Aurora Revista da Semana do Patrimônio Cultural de AnoISNNPernambuco2525-4006VII[2022]Vol.1 Núm.7 463 GOVERNO DE PERNAMBUCO Secretaria de Cultura
GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Governador | Paulo Câmara Vice-Governador | Luciana Santos SECRETARIA DE CULTURA Secretário de Cultura | Oscar Paes Barreto Secretária Executiva | Adelaíde Suely de Oliveira Chefe de Gabinete | Daniel Ramos Superintendente de Gestão | Manoel Barros Sobrinho Gerente-Geral de Apoio Técnica e Jurídico ao Gabinete | Alexandre de Medeiros Gerente de Territorialidade e Equipamentos Culturais | Sérgio de Souza Cruz Gerente de Planejamento | Eduarda Lippo Gerente de Controle Interno e Compliance | José Severino de Oliveira Gerente de Políticas Culturais | Carlos Renato de Carvalho Gestora de Comunicação | Michelle Assumpção FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO - FUNDARPE Diretor-Presidente | Severino Pessoa dos Santos Vice-Presidente | Lindivaldo Oliveira Leite Júnior Chefe de Gabinete | Patrícia Bandeira Gerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Celia Campos Superintendente de Planejamento e Gestão | Ivany Francisco Júnior Superintendente de Gestão do Funcultura | Aline Oliveira Cordeiro Gerente de Ação Cultural | André Brasileiro Gerente de Produção | Júlio Maia Gerente de Administração e Finanças | Jacilene Oliveira Coordenadora Jurídica | Simone Vasconcelos EQUIPE DA GERÊNCIA GERAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL Ana Cristina Oliveira, Amanda Paraíso, Augusto Paashaus, Celia Campos, Cristiane Feitosa, Débora Nadine, Eva Passavante, Fernando Montenegro, Íkaro Santhiago Câmara, Izabel Paashaus, José Sabino, Júlia Bernardes, Luciana Gama, Marcelo Renan, Maria José Agra, Neide Fernandes, Nilson Cordeiro, Raphaela Rezende, Renata Echeverria Martins, Roberto Carneiro, Rosa Bomfim, Suzana Santos REVISTA DA SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO. Recife: FUNDARPE, v.1, n.7. 2022. 131 p. 1.ISSNAnual2525-4006PATRIMÔNIO CULTURAL. 2. 14ª SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL. CDD 363.69 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco RenataEDITORAEcheverria Martins TEXTOS DO GIRO Eva FundaçãoTodosÍkaroEPROJETOPassavanteGRÁFICODIAGRAMAÇÃOSanthiagoCâmaraosdireitosreservados.doPatrimônioHistórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe Rua da Aurora, 463 - Boa VistaRecife/PE - CEP: 50.050-000 [81] 3184.3000preservacao@fundarpe.pe.gov.brwww.cultura.pe.gov.br/patrimonio3184.3061CapaEstaçãoFerroviáriadePaudalhoFoto:HéliaScheppaEstaçãoFerroviáriadeCarpinaFonte:AsFerroviasdoBrasildeCarlosCornejoeJoãoE.Gerodetti(2005)
2022FundarpeRecife Revista da Semana do Patrimônio Cultural de AnoPernambucoIII[2022]Vol.1 Núm.7 Aurora 463
ARELATOSEDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO RODA DE CONVERSA: VENCEDORES DO PRÊMIO AYRTON DE ALMEIDA CARVALHO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO André Luiz Rocha Lívia Moraes e Silva 3730 GIRO NO PATRIMÔNIO Brincar com o patrimônio Experimentar o patrimônio Interpretar o patrimônio Pensar o patrimônio 20222426 SUMÁRIO APRESENTAÇÃOESCUTA,EDITORIALPATRIMÔNIO! Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco Renata Echeverria Martins Renata Echeverria Martins 14108 Secretaria de Cultura de Pernambuco CAMPANHA ESCUTA, PATRIMÔNIO
A IMPORTÂNCIA DO MUSEU DO TREM PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO André Luiz Rocha Cardoso Diogo Antônio Rodrigues Milfont 62 Eduardo Romero de Oliveira Estephanny Millena de Almeida Ribeiro PARA UMA ÉTICA DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL FERROVIÁRIO: ENSAIO SOBRE OS VALORES ÉTICOS ALEGADOS NA PRESERVAÇÃO E REÚSO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL DO TRANSPORTE PATRIMÔNIO DE FÉ: DECLARAÇÃO DE SIGNIFICÂNCIA CULTURAL DA CAPELA DE SÃO SEBASTIÃO, EM RIACHO DAS ALMAS - PE Isadora Teotônio de Melo Pedro Henrique Cabral Valadares Stephanie Rocha de Araújo PROSPECÇÃO DE CENÁRIOS NO CENTRO HISTÓRICO DO RECIFE: UMA ABORDAGEM ANALÍTICA E CRIATIVA SOBRE O FUTURO DA PAISAGEM NA ZEPH 10 8771114101UM PATRIMÔNIO PARA ALÉM DE UM SÍTIO HISTÓRICO: ARQUITETURA MODERNA EM OLINDA-PE ARTIGOS ACADÊMICOS Alberto Luiz dos Santos Mariana Kimie da Silva Nito João Lorandi Demarchi Ana Paula Itocazo Soida 44 TRILHANDO REFERÊNCIAS CULTURAIS DE UM PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: REPENSAR A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E A VALORIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NA ESTAÇÃO CAMPO GRANDE
Gare | Estação Central Capiba - Museu do Trem Foto: Raphaela Rezende - Fundarpe
Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 7 APRESENTAÇÃO
8 Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 APRESENTAÇÃO
Com a missão de sensibilizar, provocar e convocar a sociedade para participar da preservação dos bens culturais pernambucanos, em toda a sua diversidade e repletos de articulações simbólicas, as ações foram realizadas em 21 municípios pernambucanos: Afrânio, Água Preta, Arcoverde, Belém de São Francisco, Belo Jardim, Brejo da Madre de Deus, Cabo de Santo Agostinho, Caruaru, Carpina, Condado, Floresta, Ilha de Itamaracá, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca, Limoeiro, Olinda, Nazaré da Mata, Paudalho, Recife, Santa Maria da Boa Vista e São Joaquim do Monte.
Mais uma vez, por conta da pandemia, a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi totalmente realizada em plataformas digitais, por meio das redes sociais @culturape, canal no Youtube da Secult-PE/Fundarpe (youtube. com/secultpe) e no Portal Cultura.PE (www.cultura.pe.gov.br). Um desafio que foi vencido com êxito mais uma vez, contabilizando, entre participação e visualizações, milhares de envolvidos.
A edição de 2021 da Semana do Patrimônio deixou um aprendizado: a necessidade, cada vez maior, de ampliarmos os nossos encontros, mesmo que não sejam presenciais. Por isso, a proposta foi de reunir estudantes, pesquisadores, gestores municipais, fazedores de cultura e todos os cidadãos que valorizem a temática da preservação do patrimônio cultural em torno deste grande evento.
Vale destacar também o corpo de parceiros envolvidos nessa ação, que possibilitou uma maior descentralização e alcance das atividades, possibilitando uma rica conexão das reflexões e debates, envolvendo a Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Considerado um dos eventos mais importantes do calendário estadual voltados para a discussão sobre preservação de nossa identidade, a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, promovida pela Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), chegou à sua 14ª edição entre os dias 16 a 24 de agosto de 2021. Desta vez, a Semana trouxe o tema “Estações do Patrimônio: Redes, Memórias e Afetos”, apresentando importantes debates sobre conexões, lembranças e preservação.
Um dos principais momentos da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco aconteceu no Dia Nacional do Patrimônio Histórico, 17 de agosto, quando foram anunciados os vencedores da 6ª Edição do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco e anúncio dos seis novos Patrimônios Vivos, que foram diplomados juntamente aos seis que foram registrados em 2020.
Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 Secretaria de Cultura de Pernambuco Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
maciça participação de gestores, produtores culturais, pesquisadores e outros interessados, atingindo todas as regiões de Pernambuco. Com esse corpo de envolvidos e por meio das atividades realizadas na internet, foi possível reunir muita gente em todos os encontros.
Neste mesmo dia, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, anunciou um projeto de lei, já sancionado, ampliando de seis para dez o número de bolsas anuais para o edital do Registro do Patrimônio Vivo de Pernambuco.
Nesse sentido, a edição da Revista Aurora 463 busca apresentar um olhar geral sobre os encontros realizados durante a 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, de forma que as conexões e memórias permaneçam vivas e à disposição da sociedade, reforçando todos os conteúdos sobre a preservação dos nossos bens culturais que foram apresentados à sociedade Secretaria de Cultura de Pernambuco
Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco 9
Estas e outras conquistas da Semana do Patrimônio Cultural reforçam sua força e capacidade de reinvenção diante das adversidades que o momento de isolamento social exigiu. Isso se reflete no número de edições, cidades e parceiros envolvidos ao longo de sua história, demonstrando um caminhar unido e em conjunto numa direção pelos que defendem a preservação do nosso patrimônio cultural.
A 7ª Edição da Revista Aurora 463 é mais um registro do desafio de termos realizado a programação da 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco em plataformas digitais. A pandemia, provocada pela Covid-19, impôs restrições e transformou os nossos hábitos de sociabilidade, mas o aprendizado foi estarmos juntos, mesmo que distantes. As atividades relatadas nesta publicação são a mostra de que cumprimos, mais uma vez, o nosso propósito: brincar, experimentar, pensar e interpretar o patrimônio cultural de Pernambuco em suas múltiplas possibilidades e nos mais diversos territórios de nosso Estado.
10EDITORIAL
A temática da preservação do nosso Patrimônio Ferroviário está presente em todas as seções da Revista: Giro no Patrimônio, Relatos e Artigos Acadêmicos A matéria de destaque desta edição é sobre a campanha - Escuta, Patrimônio: Estações, Memórias e Afetos, lançada nas redes sociais da Secult/Fundarpe. A iniciativa mobilizou antigos usuários e funcionários das estações localizadas nos municípios do Cabo de Santo Agostinho, Moreno e Recife. Confira no texto os depoimentos afetivos dos participantes da série de vídeos transmitidos no canal do Youtube da Secult-PE/Fundarpe.
Entre os artigos acadêmicos destacamos o do Prof. Dr. (UNESP) Eduardo Romero de Oliveira, conferencista de abertura da 14ª Semana do Patrimônio, sobre a ética do patrimônio ferroviário, com ênfase para o reúso e a contribuição desses equipamentos para o legado do transporte no mundo. O leitor também pode conferir dissertações sobre: a significância cultural da Capela de São Sebastião, em Riacho das Almas - PE, da Arquiteta e Urbanista Estephanny Millena de Almeida Ribeiro, formada pelo Centro Universitário UniFavip; a prospecção de cenários no centro histórico do Recife, por meio de uma abordagem analítica sobre o futuro da paisagem na ZEPH 10, de Isadora Teotônio de Melo, Arquiteta e Urbanista formada pela na UFPE; um ensaio sobre a arquitetura moderna em Olinda, escrito pelo Arquiteto e Urbanista Pedro Henrique Cabral Valadares e a estudante de arquitetura da Faculdade Damas, Stephanie Rocha de Araújo; Trilhando referências culturais de um patrimônio industrial: repensar a educação patrimonial e a valorização do território na Estação Campo Grande, dos pesquisadores: Alberto Luiz dos Santos, Mariana Kimie da Silva Nito, João Lorandi Demarchi e Ana Paula Itocazo Soida, e ainda; A Importância do Museu do Trem para a Preservação do
EDITORIAL
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Renata Echeverria Martins 11
Já a seção Giro no Patrimônio traz um passeio virtual pelas diversas atividades propostas pela Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural - GGPPC, Fundarpe e parceiros. Registramos atividades remotas em mais de 20 municípios pernambucanos. Com destaque para os webnários: Ressignificações dos patrimônios: novos usos e novos afetos e Patrimônio Ferroviário: métodos e instrumentos para a preservação. No eixo Brincar com o Patrimônio, a programação virtual promoveu também atividades lúdicas, com direito a roda de capoeira e bate papo informal por meio das transmissões das lives - Conexão Patrimônio, sobre cinema, arquitetura e designer.
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Patrimônio Ferroviário de Pernambuco, de André Luiz Rocha Cardoso e Diogo Antônio Rodrigues Milfont.
O Relato sobre a 6ª edição do Seminário de Educação Patrimonial faz um resumo detalhado da ação, que teve como tema - “Lugares de memória e Educação: diálogos para a preservação do Patrimônio Ferroviário”, contribuindo para a difusão do patrimônio ferroviário pernambucano e abrindo um importante espaço para o debate sobre as possibilidades e ferramentas para garantir a sua preservação. O Relato da “Roda de Conversa: Vencedores do prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco”, realizado pela historiadora do IPHAN Lívia Moraes e Silva, detalha a atividade que aconteceu de forma virtual e possibilitou a participação efetiva de produtores das demais macrorregiões do estado, para além da Região Metropolitana do Recife. A leitura permitirá um conhecimento detalhado dos projetos premiados no ano passado.
Enfim, a 7ª Edição da Revista Aurora 463 é mais um registro das memórias e dos afetos que mobilizaram milhares de pessoas comprometidas com a preservação e a salvaguarda do patrimônio cultural de Pernambuco e a diversidade cultural de nosso Estado. Boa leitura! Renata Echeverria Martins Jornalista e Coordenadora da Semana do Patrimônio
Antiga Estação Ferroviária de Fonte:CaruaruFundaj
Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 PATRIMÔNIO!ESCUTA,
Produzimos pequenos vídeos a partir dos depoimentos sobre as memórias afetivas dos bens que compõem a Rede Ferroviária de Pernambuco. Profissionais da Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural - GGPPC/Fundarpe e da Gerência de Comunicação da Secult/Fundarpe, trabalharam na captação das imagens e testemunhos dos antigos usuários e funcionários das estações localizadas nos municípios do Cabo de Santo Agostinho, Moreno e Recife. Técnicos e usuários dos três equipamentos, Cabo de Santo Agostinho, Moreno e Recife revelaram interessantes e curiosas histórias vividas nas plataformas dos trens.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 14ESCUTA, PATRIMÕNIO! CAMPANHA ESCUTA, PATRIMÔNIO! Renata Echeverria Martins
Entre as atividades da 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi realizada a campanha audiovisual - Escuta, Patrimônio: Estações, Memórias e Afetos. A ideia foi instigar a população a responder as perguntas: qual a importância das Estações Ferroviárias nas cidades? Qual a relação da comunidade com o trem? O que pode ser feito para manter viva a memória dos trens e das estações ferroviárias em Pernambuco? Recebemos contribuições dos moradores de Afogados da Ingazeira, Afrânio e Caruaru, além do Cabo de Santo Agostinho, Moreno e Recife.
Figura 1 - Abertura da Campanha Escuta Patrimônio Foto: YouTube SecultPe
Fizeram também um resgate da memória do nosso patrimônio ferroviário. A campanha, Escuta, Patrimônio: Estações, Memórias e Afetos foi lançada nas redes sociais: os mini vídeos produzidos puderam ser vistos no Instagram e Youtube da Secult/PE. Com pouco mais de um minuto cada, os depoimentos começaram a ser exibidos antes do início da 14ª Semana, realizada de 16 a 24 de agosto de 2021. Registramos a Estação Central Capiba, no Recife; a Estação Ferroviária do munícipio de Moreno e a do Cabo de Santo Agostinho. A Campanha resgatou histórias da população sobre os trens, as linhas, as chegadas e as partidas, nas plataformas ferroviárias de nosso Estado.
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No primeiro episódio da Campanha, o Coordenador do Educativo da Estação Central Capiba - Museu do Trem, André Cardoso, revelou que o espaço da estação é um rico difusor de conhecimento: “Por meio dos seus traços arquitetônicos e pelas memórias às quais está ligado, o local tem forte relação afetiva com a população recifense”, disse ele. O aposentado Waldomiro Alves, que trabalhava na antiga Estação Central consertando locomotivas, revelou uma curiosidade: os passageiros podiam optar por bilhetes de primeira classe ou os de segunda classe.
Figura 2 - Episódio 1 - Estação Central Capiba - Museu do Trem Foto: YouTube SecultPe Figura 3 - Episódio 1 - Estação Central Capiba - Museu do Trem Foto: YouTube SecultPe
Figura 4 - Episódio 2 - Estação de Moreno Foto: YouTube SecultPe Figura 5 - Episódio 3 - Estação do Cabo de Santo Agostinho Foto: YouTube SecultPe
“Na época, não havia no distrito de Prazeres uma estação, por isso, o trem diminuía a velocidade, quase parando, ele não parava totalmente. Nós descíamos do trem ainda em movimento para poder chegar ao ambiente de trabalho”, recorda. De acordo com a arquiteta da prefeitura, a estação de Moreno se transformará em um museu para contar a história da cidade.
No terceiro episódio da série de vídeos sobre as estações trouxemos depoimentos do supervisor Otacílio Júnior, funcionário do equipamento desde 1985. Também registra a participação das estudantes Bruna e Yasmin. Elas elogiam o trem como um excelente meio de transporte! A estação do cabo de Santo Agostinho compõem o complexo ferroviário do Estado, sendo uma das poucas, senão a única, que mantém uso para o qual foi construída. Para seu Otacílio, um motivo de orgulho: “A gente ainda está de pé com esse patrimônio, cuidando, cuidando com muito carinho. É um amor enorme. São 37 anos aqui”, confessa emocionado.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 ESCUTA,16 PATRIMÕNIO!
Segundo Elissandra Magalhães, arquiteta da prefeitura de Moreno, foi a partir da estação de trem que o município surgiu: “Ela é o cartão de visita da cidade, quando a gente entra no município a gente sai aqui, na frente dela”, declarou. O professor João Pereira, também ouvido no vídeo, chegou a utilizar o trem como meio de transporte.
YouTube
Figura 6 - Imagens
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Todos os vídeos da campanha Escuta Patrimônio: Estações, Memórias e Afetos estão disponíveis no canal do Youtube da Secult-PE/Fundarpe e contabilizaram, até o mês de maio de 2022, mais de três mil visualizações. A Campanha cumpriu com o principal objetivo do projeto: resgatar as memórias afetivas dos bens que compõem a Rede Ferroviária de Pernambuco do antigo “Trem do Forró” de Caruaru-PE Foto: SecultPe
Ponte Ferroviária do Distrito de Ipanema Foto: Débora Nadine - Fundarpe
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Live Conexão Patrimônio: Audiovisual Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
LivePEConexão
Live Conexão Patrimônio: Design Foto: Acervo Fundarpe/Secult
Patrimônio: Arquitetura Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 20 Nos dias 16, 17 e 19 de agosto, no canal do Youtube da Secult/Fundarpe, a jornalista e gestora da Fundarpe, Renata Echeverria Martins, recebeu o arquiteto Bruno Ferraz para falar sobre o projeto Retrofit - Moinho Recife; o professor e pesquisador Paulo Cunha, consultor da Cinemateca Pernambucana/ Fundaj; e a designer Joana Lira, abordando a importância do patrimônio pernambucano na identidade visual dos seus trabalhos. As Lives “Conexão Patrimônio” ainda podem ser vistas no https://www.youtube.com/user/SecultPE. COMBRINCAROPATRIMÔNIO
Com o objetivo de estabelecer um processo mais participativo entre o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural - CEPPC e a Sociedade Civil em busca do fortalecimento da valorização e preservação dos Bens Culturais Imateriais do Estado de Pernambuco, aconteceu no dia 27 de agosto de 2021 o Fórum Pernambucano do Patrimônio Imaterial, contando com a participação de Marcelo Renan (FUNDARPE), Giorge Bessoni (IPHAN) e Eduardo França (TCE), sob mediação da conselheira do CEPPC, Mônica Siqueira.
Forúm Pernambucano do Patrimônio Imaterial Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE (Re)pensando e compartilhando ações-reflexões-novas ações de salvaguarda da capoeira Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
No dia 20 de agosto foi a vez de (re)pensar e compartilhar ações de salvaguarda da capoeira, com mediação do contramestre Henrique Kohl “Tchê”, participação de diversos outros mestres referências da capoeira de Pernambuco e Santa Catarina, além de representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN). A ação ainda pode ser vista através do link youtube.com/watch?v=4NRjtRlCy6ohttps://www.
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Estação Central - Museu do Trem - Recife PE Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE Antiga Estação Ferroviária de Afrânio Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
Ponte Ferroviária do Distrito de Ipanema Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
Entre os dias 16 e 24 de agosto, no @culturape, instagram oficial da Secult-PE/Fundarpe, através de uma série postagens, fizemos um passeio pelo Patrimônio Ferroviário do nosso Estado. “Pegamos o trem” e passeamos por 37 municípios conhecendo vários elementos ferroviários como as Estações, Caixas D’água, Armazéns, Diques, além de túneis, pontes e pontilhões.
TacaimbódeFerroviáriaEstaçãoAntiga PEFundarpe/SecultAcervoFoto:
Canhotinhodeferrpoviárioconjuntodod’águaCaixa PEFundarpe/SecultAcervoFoto:
OEXPERIMENTARPATRIMÔNIO
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Nos dias 18 de agosto e 02 de setembro de 2021, o público pôde conhecer algumas obras e projetos de conservação e restauro, concluídos ou em andamento, no Estado de Pernambuco, por meio de pequenos vídeos lançados no youtube da SecultPE. Entre eles: Obra de Recuperação da Igreja Matriz de São José; Restauro da Igreja de N. Sra. da Conceição dos Militares e do Museu Regional de Olinda, além do Projeto de Revitalização da Estação Ferroviária de Afogados da Ingazeira, os vídeos podem ser vistos no www.youtube.com/SecultPE.
Nos dias 23 e 24 de agosto aconteceu, de forma remota com transmissão pelo Youtube, o 1º Encontro com Gestores sobre o Patrimônio Ferroviário de Pernambuco, que reuniu representantes municipais para dialogar sobre a preservação dos bens culturais do nosso estado. A equipe da Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural da Fundarpe apresentou as Políticas Estaduais de Patrimônio e promoveu escuta acerca do Patrimônio Ferroviário. Estiveram presentes os municípios de Recife, Paudalho, Gravatá, Escada, Bezerros, Arcoverde, Carnaíba e Salgueiro.
1º Encontro com Gestores sobre o Patrimônio Ferroviário de Pernambuco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE
JoséSãodeMatrizIgrejadaRestauração Fundarpe/SecultPEAcervoFoto: MUREO-OlindadeRegionalMuseu Fundarpe/SecultPEAcervoFoto:
MilitaresdosConceiçãodeSenhoraNossadeIgrejadaRestauração Fundarpe/SecultPEAcervoFoto:
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Com o objetivo de reunir instituições inseridas no território pernambucano para apresentar suas propostas e compromissos com a preservação e conservação do Patrimônio Cultural no Estado, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco promoveu no dia 18 de agosto de 2021, o I Encontro de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Pernambucano, transmitido através do youtube. Participaram representantes da AMUPE, do TCE, da CPRH, do CREA, SEMAS, IPHAN, DPPC, IAHGP, dentre outros. Entre os dias 18 e 24 de agosto a Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco nos levou para uma Exposição Virtual das Ferrovias Históricas na sua página do Instagram e Facebook! Foram selecionadas diversas obras com a temática, advindas do acervo de Obras Raras, da Coleção Pernambucana e do Acervo Iconográfico da Biblioteca.
Exposição Virtual das Ferrovias Históricas Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
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Exposição Virtual das Ferrovias Históricas Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
Exposição Virtual das Ferrovias Históricas Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
Exposição Virtual das Ferrovias Históricas Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
“Parteiras Tradicionais e Patrimônios” Foto: Acervo Fundarpe/Secult PE
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Em mais um ano promovemos o Encontro - Reflexões acadêmicas sobre o patrimônio cultural: produção dos cursos de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco. Durante a manhã do dia 21 de agosto de 2021, os alunos, professores e público participante se encontram numa sala de Google Meet, com transmissão pelo YouTube, para ver os trabalhos produzidos por estudantes de instituições que têm disciplinas ligadas à preservação e a conservação do Patrimônio construído.Participaram estudantes das seguintes instituições: ESUDA, UNICAP, UNIFAVIP, UNINASSAU e UFPE. O encontro ainda pode ser assistido através do youtube da Secult/PE. Reflexões acadêmicas sobre o Patrimônio Cultural: Produção dos cursos de Arquitetura e Urbanismo de PE Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE
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No dia 17 de agosto aconteceu o Webnário - Experiências de Inventários do Patrimônio Imaterial, com o objetivo de colaborar com o debate sobre a preservação integrada do patrimônio cultural, abordando as diferentes possibilidades de identificação e reconhecimento dos bens culturais de natureza imaterial e de sua salvaguarda integrada a bens materiais e ao território de atuação dos detentores. O webnário ainda pode ser visto no youtube da Secult/PE.
Webnário - Experiências de Inventários do Patrimônio Imaterial Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE
ilhadapatrimôniosdosrotaNa Fundarpe/SecultPEAcervoFoto: Webnário - Experiências de Inventários do Patrimônio Imaterial Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE
Conferência de Abertura da 14ª Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE
No dia 16 de agosto, com o objetivo de abrir a 14ª Semana do Patrimônio com o tema do Patrimônio Ferroviário, convidamos o Prof. Dr. Eduardo Romero de Oliveira, Historiador e Dr. em Filosofia, que proferiu uma palestra sobre patrimônio cultural e direitos humanos, uma reflexão única, com o título: Ética humanista do Patrimônio Cultural.
Participaram do debate Maria Emília Lopes (IPHAN/PE), Breno Borges (Doutorando pela Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa) e Toni Zagato (UPPH/ Condephaat), com mediação de Cristiane Feitosa (GGPPC/Fundarpe). A fim de provocar reflexões a respeito dos Patrimônios Material e Imaterial de uma sociedade, o historiador e antropólogo Eduardo Sarmento e a designer e gestora Renata Gamelo trouxeram reflexões e experiências acerca do tema por meio das memórias, redes, afetos e antigas e novas utilizações de diferentes bens patrimoniais, no Webnário Ressignificações do Patrimônio: novos usos e novos afetos, que aconteceu no dia 23 de agosto de 2021 e ainda pode ser visto no youtube da Secult/PE.
preservaçãoaparainstrumentosemétodosFerroviário:Patrimônio-Webnário Fundarpe/SecultPEAcervoFoto:
Webário - Ressignificações do Patrimônio: novos usos e novos afetos Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE 27 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022
Webário - Ressignificações do Patrimônio: novos usos e novos afetos Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE
O Webnário “Patrimônio Ferroviário: métodos e instrumentos para a preservação” aconteceu no dia 18 de agosto de 2021, objetivando discutir os métodos de identificação, valoração e preservação do patrimônio ferroviário, através de uma abordagem conceitual, análise de práticas e estratégias futuras.
II Exposição de Ferromodelismo no Museu do Trem Foto: Rodrigo Ramos/Secult-PE
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Em mais uma edição, o Seminário de Educação Patrimonial foi bastante enriquecedor. No ano de 2021, em sua 6ª edição compondo a programação da 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco organizada pela Fundarpe, o evento proporcionou novamente uma experiência bastante proveitosa de trocas e aprendizado, contribuindo dessa vez para a difusão do patrimônio ferroviário pernambucano e abrindo um importante espaço para o debate sobre as possibilidades e ferramentas para garantir a sua preservação de forma democrática através da educação
Trazendopatrimonial.como tema central “Estações do Patrimônio: Redes, Memórias e Afetos”, a 14ª Semana do Patrimônio deu um enfoque especial ao patrimônio ferroviário que, diante de sua amplitude e complexidade, exige discussões que tomem por base a interdisciplinaridade de modo a alcançar a pluralidade de significados que o mesmo carrega. Dessa forma, o VI Seminário de Educação Patrimonial, intitulado “Lugares de memória e Educação: diálogos para preservação do Patrimônio Ferroviário” configurou-se como uma iniciativa de grande importância ao passo que buscou levar para as salas de aula do estado reflexões voltadas aos bens culturais ligados à ferrovia em Pernambuco, uma vez que o público alvo do evento foram os professores da Rede Estadual de Ensino.
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A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO
E essa proposta, de contribuir com a formação continuada dos professores, tem uma importância fundamental. Considerando que a preservação do patrimônio cultural precisa ser realizada de forma inclusiva, democrática e que esta missão não é exclusiva do Estado, mas que deve ser realizada por toda a população, o caminho da educação patrimonial se coloca como essencial para que a seleção e a proteção dos bens patrimoniais possa ser completa. Dessa forma, enquanto palestrante nos dois dias do seminário, pude trazer algumas contribuições ao falar sobre os espaços da memória ferroviária pernambucana e as possibilidades de sua utilização como locais para a prática educativa. Também foi possível trazer ao público um pouco das experiências e resultados obtidos com a educação para e pelo patrimônio ferroviário no Museu do Trem do Recife e através das ações da ONG Movimento Nacional Amigos do Trem em NestaPernambuco.oportunidade, elogio a condução dos debates por Amanda Paraíso nos dois dias do evento, assim como os debatedores Nilson Cordeiro e Fernando Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 30
André Luiz Rocha Cardoso Montenegro por suas colocações. Elogio ainda as brilhantes participações da companheira de luta pelo patrimônio ferroviário Alice Bemvenuti, diretora do Museu do Trem de São Leopoldo-RS que esteve participando do primeiro dia e o arquiteto Eduardo Freitas, participante do segundo dia de evento e que realizou um excelente trabalho no município de Paudalho-PE pelo patrimônio cultural. No primeiro dia, pude falar um pouco sobre onde está e o que é o tão falado patrimônio ferroviário de Pernambuco. É possível sintetizar que o mesmo teve origem na malha ferroviária operada pela antiga Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). Criada em 1957, a companhia estatal passou a gerenciar a Rede Ferroviária do Nordeste (RFN), formada pelas linhas que estiveram sob o comando da antiga Great Western of Brazil Railway (GWBR) até o ano de 1950. As linhas formadoras dessa rede foram construídas por diferentes companhias a partir da década de 1850, dentre as quais está a Recife and São Francisco Railway, segunda ferrovia aberta no Brasil. No início do século XX foram unificadas sob o comando da GWBR1. As mencionadas linhas são: a Linha Tronco Norte e o Ramal de Bom Jardim; a Linha Tronco Centro e suas conexões e a Linha Tronco Sul e seus ramais para Cortês, Barreiros e Garanhuns; além do trecho da Estrada de Ferro Paulo Afonso e da Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro (entre Petrolina e Afrânio que não integrava a RFN, mas foi administrada pela RFFSA posteriormente), que cruzam o solo pernambucano, mesmo tendo seus pontos iniciais em outros estados. Ao longo dessas estradas de ferro, que totalizam mais de 1.000 km, foi edificada uma estrutura complexa que inclui, além das vias férreas, estações, armazéns, residências, escritórios, oficinas, garagens, obras de arte especiais (túneis, pontes, viadutos, etc), dentre outros elementos necessários à operação do transporte de passageiros e cargas. São esses os elementos edificados que compõem o patrimônio ferroviário de Pernambuco, somados aos objetos, ferramentas, indumentária e utensílios, material rodante (os veículos ferroviários) e acervo documental e iconográfico resultante dos processos de operação, manutenção e administração das linhas. São estes os elementos materiais do patrimônio ferroviário de Pernambuco. Mas, sozinhos eles não têm sentido. Eles ganham sentido quando inseridos em seu contexto operacional de outrora, a partir da compreensão dos processos que giram em torno do transporte sobre trilhos. Assim, ao lado destes elementos materiais - se é que podemos isolar material e imaterial, como bem colocou o professor Ulpiano
1 CARDOSO, André Luiz Rocha. Usos, Preservação e Patrimonialização das Estações Ferroviárias de Pernambuco. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós Graduação em História Social da Cultura Regional, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, p. 141, 2021. 31Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022
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E assim temos um patrimônio rico e complexo que está enraizado na sociedade, mesmo que passe despercebido e seja ameaçado pela falta de sensibilidade e pela ausência de um planejamento urbano adequado em muitos municípios. Assim, é necessário que se realizem práticas educativas que objetivem sua preservação e também que possam tomá-lo como ferramenta para compreensão da realidade social.
RELATOS
2 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do Patrimônio Cultural: uma revisão de premissas In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 1., 2009, Ouro Preto. Anais...Brasília: IPHAN, 2012. v. 2, t. 1, p. 25-39. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/4%20-%20 MENESES.pdf >. Acesso: 02 de junho de 2022 Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 32
Que seja objeto e meio ou ferramenta para os processos educativos, considerando a pluralidade da memória ferroviária expressada nas relações da população com o patrimônio dos trilhos.
Figura 1 - Elementos do patrimônio ferroviário pernambucano Fotos: André Cardoso
Toledo de Meneses2 - estão as vidas que trabalham ou que trabalharam na ferrovia, os passageiros, comerciantes, observadores, entusiastas. Enfim, as vidas que direta ou indiretamente influenciaram ou foram influenciadas pelo trem de ferro. É desse jogo de relações, que inclui ainda as transformações espaciais nos meios urbano e rural, os impactos sociais e culturais mais diversos, a partir do que se atribuem os sentidos e valores ao patrimônio ferroviário.
Obviamente, a partir do que se apresenta, o museu não é o único espaço da memória ferroviária, mas tem grande importância por sistematizar todo um conhecimento e comunicar através de uma determinada curadoria e proposta educativa caminhos para a compreensão da memória e do patrimônio ferroviário.
Assim, apresentei o Museu do Trem do Recife como um espaço importante para a prática educativa e que pode estar presente desde a formação docente e então, ao ser compreendido como ferramenta, ser inserido e utilizado como parceiro da escola. Não como uma extensão da sala de aula ou mesmo como uma ilustração do que se viu, mas como uma experiência não formal que vem a se somar com o
André Luiz Rocha Cardoso aprendizado escolar, contribuindo para a formação de um cidadão crítico que questiona as desigualdades sociais e os problemas na mobilidade urbana que ainda é projetada priorizando erroneamente o transporte rodoviário; que reflita sobre os diferentes processos de produção do espaço e seus conflitos e, enfim, que preze pelo coletivo, por um posicionamento democrático e pelo bem estar social. Por fim, no primeiro dia do evento, pude apresentar quais outros espaços da memória ferroviária pernambucana que também podem ser inseridos na prática educativa. Seriam estes os pátios ferroviários, trechos de linhas, as obras de arte especiais, as vilas, oficinas e seus elementos, os quais estão presentes no meio urbano de dezenas de municípios pernambucanos. E mesmo aqueles que não possuem estes elementos podem acessar os espaços “não físicos” da memória ferroviária, tais quais as pesquisas e fontes históricas, os relatos, etc.
No segundo dia do evento foi possível apresentar exemplos práticos do que foi tratado no dia anterior, onde pontuei algumas experiências que pude desenvolver junto às equipes do Museu do Trem do Recife e nas ações da ONG Amigos do Trem, utilizando o patrimônio ferroviário como meio e fim das práticas educativas. De início apresentei as experiências do Museu do Trem com a sua visita mediada que, ao longo da exposição de longa duração “Chegada e partida: A memória do trem em Pernambuco” vai descortinando para o público novas descobertas por cada sala. O percurso dura cerca de 50 minutos e aborda questões que vão desde a formação da malha ferroviária do estado às relações de trabalho e suas transformações com a chegada da ferrovia, questões ambientais, expansão das cidades, dentre outros. Em meio ao percurso, a partir do acervo que se compõe
Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 33 Figura 2 - Visita mediada ao Museu do Trem Foto: Museu do Trem
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Completando as visitas mediadas e também sendo acionadas de forma independente em alguns eventos, estão os jogos didáticos promovidos pela equipe de Ação Educativa do Museu do Trem. A proposta dessas atividades é levar o público a brincar com o patrimônio, sem restrição de idade. Adultos, crianças de diferentes formações participam de jogos como o Chegada e Partida, a Palavra-cruzada e o Jogo da memória. Todas essas atividades foram desenvolvidas no Museu a partir do conteúdo trabalhado e contribuem bastante para o aprendizado de quem participa delas.
Além disso, o Museu do Trem também é palco de oficinas de conservação de acervo, de educação patrimonial, além de apresentações culturais em diálogo com outras linguagens como a música e o teatro. Todas essas ações são de grande importância para o Museu, servindo como ferramentas para garantir o cumprimento de sua missão principal que é a de preservar o patrimônio ferroviário e educar a partir dele. Mas então chegamos à pandemia. Assim como vários outros equipamentos culturais, o Museu do Trem do Recife precisou fechar as portas como medida de redução dos contágios pelo Novo Coronavírus. Todas as atividades acima mencionadas ficaram impossibilitadas de serem realizadas. E esse desafio acabou impulsionando o equipamento cultural a se reinventar e a olhar mais para o meio virtual. Nos primeiros Figura 3 - Edição do #ConversaFerroviária durante a 14ª Semana do Patrimônio, com a convidada Cleide Alves, jornalista Foto: Canal do Museu do Trem no YouTube
por peças reunidas a partir da cessão da própria RFFSA e pela doação de antigos funcionários e seus familiares, consideramos também os relatos e memórias de quem visita o Museu e conversa com a equipe de ação educativa, contribuindo para o aperfeiçoamento de nossa abordagem.
A partir disso o Museu passou a realizar toda a sua programação de forma virtual, mantendo-se firme e ativo ao longo dos períodos de fechamento, fidelizando e atraindo novos públicos. E deu tão certo que agora o meio digital ganhou mais atenção e, mesmo com a reabertura posterior, as redes sociais tornaram-se um campo fértil para a realização das atividades do Museu do Trem e assim permanecem. Dentre as ações virtuais promovidas pelo Museu do Trem, destaquei três: O projeto #ConversaFerroviária, a série semanal de posts #PatrimônioNosTrilhos e a Mediação Virtual.
As ações da ONG Amigos do Trem pela educação patrimonial também foram apresentadas, com destaque para a caminhada “Nos Trilhos da História”. A aventura que se transformou em uma aula a céu aberto a princípio consistia em uma caminhada exploratória realizada por entusiastas da ferrovia ao longo de trechos das antigas linhas de Pernambuco com muitos quilômetros de extensão, durando em muitos casos o dia inteiro. Em 2013, a ONG Amigos do Trem aproveitou a iniciativa e fez uma adaptação, tornando a mesma acessível a outros públicos e atribuindo-lhe um caráter mais educativo. Foi então criado o projeto da caminhada “Nos Trilhos da História”.
O projeto foi realizado em 6 edições, entre 2013 e 2017, levando o público a percorrer os trechos: Estação do Cabo - Túnel do Pavão (Linha Sul), CarpinaPaudalho (Linha Norte), Paudalho - São Severino dos Ramos (Linha Norte), Serra das Russas em Gravatá (Linha Centro) e novamente o trecho Carpina - Paudalho (Linha Norte). Os trajetos tiveram sua quilometragem reduzida e, no início, durante
André Luiz Rocha Cardoso 35 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 momentos do fechamento a experiência foi de entender tudo que estava acontecendo e pensar o que poderia ser feito, estudando os meios disponíveis, as experiências que já estavam sendo postas em prática por outros equipamentos culturais mundo afora e as nossas perspectivas de alcance das ações.
A série #PatrimônioNosTrilhos traz posts semanais no Facebook e Instagram do Museu do Trem sobre os elementos que compõem o patrimônio ferroviário de Pernambuco, com informações de sua história e atual estado de conservação, contribuindo para que a população conheça melhor esse patrimônio. Por fim, a mediação virtual propõe, através de videoconferência, um encontro dos grupos de instituições de ensino com nossos mediadores, onde é realizada uma apresentação de nosso conteúdo, de forma semelhante à mediação presencial.
A #ConversaFerroviária é um projeto de lives realizado através do Canal do Museu do Trem no YouTube e que conta com a participação de diferentes convidados para debater temas relacionados à ferrovia, ao patrimônio ferroviário e ao Museu do Trem.
e ao final do percurso, representantes da ONG faziam algumas explanações sobre a história da ferrovia, sua importância e a relação com os lugares cortados.
André Luiz Rocha Cardoso 3 3 André Luiz Rocha Cardoso é Coordenador de Ação Educativa do Museu do Trem do Recife. Graduado em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), é Mestre em História Social da Cultura Regional também pela UFRPE e atua voluntariamente como Diretor Regional da ONG Movimento Nacional Amigos do Trem em Pernambuco.
Por fim, concluo que ao longo dos dois dias do Seminário de Educação Patrimonial as questões colocadas pelo público e pelos debatedores foram muito importantes, permitindo detalhar um pouco mais sobre o que foi apresentado. Elas também revelam a curiosidade que o patrimônio ferroviário desperta, tanto sobre sua história quanto com relação às formas de se preservar os seus bens. Assim, finalizo ressaltando a importância do “conhecer para preservar”. Não se preserva aquilo de que não se tem ciência, daquilo pelo que ainda não nos apropriamos. E a educação para e pelo patrimônio ferroviário é o caminho para criar esse vínculo, identificar essas e outras relações já existentes entre a população e o patrimônio e criar estratégias para que sociedade civil e poder público sejam parceiros ativos no trabalho de proteger esse patrimônio.
A proposta da ação era justamente levar o público para conhecer de perto o patrimônio ferroviário, suas paisagens e a riqueza de sua história.
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Figura 4 - Participantes da caminha Nos Trilhos da História Fotos: ONG Amigos do Trem
RODA DE CONVERSA: VENCEDORES DO PRÊMIO AYRTON DE ALMEIDA CARVALHO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO O Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação o Patrimônio Cultural de Pernambuco, promovido pelo Governo do Estado de Pernambuco há seis edições, vem se consagrando no reconhecimento de ações desenvolvidas por pessoas físicas ou jurídicas que contribuam para a proteção, preservação e salvaguarda do Patrimônio Cultural pernambucano, de natureza Material e Imaterial.
A atividade da Roda de Conversa, que também significou a culminância dessa tradicional premiação estadual, pretendeu reunir os representantes das ações vencedoras da sexta edição, não apenas para sua consagração, mas principalmente para possibilitar a troca de idéias e experiências entre aqueles que desenvolveram os melhores projetos.
Para celebrar as ações vencedoras desta 6ª Edição1, em 2021, os membros da Comissão de avaliação das candidaturas propuseram a realização da Roda de Conversa intitulada VENCEDORES DO PRÊMIO AYRTON DE ALMEIDA CARVALHO, no âmbito da 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Devido à impossibilidade de promover eventos presenciais, uma vez que se enfrentavam as medidas de prevenção ao coronavírus, o evento foi idealizado em formato virtual, o que possibilitou a efetiva participação de produtores das demais macrorregiões do estado, para além da Região Metropolitana do Recife.
O Bate papo foi iniciado com a apresentação do representante da Fundarpe, o historiador Nilson Cordeiro, que introduziu a atividade da Roda de Conversa, destacando seus principais objetivos. Em seguida, apresentaram-se os três representantes da Comissão de avaliação da 6ª Edição do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho, a historiadora do IPHAN, Lívia Moraes e Silva, a historiadora e professora da UPE, Lana Monteiro, e o presidente do CEPPC, Cássio Raniere.
1 Nesta edição, foram habilitados 67 projetos para apreciação da Comissão e contou com avaliadores de cinco instituições: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IHGP), Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC).
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Os membros da Comissão passaram, então, à apresentação dos seis projetos premiados, em cada uma das três categorias da 6ª edição do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho: 1) Formação, 2) Promoção e Difusão e 3) Acervos Documentais e Memória Cultural. Cada projeto vencedor estava sendo representado pelo seu proponente e à medida que os projetos foram sendo introduzidos pelos membros da comissão, os proponentes “entravam” na sala de debate, formando a Roda de Conversa virtual. Estavam presentes, representando a categoria de formação, Edjane Maria Ferreira de Lima, com o projeto “MAIS Mamulengo, MENOS Barbie” e Odília Nunes, com a ação “No Meu Terreiro Tem Arte”. Na categoria Promoção e Difusão, participaram Júlia Morim, com o projeto “Saber de Parteira” e Amanda Lopes, proponente do projeto “Mulheres da Roda do Samba de Coco Arcoverdense”. Por fim, na categoria de Acervos Documentais e Memória Cultural, estavam presentes Givanildo Ferreira, representando a ação “Inventariando o patrimônio: criação, organização e difusão do acervo etnográfico permanente e documental do Museu do Mamulengo de Glória do Goitá” e Helder Pessoa Lopes, responsável pelo “Cariri 100 Carnavais”.
RELATOS
Com a Roda formada, para iniciar e interação entre os presentes, os representantes da Comissão de Avaliação da 6ª Edição do Prêmio iniciaram a Figura 1 - Roda de Conversa: Vencedores do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho Fonte: Youtube - Secult PE
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Em seguida, Givanildo Ferreira, museólogo do Museu do Mamulengo de Glória do Goitá, destacou a importância do trabalho técnico de organização e difusão do rico acervo do Museu para a salvaguarda da tradição, da história e da expressão cultural do Mamulengo, enfocando também a contribuição dessa atividade para a valorização da memória dos grandes Mestres desse Bem Cultural.
Helder Pessoa comentou seu projeto, “Cariri 100 Carnavais”, ressaltando os impactos da pandemia na realização de uma das principais festividades pernambucanas, o Carnaval, utilizando o exemplo vivido pela comunidade da tradicional Troça
Júlia Amorim, representante do Museu das Parteiras e do projeto “Saber de Parteira”, falou da trajetória dessa instituição e dos projetos já desenvolvidos, evidenciando a participação das parteiras tradicionais na elaboração dos vídeos documentários, que se tornam ferramentas constantes de valorização desses conhecimentos e dessas mulheres, fortalecendo e propagando esse saber essencialmente feminino e comunitário.
Edjane Maria, conhecida como Mestra Titinha, iniciou sua fala enfocando a importância da realização da ação “MAIS Mamulengo, MENOS Barbie” para o repasse dos saberes do Mamulengo para as próximas gerações, mas também como os novos mamulengueiros(as) e bonequeiros(as) estão ressignificando a tradição desse patrimônio imaterial, acrescentando novos temas e formatos à expressão do Teatro de Bonecos, principalmente com o novo protagonismo feminino.
Odília Nunes representante de uma atividade realizada no Sertão do Pajeú pernambucano, evidenciou a responsabilidade dos artistas em interiorizar a cultura popular, promovendo novos alcances para o teatro, e em valorizar as expressões tradicionais de terreiro nessas regiões, sendo esse o objetivo principal do seu projeto: “No Meu Terreiro Tem Arte”. Amanda Lopes iniciou sua fala também destacando a necessidade de valorizar a participação feminina na cultura popular, enfocando a promoção das mulheres no Coco de Roda de Arcoverde, uma vez que apesar da sua histórica presença nessa manifestação, só agora conseguem novas posições e protagonismos, como aconteceu no seu projeto “Mulheres da Roda do Samba de Coco Arcoverdense”.
discussão com perguntas voltadas para cada um dos projetos, objetivando enaltecer as características, os objetivos e o alcance de cada ação, nas categorias as quais estavam vinculadas.
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Carnavalesca Mista Cariri Olindense, Patrimônio Vivo de Pernambuco. O cineasta apresentou as ideias originais da produção audiovisual e destacou como o centenário da troça, realizado em plena pandemia, enalteceu a nostalgia de todos que conformam o Carnaval e a partir desse contexto, revelou os significados concretos e simbólicos dessa festa para os pernambucanos. Após as falas de todos os proponentes, Nilson colocou uma questão geral para todos os presentes, inquirindo sobre a importância do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho e de espaços de interação como essa Roda de Conversa para a produção cultural em Pernambuco. Givanildo, Odilia, Helder e Júlia ressaltaram que a sustentabilidade da produção cultural no Estado de Pernambuco tem se fortalecido com ações governamentais exitosas como essa, citando também a importância do Edital do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) no fomento de ações em todas as linguagens culturais do Estado. Destacaram que o Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho promove um incentivo à continuidade das ações premiadas, assim como à criação de novas etapas desses projetos. Ressaltaram ainda as dificuldades, a resistência e a criatividade daqueles que vivem e produzem cultura popular, desde Figura 2 - Roda de Conversa: Vencedores do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho Fonte: Youtube - Secult PE
RELATOS
2 Possui graduação em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2007) e mestrado na mesma instituição sobre as políticas de preservação do patrimônio em Pernambuco. Atua na Superintendência no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan em Pernambuco desde 2010.
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a Região Metropolitana do Recife até o Sertão, diante do desfavorável contexto da pandemia, quando o poder público deve se aproximar ainda mais do universo cultural.
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A Roda de Conversa foi finalizada com as considerações finais dos membros da Comissão de avaliação das candidaturas do 6º Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho destacando a riqueza do trabalho dessa instância na análise e avaliação de dezenas de projetos inscritos, que delineiam com precisão a diversidade cultural do Estado de Pernambuco, cujas seis ações premiadas participantes da Roda de Conversa representam com excelência. Moraes Silva
Antiga Estação Ferroviária de Bezerros - Centro Cultural Foto: Débora Nadine - Fundarpe
Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 43 ACADÊMICOSARTIGOS
Doutorando em Educação na Universidade de São Paulo. Mestre em Geografia Humana e graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Membro da REPEP e do Grupo de Pesquisa Patrimônio, Espaço e Memória, vinculado ao Labur/FFLCH/USP (CNPq). Desenvolve pesquisas sobre educação patrimonial, história da educação e patrimônio cultural. Também é professor da educação básica. 4 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3253121584335461
3 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4031106298962056
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 44ARTIGOS ACADÊMICOS TRILHANDO REFERÊNCIAS CULTURAIS DE UM PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: REPENSAR A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E A VALORIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NA ESTAÇÃO CAMPO GRANDE Alberto Luiz dos Santos1 Mariana Kimie da Silva Nito2 João Lorandi Demarchi3 Ana Paula Itocazo Soida4 RESUMO
Arquiteta e urbanista, especialista em Sociopsicologia pela Fundação-Escola de Sociologia e Política de São Paulo- FESPSP e também em Gestão de Obras de Restauro pelo Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada - CECI/UFPE. É pesquisadora da REPEP, do Programa de Pós-Graduação em Geografia na USP e do Grupo de Pesquisa, Patrimônio, Espaço e Memória, vinculado ao Labur/FFLCH/ USP (CNPq).
Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões suscitadas a partir do desenvolvimento da ação de educação patrimonial, Inventário Participativo (IPHAN, 2016), no contexto de restauração da Estação Ferroviária Campo Grande, em Santo André-SP, ao longo de 2020. O texto parte da necessidade de definir e apreender o território estudado, considerando como seu contexto de ocupação e a construção das ferrovias esteve, desde o século XIX, circunscrito a uma concepção de modernização e progresso, em detrimento e desprezo das dinâmicas socioculturais daqueles 1 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4170576197900486 Geógrafo, Mestre e Doutor em Geografia pela USP. Integra a REPEP e o Grupo de Pesquisa Patrimônio, Espaço e Memória, vinculado ao Labur/FFLCH/USP (CNPq). Como docente, atuou no Ensino Superior, Básico, Técnico e Tecnológico. Tem experiência em Programas de Educação Patrimonial no âmbito do Licenciamento Ambiental. 2 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0272226776373857 Arquiteta e urbanista, Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo IPHAN. Atualmente é pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da USP. Membro do Comitê Científico Interpretações e Educação do ICOMOS-Brasil e REPEP. Desenvolve consultorias e atividades educativas em inventários participativos, políticas urbanas de patrimônio e direito à memória.
Inventário Participativo. Santo André - SP. Paranapiacaba. Patrimônio Ferroviário. Educação Patrimonial. INTRODUÇÃO
Uma estação ferroviária sem uso há 20 anos. Afastada de centralidades urbanas, em meio a porção da Mata Atlântica Paulista no município de Santo André. Se por um lado ela parece esquecida, por outro, muitos interesses e desejos de transformação da estação são despertados a partir de uma obra de restauro. Quais são as memórias e identidades que mobilizam a Estação Campo Grande? Essa foi a pergunta central do Projeto de Educação Patrimonial do Inventário Participativo desenvolvido em 2020 no âmbito do projeto cultural Restauro e Conservação da Estação Campo Grande, que é fruto do Programa Nacional de Apoio à Cultura- PRONAC5. A ação educativa teve como objetivo valorizar as referências culturais do território. Pelas características da localização da Estação, o projeto teve ênfase nas relações entre as estações ferroviárias de Rio Grande da Serra, Campo Grande e Paranapiacaba. Para tanto, uma equipe multidisciplinar6 foi formada para 5 Pronac sob nº 182775, de responsabilidade da empresa Brasil Restauro Arquitetura e Cultura e com apoio da Prefeitura de Santo André e do Comdephaapasa - Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André.
45 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 Alberto Luiz dos Santos; Mariana Kimie da Silva Nito; João Lorandi Demarchi e Ana Paula Itocazo Soida habitantes. Sob essa ideologia, as intervenções naquele local, historicamente, visaram apenas sua exploração econômica. Consonante a essa concepção, as políticas de patrimônio cultural, e mais especificamente as de patrimônio ferroviário, privilegiam as características estéticas e materiais, retificando uma memória e uma história que corroboram a opressão das classes dominantes. Contraposto a essa perspectiva, o inventário participativo refunda a epistemologia da patrimonialização, ao inovar por meio de um método dialógico e politizador, que prevê o conhecimento crítico da realidade, a valorização das referências culturais nas quais estão enraizadas as memórias daqueles grupos sociais até então alijados da identidade hegemônica. A revolução possibilitada pelo inventário participativo ao ser desenvolvido no território da Estação Campo Grande possibilitou demonstrar sua complexidade cultural, a partir da identificação e valorização de uma ampla heterogeneidade de referências culturais. As emersões das memórias e das identidades subterradas pela narrativa hegemônica contribuem para a democratização do patrimônio e obstaculiza, a partir de agora, projetos de intervenção ideologicamente autoritários que desconsideram a dinâmica social existente naquele território. Palavras-chave:
6 A equipe foi coordenada pela arquiteta Ana Paula Itocazo Soida e pelo antropólogo Carlos E. R. Gimenes,
desenvolver ações educativas pelas quais foi possível refletir, debater e identificar, junto à população local, um conjunto de dinâmicas culturais relacionadas às suas vidas, às relações socioespaciais e à valoração de seu patrimônio.
O projeto de Educação Patrimonial seguiu o marco legal e o método de Inventários Participativos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2016) 7 . Neste artigo, nosso intuito é refletir sobre as potencialidades do patrimônio relacionado à Estação Campo Grande por meio da experiência do projeto de Inventário Participativo. Para isso, o artigo é estruturado a partir de uma síntese da leitura de território, seguida de reflexão sobre o conjunto de referências culturais identificadas. Por fim, é problematizado o papel da educação patrimonial e do patrimônio industrial na valorização das identidades enraizadas naquele território. Esperamos que a partir dessa análise outras referências culturais possam ser mediadoras de abordagens mais democráticas e que promovam a transformação social.
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Contar a história do território é sempre desafiador. E não há possibilidade de desenvolver um inventário participativo sem esse exercício. Como sugere Antonio A. Arantes (MORAIS; RAMASSOTE; ARANTES NETO, 2015), a metodologia de inventários demanda o esforço coletivo de delimitar um recorte espacial, lugar onde as referências culturais são mobilizadas e valorizadas. Nessa chave, o vínculo entre as pessoas participantes necessita de um entendimento amplo desta delimitação, do ponto de vista espaço-temporal, transcendendo as descrições e as informações restritas ao presente.
ARTIGOS ACADÊMICOS
Como alerta Lamego (2013), os modos de se contar histórias deflagram escolhas, apagamentos e interdições. Assim, esse momento de pesquisa exige com a colaboração do geógrafo Alberto Luiz dos Santos, do historiador João Lorandi Demarchi e das arquitetas Mariana Kimie Nito e Sandra Schmitt Soster, e da estudante de geografia Thais Rocha Pereira 7 Cabe pontuar que o projeto foi suspenso entre abril e julho de 2020 devido à pandemia. Nesse período, as abordagens pedagógicas das ações educativas foram adequadas e redesenhadas às possibilidades analógicas e digitais, seguindo as recomendações de segurança pública. Foram elaboradas entrevistas remotas, compartilhamento de cartões postais e transmissão ao vivo pela internet (lives). As transmissões podem ser vistas no canal do Youtube da Brasil Restauro pelo link: https://www.youtube. com/watch?v=YHVwjvSos2I. Acesso em: 23 abril 2022. As informações sobre as estratégias pedagógicas utilizadas também estão presentes no dossiê final do inventário participativo (Brasil Restauro, 2020).
O TERRITÓRIO DA ESTAÇÃO CAMPO GRANDE E A CONSTRUÇÃO DE UM INVENTÁRIO PARTICIPATIVO
47 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 acuidade, embasamento no empírico e no protagonismo dos grupos sociais, suscitado por metodologias que potencializem suas vozes, afetos e valores. A pesquisa bibliográfica e normativa se alimenta do que é significativo para se esquivar de narrativas consagradas. Pois, assim como o conceito de território expressa as relações de poder no espaço (RAFFESTIN, 1993), as histórias sobre ele também são fruto do poder, insinuante, que permeia teorias e métodos, legitimando epistemes forjadas no negligenciamento das diferenças e que, portanto, reforça desigualdades.
Para a construção do inventário participativo, a etapa inicial, de leitura de território, revelou afetos e identidades imbricadas a um conjunto de problemáticas atuais, que nos exigiu remeter ao processo de dominação colonial e, posteriormente, capitalista, de modo a suscitar outros posicionamentos das pessoas e grupos sociais nessa história. Em suma, propor uma história a contrapelo, à revelia da história dos vencedores (LÖWY, 2011). Essa etapa de pesquisa do inventário envolveu caminhadas, conversas, registros audiovisuais, abertura de contatos (que foram retomadas nas etapas posteriores) e relatos de campo, com base na publicação do IPHAN (2016) e também inspirada nos aportes da etnografia e da história oral. Nesta seção do artigo, pretendemos elencar processos e balizas temporais que foram demarcadores das principais transformações, a partir do olhar e das memórias que nos foram compartilhadas pelas pessoas que ali vivem, em diálogo com os levantamentos bibliográficos que realizamos. O dossiê completo (Brasil Restauro, 2020) pode ser consultado para conferência de periodizações, dados socioeconômicos e cartográficos. A leitura de território nos levou a elencar as Vilas de Paranapiacaba e Campo Grande, bem como o município Rio Grande da Serra como localidades (Mapa 1), ou seja, nós de uma trama de relações pelas quais entendemos o cotidiano das trabalhadoras, trabalhadores, moradoras e moradores, os grupos sociais tomados como base do inventário8. Na Vila de Paranapiacaba, enfocamos na parte baixa (Vila Inglesa), parte Alta (Morro) e no bairro Rabique. Em Campo Grande, nas adjacências da antiga Vila e na rua da Cerâmica. Por fim, em Rio Grande da Serra, destacamos as adjacências da Estação e o bairro da Pedreira. Duas dessas localidades expressam, contemporaneamente, considerável descontinuidade em relação aos adensamentos, fluxos e centralidades da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Pertencentes ao município de Santo André, as Vila de Paranapiacaba e Campo Grande estão na chamada Região do ABC, conjunto de municípios vizinhos vinculados pelo seu histórico atrelado à industrialização e 8 A identificação de “localidades” e “grupos sociais” no território elencado para o inventário é parte dos procedimentos metodológicos previstos em IPHAN (2016). Alberto Luiz dos Santos; Mariana Kimie da Silva Nito; João Lorandi Demarchi e Ana Paula Itocazo Soida
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Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 48 modernização do território. Contudo, se a estruturação da metrópole revela uma contiguidade material e relacional com o padrão periférico de crescimento (RAIMUNDO, 2017), pode-se dizer que tal dinâmica é rarefeita nas vilas de Paranapiacaba e Campo Grande, sendo mais pronunciada, apenas, no caso de Rio Grande da Serra. Para compreender essa condição, a fundação das estações ferroviárias, as mudanças de concessão e a desativação de duas das estações são balizas temporais fundamentais. Na esteira do escoamento das economias cafeeiras do Estado de São Paulo, no século XIX, rumo ao porto de Santos, a ferrovia São Paulo Railway (SPR) foi construída entre 1862-1867, fruto de empreendimento construtivo de capital inglês, grupo que ficou responsável pela concessão de uso da via por 80 anos. As estações de Rio Grande da Serra e de Paranapiacaba foram inauguradas respectivamente em 1867 e 1874 e a estação de Campo Grande, em 1889. Os adensamentos típicos dos povoados-estações (PEREIRA, 2005) passam a se intensificar, relacionados à moradia dos trabalhadores da ferrovia e às redes de comércio e serviços. Também se destaca o progressivo adensamento pela oportunidade de moradia mais barata, relativo à possibilidade de transporte de passageiros, interligando este território a São Paulo (SP). A despeito do grande contingente de pessoas que o trabalho ferroviário mobilizou para o território, no primeiro quartel do século XX, as famílias locais possuíam referências práticas, saberes Mapa 1. Localização de Santo André e Rio Grande da Serra, com destaque a área inventariada e a localização das estações ferroviárias. Fonte: Wikimedia e Google, modificações pelos autores, 2020.
e memórias atrelados à extração de madeira e cambuci, conteúdos essenciais para se compreender, historicamente, as relações de trabalho no território.
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A intensa migração de chegada, de outrora, convertia-se em gradativa rarefação da população, com o trabalho centrado no comércio e serviços. Diminuição populacional que seria profundamente intensificada com o encerramento do transporte de passageiros nas Estações de Paranapiacaba e Campo Grande no início dos anos 2000. Com tal encerramento, estabeleceu-se uma cisão. Até a Estação de Rio Grande da Serra, mantida em funcionamento (atual linha Turquesa da CPTM), o dinamismo populacional se manteve, processo expresso pela expansão ainda em curso de sua área urbanizada, em loteamentos legais e ilegais. Em relação às Vilas de Paranapiacaba e Campo Grande, o transporte público em ônibus (a partir de Rio Grande da Serra), limitado e espaçado temporalmente, contribuiu decisivamente para a diminuição de famílias, sendo demarcado, inclusive, pelo recorte geracional, com a população mais jovem apresentando franca intencionalidade de deixar o território. Em suma, um sentido de esvaziamento e isolamento de localidades que foram marcadas pela suposta modernidade capitalista. Atualmente, Rio Grande da Serra é a mais próxima centralidade administrativa, de comércio e serviços de maior aporte para as moradoras e moradores das vilas. Destaca-se que as vilas de Paranapiacaba e Campo Grande passaram a pertencer ao município de Santo André, em 2001. Essa mudança administrativa foi acompanhada de ações de reaquecimento da economia, tendo o setor do turismo como principal motor. Se, por um lado, tais ações se criaram certo dinamismo e geração de renda no território, por outro, alteraram a sua estrutura social, cujas comunidades já não se relacionavam tão intrinsecamente com a ferrovia e passaram a depender mais das infraestruturas municipais.
João Lorandi Demarchi e Ana Paula
Alberto Luiz dos Santos; Kimie da Silva Nito; Itocazo
A vida pujante das vilas é sugestiva para dimensionar o impacto gerado pelo término da concessão da SPR, em 1947. Trata-se do contexto de esmorecimentoposterior decadência - dos arranjos políticos e socioeconômicos que dinamizaram o trabalho, embasaram a estrutura e os investimentos na vila de Paranapiacaba, balizando seu cotidiano. Nesse ínterim, é fundamental contextualizar a instalação das indústrias químicas, a partir da década de 1950, abarcando a região do ABC e Cubatão (na Baixada Santista), que novamente reconfiguraram a espacialidade do território, assim como reforçaram a relevância da ferrovia. Considerando o processo inicial de concentração industrial nos eixos ferroviário e rodoviário da metrópole em formação, é possível dimensionar as mudanças do modal ferroviário no território e o encerramento de parte das indústrias nas décadas posteriores, em decorrência da desconcentração, atrelada à reestruturação urbano-industrial. (LENCIONI, 1994)
Soida
Mariana
As trilhas e cachoeiras, bem como a arquitetura, as festas, clubes e eventos na vila, historicamente impulsionaram fluxos de moradores entre as vilas vizinhas, assim como de turistas, sobretudo da capital paulista, facilitados pelo deslocamento ferroviário acessível de outrora. Alguns eventos, como as Festas (religiosas, carnaval e do Cambuci), o Festival de Inverno (mais recentemente) e a retomada do transporte de passageiros com o trem turístico da CPTM, têm buscado (re) adensar a atividade, ainda que, no entendimento local bem como nos dados econômicos levantados, tais apostas têm alcance reduzido.
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Mesmo sem autorização definitiva, com ações no ministério público e manifestações de movimentos organizados (destacadamente o SOS Paranapiacaba), pode-se afirmar que a consolidação do Complexo já está em curso, uma vez que seu anúncio aqueceu toda uma especulação imobiliária no território, com aquisições de terrenos e demolições progressivas de edificações postas a cabo por empresas privadas, objetivando a valorização imobiliária vindoura. Como veremos a seguir, esse território da estação Campo Grande possui um complexo conjunto de referências culturais representando a heterogeneidade das identidades dos grupos sociais
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A tristeza, os lamentos, a organização política e certo saudosismo das pessoas ainda residentes nas vilas foram reveladores de tais contradições, durante a leitura de território. As normativas de proteção ao patrimônio e ao meio ambiente, que são numerosas no território inventariado, poderiam subsidiar o alento em relação a esse sentimento recorrente de abandono, mas não é isso que se desdobra. Com políticas, ações de salvaguarda e atividades de valorização restritas, os tombamentos reforçam a sensação de limitação das pessoas acerca de possíveis mudanças em suas condições socioeconômicas atuais. Na esfera ambiental, diversas instâncias conferem ao território uma condição de preservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e das características geomorfológicas. Tal proteção é importante, pois a natureza conforma um importante vínculo para as pessoas, unindo aspectos históricos que se constituem como dimensão significativa do vivido: o conhecimento das trilhas e cachoeiras, a sensação de pertencimento mobilizada pelos fenômenos meteorológicos, principalmente as precipitações e a neblina.
De todos os processos até aqui mencionados, o que se apresenta atualmente com maior potencial transformador do território é o popularmente chamado “porto seco”, projeto logístico em curso, que visa criar um grande ramal transportador de contêineres rumo ao Porto de Santos, além de pátios de disposição e rodovias. Conforme elucidado no dossiê, o Centro Logístico Campo Grande representa uma ameaça contundente à preservação ambiental e cultural, o que pode ser atestado pela judicialização do licenciamento exigido, que tem tramitado em diferentes instâncias.
51 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 que vivem ali. São esses habitantes e suas referências culturais que estão sendo negligenciados pelos projetos de intervenção naquele território, como o do porto seco. A interpretação da ideologia por trás dessas políticas reafirma a histórica gestão autoritária e que só tem como objetivo a exploração econômica, seguindo um modelo de desenvolvimento excludente e que ignora a cultura existente no território.
AS REFERÊNCIAS CULTURAIS NO TERRITÓRIO DA ESTAÇÃO CAMPO GRANDE
Nesse processo, os educadores e educandos se dispõem a se aproximarem criticamente da realidade em que estão imersos para compreender o tecido cultural que vão tecendo cotidianamente. A partir desse olhar crítico, de estranhamento, todos os sujeitos envolvidos devem perceber quais são os elementos daquele contexto fundamentais para suas identidades. Quais objetos, lugares, edificações, festas, celebrações são fundamentais para sua vida? Se perguntados diretamente quais são os patrimônios existentes naquele território, os habitantes comumente reproduzem a concepção de patrimônio hegemônico e se limitam a apontar as edificações já acauteladas pelos órgãos de preservação. Por isso, as “perguntas-geradoras” devem ser outras. Elas devem, primeiramente, sensibilizar para o reconhecimento de que todos são sujeitos históricos e produtores de cultura. Depois, contribuir para valorizar os elementos que aportam as memórias daqueles grupos.
O inventário participativo, como método dialógico e democrático, tem como princípio que a ação educativa se dá em um processo de aproximação crítica da realidade. Alinhado à perspectiva de Paulo Freire (2014), que define que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, no inventário participativo, a interpretação do contexto cultural precede a interpretação das categorias que configuram as referências culturais daquele grupo social.
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Para emergirem outros patrimônios, que não os já consolidados, é preciso percorrer outros caminhos. A identificação das referências culturais, feita por sujeitos até então alijados da patrimonialização, possibilita ampliar a noção de patrimônio cultural e democratizar a história ao considerar a memória dos grupos que compõem determinada identidade local. Essa aproximação deve ser acompanhada por uma interpretação sistematizada da realidade, o que Paulo Freire chamou de curiosidade epistemológica. Após a leitura do mundo é preciso empreender a leitura da palavra. Nesse sentido, a organização das referências identificadas em categorias é fundamental para ordenar o conhecimento
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 52 crítico. O Inventário Participativo sugere cinco categorias (celebrações, formas de expressão, lugares, objetos e saberes), mas elas não são fixas, devendo ser repensadas conforme a adequação ao território (IPHAN, 2016). Como método aberto, o inventário desenvolvido em Campo Grande fez modificações e um universo de seis categorias foi criado. A categoria objetos não teve ressonância e a categoria edificações foi incorporada como forma de compreensão emprestada do Inventário Nacional de Referências Culturais, outro método do IPHAN. Somada às cinco propostas pelo Iphan (celebrações, formas de expressão, edificações, lugares e saberes), os relatos dos habitantes fez necessário criar outra categoria: naturezas Conforme tratado na seção anterior, para compreender o enraizamento identitário e de sua memória, foi imprescindível considerar as relações com uma vida influenciada explícita e diretamente com fenômenos da natureza, tais como neblina, paisagem, Mata Atlântica, rios e cachoeiras, e todo o estado de espírito e formas de lazer que deles decorrem.
Perceber que suas práticas cotidianas são dignas de valorização e acautelamento não é suficiente para compreender a relação com o tecido social em que está inserido.
Perceber, por exemplo, que os caminhos e trilhas na Mata Atlântica envolvem uma dinâmica cultural e saberes que passam de geração a geração (Fig. 1) e, portanto, devem ser identificados como essenciais para determinado grupo social, não garante a interpretação crítica dessas referências. É preciso situá-las em um grupo de outras referências que fundam um conceito. A definição desse conceito é responsável por dar a compreender a condição daquele conjunto. Nesse caso, a definição da categoria naturezas fundamenta-se em duas características. 1) A dinâmica cultural, produto das relações sociais, está articulada diretamente com a existência da natureza e, 2) portanto, depende da sua preservação. Ao explicitar a definição dessa categoria, 1) evidencia-se como o patrimônio em questão é recolocado na sua dimensão social. A sua importância é resultado de relações sociais. Como consequência, 2) o patrimônio é repolitizado, afinal a luta pela memória enraizada nessa referência cultural implica a luta pela preservação da natureza, em contraposição ao avanço do “progresso” e da predação. No projeto educativo em Campo Grande foram identificadas 41 referências culturais existentes naquele território que dizem respeito aos moradores e
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A organização das categorias e a definição de seus significados não são mero artifício do método de inventário participativo e nem fragmentação da cultura. É por meio dessa organização e definição que há possibilidade de um aprofundamento na compreensão dos sentidos das referências culturais e dos significados que elas habitam.
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A vila de casas próximas à Estação de Campo Grande surgiu por conta da fixação de trabalhadores da extração de madeira e carvoarias na região e das atividades relacionadas à ferrovia, trens e maquinários (Fig. 2). As casas da antiga vila foram demolidas e hoje conformam um espaço de ampliação de trilhos que está sob responsabilidade da MRS logística (Fig. 2). A vila Campo Grande como lugar de moradia ainda resiste, existem algumas casas de construções mais recentes nas proximidades, como as da rua da Cerâmica (Fig. 3). Alguns moradores são descendentes de trabalhadores antigos e outros contemporâneos. Além da Capela de Boa Viagem, existe uma igreja da Congregação Cristã na vila. Há também alguns bares (Esperança da Serra e Bar do Flávio) que são utilizados para eventuais encontros da comunidade e com mais intensidade em eventos turísticos.
Na Vila, muitas propriedades sem uso no momento, possuem identificação como “propriedade Rawet”. Jael Rawet é sócio da Fazenda Campo Grande Empreendimentos e Participações Ltda., empresa responsável pelo empreendimento do Centro Logístico Campo Grande. Alguns moradores relatam que nesses vazios havia casas que, adquiridas pela empresa, foram depois demolidas. O movimento SOS Paranapiacaba tem se mobilizado junto à sociedade civil e especialistas do meio ambiente desde 2018 para chamar atenção e lutar contra os riscos ambientais e patrimoniais de tal empreendimento (Fig. 3). Figura 1. Relações com a natureza. À esquerda, trilha na Serra do Mar, próximo à Paranapiacaba; à direita, moradia próxima à estação em 1930. Fonte: Brasil Restauro, 2020; Diário do Grande ABC, 1988.
trabalhadores da região (tabela 1). Como potência do viver no território, trazemos para este artigo a Vila de Campo Grande como exemplo de referência cultural identificada como lugar de morar e de práticas de sociabilidade. Embora a estrutura antiga da vila não exista mais, algumas casas se encontram ali pela centralidade de sociabilidade do local, seja do ponto de vista da memória, das festas nos clubes, dos eventos religiosos e partidas de futebol ou das relações atuais das práticas associadas ao viver na natureza e das lutas contra o abandono.
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O processo de compreensão do contexto cultural contribui para a autoafirmação de homens e mulheres como fazedores da história, embora feitos também por ela. Rompe com o fatalismo histórico, subterfúgio para dominações e subordinações. Enquanto projetos modernizantes heterônomos visam apenas o desenvolvimento e exploração econômicos, esse processo educativo confia nos sujeitos e auxilia-os a buscar sua autonomia. Figura 2. Pátio Estação Campo Grande. À esquerda, família, estação e extração de lenha (ao fundo); à direita, paisagem com Capela da Boa Viagem. Fontes: Diário do Grande ABC, 1987; Brasil Restauro, 2020. Figura 3. Paisagem da rua da Cerâmica e, à direita, mobilização de grupos ambientalistas. Fontes: Brasil Restauro, 2020; Reprodução Facebook SOS Paranapiacaba, 2021.
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A lista de referências culturais (Tabela 1), para além de apresentar a complexidade do território de Campo Grande, demonstra a valorização daquelas pessoas enquanto sujeitos históricos e pertencentes a um lugar. O conjunto das referências culturais possibilita analisar o distrito de Paranapiacaba, as vilas e sua relação com Rio Grande da Serra a partir do cotidiano dos moradores e trabalhadores, retirando-as de sua invisibilização diária e as ressignificando. Esse processo ocorre quando as referências culturais são mobilizadas pelas ações educativas e pelos diálogos tecidos, enunciadas como formas de ser, modos de fazer e lugares de viver.
55 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 Tabela 1. Referências culturais identificadas a partir do Inventário Participativo realizado no território da Estação de Campo Grande. Fontes: Elaborado pelos autores. Celebrações Edificações Lugares Naturezas SaberesF. Expressão 1. Bailes clube/ empresa 1. Capela S. J. Boa Viagem 1. Bicas 1. Trilhas da Mata Atlântica 1. deBrincadeirasrua1. Causos e lendas da Serra 2. Carnaval Paranapiacabade 2. E. E. LacerdaSen.Franco 2. Casa ReservadaBiológica 2. Neblina 2. Práticas do viver naturezana 2. Lutas por direitos sociais e contra abandono 3. Carnaval de Campo Grande 3. Estação Paranapiacabade 3. Clubes Sociais 3. Paisagem contemplaçãoe 3. Ofício das costureiras 3. Religiosidade e práticas de fé 4. Festivais “da Prefeitura” 4. Estação e passarela de CG 4. Pontos de ônibus 4. Práticas de lazer 4. Ofício dos ferroviários 5. Festa de São Sebastião 5. Estação e passarela de RGS 5. Rede de campos de futebol 5. Rios, córregos e cachoeiras 5. Ofício de restaurador 7. Futebol sociabilidadese 7. Passarela Paranapiacabade 7. Vila Elclor 7. Extrair 7. deSociabilidadebairro 8. Trem 8. Vila Pedreira 6. Festa ParanapiacabaPadroeirodode 6. Igreja Bom Jesus Paranapiacabade 6. Vila GrandeCampo 6. Sensação de sossego 6. Ofícios de turismo 9. Vila Rabique À GUISA DE CONCLUSÃO: REPENSAR PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO PELOS INVENTÁRIOS PARTICIPATIVOS
A mudança na forma de valoração do patrimônio não deve ser entendida apenas como uma inovação estratégica por meio do método de inventários participativos. Trata-se, principalmente, de outro posicionamento para pensarmos e agirmos na construção de patrimônios mais democráticos. Seguindo a teorização de Grada Kilomba (2019, p. 54), é possível dizer que o inventário participativo significa uma mudança epistemológica, em que transformando os temas (questões que merecem ser colocadas), os paradigmas (como analisar e explicar o fenômeno) e os métodos (como conduzir pesquisas para produzir conhecimento), o olhar sobre a realidade é transformado. Outros sujeitos, antes subterrados pela ideologia dominante, emergem e passam a compor o espaço público.
Alberto Luiz dos Santos; Mariana Kimie da Silva Nito; João Lorandi Demarchi e Ana Paula Itocazo Soida
O conjunto das referências culturais identificadas no Inventário Participativo da Estação Campo Grande demonstra uma imagem complexa e viva de um patrimônio ali enraizado. É um recorte de percepções deste território que tem como ponto de partida a interpretação dos grupos sociais, sua história, suas vivências e memórias.
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Essa adjetivação, industrial, abarca questões sobre como lidar com bens culturais da “modernidade”, do “progresso”, sejam meios de transporte ou equipamentos oriundos de séculos passados, que são símbolos de avanços tecnológicos, modos de produção, organização do trabalho e relações socioespaciais. No Brasil e internacionalmente, o patrimônio industrial começa a ser mobilizado a partir do enfrentamento da obsolescência dessas estruturas frente a novos tempos, usos, equipamentos e problemas, no curso da reprodução do espaço urbano.
Para a melhor compreensão sobre o que significa essa abordagem no campo do patrimônio, bem como sua potência de ação, uma breve reflexão sobre o patrimônio industrial é pertinente. Primeiramente, é importante ponderar que as estações ferroviárias fazem parte daquilo que se convencionou chamar de Patrimônio Ferroviário. Embora nem sempre valorada de maneira sistemática, a categoria patrimônio ferroviário instiga o entendimento das estações dentro do conjunto de equipamentos, documentos, trilhos, profissões, entre outros. Atualmente, o patrimônio ferroviário é compreendido no campo do patrimônio cultural enquanto uma categoria de leitura inserida nas ações de Patrimônio Industrial.
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Nota-se, contudo, que a trajetória de valoração privilegiou, e ainda privilegia, os remanescentes de estruturas arquitetônicas representativas da estrutura de poder industrial. Reforça-se, assim, a análise de Sérgio Miceli (1987) sobre o patrimônio no Brasil valorizar os aspectos estéticos e materiais, em detrimentos dos embates sociais, da luta de classes. Em geral, são as fábricas, as estações e outros símbolos que representam uma parcela da estrutura social que foram alvos de interesse. Poucas são as vilas operárias, casas de aluguel, os sindicatos, clubes, entre outros lugares que foram consagrados pelas ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro.
No desafio de pensar novos usos e evitar perdas, diversas ações foram iniciadas no final da década de 1970. No que diz respeito ao patrimônio ferroviário brasileiro, surgiram associações e espaços de memória ferroviária, mobilizados por pessoas fascinadas pelas materialidades ferroviárias e por trabalhadores órfãos da profissão.
Os órgãos de preservação do patrimônio brasileiro, de forma tímida, tombam uma ou outra estação isoladamente. Somente no final da década de 1990 e início dos anos 2000 ocorre uma expansão da agenda patrimonial de forma a despertar interesse pelo patrimônio industrial a partir de tombamentos, inventários de bens imóveis, instrumento da valoração cultural como forma de proteção pela Lei Federal nº 11.483/2007, e estudos acadêmicos com foco na arquitetura industrial e sítios urbanos industriais (KÜHL, 1998; MENEGUELLO; RUBINO, 2005; RUFINONI, 2009).
Se a memória dos trabalhadores, operários fabris e ferroviários foi tratada no âmbito da História Social, nas práticas e estudos de patrimônio cultural ainda são poucas as perspectivas tecidas por essa perspectiva (DARVICHE, 2021; SCIFONI, 2017).
A educação patrimonial também reforça essa concepção quando atrelada a cartilhas, manuais, quebra-cabeças, livros de colorir e entre tantas outras práticas conhecidas que são despolitizadoras, neutralizando uma visão crítica do passado e dos sentidos da preservação do patrimônio cultural. Os sujeitos que conferem sentido social ao patrimônio são colocados em uma posição passiva de receptores de informações e frequentemente taxados pelo desconhecimento. Essa compreensão de educação patrimonial alinha-se à educação bancária criticada por Paulo Freire (2014), reforçando e reproduzindo a dominação das classes hegemônicas. As ações educativas são planejadas como panaceia da preservação do patrimônio sob o lema “conhecer para preservar”, insistindo na invasão cultural representada pela ideia de “alfabetização cultural” (SCIFONI, 2019; DEMARCHI, 2018).
O resultado final do inventário é tão importante quanto o processo de desenvolvimento, nos quais é possível criar alianças, afinidades, confiança, fortalecer o sentimento de pertencimento e senso crítico. Para além de um instrumento, ele proporciona a construção de uma articulação em rede na produção de outro território de conhecimentos.
É preciso pontuar que a crítica não é feita no intuito de desqualificar a importância dos reconhecimentos já feitos, quer sobre o ponto de vista da historiografia, da arquitetura e do urbanismo ou da história econômica, mas, sobretudo, trata-se de analisar e chamar atenção à necessidade de incorporar essa perspectiva da história social e da memória dos trabalhadores. É preciso repovoar o patrimônio, revertendo a concepção de que o valor do patrimônio lhe é imanente e não uma construção social (MENESES, 2012; 2017). Essa análise crítica revela como os sentidos e o papel dos sujeitos sociais são tratados historicamente de maneira secundária e complementar nas ações do campo do patrimônio cultural.
Repensar o patrimônio e a educação é um apelo que fazemos enquanto profissionais membros da Rede Paulista de Educação Patrimonial (REPEP). Defendemos processos dialógicos e transversais de valorização do patrimônio, que visem a transformação social intermediada pelas referências culturais (REPEP, 2014).
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É justamente sob essa concepção que os inventários participativos orientam uma nova prática, fundamentando uma revisão epistemológica. Enquanto método educativo, os inventários participativos impulsionam o diálogo e a sensibilização entre pessoas. A democratização, a partir da participação daqueles grupos sociais alijados dos processos de patrimonialização, permite que temas até então obliterados pelo enquadramento da identidade nacional passem a figurar na complexidade cultural. Já saberes e conhecimentos desprezados refundam os paradigmas, apresentando alternativas à apreensão hegemônica da realidade.
Destaca-se que essa perspectiva é possível, pois os inventários participativos são sustentados pelo conceito-chave de referência cultural. Diferentemente de muitos conceitos que pululam nas práticas e em pesquisas do campo do patrimônio, o conceito de referência cultural foi construído e amadurecido por décadas no Brasil para tratar as relações e sentidos atribuídos aos bens culturais. Trata-se de uma transformação radical, da qual os inventários participativos contribuem para colocar em prática.
Embora as adjetivações de patrimônio sejam chaves de compreensão relevantes, é necessário ponderar, também, sobre os momentos nos quais é pertinente o seu uso, para que não se conforme a uma forma de exclusão sociocultural. O patrimônio industrial, ou apenas ferroviário, não pode se limitar aos tijolos, trilhos e vagões.
Por meio dos inventários participativos é possível construir caminhos sobre como preservar e o que se quer preservar, a partir das referências culturais, dos testemunhos ferroviários vinculados à industrialização e ao que hoje existe ali.
Trata-se de uma postura ética de preservação que é essencial para pensar um espaço que, como muitas outras estações brasileiras, já não possui sua função inicial.
Por outro lado, quando falamos de inventários participativos tratamos também de uma abordagem do patrimônio centrada nos sujeitos e em como eles interpretam, proclamam, selecionam aquilo que consideram parte de sua memória e história. Não é o objeto patrimonial em si, mas as relações e apropriações dele. Assim, provocam-se as estruturas de poder dos órgãos de preservação, empresas e universidades. A atribuição de valor não está à mercê de outrem, mas é tecida no âmago do ambiente vivido e experienciado, trazendo o patrimônio a partir de seu entendimento como direito social e não como privilégio de classe (DEMARCHI; NITO, 2018). Colocar o patrimônio industrial sobre essa perspectiva é revolucionário, pois traz à tona as memórias dos trabalhadores e possibilita a reflexão sobre as estruturas de outras situações temporais, o modo como sobrevivem atualmente, como foram e estão sendo ressignificadas e incorporadas ao cotidiano de moradores e frequentadores do território.
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A abordagem proposta pelo Inventário Participativo estimula a entender o patrimônio industrial no território, em relação com outras expressões culturais e dinâmicas sociais. Foi a partir da leitura do território da Estação Campo Grande que investigamos o universo de relações culturais que abrangem a memória dos moradores e suas relações de trabalho, sejam elas relacionadas à ferrovia, ao extrativismo, às indústrias e ao trabalho informal. Ou seja, não reificamos a estação ou enaltecemos um período, um estilo arquitetônico ou um ciclo econômico específico, mas a tratamos em sua historicidade a partir da relação dos moradores e trabalhadores. A centralidade das ações educativas desenvolvidas estava no cotidiano, nas condições de trabalho e moradia, nas sociabilidades, apropriações e usos dos espaços.
DEMARCHI, João L.; NITO, Mariana K. Do “conhecer para preservar” às referências culturais: memória como privilégio de classe ou direito social? Simpósio do ICOMOS BRASIL, Anais… Belo Horizonte, 2018. p. 2188-2211.
Dos propósitos e modos de se escrever histórias. Terra Brasilis (Nova Série). n. 2, 2013. Alberto Luiz dos Santos; Mariana Kimie da Silva Nito; João Lorandi Demarchi e Ana Paula Itocazo Soida
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Não parte da excepcionalidade ou da volta ao passado, mas se fundamenta dentro da vida social dos sujeitos e da realidade a qual os elementos estão inseridos. É, por isso, que as referências culturais identificadas no território da Estação Campo Grande, em Santo André, podem ser consideradas como princípios de um viver ali que deve ser preservado. Portanto, são balizas fundamentais e dados de projeto para toda e qualquer intervenção a ser elaborada na região a partir de agora.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. IPHAN. Educação Patrimonial: inventários participativos: manual de aplicação. Texto Sônia Regina Rampim Florêncio et al., Brasília, 2016. KILOMBA, Grada. Memória da plantação: episódios de racismo cotidiano. Trad. Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
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João Lorandi
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 62 A IMPORTÂNCIA DO MUSEU DO TREM PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO André Luiz Rocha Cardoso1 Diogo Antônio Rodrigues Milfont2 RESUMO
ARTIGOS ACADÊMICOS
2 Integra a Coordenação de Ação Educativa do Museu do Trem do Recife. É graduando em Licenciatura em História pelo Centro Universitário FACVEST, em Santa Catarina.
Palavras-chave: Patrimônio Ferroviário. Museu. Educação. Preservação. INTRODUÇÃO Ao analisar a história das políticas de preservação do patrimônio ferroviário em Pernambuco, há de se destacar o surgimento e atuação de uma instituição que em 2022 completa 50 anos, difundindo a memória ferroviária e contribuindo para ampliar o conhecimento sobre a história do transporte sobre trilhos no estado. Essa instituição é o Museu do Trem do Recife, criado em 1972 e que ao longo de cinco décadas tem apresentado ao público um relevante acervo de peças e um conjunto de informações sistematizadas através de suas exposições de longa duração e também através de suas ações.
O presente artigo tem por objetivo realçar a importância do papel desempenhado pelo Museu do Trem do Recife na preservação do patrimônio ferroviário de Pernambuco, tendo como ponto de partida a experiência da instituição a partir das ações virtuais que compuseram sua programação durante a 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco em 2021, que trouxe o tema “Estações do Patrimônio: Redes, Memórias e Afetos”, realizada no mês de agosto de 2021.
No presente artigo, ao enfatizar a importância dessa instituição para a preservação de nosso patrimônio ferroviário, serão apresentadas suas ações desenvolvidas durante 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Mesmo
1 Coordenador de Ação Educativa do Museu do Trem do Recife. Graduado em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), é Mestre em História Social da Cultura Regional também pela UFRPE.
MUSEUS E PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO
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Os museus não são os únicos, mas estão entre os principais espaços voltados à preservação do patrimônio ferroviário, atuando na pesquisa e difusão dos conhecimentos, práticas e bens que constituem as dimensões material e imaterial desse patrimônio. Compondo os espaços museais, são aplicados diversos processos com intuito de fortalecer a construção da identidade cultural do povo. Assim, há de se destacar o papel essencial que estas instituições cumprem ao educar a partir do universo ferroviário, em sua diversidade de elementos.
Tais instituições, assim como o patrimônio ferroviário, de cunho industrial, carregam particularidades que exigem estratégias diferentes para que possam se r
André Luiz Rocha Cardoso Diogo Antônio Rodrigues Milfont
A participação do Museu do Trem na Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco anualmente em agosto, desde sua reabertura em 2014, tem sido muito marcante, sempre compondo uma programação vasta e diversificada. Não poderia ser diferente na edição de 2021 quando o tema proposto para o evento - “Estações do Patrimônio: Redes, Memórias e Afetos” - deu enfoque especial ao patrimônio cultural ferroviário. O tema foi proposto justamente em um momento muito importante para esse patrimônio, quando a Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural (GGPPC) da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), com o apoio do próprio Museu do Trem, retoma os estudos do exame técnico para o Tombamento do Patrimônio Ferroviário Edificado de Pernambuco. Assim, ao longo do artigo, será feita a princípio uma apresentação da particularidade dos museus voltados à ferrovia, ressaltando de um modo geral a sua importância e em seguida caminhar-se-á para destacar o papel do Museu do Trem do Recife, seu surgimento e sua articulação com outras instituições do mesmo gênero e a dinamização de sua proposta educativa para a difusão de seu conteúdo em meio ao período pandêmico. Serão apresentadas as ações desenvolvidas pelo Museu do Trem ao longo da 14ª Semana do Patrimônio Cultural, seus objetivos e seu alcance, buscando sintetizar a importância do papel social que cumpre esta instituição.
ainda em um contexto de pandemia, tendo sido reaberto após alguns períodos de fechamento para prevenir o contágio pelo Coronavírus, o Museu se reinventou e, a partir da experiência acumulada ao longo das fases iniciais da pandemia, onde o equipamento precisou se virtualizar para continuar exercendo sua missão, desenvolveu uma série de ações virtuais buscando aproximar ainda mais a população do patrimônio ferroviário.
Fonte:Canal do Coletivo dos Museus Ferroviários do Brasil no YouTube, 2021.
ARTIGOS ACADÊMICOS
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salvaguardados e então comunicados. Não é apenas a edificação da estação, tratada de forma isolada, que irá possibilitar um entendimento da amplitude da ferrovia, mas sim um olhar que considere sua inserção em uma rede que compreende diversos outros elementos e processos que vão desde a operação do transporte sobre trilhos, ao embarque e desembarque, à manutenção da via férrea e dos veículos ferroviários, entre outros.
A partir desses processos, diversas relações sociais se desenvolveram e até hoje se transformam ao longo de quase 170 anos de existência das ferrovias em nosso país. Tais relações são as mais diversas e vão desde a expansão e modificação do meio urbano à mudança em hábitos e costumes, ao surgimento de novas relações de trabalho e à modificação da relação entre espaço e tempo proporcionada pela ferrovia a partir da segunda metade do século XIX. Precisando dar conta de tudo isso, de expressar essa complexidade, os museus ferroviários brasileiros buscaram se conectar.
A pandemia da COVID-19 teve consequências devastadoras para as organizações culturais de todo o planeta, afetando especialmente o funcionamento dos museus no primeiro ano da crise, quando cerca de 90% dos museus fecharam as portas para atividades presenciais (UNESCO, 2020). É nesse contexto, meditando sobre a realidade implacável, que os museus ferroviários do Brasil se reuniram formando o Coletivo de Museus Ferroviários, uma agremiação de colaboradores diversos das instituições culturais ferroviárias que tem como proposta inicial o fortalecimento das instituições durante o agravamento da pandemia da COVID 19. A partir da proposta de fortalecimento dessas instituições, considerando sua mencionada particularidade, esteve a necessidade de se organizar a definição de Figura 1. Apresentação da Declaração dos Museus Ferroviários Brasileiros.
Antecedentes à elaboração da Carta Patrimonial de Nizhny Tagil, que trouxe definições e recomendações acerca do patrimônio industrial e considerou os museus da temática como “meios importantes de proteção e interpretação do patrimônio industrial”, houve ações da RFFSA voltadas a criação de museus ferroviários no país.
O Coletivo inclui também o Museu do Trem do Recife, uma das instituições que coordena os trabalhos do grupo ao lado do Museu do Trem de São Leopoldo-RS, que teve a iniciativa de criar o grupo, e de outros museus como o de Tubarão-SC e o de Bauru-SP. Um dos mais antigos centros de preservação da memória ferroviária no Brasil, o Museu do Trem do Recife foi um dos espaços que durante as fases iniciais da pandemia, precisou fechar as portas para conter o avanço da COVID-19, fato que implicou em uma reinvenção das estratégias de atuação de sua equipe, passando a se virtualizar ainda mais, alcançando novos públicos. Concebido a partir da preocupação inicial em salvaguardar elementos da história ferroviária, a ideia de criar um museu ferroviário em Recife partiu de dentro da Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA. A cada vez mais evidente deterioração dos remanescentes das primeiras ferrovias brasileiras já era alvo de denúncias por funcionários da empresa ferroviária e por entes da sociedade civil.
Em 1958, foi organizado no Arquivo Público do Recife uma exposição em ocasião do centenário da Estrada de Ferro Recife - São Francisco, projeto anunciador da instalação de um museu ferroviário na capital.
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Essa definição, ainda em processo, foi divulgada na Declaração dos Museus Ferroviários Brasileiros, apresentada durante a 15ª Primavera dos Museus em 2021 em evento virtual realizado através do canal do Coletivo dos Museus Ferroviários do Brasil no YouTube, mas que ainda não foi publicada. Essa definição, proposta em diálogo com a definição de museu expressada pelo ICOM², traz que os museus ferroviários podem ser interpretados como as instituições museais que possuem como material de atuação os bens provenientes da construção e operação das ferrovias.
Foi sustentada pelo chefe da 3ª Divisão da RFFSA do Nordeste, o engenheiro Emerson Jatobá, a ideia de convidar o Instituto Joaquim Nabuco para a realização de um projeto de salvaguarda dos bens da rede de transportes. Após o processo
O MUSEU DO TREM DO RECIFE
museu ferroviário, constatada pelo Coletivo como ponto fulcral para o fortalecimento dessas instituições, pois a partir da definição pode ser estabelecido o alvo das ações de tonificação dos espaços que salvaguardam o patrimônio cultural ferroviário.
Em meio às diversas ações que o Museu do Trem promove, uma programação especial foi desenvolvida para a 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Possuindo como tema “Estações do Patrimônio: Redes, Memórias e Afetos”, as 3 CAVALCANTI, Vanildo Bezerra. Museu do Trem do Recife, o 1º da América Latina. Diário de Pernambuco, Recife, ano 148, n. 277, p. 33, 13 nov. 1972. Disponível em: < http://memoria.bn.br/docreader/ DocReader.aspx?bib=029033_15&pagfis=34960>. Acesso em: 27 mai. 2022. Figura 2. Estação Central, sede do Museu do Trem do Recife. Fonte:Acervo do Museu do Trem.
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ARTIGOS ACADÊMICOS
de inventário, pesquisa e elaboração da expografia é inaugurado, em outubro de 1972 o Museu do Trem do Recife, por intermédio de iniciativa conjunta entre os dois órgãos
Houve,mencionados.defato,preocupação acerca do impacto social do Museu do Trem do Recife. O chefe da 3ª Divisão da RFFSA do Nordeste, engenheiro Emerson Jatobá, um dos propulsores da implantação do Museu do Trem pontuou sobre a contribuição do museu com a “educação do povo”3 como diretriz do projeto. Essa preocupação naturalmente se mantém nos dias atuais quando o Museu do Trem continua buscando contribuir para ampliar o conhecimento da população. Em seus cinquenta anos de existência o Museu do Trem realizou ações culturais e educativas diversas, de nítido valor para sociedade, propondo uma abordagem vanguardista, apropriando-se de práticas da museologia social.
AS AÇÕES DO MUSEU DO TREM NA 14ª SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Uma exposição virtual foi criada, por meio do Google Fotos, intitulada “Destino: Estações do Amanhã”. Reunindo imagens de estações ferroviárias pernambucanas registradas ao longo dos séculos XIX e XX por fotógrafos profissionais e amadores, em
O post semanal da tag #PatrimônioNosTrilhos também compôs a programação do Museu do Trem. Iniciada em junho com a proposta de difundir informações sobre outros elementos do patrimônio ferroviário de Pernambuco para o grande público, a tag apresenta um bem específico a cada semana, sua história e atual estado de conservação e utilização. No post da Semana do Patrimônio falou-se sobre a Estação Ferroviária de Salgueiro, ponto extremo da maior ferrovia construída dentro dos limites de Pernambuco até o século XX, a Linha Centro de Pernambuco.
As ações promovidas pelo Museu do Trem, em meio às restrições então em vigor, tiveram como objetivo ampliar seu alcance e contornando os limites impostos pela pandemia da impossibilidade de realização de eventos presenciais. A visitação presencial já havia sido retomada em junho, no entanto o meio virtual foi um caminho que se mostrou muito proveitoso para evitar as aglomerações e chegar a públicos até de fora do Paraestado.tanto, um planejamento cuidadoso foi desenvolvido previamente no sentido de definir, de acordo com as possibilidades do museu, quais ações poderiam ser desenvolvidas no intuito de discutir um tema tão importante para a instituição e que então se colocava como centro das discussões no maior evento em nível estadual voltado a discutir o patrimônio cultural.
67 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 atividades desenvolvidas pelo Museu do Trem foram além do período proposto para a Semana do Patrimônio, ocorrendo ao longo de boa parte do mês de agosto.
Com a proposta de desmistificar o que representa o patrimônio ferroviário, uma das primeiras ações foi a divulgação de um vídeo gravado pelos integrantes da Coordenação de Ação Educativa do Museu do Trem André Cardoso e Diogo Milfont explanando de maneira objetiva o que é e de quais elementos é composto o patrimônio ferroviário de Pernambuco. Não apenas esta, mas as demais ações tiveram como objetivo também chamar a atenção da população para o patrimônio ferroviário no momento em que os estudos para o tombamento desse patrimônio, promovidos pela Fundarpe, foram retomados.
Os elementos visuais foram fundamentais mais uma vez para que o Museu pudesse comunicar seu conteúdo, principalmente em se tratando de ações remotas. Assim, os elementos que compuseram a identidade visual das ações, cuidadosamente pensados e desenvolvidos pela designer Karla Linck, que faz parte da coordenação de Ação Educativa do Museu do Trem foram apresentados em um outro vídeo.
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O lançamento da mediação virtual do Museu do Trem foi um momento muito importante da programação da Semana do Patrimônio. Previamente pensada e organizada pela equipe da Coordenação de Ação Educativa do Museu do Trem, a mediação virtual é uma visita guiada ao conteúdo do Museu do Trem, de maneira síncrona, conduzida pelos mediadores do Museu, através de vídeo chamada. Durante a Semana do Patrimônio foi então aberto o agendamento para que grupos escolares pudessem então participar. A proposta foi desenvolvida justamente para atender não apenas a demanda de escolas durante o período das restrições, mas também para possibilitar o acesso ao Museu de grupos situados em cidades mais distantes, para os quais a logística de uma visita presencial é cara e de poucas possibilidades.
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ARTIGOS ACADÊMICOS
Por fim, as lives tiveram um destaque especial na programação da Semana. A retomada do projeto Conversa Ferroviária, debates online com convidados diferentes por cada edição para abordar questões relacionadas ao transporte e ao patrimônio ferroviário, trouxe uma dinamização ainda maior para a programação que foi organizada pela equipe de Ação Educativa do Museu. Visando discutir sobre o nosso patrimônio ferroviário a partir de olhares e abordagens diversas, foram propostas três edições da ação. A primeira edição teve como convidada a jornalista Cleide Alves que foi responsável por uma série de reportagens sobre o patrimônio ferroviário de Figura 3. Card para as ações do Museu do Trem para a 14ª Semana do Patrimônio. Fonte:Acervo do Museu do Trem.
um comparativo desses edifícios em momentos distintos de sua existência, a exposição teve como objetivo despertar a atenção do público para a situação do patrimônio ferroviário do estado, a partir do contraste de imagens antigas e atuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pernambuco divulgada pelo Jornal do Commercio em 2014 e que teve grande alcance e repercussão. A segunda edição foi realizada com a participação da arquiteta Elissandra Magalhães, da Prefeitura de Moreno, e tratou dos projetos de intervenção realizados nas antigas estações ferroviárias do estado. Já no final do mês de agosto, foi realizada a terceira edição buscando trazer o olhar e as contribuições da academia para o patrimônio ferroviário, contando com a participação dos arquitetos Talys Medeiros e Ana Renata Silva Santos, que pesquisaram sobre o patrimônio ferroviário.
O conteúdo gerado pelas ações que foram realizadas de maneira virtual, permaneceram hospedados nas redes sociais do Museu do Trem, as principais ferramentas para a realização desta programação. Assim, pode continuar a ser acessado pelo público. E, essa virtualização, diga-se um tanto forçada pelo período de pandemia, possibilitou que a visão da equipe do Museu fosse ampliada. A instituição se reinventou e os meios virtuais foram as ferramentas para a educação para e pelo patrimônio ferroviário de Pernambuco, fazendo com que mesmo sem a indispensável experiência presencial o Museu não deixasse de cumprir com sua missão pela preservação da memória ferroviária.
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As ações educativas são fundamentais para a compreensão e preservação de quaisquer patrimônios, o que não é diferente para o patrimônio ferroviário. Tais atividades se mostram um meio eficaz de difusão e democratização do conhecimento acerca desse legado cultural. Através de tais práticas se realiza o processo de mediação, de forma dinâmica, entre o sujeito e o patrimônio. Assim, como principal centro de preservação e interpretação do patrimônio ferroviário no estado, o Museu do Trem do Recife se posiciona como principal veículo de difusão e promoção do legado ferroviário e lança mão de diversas ferramentas para interpretação, buscando promover a apropriação do patrimônio ferroviário pela população, o que exige uma abordagem multidisciplinar e bastante sensível que aproxime o sujeito do patrimônio e fortaleça a compreensão de sua completude material e Atravésimaterial.das ações que compuseram a programação da 14ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, o Museu do Trem teve como um de seus objetivos a provocação do sujeito, nutrindo o processo de “construção coletiva e democrática do conhecimento” (FLORÊNCIO et al. 2014). Isso se refletiu no alcance das ações, atingindo consideráveis números de visualizações e compartilhamentos do que foi produzido e publicado.
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De 1978 até 2016, baseado nas informações do International Council of Monuments and Sites (ICOMOS) e do The International Comitee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), foram listados 77 sítios industriais e tecnológicos
Em 1970, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicou um documento sobre os programas de reabilitação de monumentos e lugares para propósitos turísticos. René Maheu, Secretário-Geral da entidade na ocasião, declarou que a proteção do patrimônio da humanidade era justificada pela “cultural formation of contemporary man by communion with works produced, through the centuries, in the several centres of civilization [...]” (UNESCO, 1970, p. 23). Afora os critérios artísticos e históricos de reconhecimento, a proteção do patrimônio cultural da Humanidade reiterava um ideal de “intellectual and moral solidarity of mankind” expresso pela UNESCO (1946) e de “spiritual and moral values which are common heritage of their peoples” no Conselho de Europa (1949). Estes ideais humanistas de solidariedade intelectual e comunhão moral foram declarados no contexto do pós-guerra e refletiam uma expectativa futura de paz e harmonia entre as nações beligerantes, que deveriam ser materializados pelo Patrimônio Mundial.
Eduardo
Este artigo é resultado de pesquisa financiada pela FAPESP (n. processo 2016/15921-2, Fundação de Amparo à Pesquisa - FAPESP). Texto originalmente publicado nos anais do 5º Fórum Internacional Sobre Patrimônio Arquitetônico Brasil-Portugal – FIPA - 2018. Brasília: IPHAN, 2018. 2 Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas (1990), mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo (1995) e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é Professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), pesquisador de temas relativos a patrimônio cultural, história dos transportes e memória. Possui diversos trabalhos publicados sobre patrimônio industrial, história do transporte ferroviária, memória e turismo cultural.
Em 2018, estes ideais parecem incrivelmente distantes nos últimos anos em função da ascensão de posturas extremistas (tanto por parte de governos quanto de grupos sociais em diferentes países, inclusive no Brasil).
Romero de Oliveira
71 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 PARA UMA ÉTICA DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL FERROVIÁRIO: ENSAIO SOBRE OS VALORES ÉTICOS ALEGADOS NA PRESERVAÇÃO E REÚSO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL DO TRANSPORTE 1
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pela UNESCO como Patrimônio Mundial - 9 deles eram sítios históricos de transporte.
O PATRIMÔNIO CULTURAL NUMA PERSPECTIVA ÉTICA
Afirmativa reiterada no Tratado de Londres (1949), quando da criação do Conselho de Europa, porque neles estaria também fundamentada em valores éticos e políticos (em particular, uma ideia da Reaffirmingdemocracia):theirdevotion to the spiritual and moral values, which are the common heritage of their peoples and the true source of individual freedom, political liberty and the rule of law, principles which form the basis of all genuine democracy.
Neste artigo pretendemos, primeiramente, analisar algumas ideias que fundamentaram a preservação do patrimônio cultural, como uma frente de ação ligada aos objetivos principais da UNESCO, desde 1947. Em seguida, nós apresentaremos os sítios históricos listados como Patrimônio Mundial em vista de verificar os valores éticos implícitos, se e como eles reiteram ideais de “comunhão moral ou intelectual”.
ARTIGOS ACADÊMICOS
Isso permitirá examinar como estes valores passaram a ser associados a alguns bens de transportes reconhecidos como Patrimônio Mundial e, também, checá-los com respeitos aos valores éticos associados. Inclusive considerar se tais valores foram considerados no uso ou reúso atual. Finalmente, exporemos a candidatura do sitio ferroviário à lista do Patrimônio Mundial. Isso nos permitirá observar se este tipo de valor está representado ou não nesta candidatura.
Qual destes valores morais poderia ser reconhecido numa listagem de patrimônio do transporte nos últimos 40 anos? Qual daqueles ideais poderiam estar representados no patrimônio arquitetônico ou no patrimônio mundial relativo ao transporte ferroviário? No Brasil, foi preparada a candidatura da Paisagem Cultural de Paranapiacaba como Patrimônio Mundial - uma vila operária e sistema ferroviário existentes ao longo da Serra do Mar (São Paulo). Este patrimônio cultural na América Latina acrescentaria algum novo aspecto aqueles ideais ou pelo menos os espelharia?
Na declaração de criação da UNESCO, em 1946, já se aludia a valores fundamentais nos quais este novo organismo internacional estava baseado. (…) since wars begin in the minds of men, it is in the minds of men that the defences of peace must be constructed. (Preamble, Constitution of UNESCO, 1946).
Eduardo Romero de Oliveira
Por um lado, “to maintain, increase and diffuse knowledge” permitiria estabelecer um senso político comum (“individual freedom, political liberty and the rule of law”) e transformações na conduta dos homens. Por outro lado, o estímulo à educação e cultura iria promover valores de equidade e liberdade. Por fim, uma cooperação internacional seria obtida por meio do estÍmulo à educação, cultura, ciência e comunicação entre os países membros, a fim de garantir a paz e a segurança internacional. Estes amplos propósitos intelectuais e morais seriam obtidos pela promoção de ações sobre a educação, cultura, ciência e comunicação. A criação e atividades da UNESCO era justificável exatamente por ser uma nova entidade de cooperação internacional que se dedicasse a viabilizar estas ações entre os países membros, como meio de coexistência mundial.
73 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 [These values could guarantee…] the preservation of human society and civilisation. (Council of Europe, 1949).
Ambas as declarações colocam como fundamento ético da entidade: a “intelectual and moral solidarity of mankind”, que supõe um ideal de “union intellectual rationale and political common sense”. Esta expressão retomaria discussões da Liga das Nações e será repetida em vários documentos posteriores da UNESCO (ESPIELL, 2007). A humanidade (“mankind”) seria aqui uma entidade transcendente, representada neste patrimônio comum a fim de garantir a paz (entre as nações envolvidas na 2ª Guerra Mundial, principalmente as nações europeias), pois este patrimônio demonstraria uma unidade comum. Abandonava-se aqui a ideia de comunhão humana por meio da raça, antes recorrente. Até porque a concepção racial dos seres humanos presente em textos políticos e médicos do século XIX (FOUCAULT, 1999), mantinha uma hierarquia social e distinção natural entre grupos de homens sob o discurso da luta biológica entre raças. Esta concepção tinha justificado conflitos nacionalistas, extermínios mútuos, campanhas internas de depuração ou saneamento - argumento que foi levado ao extremo pelo Estado Nazista no holocausto da 2ª Guerra Mundial. Esta concepção racial havia fundamentado um discurso administrativo do Estado de que havia um patrimônio social (a “raça”) que deveria ser guardado puro (FOUCAULT, 1999, p. 98). O discurso humanista da UNESCO - esta forma reatualizada de um discurso jurídico-administrativo do direto natural, predominante até início do século XX, na própria Liga das Nações - procurava responder às nefastas consequências políticas e belicistas daquele discurso racial.
Ao mesmo tempo, o Conselho de Europa vinha imbuído do propósito político de criar uma unidade política entre os países europeus (um ideal de “greater unity between its members”), também baseado em valores intelectuais e morais,
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A conferência da UNESCO de 1950, fundamentada no princípio de uma unidade intelectual e moral que forma a “Humanidade”, estabelece que as atividades da UNESCO devem demonstrar a interligação mundial da produção cultural. “Stimulates nations to develop their literature, art and Science” era também outra atividade que permitiria ratificar que cada uma visse a si mesmo “as parts of a world heritage” (UNESCO, 1950, p. 20). Uma outra atividade relevante era estimular a cooperação internacional sobre medidas de conservação e proteção de obras, monumentos e documentos que forma o patrimônio cultural da humanidade. Afinal, tanto a cooperação internacional, quanto a preservação de um patrimônio mundial seriam formas de demonstrar intelectualmente esta interligação essencial entre as nações. E de fato, dezenas de “atividades culturais” foram concebidas e realizadas com este propósito.
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interesses econômicos e progresso social - principalmente considerando o histórico de constantes conflitos entre países como Alemanha, França, Inglaterra, Espanha e Itália. Para sustentar este ideal, o Conselho tomou os direitos humanos e liberdades como fundamentos éticos e políticos de seus propósitos - ratificados na Convenção dos Direitos Humanos (1950). A busca de progresso social e econômico deveria ser pauta por ações comuns e por respeito rigoroso a estes fundamentos.
Neste contexto diplomático dos novos organismos internacionais, os monumentos históricos não poderiam ser evocados apenas como valor em si (Belo), sejam representativos de expressões artísticas nas sociedades, nem internos à sua formação nacional (histórico, artístico ou arquitetônico). Estes eram os objetivos da ideia de monumento histórico-artístico no século XIX, adotados nos debates sobre restauração arquitetônica ou história da arte. Contudo não eram suficientes para uma Europa fragmentada por disputas nacionalistas e uma população traumatizada pela destruição física e mortandade por duas guerras. Em meados do século XX, após a 2º Guerra Mundial, o patrimônio cultural tornou-se um meio para sustentar valores éticos e políticos (a paz, a segurança, a equidade e a liberdade) declarados comuns a países europeus - ou inclusive a outros países partícipes da Organizações das Nações Unidas (ONU) - a fim de viabilizar a coexistência comum, progresso econômico e social. O patrimônio cultural seria, portanto, um artifício contemporâneo à promoção de determinados valores éticos e políticos, como garantia de uma existência humana e em condições dignas na sociedade contemporânea.
A Declaração de Princípios de Cooperação Cultural Internacional (UNESCO, 1966) vai atender esta estratégia a partir de uma ratificação mútua das duas atividades. Conforme o documento, “todas as culturas, por sua variedade e diversidade, formam parte de um patrimônio comum de toda a humanidade” (art. I, 3). E a cooperação cultural internacional visa ampliar o conhecimento, desenvolver relações pacíficas
Além disso, os bens culturais seriam testemunho da singularidade de um povo (sua “personalidade”, sua nacionalidade); e ao mesmo tempo, de uma universalidade e de vínculos essenciais com outros povos (“cultural heritage of mankind”). Se os povos estiverem conscientes de suas singularidades e, também, dos aspectos universais que os unem entre si, por meio da proteção deste patrimônio cultural, isso permitirá promover seu bem-estar e alcançarem sua “completa realização espiritual e nacional” (“spiritual and national fulfilment”) (UNESCO, 1968). Identificar o patrimônio cultural é, portanto, buscar as provas de existência de uma unidade transcendental (“Humanidade”) - e coetâneo à outra unidade biológica (a espécie humana), mas não igual à “raça” - que sejam garantias para seu bem-estar e anseios nacionais. Nesta perspectiva metafísica, se a formação desta consciência do singular e do universal forem promovidas pela UNESCO, ela está atuando para promover seus fins éticos (paz e justiça). Isto legitima a preservação patrimônio cultural, em função da ideia de humanidade que representa e, também, o coloca como garantia de desenvolvimento dos povos.
entre os povos e melhor conhecimento sobre os modos de vida (art. IV). Assim, se cada nação contribui para um patrimônio comum, a cooperação internacional permite preservar e conhecê-lo mutuamente.
Em 1960, a ONU declarou aquela como Década de Desenvolvimento (19601970), para encorajar o desenvolvimento econômico e social de todos os países do mundo. Se o desenvolvimento econômico e social era importante para o homem, em contrapartida, ele tinha colocado em risco a preservação do patrimônio do cultural e natural. Conforme expresso à época sobre a proteção das paisagens (UNESCO, 1962), paisagens e sítios são importantes para a vida econômica, social e progresso técnico; e são resultantes da natureza ou obra do homem (art. 1). Contudo, o crescimento urbano e instalações industriais desordenados empobrecem as paisagens naturais, por isto é preciso propor estudos e medidas para a salvaguarda de paisagens e sítios (art. II e III).
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Há aqui uma contradição imediata entre o estímulo a preservação e ao desenvolvimento econômico - num contexto de intensa industrialização e crescimento desordenado das grandes cidades já reconhecido à época. A Recomendação à conservação de bens culturais (UNESCO, 1968) sugeria esforços para uma interação possível entre ambos. Neste documento há inclusive uma defesa da interação harmoniosa dos monumentos para com a indústria e a cidade: coadunar o passado com o presente; conciliar a condição de humanidade (expressa nos monumentos e vestígios do passado) com a sua expansão do bem-estar humano, que se tornaria viável através do desenvolvimento social e econômico (isto é, a urbanização e a industrialização).
Portanto, os programas educativos da UNESCO deveriam estimam o interesse e respeito pelo próprio patrimônio cultural e pelos outros povos, por isso é necessário assegurar a preservação ou salvamento dos bens culturais. O turismo, por sua vez, cumpriria muito bem as funções de difusão cultural e conhecimento mútuo dos povos; além de auxiliar na obtenção de recursos à preservação. Este tipo de concepção vai estar ressaltado em muitos documentos do órgão sobre o papel do turismo:
If monuments are assigned a mission in the promotion of tourism, not only will they be more easily preserved, but knowledge and appreciation of them will be vastly enhanced. Tourism will help to put monuments to widers cultural use. (UNESCO, 1967a).
Na Convenção do Patrimônio Mundial (1972), o patrimônio mundial como testemunho do “world heritage of mankind” será adequado para materialização desta entidade universal (“Humanidade”), que permitisse efetivar os valores de equidade e justiça. A criação da lista do Patrimônio Mundial virá atender aquela intenção de proteger bens culturais locais que fossem representativos de uma universalidade (a Humanidade), por expressarem suas dimensões racionais (científica), criativa (arquitetura e artes) ou da ação humana na natureza. O critério de excepcionalidade para seleção redundaria nos melhores exemplos de “herança comum”. Por sua vez, a criação de um Fundo Mútuo e dos Programas de Assistência Internacional atenderia ao objetivo de cooperação internacional. Estes valores, declarados no contexto do
Exemplo deste tipo de esforço complementar (promoção do desenvolvimento social e proteção do patrimônio cultural), estaria presente em documento posterior (UNESCO, 1967b, p. 62-3), onde se indica que a preservação e apresentação do patrimônio cultural têm conexão com a promoção do turismo: contribui para o conhecimento mútuo (promove a paz); promove a educação de todas gerações pelo contato com civilizações atuais e passadas (promove a educação cultural e popular); promove o desenvolvimento (econômico e social); auxilia no financiamento de restauração e preservação de monumentos (salvaguarda da herança cultural mundial).
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O estímulo ao turismo era mais uma atividade complementar à UNESCO para o reconhecimento de um ideal de humanidade (unidade intelectual e moral), pois a atividade turística ampliaria a difusão dos valores universais de liberdade e justiça, assim como as contribuições de cada povo; ambas reconhecíveis no patrimônio cultural.
A proteção aos monumentos e o desenvolvimento econômico deveriam ser meios distintos ao mesmo fim de sustentar o bem-estar humano.
ARTIGOS ACADÊMICOS
77 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 pós-guerra e que refletiam a expectativa de paz e harmonia mundial, poderiam ser materializados então pelo Patrimônio Mundial.
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Esta Declaração reiterava o esforço de buscar uma “greater unity” por meio de “safeguarding and realizing the ideals and principles which are their common heritage”. Em termos de política internacional, havia um grande esforço de unificação política da Europa, operado pelo Conselho de Europa desde 1951, mas que no final dos anos 1960 foi atingido por conflitos internacionais - como a invasão da Tchecoslováquia em agosto de 1968 pelos países do Pacto de Varsóvia (Europa oriental) (Council of Europe, 1971, p. 251). Isto colocava um forte empecilho para uma unificação europeia completa e, também, exigiu nos anos seguintes um necessário esforço diplomático de união dos governos democráticos europeus; seja por meio do próprio órgão (como conselho consultivo e de cooperação), seja por iniciativas de cooperação. A proposta preservacionista desta Declaração pode ser entendida como parte destes esforços diplomáticos. O patrimônio arquitetônico representava então uma “irreplaceable expression of the wealth and diversity of European culture”, cuja preservação “depends largely upon its integration into the context of people’s lives and upon the weight given to it in regional and town planning and development schemes”. Nesta virada da década, o Conselho da Europa já tinha indicado a necessidade de estabelecer uma Convenção Cultural e princípios de salvaguarda. A Convenção de 1975 é compreensível também dentro de um conjunto de convenções e declarações nos quais estão com foco políticas regionais para o desenvolvimento dos países europeus proposta naquela ocasião, em função de problemas econômicos e sociais identificados (EZRA, 1971). Uma década
O debate sobre a conciliação entre a preservação e a promoção econômica alcançou também as diretrizes sobre política urbana. Na Declaração de Amsterdã (Council of Europe, 1975), onde o patrimônio cultural deve ser inserido no planejamento urbano, com destaque à importância da preservação do patrimônio edificado e seu entorno (“environment”), assim como aquele deve ser considerado como parte da vida social e econômica. A argumento do patrimônio cultural como meio de reconhecimento de uma unidade transcendente consta dos princípios do documento: “gives to her peoples the consciousness of their common history and common future”, por meio de políticas que mantenham “spirity of solidarity”. Se, por princípio, o patrimônio cultural pode representar uma “consciência história” do Homem (este Ser que transcende o presente e se estende ao passado ao futuro), consequentemente, o patrimônio arquitetônico pode ser o melhor instrumento ou artifício para materializar uma unidade europeia.
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Em 2017, dentre os tipos patrimoniais culturais que mais recentemente foram incluídos no rol de proteção, temos o patrimônio industrial. Enquanto os tipos clássicos - “monumentos históricos, edifícios de culto, artes e ciências”, conforme expresso na Convenção de Haia, em 1899 - tem seu reconhecimento consolidado desde o século XIX; outros surgiram no século XX, como o patrimônio arqueológico (evocado nas Recomendações de Nova Delhi/UNESCO, em 1956), o ambiental (evocado na Carta de Paris/UNESCO em 1972) e o intangível (na Salvaguarda do Patrimônio Imaterial/ UNESP, de 2003). Apesar da primeira proteção de um bem industrial no âmbito mundial ter ocorrido em 1978 (Minas de Sal de Wieliczka), a conceituação de patrimônio industrial só foi internacionalmente declarada na Carta de Nizhny Tagil (TICCIH, 2003), e posteriormente revisada nos Princípios de Dublin (TICCIH/ICOMOS, 2011). Desde 2013, o ICOMOS admitiu à Comissão assessora de avaliação do Patrimônio Mundial um membro do The Internacional Comitte of Conservation of Industrial Heritage - TICCIH (José Manuel Lopes Cordeiro) para avaliação das candidaturas, na área de arqueologia industrial. Em 2006, segundo o ICOMOS, havia 41 bens industriais e técnicos listados como patrimônio mundial pela UNESCO; até 2015, mais 22 foram incluídos3. Segundo
VALORES ÉTICOS NO PATRIMÔNIO MUNDIAL DO TRANSPORTE
Em 2018, este ideal de harmonia mundial parece incrivelmente distante. Estariam em crise este ideal ou estes valores éticos? É uma questão que mereceria reflexões mais amplas; contudo, pelos objetivos deste texto, restringimos ao patrimônio do transporte.
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antes, no âmbito europeu, em 1964, o Conselho de Europa já considerava relevante a questão do planejamento regional no âmbito das autoridades locais, em vista da “creation of an environment worthy of the human beings who inhabit it” (Council of Europe, 1971). O problema da conservação teria assim forte interdependência das políticas de planejamento local e regional. Se o patrimônio edificado poderia promover a consciência de “um passado comum e perspectiva de futuro comum”, o planejamento urbano regional poderia funcionar como promoção de condições de vida e identidade europeia (“enable individuals to find their identity and feel secure despite abrupt social changes”).
3 Sobre a listagem completa de bens mundiais até ano de 2006, vide site do ICOMOS. Disponível em: < http://international.icomos.org/18thapril/2006/whsites.htm>. Para aqueles incluídos recentemente, vide site da UNESCO. Disponível em: <http://whc.unesco.org/en/list/>. Acesso em 28.11.2016.
Vários são da Antiguidade ou Idade Média, que poderiam certamente ser exemplos de técnica humana, mas não “vestígios da industrialização”. Nesta categoria talvez se enquadrem 37 sítios mundiais - dentre os quais o primeiro deles são as Minas de Sal de Wieliczka (Polônia, 1978). Frente a esta multiplicação de bens reconhecidos, de instituições e diretrizes sobre o patrimônio industrial, a problemática específica é o que este novo tipo patrimonial agregou à reflexão sobre a preservação de bens culturais.
A inclusão destes bens industriais e técnicos foi fundamentada nos principais critérios culturais de seleção estabelecidos pela UNESCO. Sendo 54 conforme o C4 (exemplo original de um tipo de edificação, arquitetura ou conjunto tecnológico ou paisagem); 42 conforme C2 (intercâmbio relevante de valores humanos); 20 como C3 (testemunho excepcional); 16 reconhecidos pelo C1 (obra-prima do gênio de criatividade humana); 10 segundo C6 (original significância universal de obras, ideias, tradições vivas ou eventos); e 8 como C5 (exemplo de um assentamento tradicional humano ou interação humana com o ambiente) (Cf. UNESCO, 2016)4. Portanto, predominam os critérios de produção material humana e do intercâmbio de valores na indicação dos bens industriais e técnicos, sendo que apenas o segundo critério inclui diretamente o ideal de “intelectual and moral solidarity of mankind”; enquanto os demais atendem ao critério da excepcionalidade (histórica ou artística) ou ideia de paisagemAtualmente,cultural. dentre os bens culturais reportados como “patrimônio industrial” pelo ICOMOS ou o TICCIH, nove deles são relativos ao transporte, sendo que 5 são relativos ao transporte ferroviário, 4 sobre canais (Canal du Midi, The Four Lifts on the Canal du Centre and their Environs, Pontcysyllte Aqueduct and Canal, SeventeenthCentury Canal Ring Area of Amsterdam) e 1 sobre transporte marítimo (Liverpool – Maritime Mercantile City). Elenquemos, em especial, os sítios mundiais relativos ao transporte ferroviário para avaliar como o ideal de solidariedade foi evocado nos documentos de proteção e (re)uso atual dos mesmos.
A Semmering Railway foi construída ao longo de 41 km de montanhas entre 1848 e 1854, na Áustria, e serviu para o transporte de turistas vienenses nos Alpes.
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4 Avaliando apenas os 37 sites considerados bens industriais, a distribuição por critérios fica: C4 aparecem em 32 sítios; C2, em 25; C3, em 10; C1, em 5; C6, em 4; C5, em 3. Não se altera proporcionalmente a ordem dos critérios alegados para os bens, mesmo sendo eles apenas industriais. As informações e justificativas citadas foram retiradas dos documentos digitais disponibilizados no próprio site da UNESCO. Disponível em: https://whc.unesco.org/en/list/ . Acesso em 28.11.2016.
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os documentos dos diferentes órgãos, seriam 63 bens incluídos na lista mundial. Rigorosamente, nem todos os bens poderiam ser classificados como tal, se aplicarmos a definição de patrimônio industrial expresso na carta “Princípios de Dublin” (2011).
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Incluída na lista em 1998, em conformidade ao critério Criteria II: “the Semmering Railway represents an outstanding technological solution to a major physical problem in the construction of early railways”; e o critério IV também: “with the construction of the Semmering Railway, areas of great natural beauty became more easily accessible and as a result these were developed for residential and recreational use, creating a new form of cultural landscape”. A solução tecnológica e a criação de uma paisagem cultural foram alegadas para a proteção. Atualmente a linha ainda está em funcionamento, com intenso transporte de carga e passageiros operada pela empresa pública Austrian Federal Railway, que a comercializa turisticamente como “trem cênico”. Nem para a proteção, nem pelo uso atual, remetem aos valores éticos da UNESCO, ainda que respondam aos propósitos da Carta de 1975, com recentes investimentos da União Europeia para promoção do desenvolvimento econômico regional por meio do turismo (2014).
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A Mountain Railways of India foi protegida em 1999. Este sítio inclui 3 ferrovias construídas entre 1881 e 1908, na Índia. Viabilizada graças a soluções de engenharias civil e mecânica para execução da via e material rodante apropriado a trens de montanha, sua construção foi viabilizada pela British East India Company, e fez parte das obras de infraestrutura do Império Britânico na ocupação do reino de Sikkim. A região de Darjeeling tornou-se economicamente importante para a Grã-Bretanha por conta do cultivo e exportação do chá a partir de 1870. Novas linhas foram construídas a partir de então pela empresa privada Darjeeling Himalayan Railway, que controlou a operação até 1948. Atualmente o tráfego ferroviário é operado pela empresa pública Indiana Northeast Frontier Railway. Nos documentos da UNESCO, sua proteção está fundamentada no critério II: como um dos principais “examples of the interchange of values on developments in technology”; e “the impact of an innovative transportation system on the social and economic development of a multicultural region”. Também fundamentado no critério IV: como “examples of a technological ensemble, representing different phases of the development in high mountain áreas”. O aspecto tecnológico na construção de trens de montanha - tal como na Semmering Railway - é o principal fundamento da proteção, considerando inclusive os impactos econômicos e políticos da abertura desta linha na região (COULLS, 1999). Se podemos deduzir corretamente dos documentos internacionais, o critério de autenticidade sustenta a inovação tecnológica no mérito da engenharia inglesa em trens de montanha que foi aplicada em outras regiões do mundo, assim como o imperialismo britânico como fenômeno de impacto mundial. Não teria havido exatamente “intercâmbio de valores”, portanto.
A Chhatrapati Shivaji Terminus (conhecida como Victoria Terminus) (1878-87, Bombai, na Índia) é um exemplo da arquitetura vitoriana em estilo neogótico, mesclado
Recentemente, a Forth Bridge (2015, Escócia) também foi incluída na Lista Mundial. A ponte ferroviária, que atravessa o estuário do rio Forth, na Escócia, é a mais longa ponte construída por sistema multi-span cantilever. Projetada pelos engenheiros ingleses John Fowler e Benjamin Baker, aberta em 1890, continua a funcionar no tráfego ferroviário de passageiros e carga operado pela empresa inglesa de transporte público Network Rail. Segundo a Comissão, o estilo inovador, material
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O prédio continua com sua função original de edifício ferroviário de passageiros, com intenso comércio e outros serviços dentro de sua área. As justificativas tecnológica e arquitetônica de proteção agregaram-se a um entendimento eurocentrista de “troca de influências culturais” (projeto e estilo ingleses com motivos decorativos locais). Enfim, apesar dos seus méritos como exemplos tecnológico e arquitetônicos adequados aos critérios estabelecidos, a proteção da Victoria Terminus - como também a Montain Railways of India - como monumento histórico da ocupação imperialista seria pouco sustentável do ponto de vista daquela ética humanista pós-guerra - parâmetro de nossa análise e também princípio fundacional da própria UNESCO.
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Construídas em 1908, ligando a Itália até a Suíça, é mais um dos trens turísticos que se estenderam na Europa pré-guerra. Declarado patrimônio mundial em 2008, alega o critério II (de inovação técnica, arquitetônica e conjunto ambiental) e critério IV, como “a very significant illustration of the development of mountain railways at high altitude”. Novamente a justificativa tecnológica é motivo principal para proteção, que é complementada pela alegação do impacto social e econômico local derivado da abertura da linha. O apelo paisagístico presente no dossiê da candidatura de proteção do sítio faz eco das propagandas de turismo aos Alpes, em fins do século XIX - que foi a motivação original de sua construção. O argumento da constituição histórica de uma “greaty unity”, estabelecido por meio de políticas europeias regionais, é reconhecível neste sitio histórico. Inclusive porque a candidatura enquadrava-se em políticas regionais e em áreas de montanha, promovidas à ocasião pela Confederação Suíça - promotora da candidatura mundial, com participação de órgãos suíços de desenvolvimento, de turismo e de meio ambiente.
O patrimônio mundial da Rhaetian Railway na paisagem de Albula - Bernina reúne duas linhas ferroviárias que cruzam os Alpes Suícos através de duas passagens.
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com elementos da arquitetura tradicional indiana - projetado pelo engenheiro inglês F. S. Stevens, fazia parte da remodelação do centro e criação dum grupo de edifícios monumentais públicos, com forte simbolismo do controle militar britânico nesta capital mercantil. A Comissão da UNESCO reconheceu no grandioso edifício ferroviário o critério II (“important interchange of influences”) e o critério IV (“example of late 19th century railway architecture” com “its advanced structural and technical solutions”).
A vila ferroviária de Paranapiacaba foi uma vila operária construída pela empresa inglesa Sao Paulo Railway Company, em 1894. Havia um núcleo de trabalhadores (ligados à empresa) e outro de ocupação espontânea ao lado, além de oficinas de manutenção, pátio de manobras de trens e sistema funicular para ascensão dos trens na Serra. Há aspectos relevantes no histórico da vila: do ponto de vista funcional, era lugar de manutenção e operação das sessões de tração da ferrovia como trem de montanha para transporte de carga; do ponto de vista social, uma organização
VILA FERROVIÁRIA DE PARANAPIACABA: ATUALIDADE ÉTICA OU TECNOLÓGICA DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO?
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e escala trazem a marca dos projetos de pontes e sistema de construção adotados no auge das construções de linhas férreas de longa distância. Os documentos da UNESCO alegam os critérios I e IV, novamente com destaque por seus aspectos tecnológicos.
Essa rápida exposição sobre estes sítios de Patrimônio Mundial do transporte (e Patrimônio Industrial) serve para destacar os valores dos quais estão imbuídos - para além apenas dos critérios técnicos - que justificam sua proteção. Enfim, a questão é: porque se demandou afinal a proteção mundial de um sitio cultural (industrial e ferroviário)? Assim colocamos em questão qual a coerência da sua proteção com relação aos valores éticos alegados pela própria UNESCO nas últimas décadas. Se a urgência da proteção foi meio de garantir paz e harmonia mundial - pelo que mobilizaram recursos financeiros e pessoas ao longo das décadas de 1950 e 60 - estas ideias não parecem plenamente representadas no resultado final de proteção do Patrimônio Mundial e de usos atuais. As orientações regionais - com destaque à Comunidade Europeia - e uma tonalidade eurocentrista no destaque à tecnologia e indústria parecem ganhar mais destaque na sua valoração. Apesar disso, o patrimônio cultural afirmou-se atualmente como um artifício largamente aceito para além de si mesmo ou da justificativa históricoartístico. O fato do patrimônio cultura ser incluído como foco de políticas regionais ou urbanas a partir dos anos 1970 parece ser o melhor exemplo.
No Brasil, foi preparada a candidatura da Paisagem Cultural de Paranapiacabauma vila ferroviária construída pela São Paulo Railway em 1898, na Serra do Mar (São Paulo), que fazia parte do sistema de transporte ferroviário operando entre o porto de Santos e a cidade de Jundiaí, passando pela capital do estado, São Paulo. Pretendemos examinar se a proposta de inscrição de Paisagem Cultural de Paranapiacaba poderia atualizar aqueles valores éticos humanistas ou proporcionar novos valores relevantes ao século XXI, no atual contexto.
83 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 do trabalho ferroviário similar a outras company towns existentes em diferentes países. O histórico do sítio teria relevância tecnológica e social. Atualmente o vilarejo pertence ao município de Santo André e as casas estão em poder de proprietários privados. Entre os anos 2002 e 2008, houve um intenso projeto de intervenção, com recuperação das tipologias originais, e preparação de alguma infraestrutura turística (FIGUEIREDO; SILVA, 2014). As margens das montanhas da Serra do Mar e próximo da região metropolitana de São Paulo, o sítio cresceu como área para lazer e turismo ecológico aos moradores da capital. A documentação preparada para a candidatura à UNESCO destacou que o sítio enquadra em três critérios: no critério I, que a construção da ferrovia representava “a masterpiece of human creation by the ingenuity of its construction”; no critério II, como testemunho de “cultural interchange” devido ao desenvolvimento do sistema de transporte e tecnologia aplicada no sitio; no critério IV, visto que foi adotado simultaneamente um planejamento urbano europeu associado ao modelo de vilas operárias europeias. A reprodução tropical de modelos sociais e tecnológicos europeus (“masterpiece of human creation”) nas Américas perpassa a argumentação do pedido. Órgãos brasileiros (nos âmbitos municipal e nacional de proteção) estiveram realizando obras entre 2016 e 2017 para atender às exigências da submissão. Os recursos e iniciativas vinham na esteira de um projeto nacional vinculado investimentos em cidades históricas para preservação e promoção de destinos turísticos no país - que apesar do mérito da iniciativa, reiterava aqueles mesmos destinos turísticos já consolidados ao longo das ultimas décadas. Nossa exposição não pretende desqualificar a importância histórica da vila ferroviária - muito menos de qualquer dos outros sítios históricos mundiais citados.
O que questionamos são os valores declarados na proteção dos sítios industriais, que pode estar implicado no seu uso atual, à luz daqueles valores éticos alegados nos princípios fundamentais da UNESCO. Daí cabe a pergunta sobre a paisagem cultural de Paranapiacaba: este sítio ferroviário tem relevância tecnológica associada a algum valor ético universal? Pelo que avaliamos nos documentos apresentados à UNESCO, reproduzem-se as mesmas escolhas técnicas dos bens mundiais citados acima. Apesar dos relevantes (re)usos econômicos e sociais existentes, a propositura não parece fundamentada em valores éticos internacionalmente reconhecidos - que foram adotados como as garantias de bem-estar, promoção social e econômica igualitária. No caso de Paranapiacaba, em particular, lembremos que a região de Serra do Mar foi ocupada pela colonização portuguesa das Américas no século XVI - que utilizaram inclusive antigos caminhos indígenas para deslocamento de milícias e assentamentos. Durante o século XVIII, pelos caminhos da região trafegavam
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, o patrimônio do transporte tem se mostrado eficaz para refletir o ideal de “union intellectual rationale and political common sense”? Em muitos casos parece refletir muito mais uma união intelectual como cidadãos europeus ou da expansão de suas obras redor do mundo (“the birthplace of the industrial revolution”).
Certamente, a industrialização pode ser explicada como um processo socioeconômico que se expandiu nos vários continentes nos dois últimos séculos. Mas as formas de industrialização e seus impactos (positivos ou negativos) nos seres humanos ao redor do mundo estão respaldados pela seleção dos sítios preservados? Os exemplos citados (as relevâncias alegadas e usos atuais), se estivermos corretos apesar do seu exame superficial, colocaram em questão os valores universais (paz, equidade e liberdade) sobre os quais assentam o ideal de humanidade e democracia?
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A instituição da UNESCO e do Conselho de Europa, reiterado nos documentos posteriores, estabelece parâmetros de coexistência internacional que redefinem também o papel atual do patrimônio cultural. Reconhecemos em vários destes documentos que a Humanidade não se reconheceria mais pela “raça” (uma espécie biológica e estabelecida pela Natureza), mas por partilhar e respeitar princípios de direito e valores éticos comuns que as nações signatárias tinham sido capazes de estabelecer para si mesmas. O patrimônio cultural mundial materializaria estes princípios e valores. Seu caráter artificial (originalmente erigido, selecionado dentre a miríade de vestígios do passado e difundido como meio ao desenvolvimento social
ARTIGOS ACADÊMICOS
comerciantes com mantimentos, escravos africanos ou ouro extraído de Minas Gerais. No século XIX, houve a expansão do cultivo da cana-de açúcar e café para exportação, que fez uso intenso da mão-de-obra escrava - milhares de africanos continuaram a ser trazidos à força para a América do Sul. No meio do século, nesta rota econômica de produtos agrícolas, capitais ingleses financiaram a construção das linhas férreas - e em muitas delas havia uma mescla de formas de trabalho livre e escravo ao longo da via. Um século e meio depois, as mesmas áreas mantém intensa atividade econômica, não apenas como produção industrial, mas também como importante rota de exportação de comodities. As linhas férreas cruzam a maior conurbação na América Latina (23 milhões de habitantes). Se fôssemos destacar o aspecto histórico da região, deveríamos considerar como no sistema ferroviário coexistiram formas diferentes de violência relacionados ao trabalho humano. Quais critérios poderiam melhor expressar esta complexidade histórica entre tecnologia e sociedade, assim como os valores éticos representados por este patrimônio industrial?
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85 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 e econômico) tem sido consolidado pelas próprias declarações e ações da UNESCO. Não fazemos aqui juízo negativo desta função moderna do patrimônio cultural; ao contrário, destacamos seu mais nobre papel. Por isso acreditamos que se deva reconhecer e utilizar também o patrimônio mundial do transporte como artefato para promover a paz, a equidade entre as culturas e a qualidade de vida dos seres humanos nos diferentes pontos do planeta.
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.Recommendation concerning the Preservation of Cultural Property Endangered by Public or Private works. Paris: UNESCO, 1968.
Palavras-chave: Patrimônio. Capela de São Sebastião. Significância.
INTRODUÇÃO Há algumas décadas, os debates acerca de patrimônio histórico têm ganhado novos significados, por exemplo sendo ampliado pela Constituição Federal de 1998, quando o entedimento passou de Patrimônio Histórico e Artístico para Patrimônio Cultural Brasileiro. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o patrimônio é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse 1 Arquiteta e urbanista formada pelo Centro Universitário UniFavip em 2021.01 e Pós-graduanda em Design de Interiores, Conforto Ambiental e Luminotécnica Aplicada.
O presente trabalho teve por objetivo elaborar uma declaração de significância do para a Capela de São Sebastião, em Riacho das Almas-PE, de grande importância para a cidade, por ser a primeira edificação religiosa construída no município. Para isso, o trabalho buscou embasamento teórico sobre questões relacionadas ao patrimônio arquitetônico e a significância cultural, para a criação da declaração, no qual é um documento que expressa o valor cultural do bem e serve de orientação para a sua conservação, bem como a identificação dos valores atribuídos ao bem pela população.
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Também foi realizada uma análise histórica da edificação e a percepção atual da comunidade, a partir de entrevistas realizadas e visitas ao local; sendo analisado também o entorno, que serviram de base e auxiliaram para o desenvolvimento do trabalho. Através desses resultados foi possível elaborar um documento de Declaração de Significância da Capela de São Sebastião, a fim de contribuir no processo de reconhecimento e conservação do bem.
87 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 PATRIMÔNIO DE FÉ: DECLARAÇÃO DE SIGNIFICÂNCIA CULTURAL DA CAPELA DE SÃO SEBASTIÃO, EM RIACHO DAS ALMAS - PE Estephanny Millena de Almeida Ribeiro1 RESUMO
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povo. Ainda de acordo com o IPHAN (2012), uma das maneiras de definir se um bem é patrimônio ou não, é por meio da sua relevância para formação cultural de um povo.
É através dos hábitos, costumes, crenças de um local que as pessoas criam uma identidade cultural, por isso a necessidade de cuidar dos bens que representam a história e a cultura de um lugar. Não se trata só de cuidar da conservação de edifícios e monumentos, mas também dos costumes e manifestações culturais que fazem parte da vida das pessoas (IPHAN, 2012).
Tratando-se da conservação dos edifícios, a Carta de Veneza (1964) descreve: “a conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma função útil a sociedade”. A conservação ajuda a deixar vivo o monumento para que as pessoas do passado, da atualidade e do futuro possam desfrutar desse bem, mas antes de qualquer intervenção que venha a ser realizada, é preciso reconhecer a importância enquanto bem a ser conservado. A declaração de significância é um documento o qual expressa e identifica a relevância sobre o valor cultural servindo de orientação para a conservação do bem (ZANCHETI E HIDAKA, 2014).
O crescimento das cidades, associado com planejamento urbano ineficiente muitas vezes acaba afetando os bens patrimoniais, pois sofrem cada vez mais com processos de descaracterização e desvalorização, deixando de lado sua significância, ou seja, algo completamente novo, que foge do comum ou do que existia, e deixando de ser utilizado pela socidade, perdendo sua importância.
O valor cultural segundo Lacerda (2012), “é a consciência do passado que permite criar uma identidade comum entre este, o presente e o futuro”. Segundo
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Para enfatizar, Bertagnolli cita Cecília Londres: Patrimônio é tudo que criamos, valorizamos e queremos preservar: são os monumentos e obras de arte, e também festas, músicas e danças, os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos, as ideias e a fantasia (LONDRES apud BERTAGNOLLI, 2015, p.49).
Antes de qualquer intervenção, é necessário esclarecer os valores dos bens patrimoniais (LACERDA, 2012). Sabendo assim da importância da análise de um bem patrimonial, será abordado um pequeno resumo dos conceitos de valores reconhecidos por Lacerda(2012). O valor histórico está relacionado com a época que foi construído e o tempo que percorreu na sociedade para que as pessoas pudessem vivenciar, ou seja, reconhecer um monumento de uma determinada sociedade e época sem excluíla das geralçoes futura (LACERDA,2012).
Lacerda (2012), o valor simbólico, corresponde a capacidade de ver as coisas diferentemente da sua realidade, imaginá-las. É enxergar além das sua materialidade, podendo assim, possuir um significado diferente para as pessoas.
A partir da Carta de Burra (1999), o termo de significância começa a ter maior visibilidade e impacto nos setores dedicados à conservação dos bens, objetivando assegurar os valores para as próximas gerações. A Carta define a conservação como “todos os processos de prestação de cuidados a um sítio por forma a que ele retenha o seu significado cultural”. A DS (declaração de significância) “é um documento que expressa o valor cultural de um bem para uma comunidade, sendo um instrumento de suporte de
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O valor de uso, está atrelado ao valor econômico, podendo receber diversos tipos de usos, pois relaciona ao potencial do bem enquanto fonte de crescimento econômico (LACERDA, 2012).
O conceito de significância cultural tem como base os autores Gabriela Azevêdo (2013) e Norma Lacerda (2012), além de conceitos sobre a declaração de signficância de Silvio Zancheti e Lúcia Hidaka (2014) e da Carta de Burra (1999), e assim, realizando uma melhor compreensão de como realizar a declaração corretamente, para que, após essas pesquisas, o trabalho siga para as etapas da construção da Declaração de Significância.
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Apesar da importância da Capela, a cidade não tem nenhuma lei municipal ou qualquer outra iniciativa que contribua para a proteção e a conservação desse bem, por isso o objetivo geral deste trabalho é elaborar uma declaração de significância, para a Capela de São Sebastião em Riacho das Almas - PE.
Nota-se na cidade de Riacho das Almas, em Pernambuco, que a Capela de São Sebastião passa por um processo de descaracterização e desvalorização da sua versão antiga. A Capela foi a primeira igreja católica a ser construída pelos moradores na cidade como um monumento de fé, sendo a edificação mais antiga existente, tendo seus 109 anos. Ela é também um ponto de refêrencia muito conhecido por todos os moradores e visitantes, por isso ela é tão importante para a cidade e para sua história também. A história de Riacho das Almas não tem como ser contada sem que a Capela faça parte da mesma. Por sua grande importância e contribuição, a necessidade da sua preservação e conservação se faz necessária para que outras gerações possam usufruir deste bem.
MÉTODOS PARA A DECLARAÇÃO DE SIGNIFICÂNCIA
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Etapa 3- Redação: a autora Azevêdo (2013) ainda afirma que o texto deve apresentar os valores antigos e os novos, e como na etapa anterior precisa-se fazer a validação com os atores para verificar se o texto está de acordo com os valores concedidos por eles, mas este trabalho não contará com esta etapa.
Etapa 2- Julgamento: refere-se ao julgamento das informações coletadas na etapa anterior, sendo esta incumbido pela construção da significância cultural, através “das ações de levantamento, análise, avaliação, julgamento e validação” (AZEVÊDO, 2013, p.52).Segundo a autora Azevêdo (2013, p.52), esta etapa possui quatro fases: “1)as entrevistas com os atores sociais; 2)a avaliação dos objetos patrimoniais; 3) a avaliação dos valores e significados do sítio e 4)avaliação da autenticidade e da integridade”. Esta etapa é inter-relacionada por que o desfecho de uma fase contribui na concepção da outra, cada uma acontecendo paralelamente como mostra no diagrama abaixo (fig. 2).
memória e orientação para um ato de conservação”. Ela serve como um guia de conservação e do restauro de edfícios, precisando assim, considerar a sua finalidade.
Eles citam duas visões para discutir as mudanças do campo para compreensão da significação cultural. (ZANCHETTI e HIDAKA, 2014, p. 3).
Segundo Azevêdo (2013), a declaração de significância contribui na proteção dos bens patrimoniais, refletindo os valores da atualidade e do passado, sendo necessário que sejam realizadas atualizações de tempos em tempos para incorporar as novas significações. Sendo assim, define-se cinco etapas para o processo de Etapaelaboração:1-
Levantamento e Identificação: de acordo com Azevêdo (2013), essa etapa é o recolhimento do máximo de informações, sendo através de documentos ou análises coletados de tal bem, uma das etapas fundamentais: “este é um dos passos mais importantes, pois os seus resultados estão ligados à compreensão de forma preliminar dos valores e significados do bem” (AZEVÊDO, 2013, p. 48).
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Figura 1. Processo de elaboração da declaração de significância.
Fonte:Elaborado pela autora, com base em Azevêdo (2313, p.47).
CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO: CONTEXTO HISTÓRICO E ANÁLISE URBANA E ARQUITETÔNICA
realizada uma reforma e o interior da igreja passou a contar com o teto em madeira que antes eram apenas as telhas, o acréscimo de um coro e as vergas das portas e janelas foram ‘arqueadas’, conforme mostra nas figuras abaixo. O altar era simples, contava apenas com a mesa principal e uma base central para as imagens católicas e ornamentos em dias de festas. O altar também foi modificado, ficando com Figura 2. As quatro fases da etapa de Julgamento. Fonte:Elaborado pela autora, com base em Azevêdo (2013, p. 53)
Etapa 5- Consolidação: a última etapa é a revisão do produto final. É realizada uma reunião com os especialistas envolvidos para que seja apresentado o documento final e caso necessite, seja feita as alterações e ajustes no mesmo.
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A Capela está localizada no centro da cidade de Riacho das Almas-PE, e a história da cidade remete ao começo do século XX, onde estava acontecendo uma epidemia de febre bubônica ou tifoide que afetou vários municípios, assim a população riachense se comprometeu (em forma de promessa) de construir uma capela sob invocação de São Sebastião, caso essa epidemia chegasse ao fim (FERREIRA, 2004).
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Após a epidemia passar, em 1905 a população deu início ao projeto de construção da primeira igreja da cidade. Levando 7 anos para o seu término, o Padre Józe Ananias, foi convocado para celebrar a inauguração da Capela, em 1912. (FERREIRA,2004).Em1990foi
Etapa 4- Diretrizes: é a elaboração de diretrizes para ajudar na conservação do bem, e se desenvolve em dois momentos: o primeiro é a análise dos estudos realizados, identificando os problemas que precisam ser resolvidos com urgência. Já o segundo momento é examinar as potencialidades e restrições que o bem apresenta para auxiliar na conservação. Este trabalho não contará com esta etapa.
A planta baixa (fig. 6) era composta por três portas na fachada principal, tendo a do meio como a principal e as demais como secundárias, além de portas nas laterais que também davam acesso à Capela, e uma porta no final para acesso à sacristia.
Como mostra a figura abaixo, a Capela se torna um ponto de referência muito conhecido do centro da cidade, chamando atenção também por ser a única edificação histórica no local, além de sua importância por ser um espaço de adoração a Deus.
Figura 3. Interior da Capela; Figura 4. Fachada; Figura 5. Altar. Fonte: Acervo pessoal Davi Assi, 2018. Figura 6. Planta Baixa. Fonte: Elaborado pela autora, 2020.
O seu entorno é caracterizado por uma praça que fica em frente à Capela, formando um pequeno largo, que é um espaço para potenciais eventos ao ar livre (fig 7). Situado por duas ruas - Rua Maria Julia da Mota e Rua Coronel Joaquim Bezerra, ambas possuindo acesso à edificação e fluxo alto.
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uma mesa principal e cadeiras do Padre e dos ministros e em suas paredes uma cruz e dois santos, contava com acesso em suas laterais para a sacristia que ficava por trás do altar como se vê abaixo.
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Figura 7. Localização da Capela. Fonte: Arquivo próprio, 2020. Figura 8. Interior da Capela atualmente; Figura 9. Altar mor atualmente. Fonte: Acervo pessoal Davi Assis, 2018.
As figuras 8 e 9 acima mostram o forro que foi todo modificado, passando a ser agora em gesso com sancas, a construção de um altar mor todo em alvenaria, havendo ainda a troca de todo o telhado antigo para um novo. Além disso, foi acrescentado um banheiro e janelas nas paredes laterais, deixando-a com mais iluminação e ventilação natural, além de uma porta lateral de acesso à sacristia, como podemos ver na figura abaixo. Infere-se que a planta baixa apresenta uma alvenaria bastante grossa ate mais da metade da Capela, e o restante apresentando uma alvenaria comum. Talvez o motivo disso tenha sido a construção dela até a parte grossa da parede, e possivelmente uma ampliação a partir da parede mais fina que possa ter ocorrido muito antes da reforma de 2017, como mostra a figura 10.
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Algumas reformas foram feitas na capela durante vários momentos, sendo elas nos anos de 1990 e a mais recente realizada em 2017, que descaracterizou a arquitetura original da mesma. Liderada pelo Padre Adeildo, a reforma foi realizada por uma arquiteta, no qual foram trocados todos os materiais, incluindo portas, telhado, piso, etc, deixando apenas original a alvenaria.
A fachada também teve alteração, foi acrescentada uma imagem de São de Sebastião em sua calçada no lado esquerdo, a mesma fica protegida por causa das grades, então só tem contato com a imagem se a Capela estiver aberta. Houve também alteração nas laterais pelas novas janelas, possuindo agora uma torre sineira para a colocação do sino (figuras 11 e 12).
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As imagens acima mostram a fachada atualmente, após a reforma, contando com grades cercando toda a Capela, que teve como intenção inicial torná-la mais segura, mas que acabou por trazer uma postura de segregação e exclusão. Essas mudanças contaram com os principais atores sociais da Capela, o Pe. Adeildo, que teve a iniciativa de realizar a reforma e a comunidade católica riachense que ajudou, contruibindo com dinheiro ou até mesmo com materiais de construção. E diante Figura 10. Planta baixa atual.
Fonte: Elaborado pela autora, 2020. Figura 11. Fachada; Figura 12. Mini torre. Fonte: Arquivo próprio, 2020.
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O questionário a ser respondido era simples e de fácil entendimento, como podemos ver na imagem abaixo (fig. 13), a maior parte dos entrevistados frenquentam a Capela raramente, e pouquissimas frenquentando mais de uma vez ao mês.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAPELA
A constatação do estado de conservação se deu através das fotos e visitas in loco, identificando que a edificação está em um bom estado, sem nenhum dano aparente, justamente porque a última reforma fez todos os reparos necessários, deixando o bem intacto para que seja ultilizado normalmente.
do que foi mostrado no capítulo, a Capela representa um importante marco para a história de Riacho das Almas.
Entrevistas foram realizadas com os atores sociais com o intuito de mostrar os valores da Capela, sendo estes atores frequentantes e não frequentantes às missas realizadas no objeto de estudo. Um questionário foi elaborado para entender se as pessoas acham a Capela importante e se veem a necessidade da mesma ser reconhecida e protegida como um patrimônio para a cidade. Serviu também para saber a opnião deles sobre a última reforma realizada, pois como a maioria dos entrevistados são leigos no assunto, o intuito era entender se eles gostam ou não de como ela está hoje.
Você frequenta a Capela com qual frequência? Figura 13. Gráfico correspondente à primeira pergunta do questionário.
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Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
Esta etapa conta com a participação dos atores sociais, sendo cinco deles arquitetos e urbanistas, que ajudaram com suas opniões e entedimentos sobre o assunto, o Padre e a sua secretária ajudaram por terem um vínculo direto com a capela, e o restante sendo alguns estudantes de diversas áreas e outros pedagogos, no qual são leigos no assunto, mas que também ajudaram, pois se mostram entendidos de que a Capela é importante para o município.
Mesmo a maior parte das respostas sendo dada como raramente, a maioria da população acha a edificação muito importante (fig. 14), por ser um monumento antigo do município, identificando assim, o seu valor cultural. Nota-se que mesmo os leigos no assunto, percebem o quanto a Capela é importante para o município, descrevendo o que lhes chamam mais atenção no bem: “Sua arquitetura e seus arcos góticos”; “Características simples”; “Marco da cidade”; “Sua simetria”. O valor simbólico aparece por todos esses entrevistados lembrarem e guardarem a Capela em sua memória.
Nota-se repostas bem distintas, mas que todas ressaltam a importância que uma reforma tem e a sua responsabilidade em preservar o monumento.
O quanto você considera importante a Capela para a história de Riacho das Almas?
Por outro lado, os atores residentes e de referência cultural foram a favor e aprovaram a reforma, onde falam que “Teve uma melhor organização do espaço”; “Que valorizou mais a Capela”; “E que a reforma não mudou a história da mesma”.
Figura 14. Gráfico correspondente à segunda pergunta do questionário.
Fonte: Elaborado pela autora, 2021.
Sobre a última reforma realizada, as pessoas opinaram de formas bem diferentes. No grupo de atores especialistas, a reforma não se mostra aprovada, pois, segundo eles, “A reforma fugiu das características reais de sua construção”; “Descaraterizou tanto dentro quanto fora”; “Equivocada, pois descaraterizou os elementos principais, criando um falso histórico”.
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“Com certeza, para as futuras gerações conhecerem a sua história”.
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Para todos os entrevistados, é importante que a Capela seja reconhecida como patrimônio e seja protegida por lei para futuras alterações, destacando-se algumas respostas: “Sim, porque além de ser protegida fisicamente a capela também contribuirá para o conhecimento cultural, histórico e arquitetônico das futuras gerações riachenses”; “Sim, é uma das poucas referencias históricas do município”;
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O questionário encerra pedindo um desenho de como essas pessoas visualizam a Capela hoje em dia e nota-se que o que mais chama atenção é a sua fachada frontal, mesmo seu interior sendo importante, como podemos ver abaixo os traços que mais se repetem nos desenhos feitos (fig 15). Identificando o valor de uso por atender a demanda das pessoas de fé e que buscam a Deus e sendo o primeiro monumento de fé da cidade de Riacho das Almas, identificando assim, o valor arquitetônico
A fachada frontal chama a atenção das pessoas por sua composição da forma, seus traços e suas aberturas serem marcante a quem vê. Por isso os traços que mais se repetem nos desenhos são as portas, janelas e a composição/paredes principais e a sua torre em cruz. Os entrevistados ressaltam a importância que a mesma tem para eles, para a religião católica e para a cidade. É através da capela que seu entorno tomou forma, sendo também um marco da cidade e um monumento antigo, assim, identificase seu valor histórico devido sua história como desbravador da fé no povo do município.
REDAÇÃO Segundo Azevêdo (2013), esta etapa conta com a elaboração de um esboço da redação, confirmando os valores atribuídos pelos atores sociais, assim, o resultado disso contará com a construção da declaração de significância da Capela de São Sebastião. Esta etapa se faz necessária também à etapa de consolidação, sendo esta a revisão dos processos desenvolvidos anteriormente. A redação elaborada foi apresentada apenas aos especialistas, sendo eles apenas arquitetos, nenhum da área de patrimônio ou conservação, para que os mesmos avaliassem os valores atribuídos e se houvesse a necessidade de fazer algum ajuste, caso fosse necessário (Ver apêndice E). A redação foi apresentada pessoalmente, sendo eles José Mateus, Aleffy Daniel, Fernanda Guerra e Nathália Carolina.
Figura 15. Traços comuns dos desenhos. Fonte:Extraído dos desenhos de Fernanda, Davi e Ayala, editado pela autora, 2021.
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O valor de uso expressa as atividades exercidas nele, sendo estas: renovação de fé, batismo em Cristo, união matrimonial, entre outras coisas que cada pessoa busca indo até a Capela.
O valor simbólico é identificado à identidade de uma Capela construída pelo povo na memória dos riachenses.
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A população então testemunhando da necessidade de um espaço físico que permitisse uma conexão religiosa mais direta, percebeu o valor e importância desse elemento na sociedade e deu início à construção no ano de 1905, vindo a ser inaugarada em 1912. Assim, São Sebastião passa a ser o padroeiro de todo o município de Riacho das Almas. Suas características arquitetônicas, fortemente no estilo art déco, expõe um grande valor e importância para Riacho. Até os dias de hoje, a Capela não está inserida em nenhuma lei de conservação, o que pode comprometer sua preservação.
O valor arquitetônico é caraterizado por ser um grande e primeiro exemplo de monumento arquitetônico de fé do estilo art déco para o município. Esse valor também expõe e justifica as técnicas utilizadas na época para compor o conjunto de características arquitetônicas que trazem como bagagem para os dias atuais uma série de conceitos e referências que devem ser expostos e preservados.
Foram identificados os valores associados ao objeto, com a participação e contribuição de diversos atores sociais para serem identificados e assim, a construção da significância da Capela de São Sebastião, são estes: valor histórico, valor arquitetônico, valor cultural, valor simbólico, valor de uso
A Capela de São Sebastião está situada no centro da cidade entre as ruas Maria Julia da Mota e Coronel Joaquim Bezerra, na cidade de Riacho das Almas- PE. Sendo esta, a primeira edificação religiosa edificada no município, construída como um monumento de fé após a população passar por uma epidemia, que causou muitas dificuldades para a sociedade.
Os valores apresentados acima na declaração de significância cultural reafirmam a necessidade de conservação do mesmo para gerações futuras garantindo a eternização do processo histórico e memória para a cidade. Assim, os valores mencionados representam a significância cultural da Capela de São Sebastião.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 98 Quadro 01: Declaração de Significâcnia da Capela de São Sebastião. DECLARAÇÃO DE SIGNIFICÂNCIA DA CAPELA DE SÃO SEBASTIÃO
O valor cultural está relacionado com o valor histórico, pois através da construção da Capela, mostra e reforça a identidade da população riachense, fortalezendo mais ainda o significado cultural que a Capela representa para o município.
O valor histórico relaciona-se à população e a memória afetiva, pois através da construção da Capela pela iniciativa do povo, trouxe evolução para a cidade e renovou a fé daquelas pessoas que esperavam o fim da epidemia naquela época, este símbolo históricom lembrado e passado para as gerações até hoje, reforçando assim, o valor histórico que a Capela possui.
Gisele B. Leal. Processos de construção de identidades regionais: cultura imaterial, identidade e desenvolvimento. Ed. Perspectiva, Erechim. v. 39, n.148, p. 48-51, 2015. Disponível em: <http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/ perspectiva/148_532.pdf>. Acesso em: 02 abri de 2020. Constituição Federal de 1988. Artigo 216 da Constituição Federal de 1988. art_216_.asp>.em:<https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/DisponívelAcessoem:15set.de2020.
FINAIS: CAMINHOS PARA CONSERVAÇÃO Como visto durante o trabalho, a capela não tem o reconhecimento da população nem por órgãos competentes, uma das orientações e intuito, é justamente possibilitar o entendimento e o reconhecimento desse patrimônio cultural, por parte das pessoas e também de órgãos competentes. Para que a edificação não sofra com mais descaracterização futuras, algumas estratégias podem ser abordadas, sendo elas: manter o edifício em um só pavimento; manter o altar mor sem que aconteça alteração nele; manter também os bancos e todas as esquadrias de madeira; permanecer com a fachada principal, sem alterar seus formatos curvos das esquadrias e sua pintura permanecer com cores neutras; permanecer também com as vegetações e praça em seu entorno. Assim, apenas o que estiver comprometido, poderá ser modificado e alterado, podendo então, mudar o material, caso seja necessário. Essas estratégias visam conservar a capela para que gerações futuras possam ver e entender sua história desde sua construção, sem que aja mais descaracterização da mesma, reconhecendo a sua importância para o município.
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CONSIDERAÇÕES
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REFERÊNCIAS AZEVÊDO, Gabriela Magalhães. DECLARAÇÃO DE SIGNIFICÂNCIA: uma investigação metodológica. Monografia apresentada como um dos requisitos para obtenção do título de Arquiteta e Urbanista - Universidade Federal de Pernambuco, Recife 2013.
AZEVÊDO, Gabriela, PONTUAL, Virginia, ZANCHETI, Silvio. Declaração de significância: um instrumento de salvaguarda do patrimônio arquitetônico. Artigo apresentado no XII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificado. Bauru, BERTAGNOLLI,2014.
FERREIRA, Josué Euzébio. Riacho das Almas: memórias da nossa história. Caruaru: Edições FAFICA, 2004. IBGE. Riacho das Almas; 2010. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pe/ riacho-das-almas/panorama>. Acesso em 20 de mai de 2020. ICOMOS. Carta de Burra; 1980. Disponível em: ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Burra%201980.pdf>.<http://portal.iphan.gov.br/uploads/Acessoem07deabrde2020. ICOMOS. Carta de Veneza; 1964. Disponível em: ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>.<http://portal.iphan.gov.br/uploads/Acessoem07deabrde2020. IPHAN. Patrimônio cultural; [s.d.]. Disponível em:<http://portal.iphan.gov.br/ pagina/detalhes/218>. Acesso em 08 de mar. de 2020
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ARTIGOS ACADÊMICOS
LACERDA, Norma e ZANCHETI, Silvio. Plano de Gestão da Conservação Urbana: Conceitos e Métodos. Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI). Olinda, 2012.
UMA ABORDAGEM ANALÍTICA E CRIATIVA SOBRE
PROSPECÇÃO NO CENTRO HISTÓRICO DO RECIFE: O PAISAGEM NA
DE CENÁRIOS
101 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 Isadora Teotônio de Melo
FUTURO DA
ZEPH 10. Isadora Teotônio de Melo1 RESUMO
A questão que incita esta pesquisa, intitulada Prospecção de Cenários no Centro Histórico do Recife: Uma abordagem analítica e criativa sobre o futuro da paisagem na ZEPH 10, desenvolvido e apresentado no formato de TCC, no ano de 2020, sob a orientação da professora Lúcia Veras, é o futuro da paisagem do centro do Recife, concentrando-se nos bairros de Santo Antônio e São José, e, mais especificamente, no polígono da Zona de Proteção Histórica ZEPH 10, a partir das ameaças e conflitos existentes no território e o que poderá acontecer a esta paisagem a partir das ações normativas do presente, visto que a sua conservação tem sido, por diversas vezes, relegada pelo poder público a troco de interesses do capital privado. A partir da combinação de um método, a prospecção de cenários, e de uma ferramenta, a fotomontagem, este trabalho versa, mistura e experimenta acerca dos conceitos de paisagem, experiência, memória e imagem: A paisagem, enquanto matéria que constitui cada indivíduo e a experiência como elo desta relação; A rememoração, para ativar o passado e gerar experiências reais para criar caminhos para o futuro e, a imagem, enquanto ferramenta de visualização dos possíveis futuros, para suscitar a ciência dessa necessidade. A pesquisa cria, assim, para chegar a uma abordagem racional, analítica e criativa para o assunto.
Palavras-chave: Paisagem. Planejamento Urbano. Prospecção de Cenários. Fotomontagem.
Centro Histórico do Recife. ZEPH 10. 1 Nasceu na cidade do Recife em 1997. Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco, a autora desenvolveu, na academia, pesquisas e projetos de extensão, nas áreas de Projeto Social, Planejamento Urbano e Paisagem. Com o auxílio e orientação da professora Dr.ª Lúcia Veras, a arquiteta desenvolveu o trabalho aqui apresentado em 2021, ano da conclusão de sua formação, e recebeu nota máxima pelos avaliadores e indicação à premiação pela UFPE..
Além disso, sua paisagem resguarda o caráter local, a dinâmica do comércio, o aglomerado de pessoas, o fluxo radial de transporte e grande conjunto edificado que remonta ao passado colonial e foi testemunha da passagem dos últimos séculos no desenvolvimento da cidade, dos estilos arquitetônicos e das políticas públicas. Este caráter local e a paisagem histórica dos dois bairros estiveram resguardados até o início do XXI, quando os olhares de investidores, na dinâmica global do city marketing, a falta de freios do poder público e da legislação incidente, permitiram o surgimento de linguagens arquitetônicas contemporâneas desconexas ao conjunto edificado e que ameaçam a continuidade da paisagem local no futuro. Para Reynaldo (2017, p.420), o conjunto Santo Antônio e São José “é o espaço central por excelência, repleto de signos que o caracterizam além do apenas funcional”.
ARTIGOS ACADÊMICOS
No contexto das correntes migratórias do século XX, a facilidade de ocupar novos territórios, juntamente com teorias de saúde pública, gerou o espraiamento da ocupação urbana da cidade; as classes altas ocuparam os subúrbios dotados de qualidades espaciais, enquanto as classes mais baixas ocuparam áreas mais distantes e de difícil urbanização. Neste processo, os centros das cidades enfrentaram a dissipação de seu papel funcional enquanto centralidade urbana, passando a ser entendidos como Centros Históricos (LUDERMIR, 2011). Porém, apesar da perda de funcionalidade enquanto centro primário, em muitos casos, continuou sendo palco da vida urbana em sua primordialidade; do acúmulo e da mistura de pessoas e serviços. Na cidade do Recife não foi diferente; o processo de abandono no centro refletiu drasticamente na dinâmica dos seus bairros, principalmente Santo Antônio e São José que, de bairros mistos de residências, comércios e atividades políticoadministrativas, passaram a territórios com horário de funcionamento estabelecido pelo comércio: com intenso movimento de dia e esvaziamento após o encerramento das atividades, à noite. Ainda assim, ao longo dos séculos, os bairros mantiveram características excepcionais que revelam a história da ocupação da cidade e o espírito do lugar.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 102 INTRODUÇÃO
Neste contexto, o presente artigo é um extrato da pesquisa de mesmo nome e visa apresentar seu método, sua ferramenta e seus resultados. A pesquisa se concentra na análise e prospecção do futuro da paisagem dos bairros de Santo Antônio e São José, e, mais especificamente, no polígono da Zona de Proteção Histórica (ZEPH 10) a partir das ameaças e conflitos existentes no território. Com este intuito, o trabalho, que combina um método (prospecção de cenários) e uma
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Por fim, são apresentados os resultados dos estudos imagéticos para o futuro da área e suas discussões.
A experiência é o cerne da quarta porta da paisagem que traz relevante contribuição à pesquisa deste trabalho. Como ocorre com a experiência artística, a experiência paisagística toma os sujeitos de maneira estésica; antes de poder ser descrita em discurso racional ou representada em arte, antes mesmo de ser processada pelo córtex cerebral, a paisagem penetra e atravessa os sujeitos. Isso não limita o campo da paisagem apenas às questões sensíveis. A paisagem é também a experiência material, pois trata das questões do espaço físico, e técnica, por ser campo científico de estudo e prática.
ferramenta (fotomontagem). se divide em quatro partes (aqui apresentadas de maneira reduzida): Na primeira, são tratados os conceitos de paisagem, memória, experiência e imagem. Na segunda é apresentado o território do Centro Histórico do Recife, os bairros de Santo Antônio e São José, e o polígono de estudo, bem como são feitas análises sobre o seu desenvolvimento. Na terceira parte, são discutidos o futuro desta paisagem e a aplicação do método e da ferramenta que dão suporte à pesquisa.
1. A PAISAGEM, A EXPERIÊNCIA E A IMAGEM
Em sua obra O gosto do mundo: exercícios de Paisagem (BESSE, 2009), JeanMarc Besse trata da paisagem em suas diversas nuances; do conceito em si, bem como da sua representação e projeção. Para dar conta da dimensão contemporânea da paisagem, o autor aponta cinco portas da paisagem, isto é, cinco problemáticas paisagísticas que coexistem no pensamento contemporâneo e que são aprofundadas por diferentes profissões. O conceito de porta representa de maneira objetiva e subjetiva as possibilidades de travessias para o estudo da paisagem e nos aproxima do pensamento paisagístico. Aqui, nos aprofundaremos na experiência e no projeto, especialmente relevantes para esta pesquisa.
“Projetar a paisagem seria, ao mesmo tempo, pô-la em imagem, ou representá-la (como projeção) e imaginar o que poderia vir a ser (projetação)” (BESSE, 2009, p.60). Descobrir, criar, traçar e imaginar são as ações colocadas pelo autor na quinta porta, ao descrever o intuito do projeto de paisagem. Besse afirma ainda que “toda paisagem é relativa a um projeto social”, ou seja, reflete, de maneira intrínseca e recíproca, o território e o modelo de sociedade que a constitui. Logo, o projeto de paisagem também reflete o projeto de sociedade que se pretende. Se uma cidade é projetada para trocar e vender suas paisagens, assim também
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1.1 A MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA EM WALTER BENJAMIN
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Estes são pensados socialmente? Os sujeitos que habitam e circulam no território se dão conta de suas experiências paisagísticas cotidianas? Têm a oportunidade de discutir a paisagem? Podem visualizar em sua mente a paisagem futura do centro histórico do Recife, a partir das decisões legislativas aprovadas no presente e sobre esta imagem tecer críticas?
Conhecimento obtido por meio dos sentidos, como sugerido na filosofia, a experiência foi, também, área de interesse de Walter Benjamin - filósofo alemão originário da escola de Frankfurt. Além de assuntos tocantes às questões sociais do século XX, Benjamin dedicou diversos ensaios a discorrer sobre a falta de experiência do corpo moderno na cidade, colocando rememoração, enquanto ato consciente de lembrar, como saída a este problema (MAIO, 2012). Inquietava o autor, principalmente, o empobrecimento da experiência do corpo na modernidade. Este empobrecimento deve-se ao fato de este tempo ter extinguido, quase completamente, os valores, virtudes e éticas antigas (MAIO, 2012), como, por exemplo, os rituais, costume da contação/narração de histórias e os saberes que atravessam gerações. O ser moderno, a partir da urgência da tecnologia e do cotidiano, desprende-se de tudo que é passado, coletivo e comum. Como resposta para superar o empobrecimento da experiência e da barbárie, Benjamin evoca o conceito de Engedeinken (rememoração). Entende-se aqui, rememorar, como o ato consciente de recordar e ver o passado como algo inacabado, aberto a novas possibilidades (BENJAMIN, 1933). Rememorar vai além de apenas lembrar, pois compõe “o jogo salutar entre esquecer e lembrar, entre reter e deixar ir compõe a trama das histórias que precisam ser recordadas para serem reinventadas.” Buscar brechas na barbárie para rememorar nosso passado, criar experiências capítulo 1a paisagem 31 reais e a partir dos dois (a experiência e a memória) criar caminhos para o futuro, parece ser a única solução à nossa pobreza. Até aqui, a paisagem, a experiência e a memória foram os condutores desta pesquisa. O quarto campo que encabeça a discussão se apresenta, simultaneamente, como origem dos três últimos e como sua síntese: A imagem.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 104 age (com) os seus cidadãos. Nesse sentido, a questão que inquieta e incita essa pesquisa é: Se todo projeto de paisagem é, também, um projeto de sociedade, o que almejam os projetos de paisagem pensados para o futuro do Centro do Recife?
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A divergência sobre seu significado se estende desde o embate entre Platão, que considerava a imagem como sendo a ideia de alguma coisa, projeção e criação mental para além do que era visto somente, e Aristóteles, que acreditava ser esta apenas uma representação de objetos reais; origem x síntese. Para a questão central deste trabalho, a paisagem, os dois conceitos se encaixam. Para Berque (1995, p.3132 apud BERTOLI, 2012, p.11) é tanto gênese quanto ampliação, gênese, pois cada experiên32 Prospecção de Cenários no Centro Histórico do Recife cia paisagística é única e impossível de ser repetida, como o rio de Heráclito e seu constante devir; e ampliação, pois a compreensão da experiência paisagística depende de memórias diretas e indiretas inerentes ao observador.
É neste sentido que se conectam paisagem, experiência, memória e imagem nesta pesquisa: A paisagem, enquanto matéria que constitui cada indivíduo e a experiência como elo desta relação, como afirma Besse. A rememoração, para ativar o passado e gerar experiências reais para criar caminhos para o futuro e a imagem, enquanto ferramenta de visualização dos possíveis futuros, para suscitar a ciência dessa necessidade.
2. O LUGAR: CENTRO HISTÓRICO DO RECIFE, OS BAIRROS DE SANTO ANTÔNIO E SÃO JOSÉ E O POLÍGONO DA ZEPH 10 Figura 1. Região Político Administrativa (RPA) I da Cidade do Recife e Centro Histórico do Recife, com destaque para os bairros de Santo Antônio e São José. Fonte: Esig (2017) alterado pela autora.
105 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 1.2 A IMAGEM COMO COMPREENSÃO
A parcial preservação da morfologia e da paisagem dos bairros de Santo Antônio e São José deve-se aos inúmeros processos de preservação iniciados desde o início do século XX. Em seu livro “As catedrais continuam brancas” (2017), referência para a construção deste tópico, Amélia Reynaldo recapitula a trajetória da política de preservação aplicada no centro antigo do Recife durante o século XX; os planos de remodelação, a mudança de pensamento e a evolução das normativas nesse sentido, sendo possível, através de seu estudo, entender o caráter ambíguo das normativas protecionistas, que, ao passo que protegeram a paisagem dos bairros de Santo Antônio e São José, foram responsáveis pela sua parcial perda. Aqui, são comentados quatro momentos importantes nesta trajetória que marcaram a proteção e ou a abertura desta paisagem.
Se, por um lado, houve remodelações no tecido e na morfologia, que, em parte, levaram em consideração a paisagem histórica, segundo o pensamento vigente em cada época, por outro, houve afrouxamentos que permitiram e continuam permitindo perdas irreparáveis da paisagem e, as torres de igreja, que antes marcavam a paisagem da ZEPH 10 e dos bairros de Santo Antônio e São José, agora concorrem deslealmente o protagonismo com edifícios de 140m que marcam a paisagem. Também, o rigor da lei no Setor de Preservação Rigorosa e a falta de parâmetros bem estabelecidos corroboraram para o congelamento da área. Deve-se dizer, no entanto, que este caminho parece estar sendo trilhado pelas novas legislações.
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Na cidade do Recife, o processo de abandono do centro durante o século XX refletiu drasticamente na dinâmica dos bairros que compõem a centralidade urbana da cidade, principalmente Santo Antônio e São José que, de bairros mistos de residências, comércios e atividades políticoadministrativas, passaram a territórios com horário de funcionamento estabelecido pelo comércio: com intenso movimento de dia e esvaziamento após o encerramento das atividades, a noite. Apesar disso, ao longo dos séculos, esses bairros mantiveram características excepcionais que revelam a história da ocupação da cidade e o espírito do lugar. Sua paisagem resguarda o caráter local, a dinâmica do comércio, o aglomerado de pessoas, o fluxo radial de transporte e grande conjunto edificado que remonta ao passado colonial e foi testemunha da passagem dos últimos séculos no desenvolvimento da cidade, dos estilos arquitetônicos e das políticas públicas. Este caráter local e a paisagem histórica dos dois bairros estiveram resguardados até o início do XXI, quando os olhares de investidores e a falta de freios do poder público e da legislação incidente permitiram o surgimento de linguagens arquitetônicas contemporâneas desconexas ao conjunto edificado e que ameaçam a continuidade da paisagem local no futuro.
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O que, então, esperar para o futuro desta paisagem que, a partir do estudo apresentado até aqui, se mostra tão essencial à história que constrói o recife e o recifense? Parafraseando Veras (2014), se abríssemos as pessoas do futuro Recife, que paisagens encontraríamos?
Este trabalho propõe, então, a combinação de um método de uma ferramenta para alcançar o objetivo da pesquisa (Fig. 2). O método, que toma como partido o planejamento urbano, levando em conta as complexidades desse território, “como construção do problema na busca por soluções” (REYES, 2014), por meio da visualização, de maneira imagética, dos cenários possíveis para o futuro da paisagem: O ”projeto por cenários”. Este método tem origem na Prospecção de cenários, no campo do design estratégico - metodologia de design voltada ao desenvolvimento de estratégias organizacionais a fim de resolver problemas complexos - e foi trazido para o campo do planejamento urbano, como Projeto por Cenários, por Paulo Reyes.
Fonte: Autora.
O método se mostra interessante, ao passo que aponta para a “construção de um tipo de pensamento que incorpore uma visão mais complexa do projeto urbano”. A aplicação do recurso se desenvolve em quatro etapas: 1. A construção do problema; 2. Identificação dos Conflitos; 3. A polarização dos conflitos; 4. Cruzamento e construção dos cenários. 3.1 A FERRAMENTA: FOTOMONTAGEM
Sua primeira utilização, na arquitetura e urbanismo, no contexto das vanguardas europeias, da qual se destaca o Construtivismo Russo, abriu caminho para o pensamento utópico que envolve a construção de imagens fabulosas, como Figura 2. Diagrama método e ferramenta.
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3. O MÉTODO: O PROJETO POR CENÁRIOS
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3.2 PROJETO POR CENÁRIOS: O CASO DA ZEPH 10
Como visto anteriormente, o processo de abandono no centro refletiu drasticamente na dinâmica de Santo Antônio e São José. Apesar das normativas protecionistas reguladas desde a primeira metade do século XX, as análises destas, revelaram que, por muitas vezes, o conflito entre o interesse privado e a normativa cedeu para o primeiro. Também, fica perceptível que não há planos urbanísticos contínuos que tratam da complexidade da trama desse tecido e sua paisagem e sua reintegração com o restante do tecido do Recife. Fica evidente um conflito legislativo, entre normativas que, de fato, tem a intenção de proteger a paisagem e as edificações nas zonas de interesse histórico, por outro lado, existem afrouxamentos normativos
3.2.1 A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA
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Neste tópico são apresentadas as etapas de aplicação do método e da ferramenta no objeto de estudo e os resultados encontrados em sua aplicação, a partir do que foi identificado como pontos vulneráveis em relação à legislação vigente e proposta, ainda em análise.
ferramenta para se discutir o futuro das cidades e da arquitetura, de forma impactante, bem como o papel do arquiteto nesse processo. No contexto atual, arquitetos têm utilizado a ferramenta como uma saída às tecnologias que de alguma forma engessaram a representação arquitetônica em imagens superrealistas produzidas em softwares e percebe-se uma volta, ainda, incipiente, ao interesse artístico da representação, que é capaz de alimentar o processo projetual e a produção artística, sem que se perca a funcionalidade e beleza de ambos. São provocativas e eficazes em causar o estranhamento necessário para este relâmpago, mas também são capazes de proporcionar profundo reconhecimento naquela imagem. É nesse sentido que esta pesquisa se utiliza da ferramenta de fotomontagem para extrair dos cidadãos do Recife este instante crítico acerca do futuro da paisagem histórica da cidade. Não como um fim em si, um projeto exequível, mas como a provocação das possibilidades que se colocam adiante, baseados em situações atuais e também como uma possibilidade de processo projetual pautado no método de prospecção e na visualização de imagens de futuro, tendo como suporte uma análise do que se permite construir no Recife a partir de sua legislação.
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3.2.2 IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS
Figura 3. Diagrama dos conflitos identificados e suas palavras-chave. Fonte: Autora.
109 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 que permitiram e continuam permitindo perdas irreparáveis na paisagem. Para cada momento da política de proteção ao patrimônio, houve, em seguida, um instrumento que revogou ou limitou a sua aplicação. As leis mais recentes em elaboração - Plano Diretor e a LPUOS 2018 -, apesar de não finalizadas, também deixam dúvidas quanto ao futuro do sítio, já que, apesar de avançadas no sentido de compreender a Paisagem como importante reguladora do desenvolvimento urbano, ainda apresentam instrumentos que põem a preservação da paisagem histórica em risco. Tendo a primeira um alguns caráteres de abertura e a segunda de restrição.
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A partir das problemáticas identificadas, são geradas palavras-chave para definir os conflitos (Fig. 3). No primeiro, que diz respeito aos Interesses Normativos incidentes na área, onde são identificadas duas posturas opostas, uma de restrição, com o intuito de proteger a trama e a paisagem histórica local, e uma de abertura, que proporciona a concretização do interesse imobiliário nas áreas lindeiras e prejudica aspectos de paisagem. No segundo conflito, que diz respeito aos Interesses Paisagísticos, o embate entre as torres históricas e as torres contemporâneas revelam um conflito entre o velho Recife e o novo Recife. As quatro palavras, “abertura”, “restrição”, “velho recife” e “novo recife”, representarão os dois conflitos no gráfico de polarização (Fig. 4 e 5). Estes conflitos se desenrolam em todo o território da ZEPH 10, mas para fins de pesquisa foram identificados 4 locais representativos onde estes ficam mais evidente. A identificação destes 4 pontos nos ajuda a espacializar os conflitos identificados no território e mais a frente, servirão de arcabouço imagético e base para a produção das fotomontagens na artialização dos cenários.
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Figura 6. Fotomontagem do cenário A Recife Plaza Residence. Fonte: Autora.
Do cruzamento das extremidades do gráfico, surgem os cenários de futuro. Para a ZEPH 10, foram encontrados 4 cenários que, de maneira amplificada, representam a polarização dos conflitos encontrados no território e dos interesses dos atores envolvidos. As cenas, apesar de quase absurdas, apresentam uma gradação da realidade atual; da mais próxima desta, a mais utópica e a mais distópica: Figura 4. Gráfico de Polarização dos conflitos. Fonte: Autora.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 110 3.2.3 APRESENTAÇÃO DOS CENÁRIOS
Figura 7. Fotomontagem do cenário B Recife Hostil. Fonte: Autora. Figura 5. Diagrama dos cenários. Fonte: Autora.
O cenário D, Museu Recife, demonstra a imagem onde a Proteção e o Velho Recife se sobrepõem à abertura e Novo Recife, transformando o território em uma caricatura do passado e congelando-o para as demandas contemporâneas, como já aconteceu em outros sítios da cidade. Apesar da atmosfera de passado, o cenário revela as cicatrizes do presente nesta cidade quase cenográfica. Ambos representam o per-absurdum e, para esta pesquisa, são considerados inadequados ao intuito da conservação integrada do território. O cenário C, Centro Pitoresco (Fig. 8), é considerado o cenário ideal para o intuito da conservação integrada. É resultado da polarização entre o “Novo
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Figura 8. Fotomontagem do cenário C Centro Pitoresco. Fonte: Autora. Figura 9. Fotomontagem do cenário D Museu Recife. Fonte: Autora. Analisando os cenários, percebe-se que o cenário que mais se aproxima da realidade atual do território é o cenário A - Recife Hostil (fig. 7) -, onde o conflito normativo persiste e se materializa no espaço físico da cidade, gerando tensões entre os atores envolvidos na construção desse território e dividindo-o em duas partes, que simbolizam estes interesses; de um lado, a arquitetura característica dos bairros de Santo Antônio e São José, do outro, a nova arquitetura que vem ganhando espaço e criando novas dinâmicas no sítio, mas sem integrar-se a ele. O muro que os divide é tanto físico quanto ideológico, representando um projeto de sociedade. Os cenários A e D (fig. 6 e 9, respectivamente) representam as distopias em oposição. O primeiro, Recife Plaza Residence, revela a distopia em que a Abertura e o Novo Recife se sobrepõem à proteção e Velho Recife, gerando um cenário onde a velha arquitetura e paisagens são substituídas, transformando o território em uma caricatura de futuro, onde os edifícios históricos são demolidos em prol desta nova cidade que se impõe.
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Recife” e a Proteção e representa o resultado onde as velhas e novas arquiteturas coexistem de maneira respeitosa no território, de modo que este seja capaz de se desenvolver e reintegrar-se na trama urbana da cidade, sem perder as características que conformam a paisagem histórica.
A construção dos cenários de futuro para a ZEPH 10 demonstra que visualizar estes cenários, por palavra e por imagem, incita a discussão sobre a cidade que se quer, a partir dos conflitos e da diferença que estão presentes na esfera sensível da realidade, de modo a construir uma leitura sobre esta (REYES, 2015).
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Porém, a intenção deste trabalho vai além de apenas encontrar este cenário, mas visa abrir a discussão quando se coloca: quais caminhos, a partir do ponto de vista normativo e de um Planejamento que absorva as questões que o território impõe, devemos tomar para alcançá-lo? As novas leis, ainda em curso de finalização e votação, abrem possibilidades para que seja alcançado? Como conclusão das análises
Para a ZEPH 10, foram encontrados 4 cenários que, de maneira amplificada, representam a polarização dos conflitos encontrados no território e dos interesses dos atores envolvidos. As cenas, apesar de quase absurdas, apresentam uma gradação da realidade atual; da mais próxima desta, a mais utópica e a mais distópica.
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As imagens buscam tanto serem exercícios de composição quanto favorecerem o pensamento crítico instantâneo. São provocativas e eficazes em causar o estranhamento necessário para este relâmpago, mas também são capazes de proporcionar profundo reconhecimento naquela imagem. O cidadão recifense é capaz de se reconhecer nestas imagens e se imaginar naqueles contextos, sendo assim capaz de criticá-los. Neste sentido, a fotomontagem remonta a imagem dialética de Benjamin, proporcionando este momento de interrupção e iluminação para a análise e crítica. A sobreposição de imagens recortadas de diferentes contextos e momentos cria a visualização dos cenários, a escolha de cores em cada uma delas remete a atmosfera que representam, tornando-as mais reais, mas deixando em aberto o caminho do recôndito, do que não está na imagem, mas está no observador, possibilitando a descoberta de novas combinações. Ainda, funcionam como alternativa de “incorporar ferramentas que considerem a hermenêutica das imagens a fim de contribuir para a construção de soluções de projeto mais coerentes com o estado da arte no urbanismo” (REYES e WILKOSZYNSKI, 2015, p. 115).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
PARA MORAR NO CENTRO HISTÓRICO: condições de habitabilidade no Sítio Histórico da Boa Vista no Recife. 2011. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.
REFERÊNCIAS
BESSE, Jean-Marc. O Gosto Do Mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: ED UERDJ, LUDERMIR,2009.Iana.
REYES, Paulo. Projeto por cenários: uma narrativa da diferença. In: XVI EnapurEspaço, Planejamento e Insugências. Belo Horizonte: Enanpur, 2015a. v. 01. p. 01-14. REYNALDO, Amélia. As catedrais continuam brancas. Pernambuco: Cerpe, 2017.
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REYES, Paulo Edison Belo e WILKOSZYNSKI, Artur do Canto. Hermenêutica das imagens: o projeto por cenários através de imagens dialéticas. 1º colóquio internacional de história cultural da cidade Sandra jatahy pesavento. Porto Alegre, 2015. REYES,Reyes.pdf>.em:<http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/08IMArtur_Wilkoszynski_Paulo_DisponívelAcessoem13maio2020Paulo. Projeto por cenários: Uma contribuição aos processos de planejamento, VITRUVIUS, 2014. Disponível em . Acesso em: 26 fevereiro 2020.
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113Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 feitas aqui, acredita-se que estas, de fato, pretendem uma visão mais integrada e responsável sobre a paisagem, mas, ainda deixam brechas para a atuação incisiva do mercado imobiliário em novas fronteiras. Entretanto, é sabido que esta é uma discussão muito mais complexa do que o domínio deste trabalho e que deve ser levada adiante. Apesar disso, acredita-se que, como principal resultado desta pesquisa, temse uma nova maneira, nunca antes utilizada no Recife, de analisar o território, que pode ser incorporada ao planejamento urbano no campo do metaprojeto. Ainda, têmse uma contribuição às disciplinas de Planejamento Urbano e Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, ministradas no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco - principalmente no primeiro ano de curso -, como um método de fácil entendimento, aplicação e utilização, capaz de fomentar a análise sobre recortes estudados e através de metáforas como caricaturas de uma realidade concreta, possam promover resultados de projeto mais reais.
2 Graduanda do 8º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife-PE. stephanie-rocha@outlook.com.
1 Arquiteto e Urbanista, doutor em Desenvolvimento Urbano e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife-PE. arq.pedrovaladares@gmail.com.
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Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 114 UM PATRIMÔNIO PARA ALÉM DE UM SÍTIO HISTÓRICO: ARQUITETURA MODERNA EM OLINDA-PE Pedro Henrique Cabral Valadares1 Stephanie Rocha de Araújo2 RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo abordar o tema da arquitetura moderna em Olinda, cidade Patrimônio Mundial da Humanidade. A arquitetura moderna foi grande protagonista em grande parte do século XX e contribuiu de maneira bastante significativa para mudanças programáticas, além de se despir das ornamentações e se imbuir de funcionalidade, sem, no entanto, preterir o aspecto estético. Em Olinda não foi diferente. Embora seu acervo modernista seja modesto em relação ao do Recife, alguns exemplares merecem atenção, seja por características singulares, seja por arranjos típicos de determinadas vertentes, ou mesmo pela autoria de arquitetos de renome, cujas obras em território olindense são pouco ou nada conhecidas. No bojo do crescimento das discussões acerca da caracterização de edificações modernistas como patrimônio, o artigo sugere, ainda que de maneira preliminar, que o acervo modernista de Olinda carece de estudo para que venha a conhecimento público e posterior reconhecimento enquanto bens a serem preservados. Trata-se de uma publicação embrionária de uma pesquisa ampla que se encontra em desenvolvimento.
Palavras-chave: Olinda. Arquitetura Moderna. Preservação.
A ARQUITETURA MODERNA O Movimento Moderno toma forma a partir do início do século XX como uma iniciativa de rompimento com o historicismo, entre outros motivadores, dando lugar a uma arquitetura inovadora. Desse modo, surgem novos exemplares arquitetônicos que buscam desviar dos padrões estabelecidos pelas arquiteturas de matriz clássica.
Após a Primeira Guerra Mundial, notou-se que o déficit habitacional demandava construções que pudessem ser concluídas com maior rapidez, economia e funcionalidade. Com isso, a ornamentação e as composições volumétricas complexas passaram a ser desconsideradas para a nova arquitetura que se implantava.
Nota-se então, que a indústria passa a ser essencial para estabelecer o Movimento Moderno, frente aos estilos historicistas, pois se tratava de atender a uma necessidade urgente por meio da inovação construtiva.
Uma das grandes contribuições para a consolidação do Movimento foram os cinco pontos estabelecidos por Le Corbusier, que culminaram em seu sistema dom-ino: fachada livre, janelas alongadas, teto jardim, planta livre e pilotis. Essas características permitiram aos arquitetos terem mais liberdade na composição de suas obras, tornando os elementos estruturais independentes das vedações, permitindo, posteriormente, a criação de formas mais orgânicas, utilizando principalmente o concreto armado em sua composição (BENEVOLO, 2001).
Pedro Henrique Cabral Valadares Stephanie Rocha de Araújo
Para Benevolo (2001), o Modernismo não se limitou a um único lugar ou profissional. Pelo contrário, recebeu diversas contribuições individuais e coletivas, em contextos distintos. No entanto, a contribuição mais significativa partiu da Bauhaus, dos seus mentores, professores e alunos, pelas iniciativas de Walter Gropius, e também do franco-suíço Le Corbusier.
Autor de diversas edificações modernistas de extrema importância para o país, Oscar Niemeyer tem como marca registrada a curva em seus projetos e é considerado um dos mais importantes arquitetos do Brasil. Destacou-se nos projetos dos edifícios cívicos de Brasília, como é o caso do Palácio da Alvorada, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto, a catedral, o teatro nacional, os edifícios ministeriais etc.
Vilanova Artigas também teve uma importante atuação na arquitetura moderna brasileira. É autor dos projetos do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), do Anhembi Tênis Clube e do Estádio do
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A obra considerada pioneira no modernismo brasileiro está situada em São Paulo e é de autoria do ucraniano Gregori Warchavchik, uma casa composta por volumes prismáticos brancos e totalmente desprovida de ornamentação (BITTAR, 2006).
A Villa Savoye, uma das principais obras de Le Corbusier, é um dos exemplares da arquitetura modernista que apresenta os cinco pontos estabelecidos pelo arquiteto, tornando-se um dos maiores ícones da Arquitetura Moderna. No Brasil, a arquitetura moderna ganhou destaque através de nomes como Gregori Warchavchik, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, entre outros.
A ARQUITETURA MODERNA ENQUANTO PATRIMÔNIO A preservação do patrimônio construído, notadamente voltado para as edificações e sítios pré-modernistas, só passou a reconhecer os valores da arquitetura moderna e, portanto, incorporá-la como patrimônio apenas no final dos anos 1980, principalmente com a fundação do DOCOMOMO (International Committee for Documentation and Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of the Modern Movement) em 1988 na Holanda, tendo como objetivo a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins.
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Em Pernambuco, a arquitetura moderna tem como pioneiro o arquiteto Luiz Nunes que trabalhou no início de sua carreira no Setor de Obras Públicas do Estado de Pernambuco, vindo do Rio de Janeiro após se formar na Escola Nacional de Belas Artes. O arquiteto tinha como intenção projetar obras que fossem econômicas e funcionais, ao mesmo tempo em que se preocupava com uma nova estética inspirada no modernismo europeu. Dentre suas obras mais relevantes, destaca-se a Caixa d’Água de Olinda, situada no Alto da Sé, inaugurada em 1936, considerada a primeira obra modernista da cidade, figurando com a Usina Higienizadora de Leite no Recife, o Leprosário da Mirueira, a Escola Alberto Torres, o Pavilhão de Verificação de Óbitos, entre outras do mesmo arquiteto, como as primeiras obras modernistas em Pernambuco, todas na década de 1930.
Morumbi, todos marcados pelo concreto armado aparente, uma característica marcante do brutalismo bastante utilizado pelo arquiteto.
Delfim Amorim foi um dos arquitetos determinantes para a consolidação da arquitetura moderna em Pernambuco, trabalhando com outros importantes profissionais, como Heitor Maia Neto, que foi seu sócio, e Acácio Gil Borsoi, com quem trabalhou inicialmente. Desenvolveu diversos projetos residenciais, comerciais, educacionais, institucionais entre outros, e suas obras eram famosas pelo uso de azulejos, pedra, tijolos e elementos vazados, adequando-se ao clima da região nordeste.
Assim como Delfim Amorim, Acácio Gil Borsoi também se destacou no cenário do Modernismo em Pernambuco. Lecionou no curso de arquitetura e urbanismo da atual UFPE, no qual contribuiu para a consolidação da Arquitetura Moderna no estado e, sobretudo, na região nordeste. Em sua obra é possível detectar elementos oriundos das construções tradicionais brasileiras, ressaltando o regionalismo nordestino, assim como em parte da obra de Delfim Amorim (AMARAL e NASLAVSKY, 2003).
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Todavia, no Brasil, algumas iniciativas já vinham sendo tomadas, embora de modo pontual, como ocorreu com o tombamento federal da Igreja da Pampulha (1947, ainda inconclusa), do Palácio Capanema (1948), da Estação de hidroaviões do Rio de Janeiro (1957), do Parque do Flamengo (1965, ainda inconcluso), da sede da Associação Brasileira de Imprensa (1984), do Conjunto do Parque Guinle e três casas de Warchavchik (1986).
Em 2008, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) iniciou em vários estados brasileiros o Inventário Nacional da Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo Modernos, com a finalidade de identificar as edificações com valores históricos e arquitetônicos que justifiquem o tombamento. No âmbito estadual, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) tem como objetivo o apoio, a promoção, o incentivo e a divulgação das produções culturais do estado. A Fundação faz parte da Secretaria da Cultura (Secult-PE) e, entre outras atribuições, visa a preservação dos monumentos históricos e artísticos de Pernambuco. O estado possui um Sistema de Tombamento, no qual a Secult-PE atua como órgão gestor, seguida pelo Conselho Estadual de Figura 1. Pavilhão Luiz Nunes, Recife. Luiz Nunes. Fonte: Fundarpe, 2015. Pedro Henrique
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Assim, como o DOCOMOMO Internacional, o DOCOMOMO Brasil foi criado em 1922 no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, seguindo os mesmos princípios de seu congênere. Seu objetivo é a concepção de uma organização nacional que inclua não apenas pesquisadores, mas também escritórios de arquitetura, profissionais de órgãos de preservação, jornalistas, etc. Dentre suas principais ações, estão a realização de inventários, a criação de campanhas para preservação e divulgação de arquitetura, urbanismo, paisagismo, etc., que estejam englobadas no Movimento Moderno no Brasil.
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Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco (CPPC/PE) como órgão executor e a Fundarpe, como órgão técnico. Dentre os bens modernistas tombados pela Fundarpe, destaca-se o Pavilhão Luiz Nunes (antigo Pavilhão de Verificação de Óbitos da Faculdade de Medicina) (Figura 1), com tombamento proposto pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-PE).
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No Recife, a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC), órgão municipal, também tem agido em favor da salvaguarda de alguns exemplares modernistas, como a Biblioteca Pública de Casa Amarela, projetada por Heitor Maia Neto, e residências projetadas por arquitetos de renome. Entretanto, a legislação urbanística recifense não contempla o instrumento legal do tombamento, mas, sim, a instituição de Imóveis Especiais de Preservação (IEP) os quais são protegidos, mas com amplas flexibilizações para seu entorno.
A Caixa d’Água obedece a alguns dos cinco pontos da Arquitetura Moderna elencados por Le Corbusier, em que o pavimento pilotis, livre de paredes, permite a passagem de pedestres sem bloqueios, além de servir para dar sustentação à Figura 1. Caixa d’Água de Olinda, Alto da Sé. Luiz Nunes. Fonte: Pedro Valadares, 2013.
Em Olinda, fica a cargo da Secretaria de Patrimônio e Cultura do município a elaboração e realização da política cultural, de preservação e valorização do patrimônio histórico. Todavia, nenhuma obra modernista na cidade possui proteção legal individual, como ocorre com alguns imóveis do período colonial. Nem mesmo a Caixa d’Água, obra modernista pioneira em Olinda e uma das primeiras do estado, possui tombamento ou proteção equivalente em nenhuma instância, seja ela federal, estadual ou municipal. A obra se encontra apenas inserida no Polígono de Tombamento que abrange o sítio histórico da cidade, o que não a protege integralmente, tornando-a passível de sofrer descaracterizações por lacunas legais.
Entretanto, a autoria deste projeto ainda carece de confirmação, pois, até então, a única menção que se refere a Niemeyer como autor desta obra é uma matéria do Diário de Pernambuco de 1984 (Figura 3), ano em que a torre foi inaugurada no bairro de Ouro Preto. A escassez de informações concretas, oficiais, é o motivo da paralisação desse processo de tombamento que havia sido iniciado em conjunto entre a Prefeitura de Olinda e a Fundarpe.
Apesar do reconhecimento nacional da Caixa d’Água como integrante da gênese modernista no Brasil e da relativa fama da torre de transmissão da antiga TV Manchete, Olinda possui um acervo de arquitetura moderna que vai além destes dois exemplares, possuindo, inclusive, obras de renomados arquitetos daquele período, a exemplo de Delfim Amorim e Acácio Gil Borsoi. Tais obras variam em tipologia e linguagem, algumas descaracterizadas e outras já demolidas, conforme se verá no capítulo seguinte. Entretanto, se a emblemática Caixa d’Água não possui tombamento, a maioria das demais obras modernistas da cidade são sequer devidamentePercebe-seconhecidas.quea proteção legal de exemplares de arquitetura moderna, embora já em amplo debate nacional e internacional, ainda possui um longo caminho Figura 3. Torre de transmissão da antiga TV Manchete, Olinda. Anúncio de lançamento na edição de 03/03/1984 do Diário de Pernambuco. Fonte: Pedro Valadares, 2019 / Diário de Pernambuco, 1984.
119 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 edificação. Apresenta ainda as duas empenas cegas, as quais protegem as escadas, e as demais ventiladas e protegidas de insolação por cobogós, elementos vazados amplamente utilizados na arquitetura moderna em Pernambuco (Figura 2).
A única tentativa de tombamento de edificação considerada modernista, de que se tem notícia, em Olinda, é o caso da torre de transmissão da antiga TV Manchete (Figura 3), cujo projeto é atribuído ao escritório de Oscar Niemeyer.
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Olinda, primeira capital de Pernambuco, possui um sítio histórico tombado em nível federal e classificado pela UNESCO, desde 1982, como Patrimônio Cultural da Humanidade. A presença de características arquitetônicas e urbanísticas do período colonial, perfeitamente reconhecíveis e autênticos, tornam tal sítio um grande centro convergente de diversas iniciativas que permeiam distintas áreas de conhecimento e atuação. Todavia, no que se refere à preservação do patrimônio construído, é provável que Olinda possua um acervo arquitetônico patrimonial que extrapole os limites coloniais. Trata-se, aqui, da arquitetura moderna, cujo tema tem recebido maior destaque nos últimos anos, tanto por decorrência do DOCOMOMO e da Academia, como por iniciativas de órgãos de preservação. Antes, porém, é necessário compreender o contexto em que a arquitetura moderna se fez presente na cidade. Fundada em 1535, Olinda foi assentada sobre colinas que possuíam geomorfologia semelhante à encontrada em Portugal, apresentando características arquitetônicas e urbanísticas tradicionalmente portuguesas, se consolidando no topo desses morros, formando uma vila. Ao longo dos séculos, a vila se expandiu, tornando-se cidade, porém permaneceu crescendo dentro dos limites originais até o século XIX, quando passou a se destacar como cidade balneário. Neste período, as famílias recifenses se mudavam temporariamente para a orla de Olinda, a fim de aproveitar o banho de mar (considerado medicinal na época) e a calmaria das praias olindenses durante os períodos de veraneio, o que acarretou o aquecimento do mercado imobiliário local, contribuindo para a expansão da cidade além do núcleo primitivo (NOVAES, 1990).
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 120 a ser percorrido. Em parte, as dificuldades em tombar edificações modernistas, ou classificá-las como imóveis a serem preservados, se deve a uma percepção equivocada de que um dos mais importantes critérios para preservação é o valor de antiguidade, embora este seja, de fato, um dos valores possíveis entre um universo maior de outros valores, como afirmava Riegl (2014). Contudo, apesar da proximidade temporal da Arquitetura Moderna com os dias atuais, o critério de antiguidade se torna secundário se forem considerados outros atributos como o protagonismo deste Movimento ao longo do século XX enquanto um paradigma de uma nova sociedade global, além das novas técnicas construtivas, dos novos materiais e dos novos conceitos espaciais, volumétricos, funcionais, entre outros.
ARQUITETURA MODERNA EM UMA CIDADE-PATRIMÔNIO
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Apesar de ser famosa mundialmente por seu sítio histórico, Olinda apresenta exemplares arquitetônicos que vão além das origens coloniais, como por exemplo as casas protorracionalistas (ou puristas) na Avenida Sigismundo Gonçalves (Figura 4) e o Edifício Bethlen no Carmo (Figura 4), representando o período de transição entre o Art Déco e o Movimento Moderno, nos quais os edifícios começaram a apresentar uma redução dos ornamentos, dando ênfase à funcionalidade e a um novo vocabulário estético cada vez mais destituído de ornamentação.
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Entretanto, a área urbana de Olinda ainda se concentrava em seu núcleo primitivo e as demais áreas do município se configuravam predominantemente rurais ou praieiras, que vieram a ser urbanizadas apenas a partir das primeiras décadas do século XX. Como se viu, a Caixa d’Água foi a primeira edificação modernista da cidade e permaneceu com esse status por muito tempo, enquanto as novas edificações, construídas nas áreas de expansão, como no Bairro Novo, se apresentavam com estilo missões e também protorracionalistas, ou mesmo sem estilo definido.
No início do século XX, algumas edificações pré-existentes no sítio histórico sofreram reestilizações que visavam modernizar seu aspecto, deixando, principalmente, as fachadas com um aspecto mais simples, abstendo-se dos ornamentos da arquitetura tradicional, a exemplo de algumas casas e sobrados cujas fachadas foram reestilizadas para Art Déco ou versões vernaculares inspiradas neste estilo.
Além da Caixa d’Água, Olinda apresenta alguns exemplares notáveis em seu território, como por exemplo a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, no bairro de Peixinhos, projetada por Edison Rodrigues Lima em 1958 (Figura 5). De acordo com a revista Acrópole (1958), a igreja fazia parte da antiga vila operária que prestava assistência aos funcionários da Fosforita S.A., uma usina de fosfato existente na década Figura 4. Casa protorracionalista na Avenida Sigismundo Gonçalves e Edifício Bethlem, Carmo. Fonte: Pedro Valadares, 2006 / Google Maps, 2021.
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 122 de 1950. Apresenta estrutura em concreto armado, com grandes janelas de vidro que são protegidas por brises horizontais de concreto e coberta em telha francesa, colocada sobre a laje de inclinação acentuada.
Fonte: Revista Acrópole, 1958. Figura 6. Residência do arquiteto. Jardim Atlântico, Olinda. Frank Svensson. Fonte: Pedro Valadares, 2020.
A residência Antônio Fernandes da Silva (Figura 7), projetada por Delfim Amorim e Heitor Maia Neto em 1969, é mais um exemplar modernista em Olinda. Trata-se de uma casa composta por dois pavimentos que apresenta em sua fachada uma modulação proporcionada por elementos verticais. A fachada frontal desta Figura 5. Capela para Vila Operária da Fosforita, Peixinhos.
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Outra edificação relevante na cidade é a residência do arquiteto Frank Svensson, projetada por ele em 1964. Cahú e Cantalice II (2018) afirmam que a residência foi o primeiro projeto de Svensson fora do contexto da SUDENE, sendo premiado pelo IAB-PE em 1969 na categoria “Habitação Unifamiliar”. A residência é composta por paredes portantes nas laterais em tijolo aparente, nas quais a disposição desses tijolos alterna entre horizontal e vertical, apoiando a laje de concreto aparente (Figura 6). As paredes frontais e posteriores não tinham contato com a coberta, o que criava uma abertura que facilitava a renovação do ar na residência. Atualmente, esta característica não existe mais.
123 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 residência está descaracterizada com revestimento cerâmico, mas seu traçado permanece, aparentemente, original.
Uma obra de grande relevância arquitetônica para o estado de Pernambuco está situada em Olinda, ao contrário do que sugere o senso comum. Trata-se do Centro de Convenções do estado (Figura 9), cujo projeto resultou de um concurso nacional. Projetado por Joel Ramalho Jr., Leonardo Tossiaki Oba e Guilherme Zamoner, entre 1977 e 1983, o Centro de Convenções é, até os dias atuais, uma das obras de maior relevância para a arquitetura moderna do estado. O edifício está situado no limite com o Recife, destacando-se pelo uso do concreto aparente, mas, principalmente, por sua volumetria imponente, pelas curvas e riqueza na articulação dos espaços.
Figura 7. Residência Antônio Fernandes da Silva. Bairro Novo, Olinda. Delfim Amorim. Fonte: Pedro Valadares, 2021. Figura 8. Residência familiar: vista geral e planta do pavimento térreo. Jardim Atlântico, Olinda. José Goiana Leal. Fonte: Pedro Valadares, 2020 / Revista Módulo, 1982.
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As duas residências familiares no bairro de Jardim Atlântico, projetadas por José Goiana Leal em 1976, destacam-se pelos materiais aparentes, como concreto e tijolo (Figura 8). Localizadas lado a lado, ambas as casas pertencem a uma mesma família (Módulo, 1982) e, por esta razão, não há muro entre elas e as áreas de jardim são compartilhadas (Figuras 8).
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Figura 10. Residência n° 3425 na Avenida Ministro Marcos Freire. Jadiceli Dantas. Fonte: Pedro Valadares, 2019.
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O período em que a arquitetura moderna vigorou no Brasil é, ainda, um ponto de divergência entre os principais pesquisadores deste tema. Segawa (1998) aponta para o surgimento do pós-modernismo, no Brasil, em meados dos anos 1970, quando havia ainda uma grande produção de exemplares ditos brutalistas. De todo modo, é sabido que a prática de um estilo não se encerra quando outro é adotado, o que resulta em concomitâncias de estilos e linguagens distintos por algum tempo. Neste sentido, é possível constatar em projetos dos anos 1980, por exemplo, quando o pósmodernismo esteve em seu ápice no Brasil, elementos do vocabulário modernista, principalmente os que foram desenvolvidos em vertentes regionalistas e brutalistas, como é o caso de algumas edificações em Olinda.
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Figura 9. Centro de Convenções de Pernambuco. Fonte: Folha de Pernambuco, 2021 / Pedro Valadares, 2016.
A residência localizada na Avenida Ministro Marcos Freire (Figura 10), nº 3425, é uma obra suis generis na cidade, principalmente pelo arranjo de linhas oblíquas na fachada frontal. Embora sua data de construção seja ainda uma incógnita, sabe-se que o projeto é assinado pela arquiteta Jadiceli Dantas, formada pela Universidade Federal de Pernambuco no final dos anos 1970. Extraoficialmente, sabe-se, porém, que a casa pode ter sido projetada nos primeiros anos da década de 1980. A utilização de concreto aparente em sua estrutura, bem como nos guarda-corpos e no muro frontal, evidencia a permanência de uma prática bastante comum na arquitetura moderna brasileira desde os anos 1960. Atualmente, o aspecto original da casa está descaracterizado devido à pintura sobre o concreto e ao aumento do muro frontal. Contudo, suas feições características permanecem reconhecíveis.
O antigo Banco do Estado de Pernambuco - Bandepe (Figura 11), situado na Avenida Getúlio Vargas em Olinda, foi projetado em 1980 por Acácio Gil Borsoi, um dos grandes nomes da arquitetura moderna em Pernambuco. Suas fachadas em concreto e tijolos aparentes são características marcantes do regionalismo adotado pelo arquiteto. Atualmente, o edifício abriga uma agência do Santander, mas sofreu diversas descaracterizações, internas e externas, com o lamentável encobrimento dos tijolos aparentes (ou sua substituição) e o mascaramento dos arcos em concreto (Figura 12).
Figura 12. Antiga agência do Bandepe, descaracterizada. Fonte: Google Maps, 2019.
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Situado no sítio histórico de Olinda, o Colégio São Bento (Figura 13), projetado pelo escritório Sena Caldas & Polito, inaugurado em 1983, é uma edificação que se destaca na paisagem, porém, sem interferir negativamente na mesma. O projeto levou em consideração o entorno existente, atendendo às exigências do IPHAN, mas Figura 11. Antigo Bandepe, Olinda. Acácio Gil Borsoi. Fonte: www.acaciogilborsoi.com.br. Acesso em 25 de outubro de 2016.
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Em 1984, foi inaugurada a agência da Caixa Econômica Federal (Figura 14), projetada por Borsoi, em concreto aparente, pele de vidro e coberta em cerâmica armada ondulada. Tratava-se de uma das obras mais emblemáticas da cidade, mas que foi demolida em meados dos anos 2000 para a construção de um edifício empresarial (Figura 14), embora com área reservada para o banco no pavimento térreo.
Os artifícios utilizados na composição do colégio propiciam, não apenas a positiva integração ao sítio, mas também condições favoráveis de captação de ventilação natural e proteção aos rigores climáticos, assim como se disseminou em diversas obras regionais, à luz do que preconizava Armando de Holanda Cavalcanti (1976).
Figura 13. Colégio São Bento, Olinda. Sena Caldas & Polito. Fonte: Pedro Valadares, 2019.
O acervo de arquitetura moderna em Olinda é maior e mais diverso do que o que foi apresentado aqui. Até o momento, já foram localizados 290 imóveis que ora são indiscutivelmente modernistas por excelência, ora possuem elementos ou características que, de maneira modesta, foram propostos pelos autores de seus projetos.
sem perder suas particularidades. O concreto foi utilizado na edificação de maneira aparente em alguns trechos, ora pintado na cor branca para dialogar de maneira positiva com as edificações circundantes. Em suas fachadas, observa-se o sistema construtivo de pilares e vigas, além da forte presença de cobogós, bem como um arranjo de reentrâncias e saliências promovido pela conjunção de armários e janelas. Os cobogós (Figura 13) são utilizados em diversos ambientes do colégio, dentre eles a quadra de esportes, na qual apresenta dinamicidade na composição. Neste mesmo local, destaca-se a coberta em cerâmica armada, que remete a várias casas conjugadas.
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Figura 14. Caixa Econômica Federal, Olinda. Acácio Gil Borsoi. Antes e depois. Fonte: Acervo Acácio Gil Borsoi. Acesso em 2016 / Google Maps, 2019.
É provável que a consagração do sítio histórico de Olinda enquanto Patrimônio Mundial da Humanidade como conjunto autêntico do período colonial, juntamente com o lamentável estado de conservação das demais áreas da cidade e a efervescência imobiliária da orla obscureçam, de alguma forma, o interesse por desbravar a cidade com o intuito de descobrir outros valores passíveis de serem preservados. Atualmente, com o fortalecimento do reconhecimento nacional e internacional da arquitetura moderna como patrimônio, e com a celeridade com que as intervenções urbanas têm ocorrido, promovidas, principalmente, pelo mercado imobiliário, urge dar celeridade, também, a ações concretas e efetivas de salvaguarda de exemplares modernistas, visando evitar que ocorram mais perdas, assim como já ocorreu com monumentos de outros períodos. As recentes demolições de residências no Recife, projetadas por Delfim Amorim e Vital Pessoa de Melo, dois grandes nomes da arquitetura moderna pernambucana, ampliam o sinal de alerta já aceso há muitos anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Destaca-se neste texto que os olhares acadêmicos, turísticos e institucionais, nacionais ou internacionais, quando se referem à Olinda, concentram-se nos limites do sítio histórico da cidade, postura justificada pelos inquestionáveis valores existentes e associados ao lugar. Porém, convém alertar para que se considere que uma cidade, principalmente da ancianidade de Olinda e da história que ela ostenta, deve ser explorada, no sentido de examinar, para além dos contornos já reconhecidos como patrimônio. Este alerta se baseia na premissa de que grande parte de valorosas edificações e espaços urbanos se perderam por não ter havido ações prévias, planejadas e articuladas, que antecedessem perdas lamentáveis, a exemplo das grandes reformas urbanas ocorridas no Brasil no início do século XX. Igrejas barrocas, arruamentos, palácios, sobrados, entre tantos outros testemunhos de nossa história.
A ausência de proteção legal permitiu a perda de edificações emblemáticas em Olinda, como as agências bancárias do Bandepe e da Caixa Econômica Federal, ambas projetadas por Borsoi. Perdas como estas ainda podem ocorrer, principalmente porque a maioria dos imóveis ainda é desconhecida pela maioria dos pesquisadores e dos gestores. Descaracterizações também ocorrem, estas em maior número, e vão mascarando a distinguibilidade dos traços modernistas, dificultando, ainda mais, todo o processo.Apesquisa sobre a arquitetura moderna em Olinda visa ampliar a noção de patrimônio na cidade, ultrapassando os limites do universo colonial, direcionando os olhares para outros valores ainda inexplorados. Neste sentido, o recorte temporal tem início na Caixa d’Água, por ser a pioneira na cidade, e avança aos anos 1980, visto que se constatam persistências de vocabulário modernista, de vertentes distintas, em algumas edificações desta década.
A escassez de estudos e ações institucionais concretas em favor do conhecimento, do reconhecimento e da salvaguarda de exemplares da arquitetura moderna em Olinda põe em risco um acervo que, como já dito, embora modesto, integra um conjunto que narra a história da expansão urbana da cidade, bem como denuncia que a arquitetura moderna não se restringe aos grandes centros urbanos, nem apenas aos exemplares extraordinários. Assim como Olinda possui igrejas modestas e rebuscadas, e todas possuem algum nível de reconhecimento e proteção legal, a arquitetura moderna também se apresenta com nuances e gradações na complexidade, ou ausência desta, em seus arranjos estruturais, funcionais e plásticos.
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É notória a dificuldade em reconhecer a arquitetura moderna como bem a ser preservado, ora pela sua proximidade temporal, ora pela predominância da noção de que apenas a arquitetura pré-moderna, de origem colonial ou imperial, é testemunha de uma história de valor inquestionável.
Embora algumas edificações modernistas já sejam protegidas por lei, a quantidade ainda é ínfima diante do rico acervo desta arquitetura no Brasil. No Recife, o problema se repete. Em Olinda, porém, a situação é mais grave, pois apenas a Caixa d’Água possui alguma proteção legal por estar no polígono de tombamento do sítio histórico. Dos 290 imóveis modernistas já localizados na pesquisa, menos de 1% é conhecido ou é raramente conhecido. De modo geral, a Caixa d’Água predomina como a única edificação modernista contemplada em estudos sobre este tema, certamente pelo pioneirismo de sua arquitetura no país.
Vale salientar que, se nem mesmo as edificações modernistas conhecidas e reconhecidas como tal possuem tombamento, ou qualquer outra proteção legal, e estão passíveis de sofrer descaracterizações, o desconhecimento total do acervo
129 Aurora Revista463da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.7, 2022 modernista de Olinda contribui para o apagamento da memória arquitetônica e urbana do período em questão.
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