulo é um erro. A defesa também procura mostrar que os recursos arrecadados são de fato investidos na igreja e em suas obras sociais, e não carreados para as diversas empresas administradas por representantes da igreja. Golpe e contragolpe – O tiroteio eletrônico se estendeu por todo o mês de agosto. De um lado, a Globo trouxe ao telespectador matérias minuciosas sobre o andamento do processo criminal – que, até o fechamento desta reportagem, não havia sido concluído – e do malabarismo financeiro que seria feito a fim de desviar o dinheiro ofertado pelos fiéis para o bolso dos líderes e para a construção de um patrimônio megalômano. A Record articulou um contragolpe. Na telinha da emissora de Macedo, extensas reportagens mostravam o que seria um grande papel social desenvolvido pela Universal, não apenas proporcionando assistência e alimentação aos pobres, com destaque para a Fazenda Canaã, no interior baiano, como promovendo a melhoria de vida de seus fiéis. Testemunhos de pessoas que se disseram libertas dos vícios e da pobreza graças à fé e às correntes de oração realizadas na Universal foram veiculados aos borbotões. O Jornal da Record, apresentado pelos jornalistas e ex-globais Ana Paula Padrão e Celso Freitas, também dedicou mais de dez minutos para atacar a emissora rival. Uma entrevista com Edir Macedo feita em Miami (EUA), onde mora, foi exibida num domingo à noite, horário normalmente disputado palmo a palmo pelas duas emissoras. Nela, Macedo, respondendo a perguntas chapa-branca da repórter Adriana Araújo – outra que, a exemplo de diversos colegas da Globo, tomaram o rumo da Record –, disse se alegrar com as tribulações “por amor ao Evangelho”, como o apóstolo Paulo. O bispo, apresentado por Adriana como um pregador, voltou a se apresentar como vítima de preconceito religioso e de “interesses sórdidos”. Em tom provocativo, Macedo encerrou sua entrevis-
O presidente Lula e Edir Macedo no lançamento da Record News: agora, governo estaria preocupado com a crise
ta dizendo qual seu maior sonho: “Fazer da Record a líder de audiência no país.” O objetivo parece longe de se concretizar. Consolidada com folga na preferência do telespectador brasileiro há quatro décadas, a Globo é absoluta no horário nobre e lidera na média com larga vantagem sobre as concorrentes. A Record, no entanto, vem subindo graças a investimentos em mão de obra – como a contratação de figurões da rival –, equipamento e produções, inclusive na teledramaturgia, ponto forte da Globo. Em diversos momentos ao longo da programação, a Record assume a ponta, e na cobertura esportiva, tem conquistado pontos preciosos. Já conseguiu, por exemplo, a exclusividade na transmissão aberta dos Jogos Olímpicos de 2012, um investimento de 60 milhões de dólares, e quer repetir o feito na Copa do Mundo de 2018. Trégua – A briga também revirou o passado. O jornalismo da Record mostrou como a Globo teria crescido à sombra e em colaboração com o regime militar que controlou o país entre 1964 e 1985 – justamente o período em que a emissora carioca nasceu e cresceu. Foram rememorados casos largamente conhecidos envolvendo a TV da família Marinho, como o esquema envolvendo a empresa de apuração eleitoral Proconsult, que em 1982 tentou, via fraude, evitar que Leonel Brizola conquistasse o governo do Estado do Rio de Janeiro. Também foi lembrado o silêncio da Globo durante boa parte da campanha das diretas, em 1984, e a famosa edição do Jornal Nacional que favoreceu Fernando Collor pouco antes da eleição presidencial de 1989, tida como um dos principais fatores a impedir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva naquele ano. Após um mês de escaramuças, no início de setembro o assunto sumiu do noticiário. O clima de beligerância entre as duas emissoras continua, mas arrefeceu à espera de fatos novos. O armistício teria sido incentivado pelo governo federal, anunciante das duas emissoras. Não é a primeira vez que o Planalto se mete nessa briga. Na década de 90, o então poderoso ministro das Comunicações de Fernando Henrique, Sérgio Motta, reuniu-se com executivos das duas emissoras para pedir uma trégua na violenta troca de acusações, que já soava como guerra religiosa com difamações contra evangélicos e católicos. Desta vez, o vice-presidente da República, José Alencar, encarregou-se de minimizar o conflito, afirmando que as acusações contra a Iurd são uma questão “a ser resolvida pelo Judiciário”. Em todo caso, a Globo, escaldada, centrou fogo em Macedo, procurando desvincular seus ataques de qualquer preconceito de natureza religiosa, já que a emissora fundada por Roberto Marinho tem ligações históricas com o catolicismo. Coincidência ou não, meses antes de a crise estourar, o mesmo Jornal Nacional surpreendeu muita gente ao exibir uma série de reportagens amplamente favorável ao segmento evangélico. Mostrando iniciativas de igrejas como a Batista e a Luterana no socorro aos desvalidos, apoio à educação e ações nas áreas de saúde e cidadania, a Globo destacou o crescimento evangélico no país. A Universal, terceira maior organização religiosa do país em número de adeptos – atrás apenas da Igreja Católica e da Assembleia de Deus –, foi ignorada. Resta esperar pelo próximo capítulo. o u t u b r o
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Construtor de pontes
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Da redação
Entre os anos 1960 e 70, a presença evangélica no Brasil era pouco perceptível. Não havia grandes igrejas e os pastores de maior expressão tinham sua influência restrita aos próprios rebanhos. Foi por esta época que o pastor Nilson do Amaral Fanini tornou-se conhecido. Ministro batista, ele construiu uma trajetória ministerial de destaque, tornando-se a figura de referência do segmento protestante nacional. Desde então, consolidou seu nome na vida pública brasileira, dando visibilidade a um segmento até então discriminado. A maior demonstração disso ocorreu em agosto de 1982, quando, diante de um Maracanã lotado, Fanini recebeu o então presidente da República, João Figueiredo, numa de suas cruzadas. O pastor que ajudou a pavimentar o caminho entre a Igreja Evangélica e a sociedade brasileira morreu no dia 19 de setembro, em Stephenville, nos Estados Unidos, aos 77 anos de idade. Ele fora ao lado da mulher, Helga, visitar sua neta recém-nascida, e segundo relatos, sentiuse mal já no avião. Internado no dia 13 com uma série de complicações, sofreu um grave acidente vascular que o deixou em coma profundo. De acordo com a junta médica que atendeu o religioso, a situação era irreversível, e a família resolveu autorizar o desligamento dos aparelhos. O evangelista teve seu corpo cremado nos EUA e receberá uma série de homenagens em Niterói (RJ), cidade que acompanhou de perto suas realizações e onde os restos mortais serão sepultados. Fanini foi uma das maiores personalidades evangélicas da segunda metade do século 20. Onze vezes presidente da Con-
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O pastor Fanini: evangelista, ativista social e homem de m´dia
venção Batista Brasileira, também exerceu onde permaneceu por 41 anos. Durante um mandato à frente da Aliança Batista sua gestão, aquela congregação tornouMundial, entidade que congrega mais de se uma das maiores do país, chegando 100 milhões de fiéis. Detentor de passa- a reunir 7 mil membros. Paralelamente, porte diplomático concedido pelo governo desenvolveu profícua atividade social e brasileiro, era interlocutor de autoridades assistencial. Fundou e presidiu por muiinternacionais, como o papa João Paulo tos anos o Reencontro Obras Sociais, II, que o recebeu no Vaticano. O evange- entidade de orientação cristã voltada ao desenvolvimento de projetos nas lista pregou a Palavra de Deus em áreas de educação e saúde para a mais de 120 nações, inclusive na Gente infância, beneficiando milhaextinta Cortina de Ferro, na Áfrires de carentes. Fanini também ca e na Ásia, ajudando a construir pontes para a fé cristã. Por sua atuação, foi um pioneiro no uso evangelístico da recebeu diversas comendas e honrarias, televisão no país, com o programa Recomo a Medalha Suprema Distinção da encontro. Bem articulado em Brasília, recebeu a primeira concessão de televiCâmara dos Deputados. são dada a um grupo evangélico. Mas Ministério frutífero – Nilson Fanini o projeto da Radiodifusão Ebenézer nasceu em Curitiba, em 18 de março não foi bem sucedido, e o pastor acabou de 1932. Converteu-se ao Evangelho transferindo a emissora para a Igreja aos 12 anos de idade, e logo passou Universal do Reino de Deus em 1989. pelo batismo. Já na juventude, sentiu- A transação, que deu margem a muita se chamado para o ministério e seguiu controvérsia, originou a Rede Record. Polêmicas, aliás, também acompapara o Rio de Janeiro, onde graduou-se em teologia pelo Seminário Batista do nharam o ministério do evangelista. Sul do Brasil em 1955. Foi ordenado ao Seus críticos diziam que ele era ligado à pastorado na Igreja Batista de Tijuca e, maçonaria, fato nunca confirmado. Nos no ano seguinte, casou-se com a gaú- últimos anos, Fanini também foi muito cha Helga Kepler, jovem estudante do contestado por conta de uma transação Instituto Batista de Educação Religiosa malsucedida em torno da construção (Iber). O casal teve três filhos – Otto da Catedral Batista de Niterói. O proNilson, Roberto e Margareth. Fanini jeto foi abortado após um rombo de R$ deu prosseguimento aos estudos teoló- 1,6 milhão nas contas da PIB-Niterói. gicos no Southwestern Baptist Theo O pastor foi investigado, e embora não logical Seminary, em Fort Worth, no tenha havido qualquer confirmação de Texas (EUA), onde concluiu mestrado dolo, o desgaste o levou ao afastamento. Desde 2005, Fanini exercia seu ministée doutorado. De volta ao Brasil em 1958, Fanini rio na Igreja Batista Memorial, também assumiu a direção da Primeira Igreja em Niterói. À posteridade, o religioso Batista de Vitória (ES). Dali, passou à deixa um valioso legado de inserção da Primeira Igreja Batista (PIB) de Niterói, fé evangélica na sociedade.
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Aos 77 anos, morre o pastor Nilson Fanini, um dos maiores líderes evangélicos do país
Mulher Esther Carrenho teóloga e psicóloga clínica
Lidando com o peso da culpa É na cruz, e só na cruz, que encontramos acolhimento e perdão de Deus
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omo psicoterapeuta, muitas vezes tenho a difícil tarefa de ajudar quem me procura a olhar para si mesmo e a assumir a responsabilidade sobre suas ações e comportamentos. Nem sempre é fácil. As queixas mais recorrentes são coisas como “Minha mulher me irrita”, “O vizinho azedou o meu dia” ou “Esse patrão me tira do sério”. E assim por diante – a culpa sempre é colocada no outro. Essa é uma tendência natural da natureza humana. Certa vez, meu carro foi atingido na rua. O veículo estava estacionado e, quando cheguei, achei-o bastante danificado. Uma pessoa que viu o incidente disse que um motorista perdeu o controle e não teve como impedir a colisão. Para surpresa de muitos, o agente causador da batida deixara bilhete com todos seus contatos telefônicos. Quando liguei, aquele homem prontificou-se a cobrir meu prejuízo, mas disse que só bateu porque tivera de fazer uma manobra brusca para não atropelar um pedestre bêbado – fato que sequer foi mencionado pela testemunha. Ou seja: mesmo agindo honestamente para comigo, faltou àquele senhor coragem para assumir que cometera um erro ao volante. É assim que vivemos e convivemos. Temos dificuldades em assumir e lidar com o peso das nossas culpas. Isso começou no Éden. Lá, Adão, quando questionado se tinha comido do fruto da árvore proibida, preferiu esquivarse, culpando sua mulher. Por sua vez, Eva responsabilizou a serpente. Desde então, esse tipo de comportamento tornou-se prática comum entre nós, humanos. O aluno indolente põe a culpa por seu fracasso acadêmico na didática da escola; o marido infiel diz que arrumou um caso para fugir do mau gênio da mulher; a mãe explosiva responsabiliza a desobediência do filho por havê-lo espancado. Alguns preferem atribuir os infortúnios provocados por seus próprios erros à ação de Deus ou do diabo. No entanto, o texto sagrado, em Miquéias 6.8, deixa bem claro que o Senhor já declarou em nosso coração o que é bom: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” A pior consequência para aqueles que não assumem seus próprios erros e fraquezas é a impossibilidade de uma mudança de atitude. Afinal, se a culpa está fora de nós, a conclusão óbvia é que não há engano de nossa parte – assim, não há razão buscar alguma transformação. Logo,
continuamos a vida toda estagnados, sem sair do lugar, com as mesmas falhas, muitas das quais ferem e destroem outros. E a razão pela qual não assumimos a própria responsabilidade é porque não suportamos viver com a culpa. Todavia, ela é um tipo de guia que pode nos conduzir às necessárias mudanças na nossa convivência com o próximo e com Deus. Sim, há uma culpa saudável, que nos ajuda a refletir e a tomar alguma decisão sobre os erros cometidos. E quando assumimos que somos responsáveis pelo erro, poderemos buscar novos caminhos e ajuda para encontrar uma nova maneira de agir. Quando reconhecemos o sentimento culposo e não sabemos o que fazer, ele pode se tornar desesperador. É daí que nasce o remorso, sentimento que acometeu Judas Iscariotes ao ver o resultado de sua traição a Jesus. Não soube o que fazer diante da própria culpa e tentou, ele mesmo, pagar o preço de seu erro. Destruiu a própria vida, mas não pagou pelo que tinha feito. É verdade que muitos dos nossos erros podem ser reparados, e seus maus efeitos, consertados; todavia, existem falhas que nem sempre temos como resgatar – e, muito menos, pagar por elas. É neste ponto que entra a extensão da bondade do amor divino. Na pessoa de Cristo, Deus providenciou o pagamento para todas nossas mazelas, erros e pecados. Mas para isso é necessário que reconheçamos o tamanho da nossa dívida e a desgraça da nossa miserabilidade, bem como nossa total incapacidade para sanar seus efeitos. Enfim, é necessário que experimentemos, em todo nosso ser, os efeitos do arrependimento. Neste processo, não há como fugir de sentimentos como a humilhação, a vergonha, o fracasso e a impotência diante do Cristo crucificado. É na cruz, e só na cruz, que encontramos a aceitação, o acolhimento e o perdão de Deus, que traz a restauração e a força necessária para que continuemos a vida sem o peso da culpa. “Ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Isaías 53.5). De posse desta verdade somos sarados e livres para também nos perdoarmos e nos aceitarmos, ao invés de gastarmos energias para negar ou transferir a outros a nossa própria responsabilidade. Assim, deixaremos de tentar pagar o que não pode ser pago e usaremos nossos recursos e nossa vontade para experimentar novas formas de procedimento diante de Deus e dos homens.
A pior consequência para aqueles que não assumem seus próprios erros e fraquezas é a impossibilidade de uma mudança de atitude
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livros | música | digital
CH Cultura
[Livros – Nataniel Gomes]
Os caminhos do “Ide”
REUNINDO TEXTOS DE ESPECIALISTAS EM MISSIOLOGIA, PERSPECTIVAS NO MOVIMENTO CRISTÃO MUNDIAL É UMA BIBLIOTECA DE EVANGELIZAÇÃO Perspectivas no movimento cristão mundial Kevin D. Bradford, Ralph D. Winter e Steven C. Hawthorne (editores) 792 páginas Vida Nova
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uais as melhores estratégias para a evangelização mundial? Como superar os desafios da obra transcultural num contexto de relativismo e secularização? O que fazer para cumprir o “Ide” de Jesus no século 21? São perguntas que demandam respostas complexas. Uma tentativa de chegar a isso pode ser encontrada na excelente coletânea Perspectivas no movimento cristão mundial. Os textos que compõem o volume foram escritos por vários expoentes do universo teológico e missionário – gente do Brasil e do exterior, e de várias épocas, como John Stott, Russell Shedd, John Piper, Valdir Steuernagel, Samuel Escobar, Irmão André, Ronaldo Lidório, William Carey, Hudson Taylor, Don Richardson, Philip Yancey, Peter Wagner e muitos outros. O enfoque vai da análise bíblica, passando pela cultura e pelas estratégias na evangelização, sempre enfatizando o potencial da Igreja e a queda das barreiras entre cristãos da mesma confissão de fé. A obra está dividida em quatro seções, denominadas Perspectivas: bíblica, histórica, cultural e estratégica.
DIGITAL Universo da Palavra Comentários B ´blicos Esperança Editora Esperança / SBB CD-ROM Chega ao público o rico acervo dos 29 Comentários Bíblicos Esperança, com o texto bíblico da Nova Tradução na Linguagem de Hoje, além da Introdução e Síntese do Novo Testamento em formato digital – com diversos recursos para facilitar a vida do estudante do texto sagrado. Os comentários que compõem a obra foram escritos por vários teólogos alemães de muita expressão para os protestantes, como Hans Bürki, Uwe Holmer e Wener de Boor. O que, por si só, já é algo digno de observação. Além disso, a grande vantagem de uma coleção em formato digital é a economia de espaço e a fácil portabilidade. É material de enorme utilidade para todos aqueles que desejam uma reflexão mais profunda baseada no texto bíblico. Só é uma pena que a coleção traga apenas uma tradução da Bíblia, a NTLH; apesar disso, é uma obra fundamental para pastores, estudantes de teologia, professores de escola dominical ou para quem quer simplesmente aprender mais sobre a Palavra de Deus. 52
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A bordo com Noé A grande Barca de Noé 12 páginas Sociedade B´blica do Brasil A história de Noé e do dilúvio sempre fascinou as crianças. Nos tempos do flanelógrafo, as figuras dos animais entrando na arca eram das mais manuseadas pelos pequenos. Novos tempos, novos recursos. A grande Barca de Noé oferece às crianças um fascinante cenário tridimensional, com portinhas, janelas, rampas e jaulas que se abrem para o aluno de escola dominical infantil. Os pais cristãos também vão adorar, porque o interesse dos filhos pela Palavra de Deus deve aumentar bastante. Ilustrada por Steve Smallman, com texto adaptado por Tim Dowley, o produto traz ainda um livreto de 12 páginas sobre a história de Noé e duas cartelas com figuras de animais para destacar.
Aventuras bíblicas Histórias da B ´blia 22 páginas Sociedade B´blica do Brasil Mais um bom lançamento neste mês das crianças. Livros de capa dura com abas são diversão garantida para os jovens leitores. Em Histórias da Bíblia, onze aventuras da Palavra de Deus são adaptadas para crianças com menos de sete anos de idade iniciarem seu contato com as Escrituras. A criação do mundo, Noé e sua arca, o bebê Moisés, Davi, Jonas e o grande peixe, Daniel e os leões, o nascimento de Jesus, as parábolas dos dois construtores e da ovelha perdida, a história de Zaqueu e a ressurreição de Cristo – tudo está lá, em linguagem e apresentação das mais adequadas àquela faixa etária.
Turminha crente Minha B ´blia (Mig e Meg) 972 páginas Editora Arco / SBB
Muitos pais reclamam que as chamadas bíblias infantis não passam de coletâneas de pequenos fragmentos das Escrituras, e nem sempre com fidedignidade ao texto sagrado. Ou então que são incapazes de despertar o interesse da petizada. Apostando na customização, a Editora Arco, em parceria com a SBB, lançou Minha Bíblia, com 16 lâminas coloridas ilustradas com os simpáticos personagens da Turminha Mig & Meg. Até os mapas ganharam um toque mais teen, com um vocabulário ilustrado no final. O lançamento promete aproximar o universo bíblico do dia a dia da garotada – objetivo final de dez entre dez pais crentes.
[Música – Nelson Bomilcar]
compositor e escritor
PRATELEIRA
www.nelsonbomilcar.com.br
DANIEL SOUZA Frutos do Esp´rito 6
Sol, sertão e salvação EM NORDESTINAMENTE, GERSON BORGES FAZ UM TRIBUTO COM POESIA E ESPIRITUALIDADE À RICA CULTURA DA MÚSICA NORDESTINA
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epois do extraordinário CD A volta do filho pródigo, baseado no livro de Henri Nouwen, Gerson Borges confirma com Nordestinamente que é um dos maiores compositores da música cristã brasileira na atualidade. Este pastor, poeta e músico carioca aprendeu a amar a rica cultura daquelas bandas do Brasil. Inspirado em Roberto Diamanso, Josué Rodrigues, Xangai, Elomar, Dominguinhos, Lenine e Gil, Borges produziu este CD com participações especiais de Artur Maia, Fernando Melino, Jorge Ervolini, Zé Canuto e João Alexandre. As interpretações são divididas com o competente contrabaixista Marinaldo Cardoso e o percussionista Márcio Teixeira. Destaques para a faixa Nordestino – segundo Borges, ser nordestino não é destino, e sim, qualificação –, Ser tão adorador, Poeta e a maravilhosa A chave é a oração, convite ao aconchego do coração de Deus através de Jesus Cristo. A produção musical é partilhada com o Heber Ribeiro. Contato: www.gersonborges.com Gerson Borges: riqueza art´stica e espiritual
Daniel Souza tem um frutífero ministério na adoração congregacional, não apenas na Igreja em São Vicente, na Baixada Santista, como em todo o Brasil. Adorador dos bons – basta dizer que seus mentores são Aspah Borba e Jan Gottifridson –, seu compromisso é ajudar a Igreja brasileira a glorificar a Deus com profundidade, com ênfase na Palavra de Deus e no evangelismo. Em Daniel Souza ao vivo, o artista proclama isso de maneira clara na canção Trabalhadores: “Rogai, pois, ao Senhor que mande trabalhadores para sua colheita”. Resta ouvir e atender o desafio! Contato: www.aliança.com.br
BRUNO ALBUQUERQUE Epifania
Bruno Albuquerque é uma grata surpresa no universo da música cristã produzida no Rio de Janeiro. Pelo conteúdo e qualidade das letras, dá para perceber que trata-se mesmo de um poeta, daqueles cuja obra não apenas inspira, como incomoda. Da arte, Trigo, Alabastro e Mulher de sal são alguns desses trabalhos. Com milhares de tambores é dividida com o violonista e produtor Silvestre Kuhlmann. Participam do CD Herbert Albuquerque (bateria, baixo e violão) e Vinícius Santos, na percussão. Contato: poeta.bruno@gmail.com
JOAB AUGUSTO Peregrino
Peregrino é um trabalho inusitado deste saxofonista que celebra Deus e a vida. Ricas em arranjos e interpretações, tocadas na grande maioria com metais, as faixas também homenageiam outros músicos e familiares do artista. De sua viagem a Cuba, Joab trouxe El panadero, e com Celeiro de guerreiros, ele presta um tributo aos fundadores do Instituto Betel Brasileiro. Contato: joabaugusto@yahoo.com.br
MARINALDO CARDOSO Lição de vida
Ouvir as músicas de Marinaldo Cardoso nos inspira a aprender sempre com Deus e com os irmãos nesta jornada intensa e cheia de desafios que é a existência humana. Conhecer Deus na adoração é um dos mistérios e possibilidades que temos todos os dias. Com Lição de vida, Marinaldo nos mostra que é possível ser transformado dia a dia, percebendo que a adoração é mesmo um estilo de vida. Contato: www.marinaldocardoso.com
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“Ficamos insensíveis” Autor de Cristãos ricos em tempo de fome e de O escândalo do comportamento evangélico, Ronald Sider faz suas críticas com amor
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Ronald Sider não é um cristão comum. Não por ser PhD Ronald Sider esteve no Brasil pela primeira vez no fim em história da Reforma por Yale, uma das mais prestigia- de agosto, a fim de participar do encontro nacional da Rede das universidades dos Estados Unidos, ou por ter escrito um Evangélica Nacional de Ação Social, a Renas, no Rio de Jalivro que é considerado referência cristã no século 20, Cris- neiro. Na ocasião, conversou com a reportagem de CRIStãos ricos em tempo de fome, que já vendeu mais de 400 mil TIANISMO HOJE: cópias. É que, aos setenta anos de idade, ele é testemunha de uma mudança de comportamento da Igreja Evangélica, CRISTIANISMO HOJE – Em seu livro, o senhor defende que, no seu entender, fez dela uma instituição mais insen- que a Igreja precisa se arrepender. De quê? sível em relação ao mundo que a cerca. “Ficamos maiores, RONALD SIDER – Quando eu era jovem, quase todos os límais ricos e mais famosos”, sintetiza. Tal conclusão é a base deres cristãos diziam que a missão da Igreja era o evangelismo, mas eram muito pouco preocupados com ministédo inquietante trabalho de Sider. Teólogo, prorios sociais ou com a luta por justiça econômica. Nós fessor, palestrante, fundador e presidente do ESA Entrevista negligenciamos isso por muito tempo, e é algo de (Evangelicals for Social Action – “Evangélicos por que precisaríamos nos arrepender. Outro ponto soAção Social”), ele é um ativista da igualdade. E o bre o qual a Igreja precisa pedir perdão é por séculos faz pelo viés do convencimento dos cristãos acere séculos de esquecimento em relação a tantos versículos bíblica da justiça social. Nascido numa área rural de Ontário, no Canadá, Sider é cos que nos mandam olhar pelos pobres. Por muito tempo, esse filho de pastor, e hoje vive com a mulher numa casa de um tem sido um tema esquecido em nossas igrejas. O pastor Rick bairro majoritariamente negro na Filadélfia. Membro de uma Warren [dirigente da Igreja de Saddleback e autor do best-seller comunidade menonita, é um homem de sorriso aberto e voz Uma vida com propósitos] confessou isso há uns sete anos. Nós suave, características que, no entanto, não amenizam seu duro precisamos nos arrepender por termos negligenciado os mandiscurso contra o materialismo que, na sua ótica, tomou conta damentos bíblicos de compromisso com os pobres; parece que de grande parte da Igreja Evangélica contemporânea, como simplesmente não lemos uma boa parte da Bíblia. diz em outra obra, O escândalo do comportamento evangélico (Editora Ultimato). Contudo, não é simplesmente um franco E em relação ao papel da Igreja na sociedade? atirador e tempera suas críticas com palavras de misericórdia e Essa é justamente a terceira área em que, na minha opinião, precisamos, como cristãos, de arrependimento. Nossa ação esperança na Igreja e no futuro.
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Divulgação/Renas
George Guilherme
Para Sider, o materialismo invalida o testemunho cristão
política sempre foi biblicamente desequilibrada. Nossos representantes falam muito contra o aborto, ou sobre temas como família e sexualidade – que, evidentemente, são preocupações pertinentes –, mas quase nada sobre justiça social, combate à pobreza ou questões ambientais, que também são bíblicas. Ora, se são políticos e cristãos, é preciso que se importem com o que Deus se importa: com os pobres, com a prática da justiça e com o meio ambiente. Um de seus livros mostra que a vida de um cristão praticamente não difere da de um não-cristão...
Não posso falar do Brasil, mas, nos Estados Unidos, certamente não difere. Existe em mim uma voz bastante otimista que me diz, com alegria, que estamos avançando, aproveitando as oportunidades para fazer diferença. Mas existe uma outra voz, pessimista, que me alerta que não fazemos diferença alguma. Entre os jovens, por exemplo, há uma pequena mudança no comportamento sexual dos crentes, mas não muito grande. Dentro das denominações evangélicas dos EUA, o número de casos de abuso físico e sexual entre membros de uma mesma família praticamente não difere do restante da sociedade. Em termos de racismo, nós, cristãos, somos piores que os outros – e não reconhecemos que o sistema da nossa sociedade, que tendemos a reproduzir, é discriminatório em relação aos latinos e outra minorias. Por que isso acontece?
Em parte, porque crescemos, tornamo-nos grandes, conquistamos sucesso e fazemos parte dessa cultura do crescimento. Ficamos maiores, mais ricos e mais famosos... Não faz muito tempo, uma das marcas da Igreja era a de ser separada do mundo. Éramos muitas vezes legalistas e até tolos em nosso comportamento, mas éramos separados, diferentes do mundo. Hoje, não nos sentimos mais separados do mundo – ao contrário, fazemos parte dele. Isso compromete o testemunho cristão?
Completamente. Esse tipo de comportamento mina dramaticamente a nossa credibilidade. Nosso discurso de mudança de vida a partir de um encontro com Cristo perde o sentido para as pessoas comuns. E até que ponto compromete a salvação?
Bem, Paulo listou uma série de pecados: falou de ganância, adultério, imoralidades, e disse que quem fizesse essas coisas não herdaria o Reino dos céus. Jesus diz, em Mateus 25, que
A Igreja precisa pedir perdão por séculos e séculos de esquecimento em relação ao cuidado com os pobres
as pessoas que praticam tais atos iriam para o inferno. Então, precisamos estar atentos ao aviso bíblico. Mas, ao mesmo tempo, eu tenho de saber que não serei salvo pela minha boa vida ou meu bom comportamento. Não somos salvos baseados na nossa boa teologia, e sim, pelo que Cristo fez na cruz. Eu não sei o quanto viver de forma errada, sem observar o que o Senhor disse, afeta a nossa salvação. Isso é decisão dele, não nossa. Mas não dá para separar o Jesus Salvador do Jesus Senhor. Os crentes, em geral, veem o pecado como algo individual. Mas a B´blia fala, e o senhor tem dito em seus livros, que há um pecado social. Como é esse conceito?
No último meio século, os evangélicos têm dado muita ênfase aos pecados individuais, como adultério e imoralidades sexuais. Nessa época, eram os liberais que falavam do pecado social, como os sistemas econômicos injustos. O que eu disse no meu livro Cristãos em tempo de fome é que a Bíblia fala dos dois tipos de pecado, o individual e o social, mas que os evangélicos tendem a personalizar o pecado. É lógico que, teologicamente, somos valorizados enquanto indivíduos, que precisam tomar uma decisão pessoal e desenvolver um relacionamento individual, íntimo com Deus. Mas a sociologia nos ensina que o ambiente onde vivemos também determina quem somos. Afinal, nossas atitudes também são afetadas pelo que nos cerca. Tanto a sociologia quanto a Bíblia nos mostram a importância de mudarmos o indivíduo e também a sociedade.
O gigantismo das igrejas urbanas de classe média, cujos pastores são cada vez mais parecidos com executivos, é parte desse problema da cultura do crescimento?
Eu, pessoalmente, não sou entusiasta de igrejas enormes, mas não me oponho a elas. Temos grandes ministérios, que precisam ser gerenciados de maneira diferente – mas o problema não é este, especificamente. É uma questão de visão pessoal. Se a igreja está levando pessoas a serem como Cristo, a se tornarem obedientes a ele, preocupadas com o próximo e ativas no serviço social, não há problema se ela é grande ou pequena. Acho que até existe mesmo espaço para um papel de executivo dentro da liderança das congregações. O problema é o momento em que se direciona o ministério com técnicas do mundo executivo, visando a desenvolver estratégias para o crescimento da igreja, e esse processo tira nosso foco de Jesus e do que ele disse. O senhor escreveu seu livro mais famoso há mais de trinta anos. Algo mudou de lá para cá?
Eu acho que os cristãos evangélicos, na média, são muito mais materialistas hoje do que quando escrevi o livro. Essa é a notícia ruim. A boa é que há um grande crescimento da preocupação evangélica com os pobres. O próprio livro é um exemplo disso – numa eleição dos livros cristãos mais importantes dos últimos 50 anos, minha obra ficou na sétima posição. Isso pode não dizer muito, mas mostra que ao menos há uma preocupação com o tema, um crescimento da ação evangélica nessa área.
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“ Fica m o s i n s e n s í v ei s ”
Basta ver a Visão Mundial, uma entidade cristã que tomava conta de alguns orfanatos no passado e que hoje tem um orçamento de dois bilhões de dólares por ano. No entanto, esses cristãos comprometidos com justiça social ainda são minoria. Hoje, o cristão médio – e volto a lembrar que refiro-me ao crente americano, pois não possuo tanta informação sobre a Igreja no Brasil – é mais rico e mais materialista do que o da geração anterior. Mas os dados mostram que estamos doando bem menos do que há tempos atrás. O crente de hoje doa apenas 40% do que os cristãos de algumas décadas atrás. E esse índice tem caído ano a ano. Essa percepção é a mesma nos pa´ses do Terceiro Mundo?
É diferente, mas aqui já é possível começar a ver uma classe média evangélica. O que eu acho preocupante é que a teologia da prosperidade é tão ruim aqui como nos Estados Unidos. Algumas estat´sticas preveem que até a metade deste século o Brasil será uma nação de maioria evangélica. Isso faz diferença?
Num certo nível, é irrelevante quantas pessoas dizem ser evangélicas. O importante é saber quantas pessoas vivem como Jesus e acreditam nele como Senhor e Salvador. Que diferença faz se metade de um país se confessa evangélica, se a taxa de divórcios nessa comunidade é igual à do resto da sociedade? Por outro lado, ainda que sejamos minoria, se liderarmos o combate à pobreza, se defendermos a criação de Deus, combatermos o racismo e afirmarmos a dignidade de setores marginalizados, aí, sim, estaremos mudando a sociedade e sua cultura. Isso seria verdadeiramente significativo! Mas se tivermos uma maioria evangélica e ela viver como os outros, qual a importância? O senhor fala abertamente em um diálogo entre evangélicos e católicos. Isso pode funcionar?
Veja o que acontece nos Estados Unidos. Por uns 200 anos, católicos e evangélicos disseram coisas horríveis uns dos outros, mas depois que a Corte Suprema legalizou o aborto, em 1973, os protestantes descobriram que os católicos haviam trabalhado duro contra a aprovação. Então, perceberam que era possível se unir a eles com relação à defesa da vida, porque algumas posições como essa eram comuns aos dois grupos. Ao mesmo tempo, os evangélicos perceberam que
os liberais que não acreditavam na ressurreição de Jesus ou na sua divindade, por exemplo, eram protestantes. Ou seja, estavam no mesmo barco, mas eram muito mais distantes. Mesmo não concordando com os católicos acerca do papel do papa, da natureza de Maria ou a ação dos santos – que são pontos importantes de discordância –, descobrimos pontos em comum também muito importantes com eles, até mais do que com os liberais. O resultado é que o diálogo e a cooperação aumentaram, e há muito diálogo acontecendo, mesmo sem querer unificar todos em uma só Igreja. Mas aqui no Brasil os liberais não têm muita força, ao contrário dos EUA. Essa agenda mútua, por si só, pode aproximar os dois grupos?
Eu penso que o forte secularismo da sociedade contemporânea e a hostilidade que hoje existe ao cristianismo vai poder unir católicos e evangélicos. Isso é um desafio. O senhor foi um opositor do governo do presidente George W. Bush, que contou com forte apoio protestante. Sente-se parte de uma minoria dentro da Igreja Evangélica americana?
Temos de começar com a história americana. Na fundação do nosso país, existia uma imagem da nação como um “novo Israel”, e que esse novo país era especial para Deus. Havia uma ideia de que os EUA surgiram no plano divino com um propósito especial. Então, há uma conexão muito forte do nacionalismo americano com o evangelicalismo. E o evangélico americano, na média, não tem sido bom em perceber as virtudes e defeitos da América, especialmente em termos de política externa. Os evangélicos em meu país aceitam tudo sem criticar – resultado, em parte, do período anticomunista, em que o ato de criticar era visto como falta de patriotismo. Por isso que, quando Bush foi à guerra, a maioria ficou do seu lado. Hoje, nós somos a nação mais poderosa que o mundo já viu desde o Império Romano. Mas é imoral querer dizer para outros povos “vocês vão fazer isso, queiram ou não”, como temos feito. Qual sua visão sobre o governo Obama?
O presidente Obama já tem demonstrado que quer trabalhar em cooperação com outros países. O governo tem dito coisas como “vamos conversar com os inimigos e trabalhar com os aliados”. Isso representa uma mudança de rumo muito grande. Agora, se você me perguntar se Obama é um cristão genuí-
A semelhança com comportamentos e práticas mundanas mina drasticamente a credibilidade dos crentes. Assim, nosso discurso de mudança de vida a partir de um encontro com Cristo perde o sentido para as pessoas comuns 58
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no, eu diria que sim; mas ele é um evangélico? Não. Eu acho que ele tem as dúvidas típicas de quem esteve nas maiores universidades do país, onde eu também estive [risos]. Aos 70 anos de idade, o senhor se considera um cristão inconformado?
Olha, como eu gosto da história da Igreja, que é o meu campo de formação, ela me ensinou que a maior tentação do cristianismo durante todos esses séculos foi o de se conformar com a cultura vigente e deixar de seguir Jesus, vivendo de maneira bíblica. Os exemplos são muitos, desde a Igreja medieval. Nós temos sempre que nos perguntar onde essa cultura satisfaz a Deus e onde precisa ser modificada, à luz da Bíblia. Nós precisamos adotar uma posição de permanente crítica ao establishment. O problema é que os cristãos, ao longo da história, começaram a abraçar a cultura ocidental. Devagar, sem perceber, começamos a fazer parte dela. O problema que vejo hoje nessa cultura é o individualismo. Isso vai de encontro ao que a Bíblia define como comunidade. Quando as pessoas procuram a web, ou redes sociais, na verdade buscam uma comunidade – e a Igreja de Cristo tem a obrigação de adotar uma visão bíblica que valorize o indivíduo, mas também a de ser o lugar onde uma comunidade é oferecida. Ali, o amor dos irmãos e suas
O forte secularismo da sociedade contemporânea e a hostilidade que hoje existe ao cristianismo pode unir católicos e evangélicos, mas nunca numa só Igreja
necessidades devem ser compartilhados, assim como os bens materiais, e os marginalizados precisam ser acolhidos. Onde existe solidão, a Igreja precisa oferecer uma solução. No in´cio da entrevista, o senhor falou que sua alma tem dois lados convivendo dentro dela – um otimista e outro pessimista. Qual é o mais forte?
Eu tenho, sim, uma grande esperança. Sei que Jesus está vivo e que Deus está no controle. Sei também que ele continua a sua obra com graça, mesmo nos momentos mais difíceis. E assim, sou esperançoso. Não no curto prazo, pois temos motivos para nos preocupar, mas a longo prazo. Sei aonde a história nos levará e que tudo será transformado e feito novo.
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Quando e como o Senhor quer Estudos sobre os efeitos da intercessão mostram que a ação divina não tem compromisso com a lógica das metodologias
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Gregory Fung e Christopher Fung
Ao longo dos tempos, medicina e fé nunca se deram lá mui- eram ativos em suas comunidades religiosas. A outra metade, to bem. Se, de um lado, os profissionais de saúde costumam que serviu como grupo de controle, não foi alvo de nenhuma atribuir a possibilidade de cura aos corretos tratamentos, por ministração de natureza espiritual. Nesse estudo, a melhora outro, muitos religiosos tendem a maximizar a importância da dos que receberam orações superou de forma significativa a intervenção divina em detrimento da eficiência médica. De uns observada entre os integrantes do grupo de controle. Mesmo tempos para cá, contudo, tem havido uma frutífera assim, não se pode dizer que o trabalho de Byrd tenha aproximação entre os dois segmentos. Tanto, que um sido capaz de servir de evidência da atuação direta de Especial estudo recentemente realizado pelo Departamento de Deus na cura, já que foi criticado depois de sua publiPesquisa de Saúde dos Estados Unidos concluiu que a cação por ter apresentado medidas de resultados inmaioria – 70% – dos médicos pesquisados acreditam válidas, métodos estatísticos inapropriados e suspeita que milagres acontecem ainda hoje. Ainda assim, menos de de erros. 29% acreditam que os resultados dos tratamentos têm relação Há três anos, contudo, vieram a público resultados de um com “forças sobrenaturais” ou “ação de Deus”. Mais de 1,1 mil estudo notável, programado cuidadosamente para acabar com profissionais de saúde participaram da pesquisa. o debate. Na época da publicação, recebeu certa atenção, mas Há, nos estudos sobre oração na medicina, uma linha que passou despercebido para muita gente devido às conclusões demarca a batalha entre santos e céticos: surpreendentes – e perturbadoras – até os cristãos procuram a prova científica para os crentes. O Estudo sobre os efeida eficácia da oração. Já os críticos bustos terapêuticos da oração de intercessão cam o contrário – minar a fé religiosa. (STEP – sigla em inglês), realizado com Seja bom ou não, muitas tentativas têm o patrocínio do Departamento de Medisido levadas a cabo no sentido de avacina da Universidade de Harvard, foi, de liar o papel exercido pela intercessão na longe, o mais abrangente feito até hoje. cura. O primeiro estudo conhecido foi Levou 10 anos para ser concluído, cuspublicado em 1872, pelo inglês Francis tou 2,4 milhões de dólares e foi, em sua Galton, autoridade em várias ciências, maior parte, sustentado pela Fundação que não encontrou qualquer evidência John Templeton, que apoia estudos sobre estatística de que a oração prolonga a a relação entre religião e ciência. vida de pessoas enfermas. Ressalte-se, O STEP foi simples e elegante, segunque à sua época, levantamentos do gêdo todos os padrões, normas e protocolos nero careciam de rigor científico. de pesquisa: 1.800 pacientes submetidos Mais recentemente, vários experià implantação de marcapassos cardíacos mentos com oração chamaram a atenção de evangélicos an- foram divididos, aleatoriamente, em três grupos. Dois deles resiosos para encontrar ligação entre fé e ciência. Um estudo de ceberam oração de cristãos comprometidos, com prática de orar 1983, de Randolph Byrd, elevou os ânimos de forma especial. por enfermos, sendo que só em um dos grupos os membros saEle observou 393 pacientes da cardiologia do Hospital Geral biam que havia alguém orando por eles. O resultado: o grupo de São Francisco. Cerca de metade recebeu oração de pessoas em que os pacientes sabiam das orações apresentou mais comconsideradas cristãos consagrados, que oravam diariamente e plicações e recuperação mais difícil do que os que não sabiam se
A obsessão em descobrir se a oração funciona é a questão errada. Sabe-se que ela funciona – a verdadeira questão é se estamos prontos ou não para a resposta de Deus
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havia, ou não, alguém orando por eles. Curiosamente, o fato de alguém saber que havia um grupo de intercessores orando em seu favor teve um impacto negativo sobre sua saúde. Houve comparação, também, entre os dois grupos que não sabiam se estavam sendo alvo de preces. Nesse caso, o grupo que recebeu oração apresentou mais complicações graves do que o pessoal que ficou sem oração. Em outras palavras, o estudo parece mostrar que a oração – pelo menos a feita por estranhos – pode ser prejudicial à saúde. O resultado da pesquisa pode ter decepcionado quem esperava ver efeitos positivos da intercessão, mas também surpreendeu os céticos, que não houvesse qualquer efeito. Praticidade X mover de Deus –As respostas dos evangélicos incluíram a observação de que muitos pacientes oravam por si mesmos e tinham parentes também orando por eles (96% relataram exatamente isso). Essa realidade pode acabar com qualquer efeito das orações da pesquisa. Outros cristãos alegam que a investigação da oração de intercessão é problemática, já que os exemplos de cura física através de oração direta relatados no Novo Testamento sempre aconteceram como resultado da oração presencial – cenário impossível de se testar sem que os participantes saibam o que ocorre. Uma terceira resposta, como disse um conhecido capelão hospitalar, foi simplesmente a de que Deus não está sujeito a pesquisas científicas. O escritor cristão C.S.Lewis pensou em um estudo sobre oração bem estruturado, mas não esperava resultados positivos e mensuráveis. “O problema é que não vejo como a verdadeira oração possa acontecer sob tais condições,” disse ele. “Mera repetição de orações não é orar. Se fosse, bastaria treinar bem um grupo de papagaios e eles seriam tão úteis quanto os homens na experiência”. Ele defendia que tal abordagem da oração a reduzia a um tipo de mágica – “Alguma coisa que funciona automaticamente”, explicou. Sendo assim, qualquer estudo como o STEP estaria fadado ao fracasso, já que tais esforços sempre acabam tentando medir resultados práticos, e não o verdadeiro mover de Deus. Ironicamente, o STEP acaba confirmando a visão cristã do mundo. Afinal, orações não têm – ou não deveriam ter, pelo padrão bíblico – nada a ver com encantamentos. O verdadeiro nó górdio do estudo não é que o grupo que recebeu oração se saiu pior, mas sim, que as pessoas que não foram alvo de súplicas acabaram recebendo tantas, se não mais, bênçãos de Deus quanto as outras. Em outras palavras, o Senhor, aparentemente, distribuiu seu favor a despeito da quantidade e até da qualidade das orações. Coerente a seu caráter, ele parece inclinado a curar e abençoar o maior número de pessoas possível. É como se o Senhor mal conseguisse se controlar (embora o faça muitas vezes) e deixar de intervir e romper a natureza do universo para cuidar de quem ele ama – ainda que quem seja alvo dessa graça reconheça o fato ou não. Deus respondeu as orações dos grupos do estudo, mas, acima disso, respondeu as dos pacientes, dos amigos e parentes deles, e talvez até dos que nem sabiam que havia alguém orando.
Amor de Deus – Se isso for verdade, então surge uma questão incômoda: “Se Deus já é tão generoso, por que tanto empenho na oração?” Essa é outra maneira de expressar a verdadeira pergunta – “Qual é o mínimo que se exige de mim para que minhas orações sejam respondidas?” Tais indagações expõem a fraqueza do desejo modernista de saber se a oração “funciona”. Ao descobrir que Deus responde constantemente as orações, deparamo-nos com a realidade mais profunda e perturbadora de que, com frequência, ele não nos dá o onde, quando e como que desejávamos. A Bíblia confirma essa realidade. Deus, por exemplo, respondeu as orações e libertou o povo da opressão de Faraó, mas a resposta – que demorou, mas chegou – foi inesperada, imprevisível e nem um pouco tranquila, pois demandou uma longa peregrinação pelo deserto, o perigo de atravessar o mar e as agruras da caminhada por décadas a fio. Da mesma forma, a resposta divina ao clamor pela libertação do jugo romano foi ainda mais inesperada e, para muitos, simplesmente inaceitável. Diante disso, não surpreende que Jesus tenha ensinado seus seguidores a orar ao Pai usando os seguintes termos: “Seja feita a tua vontade”, como ele mesmo suplicou todo o tempo que passou no Getsêmani. Diante de tudo isso, a obsessão em descobrir se a oração funciona é a questão errada. Sabe-se que ela funciona – a verdadeira questão é se estamos prontos ou não para a resposta de Deus. Não é surpresa que os preparados para a resposta divina ao clamor de Israel por um Messias foram os que oravam. Ana, a profetisa que passou a maior parte da vida em adoração no Templo, foi uma das primeiras a reconhecê-lo. Lídia, que entendeu a verdade do Evangelho e abriu a porta para Filipe, estava no lugar certo e na hora certa porque estava orando. Então, o motivo de orarmos não é apenas receber respostas de Deus. Oramos também para sermos capazes de reconhecer e receber a resposta do Senhor, saber como responder e, talvez, ver o próprio Deus. A maioria dos médicos acredita em milagres e na realidade de causa e efeito no exercício de sua profissão. E as intervenções divinas acontecem para todos porque somos amados por Deus, quer estejamos em rebeldia contra ele ou não. Resta aos médicos, e a nós, decidir como vamos reagir. Deveríamos ser sábios e evitar aplicações mágicas ou mecânicas do Evangelho, que definitivamente não pode ser entendido e vivido dessa maneira. O STEP nos incentiva a acreditar que Deus está ansioso para responder nossas súplicas, aparentemente sem dar muita atenção à nossa competência para orar ou, em certas ocasiões, inclusive à nossa ortodoxia. Isso deveria nos dar confiança para agir, acreditar e trabalhar ao lado de um Senhor bom e generoso, que nos convoca para trabalharmos em seu Reino levando cura e oração ou mundo.
Recentemente, vários experimentos com oração chamaram a atenção de crentes ansiosos para encontrar ligação entre fé e ciência
Gregory Fung é bioquímico em Harvard e Diretor Regional da InterVarsity Christian Fellowship, em Boston (EUA); Christopher Fung, seu filho, é patologista e membro da Igreja da Rua LaSalle, em Chicago, também nos EUA o u t u b r o
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Os outros seis dias Carlo Carrenho editor de livros
Jesus usa chuteiras? O Todo-Poderoso não interfere em resultado de jogo
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ecentemente, o jornalista esportivo Juca Kfouri publicou no jornal Folha de São Paulo um texto bastante incisivo intitulado Deixem Jesus em paz. Ele abordou criticamente o proselitismo que alguns jogadores de futebol cristãos praticam, aproveitando-se de sua fama e das façanhas realizados no gramado. Kfouri chama este comportamento de insuportável e o classifica de “invasão inadmissível e irritante”. Nas entrelinhas, é fácil sentir que, embora a crítica seja voltada a todos os atletas que usam tais táticas evangelísticas, ela foi apontada mais diretamente ao craque Kaká. Coincidentemente, o assunto é tratado aqui mesmo, na matéria de capa desta edição de CRISTIANISMO HOJE Ao contrário de Kfouri, a utilização de camisetas, chuteiras e outros artefatos com declarações de louvor a Deus não me incomoda. Claro que temos de estar preparados para quando jogadores de outros credos também venham utilizar a mesma estratégia. Não é difícil imaginar, portanto, que gol em campeonato baiano acabe sendo dedicado a um orixá. Também, por outro lado, se estas manifestações começarem a interferir demais no espetáculo trazido ao Brasil por Charles Miller, será natural e esperado que os cartolas coloquem limites, não só a declarações religiosas mas a outros tipos de marketing também. Vale lembrar que até comemorações mais efusivas já foram proibidas pela Liga de Futebol Americano nos Estados Unidos – e olha que isso aconteceu justamente na terra do show business! Mas existe algo que me incomoda muito na atitude de atletas evangélicos, o que chega a dar razão e credibilidade à seguinte afirmação de Juca Kfouri: “(...) Parece-me pecado usar o nome em vão de quem nada tem a ver com futebol, coisa que, se bem me lembro de minhas aulas de catecismo, está no segundo mandamento das leis de Deus. E como o santo nome anda sendo usado em vão por jogadores da seleção brasileira, de Kaká ao capitão Lúcio! (...)”. Há outra atitude que, se não caracteriza o uso do nome de Deus em vão, chega muito perto – é a de atribuir a Deus jogadas geniais, gols e vitórias em campo. Honestamente, não consigo imaginar o Senhor interferindo em resultados de futebol. Isto é, a menos que o todo-poderoso em questão seja aquele deus interpretado pelo ator Jim Carey, e não o Deus vivo.
É claro que o Senhor concede a seus filhos talentos e oportunidades. Mas o que fazemos e como desenvolvemos estes talentos e oportunidades é nossa responsabilidade – não só no esporte, como em todas atividades. Assim como Deus não transforma um bom jogador que nunca faça preparação física em exemplo de boa forma da noite para o dia só porque ele é cristão, também não fica por aí soltando ventos para alongar cruzamentos ou esticando traves para a bola chutada por um crente entrar no gol. Além disso, se é Deus o grande responsável por jogadas de sucesso e gols feitos por jogadores cristãos, quem seria o responsável quando estes mesmos atletas religiosos perdem um pênalti ou dão uma canelada? O mesmo Deus? Não creio. Não podemos creditar a ele nossos acertos e achar que erramos só por nossa culpa. Em campo, os acertos e erros são de responsabilidade do jogador, e só dele. E se Deus realmente interferisse em resultado de jogo, goleiro cristão nenhum tomava gol, Israel estaria em todas as finais de Copa do Mundo e o Vaticano, com jogadores de batina, faria bonito nos gramados mundo afora. Por uma questão de coerência, então, o mesmo jogador que dirige uma oração de agradecimento aos céus quando marca um tento deveria também dar graças ao mandar um chute na arquibancada. Uma coisa, no entanto, é agradecer ao Criador pelas habilidades que nos deu. Outra, é atribuir gols, belas jogadas e bons resultados a Deus. Aí, já fica parecendo quebra de mandamento mesmo, como apontou o grande Juca Kfouri. No texto do jornalista, existe ainda uma grande dica de leitura: o livro Em que crêem os que não crêem (Record), de Umberto Eco e Carlo Maria Martini. Na obra, o filósofo e o teólogo italianos discutem, na forma de debate, questões muito interessantes, como o ateísmo, o divórcio, a emancipação feminina e, principalmente, a origem da moral para o homem agnóstico. Vale a leitura. E, para terminar, devemos sempre ser gratos a Deus pelos talentos que temos e glorificá-lo com eles, até mesmo publicamente. Todavia, não podemos nos esquecer de que o Todo-Poderoso não faz gol nem interfere em resultados. Sim, Deus só vai ao estádio porque é onipresente. Caso contrário, ficaria em casa.
Se Deus é responsável por gols e belas jogadas dos jogadores crentes, quem é o culpado quando eles perdem um pênalti ou dão uma canelada?
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ÚLTIMAS PALAVRAS Carlos Queiroz professor e escritor
Espiritualidade e responsabilidade social
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As comunidades de Jesus Cristo são chamadas à obediência na luta pela justiça e na prática da misericórdia
empre que se fala de espiritualidade, pressupõese uma experiência humana no campo religioso e subjetivo da fé, alienada às demais experiências da vida. No cristianismo, quando se aborda sobre responsabilidade social, a ênfase recai no ativismo enquanto serviço prestado ao próximo, seja pela proclamação do Evangelho, seja pelas obras de misericórdia e justiça. Contudo, espiritualidade e responsabilidade social são eixos paralelos do mandamento principal das Escrituras: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo” (Mateus 22.37-39). Assim, amar a Deus é uma missão espiritual, do mesmo modo que amar ao próximo é o exercício de uma espiritualidade missionária a serviço do outro. Estas duas manifestações cristãs evidenciam-se de forma interativa e interdependente. Por conta dessa interação, a espiritualidade cristã precisa sempre encontrar o seu caminho devocional em missão ao próximo. A espiritualidade pode ser entendida como uma experiência humana no campo da fé e a responsabilidade social e política, como uma resposta ética dessa mesma fé. As relações sociais, políticas, econômicas e religiosas da sociedade em que estamos inseridos anunciam ou denunciam a espiritualidade desta mesma sociedade. Espiritualidade e responsabilidade social confluem-se na vida e natureza da Igreja de Jesus Cristo. De um modo geral, na cristandade, tem havido muita contradição entre a mesa do pobre e o altar suntuoso dos cristãos – e a falta de pão na primeira pode ser uma denúncia da ausência de espiritualidade no segundo. Acontece que a responsabilidade social cristã não pode tornar-se apenas um serviço voltado para o problema da falta de pão para os pobres, ao mesmo tempo que a espiritualidade não deve ser uma tarefa exclusiva em torno do altar. Mais grave do que esta dicotomia é a constatação de que o cristianismo brasileiro, mesmo que numericamente significativo, não tenha conseguido responder, na mesma proporção de seu avanço quantitativo, às demandas de nossa sociedade, especialmente no que diz respeito à promoção da justiça. No contexto brasileiro, há várias práticas espirituais em diversas comunidades cristãs que evidenciam distorções e limitações na atividade missionária da Igreja. Se considerarmos a responsabilidade social e política da Igreja Evangélica como um desdobramento das práticas espirituais expostas nas vitrines no cenário religioso brasileiro, precisaremos rever com qual evangelho estamos comprometidos. Há uma espiritualidade de fetiche, marcada pela magia e crença no poder de objetos e
amuletos. Nessa espiritualidade superficial e alienada do pão de cada dia para todos, a solução dos problemas e demandas da vida tendem a ser individualizada. Assim, a responsabilidade social da igreja tende a ser vista como uma interferência exclusiva pela via do milagre, e não como desdobramento de uma práxis evangélica transformadora. Já outros grupos exercitam uma espiritualidade marcada pela supervalorização da estética em detrimento da ética. O serviço religioso é elaborado com todos os sinais externos de pompa e espetáculo. A espiritualidade é meramente ritualista, superficial, predispondo seus praticantes a uma missão que gira em torno do sucesso e popularidade de seus sacerdotes ou do reconhecimento de suas obras cultuais. A manjedoura, o jumento e a cruz são, no máximo, símbolos; mas os pobres recém-nascidos, os que possuem meios limitados de transportes e os que continuam em processo de crucificação em nada desfrutam de uma espiritualidade depreciadora da ética – isso quando a causa do pobre não é mera bandeira institucional e publicitária a serviço da imagem pública da instituição. As comunidades de Jesus Cristo devem ser motivadas pelo amor a Deus e às pessoas, e não pelo amor ao dinheiro. Elas são chamadas à obediência na luta pela justiça e na prática da misericórdia. Para vencer o mal que se manifesta nas estruturas e conjunturas sociais, políticas, econômicas e culturais, elas buscam nos instrumentos estabelecidos pela sociedade civil os mecanismos para tornar a justiça um rio permanente. Numa democracia, as autoridades são todas as instâncias de poder para a prática do bem, conforme Romanos 13. Desse modo, uma igreja socialmente responsável se utilizará dos instrumentos democráticos para que a sua espiritualidade em missão tenha incidência nas políticas públicas, nos direitos do cidadão e nos testemunhos de boas obras e prática da justiça. No Evangelho ensinado por Jesus, oramos no quarto secreto (tameion) ao Pai nosso que está nos céus, numa espiritualidade transcendente, pessoal e íntima que tem necessariamente implicações nas vivências públicas – afinal, a Igreja é o sal da terra e a luz do mundo. A oração ao Pai nosso é ao Pai da comunidade e na comunidade. Na Oração Dominical, quando se pede o pão nosso de cada dia, pede-se num gesto espiritual de oração por um bem social que pode ser acumulado ou socializado. Assim, espiritualidade e responsabilidade social são manifestações transcendentes e ao mesmo tempo inseridas nas realidades que vão se tornando história.
A espiritualidade pode ser entendida como uma experiência humana no campo da fé e a responsabilidade social e pol´tica, como uma resposta ética dessa mesma fé
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C R I S T I A N I S M O
H O J E
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o u t u b r o
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n o v e m b r o
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