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Daiana Quelle

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Edmilson

Edmilson

PROGRAMA AS VALKYRIES: ENTREVISTA

Daniana Quelle possui graduação em Enfermagem pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (1987). Formação em Psicanálise no Círculo Psicanalítico da Bahia (2000) e Instituto Brasileiro de Psicanálise. Mestra em Psicanálise pela Universidad Argentina Jonh F. Kennedy – Argentina, aprovada na defesa da tese com título sobressaliente por unanimidade.Atende em Consultório de Psicanálise há mais de 20 anos, atendendo pacientes do Brasil e do Exterior.Conferencista e Palestrante Internacional.Autora do livro Diário de Uma Analista: A Psicanálise que Ninguém te Conta. Editora Scortecci. São Paulo. Autora do livro Psicoanálisis Aplicado como Tratamento de los Nuevos Síntomas (no prelo) na Editora Letra Viva em Buenos Aires

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1. Você sempre foi como hoje? Não, a mudança me acompanha. Desde os cabelos, algumas percepções mudaram. Sei que meus valores e princípios se aperfeiçoaram e persevero para que sejam imutáveis.

2. Que caminhos percorreu, até chegar na mulher que é hoje? Muitos e, geralmente, difíceis. Foi preciso me mirar na força das minhas avós, na paciência de meu pai, na garra de minha mãe, no eterno desvencilhar das opiniões que nos são postas para paralisar. No exercício contínuo do me desligar daquilo que não me compete, do estudar na loucura do tempo, do trabalhar desde muito nova e, de tentar fazer a escolha de pessoas que agreguem ao que considero importante.

3- Fale da infância, da adolescência, da mulher esposa e mãe, da mulher artista, da sua ideologia e objetivos. Fui uma menina muito tímida e de uma cobrança grande, afinal, entrei na escola aos dois anos. Uma adolescente melancólica, com problemas internos que só se desaguavam no sorriso amarelo, nos cadernos e atividades escolares e na poesia escrita com muita vergonha. Hoje sou mulher, esposa de um cara muito legal, que é meu melhor amigo, que me incentiva e partilha das melhores conversas. Com Júlio há espaço para minhas inquietações e espontaneidade. Não sou mãe, acho que só espiritual e quando, mesmo que sem querer, materno meus alunos. Me asseguro em valores bíblicos, com muita criticidade e verdade. Sobrevivi ilesa a um acidente no momento de seleção do doutorado, um dos milagres mais lindos que posso contar, deste modo, sei que minha literatura é atravessada por mensagens bíblias, por provocações à religião, pela denúncia da violência contra mulher, pelo questionar do pensamento machista imbuído em diversos tipos humanos. Quanto a minha vida de escritora, tive a oportunidade de ser incentivada pelas professoras Carine Araújo, João Neto e Evany (no Ensino Médio), Rita Queiroz (minha orientadora da graduação e agora do doutorado) que me convidou para participar da Confraria Poética Feminina. Lá pude colocar meus primeiros poemas e contos curtos, fui incentivada por muita gente – AnaCarol Cruz, Érica Azevedo, Adna Couto, Alexandra Patrocínio, entre outras. Ali ganhei fôlego para publicar meu primeiro livro – Contos às Marias (2017) e, nem passava pela minha cabeça que as pessoas fossem gostar. Eu me vi com a necessidade de publicar as histórias que ouvia, os relatos que sabia depois de apresentar trabalhos filológicos a partir de um processo crime de estupro localizado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana, onde fiz a graduação e mestrado. Entrei no doutorado em 2019, e continuei a estudar processos crimes, é a forma de ter acesso a fontes reais de violência e problematizar posturas e penas para as vítimas, acusados, testemunhas e outros os envolvidos nos crimes.

Sou. Apenas não quero romantizar a jornada tripla, às vezes, de estudo e trabalho. Sei que tenho a mente inquieta, mas sem que pareça vitimismo, eu tive que aprender que minha melanina e cabelo 4C e biotipo fora dos ditos padrões me isolavam na escola. Além de tudo só comecei a me reconhecer, na literatura, por exemplo, depois da graduação. Tenho uma história engraçada, pois vi meu marido pela primeira vez na biblioteca da Universidade Estadual de Feira de Santana, quando fui pegar o livro – Quarto de despejo: diário de uma favelada – de Carolina Maria de Jesus. Eu já no doutorado, não tinha lido esse livro. Meu marido é negro também e esse livro nos marca de diversas maneiras.

4. A vida foi um mar de rosas? Diante do que falei nas perguntas anteriores, não foi fácil, acho que para ninguém é. No entanto, percebo que quando “trago à memória o que me traz à esperança” (Lamentações 3:21) consigo pensar em estratégias para sair dos momentos difíceis, das crises criadas e surgidas no caminhar. Então, tento plantar as rosas e sentir o perfume ao longo do tempo.

6. Quanto às dificuldades, existiram? Sempre, nos estudos, apesar de estudar com muito esforço na escola particular, nem sempre conseguir acompanhar tanta competição e conteudismo. Eu gostava mesmo era de ler, me encontrava na literatura para fazer universos paralelos àquilo tudo.

7. Em que momento da sua vida a sua estrada bifurcou e como você fez a escolha e para onde ela te levou? Quando eu entrei na universidade achando que seria pesquisadora da literatura. Me vi acuada com tanta teoria e apaixonada pela Filologia, através das aulas da Rita Queiroz. Então estudei cartas, processos crimes e, compreendi que poderia fazer o retorno à literatura a partir das aulas no Ensino Médio alinhando à filologia ao espaço da sala. Junto com outro colega na época – Gilmar Costa, organizei um livro denominado “Ecos da escravidão em documentos literários e não literários: estudos filológicos, linguísticos e históricos” (2017) – publicado pela editora CEPLiB, apoiado e financiado pelo Colégio Adventista da Bahia naquele contexto e gestão. Foi uma felicidade ter meus alunos aprendendo a fazer uma edição filológica nos poemas originais de Castro Alves. Eu pude ensinar o Romantismo, a história da língua e mostrar a ciência que estava reservada aos cursos de Letras e pós-graduações. Então, pude viver a transdisciplinaridade, ela que tanto diz de mim, desde o meu viver ao me relacionar com o mundo.

8. Você mudou como pessoa? Em que você mudou? O que a fez mudar? Me acho melhor, menos agoniada e mais aberta às mudanças. Além disso, tento ser cristã na essência, não me vejo mais sem ser igreja, onde encontro afago, histórias de dores e superação, o sobrenatural e uma vida além dessa finitude. A insatisfação comigo mesma me fez mudar, me sinto mais bonita, mais autêntica e com uma nova oportunidade a cada manhã.

9. Onde e como encontrou força ou coragem para tal mudança, para conquistar seus objetivos? Faria tudo outra vez? Em Deus, em pessoas que me motivaram, na terapia, na literatura, nas orações de Dalva e de outros irmãos da igreja, nos joelhos dos meus pais, no abraço, no amor, nas conversas dos amigos, no amor do marido, nas histórias bíblicas.

10. Alguém em particular lhe deu a mão? Dalvinha. Ela e eu lemos o novo testamento todinho pelo celular, num momento de muita dor pra mim. Muito antes de existir pandemia, nós virtualmente, nos encontramos. Com uma diferença de idade e de mundo. Encontrei nela o espaço do cuidado.

11. Qual é a importância do apoio? A possibilidade de uma nova visão, o entendimento de não estarmos sozinhos, a troca de sorrisos e de lágrimas, as várias histórias que te levam a saber que é possível sobreviver.

12. O que mudaria na sua história? Ter conhecido o amor de Deus mais cedo e confiar mais em mim. Ter lido mais referências que se ajustam comigo. Ter sabido do termo midsize e entendido o limbo-lindo do corpo que tenho. Mas tudo faz parte da história, então, melhor que eu ressignifique os erros, as decepções e virem aprendizado.

13. Por que você participa de movimentos culturais? Atualmente não estou filiada, mas sempre que convidada, participo de palestras e ambientes que ressaltem a cultura.

14. O que desejar alcançar ainda? A vida abundante, a plenitude das escolhas. O não ter tudo, mas ser feliz com cada conquista, com cada passo. Em termos de metas, o término do doutorado, a escrita de, ao menos, um romance. As viagens e fotografias pelo mundo. As amizades mais sinceras. O viver cada vez mais, em contraponto com o que é líquido, com o sobreviver às engrenagens da vida.

15. Que tipo de formação você tem? Sou licenciada em Letras Vernáculas, mestra e doutoranda em estudos linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Fiz também uma especialização em Metodologia da Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela UNINTER/ IBPEX. MBA em Gestão de pessoas, lideranças, carreiras e coaching - PUCRS - Rio Grande do Sul. Tema do trabalho de conclusão: Segurança Para Errar Gera Lucro. Aprovada com nota 9,8. Especialização em Teoria da Psicanálise de Orientação Lacaniana, pela Escola Bahiana de Medicina. Especialização em Administração Hospitalar pela Faculdade São Camilo - São Paulo. Preciso pontuar, que no sexto semestre do curso de Letras, fui bolsista de iniciação científica nos projetos do Núcleo de Estudo do Manuscrito – NEMa – coordenado pela profa. Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz. Falo isso, pois a partir da instrução filológica construída através das leituras e reuniões no núcleo fui alinhando histórias, linguística, memória e literatura. É uma gratidão imensa ter sido fruto do NEMa, pois pude conhecer a filologia como área do saber que nos possibilita conhecer cultura, povos e grupos de povos, através, principalmente, dos textos escritos ao longo do tempo. Atualmente estou maravilhada ao participar de três academias literárias, são elas: a AILB – Academia Internacional de Literatura Brasileira; a AVAL – Academia Virtual de Arte Literária e a AIML – Academia Internacional Mulheres das Letras.

16. Em que você trabalha? Sou professora de Língua Portuguesa e Literatura dos ensinos fundamental anos finais e médio. Mas preciso confessar que minha paixão mesmo é literatura. É o lugar do meu encontro, dos questionamentos, da observação da repetição e dos paradigmas quebrados ao longo do tempo.

17. Você trabalha em alguma entidade filantrópica ou realiza ou apoia algum projeto ou entidade social? Eu trabalho no Colégio Adventista da Bahia, que faz parte de uma rede filantrópica. Me sinto, hoje, feliz em compreender e implantar na minha prática docente os valores socioemocionais alinhados aos princípios e valores cristãos. Há objetos de conhecimentos a serem estudados, há metas e alvos quanto ao ENEM e vestibular, mas também há uma preocupação no tipo de estudante e futuro profissional que estou comprometida em formar.

18. A Educação a arte ou a Literatura ou escrita mudou a sua vida ou pode proporcionar mudanças no homem? Como? A junção de todas elas. Eu acho que o mundo é transcendental e transdisciplinar, então, cada vez que temos acesso à Educação, que estamos abertos à arte, que vivenciamos a Literatura e compreendemos que ela está na vida, nas nossas conversas e que pode ser um jeito de ler a vida, escrevemos uma nova história, ressignificamos o que dói, projetamos novos sonhos e metas. Sei que pode parecer utópico, mas aprendi que na literatura a liberdade é uma ferramenta extremamente acessível.

Sou coautora do livro Passou e Agora? (no prelo). Editora Literare Book. São Paulo.

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