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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco ISSN 2525-4006
Aurora
Ano I [2016] Vol.1 Núm.1
Fundarpe , 2016
GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Governador | Paulo Câmara Vice-Governador | Raul Henry
SECRETARIA DE CULTURA Secretário de Cultura | Marcelino Granja Chefe de Gabinete | Socorro Lacerda Secretária Executiva | Silvana Meireles Gerente Geral de Articulação Social | Severino Pessoa Gerente de Formação e Capacitação | Aurélio Molina Gerente de Planejamento | Fernanda Lais Matos Gerente de Administração e Finanças | Manoel Araújo Gerente de Políticas Culturais | Teresa Amaral Assessores de Comunicação | Tiago Montenegro e Michelle de Assunção
FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO – FUNDARPE Presidente | Márcia Souto Chefe de Gabinete | Marcela Torres Vice-Presidente | Antonieta Trindade Superintendente de Planejamento e Gestão | Gustavo de Azeredo Machado Gerente de Administração e Finanças | Sandra Bruno Gerente de Produção | Diego Santos Superintendente de Gestão do Funcultura | Gustavo Duarte Gerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Márcia Chamixaes Gerente de Preservação Cultural | Celia Campos Gerente de Equipamentos Culturais | André Brasileiro
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco ORGANIZAÇÃO Renata Echeverria
CONSELHO EDITORIAL Amanda Carla Gomes Paraíso Breno Albuquerque Brandão Borges Celia Maria Medicis Maranhão de Queiroz Campos Daniella Felipe Espósito Eva Fonsêca Passavante Flávio Barbosa da Silva Jeniffer da Silva Ferreira Nilson da Rocha Cordeiro Marcelo Renan Oliveira de Souza Renata Echeverria Martins
TEXTOS Amanda Carla Gomes Paraíso Daniella Felipe Espósito Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento Ericka Maria de Melo Rocha Calábria Eva Fonsêca Passavante Jeniffer da Silva Ferreira Marcelo Renan Oliveira de Souza Nilson da Rocha Cordeiro Renata Echeverria Martins Terezinha de Jesus Pereira da Silva
EQUIPE DA GERÊNCIA DE PRESERVAÇÃO CULTURAL Amanda Paraíso, Augusto Paashaus Breno Borges, Celia Campos Cristiane Feitosa, Daniella Espósito Eva Passavante, Flávio Barbosa, Gustavo Bandeira Izabel Paashaus, Jeniffer Ferreira, Marcelo Renan, Márcia Chamixaes, Maria José Agra, Nazaré Reis, Neide Fernandes, Nilson Cordeiro, Raphaela Rezende, Renata Echeverria, Roberto Carneiro, Rosa Bomfim José Sabino, Tarcísio Paiva, Vera Lúcia Batista
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Flávio Barbosa da Silva
REVISÃO Amanda Carla Gomes Paraíso
Todos os direitos reservados.
REVISTA DA SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO. Recife: FUNDARPE, v.1, n.1. 2016. 131p. Anual ISSN 2525-4006 1. PATRIMÔNIO CULTURAL. 2. VIII SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL. CDD 363.69
Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe Rua da Aurora, 463 - Boa Vista Recife/PE - CEP: 50.050-000 [81] 3184.3000 - 3184.3061 www.cultura.pe.gov.br/patrimonio preservacao@fundarpe.pe.gov.br
Aurora 463
Revista da Semana do PatrimĂ´nio Cultural de Pernambuco
Ano I [2016] Vol.1 NĂşm.1
Recife Fundarpe 2016
Detalhe da Oficina de Mamulengos com Tonho dos Pombos e Zé Lopes de Glória do Goitá. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
APRESENTAÇÃO Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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APRESENTAÇÃO
Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Resultado de uma Semana do Patrimônio exitosa em 2015, a Secretaria de Cultura e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, através da Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural, tomou a importante decisão de lançar a primeira edição da Revista Eletrônica Aurora 463. Uma publicação produzida de forma coletiva, que tem a intenção de registrar as ações e as atividades promovidas durante o evento, constituindo-se como um espaço de difusão das diversas formas de pensar, interpretar, experimentar e brincar o patrimônio; e promovendo a extensão do conhecimento sobre preservação patrimonial. Nesta edição, o leitor contará com as sessões: Memória – reunião de depoimentos dos ex-colaboradores da Fundarpe, que participaram da criação do projeto da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco e que contribuíram de forma significativa para a elaboração dos seus conteúdos. Apresentamos também uma linha do tempo das edições de 2008 a 2015; na seção Giro no Patrimônio – imagens e pequenos textos fazem um registro das atividades realizadas no Recife e nos municípios parceiros: Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paudalho durante a oitava edição do evento em 2015. No último bloco, Artigos Científicos – poderão ser conferidos os trabalhos de pesquisadores, mestres e doutores convidados de diversas universidades e áreas de atuação, que participaram como palestrantes durante a VIII Semana do Patrimônio. A publicação Aurora 463 propõe ampliar ainda mais as discussões e reflexões iniciadas durante o evento. Desde a primeira edição, a organização tem movido esforços para aproximar a pauta de preservação patrimonial da população e dos fazedores de cultura; uma das estratégias adotadas em 2012 foi a criação dos quatro eixos que conduzem todas as atividades promovidas durante a programação. Convidamos todos a Brincar com o Patrimônio participando de oficinas do nosso centenário frevo, a entrar numa roda de capoeira ou até cantar numa serenata; Experimentar o Patrimônio visitando exposições, assistindo apresentações dos nossos Patrimônios vivos e de grupos escolares; Interpretar o Patrimônio através de uma exposição fotográfica ou participar de uma roda de diálogo que busca entender o protagonismo feminino no Maracatu Nação e Pensar o Patrimônio em palestras, debates e seminários.
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Marcelino Granja de Menezes Márcia Maria da Fonte Souto
Em 2015, uma série de conquistas significativas no debate sobre as práticas de preservação do patrimônio cultural de nosso estado foram alcançadas. A fim de fortalecer o sentimento de responsabilidade social, o governador Paulo Câmara assinou, no dia 17 de agosto de 2015, o decreto que institui a criação do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho. O objetivo do prêmio é reconhecer a atuação exemplar da sociedade civil em ações de valorização, promoção e difusão dos bens culturais pernambucanos, uma estratégia que transforma projetos m vetores que consolidam o debate sobre a preservação patrimonial. O entendimento das transformações tecnológicas e sociais que vivemos exige dos gestores e guardiões maior atenção na forma de proteger e promover os nossos equipamentos culturais. O desafio está em fazer com que a população reconheça no patrimônio a sua própria história, o legado e a marca da passagem de seus antepassados como uma herança. O adensamento nas cidades cercou as relações sociais com muros altos transmitindo uma sensação de insegurança e medo. Promover o encontro da população nos espaços públicos e equipamentos culturais torna-se uma excelente forma de humanizar as urbes, rompendo assim o silêncio provocado pelo distanciamento físico que deixaram não somente as ruas, mas as relações vazias. Ciente dessa responsabilidade, a gestão tem grande interesse em promover políticas culturais de pactuação com a população, daí a importância do prêmio. Todas essas ações reforçam a construção de uma memória afetiva em torno dos bens materiais e imateriais que nosso povo construiu ao longo de tantos anos. A partir do momento que a população se sente parte e se identifica com essa história, torna-se uma grande aliada na preservação e divulgação dela. Esperamos, portanto, que essa publicação desperte no leitor as várias práticas de educação patrimonial. Boa leitura!
Marcelino Granja de Menezes Secretário de Cultura do Estado
Márcia Maria da Fonte Souto Presidente da Fundarpe
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EDITORIAL
Aurora 463, revista eletrônica dedicada às ações realizadas durante a VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, traz em seu primeiro número depoimentos, registros visuais e artigos científicos sobre a temática da preservação do patrimônio cultural do Estado, discutida e debatida durante o evento em 2015. Nesta publicação, encontram-se, portanto, diferentes visões sobre a preservação dos símbolos da cultura pernambucana, cuja diversidade e capacidade de renovação e ressignificação reafirmam-se cotidianamente em todo o Estado. Aurora, que na mitologia romana representa a deusa do alvorecer, renovava-se a cada amanhecer para percorrer os céus e anunciar a todos a chegada do sol. Aurora, para os pernambucanos, empresta o nome à rua que margeia o Rio Capibaribe, figurando entre as mais célebres músicas e poesias, sendo também um dos cartões postais mais visitados e fotografados no Recife. Aurora 463 é ainda o endereço onde está instalada a Fundarpe, desde 1994, onde emanam e convergem diariamente ideias sobre a preservação dos patrimônios culturais do Estado e de onde se originou a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. O nome Aurora 463, agora anuncia, com ares de renovação, o surgimento da revista da Semana do Patrimônio, sintetizando as ações de sua oitava edição no ano de 2015, configurando mais esse instrumento da Secretaria de Cultura do Estado e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco para se pensar e atuar na preservação cultural em nosso Estado. Dessa forma, na seção Memória, o leitor poderá conferir depoimentos de ex-colaboradores da Fundarpe, como os das arquitetas Terezinha Silva e Ericka Rocha, protagonistas na criação do projeto da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, e do antropólogo Eduardo
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Comissão Editorial
Sarmento, que também muito contribuiu para pensar os conteúdos desenvolvidos em várias edições ao longo dos últimos anos. Também neste bloco, apresentamos uma retrospectiva das edições de 2008 a 2015, com o intuito de nortear a trajetória de crescimento da Semana do Patrimônio no decorrer do tempo. No Giro do Patrimônio, propomos uma mirada na diversidade de ações e temas abordados conforme quatro eixos norteadores – brincar, experimentar, interpretar e pensar o patrimônio, visando ampliar o diálogo entre os diversos grupos sociais do Estado, nos seus múltiplos territórios percorridos, entre eles, os municípios de Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paudalho e Recife. Em Artigos Científicos, selecionamos 10 textos dos conferencistas e palestrantes das mais variadas instituições brasileiras que durante a Semana do Patrimônio de 2015, abordaram o tema sugerido - Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades. São eles: Prof.º Dr. Bruno Padovano (USP); Prof. Drª. Márcia Sant'Anna (UFBA); Prof.º Dr. Rogério Proença (UFS); Profª. Dr.ª Julieta Leite (UFPE); Prof.º Dr. Josemir Melo (UEPB); Profº. Dr. Gilberto Cysneiros (UFRPE) ; Mestre Gisela Motenegro (IPHAN); Mestre Maria Emília Freire (IPHAN); Eduardo Hahn, (Superintendente do IPHAN/RS); Pesquisadores: Mariana Gueiros, Pedro Silva e André Cardoso. Ao lançar esta primeira edição, confirmamos o compromisso da publicação Aurora 463 com o debate e a reflexão das questões urgentes sobre a preservação cultural dos patrimônios materiais e imateriais de nosso Estado. Comissão Editorial
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Márcia Souto
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EDITORIAL Comissão Editorial
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MEMÓRIA A FUNDARPE COMO ESPAÇO DE ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL Terezinha Silva
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SEMANA DO PATRIMÔNIO: UMA DEMANDA DA SOCIEDADE Ericka Rocha
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PENSAR E AGIR COM O PATRIMÔNIO: MEMÓRIAS DE UM PERCURSO, RELATOS DE EXPERIÊNCIAS Eduardo Sarmento
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SEMANAS DO PATRIMÔNIO: UMA RETROSPECTIVA Renata Echeverria Martins
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GIRO NO PATRIMÔNIO Brincar com o patrimônio
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Experimentar o patrimônio
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Interpretar o patrimônio
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Pensar o patrimônio
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ARTIGOS PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO, AÇÕES DE PRESERVAÇÃO E O TRABALHO DA ONG AMIGOS DO TREM André Luiz Rocha Cardoso
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PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS: ALÉM DA MODERNIDADE LÍQUIDA Bruno Roberto Padovano
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PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS MISSÕES RIO GRANDE DO SUL Eduardo Hahn
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A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DOS GUARARAPES Gisela Amado de Albuquerque Montenegro
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NOTAS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO PERNAMBUCANO Josemir Camilo de Melo
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NOVAS TECNOLOGIAS E BENS PATRIMONIAIS: O APLICATIVO PATRIMÔNIO PE MOBILE Julieta Leite
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A NOÇÃO DE SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL Marcia Sant'Anna
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PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: O CASO DO COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS, EM JABOATÃO DOS GUARARAPES-PE Maria Emília Lopes Freire
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DESENVOLVIMENTO DE TICS APLICADAS À EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO Pedro Henrique Barboza da Silva Mariana Dantas Gueiros Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho
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Caretas de Triunfo. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
MEMÓRIA Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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MEMÓRIA
A FUNDARPE COMO ESPAÇO DE ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL 1
Terezinha de Jesus Pereira da Silva
Em 2007, fui convidada para participar da equipe técnica da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe. Iniciava-se a gestão da presidência da Fundarpe com a arquiteta Luciana Azevedo e da Diretoria de Preservação Cultural – DPCult com a arquiteta Celia Campos. A minha participação, como Coordenadora de Patrimônio Histórico, foi através de uma cessão da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE ao Governo do Estado de Pernambuco até 2010. Enquanto Coordenadora de Patrimônio Histórico, tinha como atribuições auxiliar a Diretoria de Preservação nas atividades de: tombamento, divulgação dos patrimônios materiais e imateriais, montagem de Plano de Preservação, fiscalização dos bens tombados, coordenação dos levantamentos dos bens para tombamento, coordenação do PEP - Programa de Especialização em Patrimônio da Fundarpe, participação na captação de recursos para atividades de Educação Patrimonial, análise de projetos inscritos no Funcultura, pesquisas, além de representação. Após conclusão das atividades de coordenação, venho participando como voluntária da Comissão de Patrimônio da antiga DPCult, após eleição em reunião plenária da Semana do Patrimônio. Em 2007, as ideias da Presidência e da Diretoria de Preservação eram de dinamizar a Fundação através de política de cultura no Estado, por meio do Plano de Gestão
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Terezinha de Jesus Pereira da Silva é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco. Foi Coordenadora de Patrimônio Histórico da Fundarpe.
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Terezinha de Jesus Pereira da Silva
Pernambuco Nação Cultural, que teve ações interiorizadas nas 12 Regiões de Desenvolvimento – RDs. Durante tal período, deu-se destaque especial para a estratégia montada visando superar as carências de formação, principalmente na DPCult. Como compensação da falta de pessoal, foi pensado um sistema de estágio profissional para recém formados, à semelhança do Programa de Especialização de Patrimônio – PEP do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN. Foi criado um edital, que teve uma boa procura, para profissionais das áreas de Arquitetura e Urbanismo, Turismo, História, Jornalismo, Biblioteconomia, Design e Computação. Cada profissional selecionado tinha um supervisor para acompanhamento das atividades. Minha participação na coordenação geral da montagem desta equipe multidisciplinar rendeu uma dinâmica na participação da política de cultura do Estado por meio do Plano de Gestão Pernambuco Nação Cultural. As escutas realizadas pelo Plano de Gestão, nas Regiões / municípios, envolviam todas as Diretorias da Fundarpe contemplando os bens materiais e imateriais. Tais atividades permitiram aproximação com o conhecimento das demandas de patrimônio, bem como direcionar as ações do Plano de Gestão. Como frutos deste momento foram produzidos registros gráficos e digitais sobre a listagem dos patrimônios materiais e imateriais do Estado, ações de Educação Patrimonial, outras bibliografias sobre os patrimônios, bem como a participação em congressos nacionais e internacionais. A duração do estágio profissional do PEP - Fundarpe rendeu uma qualificação aos participantes de modo que muitos conseguiram novas atividades profissionais em função de tal atuação. Devido às interpretações de aspectos trabalhistas, a proposta do PEP foi reformulada para outro tipo de vínculo, enquanto não se realiza concurso público para a Fundação. Outra atividade que tem sido muito enriquecedora como contato para redirecionar as ações de preservação para o Estado, foi o estabelecimento em calendário da Semana do Patrimônio. A participação de diversos segmentos da sociedade tem sido crescente. Tais momentos vêm funcionando também como espaço para atividades de Educação Patrimonial. Em 2010, por motivos familiares, precisei interromper as minhas atividades na Fundarpe. Como síntese de tal momento, posso afirmar que a Fundarpe representou para mim um espaço de especialização profissional, além de ganhar muitos amigos.
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MEMÓRIA
SEMANA DO PATRIMÔNIO: UMA DEMANDA DA SOCIEDADE
Ericka Maria de Melo Rocha Calábria1
Ano de 2007. Era um momento de grande concentração de energia para a construção de uma política pública de cultura arrojada e inovadora em Pernambuco. Na capital e nos diversos municípios do interior do Estado, foram realizadas escutas com o objetivo de trazer oficialmente à luz as demandas e expectativas da sociedade, referentes às prioridades de atuação governamentais em cada linguagem cultural. Sendo uma ação de início de gestão, caracterizava-se, de fato, como uma atividade de planejamento, que permitia ouvir, sistematizar e viabilizar o desempenho do Estado a partir de uma metodologia participativa. Na área de Patrimônio Cultural, as demandas espelhavam, de modo geral, uma visão um tanto pessimista e queixosa, sobretudo quando se tratava do patrimônio construído, tão ameaçado pela ausência de capital para sua manutenção, quanto por quadros de pujança de desenvolvimento. Os recursos empregados nas construções que constituem a paisagem urbana de quase todas as cidades do interior caminhavam, em sua maior parte, no sentido de apagar os padrões construtivos relacionados a momentos históricos pretéritos, carregados de simbolismos provincianos, e aproximar-se dos signos de progresso que se retratam nos edifícios hegemônicos nas cidades contemporâneas brasileiras, sobretudo as mais ricas, tais como vidros, cerâmicas, platibandas, verticalização, etc.
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Foi Analista em Gestão de Patrimônio da Fundarpe; Professora do Curso de Gastronomia da UFRPE desde 2008, é arquiteta e urbanista pela FAU / UFRJ, mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE.
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Ericka Maria de Melo Rocha Calábria
O tom otimista surgia quando vinha à tona a abordagem da Educação Patrimonial, enxergada como uma perspectiva politicamente exequível, duradora e sistemática, que transformaria a visão da sociedade, como um todo, despertando a consciência quanto aos valores associados ao patrimônio. Entretanto, a noção aguda da superficialidade do conhecimento referente à história da cidade, das construções, da paisagem junto com as práticas associadas, que lhe trazem significado, tornava urgente a consolidação de momentos sistemáticos de reflexão e debate na esfera do patrimônio que permitissem o reconhecimento e a difusão desses valores. Aparecendo em praticamente todas as escutas realizadas: tanto nas regionais itinerantes, nas quais a participação de um público mais heterogêneo, que comparecia à sala de debate de patrimônio, só era possível, muitas vezes porque a de música ou artes plásticas estavam lotadas - quanto nas setoriais, cujo público era majoritariamente constituído por pessoas envolvidas na gestão do patrimônio, estava, insistente, a necessidade da realização de eventos que permitissem uma continuidade de discussão e aprofundamento das questões afloradas. O tempo designado às escutas era insuficiente e a pressão do tempo tornava-se uma angústia para os participantes que relatavam o fato de terem ainda muito a falar. Durante a posterior sistematização das demandas, apresentada nas reuniões de planejamento, a necessidade de novos encontros, com maiores possibilidades reflexivas, destacava-se com bastante nitidez, o que lhe propiciou o caráter de prioridade. Além disso, é interessante observar que a demanda era também interna, e que os membros mais antigos da equipe da Fundarpe desde muito enxergavam a necessidade de realização de debates abertos à sociedade que orientassem e, ao mesmo tempo, norteassem as ações de gestão. Unanimemente foi estabelecida como prioritária a realização da I Semana do Patrimônio, que foi realizada logo no ano seguinte, em agosto de 2008. A data, 17 de agosto, foi selecionada estrategicamente para dar maior peso à divulgação do Dia Nacional do Patrimônio Histórico, instituído nacionalmente desde 1998, no centenário do nascimento de Rodrigo de Mello Franco de Andrade, jornalista e fundador do IPHAN. Desde a primeira versão, a ideia do evento foi agregar diferentes áreas de discussão e vivência, incluindo públicos diversificados, como gestores, estudantes, pesquisadores, profissionais que atuam na área, entre outros. Isso se tornaria possível por meio de uma atuação em três frentes: uma atividade de Educação Patrimonial
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Ericka Maria de Melo Rocha Calábria
voltada a crianças ou adolescentes, uma oficina voltada a questões práticas na atuação dos gestores do patrimônio, envolvendo a discussão de legislações, práticas e rotinas, etc. e um seminário com a apresentação de palestras e momentos de debate acerca da temática do patrimônio cultural. Com o passar dos anos, o evento foi se expandindo e se tornou possível ampliar as frentes, que puderam se integrar com outras políticas, como por exemplo, o Patrimônio Vivo e o Funcultura, o que foi lhe imprimindo, pouco a pouco, um caráter plural e de maior complexidade. Além disso, espraiou-se por outros municípios, tais como Gravatá, Bezerros, Olinda, Salgueiro, Escada, Belo Jardim, Brejo da Madre de Deus, Igarassu e Jaboatão, entre outros, em alinhamento com a política de descentralização das ações governamentais. A Semana do Patrimônio de Pernambuco tornou-se um momento de obtenção de informações importantes a respeito das políticas do patrimônio dos diversos municípios do Estado, uma celebração dos valores do patrimônio e, sobretudo, um momento anual de reflexão das problemáticas de cada momento. Sua oitava edição com a duração de cinco dias, mobilizou 3.210 pessoas, envolvendo organização e participantes em sete localidades. Que a Fundarpe tome fôlego para realizar muitas outras.
Abertura da VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Foto: Costa Neto / Fundarpe.
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MEMÓRIA
PENSAR E AGIR COM O PATRIMÔNIO: MEMÓRIAS DE UM PERCURSO, RELATOS DE EXPERIÊNCIAS.
Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento1
Contar, descrever, relatar e argumentar, enquanto sujeito-narrador, trajetórias, experiências e sentimentos, sob qualquer circunstância, colocam-nos diante de significativos desafios e limitações. Por outro lado, lançam-nos, igualmente, no terreno fértil da busca, da rememoração, da criação, da provocação. Uma busca de um em-se-fazendo no próprio caminho da busca, um buscar infindável porque é sempre um novo começo, um recomeço. Sinto-me, aqui, estimulado a construir, desconstruir e reconstruir os sentidos e os caminhos percorridos num ambiente institucional delimitado, o da Diretoria de Preservação Cultural - FUNDARPE, e, mais especificamente, no contexto da organização da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, ambos, por sinal, repletos de estímulos e aprendizados. Neles, o patrimônio cultural, elo principal, foi/é colocado como desafio, mas, também, como um catalisador de mudanças, ou seja, um campo repleto de valores e recursos, ao mesmo tempo, de ambiguidades e contradições. Com ele, diante de uma realidade multifacetada e complexa, e
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Foi Analista em Preservação de Equipamentos Culturais e Patrimônio e Coordenador de Patrimônio Imaterial – DPPC/Fundarpe; Doutorando em Antropologia (PPGA/UFPE); Membro Pesquisador do Observatório de Museus e Patrimônio Cultural – OBSERVAMUS; Gerente Geral do Paço do Frevo.
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Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento
suas idiossincrasias, fomos/somos implicados no jogo da alteridade, no exercício de práticas culturais instigantes que, definitivamente, exigem muito mais do que sensibilidade e boas intenções, em que se mesclam o mercantil com o não mercantil, o público com o privado, o industrial com o artesanal, o bem com o serviço, o tangível com o intangível, etc. Assim, propício ao pluralismo e ao intercâmbio, mas longe de revelar consenso e homogeneidade, a Semana do Patrimônio, afetuosamente assim denominada, inaugurou, num ambiente notadamente normativo e disciplinar, a possibilidade de uma construção diversa, advinda, principalmente, da tensão crítica dos modelos culturais e gerenciais. Para além da perspectiva da proteção e preservação, encontramos uma variedade de abordagens teóricas e metodológicas, formando um painel rico de percepções, um mosaico dinâmico e plural de temas que compõem os estudos e discussões sobre o fazer cultural, por sinal, normalmente, assimétrico e desigual. Enfrentamos ou tentamos a apatia de uma agenda contemporânea que abordasse o papel da cultura na formação política, educacional e social nos diversos territórios, por consequência, as maneiras como se definem as formas de aprendizagem, circulação, apropriação, distribuição, mercantilização de bens e processos culturais. Fenômeno que envolve a gestão, a mediação, uso e apropriação da informação em distintos ambientes, acadêmicos e/ou não. Assim, pouco a pouco, a imersão neste contexto foi apontando para uma maior importância do campo de conhecimento denominado políticas públicas, bem como das instituições, regras e modelos que regem sua decisão, elaboração, implementação e avaliação.
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Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento
Assuntos, motivadores e desafiadores, como paisagens e cidades, educação e cidadania, cultura e desenvolvimento, museus e patrimônio, memória e territorialidade, diversidade cultural e proteção ambiental, megaeventos e impactos culturais, entre tantos outros, foram invocados a compor uma trama, quase sempre cheia de impasses, implicada na definição de uma política de preservação, conservação e salvaguarda de bens culturais. Consequentemente, vários itinerários, óticas e formulações foram postas em diálogo, sem abandonar, é claro, a dialética. Emergiu-se, desse modo, um debate heterogêneo, colado, por outro lado, em possibilidades de práticas transversais. Sem dúvida, um empreendimento que favoreceu a troca de experiências entre diversos atores sociais, e, ainda, ao mapeamento de ideias e atitudes sobre o patrimônio cultural. Uma iniciativa que, a meu ver, aproximou a população do seu patrimônio, por meio de um processo de construção de conhecimento, trazendo à tona uma perspectiva ontológica das políticas públicas, seus desdobramentos, trajetórias e perspectivas. Por fim, acredito que a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco permitiu, além de tudo até aqui relatado, conviver, sentir, refletir e aprender sobre a própria prática. Um verdadeiro engenho laboral de construção de sentido de minha prática de gestor, daquilo que sei daquilo que penso que sei; daquilo que faço daquilo que penso que faço. Uma feliz oportunidade de perceber e apreender as identificações, a reciprocidade, o contraditório, os discursos e os desejos dos “outros-eu”, gestores culturais. Suas estratégias, posições e lutas que podem ser reconstruídas e tematizadas pela via dos diversos fazeres e saberes. Uma descoberta do outro no si-mesmo, numa possibilidade de navegabilidade, de posicionamento e de autolocalização.
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MEMÓRIA
SEMANAS DO PATRIMÔNIO: UMA RETROSPECTIVA Renata Echeverria Martins1
A I Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi realizada em 2008. A abertura da I Semana do Patrimônio foi realizada no auditório do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE) e reuniu vários profissionais ligados à área de preservação do patrimônio do Estado. Fizeram parte da programação debates, apresentação de projetos do Funcultura e Ações Educativas. Cerca de 200 adolescentes da Rede Pública Estadual de Ensino participaram das atividades de Educação Patrimonial, que aconteceram no Museu do estado de Pernambuco – MEPE, Museu de Arte Contemporânea - MAC e Museu Regional de Olinda – MUREO. Participaram da Semana 350 pessoas.
Cartaz da I Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
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Renata Echeverria Martins é integrante da equipe da Gerência de Preservação Cultural da Fundarpe, Coord. da Semana do Patrimônio desde 2010, jornalista pela UNICAP, mestre em Comunicação e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGCOM da UFPE.
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Renata Echeverria Martins
Em 2009, foi realizada a II Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, também no auditório do Museu do Estado de Pernambuco. A palestra de abertura abordou os desafios da preservação nos municípios e perspectivas diante do PAC das Cidades Históricas – participaram representantes das prefeituras do Cabo de Santo Agostinho, Caruaru, Goiana, Igarassu, Ipojuca, Olinda e da Administração de Fernando de Noronha. A programação também foi composta por: seminário, apresentação de projetos do Funcultura e capacitação para técnicos de 45 municípios de Pernambuco das Regiões de Itaparica, São Francisco, Araripe, Sertão Central, Sertão do Pajeú, Sertão do Moxotó, Agreste Meridional, Agreste Central, Mata Sul, Mata Norte e Região Metropolitana. Aproximadamente 600 alunos das escolas estaduais das cidades de Gravatá, Bezerros e Caruaru participaram da ação educativa. Eles visitaram o Museu do Barro de Caruaru, o Centro de Artesanato em Bezerros e o Memorial de Gravatá, com a presença dos Patrimônios Vivos do Estado de Pernambuco: Manoel Eudócio e J. Borges. A Roda de Mestres contou com representantes das manifestações culturais do Afoxé; do Caboclinho, do Maracatu de Baque Virado; Maracatu de Baque Solto e do CavaloMarinho. O público participante foi estimado em 480 pessoas. De 16 a 20 de agosto de 2010, aconteceu a III Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Políticas Públicas de Cultura e Políticas de Educação Patrimonial foram temas debatidos na abertura do evento, na Casa do Patrimônio, do Iphan, no Recife.
Cartazes da II e III Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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Renata Echeverria Martins
Para discutir a atuação do Ministério Publico de Pernambuco na defesa do Patrimônio Cultural foi convidado o Promotor de Justiça de Minas Gerais, Dr. Marcos Paulo de Souza Miranda. O Seminário da II Semana congregou diversas temáticas discutidas em mesas realizadas no Recife e nos municípios de Escada, Belo Jardim e Salgueiro. Os Patrimônios Vivos de Pernambuco: Caboclinho Sete Flechas, Maracatu Leão Coroado e Clube de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-Noite apresentaram-se ao final do evento, no Museu do Estado. Cerca de 500 pessoas participaram do evento. A IV Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco teve como tema: “Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Sustentável”. O seminário foi realizado no Teatro Arraial, hoje Teatro Arraial Ariano Suassuna. Durante a abertura, no dia 15 de agosto de 2011, foi realizada uma escuta setorial e eleita a Comissão Setorial de Patrimônio. As Mesas Redondas foram compostas por profissionais de Pernambuco e de outros Estados, como o Prof. Zeca Brandão – UFPE/ Sec. Planejamento de Pernambuco; Prof. Dr. Rogério Proença de Souza Leite da Universidade Federal de Sergipe - UFS; Dr.ª Rosana Eduardo Silva Leal - UFS; Sérgio Salazar Salvati - Biólogo e Mestre em Turismo Sustentável – SENAC – São Paulo; Jurema de Souza Machado – UNESCO; Prof. Drª Matilde Melo – PUC/São Paulo e Fábio Cavalcanti do Iphan, entre outros. No Cinema São Luiz, foram exibidos os curtas-metragens “Ninhos Antigos” de Osman Godoy e “Recife Frio” de Kleber Mendonça. Mais de 800 pessoas participaram da Semana IV Semana do Patrimônio.
Cartazes da IV e V Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
Em 2012, a V Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi realizada em Olinda, numa homenagem aos 30 anos da inscrição do Sítio Histórico de Olinda na lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. A sede da prefeitura do município abrigou o seminário: “Patrimônio e Cotidiano”. Na Casa do Patrimônio de Olinda, gestores, técnicos e representantes de municípios pernambucanos que possuem bens tombados no Estado
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participaram de uma capacitação ministrada pelos técnicos da então Diretoria de Preservação Cultural da Fundarpe. Cerca de 350 alunos da Rede Pública Municipal de Olinda participaram das ações de Educação Patrimonial pelas ruas e ladeiras do sítio histórico, numa atividade que contou com a parceria do Instituto Cooperação Econômica Internacional - ICEI Brasil, que também ficou responsável pela Mostra de Gastronomia Regional e oferta das comedorias populares de Olinda. Cerca de 740 pessoas participaram do evento. Em 2013, com o tema: “Patrimônio cultural e políticas públicas: (des) envolvimentos e desafios”, a VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco procurou discutir temáticas como: mobilidade, políticas públicas, novas urbes, paisagem cultural, novas tecnologias e gestão patrimonial. Participaram das mesas professores doutores e gestores públicos locais e de outros estados do país. A programação da VI Semana também contou com o encontro “Patrimônios em diálogo na academia”, realizado pelo Departamento de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/PPGA. Entre os palestrantes convidados participaram: o Prof. Dr. Alexandre Delijaicov - USP; o arquiteto Roberto Montezuma UFPE; o Sec. de Mobilidade da Prefeitura do Recife, João Braga; Fernando Cabral - Pres. Do IEPHA/MG; o professor Carlos Fernando de Moura Delphin; o Prof. Dr. Rafael Winter Ribeiro – UFRJ; a Profª. Drª. Ana Rita Sá Carneiro – UFPE e a economista Tânia Bacelar. A ação educativa foi composta pelas atividades do “Jogo do Patrimônio”, “Navegando no Patrimônio”, apresentação de teatro de bonecos e mestres bonequeiros de Igarassu e visita técnica à obra de restauração do Palácio do Campo das Princesas, entre outras atividades. Os Patrimônios Vivos Mestre Camarão, Mestre Arlindo dos Oito Baixos e Mestre Galo Preto apresentaram-se no Teatro Arraial Ariano Suassuna, e logo após a cerimônia de encerramento, todos foram convidados para a entrega do Inventário Nacional de Referências Culturais - INRC dos Maracatus de Baque Solto e Virado, Caboclinhos e Cavalo Marinho. No Centro de Convenções de Pernambuco - CECON, o
Imagem de divulgação da VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
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então Governador Eduardo Campos entregou à Presidente do Iphan, Jurema Machado, os inventários das manifestações culturais. Participaram da VI Semana aproximadamente 600 pessoas. “Patrimônio Cultural: limites, caminhos e inovações”, com esse tema foi aberta a VII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, realizada de 17 a 22 de agosto de 2014. As parcerias ampliaram-se e a VII edição do evento aconteceu também nos municípios de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Caruaru simultaneamente. Em Olinda, gestores e técnicos organizaram um seminário para discutir a arte urbana e o patrimônio. As Rodas de Diálogo exploraram as questões do patrimônio cultural e gênero. Lula Vassoureiro, Patrimônio Vivo de Pernambuco, ministrou uma oficina de máscaras para 40 alunos da Rede Pública Estadual. Vale destacar, dentro da programação da VII Semana, as exposições: “Materiais Construtivos e Ferramentas Tradicionais”, na sala de exposição do Centro de Artesanato de Pernambuco; “Exposição Pernambuco Vivo” e “Acessibilidade e Educação Patrimonial nos Patrimônios de Pernambuco”, na Torre Malakoff. Aproximadamente 1.670 pessoas foram contabilizadas.
Cartazes da VII e VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
A VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi aberta no dia 17 de agosto, no Teatro Santa Isabel, com solenidade presidida pelo Governador do Estado de Pernambuco, Sr. Paulo Câmara. A plateia lotada foi saudada pelos Patrimônios Vivos e Mestres do Frevo: Duda, Ademir e Nunes. Logo depois foi lançado o Prêmio Ayrton de
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Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco 2015 pelo Governador do Estado. Também fizeram parte da programação de abertura as palestras: “Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades”, proferida pela Profª. Drª. em Arquitetura e Urbanismo, Márcia Sant' Anna – UFBA e “Projetos de qualificação de espaços públicos: além da modernidade líquida”, pelo Prof. Dr. em Arquitetura e Urbanismo Bruno Padovano – USP. Com o tema: “Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades”, a VIII Semana do Patrimônio contou com a participação de representantes dos municípios de Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Paudalho, Recife e Olinda. Com base nos quatro eixos norteadores da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco – Brincar, Experimentar, Interpretar e Pensar – buscou-se contribuir para o debate em torno da preservação do patrimônio cultural a partir das práticas reconhecidas como sustentáveis desenvolvidas nos sete municípios envolvidos. Em 2015, cerca de 3.200 pessoas participaram da VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. A significativa ampliação das parcerias e municípios envolvidos durante a oitava edição estimulou a criação de uma publicação que reunisse todo o conteúdo fomentado. Assim, nasceu a Revista Eletrônica Aurora 463, que tem como título o endereço da sede da Fundarpe. A publicação foi elaborada pelos técnicos da Gerência de Preservação Cultural, palestrantes convidados e antigos colaboradores: fazedores de cultura que labutam na árdua tarefa de manter erguido o patrimônio cultural de nosso Estado.
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Mamulengos. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
GIRO NO PATRIMÔNIO Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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BRINCAR COM O PATRIMÔNIO
Diálogos Patrimoniais em Brejo da Madre de Deus. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Jogo do Patrimônio 2.0. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
De forma bastante lúdica, alunos do município de Brejo da Madre de Deus puderam se apropriar de conceitos relativos ao patrimônio e sua preservação, por meio dos Diálogos Patrimoniais, e depois aprender brincando com o Jogo do Patrimônio 2.0 na exposição Patrimônios Vivos de Pernambuco. A atividade contou com a presença de malabarista de pernas de pau e suas pupilas, enriquecendo o diálogo com troca de experiências. A exposição itinerante Pernambuco, Cultura, História e Mar – Galeria Móvel de Miguel Igreja trouxe um pouco mais de movimento ao espaço público da cidade de Brejo da Madre de Deus, sete bicicletas portando fotografias gigantes, numa espécie de galeria móvel, circularam pelas ruas mostrando um pouco dos patrimônios existentes em Pernambuco.
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Exposição Patrimônios Vivos de Pernambuco. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Além do Brejo da Madre de Deus, a Mostra Pernambuco, Cultura, História e Mar – Galeria Móvel Sustentável, do fotógrafo Miguel Igreja, também circulou pelas ruas dos municípios de Caruaru, Paudalho e Igarassu, divulgando o patrimônio cultural do Estado numa perspectiva visual inovadora e criativa. Galeria móvel sustentável do fotógrafo Miguel Igreja em Brejo da Madre de Deus. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Galeria móvel sustentável do fotógrafo Miguel Igreja em Paudalho. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Oficina de criação de bonecos em Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
No 'Sobrado do Imperador', onde está instalada a Casa do Patrimônio do Iphan de Igarassu, foi realizada mais uma edição do projeto Sobrado dos Bonecos pelo Teatro Popular de Bonecos. A ação contou com a presença de mestres dos municípios de Carpina, Lagoa de Itaenga, Igarassu e Glória do Goitá, que participaram de Mesas-Redondas, Rodas de Conversa, exibições de vídeos, apresentação de Teatro de Bonecos e Oficinas de Mamulengos. Crianças, jovens e adultos vivenciaram o patrimônio de maneira lúdica e educativa.
O mestre e sua criação na Casa do Patrimônio do Iphan em Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Mestre Antero Assis na Casa do Patrimônio do Iphan em Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Jogo do Patrimônio 2.0 no Memorial de Justiça, no Recife. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Redescobrindo o Pastoril. Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
O Jogo do Patrimônio 2.0 também mobilizou estudantes no Memorial de Justiça de Pernambuco e no Educandário Magalhães Bastos no bairro da Várzea. Em Paudalho, houve a ação Redescobrindo o Pastoril, formação cultural com alunos da Escola Municipal do Junco, na Zona Rural de Paudalho.
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EXPERIMENTAR O PATRIMÔNIO
Cinema na Estrada em Brejo da Madre de Deus. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Também fez parte da programação de atividades do Brejo da Madre de Deus o Cinema na Estrada que apresentou em praça pública o filme: A Compadecida, do mestre Ariano Suassuna, gravado na cidade há 60 anos. A intenção foi de que as pessoas vissem e se identificassem com as imagens gravadas há seis décadas e que alguns moradores da época pudessem se sentir parte desse patrimônio. Na plateia, um dos figurantes, que nunca havia assistido ao filme, mostrou-se emocionado e feliz pela oportunidade.
Todo sentimento: uma viagem ao coração, em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
No município de Paudalho, foi possível experimentar o patrimônio através da ação Todo sentimento: uma viagem ao coração, que consistiu numa oficina de inclusão cultural para portadores de deficiência mental e autistas.
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Programação especial do projeto Olha! Recife. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Uma parceira entre a Fundarpe e a Prefeitura do Recife possibilitou a capacitação dos mediadores do Projeto Olha! Recife, que promove diversos roteiros culturais e históricos na cidade. Na Semana do Patrimônio, o público teve a oportunidade de conhecer os jardins históricos de Burle Marx, recentemente tombados pelo Iphan. A pé ou pedalando, também puderam percorrer o trajeto do Museu do Trem, no bairro de São José, até o Ginásio Pernambucano no Bairro de Santo Amaro. A oficina de dança e percussão Maracatu no Solo Sagrado: patrimônio cultural de Pernambuco aconteceu na sede do Maracatu Raízes de Pai Adão no Recife.
Maracatu no Solo Sagrado. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Maracatu no Solo Sagrado. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Ação MBIRI-TYBA em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
Ação MBIRI-TYBA em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
Ação MBIRI-TYBA em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
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Ação MBIRI-TYBA em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
No mesmo eixo temático de experimentar o patrimônio, foi realizada a ação MBIRI-TYBA: A Celebração aos antepassados indígenas paudalhenses “Potiguaras e Tabajaras” em Chã do Conselho, Zona Rural de Paudalho, envolvendo centenas de estudantes do Colégio Municipal José Bonifácio, Escola Municipal do Junco, Escola Municipal Itaboraí, Escola Municipal São Bernardo, Colégio Municipal Maria de Fátima e Colégio Estadual José Antonio Fagundes. Ação MBIRI-TYBA em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
Ação MBIRI-TYBA em Paudalho. Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
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INTERPRETAR
Interpretar o patrimônio O PATRIMÔNIO
O protagonismo da mulher no Maracatu Nação. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
O protagonismo da mulher no Artesanato. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Na cidade do Recife, foram realizadas diversas Rodas de Diálogo com temáticas que contemplaram a diversidade de nossos bens imateriais - Patrimônio Cultural e Gênero: o protagonismo da mulher no Maracatu Nação; O Protagonismo da Mulher no Artesanato; Maracatu Nação & Patrimônio: territórios do invisível e espaços de sociabilidades e Desafios dos Museus na Contemporaneidade.
Maracatus Nação & Patrimônio. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Os desafios dos museus na contemporaneidade. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Os desafios dos museus na contemporaneidade. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Etapas do restauro e adequação da Casa de Câmara e Cadeia de Brejo da Madre de Deus. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Etapas do restauro e adequação da Casa de Câmara e Cadeia de Brejo da Madre de Deus. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Na cidade de Brejo da Madre de Deus, alunos do Ensino Médio puderam conhecer sobre as Etapas do Restauro e Adequação da Casa de Câmara e Cadeia, hoje Centro Cultural do município e ver de perto os artefatos arqueológicos das escavações. Em Paudalho, o encontro Café & Prosa reuniu mestres do cordel, da cantoria e da poesia: Beija Flor, Zaminho, Felipe Cornélio, Paulo Henrique e Lima no arquivo público municipal.
Café & Prosa em Paudalho. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Café & Prosa em Paudalho. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica de Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Na Igreja de Santo Antônio de Igarassu, estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual João Pessoa Guerra tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a edificação histórica de Igarassu através da palestra Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica do Convento Franciscano de Igarassu, proferida Roberto Carneiro, Técnico da Fundarpe, que trabalhou na obra de restauro do convento.
Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica de Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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PENSAR
Pensar o patrimônio O PATRIMÔNIO
A Cidade do Recife foi palco da abertura da VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. O Teatro de Santa Isabel recebeu autoridades, entre elas o Governador do Estado, Sr. Paulo Câmara. A plateia lotada assistiu a apresentação dos Mestres de Frevo Duda e Ademir, que renderam homenagens ao maestro Nunes. Na solenidade, foi lançado o Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco e proferidas palestras da Prof.ª Dr.ª Márcia Santana (UFBA) e do Prof. Dr Bruno Padovano (USP). A Banda Sinfônica da Cidade do Recife encerrou a festa. Maestros Ademir e Duda. Foto: Costa Neto/SecultPE.
Lançamento do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho. Foto: Costa Neto/SecultPE.
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Orquestra de Frevo do Maestro Nunes. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Prof.ª Dr.ª Márcia Santana (UFBA), Renata Echeverria e o Prof. Dr Bruno Padovano (USP). Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Banda Sinfônica da Cidade do Recife. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Com proposta de reconhecer, celebrar e difundir as culturas Afro-brasileiras e indígenas da comunidade de Paudalho, foi realizado o Inventário de Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-brasileiras do Município de Paudalho no arquivo público da cidade.
Inventário de Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-brasileiras do Município de Paudalho. Foto: Pefeitura de Paudalho.
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Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
No Museu do Trem, no Recife, professores, arquitetos e funcionários da instituição reuniram-se para debater sobre o Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação. Outras palestras e minicursos também foram ministrados, tais como – Desenvolvimento de TICS Aplicadas à Educação Patrimonial de Pernambuco; Monumentos e Documentos: memórias para uma boa ancestralidade; Janelas do Tempo: possibilidades de interpretação do patrimônio cultural do Recife; A religiosidade como expressão do Patrimônio Cultural e Manifestações Culturais Afrobrasileiras: Patrimônio e (In) tolerâncias. Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Desenvolvimento de TICS Aplicadas à Educação Patrimonial de Pernambuco. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Monumentos e Documentos: memórias para uma boa ancestralidade. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
Janelas do Tempo, possibilidades de interpretação do patrimônio cultural do Recife. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
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Postais da memรณria. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
ARTIGOS Aurora 463 Revista da Semana do PatrimĂ´nio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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ARTIGO
PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO, AÇÕES DE PRESERVAÇÃO E O TRABALHO DA ONG AMIGOS DO TREM 1
André Luiz Rocha Cardoso INTRODUÇÃO
Em 1854, o Brasil já tinha por inaugurada a sua primeira estrada de ferro, sendo esta a Estrada de Ferro Petrópolis, conhecida por “Estrada de Ferro Mauá”, levando o nome do Barão de Mauá, o Irineu Evangelista de Souza, o seu principal acionista. Quase quatro anos depois, seria inaugurada a segunda ferrovia em solo brasileiro, sendo esta em Pernambuco, a Recife and São Francisco Railway Company, tendo sua primeira etapa, entre a Recife e a Villa do Cabo, inaugurada em 8 de fevereiro de 1858. Estava dado o pontapé inicial para a implantação dos caminhos de ferro no estado. A proposta da Recife ao São Francisco era justamente ligar a capital pernambucana ao Rio São Francisco, na altura da Cachoeira de Paulo Afonso. O objetivo não foi concretizado; novos interesses levaram seus trilhos até a cidade de Garanhuns, como Estrada de Ferro Sul de Pernambuco. Uma ramificação foi então construída proporcionando a ligação desta ferrovia com a Estrada de Ferro Central de Alagoas em 1894. Já em 1881, nova ferrovia era inaugurada em solo pernambucano, desta vez a Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro, pela Great Western of Brazil Railway Company. Em 1881, os trilhos já se encontravam na atual Carpina e em 1882 alcançavam Limoeiro, com um ramal para Nazaré da Mata. Este ramal foi prolongado até alcançar a Paraíba em 1900. Também na década de 1880, mais precisamente em 1885, era inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Recife a Caruaru, que veio a se chamar Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Este primeiro trecho entre Recife e Jaboatão continuou sendo prolongado por etapas, atingindo em 1895 Caruaru, em 1912 Arcoverde, em 1949 Afogados da Ingazeira, em 1957 Serra talhada e, no início dos anos 1960, Salgueiro. A Estrada de Ferro Central de Pernambuco, a Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco (e a Estrada de Ferro Sul de Pernambuco, da mesma forma que seu
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André Luiz Rocha Cardoso, recifense, é assistente de Coordenação do Acervo da Estação Central Capiba/ Museu do Trem e atualmente cursa a graduação em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. É membro da Direção Regional Pernambuco da ONG Movimento Nacional Amigos do Trem.
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prolongamento até Alagoas) e a Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro (da mesma forma como seu prolongamento até a Paraíba) constituíram respectivamente a Linha Tronco Centro, Linha Tronco Sul e Linha Tronco Norte de Pernambuco, sendo as nossas principais ferrovias, havendo ainda algumas ramificações. Convém destacar que além dessas linhas principais, o estado dispunha de várias malhas ferroviárias particulares que atendiam a indústrias, principalmente açucareiras, citando como exemplo a grande malha ferroviária da Usina Catende e a da Usina Central Barreiros. DESVALORIZAÇÃO DO TRANSPORTE SOBRE TRILHOS O declínio do transporte ferroviário em Pernambuco pode ter seu início sinalizado na década de 1930, a partir dos incentivos à construção de rodovias e à indústria automobilística e da borracha. No entanto, essa situação de desvalorização dos trilhos só viria a se agravar a partir da década de 1960, atingindo seu auge na década de 1980, quando vários ramais e linhas tronco foram desativadas para o tráfego de passageiros. Em Pernambuco, nessa década, deixaram de circular os trens de passageiros interurbanos e interestaduais, como é o caso do trem Recife – Salgueiro e Recife – Maceió. A década 1990 seria marcada pela supressão do transporte de cargas em vários trechos e pela privatização da malha ferroviária, antes em poder da estatal RFFSA, a Rede Ferroviária Federal S/A. A quase totalidade da malha nordestina, incluindo Pernambuco, passava a ser gerida pela Companhia Ferroviária do Nordeste, a CFN, para o transporte de cargas. Os trens de passageiros restantes, os de subúrbio, ficaram sob a gestão da CBTU, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos, como já o eram os trens urbanos desde 1984 quando fora criada esta companhia. UM PATRIMÔNIO DE PESO QUE NECESSITA SER PRESERVADO A partir deste breve resumo histórico, pode-se perceber um pouco da grandiosidade e da importância do patrimônio ferroviário de Pernambuco. Ao longo destes mais de 1100 km de trilhos, cortando inúmeras cidades, foram montadas estações e armazéns para passageiros e cargas, oficinas para o material rodante, como é o caso das oficinas de Jaboatão e de Edgard Werneck, esta no bairro de Areias no Recife, que foram duas das mais importantes oficinas de material ferroviário do Nordeste. Vilas ferroviárias, garagens, afora tantos outros aparatos técnicos que tiveram sua execução necessária para permitir a passagem dos trens, a exemplo das várias obras de arte representadas pelas centenas de pontes e pelos vários túneis
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abertos nas linhas Sul e Centro. Um patrimônio de destaque que figura no contexto urbano e rural dos diversos municípios pernambucanos cortados pelos trilhos e que, com sua implantação e com a sequente operação dos trens foi de extrema importância na modificação e estabelecimento de novas relações econômicas e sociais, ou seja, a ferrovia exerceu uma importante função social no cenário brasileiro. A ONG AMIGOS DO TREM EM DEFESA DAS FERROVIAS Tendo como cenário essa necessidade de se preservar o patrimônio público ferroviário pela sua importância já ressaltada é que surge em 2001 oficialmente a OSCIP ONG Movimento Nacional Amigos do Trem, uma entidade popular unida com o objetivo de poder zelar pelas ferrovias brasileiras. Em 2013, a partir da adesão de novos membros que já se moviam por essa causa em Pernambuco, a ONG se expande para este estado. Em 2014, é então criada a Direção Regional Provisória da ONG Amigos do Trem em Pernambuco. INICIATIVAS EM PROL DA PRESERVAÇÃO Várias ações vêm sendo desenvolvidas pela ONG Amigos do Trem no sentido de preservar esse patrimônio e também na tentativa de poder conscientizar outras parcelas da população sobre a importância de fazê-lo, mostrando que as linhas que hoje estão ociosas já muito serviram, durante mais de cem anos, e ainda podem muito servir, tanto para o transporte de cargas, quanto para o transporte de passageiros, onde se enquadram os trens comerciais regulares e os trens turísticos-culturais. Estes últimos já vêm mostrando em várias partes do Brasil que são uma boa alternativa para proteger esse patrimônio e dar uma utilidade pública ao mesmo. A proposta de implantação de trens turísticos está sendo no momento uma das formas de ação da ONG Amigos do Trem. O primeiro destes a ser operado pela ONG está em fase de execução e será no estado do Rio de Janeiro, região serrana deste estado, fazendo um percurso numa região de belas paisagens, bastante explorada pelo turismo e que possui uma antiga linha em desuso, a Linha auxiliar da Estrada de Ferro Central do Brasil. O projeto que está sendo executado pela ONG e parcerias prevê a modificação da bitola (distância entre os trilhos) desta linha, de 1,00 m para 1,60 m para permitir a passagem da automotriz, um veículo ferroviário com capacidade para mais de 50 pessoas fabricado na década de 1950 e que estava desde a década de 1990 parado e que foi cedido pelo DNIT e recuperado pelos voluntários da ONG. A previsão é que este trem, o Trem da Serra Azul, seja inaugurado ainda em Outubro de 2015.
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Em Pernambuco as ações em prol de zelar por esse patrimônio já acontecem desde 2013. As primeiras iniciativas, que ainda são realizadas, foram caminhadas pelos trilhos denominadas “Nos Trilhos da História”. Essas ações visam aproximar a população dos trilhos, ou seja, de trazer todos para conhecerem de perto esse patrimônio. As caminhadas, geralmente realizadas num percurso médio de 10 km, de modo a mais pessoas poderem participar, são geralmente realizadas entre uma e outra estação ou outro ponto importante da ferrovia. A primeira caminhada, realizada em 20 de julho de 2013, foi um percurso de 4,5 km entre a Estação Ferroviária do Cabo de Santo Agostinho, no Centro desta cidade (e que é a mais antiga estação ferroviária do Brasil ainda em funcionamento, desde sua inauguração em 1858) até o Túnel do Pavão, localizado no mesmo município, que foi aberto em 1858 pela Recife and São Francisco Railway (Estrada de Ferro do Recife ao São Francisco), sendo este o primeiro túnel ferroviário já aberto no Brasil. Outras caminhadas “Nos Trilhos da História” se sucederam. A segunda ocorreu em 09 de novembro, também de 2013, no trecho entre a Estação Ferroviária de Carpina e a de Paudalho, ambas na Mata Norte, Linha Norte de Pernambuco. A terceira, também na Linha Norte, foi realizada entre as estações de Carpina e de Nazaré da Mata, num percurso e 12 km pelos trilhos, no dia 19 de julho de 2014. Atualmente, voluntários da ONG Amigos do Trem em Pernambuco estão realizando o trabalho de fiscalização voluntária da Linha Norte de Pernambuco. Esta Linha, que parte do Recife com direção ao estado da Paraíba, cruza a Zona da Mata Norte do estado, cortando várias áreas de matas, canaviais, usinas e engenhos. A escolha da Linha Norte para realizar de início este trabalho deveu-se ao fato de que a mesma teve tráfego de cargas por parte da concessionária Ferrovia Transnordestina Logística até por volta de 2011, logo a mesma ainda apresenta condições de tráfego, embora que mínimas. Além disso, a linha corta uma zona de grandes atrativos turísticos e pouco explorada, estando inserida no roteiro turístico estadual “Circuito dos Engenhos”, fora a própria viabilidade que teria o trecho para a reativação dos trens regulares de passageiros, pleito pelo qual alunos da Universidade de Pernambuco (UPE) Campus Mata Norte já vem se mobilizando. O referido Campus, localizado na cidade de Nazaré da Mata, uma das cidades cortadas pela via férrea possui milhares de alunos e servidores que, com a reativação da Linha Norte para o transporte de passageiros, contariam com um meio de transporte rápido, seguro e barato, além da própria população das cidades cortadas pela via férrea que também ganharia bastante com isto. O trabalho de fiscalização voluntária realizado pela ONG Amigos do Trem consiste na ação de limpeza parcial e circulação pelos diversos pontos desta via férrea
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de modo a poder garantir que a mesma não seja depredada, com isso garantindo a sua existência para execução de projetos futuros, como o trem turístico defendido pela entidade neste trecho. A ação, desenvolvida pela ONG em parceria com a Ferrovia Transnordestina Logística, está em fase inicial. Foi cedido pela FTL à ONG um auto de linha, veículo ferroviário com capacidade para até 9 pessoas, utilizado para inspeção e manutenção da via férrea o qual, quando concluída sua reforma, será utilizado pela entidade no trabalho de fiscalização voluntária, mediante todos os processos legais necessários para a operação do mesmo. Desse modo, finalizamos com a frase lema da ONG Amigos do Trem que expressa bem o objetivo desta entidade na defesa do patrimônio público ferroviário brasileiro: “Trens de passageiros, quem andou tem saudades, quem não andou tem vontade”. REFERÊNCIAS CÔRTES, Eduardo. Da Great Western ao Metrô do Recife. Editora Persona: Recife, 2003. MELO, Josemir Camilo. Ferrovias Inglesas e Mobilidade Social no Nordeste (1850 – 1900). Editora da UFCG: Campina Grande, 2008. PINTO, Estêvão. História de Uma Estrada de Ferro do Nordeste. José Olympio: Rio de Janeiro, 1949. CARSOSO, André. Amigos do Trem na Linha Norte de Pernambuco: Entenda os projetos. Disponível em: <http://amigosdotrempernambuco.blogspot.com.br/2015/06/amigos-do-trem-na-linhanorte-de.html>. Acessado em 08/10/15. ________. Uma viagem de trem há 156 anos. Disponível em: <http://memoriaferroviariadepe.blogspot.com.br/2014/02/uma-viagem-de-trem-ha-156anos.html>. Acessado em 09/10/15. OSCIP Amigos do Trem. Instituição Oscip. Disponível em: <http://www.amigosdotrem.org/p/oscip.html>. Acessado em 09/10/15.
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ARTIGO
PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS: ALÉM DA MODERNIDADE LÍQUIDA 1
Bruno Roberto Padovano INTRODUÇÃO
Com sua historicamente comprovável carga física, o campo do Urbanismo tem dirigido sua atenção aos processos de requalificação dos espaços públicos de nossas cidades principalmente a partir de uma ótica construtiva, visando transformar tais espaços mediante intervenções físico-espaciais capazes de lhes devolverem melhores condições de uso para seus usuários, em função de demandas emergentes e de necessidades de serem adequadas para abrigá-las. Para entendermos isto, é preciso vermos, ao longo da história das cidades, como o espaço público foi determinado pelas suas sociedades. Antes da existência das primeiras cidades, nas sociedades tribais mesolíticas ou neolíticas como a dos povos indígenas brasileiros, que viviam da caça e da pesca principalmente (com alguma atividade agrícola rudimentar), espaços privativos e públicos eram uma coisa só. Atividades como a música e a dança faziam parte do universo mágico destas populações e todos os seus membros participavam delas.
Figura 1: Foto de Noel Villas Boas, Xingu, aldeia Yawalapiti, Kuarup, 2009.
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Bruno Roberto Padovano é Arquiteto e Urbanista, Músico e Compositor, Professor Titular da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (NUTAU/USP). E-mail: brpadovano@gmail.com.
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Com a fixação de tribos no território e o começo da agricultura pré-industrial, surgiram os primeiros núcleos urbanos, e com estes, uma divisão física entre espaços públicos e privados, com as atividades coletivas, de caráter religioso e festivo, ocorrendo principalmente nos primeiros. E um comércio de rua, muitas vezes associado a alguma forma de espetáculo, como nesta imagem de um encantador de serpentes, estrutura-se a partir desta divisão, tomando as feições de feiras ao ar livre. Com o surgimento de impérios, essas primeiras comunidades urbanas foram sendo subjugadas por cidades históricas imperiais como Ur na antiga Mesopotâmia e Roma, na Itália, atingindo populações muito maiores e mostrando esta carga física de caráter monumental, pela qual os eventos públicos eram hospedados em grandes estruturas físicas, como o Coliseu ou o Circo Máximo, que podia hospedar até 200 mil espectadores, o dobro do atual Maracanã. Com a queda dos impérios, como o Romano, surgiu, no caso da Idade Média na Europa, o surgimento das Cidades Estado, com a consolidação dos burgos medievais ou da pequena cidade murada com sua trama medieval, dentro da qual muitas das atividades coletivas e culturais das cidades imperiais eram reproduzidas, especialmente nos ambientes públicos, gerenciados por governantes, fossem estes reis ou lordes pertencentes a uma ordem feudal. As estruturas imperiais são abandonadas e, em muitos casos, viram ruínas ou são reaproveitadas para hospedar habitações. Com o advento da industrialização, os espaços públicos demasiadamente limitados das cidades históricas e de seus núcleos originais, dimensionados para fluxos de pedestres e, eventualmente, a passagem de uma carruagem ou de um ou outro cavaleiro, não apresentavam condições de uso por fluxos daquele que veio se tornar o grande agente transformador das cidades. Primeiro, surgiram as bicicletas, os bondes e trens (precursores dos VLTs) e, em seguida, os automóveis e os ônibus urbanos, além da circulação de outros veículos motorizados, como taxis, caminhões, vans, motocicletas, e, mais recentemente, a própria bicicleta, que volta como protagonista da mobilidade sustentável nos centros urbanos atuais, após grande popularização na China. As grandes avenidas de Nova York ilustram o agigantamento da mobilidade motorizada na metrópole industrial, com as calçadas acompanhando timidamente o grande fluxo de veículos, de passagem. A popularização globalizada de uso destas modalidades de transporte urbano trouxe impactos enormes sobre as estruturas das cidades antigas, colocando seu patrimônio histórico sobre a pressão de mobilidades urbanas sem precedentes e que exigiram ampliações viárias de dimensões também inusitadas. Essa pressão resultou em projetos urbanísticos que literalmente devastaram áreas inteiras de bairros com
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traçado medieval, como os famosos bulevares Haussmannianos em Paris ou o rodoviarismo de Robert Moses em Nova York no século XIX, levando arquitetos modernistas como Le Corbusier a imaginarem a possibilidade de se realizar uma “tábula rasa” sobre os bairros antigos para acomodar um novo urbanismo funcionalista, ainda nos primórdios do século passado. Novamente, diante desse agigantamento que lembra o das cidades imperiais, as atividades festivas e culturais acabaram sendo dirigidas para espaços especializados, como teatros, cinemas, centros culturais, estádios, etc., com pouca atividade deste tipo nos demais espaços públicos, fora eventos e festividades pontuais, como o nosso carnaval, que também vem deixando os espaços públicos tradicionais e sendo hospedado em sambódromos, ou seja, fora de ruas, praças e largos, ainda usados em cidades nordestinas, nas quais esta tradição é profundamente enraizada, como no Recife e em Olinda. Os espaços públicos das antigas cidades e cidadelas históricas foi assim transformado por uma intensa ação de modernização das estruturas de mobilidade urbana e, na medida em que as redes de cidades foi se estendendo territorialmente, esta ação tornou-se regional, nacional e transnacional, com o surgimento de um território globalizado, complexo e conector de espaços cada vez mais amplos da Terra. Hoje, a mesma especialização ocorre em rede, com estádios localizados ao longo de vias expressas, como o Allianz Arena, na Alemanha, cercados por estacionamentos e acessada por via expressa. Nesse processo, acompanhado pelo surgimento das redes proporcionadas pela indústria da informática e das telecomunicações, a sociedade contemporânea vem se afastando de seu tradicional convívio com as estruturas urbanas pré-industriais, encontrando uma nova forma de viver a cidade que dispensa um contato mais físico e interativo no plano interpessoal com a mesma: o processo de coccooning, com os consumidores fechados em suas casas assistindo a shows à distância. O espaço público tradicional se ressente desta falta de transeuntes e espectadores que os animavam no passado, especialmente em horários não comerciais. No novo território urbanizado que mescla cidade e campo, não parece mais haver espaço para um convívio maior de pessoas nos espaços públicos tradicionais, com o fortalecimento do espaço privativo sobre o anterior, no qual inclusive atividades coletivas são praticadas de forma pontual e isolada de um convívio social mais aberto e integrador. Nos circos, clubes esportivos, nos shopping centers, nos centros especializados de toda ordem, em hotéis e pousadas distribuídas pelo território das novas redes urbanas, os convívios se tornam cada vez mais virtuais e há, como
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encontramos nos textos de Zygmunt Bauman, um derretimento da ordem urbana anterior e o desaparecimento das cidades como componentes referenciais de uma sociedade urbanizada. Surge até uma expressão arquitetônica contemporânea, a da modernidade líquida, como na arquitetura de Zaha Hadid. Estaríamos assim passando de um estado sólido para o líquido, de uma sociedade mecânica-física para uma digital-fluida. De uma sociedade industrial serial para a das redes informacionais interativas, que exige uma nova espacialidade para que a experiência coletiva, vital para a cidadania, possa ser reencontrada, como nestes projetos experimentais de estudantes de graduação e pós-graduação do Politécnico de Milão, que, diferentemente aos projetos de Zaha Hadid, incluem a dimensão natural. Em tais ambientes fluidos, podemos até imaginar o surgimento de uma nova cultura imaterial, já que o pedestre volta a ser o protagonista nos espaços construídos. Nas nossas grandes cidades contemporâneas, como São Paulo e Recife, os espaços públicos das comunidades que ainda vivem nas partes mais adensadas das cidades pré-existentes sofrem, assim, abandono e esvaziamento de suas funções públicas e, após os horários comerciais, passam a apresentar um quadro deprimente e degradante da condição urbana, tornando-se favoráveis às ações de criminosos que não se veem observados e podem atuar de forma impune contra terceiros. A falta de segurança passa a ser um efeito de causas profundas que fogem do controle do gestor público tradicional e se tornam fator determinante de mais “fuga das cidades” para ambientes totalmente privatizados e seguros, que são, porém, carentes dessa interação urbana. Nas periferias paulistanas da autoconstrução que incluem desde favelas em áreas de risco a bairros irregulares, porém consolidados, há uma enorme carência de espaços públicos condizentes com a necessidade de atividades de lazer ativo e passivo da imensa população que ali reside, por meio do entretenimento realizado por agentes voltados às artes performáticas (música, teatro, mímica, prestidigitação, marionetes, circenses, etc.) por meio de instalações que lhes possam dar mínimas condições de realização com participação popular. Por outro lado, grandes ou mesmo megaeventos performáticos como o 'Rock in Rio' e a 'Virada Cultural' em São Paulo não constituem formas de regeneração do caráter coletivo dos espaços públicos, gerando mais especialização territorial e inviabilizando uma cultura mais pública, na escala do transeunte, trazendo segurança aos espaços públicos em boa parte abandonados e subutilizados. Dentro deste contexto, entendemos que, se a tendência para uma
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fragmentação social e espacial cada vez maior seja possivelmente inevitável numa sociedade da emergente e onipresente realidade virtual, existe ainda uma possibilidade para que as partes consolidadas de nossas cidades ofereçam convívio alternativo àquele proporcionado pela crescente indústria digital. Nesse cenário alternativo, elas poderiam ainda ser salvas deste derretimento generalizado que caracteriza o cenário global de nossas antigas cidades, em acelerado processo de desaparecimento mediante seu abandono por populações de renda mais elevada e parca atenção do setor público, por causa da necessidade de sua conservação, cujos custos são elevados. Existe a necessidade de uma animação do espaço público com atividades que possam favorecer o convívio de sua população, hoje acanhada por causa do coccooning, por meio de atividades performáticas, hoje reduzidas a uma sobrevivência precária dos artistas no meio social, numa associação da cultura com a mendicância. É objetivo desse texto enumerar algumas experiências que trazem para um plano “gasoso” ou “etéreo” a qualificação dos espaços públicos em áreas urbanizadas consolidadas, porém em processo de degradação, como o centro de São Paulo. Entendemos este conjunto de posturas e de atividades regenerativas de uma urbanidade mais cidadã como uma ação corretiva deste esvaziamento do espaço público num país fortemente urbanizado como o Brasil e numa megacidade como São Paulo e suas cidades conturbadas na consolidação de uma região metropolitana com mais de 20 milhões de habitantes. Recuperar as atividades performáticas no que sobrou dos espaços públicos passa a ser uma resistência cultural tão ou mais importante do que o movimento “Occupy”, que vem ocorrendo com a crise do sistema capitalista globalizado, que parece não ter solução, deixando milhões sem empregos e incentivando as migrações intercontinentais entre países pobres e os ricos, como o que pode ser acompanhado na Europa atualmente. Nesse artigo, buscamos salientar a importância de um espaço público vivo e amigável para o convívio mais amistoso na sociedade contemporânea, pelo qual o seu estado de liquidificação, conforme arguido por Bauman, possa atingir um novo patamar existencial, no qual o imaterial, o etéreo ou efêmero (aquilo que “dura” apenas durante sua realização, mesmo que registrado por gravações em vídeo) passe a fazer parte da riqueza da experiência humana no cotidiano da vida, humanizando assim os espaços/palcos da própria vida, tornando-a rica e fértil novamente, no contexto de uma sociedade que se desfaz do estado sólido original e se transforma em líquida, ou, no caso, em etérea.
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1. A NATUREZA DO PROBLEMA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS Nas últimas décadas, vem se observando, mundialmente, um número crescente de desempregados urbanos que, somados aos tradicionalmente pobres nas cidades e campos, vem preocupando as autoridades, incapazes de atender suas demandas, e gerando um clima de insegurança nas cidades, com o crescimento da violência urbana e o da alta do consumo de entorpecentes. Nos países mais pobres, trata-se de um fenômeno inquietante: de um lado, o dos sem tetos e moradores de rua, muitas vezes agredidos, quando não mortos por psicopatas covardes, e do outro o dos drogados, que são vítimas de sua própria insegurança da qual tentam se refugiar por meio de substâncias alucinógenas, como a heroína e o crack. Assim, podemos falar, aqui entre os especialistas que se preocupam com a preservação do patrimônio cultural, o colapso do patrimônio mais importante que podemos ter: o das vidas humanas. Dois assuntos aparentemente distintos, na realidade tem uma origem comum: o descaso como o passado e com o futuro, no presente. No abandono humano, encontram-se ecos do mesmo abandono das estruturas físicas erguidas pelo poder econômico de antigas elites que nos explicam porque chegamos, coletivamente, até este ponto e vice-versa. Muitos bairros antigos, outrora a morada dos ricos, foram convertidos em paisagens infernais de decadência humana, como a famigerada Cracolândia em São Paulo, pelo descaso social com um enorme contingente de pessoas que poderia exercer uma atividade produtiva e não o faz por falta de incentivo e de apoio da sociedade como um todo, sendo assim marginalizadas pela sociedade contemporânea. Uma das respostas mais fáceis para a pergunta: “Como chegamos a este ponto?”, é a pobreza da atividade artística como praticada por centenas ou mesmo milhares de músicos que tocam, em condições de mendicância, nas ruas de São Paulo, como de tantas outras cidades do mundo. Se a arte, especialmente a performática, é tão pouco valorizada pela nossa sociedade, não surpreende por que o desemprego chegou ao ponto em que está a países tradicionalmente ricos e cheios de oportunidades, como os Estados Unidos. A arte poderia, se praticada mais amplamente e oferecendo emprego fixo aos seus praticantes, suprir não apenas empregos em grandes quantidades para uma população urbana desempregada, mediante incentivos à cultura mais abrangente, como reintegrar criminosos à sociedade, mediante um ganha-pão que possa atender suas necessidades de vida, fazendo com que as prisões pudessem, por meio de aulas de música, teatro, artes plásticas, etc., regenerar pessoas marginalizadas pela própria
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sociedade e punidas duas vezes por sua incapacidade de se inserir nela de forma construtiva, após enveredarem pelo caminho do crime. Algo que era impensável nas comunidades indígenas é, tristemente, ocorrência mais do que comum na nossa sociedade tecnologicamente avançada, que tenta esconder sua incapacidade de atender às necessidades de todos seus membros com um número cada vez maior de prisioneiros, mantido em cárceres que são verdadeiros incubadores de atividades criminosas organizadas. O resultado ou desastre anunciado é o crescimento do crime e não sua diminuição, pois uma sociedade repressiva nunca poderá resolver os conflitos por ela mesma gerados. Uma sofisticada indústria de segurança eletrônica surge no lugar de uma forma humana de tratarmos com doentes gerados por uma sociedade doente, ou seja, libertando os pobres de sua exploração pelos mais ricos. O que só pode ocorrer se os próprios “mais ricos” se tornem mais humanos, ajudando os demais e construindo, juntos, uma nova sociedade. O que vemos, em lugar disto, é o Big Brother do “1984” de George Orwell nos observando por meio de suas câmaras onipresentes, usadas pelo poder público, inclusive, para viabilizar sua política de indústria de multas, uma forma de sobretaxar a sociedade consumista e sedenta por maior mobilidade. Neste território dominado pelos grandes edifícios corporativos, pelos shopping centers e torres de residências unifamiliares repetitivos e intercambiáveis de tão monótonos, divorciados de um convívio mais ameno com o entorno urbano, há raras exceções como os bem-sucedidos (urbanisticamente falando) Conjunto Nacional e o Brascan Center em São Paulo, que, porém, mantem sua baixa porosidade social em função do desnível qualitativos dos edifícios ao redor da praça aberta com relação aos do entorno. Ali, dificilmente os administradores iriam deixar alguém tocar sua flauta ou guitarra elétrica em lugar tão controlado pela qualificada vizinhança, ao menos que uma autorização prévia seja dada para isto, num uso de um espaço público que, porém, sofre com uma fiscalização eletrônica sofisticada e proibição de usos incompatíveis com os ali criados, num simulacro do espaço público tradicional. Por outro lado, muitos edifícios erguidos pelas elites do passado, considerados exemplos importantes da memória cultural, e assim preservados mediante restauro e caprichada preservação, são ocupados por museus que atraem um número ínfimo de visitantes, vivendo como popularmente se diz, “às moscas”, a maior parte do tempo. Atividades mais envolventes como música e teatro ao vivo raramente ocorrem em seus ambientes elitistas e de baixíssima frequência de público, dificultando sua manutenção pela ausência de recursos oriundos de patrocinadores privados e as dificuldades de caixa das diversas secretarias da cultura.
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Muitos conjuntos de interesse cultural conseguem se manter quando seus gestores viabilizam seu uso comercial a partir de eventos sociais como festas e casamentos ou uso por parte de empresas de grande porte, que os usam para eventos de celebração delas mesmas ou de lançamento de novos produtos de suas linhas. O fato de alguns destes eventos incluírem o trabalho de músicos contratados não muda, per se, a natureza elitista destes eventos. Nesse contexto geral, podemos detectar como uma das origens do problema, a marginalização (inclusive por meio da sua elitização) da arte em geral, e especialmente das artes performáticas, realizadas ao vivo, como elo perdido entre sociedades antigas na qual o ritual comunitário fazia parte da vida de uma determinada etnia e as contemporâneas, nas quais o mundo virtual se expande retirando vitalidade das práticas comumente associadas ao convívio comunitário interativo e interpessoal, ao menos que seja orientado para o consumo de massa, como no caso de megaeventos esportivos, com a colocação de telões em praças públicas, como ocorreu inicialmente na Alemanha, na Copa do Mundo de 2006 e no Brasil também. Nada que seja virtual poderá, no entanto, substituir a emoção do evento ao vivo, seja este um jogo de futebol ou uma dança do ventre, de uma mímica ou uma peça teatral, realizada diante um público presente ao mesmo. Mesmo se em sua maioria restrita a ambiente de acesso limitado, pela excepcionalidade do evento ou pela grande demanda pelo espetáculo em cartaz, as atividades performáticas costumam ser preferidas pela maioria das pessoas às mesmas atividades vivenciadas pela TV ou Internet, uma vez que a mídia retira boa parte da emoção que ocorre no local da filmagem. Quando então ocorrem espetáculos em espaços públicos de importância histórica, como óperas em antigos anfiteatros, o público vivencia algo de mágico entre passado e presente, uma verdadeira orgia dos sentidos, só possível nestes ambientes e reproduzido de forma sempre limitante pela mídia eletroeletrônica, que não consegue, mesmo com recursos cada vez mais tecnologicamente sofisticados, captar a magia do momento vivenciado no local de sua realização. Assim, podemos dizer que existe um enorme potencial para a arte performática como indutora de um reequilíbrio entre espaços públicos e privados, devolvendo aos primeiros uma primazia há muito tempo perdida para a omnipresente cultura das comunicações avançadas (TV, Internet), em detrimento do convívio social e uma maior harmonia entre todas as diversas camadas sociais em cidades mais inclusivas e democráticas. Exemplos certamente não faltam, nem no plano internacional nem no nacional, e nem mesmo no caso específico de São Paulo, objeto de uma nossa análise na parte final desse artigo.
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2. QUANDO A ARTE VOLTA PARA A RUA Com o crescimento do turismo internacional e nacional, ao longo das últimas décadas, há casos frequentes da administração pública municipal promovendo ações no sentido de (re)qualificar os espaços públicos de sua cidade para melhor receber os visitantes, com projetos urbanísticos e paisagísticos que vêm devolvendo áreas inteiras, especialmente nos centros históricos, para os pedestres desfrutarem condições mais tradicionais de vida urbana, sem máquinas circulando que possam criar um ambiente mais perigoso para eles. Em São Paulo, por exemplo, o antigo centro foi em parte transformado pela EMURB por um amplo processo de “pedestrianização”, nos anos 70, por causa da introdução da primeira linha do metrô e a dificuldade de convívio entre os grandes fluxos de pedestres na área central e o trânsito. No entanto, tais espaços perdem vitalidade após os horários comerciais, tornando-se desérticos. Nestes processos, muita atenção tem sido dada aos aspectos físico-materiais da qualificação urbana, com a troca de pisos, equipamentos urbanos e mobiliário, mas a programação do espaço no sentido de hospedar e promover atividades de comércio de rua e o trabalho de artistas performáticos tem sido pequena, como se tais atividades fossem desqualificar os espaços públicos “nobres” da cidade. Vendedores ambulantes têm sido tolerados, na melhor das hipóteses, e muitas vezes relocados para áreas onde há pouco movimento pedestre de passagem. Músicos e outros artistas de rua aparecem pouco em tais lugares, e não existem infraestruturas especificas para eles nas áreas ditas “pedestrianizadas”, o que inibe sua presença nos espaços públicos, um contrassenso, especialmente em países ricos deste tipo de cultura, como o Brasil. No entanto, percebe-se uma mudança paradigmática que ocorre, principalmente, em cidades vocacionadas para o turismo, de forma oficial ou não, como Nova Orleans nos EUA, onde cantores de rua como Grandpa Elliot e Oscar Castro fazem sua festa musical, para o deleite dos turistas. O Grandpa vem tocando também em vários lugares do mundo e hoje podemos dizer, Patrimônio da Humanidade. Ele e seu “Playing for Change” (Tocando para a Mudança), aqui representado em dois shows de rua em Nova Orleans e no Japão, e com músicos do mundo todo. O Grandpa, com seus característicos óculos, fez um show em Porto Alegre, provavelmente no âmbito do Fórum Social, a resposta da esquerda ao liberal Fórum de Davos, promovido pelas nações ricas do planeta. É interessante pensar que nasceu nas ruas da mais musical das cidades norte-americanas, onde o Jazz nasceu, a partir do Dixieland, e, mais tarde, foi também a cidade de origem do Funk.
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Na realidade, “Playing for Change” é um movimento de música dirigido para a paz mundial, criado pelo produtor musical norte-americano Mark Johnson com seu “Timeless Media Group” que nasceu em 2002 numa visão compartilhada com seu cofundador, Whitney Kroenke, que saíram pelas ruas das cidades americanas em busca de inspiração e fundaram um movimento internacional, com a participação de inúmeros músicos de diversos lugares do mundo, que resultou num documentário premiado internacionalmente, “A Cinematic Discovery of Street Musicians.” (Uma descoberta cinematográfica de músicos de rua). Sempre no Brasil, outras ações de qualificação dos espaços públicos a partir de um prisma cultural tem tido apoio oficial a partir de uma iniciativa particular, como o Projeto Palco Aberto, em Alagoas. De 2006 em diante, este movimento, visando dar visibilidade para a música produzida em Alagoas, com cinco meses de projeto inicial vem se espalhando a partir de um show no Bar Engenho Jaraguá em Maceió e atingiu uma imensa audiência naquele estado, com 42 municípios participando e 500 expressões culturais, inclusive shows em espaços públicos de cidades alagoanas. Em São Paulo, a prefeitura da cidade na administração Kassab criou o projeto “Pontos para Brincar”, um programa de animação dos espaços públicos administrado pela ONG Governo Social voltada para a periferia da cidade, com a participação de artistas performáticos e outros animadores do espaço público, com 130 pontos na cidade, sempre aos domingos. Na realidade, há inúmeros artistas que podem animar os espaços de uma cidade: músicos; atores; prestidigitadores e ilusionistas; artistas de circo e acrobatas; poetas; bailarinos; artistas de shows de marionetes, etc. Foi a partir destes exemplos que resolvi, em julho deste ano (2015), lançar meu disco “64!” em espaço público em São Paulo, ligado à Universidade da qual faço parte, o MAC USP – Museu de Arte Contemporânea da USP, que tem sede ao lado do Parque Ibirapuera sob o codinome artístico BRU (diminutivo de Bruno Roberto Padovano). Esta experiência está registrada no vídeo clipe da música “Dancing Frenzy”, realizada pelo Estúdio B, que faz parte do CD “64!” do artista BRU (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ptQqsF7FV_8). Ainda, estudo, com parceiros, a possibilidade de serem criados Palcos Urbanos em São Paulo, capazes de servirem de apoio fixo para atividades performáticas em espaços públicos, animando áreas degradadas e mesmo subutilizadas, com shows diários nos horários mais críticos da sociedade, como os de pico na mobilidade urbana (rush hours), contendo pessoas mediante eventos que retardem o uso de automóveis ou sobrecarreguem o transporte coletivo.
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Isso faz parte de um projeto que vai além do artista BRU, e que tenha como objetivo o enfrentamento de processos de degradação dos espaços públicos mediante o movimento BRU – Brasil Regeneração Urbana, unindo ações materiais e imateriais para que este objetivo seja alcançado. 3. CONCLUSÕES O artigo apresenta algumas considerações gerais do pesquisador sobre processos de degradação dos espaços públicos, discutidos por pesquisadores sobre a questão urbana contemporânea como Cesare Blasi e Gabriella Padovano (2014), Jane Jacobs (1960) e Zygmunt Bauman (1999), além do próprio autor (2012). Apesar desses processos, aparentemente sem solução no âmbito de uma sociedade líquida, o autor defende uma ação corretiva para reintroduzir, de forma mais ampla possível, atividades culturais como aquelas típicas das artes performáticas, para a regeneração urbana. Serviu, neste sentido, de base para uma palestra/show do próprio autor na VIII Semana Cultural do Patrimônio de Pernambuco, ministrada no dia 17 de agosto de 2015 no Teatro Santa Isabel, no Recife. Trata-se, portanto, de um passo a mais na consolidação de um processo mais amplo de regeneração urbana nas cidades brasileiras, conforme exemplificado na atuação duplamente representada pela sigla BRU, unindo ações materiais e materiais de caráter profundamente cultural, ligando, no caso, urbanismo e música numa simbiose que possa obter, com recursos limitados e eficiência maximizada, uma transformação positiva do território urbanizado dentro de uma ótica sustentável criativa. REFERÊNCIAS BLASI, Cesare e PADOVANO, Gabriella. Ipotesi di Progetto per una Società Liquida. Roma: Novalogos, 2012. BAUMAN, Zygmunt. Modernità liquida. Roma: Editori Laterza, 2002. JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. Nova York: Vintage Books, 1961. PADOVANO, Bruno Roberto. Projetos Urbanos Sustentáveis. In PADOVANO, Bruno Roberto; NAMUR, Marly; BERTACCHINI SALA, Patrícia. São Paulo: em busca da sustentabilidade. São Paulo: EDUSP e PINI, pg. 260-275, 2012.
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ARTIGO
PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS MISSÕES RIO GRANDE DO SUL Eduardo Hahn1
Figura 1: Cidade de São Miguel das Missões com a sobreposição da malha urbana da antiga redução - Foto: Aloisio Antes.
No decorrer dos séculos XVII e XVIII, foram fundados por indígenas e religiosos da Companhia de Jesus, no sul da América do Sul, trinta aldeamentos num extenso território que está hoje subdividido pelos Estados Nacionais do Paraguai, Argentina, Uruguai e do Brasil. A criação dos aldeamentos, conhecidos como Reduções, foi a principal estratégia empregada pelas autoridades coloniais do Reino de Espanha e pelos jesuítas para a evangelização de povos nativos, com objetivo de viabilizar a ocupação e controle dos territórios conquistados pela Coroa Espanhola, que se encontrava ameaçado pelas rebeliões indígenas, por consequência da adoção da encomienda. Experiências anteriores de criação de aldeamentos reducionais nas regiões do Guairá, entre 1610 e 1628, do Itatim e do Tape, entre 1631 e 1633, haviam sido frustradas pelos ataques promovidos por Bandeirantes associados à colonização portuguesa, assim como por membros da população colonial interessados em
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Eduardo Hahn é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas/RS, 1998; Professor das disciplinas de História da Arquitetura, Patrimônio Cultural e Arquitetura Brasileira e História da Arte no Brasil no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) de 2002 até 2008; Coordenador do Setor Técnico da Superintendência do IPHAN no Rio Grande do Sul entre os anos de 2000 e 2008; Participou do curso técnico em Restauração Arquitetônica no Centro Europeu de Restauro em Florença/Itália entre os anos de 2009 e 2011; Diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul – IPHAE entre 2011 e 2013; Superintendente do IPHAN no Rio Grande do Sul deste 2013 até a atualidade.
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Eduardo Hahn
aprisionar os indígenas e utilizá-los como mão-de-obra. Somente após a formação de milícias indígenas e a derrota dos Bandeirantes na batalha de Mbororé, em 1640, tornou-se possível a expansão do sistema missioneiro, embora sua existência tenha sido sempre permeada de tensões com a população local, com alguns grupos indígenas, e com os portugueses. Dos trinta aldeamentos fundados, também conhecidos como Reduções, no território da Província Jesuítica do Paraguai, sete localizavam-se em território atualmente brasileiro, especificamente no Estado do Rio Grande do Sul. Tais reduções eram: 1 - São Nicolau, fundada em 1626; 2 - São Miguel Arcanjo, fundada em 1632; 3 - São Francisco de Borja, fundada em 1682; 4 - São Luiz Gonzaga, fundada em 1687; 5 - São Lourenço Mártir, fundada em 1690; 6 - São João Batista, fundada em 1697; 7 - Santo Ângelo Custódio, fundada em 1706. Durante o processo de construção dos referidos núcleos urbanos, principalmente durante o período de apogeu econômico do sistema missioneiro, o estilo Barroco europeu influenciou a arquitetura e o urbanismo, além das artes da escultura, pintura, teatro e da música, tendo suas características básicas adaptadas pelos indígenas, de acordo com a sua cultura.
Figura 2: Ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo. Foto: Eneida Serrano. Arquivo IPHAN-RS.
Todas as reduções foram concebidas a partir de um sistema urbano similar, onde as estruturas arquitetônicas eram organizadas ao redor da Praça Maior. Em um dos lados, foram construídas as estruturas para as funções religiosas ou de gestão, como Igreja, Cotiguaçu (Casa das mulheres viúvas e meninas órfãs), Cemitério, Oficinas, Claustro. Dos outros três lados, foram construídas as residências dos indígenas.
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O sistema missioneiro entraria em colapso quando as nações ibéricas articularam o Tratado de Madri, em 1750, a fim de definir com precisão suas possessões na América Meridional. Esse acordo estabelecia a troca da Colônia do Sacramento, que era de domínio português, pelos territórios dos chamados Sete Povos das Missões, localizados na margem esquerda do rio Uruguai, que eram de domínio espanhol. Os habitantes dos aldeamentos, estimados em cerca de 30 mil indígenas, deveriam entregar suas terras, lavouras, ervais, vacarias, estâncias, algodoais, templos e oficinas aos portugueses, que haviam sido, por décadas, seus piores inimigos. Recusando-se a aceitar tal determinação, os indígenas de seis dos Sete Povos, e alguns religiosos, lutaram contra um exército formado por portugueses e espanhóis. Os confrontos que integraram a Guerra Guaranítica (1753-1756), resultariam no massacre de grandes contingentes indígenas e a efetivação da troca estipulada no tratado. Em decorrência deste fato, que consequentemente direcionou para a expulsão dos Jesuítas das colônias espanholas em 1759, iniciou-se um lento e gradual processo de esvaziamento das reduções, principalmente do território incorporado por Portugal. Apesar disso, mesmo em um número consideravelmente menor, a presença indígena nos aldeamentos continuou constante. De acordo com depoimentos de viajantes que passaram pela região das antigas Missões ao longo do século XIX, a presença indígena “ao redor ou no interior das ruínas” (BAPTISTA, 2009, p. 140) manteve-se, ainda que em pequena proporção: “Os índios estão em toda parte. Nos arredores dos povoados, ao longo de todo o século XIX cabanas esparsas são encontradas habitadas por eles. Também se nota sua recorrente mobilidade, saindo de um lado para o outro a todo tempo”. Diversas estratégias foram empregadas pelos indígenas para permanecerem nos aldeamentos ou em seus arredores. No entanto, com o passar do tempo, os conflitos com a administração portuguesa – motivados, sobretudo, pelo regime de trabalho que os novos administradores tentaram impor, ignorando o sistema comunal anterior – causaram o banimento das populações, acelerando seu retorno à vida nas matas, o que, contudo, não foi garantia de segurança para elas. As levas de imigrantes conduzidas para a região missioneira em meados do século XIX iriam disputar os territórios com os indígenas, por meio de conflitos armados, que resultariam em “verdadeiras chacinas” conduzidas por ambos os lados (BAPTISTA, 2009, p. 153). Com a política nacional de ocupação de território por parte de imigrantes oriundos da Europa Central, várias reduções passaram a ser reocupadas por famílias de imigrantes alemães, italianos ou poloneses, que se utilizaram das estruturas arquitetônicas missioneiras como fonte de material para as suas novas construções.
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Gradativamente essa situação direcionou para um desmonte gradual das estruturas existentes, e a construção de novas cidades sobre algumas reduções, como foi o caso de Santo Ângelo, São Borja, São Luiz Gonzaga e São Nicolau.
Figuras 3 a 10: Edificações construídas na região das missões pelos imigrantes europeus pós-período reducional. Fotos: Inventário dos recursos arquitetônicos – URI/IPHAN.
A partir de 1922, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul inicia um trabalho de reconhecimento do valor existente nas estruturas correspondentes ao antigo Sistema Missioneiro através da declaração de São Miguel Arcanjo um 'lugar histórico', além de realizar as primeiras obras de estabilização das ruínas, que se encontravam sob risco de desabamento, através da Diretoria de Terras da Secretaria do Estado e Obras Públicas. As primeiras ações de conservação executadas pelo Governo do Estado foram limpeza geral, escoramento das vergas das portas e arcos com trilho metálicos e escoramento da torre, que ameaçava ruir. O reconhecimento realizado pelo IPHAN viria em 1938, através do tombamento das ruínas de São Miguel, basendo-se na atribuição de valor artístico aos remanescentes daquele sítio, o que gerou a sua inscrição no Livro do Tombo das Belas Artes. Conforme sugerido pelo arquiteto Lucio Costa, no relatório de vistoria que elaborou após visita ao local, o bem foi inscrito da seguitne forma : “as ruínas dos chamados Sete Povos da província jesuítica espanhola, que ficaram encravados do lado de cá” (COSTA apud MEIRA: 2007:83). No mesmo relatório, recomendou medidas de preservação, as quais se tornaram referência para a ação técnica do IPHAN quanto às intervenções físicas no patrimônio arquitetônico (LYRA apud MEIRA: 2007:83).
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Tais recomendações direcionaram para a estabilização da torre da igreja, utilizando-se da técnica da Anastilose, assim como da construção de um pavilhão expositivo, baseado na arquitetura das casas indígenas e no colégio de São Luiz Gonzaga, até então ainda existente, para proteger uma coleção de esculturas de madeira, recolhidas nas imediações. Também foi construído neste período uma casa para a zeladoria. Estas estruturas deram origem ao atual Museu das Missões. Entre a década de 1950 até a atualidade, os trabalhos de consolidação, restauração e valorização não pararam por parte do IPHAN, através de sua Superintendência Estadual, em Porto Alegre e de seu Escritório Técnico, instalado na cidade de São Miguel das Missões, abrangendo inclusive outros três sítios missioneiros através do tombamento, em 1970, das ruínas de São joão Batista, São Lourenço Mártir e São Nicolau.
Figura 11: Consolidação das estruturas de pedra das ruínas de São Lourenço Mártir. Fonte: Arquivo IPHAN.
Tais ações corresponderam desde o Capeamento das paredes de pedra até a construção de reforços estruturais em concreto nas suas fundações, além da instalação de sistemas de proteção contra descargas atmosféricas, construção de coberturas de proteção das estruturas, além de todo o processo de documentação das estruturas existentes. Em 1978, o Sítio de São Miguel Arcanjo foi declarado patrimônio mundial pela UNESCO, coroando todo o trabalho executado pela instituição de proteção ao
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patrimônio nacional desde o seu tombamento no ano de 1938. No mesmo período, com o crescimento urbano das cidades brasileiras, incluindo a cidade de São Miguel das Missões que nasceu ao redor das ruínas tombadas, fez-se necessário o estabelecimento, por parte do IPHAN, de diretrizes de disciplinamento para as novas cosntruções e intervenções urbanas. Tais diretrizes, com o passar dos anos, foram incorporadas ao Plano Diretor da cidade, concluído recentemente. Apesar do pouco contato existente entre os Guarani-Mbyá e a população local durante esses anos, os mesmos estiveram sempre presentes na região. O trânsito das comunidades indígenas persistiu discreto e quase despercebido. Na década de 1990, os Guarani voltaram a formar uma aldeia em São Miguel das Missões em uma área remanescente de mata, nas proximidades de uma Fonte Missioneira, hoje ponto turístico do município. Tal fato gerou a fundação, no ano de 1996, da Reserva Indígena Inhacapetum, distante cerca de 27 km da cidade, onde se encontra a aldeia Tekoa Koenju (Aldeia Alvorecer). Em 2005, após intensa negociação com o IPHAN e prefeitura, foi construída uma 'casa de passagem', localizada dentro do sítio tombado pelo IPHAN, após a antiga quinta dos padres. A comunidade indígena, a partir de então e com a autorização do IPHAN, passou a vender seu artesanato dentro dos limites do sítio histórico, como forma de incremento econômico às familias da comunidade. Foi nesse contexto que se iniciou a execução do Inventário Nacional de Referências Culturais da Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo, realizada por equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com recursos e supervisão do IPHAN-RS. O Inventário possibilitou a identificação de práticas e saberes considerados pelos Guarani como fundamentais para experenciarem seu nhande rekó, o bom modo de viver, muitos dos quais não são vivenciados como deveriam, em razão do acesso limitado às matas e à terra. Esse estudo permitiu conhecer o valor simbólico atribuído ao bem cultural. Para os Guarani-Mbyá, o valor das ruínas é vivenciado no presente e, ao mesmo tempo, referenciado no tempo vivido pelos 'primeiros Mbyá'. Eles se referem a elas como Tava (casa de pedra). A importância de uma Tava está no fato de conter as marcas dos corpos de seus antepassados, os quais se transformaram em imortais, e, por isso, ser o local ideal para se aprimorar a condição humana até ser possível a metamorfose em imortal. Além disso, por meio da Tava, os Mbyá interpretam o evento histórico – o advento das Missões Jesuíticas dos Guarani – o qual incorporaram a suas narrativas cosmológicas. Tais sentidos dados à Tava permite acionar sentimentos de pertencimento e identidade.
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No ano de 2013, inicia-se a execução das ações referentes ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – Cidades Históricas, na cidade de São Miguel das Missões. Os recursos gestionados pelo IPHAN foram utilizados para a construção do novo pavilhão do Museu das Missões e complexo cultural da cidade, além de melhoramentos na estrutura urbana e instalação de novo sistema de prevenção de descargas atmosféricas nas ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo. Tais ações encontram-se, atualmente, em andamento. No mesmo período, inicia-se um novo projeto, em parceria com a UNESCO, para a elaboração de estudos para a ampliação da ação do IPHAN na região, no sentido de reconhecer o patrimônio correspondente ao antigo sistema missioneiro ainda existente, além das antigas reduções e levantar a diversidade patrimonial pós reducional, através da criação de um parque histórico, conhecido como Parque Histórico Nacional das Missões. A construção do parque, atualmente em andamento, deverá se basear na abordagem do território como Paisagem Cultural, buscando uma interação entre os processos culturais e o meio ambiente. Ao mesmo tempo, busca-se, através desta alternativa, uma perspectiva de tornar o patrimônio regional um ativo para apoiar o desenvolvimento sócio - cultural e econômico da população local. Desta forma, esperase incrementar um trabalho realizado pelo IPHAN na região por mais de 70 anos.
Figuras 12 a 15: Recursos naturais e paisagísticos da região das missões. Fonte: Arquivo IPHAN-RS.
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REFERÊNCIAS BAPTISTA, Jean. Dossiê Missões. Ed. IBRAM, 2009. COSTA, Lúcio. 1937. Igreja de São Miguel (Ruínas) – São Miguel das Missões – RS. Ed. IPHAN. Rio de Janeiro, 1999. CURTIS, Júlio N.B. de. O espaço urbano e a arquitetura produzida pelos Sete Povos das Missões. In Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, p 27-52, 1983. CUSTÓDIO, Luíz Antônio Bolcato. A redução de São Miguel Arcanjo: Contribuição ao estudo da tipologia urbana missioneira, 2002. 199p. FURLONG, G. Misiones y sus pueblos de guaranies. Buenos Aires: Omprenta Balmes, 1962. GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul. 3 ed. – Passo Fundo, RS: UPF Ed., 2004. 623p. KERN, Arno Alvarez. Missões. Uma Utopia Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. LYRA, Cyro de Oliveira. Casa Vazia : Ruína Anunciada. A questão do uso na preservação dos monumentos. Tese de Doutorado. UFRJ, 2007. MAEDER, Enesto J.A. – GUTIÉRREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las missiones jesuíticas de guaraníes. Argentina, Paraguay e Brasil – Altas territorial e urbano das missões jesuíticas dos Guaranis. Argentina, Paraguay e Brasil. (Coord da ed. , Instituto Andaluz do Patrimônio Histórico; colabora IPHAN). Sevilha: Consejeria de Cultura, 2009. MEIRA, Ana Lúcia Goelzer. O Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio Grande do Sul no Século XX. Atribuição de Valores e Critérios de Intervenção. Tese de Doutorado. UFRGS, 2007/2008.
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ARTIGO
A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DOS GUARARAPES 1
Gisela Amado de Albuquerque Montenegro
INTRODUÇÃO Situado no Município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife, no Estado de Pernambuco, o Parque Histórico Nacional dos Guararapes compreende a área onde ocorreram, nos anos de 1648 e 1649, as batalhas que resultaram na expulsão dos holandeses do território brasileiro pelas tropas lusobrasileiras. A dimensão histórico-cultural motivou o tombamento federal da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em 1938, e dos Montes Guararapes, em 1961; a desapropriação da área, pela União, em 1965; e a instituição do Parque Histórico Nacional dos Guararapes, em 1971, subordinado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os fatos históricos justificaram também o reconhecimento da área, pelo Exército, como palco da primeira manifestação da nacionalidade brasileira e da formação dessa instituição. Muitos são os valores a serem preservados, protegidos e promovidos nesse espaço público de propriedade nacional, detentor de importância histórico-cultural, ambiental, paisagística, turística e urbanística: o sítio e a paisagem das históricas batalhas, a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, os recursos naturais e o patrimônio arqueológico. Ao longo do tempo, muitas têm sido as pressões sobre esses elementos, decorrentes da ocupação irregular da área, que, nos dias atuais, ocupa dois terços do território do parque histórico, contabilizando aproximadamente 7.500 edificações e 30.000 habitantes. Essaexpressiva ocupação coloca em oposição a obrigatoriedade legal de preservação dos atributos do sítio histórico à necessidade de moradia da população local, o que constitui uma questão social e um desafio relevantes à gestão do território para as três esferas governamentais. Tal condição configura o Parque Guararapes como um espaço com múltiplas demandas, em que incidem políticas públicas diversas, voltadas para a preservação dos
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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro é Arquiteta e Urbanista; Especialista em Gestão Ambiental pela UPE; Mestre em Gestão Pública pela UFPE; Chefe do Escritório Técnico do Iphan no Parque Histórico Nacional dos Guararapes.
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seus valores culturais e ambientais e de desenvolvimento urbano, bem como políticas sociais destinadas à população local. Essas políticas mobilizam uma ampla gama de atores, com funções diversas e interesses muitas vezes conflitantes. Apesar do reconhecimento institucional dos valores culturais e ambientais e da responsabilidade comum pela preservação da área, legalmente atribuída a instituições públicas e privadas e à comunidade local, o Parque Guararapes não apresenta condições satisfatórias de uso e segurança, e a ocupação irregular e desordenada vem reduzindo aceleradamente a sua área livre, provocando degradação ambiental e urbanística. Em que pesem as propostas e os acordos firmados pelo poder público e a comunidade para a gestão compartilhada do Parque Guararapes, a falta de estrutura física e o processo de ocupação a que está exposto esse espaço de reconhecido valor cultural nacional apontam para a necessidade de análise e revisão da sua atual forma de gestão. Diante disso, este estudo está estruturado no sentido de compreender o processo de gestão do espaço, à luz da política nacional de preservação do patrimônio cultural e na perspectiva da gestão de sítios históricos urbanos. A delimitação do tema justifica-se pela necessidade de o IPHAN definir o seu papel na gestão do parque histórico e de identificar as atribuições e competências legais das instituições nesse processo, com vista à atuação integrada e coordenada desses atores. Destarte, a pesquisa visa contribuir para a eficiência e a efetividade das políticas públicas no Parque Guararapes e, nesse sentido, tem como objetivos específicos analisar e caracterizar a gestão do espaço e propor medidas para a sua melhoria. O recorte da pesquisa contemplado neste artigo compreende uma análise da atuação das instituições públicas e privadas e da comunidade na gestão do sítio histórico, à luz das responsabilidades legalmente atribuídas e dos canais de participação disponíveis. 2 REFERENCIAL TEÓRICO A pesquisa tem o seu aporte teórico na literatura relativa a políticas e gestão do patrimônio cultural, ambiental e de desenvolvimento urbano.De acordo com Rua (1998), a política constitui “[...] o meio mais eficaz para solução dos conflitos - de opinião, interesses e valores - resultantes da diferenciação social que caracteriza as sociedades contemporâneas”, sendo definida como “[...] o conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos.” (RUA, 1998, p. 232). Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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A política pública, por sua vez, consiste em “[...] um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social [...]” (SARAVIA, 2006, p. 29). Os conceitos de governabilidade e governança ocupam uma posição central na literatura contemporânea sobre políticas públicas. De acordo com Matias-Pereira (2012), a governabilidade diz respeito à capacidade política de governar e se refere às condições de exercício do poder em um sistema político, quais sejam: a forma de governo, as relações entre os poderes e os sistemas partidários. A governabilidade consiste, portanto, na legitimidade do Estado e do seu governo em relação à sociedade. A governança, por sua vez, corresponde à capacidade do governo de formular e de implementar as suas políticas e de atingir as metas coletivas. Compreende “[...] o conjunto dos mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade.” (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 77). Do ponto de vista da gestão pública, a governança pode ser definida como “[...] um regime de leis, regras, decisões judiciais e práticas administrativas que restringem, prescrevem e implementam o exercício da autoridade pública em prol do interesse público.” (LYNN et al. 2001 apud LYNN, 2010, p. 46). A gestão pública consiste nos processos que visam à consecução de políticas públicas, de forma direta ou indireta, por meio de entidades públicas ou privadas. Conforme Araújo (2013), “Os resultados das políticas públicas dependem, em boa medida, do modelo de gestão adotado e da forma como ele funciona.” (ARAÚJO, 2013, p. 9). Na pauta atual da gestão pública, estão os conceitos de eficácia, eficiência e efetividade. A eficácia consiste na capacidade de realizar objetivos, de alcançar as metas definidas para uma ação; a eficiência corresponde à competência para produzir resultados com um dispêndio mínimo de recursos e esforços e a efetividade, à capacidade de promover os resultados pretendidos. Outras exigências integram o debate que emerge das demandas e do exercício da cidadania, como a racionalidade na gestão dos recursos, a flexibilidade organizacional, a responsabilidade social, a avaliação de resultados e a postura éticaA legitimidade da cidadania tem origem em processos de discussão e se apoia nos princípios da inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum. A res pública é assunto de todos, da sociedade na sua totalidade - Estado, capital e sociedade civil. Essa esfera pública consiste no espaço deliberativo em que são identificadas e propostas soluções para os problemas da coletividade, de modo que
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elas sejam assumidas como políticas públicas e executadas pelo aparato administrativo do governo (TENÓRIO, 2007). As políticas públicas têm como função concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos nas leis. É por meio delas que são formulados e implementados os programas de distribuição de bens e serviços regulados e providos pelo Estado, com a participação e o controle da sociedade (PEREIRA, 2011). Quando implementada em diferentes esferas de governo, inclusive em caráter concorrente, a política pública exige compatibilização e coerência entre as políticas setoriais (PHILIPPI JÚNIOR, 2004). De acordo com Abers (2005), os processos caracterizados por ausência de fronteiras distintas entre público e privado, entre diferentes níveis de governança e entre diversas fontes de poder e autoridade são propícios à governança compartilhada. Esse tipo de governança, em que ocorre uma divisão compartilhada de responsabilidades entre as instituições, tende a envolver transferências multidirecionais de poder, que reconfiguram atribuições, responsabilidades e recursos. Essas transferências de poder compreendem os aspectos multissetorial e multinível e geram múltiplos focos de resistência (ABERS, 2005). As políticas públicas de preservação do patrimônio cultural têm como objetivo garantir aos cidadãos o direito à cultura, entendida como os “[...] valores que indicam – e em que se reconhece – a identidade da nação.” (FLORISSI, 2007, p. 39). Para Fonseca (2005), “É o valor cultural atribuído ao bem que justifica o seu reconhecimento como patrimônio e, consequentemente, sua tutela pelo Estado” (FONSECA, 2005, p. 38). A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência comum da União, estados e municípios na preservação do patrimônio cultural, com a participação da comunidade. A aplicação dos seus princípios promoveu a reformulação de práticas e processos, dentre os quais, a inserção do patrimônio cultural na pauta das políticas voltadas para o desenvolvimento socioeconômico, a construção de instrumentos de ação conjunta e de gestão compartilhada entre as três esferas de governo e o envolvimento da sociedade. As políticas de preservação dos sítios históricos urbanos representam um grande desafio para a gestão governamental, visto que demandam a articulação efetiva com as demais políticas setoriais aplicadas à cidade, tais como as políticas de desenvolvimento urbano, de preservação ambiental, políticas culturais, de educação, de desenvolvimento socioeconômico, turismo, entre outras. Atualmente, as políticas de preservação dos sítios históricos urbanos têm como principais diretrizes a participação social, a reinserção dos bens protegidos na
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dinâmica social, a qualificação do ambiente em que estão inseridos esses bens e a promoção do desenvolvimento local a partir das potencialidades do patrimônio cultural (PORTA, 2012). Os conceitos de desenvolvimento, de desenvolvimento sustentável e de desenvolvimento local estão situados no centro da formulação das políticas públicas, especialmente, das políticas de preservação do patrimônio cultural, meio ambiente, desenvolvimento urbano e demais políticas sociais. O desenvolvimento sustentável é conceituado como “aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas necessidades.” (UNITED NATIONS, 1987). Nele são harmonizados os objetivos do desenvolvimento econômico e da conservação ambiental. Para Buarque (1999), o desenvolvimento sustentável consiste em um “[...] processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a conservação ambiental, a qualidade de vida e a eqüidade social.” (BUARQUE, 1999, p. 31-32). O desenvolvimento local, por sua vez, é entendido como “[...] um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população [...]” (BUARQUE, 1999, p.9). O conceito de desenvolvimento local sustentável propõe a revisão do modelo economicista e fundamenta-se na descentralização das decisões e no estímulo à participação dos atores sociais na definição dos rumos econômico e social do território ao qual pertencem. (INSTITUTO PÓLIS, 2012). A Declaração de Amsterdã (IPHAN, 2000), carta patrimonial produzida no Congresso sobre o Patrimônio Arquitetônico Europeu, em 1975, enfatizou, dentre outros aspectos, a responsabilidade conjunta de todos na proteção do patrimônio cultural, a importância do apoio mútuo e do fortalecimento das medidas legislativas e administrativas, a integração da conservação do patrimônio cultural com o planejamento urbano e regional, a descentralização das políticas e a participação da população. Essa abordagem abrangente, integrada e participativa é condição fundamental à gestão dos sítios históricos urbanos de realidades multifacetadas e complexas, como é o caso do Parque Guararapes.
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2. A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DOS GUARARAPES A análise da gestão do Parque Guararapes buscou abordar, de forma integrada, as suas diversas dimensões e o contexto em que se situa esse objeto de estudo. Nesse sentido, foram analisados os seguintes aspectos da gestão: estrutura (arcabouço normativo, matriz institucional, instrumentos de gestão, apoios e suportes), processo (planos elaborados e ações executadas, entraves e elementos favoráveis) e arena política (atuação, objetivos, instrumentos de ação, estratégias políticas e visão dos atores). A partir do levantamento das ações realizadas para a preservação e a guarda dos atributos do parque histórico, foram identificados o marco regulatório, a matriz institucional, o mapa de gestão, a esfera participativa e os condicionantes atuais da gestão. Com base nas responsabilidades legalmente atribuídas e dos canais de participação disponíveis, foi realizada a análise da atuação das instituições e da comunidade local na gestão do sítio histórico, contemplada neste artigo. 2.1 As ações de preservação e gestão Desde os primórdios da preservação do patrimônio cultural no Brasil, diversas ações, de caráter regulatório, programático e operacional, foram realizadas com vista à preservação e à gestão do Parque Guararapes. Dentre essas iniciativas, foram identificadas, como de maior relevância para a gestão do espaço, as ações relacionadas no quadro a seguir.
Quadro 1 - Principais ações de preservação e gestão do Parque Guararapes
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(*) Natureza da Ação: 1-Regulação; 2-Planejamento; 3-Estruturação Física; 4-Gestão; 5-Pesquisa Fonte: Gisela Montenegro (2014).
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2.2 O marco regulatório O desenvolvimento e a implementação das políticas públicas incidentes no Parque Guararapes produziram diversos instrumentos legais e operacionais, muitos dos quais com aplicação direta no seu território. Essas políticas estabeleceram normas regulatórias gerais e específicas e atribuíram responsabilidades a instituições diversas. O quadro a seguir relaciona as principais normas com incidência na gestão do Parque Guararapes. Quadro 2 – Síntese do marco regulatório do Parque Guararapes
(*) Natureza da Ação: 1-Regulação; 2-Planejamento; 3-Estruturação Física; 4-Gestão; 5-Pesquisa Fonte: Gisela Montenegro (2014).
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2.3 A matriz institucional A matriz institucional do Parque Guararapes foi construída a partir do seu marco regulatório, com o objetivo de identificar as responsabilidades e as funções de cada um dos atores envolvidos na gestão do espaço. Esse tipo de matriz permite que os gestores visualizem as organizações que, de forma integrada, devem desempenhar determinadas atividades, constituindo-se um instrumento facilitador dos processos de acompanhamento, tomada de decisão e coordenação das ações (TENÓRIO, 2005, p. 83). Quadro 2 – Matriz institucional da gestão do Parque Guararapes
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Fonte: Gisela Montenegro (2014)
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2.4 O Mapa de gestão A partir da combinação dos três fatores caracterizadores dos espaços do Parque – legislação incidente, atos administrativos e ocupação urbana - as áreas de interesse de preservação do Parque podem ser caracterizadas em sete tipos de área para efeito de preservação e gestão, sendo seis deles de preservação rigorosa e um de entorno. Esse último tipo está subdividido em quatro áreas, tendo uma delas uma pequena parte do seu território situada na cidade do Recife. Em decorrência das suas características, essas áreas demandam diferentes ações e diversos graus de envolvimento e de atuação de instituições públicas e da sociedade.
Figura 1 – Mapa das Áreas de Interesse de Preservação do Parque Guararapes Fonte: IPHAN (2005) adaptado por Gisela Montenegro (2014)
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2.5 A esfera participativa Dentre os instrumentos de planejamento e gestão participativos para a operacionalização das políticas cultural, ambiental e de desenvolvimento urbano desenvolvidos a partir da Constituição Federal de 1998, foram elaborados, para o Parque Guararapes o Plano Diretor (IPHAN, 2002), o Plano de Preservação de Sítio Histórico Urbano (IPHAN, 2005) e o Plano de Ação do Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas – PACH (IPHAN, 2009). Atualmente, estão sendo desenvolvidos o Plano de Regularização Fundiária e o Plano Urbanístico correspondente. A construção desses instrumentos contou com a participação das entidades públicas e privadas que atuam e têm interesse na área do Parque e da população local. Esses planos resultaram no estabelecimento de diretrizes de ação, formulação de alternativas incrementais, constituição de comissões gestoras, formalização de acordos para a gestão compartilhada do sítio histórico e construção de um rico acervo de propostas para o Parque Guararapes, que abarcam os múltiplos aspectos relacionados com a gestão da área. A análise desses planos e das ações desenvolvidas possibilitou a identificação da esfera participativa do Parque Guararapes. Essa esfera pública compreende os atores integrantes da matriz institucional da gestão do sítio histórico, detentores de responsabilidades legalmente atribuídas, bem como de outros agentes que atuam no território e que exercem influência na sua preservação e gestão, seja de forma direta ou indireta, positiva ou negativa.
Governo Federal
Governo Estadual
Governo de Pernambuco
Presidência da República
Ministério da Defesa
Ministério da Cultura
MPOG
Ministério do Meio Ambiente
Exército
IPHAN
SPU
IBAMA
Congresso Nacional
Ministério Educação
UFPE
Justiça Federal
Ministério Público Federal
UFRPE
CONDEPE FIDEM
Secretaria de Planejamento
FUNDARPE
Secretaria de Desenv. Urbano
Parque Histórico Nacional dos Guararapes
CPRH
Secretaria de Infraestrutura
Ministério Público PE
Sec. Políticas Sociais
Assembléia Legislativa
Câmara Municipal
Associações e Conselhos
Santuário Nossa Sra. dos Prazeres
Comunidade Local
Ordem Beneditina
Mercado Imobiliário
Governo Municipal
Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes
DIRCONl
Prefeitura do Recife
Figura 2 – Esfera Participativa do Parque Guararapes Fonte: Gisela Montenegro (2014)
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2.6 A atuação das instituições públicas e privadas e da comunidade No Quadro 3, é apresentada uma síntese da análise da atuação das instituições na gestão do Parque Guararapes. Integram a análise as instituições com responsabilidade legal diretamente relacionada com a preservação e a gestão do Parque Guararapes (que compõem a matriz institucional) e as demais instituições que atuam no território e exercem influência na sua preservação e gestão (que compõem a esfera participativa). Quadro 3 – Atuação das instituições na gestão do Parque Guararapes
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Fonte: Gisela Montenegro (2014)
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A análise da atuação das instituições no Parque Guararapes revela que, apesar dos esforços empreendidos visando a gestão compartilhada do espaço, as instituições têm atuado aquém das suas responsabilidades legais e muitas vezes em desacordo com as diretrizes estabelecidas no planejamento conjunto e com os acordos de preservação firmados. Essa situação gera conflitos e sobreposições de ações, que provocam desperdício de esforços e de recursos. Há também importantes lacunas de atuação, das quais derivam muitos dos problemas apresentados pelo sítio histórico. Apesar da diversidade e do grande número de ações realizadas, após mais de 40 anos da criação do Parque Guararapes, não foram implantadas as edificações e os equipamentos previstos para o adequado atendimento da sua função de parque público. A falta de decisão política sobre a permanência ou a relocação da população dos assentamentos impossibilitou, até o ano de 2013, a definição quanto ao parque público a ser implantado e aos limites da área a ser requalificada. O controle urbano e ambiental tem-se mostrado insuficiente desde os primórdios da proteção oficial da área, o que propiciou a ocupação e o uso irregulares e inadequados do território, contribuindo para a destruição dos seus recursos naturais. A conservação e a manutenção das áreas livres têm-se mostrado insuficientes, como pode ser verificado no estado em que se encontram as vias, edificações e equipamentos, bem como no lixo presente em diversos pontos do parque. A não inserção no tecido urbano do município tem situado o Parque Guararapes em condição de isolamento físico e à margem das políticas municipais de desenvolvimento urbano e socioeconômico, mantendo os assentamentos em condições subnormais de habitabilidade. A falta de ações para a integração do território do Parque Guararapes à Região Metropolitana do Recife contribui significativamente para o seu esquecimento enquanto importante espaço de lazer cultural, a despeito da sua relevância cultural e paisagística e da localização privilegiada. Nesse aspecto, destaca-se a ausência de ações governamentais voltadas para a divulgação e o aproveitamento turístico da área. Não há ações de educação ambiental e patrimonial e de promoção do patrimônio cultural. Tais ausências contribuem para a falta de reconhecimento, valorização e apropriação do sítio histórico pela sociedade. Os recursos aplicados na área não são suficientes à instituição, preservação, manutenção e promoção do parque.Evidencia-se a falta de instrumentos fundamentais de gestão pública, voltados para a integração, comunicação, coordenação, avaliação de resultados, prestação de contas e responsabilização.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise realizada, em triangulação com a visão dos atores obtida na pesquisa de campo, foram identificados como principais entraves à eficiência da gestão do Parque Guararapes a dimensão e a complexidade das questões, a falta de decisão política, o grande número de instituições com responsabilidade de atuação na área, a falta de clareza sobre as responsabilidades das instituições, a divergência de interesses entre os atores e a falta de instrumentos para a gestão compartilhada. Essa mesma investigação identificou como principais elementos favoráveis à gestão eficiente do Parque Guararapes a importância do patrimônio histórico-cultural, ambiental e paisagístico local, a titularidade da União Federal, a responsabilidade legal pela preservação da área pelas três esferas governamentais, a experiência acumulada nos planos e ações em parceria entre o poder público e a comunidade, os planos elaborados e os acordos de preservação firmados e a convergência de esforços das instituições nas ações em execução. O estudo apontou para a necessidade de reestruturação da forma de gestão do Parque Guararapes, com a finalidade de promover os ajustes necessários à transposição das fronteiras do planejamento e da assinatura de acordos para a viabilização da gestão integrada e compartilhada pelas instituições responsáveis por esse espaço de reconhecido valor cultural nacional. A relevância dos atributos do Parque Guararapes e a pressão exercida sobre eles exigem, para a sua conservação e preservação, uma abordagem integrada e interdisciplinar dos seus múltiplos aspectos - culturais, ambientais, urbanísticos, econômicos, sociais e políticos. A atuação compartilhada dos atores públicos e privados e da sociedade, especialmente da comunidade local, constitui, igualmente, condição fundamental à requalificação, preservação e desenvolvimento local do Parque. As duas importantes ações em execução no local configuram-se novos condicionantes da gestão, apontando para um avanço no sentido da melhoria das condições de uso e de gestão do espaço. A regularização fundiária e a requalificação urbanística dos assentamentos virão inserir esses espaços na dinâmica urbana do município de Jaboatão dos Guararapes, o que contribuirá para o seu desenvolvimento local. Por sua vez, a requalificação do Parque criará condições para a sua inserção no circuito de lazer recreativo e turístico da RMR. Verifica-se que o espaço do Parque, além da qualificação como parque público, necessita ser inserido no contexto urbano da Região Metropolita do Recife, a fim de que se torne sustentável. Para tanto, é necessária a implementação de um modelo de
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preservação do patrimônio cultural e ambiental integrado às políticas de desenvolvimento urbano das três esferas governamentais, associado ao estabelecimento de mecanismos de gestão compartilhada e de instrumentos operacionais com essa finalidade. Por sua complexidade, a gestão do Parque Histórico Nacional dos Guararapes requer uma estrutura de governança capaz de articular as diversas políticas públicas, compatibilizar os diversos interesses, legitimar as decisões, proporcionar eficácia às ações realizadas, bem como de sustar o processo de ocupação da área e instituir as condições necessárias ao cumprimento da sua função precípua de parque histórico nacional. REFERÊNCIAS
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NOTAS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO PERNAMBUCANO 1
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INTRODUÇÃO A história das ferrovias em Pernambuco tem quatro momentos. O primeiro é o imperial, subdivido em dois estágios: o da pioneira RSF (1858-1901), com seus 125 km, incluindo a experiência de duas linhas de trens suburbanos; e o outro é o da década de 1880 ao começo da República, com a Great Western of Brazil Railway (GWBR) (141 km). O segundo momento que se dá na República é o da constituição de uma rede, a rede GWBR ('gretueste'); o terceiro será o da RFFSA; um quarto, vive-se, no momento, ou morre-se, no momento. Na década de 1870, o Governo Central retornou à política de financiamento de ferrovias. Para evitar os erros cometidos quando da concessão da RSF (que se tornara dependente do aparelho estatal, quanto à garantia de juros de 7%, pagos, em Londres, no valor do ouro e outras isenções), mudou a lei ferroviária de 1852, com o Regulamento de 1874. No entanto, a construção dessas estradas se dará no fim da década, sendo inauguradas, todas na década de 1880. Por causa da guerra, começara a construir ferrovias de fronteiras e, diante de crises socioeconômicas como a grande seca de 1877/9, na região Nordeste, assumiu a construção de uma ferrovia em Alagoas, a EF Paulo Afonso; em Pernambuco, construiu duas estradas de ferro, a EF Sul de Pernambuco (prolongamento da RSF em direção ao rio São Francisco, mas que não passou de Garanhuns) e EF Caruaru (a Central), e encampou a EF Baturité e a EF Sobral, no Ceará, que formaria, na República, a Rede de Viação Cearense. Como se denota, era a febre da modernização, através dos trilhos e das locomotivas movidas a carvão de pedra. Portanto, não se trata de determinação pernambucana ou espírito empreendedor nativo, mas, e bastante, do interesse da Inglaterra em expandir seu mercado consumidor de bens manufaturados em ferro e aço,
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Josemir Camilo de Melo é recifense, graduado em História pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Mestre e PhD em História pela UFPE. Pesquisou ferrovias na Inglaterra. Ex-professor da UNICAP, professor aposentado pela Universidade Federal de Campina Grande; ex-professor visitante da Universidade Estadual da Paraíba. É autor de "Uma família de engenheiros ingleses no Brasil: de Mornay Brothers" e “Ferrovias e Mobilidade Social no Nordeste (1850-1900)”, tendo, atualmente, no prelo pela Editora da UEPB, A Primeira Ferrovia Inglesa no Brasil: The Recife-São Francisco Railway.
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além da exportação de carvão de pedra. Basta ver que as demais províncias canavieiras do Nordeste aderiram ou foram cooptadas pelo capitalismo, ligando as áreas de algodão e cana de açúcar aos portos regionais: a Alagoas Railway, a Conde D'Eu, na Paraíba e a Natal-Nova Cruz, no Rio Grande do Norte. Outra grande contribuição das ferrovias, no período escravagista-imperial é que criou o mercado do trabalho assalariado, a figura do operário. A RSF teria usado cerca de 2 mil trabalhadores, enquanto que a GWBR, por volta de 1880, empregou 1.300 trabalhadores. É possível que, aproximadamente, 2.000 trabalhadores livres tenham arranjado emprego nas linhas de trilhos, alternadamente, ao longo de 1870 e 1880, em Pernambuco.
A FORMAÇÃO DA REDE GWBR Sob a nova política republicana, o governo tratou de comprar a RSF e as demais ferrovias inglesas do Nordeste, entre Alagoas e Rio Grande do Norte (com exceção da Great Western), mesmo tendo prejuízo, porque não descontara a garantia paga. Assim, a RSF, por exemplo, que tinha um capital de £ 1.685.700, custou £ 800.800, teve a garantia do governo em torno de £ 3.768.500, mas foi adquirida pelo preço de £ 1.500.000 (MELO, 2007). A GWBR, construída sob a nova política ferroviária de 1873, com bitola estreita, fortaleceu-se devido ao tipo de investimento em sua construção, e se capitalizou potencialmente. Desde o fim do Império, conseguiu os direitos para se expandir para a Paraíba, via ramal de Nazaré da Mata/Timbaúba, chegando até Itabaiana e Pilar. Foi a mais lucrativa das inglesas, porque quase a metade da linha da tinha sido construída sem a garantia de juros e, em caso de compra, o Estado pagaria o mesmo pela linha toda. A economia do Governo, no arrendamento, viria das taxas de juros e amortização de bônus. O contrato ainda estabelecia que o arrendatário seria obrigado a construir extensões de linhas, reduzir a bitola da RSF e adquirir a pequena EF RibeirãoBonito. Qualquer extensão ou ramal deveria retornar ao Estado, por volta de 1960, sem indenização, enquanto a principal linha da GWBR e ramal seriam comprados pelo valor do custo original. Em agosto de 1901, a RSF, de pioneira, tornou-se um ramal. Com a rede, viriam os protestos na linha. As greves, na capital, expandiam-se para o interior, regionalizavam-se. Nesse momento, os trens podiam carregar mensagens sobre as greves para os quatro Estados açucareiros, como aconteceria em 1909, quando toda a rede GWBR permaneceu completamente imobilizada por um mês (MELO, 1994).
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A rede Great Western tornou-se uma malha de 1.617 km, unindo a zona canavieira do sul de Natal à cidade de Palmeira dos Índios em Alagoas; bem como unia o litoral ao sertão algodoeiro. Do Recife rumava ao noroeste, a Limoeiro/Timbaúba, e ao sul, para Garanhuns, via Palmares. Enquanto isto, de cada uma das outras três capitais, partia um trem do porto ao campo algodoeiro: da capital da Paraíba a Campina Grande e desta também ao porto do Recife, via Itabaiana. De Maceió ao seu interior e de Natal ao seu interior com a EF Central do Rio Grande do Norte. Antes de completar uma década de arrendamento, a GWBR já contava crescimento nas rendas na maioria das linhas (antes independentes) que iam de 20 a 145% (MELO, 2007). A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA (RFFSA) E A REDE FERROVIÁRIA DO NORDESTE (RFN) A rede GWBR e mais duas pequenas linhas, uma estadual e outra particular, foram encampadas pelo governo Juscelino Kubistchek, em 1957, três anos antes de vencer o contrato, que havia sido renovado, com a GWBR, em 1920. A RFFSA viria a administrar 18 ferrovias regionais, operando uma malha que, em 1996, compreendia cerca de 22 mil quilômetros de linhas (73% do total nacional). Contraditoriamente, se firmava no país, alavancada pelo governo JK, a indústria automotiva. A cobertura parcial da região Nordeste coube à divisão RFN - Rede Ferroviária do Nordeste. Em 1958, os Correios lançaram um selo representando a ligação Patos, estação terminal da Rede Viação Cearense (RVC) com Campina Grande (GWBR), em alusão ao centenário da ferrovia na região (1858-1958) (MELO, 2012). A GWBR tinha parado seus trilhos na cidade de Campina Grande, como cidade ponta de trilho (a railway head, como chamavam os ingleses) (1907-1957). Por outro lado, a Rede Viação Cearense havia descido todo o Estado e penetrara na Paraíba, fazendo seu terminal na cidade de Souza e, na década de 1920, chegara a Patos. Portanto, a ligação de Campina Grande e Patos significava também a ligação de duas divisões da rede federal. No entanto, menos de uma década depois, sob o regime militar, o governo extinguiu os ramais tidos como deficitários, entre eles, estava o de Cajazeiras. Na década de 1970, o transporte ferroviário tornara-se obsoleto na concorrência com o rodoviário. O governo militar iniciou a desativação de trens de passageiros, como ocorreu com a linha de Campina Grande e, posteriormente, numa tentativa de recuperar o setor de passageiros criou a linha Recife-Fortaleza, o expresso Asa Branca, passando por Campina Grande. Este expresso deu seu último apito no final daquela década.
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A PRIVATIZAÇÃO A TODO VAPOR Durante o governo neoliberal de Collor de Mello, em 1992, começou o processo de privatização da RFFSA, que se deu entre 1996/1998, continuando no governo Fernando Henrique Cardoso, quando se deu a liquidação em 1999, passando às mãos da Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN. Até mesmo o governo do 'esquerdista' Luís Inácio Lula da Silva deu continuidade à sua privatização, sendo então extinta em 2007. Dissolvida de acordo com o estabelecido no Decreto nº 3.277, de 7 de dezembro de 1999, seus ativos operacionais (infraestrutura, locomotivas, vagões e outros bens vinculados à operação ferroviária) foram arrendados às concessionárias operadoras das ferrovias, entre elas a Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN). O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO O patrimônio que se constituiu durante a operação das ferrovias vai da produção direta (os próprios bens móveis e imóveis) à indireta, os outputs (ou seja, as consequências econômicas, sociais, ecológicas e políticas). Inclui, social e economicamente falando, o patrimônio invisível: a formação de riquezas familiares (não só o capital em si, mas o capital cultural, além de habitus) e classes sociais, como atesta o decreto que transfere ao Iphan, a proteção (Decreto no. 6.018, de 22 de janeiro de 2007). No geral, foram transferidos ao Iphan, para avaliação, 2 milhões de bens móveis, além de um incalculável acervo documental. Agrega-se a estes bens o patrimônio imaterial representado pelos costumes, tradições e outras influências trazidas pela ferrovia e que estão incorporadas no cotidiano de grande parte da população que, direta ou indiretamente, conviveu com a presença da ferrovia. Com a desativação e extinção da RFFSA, coube ao IPHAN, que, em 2010, criou a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário (incluindo do ferro, em sim, até as manifestações culturais) a proteção desse patrimônio, avaliado num total de 52 mil imóveis, 15 mil bens históricos, 31.400 m lineares de acervo documental, 118 mil desenhos técnicos, 74 mil itens bibliográficos e um universo incalculável de bens móveis (Iphan, 2009, apud COSTA LINS, 2012, p. 23). Como dizem os poetas: “Café-com-pão! Café-com-pão! Café-com-pão! O que foi isto maquinista”: “Vou Danado Pra Catende/ Vou Danado Pra Catende”, digo eu: Vou Danado Pra Campina!
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REFERÊNCIAS COSTA LINS, Ana Paula Mota de Bitencourt da. O patrimônio industrial ferroviário e os instrumentos voltados para a sua salvaguarda. Architecton – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Vol. 02, Nº 02, 2012. MELO, Josemir Camilo de. Selando o desenvolvimento sobre trilhos: a construção de uma rede ferroviária no nordeste brasileiro (1858-1958). In: Isabel Maria Freitas Valente e João Rui Pita. (Org.). História e Filatelia IV. O Brasil nos selos portugueses e brasileiros, Coimbra: CEIS20, 2012, v. Nº 4, p. 43-58. (e-book). _________. Ferrovias Inglesas e Mobilidade Social no Nordeste. Campina Grande-PB: EDUFCG, 2007. _________. As Primeiras Greves Ferroviárias no Nordeste. Cadernos Nordeste em Debate, N° II, UFPB, Campina Grande, 1994. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Patrimônio Ferroviário. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/127>. Acessado em: 02/10/15. REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA. Histórico. Disponível em: <http://www.rffsa.gov.br/principal/historico.htm>. Acessado em: 02/10/15. CENTRO-OESTE BRASIL. Mapas Ferroviários. Disponível em: <http://vfco.brazilia. jor.br/ferrovias/Transnordestina/1924redeViacaoCearense.shtml>. Acessado em: 05/10/15.
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NOVAS TECNOLOGIAS E BENS PATRIMONIAIS: O APLICATIVO PATRIMÔNIO PE MOBILE 1
Julieta Leite NOVAS TECNOLOGIAS E OS BENS PATRIMONIAIS
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão hoje diluídas nos mais variados objetos e superfícies do cotidiano, como televisores, computadores, tablets, smartphones, relógios. Observados no contexto urbano, esses dispositivos tecnológicos de informação, comunicação e geolocalização têm sido utilizados em atividades que vão além da representação de informações sobre determinados lugares ou edificações. Na demanda cotidiana do uso das TIC, uma parte considerável reporta a conteúdos transmitidos e processados acerca da localidade física, como endereço ou coordenadas geográficas; mas interessa igualmente o conjunto de informações produzido por outros usuários como imagens, relatos e sua localização. Daí o sucesso de aplicativos de check-in como o foursquare ou Swarm, que permitem saber, por exemplo, em que bares ou restaurante estão as pessoas de sua lista de contatos. Esses dispositivos são capazes de receber, captar, processar, exibir e registrar informações em tempo real, tomando como referência dados do contexto local em que se encontram seus usuários. As TIC participam da experiência urbana contemporânea e orientam as mais diversas ações, como por exemplo: a decisão dos trajetos a percorrer e dos lugares a visitar; a organização de encontros, eventos e manifestações públicas. Os dispositivos de comunicação e informação digitais repercutem assim no comportamento e desenvolvimento de atividades sociais e coletivas, bem como na construção e partilha de valores e significados construídos em torno de ruas, monumentos e tantos outros lugares da cidade. Trata-se, portanto, de um contexto que, para ser entendido, deve associar a experiência da materialidade dos espaços urbanos aos conteúdos informacionais das redes de dispositivos tecnológicos, como também às formas de
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Julieta Leite é arquiteta e urbanista e doutora em Sociologia da Cultura pela Université René Descartes/ Sorbonne (2010). Atualmente é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Laboratório da Paisagem da UFPE e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Subjetividade em Arquitetura (NusArq). Atua principalmente nos seguintes temas: Paisagem, Imaginário e Usos sociais das Tecnologias da informação e da comunicação no espaço urbano.
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relações sociais e representações coletivas que neles se estabelecem. De que territórios falamos então? Como compreendê-los? Como se dá a divulgação e apropriação dos bens patrimoniais desses territórios? A visão baseada na dicotomia “ciberespaço versus espaço real”, colocada em alguns dos primeiros estudos sobre as tecnologias digitais e o espaço urbano, não se aplica mais. Embora intimamente associado às dinâmicas urbanas, esse panorama tecnológico tem se mostrado um terreno de difícil apreensão, mas também um campo igualmente fértil para a criação e a inovação. Trata-se de um processo em constante reformulação e que, embora amplamente reproduzido, é moldado de acordo com os contextos locais e com os aspectos econômicos e sociais. Escolhemos por pensar esses territórios enquanto fenômenos culturais, da cultura digital, em que os territórios são compreendidos como manifestação da vitalidade social contemporânea. Numa leitura destes territórios, tomamos emprestada a ideia de André Corboz (2001), historiador da arquitetura e do urbanismo, que usa a metáfora do território como palimpsesto. O autor sugere uma compreensão do território urbano como fruto da superposição de escritas, ou de registros ao longo do tempo. Hoje podemos dizer que a informação e comunicação digitais constituem a mais recente camada das nossas cidades. Ela constitui uma nova infraestrutura urbana. Se nos reportarmos aos conteúdos informacionais que ela carrega, mesmo que de maneira invisível, ela está associada ao fluxo de bens materiais e imateriais, às subjetividades e às formas de representação coletiva. Nessa camada, os dados sobre o patrimônio cultural servem de interface entre a materialidade dos territórios e sua dimensão simbólica e informativa. Dentro de uma leitura social do espaço, e bem antes do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação tal qual conhecemos hoje, Chombart de Lauwe, em seus estudos sobre as formas materiais de uma sociedade, suas representações e suas aspirações, reconheceu haver um espaço além daquele determinado pelas condições materiais e tecnológicas, que é o das representações coletivas ou “espaço social”. A partir desse conceito do espaço social, o autor coloca em evidência “a ideia que fazem de si próprios os grupos e as pessoas que nele se desenvolvem” (CHOMBART DE LAUWE, 1965, p.28, livre tradução). Ele reforça assim uma leitura dos espaços urbanos como um território que é, ao mesmo tempo, lugar de trocas e relações sociais, mas também um espaço cultural e simbólico. Exatos cinquenta anos após a publicação dos “Ensaios de sociologia” de Chombart de Lauwe, podemos acrescer que as tecnologias digitais e conteúdos que elas carregam influenciam no comportamento, no gestual, e instauram novos modos
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de vida em torno de espaços comunicantes e simbólicos, associados às formas de pensar, interagir, construir e habitar. Se por um lado os objetos tecnológicos participam de nossas ações cotidianas, enquanto utensílios constantemente presentes no nosso dia-a-dia, eles afetam igualmente os modos de ver, ouvir, tocar, falar, deambular e registar a presença sobre o território. É possível identificar aqui um caráter colaborativo e interativo no uso das mídias digitais na construção de um substrato comum de imagens e significados que se encontram no coração do processo de produção e representação do espaço. Nesse sentido, podemos falar de um “espaço das ideias”, como coloca Edgar Morin (1991), um espaço constituído de elementos imaginários e simbólicos, tais quais, a memória, ritos e emoções, assim como outros que subentendem as formas de interação e de laços sociais. Se por um lado esse tipo a construção desse espaço social ou espaço das ideias tem suas fundações na estrutura social, a partilha desses elementos é mais forte quando ligada ao espaço, que serve de ancoragem no interior de um grupo. Trata-se de uma dimensão da territorialidade humana que reporta a conteúdos da comunicação, ou da 'comunhão' no mundo vivido; eles estruturam o universo consensual das representações necessárias à coesão dos membros de um grupo social. Se nos reportamos aos bens patrimoniais, estes servem de ancoragem de determinadas práticas, símbolos e valores em uma realidade física, lugar, ou região, mas também constitui 'liga social' nessa camada imaterial de informações e comunicações sobre o espaço urbano na medida em que reporta a uma dimensão coletiva (memórias, costumes, ritos, linguagem). Se recuperamos o sentido da palavra “patrimônio”, do latin patrimonium, ela significa bem hereditário que passa dos pais e das mães aos seus filhos. Choay e Merlin (1988) ressaltam que o termo tem sido empregado para designar a totalidade de bens herdados do passado (desde o mais antigo ao mais próximo), tanto de ordem cultural (como quadros e livros à paisagem criada pelo homem) como de ordem natural. Uma vez adjetivado de cultural, esse patrimônio remete ao aspecto coletivo. Assim, o patrimônio cultural se manifesta segundo a ideia que viemos de apresentar como “representação coletiva”, “consciência coletiva”. PATRIMÔNIO PE MOBILE Traçando um rápido panorama sobre as recentes plataformas tecnológicas digitais de informação e divulgação dos bens patrimoniais territoriais, observamos soluções que vão desde a construção de banco de dados virtuais mapeados, até
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aplicativos para dispositivos móveis e interativos voltados para exibição, registro e partilha de informações contextualizadas. Toma-se como exemplo, os projetos do “Acervo de Rio de Conta” e do “Inventário Armando Holanda”2. Essas propostas normalmente reúnem objetivos que vão desde a educação patrimonial, a conscientização ou partilha dos valores patrimoniais, à promoção do turismo ou elaboração de um instrumento de gestão e monitoramento do estado de conservação do patrimônio. Atualmente observa-se uma maior exploração das plataformas colaborativas que permitem o acréscimo de conteúdos por parte dos usuários - e dos jogos educativos sobre o patrimônio histórico, por permitirem a construção do conhecimento dentro de uma experiência lúdica. Nesses casos, os usuários sentem-se participando da experiência de visitação, conhecimento, fruição, construção e partilha das memórias e vivências do patrimônio. São exemplos o projeto E-Lens, realizado pelo MIT em 2005 para a cidade de Manresa, na Espanha, e o Locast, para Veneza (2009); esses projetos permitem ao usuário acessar informações digitalizadas sobre o bem 3
patrimonial e seu entorno como também enviar mensagens e comentários . Dentro desse panorama de experiências e possibilidades foi elabora a proposta do “Patrimônio PE Mobile”4, um aplicativo gratuito para smartphones e tablets com o conteúdo voltado para divulgação, educação e informação sobre o patrimônio cultural pernambucano. Os dados do aplicativo concentraram-se em torno de doze bens do patrimônio arquitetônico, sendo seis localizados na cidade de Recife e seis em Olinda. As informações são apresentadas de forma dinâmica, por meio de textos e áudios em quatro idiomas - português, inglês, francês e espanhol - fotos e localização via GPS (ver figuras 1 a 4).
2
O projeto “Acervo Rio de Contas: documentação arquitetônica do Sítio Histórico” vem sendo desenvolvido pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) desde 2004, e está disponível em <http://www.acervoriodecontas.ufba.br>. O “Projeto Cultural Inventário do Arquiteto Armando de Holanda” foi realizado pelo Laboratório da Imagem de Arquitetura e Urbanismo (LIAU) e do LIBER, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com apoio da FUNDAJ e Funcultura (2013) e está disponível em <http://www.armandoholanda.com>. 3 Ver <http://mobile.mit.edu/en/elens> e http://locast.mit.edu>. 4 Aplicativo disponível para as plataformas Android e iOS. Para baixar, procurar por “Patrimônio PE”.
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Figura 1 – Cartaz de divulgação do aplicativo Patrimônio PE Mobile Fonte: Agência Caju
Figuras 2 a 4 – Aparência e layout das informações do aplicativo Patrimônio PE Mobile. Fonte: Agência Caju
CONSIDERAÇÕES FINAIS O patrimônio é um objeto de um investimento no momento presente, não é apenas para se lembrar e consagrar o passado. É também um mecanismo de identidade regional, por isso preservar não significa necessariamente restaurar ou recuperar, mas, sobretudo, restituir e se re-apropriar. Por isso, o olhar sobre o patrimônio cultural tem também um sentido coletivo – resgata imagens de uma vida social, sua cultura e seus costumes.
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No momento em que as TIC auxiliam as ações de divulgação e interação junto aos bens patrimoniais, têm-se permitido a construção de um repositório novo e dinâmico de informações em que são reunidos imagens e dados do passado num presente vivo, contribuindo na orientação de um olhar para o futuro. Mais do que isso, os conteúdos passam a estar integrados de uma forma até então nunca experimentada, sem a rigidez das fronteiras espaciais e temporais. Ampliam-se os modos de percepção estética e apreensão afetiva do patrimônio cultural; por consequência, os valores patrimoniais são reconhecidos e partilhados mais amplamente. Como considerações finais, ressaltamos o papel que o patrimônio cultural ocupa na contemporaneidade como um valor, mas, igualmente, como um recurso; um vetor de conexão territorial e social, substrato do imaginário coletivo, objeto em torno do qual podem se estruturar os agrupamentos humanos. Por isso, é importante se pensar e explorar as maneiras pelas quais se estrutura a difusão e conservação do patrimônio cultural por meio das TIC considerando os aspectos subjetivos, relacionados aos territórios e às paisagens, seus símbolos, significados, marcas visíveis e ocultas. É igualmente importante compreender como os indivíduos e grupos se apropriam, interagem, representam e simbolizam em torno dos bens patrimoniais. Em vista dessas e outras questões, podemos questionar e propor as formas como os agentes e interesses (individuais, institucionais ou sociais) são combinados em diferentes campos políticos e arranjos territoriais que concernem nossos bens culturais. REFERÊNCIAS CORBOZ, André. Le territoire comme palimpseste et autres essais. Paris: Les éditions de l'imprimeur, 2001. CHOAY, Françoise & MERLIN, Pierre. Dictionnaire de l'urbanisme et de l'aménagement. Paris: PUF, 1988. CHOMBART DE LAUWE, Paul-Henri. Paris. Essais de sociologie 1952-1964. Paris: Editions Ouvrières, 1965. MORIN, Edgar. La Méthode. Tome 4 - Les idées. Leur habitat, leur vie, leurs mœurs. Paris : Seuil, 1991.
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ARTIGO
A NOÇÃO DE SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL Marcia Sant'Anna1 A política brasileira de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial completa 2
15 anos e já se tornou uma referência nacional e, principalmente, internacional . Na celebração desta efeméride, é importante reconhecer não somente o papel que as experiências desenvolvidas entre os anos 1930 e 1980 tiveram na sua formulação, mas retomar as ideias que presidiram a concepção de seus objetivos e princípios orientadores, bem como de seus principais instrumentos. Sem dúvida, é também fundamental revisitar a noção de sustentabilidade desse patrimônio que foi construída no período em causa, uma vez que a promoção da continuidade dos bens culturais imateriais sempre foi julgada uma meta essencial. Como assegurá-la? Que requisitos um processo de salvaguarda deve preencher para que possa ser considerado social e ambientalmente sustentável? Neste texto, tentar-se-á não apenas responder a essas questões, mas problematiza-las à luz das principais abordagens da salvaguarda desenvolvidas no Brasil a partir dos anos 2000. OBJETIVOS E PRINCÍPIOS ORIENTADORES Tornar a preservação do patrimônio cultural mais democrática e aberta à sociedade, abarcando bens culturais ainda “não-consagrados” como patrimônio (FONSECA, 1997), mas representativos da diversidade cultural existente no Brasil, foi, desde o início, um dos principais objetivos da política de salvaguarda do patrimônio 1
Marcia Sant'Anna é arquiteta, mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia. Coordenou, entre 1998 e 2000, o Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial, constituído pelo Ministério da Cultura, e, entre 2004 e 2011, foi Diretora do Departamento do Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Atualmente, é professora adjunta da Faculdade de Arquitetura da UFBA e vice-coordenadora do Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo desta universidade. 2
Especialistas como Maria Cecília Londres Fonseca e Antônio Augusto Arantes participaram ativamente da formulação do texto da Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003). Além disso, o Brasil foi peça fundamental para a criação e funcionamento do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural da América Latina (CRESPIAL) e, através do Iphan, presta assessoria neste campo a países da região e a países africanos de língua portuguesa.
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cultural imaterial implementada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), juntamente com a já mencionada meta de promover sua continuidade de modo sustentado. Romper com a noção de que o patrimônio cultural é algo que não faz parte do cotidiano dos grupos sociais e ampliar o acesso aos benefícios culturais, sociais e econômicos gerados pela sua preservação foram também objetivos fundadores. Esses objetivos, entretanto, somente poderiam ser atingidos de modo consistente e significativo, se alguns princípios de atuação fossem seguidos e, de fato, presidissem a atuação governamental, o que foi, nos últimos 15 anos, tenazmente perseguido pelo Iphan. O mais importante deles, em consonância com o artigo 216 da Constituição Federal, estabelece que o reconhecimento e a preservação do patrimônio cultural diz respeito, fundamentalmente, à sociedade, e que cabe ao poder público atuar, principalmente, como parceiro e apoiador desses processos. Em outras palavras, este princípio afirma que o patrimônio cultural é uma construção social que diz respeito a todos e não apenas aos especialistas que, tradicionalmente, foram mobilizados pelo Estado para estabelecer os seus contornos. Com isso, a participação ativa dos indivíduos e grupos sociais que produzem, mantêm e transmitem os saberes, ofícios, celebrações, formas de expressão e lugares que constituem suas referências culturais é definida como condição necessária da implementação da salvaguarda. A dimensão do patrimônio definida, contemporaneamente, como “imaterial” diz respeito a bens culturais que constituem, na realidade, processos dinâmicos de produção cultural e que não podem, simplesmente, ser impedidos de seguir o seu curso, o que implica aceitar e acompanhar suas transformações, recriações e adaptações e, ainda, a possibilidade do seu desaparecimento, uma vez perdido o seu sentido social, memorial, cultural e/ou econômico que os mantêm vigentes. Assim, outro princípio fundamental da política de salvaguarda desenvolvida no Brasil é afirmar que não cabe manter esses bens culturais “vivos” artificialmente, e essas considerações levaram ao entendimento de que a produção de conhecimento e a documentação constituem, em si mesmas, ações fundamentais de salvaguarda, já que a memória desses bens culturais deve ficar preservada e acessível a quem quiser conhecê-los no futuro. Um desdobramento deste princípio, e que se tornou uma das ações fundamentais da política de salvaguarda, foi a criação, manutenção e divulgação pelo Iphan de uma base de dados para armazenamento e difusão das informações sobre os bens culturais imateriais reconhecidos como patrimônio cultural do Brasil3. 3
Ver o Banco de Dados dos Bens Registrados (BCR) em <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/228>, acessado em 13/10/2015.
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A participação social em todas as etapas do processo de salvaguarda não passaria de um discurso ou de um desejo, se a socialização e o compartilhamento de métodos e de instrumentos de identificação, reconhecimento e gestão não se tornasse uma diretriz fundamental da política de salvaguarda. Na realidade, essa socialização é uma das formas de se contribuir para que os grupos sociais ganhem autonomia e, portanto, independência da atuação direta do poder público nos processos de preservação. Investir nessa autonomia permite ao Estado, no médio e longo prazo, ampliar e estender seu apoio a um número maior de bens e grupos sociais. O princípio da construção de autonomia, por seu turno, impulsionou outro destinado à constante avaliação, adaptação e aperfeiçoamento dos instrumentos da política de salvaguarda às demandas e dinâmicas dos grupos sociais, tendo em conta, inclusive, as dificuldades colocadas pela própria burocracia do Estado. Os chamados bens culturais imateriais são indissociáveis dos contextos sociais, culturais, territoriais e, mais genericamente, ambientais em que são criados, recriados e transmitidos. Dificuldades postas por qualquer elemento, aspecto ou fator interno ou externo a esses contextos pode afetá-los positiva ou negativamente. Assim, a articulação de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento social e econômico, ao meio ambiente, à educação, à saúde, à assistência social e à cultura, dentre outras, é fundamental não somente para o controle de possíveis impactos negativos, mas para promover a transmissão e continuidade desses bens de modo sustentável. De fato, o patrimônio imaterial se expressa por meios de objetos, gestos, habilidades e eventos que se realizam no tempo e no espaço. Portanto, contém uma dimensão material – constituída por corpos, matérias primas, construtos e elementos da natureza – sem a qual não existe, e que necessita ser também considerada e cuidada, o que pode estar fora do alcance das políticas culturais. Uma política de salvaguarda deste patrimônio não pode, assim, descuidar de uma visão integrada e global das dimensões material e imaterial do patrimônio cultural. Nos últimos 15 anos, embora essencial, o princípio da necessária articulação de políticas públicas foi implementado com muita dificuldade. A descoordenação, a superposição de ações e a dificuldade de diálogo entre áreas de governo permanecem sendo um entrave para a realização de ações consistentes de salvaguarda do patrimônio cultural e uma realidade constante no Brasil.
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INSTRUMENTOS FUNDADORES O Registro de bens culturais de natureza imaterial, criado pelo Decreto Presidencial n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, consolidou-se como um dos principais instrumentos de ancoragem legal da salvaguarda desta dimensão do patrimônio. Concebido como uma norma que confere ao bem cultural um status equivalente ao do bem tombado, devido a não ter sido estabelecido por uma lei ordinária, o Registro foi considerado frágil do ponto de vista jurídico e incapaz de gerar efeitos protetivos e garantidores da salvaguarda e dos direitos culturais relacionados a esses bens. Em suma, foi visto como um instrumento legal de segunda classe, o que alimentou algumas manifestações iniciais de rejeição por parte de movimentos sociais comprometidos com a preservação do patrimônio cultural de grupos sociais minoritários. Ao longo de sua aplicação, contudo, o Registro foi vencendo boa parte dessas objeções e resistências, tendo se tornado um instrumento demandado por coletividades e grupos sociais interessados na salvaguarda de suas referências culturais. Além disso, prática da salvaguarda gerou efeitos positivos, adequados e de amplo alcance para a continuidade de bens registrados, para defendê-los de ameaças externas e para garantir o exercício de direitos culturais vinculados a esses bens. Advoga-se, atualmente, que o Registro é um instrumento constitucional que garante direitos culturais, e que sua força normativa deriva do fato de que regulamenta o exercício de direitos que são considerados fundamentais pela Carta Magna, o que lhe confere, portanto, a possibilidade de aplicação direta e imediata (bem como a geração de efeitos protetivos) mesmo advindo de uma norma infra legal (QUEIROZ, 2014). O Registro reconhece o caráter dinâmico e processual dos bens culturais imateriais ao admitir as transformações que ocorrem ao longo do tempo, ao instituir, no máximo a cada dez anos, a revisão do Registro e a revalidação do título de Patrimônio Cultural do Brasil ao qual fazem jus os bens registrados. Em caso de desaparecimento do bem, este fato deve ser anotado no livro de Registro no qual o bem foi inscrito, mantendo-se esse registro e a documentação correspondente como referência cultural 4
do seu tempo de vigência . O Decreto n° 3.551/2000 estabelece também a obrigatoriedade do caráter coletivo do pedido de Registro, como uma das formas de garantir a participação da base social que dá sustentação ao bem cultural. Os efeitos explicitados são o compromisso do Estado em valorizar, documentar, produzir conhecimento e apoiar a continuidade do bem cultural registrado por meio do
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Artigo 7°, parágrafo único do Decreto presidencial n° 3.551/2000.
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Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), também criado pelo mesmo decreto presidencial5. Esse apoio à continuidade, colocado assim de forma bastante aberta, é também o que permite ao Estado agir contra qualquer ação interna ou externa ao contexto de produção e reprodução do bem cultural que ameace ou comprometa sua continuidade. Como mostra Queiroz (2014), diversas situações ocorridas nos processos de salvaguarda de bens registrados como a Arte Kusiwa, dos indígenas Wajãpi do Amapá; como os Ofícios das Paneleiras de Goiabeiras do Espírito Santo e das Baianas de Acarajé, e como a Cachoeira de Iauaretê, lugar sagrado para os povos Tariano e Tukano do Amazonas, atestam que o Registro produziu efeitos protetivos e de defesa de direitos associados a esses bens. Em suma, em sua aplicação prática, o Registrou tem provado não deixar nada a dever ao tombamento como instrumento de proteção. O Registro institui, ainda, um processo participativo de reconhecimento 6
patrimonial (ou de patrimonialização) possuindo também um caráter plástico, no sentido da possibilidade de acolhimento e de resposta às dinâmicas, muito distintas e diversas, de salvaguarda que são colocadas pelos bens culturais imateriais. O outro instrumento fundador da política de salvaguarda implementada pelo governo federal é o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), que, como o Registro, possui também um caráter participativo e plástico. A metodologia do INRC tem seus fundamentos na etnografia e na própria história da ação e do pensamento brasileiro a respeito da preservação dos bens culturais hoje denominados “imateriais”, ou seja, nas propostas de Mário de Andrade (ANDRADE, 1981); nas experiências do Centro Nacional de Referências Culturais e da antiga Fundação Nacional Pró-Memória (MAGALHÃES, 1997; FONSECA, 1997); assim como na atuação dos chamados folcloristas entre os anos 1940 e 1960 (CAVALCANTI, 1992 e 2001). Nessas experiências, o foco sempre esteve no significado e sentido das expressões culturais no contexto dos seus territórios, produtores, atores e público. O INRC corresponde também à concretização prática da ideia de inventariar referências culturais, ou seja, os “diversos domínios da vida social (festas, saberes, modos de fazer, lugares e formas de expressão) aos quais são atribuídos sentidos e valores de importância diferenciada e que, por isso, constituem marcos de identidade e
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O PNPI é implementado por meio de editais públicos para o fomento de projetos inseridos em uma ou mais das seguintes linhas de atuação: a) pesquisa, documentação e informação; b) sustentabilidade de bens culturais imateriais; c) promoção do patrimônio cultural imaterial; d) capacitação de agentes e atores para a salvaguarda. 6
Nenhum processo de Registro pode ser iniciado sem a anuência prévia e informada dos grupos sociais produtores e detentores do bem cultural, conforme determina a Resolução n° 001, de 3 de agosto de 2006.
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memória para determinado grupo social” (MANUAL DE APLICAÇÃO, 2000). A noção de referência cultural implica incluir no processo de identificação e salvaguarda os sujeitos que interpretam e atribuem distintos valores ao seu patrimônio. Assim, na aplicação do INRC não são os técnicos e especialistas em patrimônio, mas os indivíduos e grupos sociais que indicam o que será identificado e inventariado. Assim, este inventário institui também um processo participativo de identificação do patrimônio em todas as suas etapas (levantamento preliminar, identificação e documentação). Além de prover um diagnóstico bastante acurado da situação em que se encontram os bens identificados, o INRC produz uma documentação (fotográfica, gráfica, audiovisual e/ou sonora) adequada à natureza do bem, e uma agenda (ou pauta) compartilhada de preservação que envolve instituições locais e grupos sociais envolvidos. O diagnóstico emerge da produção de conhecimento que é realizada sobre as condições sociais, materiais e ambientais em que se dá a produção, a reprodução e a circulação das referências culturais inventariadas, com vistas ao seu reconhecimento enquanto patrimônios e também à elaboração de planos de ação voltados para corrigir e contornar os problemas que afetam seu fortalecimento e continuidade. Assim, não é exagerado afirmar que o INRC é o fundamento do processo de salvaguarda. Embora sua utilização não seja obrigatória nos processos administrativos de Registro, a maioria dos atuais 32 bens registrados é consequência de sua aplicação. A não obrigatoriedade de utilização do INRC nesses processos, contudo, decorre do reconhecimento de que existem instituições e mesmo pessoas que detêm conhecimento aprofundado sobre vários bens culturais e que este conhecimento pode e deve ser aproveitado. Essa diretriz foi o que permitiu que todo o processo de Registro da pintura corporal e da arte gráfica Wajãpi (a Arte Kusiwa) fosse realizado pela própria Comunidade Wajãpi e pelo seu Conselho das Aldeias (APINA), com o apoio da antropóloga Dominique Galois (ARTE KUSIWA, 2008). O INRC é uma metodologia “plástica” de inventário, na medida em que busca se adaptar aos contextos e às condições de sua aplicação. Com isso, se adequa a inventários de caráter mais abrangente que investigam tais referências culturais presentes em um dado território7, mas também àqueles em torno de um tema articulado à produção cultural, como, por exemplo, a produção de utensílios em barro e de farinha, ou, ainda, as expressões do samba de coco no Nordeste.
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O INRC contempla a possibilidade de se identificar territórios em escalas muito distintas que vão do sítio, do lugar, do bairro e da localidade, a estados, regiões e conjuntos de regiões não necessariamente contínuos.
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Em 15 anos de existência, o INRC foi utilizado em aproximadamente uma centena de inventários, realizados em todas as regiões do país. O Iphan cede gratuitamente esta metodologia a qualquer instituição ou grupo social que a solicite, desde que o projeto seja aprovado, atenda aos princípios da política de salvaguarda e os resultados sejam compartilhados com a instituição. Alguns pesquisadores, contudo, têm definido o Registro e o INRC como meios para a “certificação de culturas” (SIMÃO, 2005), o que, certamente, decorre de um desconhecimento dos princípios que fundamentaram sua formulação, de uma compreensão equivocada dos seus objetivos e, possivelmente, da dificuldade de entender que a constituição social de patrimônios é sempre, e inevitavelmente, um campo de disputas, e são essas disputas que possibilitam a democratização do campo da preservação e o reconhecimento e a salvaguarda de bens culturais que, sem elas, estariam ainda na obscuridade. A participação do Brasil no programa “Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”, da Unesco, impulsionou a criação de um outro instrumento que ficou conhecido como “Plano de Salvaguarda”. Embora, como visto, o Decreto n° 3.551/2000 tenha estabelecido o compromisso de apoio do Estado à continuidade do bem cultural, a obrigação de formular um plano de ação para orientar a salvaguarda da Arte Kusiwa Wajãpi e do Samba de Roda do Recôncavo, candidatos ao título de Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, conferido pelo citado programa, orientou a formulação deste instrumento. Além disso, as experiências de apoio, fomento e promoção de comunidades artesanais, realizadas pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), foram também importantes referências nessa construção. O objetivo do Plano de Salvaguarda é promover a continuidade e a sustentabilidade dos bens culturais registrados. Para tanto, conforme a situação de cada bem, uma ou mais das seguintes linhas de atuação podem organizá-los: (1) apoio às condições de transmissão, produção e reprodução; (2) ações de valorização, promoção e difusão; (3) ações de defesa de direitos associados ao bem cultural; e (4) ações de acompanhamento, pesquisa e documentação. A partir do Registro, em tempos que variam segundo a dinâmica e o nível de organização dos detentores do bem cultural, tem início o processo de formulação e implementação do plano. Fazem parte desta construção coletiva, o grupo social detentor comprometido com a salvaguarda do bem, representantes do poder público e parceiros da sociedade, reunidos num Comitê Gestor do Plano de Salvaguarda. O Plano de Salvaguarda, cuja implementação pode ocorrer no curto, médio e longo prazo, caracteriza-se também por uma grande plasticidade, pois não há um modelo prévio e suas linhas da atuação e demais elementos são adaptados às
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condições dadas e às demandas do grupo detentor, podendo mesmo tomar a forma de um conjunto de ações, sem necessariamente uma forma de plano. O instrumento tornou-se, entretanto, a principal ferramenta de acompanhamento dos processos de salvaguarda, bem como peça fundamental para orientar a reavaliação do Registro que deve ocorrer a cada 10 anos, conforme determinado pelo Decreto n° 3.551/2000. Mas a descrição dos planos e ações de salvaguarda não fica completa sem menção ao sistema de monitoramento e avaliação da salvaguarda dos bens registrados que foi elaborado pelo Iphan. Seus antecedentes podem ser localizados no Seminário de Avaliação do Projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular, desenvolvido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, e nos I e II Encontros de Avaliação Participativa, promovidos pelo Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan em 2008 e 2011. Desenvolvido a partir de 2010, o sistema já foi aplicado a 22 processos de salvaguarda de bens registrados, suscitando reflexões e apresentando resultados importantes. Dentre estes, a noção de que a existência de outros canais de participação na execução das ações de salvaguarda, para além, ou no lugar, de um Comitê Gestor; as interlocuções mantidas com o poder público; a realização de avaliações participativas periódicas; a gestão direta e satisfatória de recursos públicos e a mobilização de parcerias, dentre outras iniciativas, são indicadores importantes para a avaliação do processo de salvaguarda. Em suma, no sistema de avaliação, o próprio plano de salvaguarda foi definido como um processo que, conforme o caso, pode adotar distintos ritmos e configurações. Os 22 planos e conjuntos de ações de salvaguarda avaliados por meio deste sistema montado pelo Iphan permitiram identificar as fases do processo de salvaguarda – implementação, consolidação e estabilização – e classificar, de acordo com elas, os processos examinados. Permitiram ainda estabelecer os critérios ou requisitos que devem ser preenchidos para uma avaliação positiva do andamento desses processos de salvaguarda, tais como: a) o nível de mobilização social para a salvaguarda; b) o nível de interlocução com o Estado; c) a implantação de Centro de Referência do bem cultural registrado; d) uma rede de parcerias consolidada; e) o crescimento da autonomia dos grupos detentores/produtores na viabilização das condições de produção e reprodução do bem registrado; e, por fim, f) o nível de autonomia desses grupos na gestão do processo de salvaguarda. À luz desses critérios, foram considerados “estabilizados”, ou seja, como tendo atingido um bom nível de garantia de continuidade sustentada do bem cultural, os processos de salvaguarda da Arte Kusiwa Wajãpi, do Samba de Roda do Recôncavo e das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Em situação próxima deste nível de estabilização, estaria também a salvaguarda do Ofício das Baianas de Acarajé.
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A avaliação dos processos de salvaguarda mostra o acerto do texto do Decreto n° 3.551/2000 ao estabelecer o prazo de, pelo menos, 10 anos para a reavaliação do Registro do bem cultural. De fato, todos os processos considerados estabilizados precisaram desse prazo para atingir esse patamar. O exame também mostrou que a sustentabilidade da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial é decorrência da firmeza, constância e qualidade do apoio fornecido pelo Estado ao processo, mas, principalmente, da qualidade e intensidade da mobilização e da participação da base social comprometida; por fim, do crescimento da autonomia da base social na gestão desse processo. AS DISTINTAS ABORDAGENS DA SALVAGUARDA NO BRASIL Como já apontado, a política de salvaguarda que vem sendo implementada pelo governo federal fundamenta-se na tradição e na trajetória do pensamento e das ações implementadas, a partir dos anos 1930, para reconhecimento e apoio às expressões da cultura que hoje são denominadas patrimônio cultural imaterial. O principal traço dessa abordagem é focalizar essas expressões como fatos sociais totais (ZANOLLI, COSTILLA & ESTRUCH, 2010, p. 30), o que implica considerar tanto na sua constituição como patrimônios, quanto na abordagem da sua salvaguarda os diferentes aspectos de uma realidade social. Em outras palavras, abordar a expressão ou prática cultural tendo em conta os aspectos históricos, econômicos, ambientais que presidem sua produção e reprodução, ou a atravessam, no seu território de ocorrência, bem como os grupos sociais produtores, detentores e/ou praticantes, as condições de sua circulação e difusão, o seu público consumidor ou quem dela usufrui. Naturalmente, os processos de transmissão desses bens culturais às novas gerações estão contidos nessa abordagem, mas jamais dissociados de todos esses aspectos. Essa maneira de abordar os processos de patrimonialização e salvaguarda dos chamados bens culturais imateriais, entretanto, não é a única no Brasil. Por vezes em articulação e, na maioria das vezes, em contradição ou conflito com a adotada pelo governo federal, outra abordagem também vem sendo desenvolvida no Brasil, desde 2002, tendo como inspiração o Programa Tesouros Humanos Vivos da Unesco. Esse programa, lançado mundialmente nos anos 1990, tem origem no sistema de salvaguarda desenvolvimento em países orientais, a partir da experiência do Japão que teve início com a promulgação da chamada Lei da Cultura (Bunka Cho), em 1950. Esse sistema concentra-se no fortalecimento do processo de transmissão do bem cultural, a partir da concessão a mestres e, eventualmente, a grupos que detêm conhecimentos e habilidades que permitem a reprodução de certos bens culturais, o título de “Tesouros
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Humanos Vivos”. O sistema implica a concessão pelo Estado de ajuda financeira a esses mestres e grupos, em troca do compromisso de transmissão de seus saberes a aprendizes selecionados. 8
Sete estados brasileiros optaram por elaborar e promulgar leis baseadas nessa abordagem oriental, conjugadas ou não a leis que instituem o Registro de bens culturais imateriais nos moldes do Decreto n° 3.551/2000. Pesquisas realizadas a partir de 2006 (CASTRO & FONSECA, 2008) e outras mais recentes9 mostram que dentre os estados que possuem leis de reconhecimento de mestres e grupos como “patrimônio vivo”, apenas em quatro essas leis estão sendo de algum modo aplicadas. Nos três restantes, não há qualquer aplicação. As ações desses programas têm mantido um perfil marcadamente assistencialista e os mestres laureados – mesmo quando em condições adequadas de idade e saúde - não têm sido envolvidos em programas educacionais ou de transmissão de seus conhecimento e habilidades. Além disso, as seleções de mestres e grupos são feitas a partir da apresentação de candidaturas em resposta a editais, sem, portanto, a participação das bases sociais ligadas à produção e reprodução dos bens culturais que os candidatos dominam. Em suma, a condição de “mestre” é autodeclarada e não uma consequência do reconhecimento social ou de pares. Os resultados em termos da promoção da continuidade social e economicamente sustentada das expressões dominadas por esses “patrimônios vivos” não podem ser considerados animadores. Os impactos na ampliação da transmissão de bens culturais às novas gerações são baixos, assim como na sua reprodução, pois, eventualmente, a ajuda governamental tem propiciado uma diminuição ou até abandono do ofício ou da prática da expressão cultural por parte do mestre laureado. Por fim, este sistema de salvaguarda tem encontrado dificuldades para sua própria reprodução, devido a restrições orçamentárias que impedem que novos editais de seleção sejam lançados e fazem com que candidatos esperem a morte de mestres já laureados para que sejam abertas novas “vagas”. Que horizonte de sustentabilidade esse sistema coloca então para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial? No sistema de salvaguarda implementado pelo governo federal, no que diz respeito ao fortalecimento dos processos de transmissão, optou-se, decididamente, por outra via. A identificação de mestres que detêm conhecimentos e/ou habilidades
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Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco e Santa Catarina.
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Projeto de pesquisa coordenado pela antropóloga Letícia Vianna, em andamento no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior/CNPq/UnB.
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especiais, bem como daqueles que são responsáveis por sua transmissão e pela formação de pessoas, dá-se no âmbito da etapa de inventário ou produção de conhecimento sobre os bens culturais e seus praticantes. Essa identificação é feita a partir de informações já disponíveis, mas, principalmente, por meio da indicação desses praticantes. Identificados, assim, por seus pares e pela base social vinculada ao bem, os mestres são incluídos no processo de salvaguarda, especificamente, nas ações de transmissão que são previstas no conjunto de ações de apoio à continuidade do bem cultural. Com isso, não há a patrimonialização de mestres e sim a integração desses detentores especiais de saberes e habilidades a um processo mais amplo de salvaguarda que envolve também a melhoria das demais condições materiais, ambientais e sociais que sustentam a vigência e continuidade de referências culturais. UM EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE: O PLANO DE SALVAGUARDA DO SAMBA DE 10
RODA DA BAHIA
Depois da Arte Kusiwa Wajãpi, o Samba de Roda foi o segundo bem a incluir no seu processo de Registro recomendações detalhadas para a formulação e implementação de um Plano de Salvaguarda. No início desse processo – que já visava o envio da candidatura deste bem cultural ao Programa “Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade” – a pesquisa realizada para a identificação de grupos de samba no Recôncavo baiano mostrou uma situação de grande isolamento e de falta de intercâmbio entre esses grupos, bem como apurou muitas queixas contra a falta de apoio governamental e contra pesquisadores que colhiam imagens, músicas e informações e não devolviam nada para as pessoas e grupos que as forneceram. Além disso, foram verificadas também situações dramáticas de risco de desaparecimento de saberes e habilidades ligados, principalmente, a aspectos musicais e instrumentais do samba de roda. Dentre estas, o desaparecimento do saber-fazer que possibilitava a confecção artesanal da “viola machete” – instrumento tradicional do “samba chula” da região de Santo Amaro –, em decorrência da morte do último luthier que fabricava o instrumento, o qual não havia deixado sucessores. Na época dessa pesquisa, em 2004, restavam apenas três violas machete em todo o Recôncavo (sendo duas quebradas) e apenas um músico capaz de tocar o instrumento com perfeição e reproduzir um repertório significativo – o mestre Zé de
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As informações deste item constam do dossiê de Registro publicado pelo IPHAN (SAMBA DE RODA, 2006). Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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Lelinha. Vários indivíduos e grupos demonstraram grande preocupação com esta situação e solicitaram a inclusão de ações para reversão deste quadro num futuro plano de salvaguarda. Outra preocupação recorrente era a falta de um espaço, institucional e físico, que congregasse os vários grupos de samba da região: uma espécie de “Casa do Samba' onde todos pudessem se reunir, trocar experiências e informações, ensinar músicas e danças aos mais jovens, dentre outras atividades. O Samba de Roda foi registrado e em 2005 foram iniciadas as reuniões, com a participação do Iphan, dos grupos envolvidos no Registro e de pesquisadores interessados em colaborar com a salvaguarda deste bem cultural, para a discussão das ações emergenciais, de curto, médio e longo prazo que deveriam constar do Plano de Salvaguarda. Um dos primeiros resultados – e essa ação se revelou da maior importância para a sustentabilidade desse processo de salvaguarda – foi a criação, no mesmo ano, da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA). Inicialmente congregando os cerca de 20 grupos que participaram do inventário e do Registro do Samba de Roda, atualmente, a ASSEBA conta com aproximadamente 120 grupos filiados, tendo se tornado uma referência de organização pela sua alta capacidade de captação e gestão de recursos, de formulação e implementação de projetos e de formação de uma rede de grupos conectados e atuantes no processo de salvaguarda.11 A criação dessa associação permitiu não somente a desejada congregação e intercâmbio entre grupos, mas sua organização para uma gestão crescentemente autônoma da salvaguarda do samba de roda. Em suma, permitiu a coesão e a ampliação da base social comprometida com este processo. Dentre as principais conquistas dos sambadores e sambadeiras, além da ASSEBA, cabe contabilizar: a implantação, funcionamento e gestão do Centro de Referência “Casa do Samba de Santo Amaro”; a reversão do risco de desaparecimento do saber-fazer e do saber-tocar viola machete, com a formação de novos luthiers e tocadores a partir da realização de oficinas com o mestre Zé de Lelinha e da documentação do seu repertório12; a ampliação dos canais de transmissão dos conhecimentos e habilidades ligadas ao samba de roda, mediante a realização oficinas regularmente ministradas por mestres sambadores e sambadeiras na casa de Santo Amaro e na rede de 14 Casas do Samba que foi implantada em 14 municípios da região, a partir de 2011; a implantação e funcionamento de 11 grupos mirins de samba de roda;
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Ver mais informações no site: <http://www.asseba.com.br>.
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O mestre Zé de Lelinha faleceu em seguida a essas providências.
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e, por fim, o notável avanço que se pode registrar nas ações voltadas para a arrecadação de fundos para a manutenção das estruturas que apoiam o processo de salvaguarda por meio de apresentações de grupos, venda dos CDs gravados no estúdio da Casa de Santo Amaro, dentre outras ações. O processo de salvaguarda do Samba de Roda não seria tão bem sucedido se não contasse com a mobilização e com a dedicação dos indivíduos e grupos que o praticam. Pode ser citado como uma referência não somente para outros processos dessa natureza, mas fornece também um rico material para a reflexão sobre os caminhos que devem ser trilhados na salvaguarda do patrimônio cultural de um modo geral. Na dimensão material ou imaterial desse patrimônio, a existência de uma base social comprometida é de fato essencial para a salvaguarda, o que coloca, certamente e definitivamente, em questão as iniciativas de preservação de bens culturais que não contam com isso. DESAFIOS ATUAIS PARA A SUSTENTABILIDADE DOS PROCESSOS DE SALVAGUARDA Os processos de salvaguarda de bens culturais imateriais avançaram muito nos últimos 15 anos, no Brasil, mas são ainda questionados e desafiados por iniciativas inteiramente contrárias aos princípios adotados na política desenvolvida pelo governo federal. Dentre estas, as mais danosas e comprometedoras são as leis, normalmente de iniciativa de parlamentares municipais, estaduais ou federais, que, sem qualquer processo de produção de conhecimento ou de formação de vínculo com a base social produtora e detentora, estabelecem, em um ou dois artigos, que bens culturais e aspectos da vida social são “patrimônio imaterial”. Fazem parte deste rol, as leis que declararam a Torcida do Flamengo, o “chiado” do carioca e a Caminhada com Maria, de Fortaleza, patrimônios culturais. Essas leis, pela ligeireza com que são propostas e aprovadas, pela total ausência de efeitos de salvaguarda, não somente difundem uma concepção equivocada de patrimônio cultural imaterial, como sinalizam para a sociedade que esse tipo de salvaguarda não deve ser levada a sério. O problema que as citadas leis colocam não está, obviamente, ligado à falta de pertinência cultural dos bens que declararam patrimônio, mas, fundamentalmente, à ausência de uma demanda social de salvaguarda claramente posta e, portanto, de sujeitos e grupos comprometidos com ela. São iniciativas que cortam, de modo inadequado e equivocado, um caminho que, para ser consistente, é necessariamente longo e que deve ser percorrido de modo cuidadoso. Ademais, ignoram que, no que toca ao patrimônio imaterial, não importa, ou nada conta, a opinião que sujeitos
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externos possam ter sobre sua importância, mas sim a de seus detentores. São eles, em suma, que têm a possibilidade de apontar o que deve ser salvaguardado dentre os múltiplos aspectos de um bem cultural, pois deles depende, em última análise, a própria existência desse bem e a possibilidade de que seja salvaguardado. As propostas de reconhecimento de bens como patrimônio pela via do poder legislativo têm sido danosas porque desviam a atenção dos princípios de participação social e de compromisso com fortalecimento das condições de continuidade do bem cultural que devem ser observados, e jogam na vala comum da irresponsabilidade política iniciativas que, se conduzidas de outra forma, poderiam ser socialmente e culturalmente muito significativas. De um lado, as iniciativas parlamentares de patrimonialização de certos bens culturais apontam para uma ampliação positiva da participação do poder público na política de salvaguarda e também para o seu sucesso. De outro, incentivam na sociedade o desenvolvimento de uma compreensão equivocada do que é patrimônio cultural imaterial e do que deve ser a sua salvaguarda. Assim, um dos maiores desafios contemporâneos neste campo é tornar o poder legislativo uma instância parceira, no sentido do encaminhamento ao executivo das demandas sociais de salvaguarda que lhes são apresentadas por setores da sociedade. O próprio Decreto n° 3.551/2000 reconhece este papel de mediação, ao estabelecer que o poder legislativo é parte legitima para solicitar a instauração de processos de Registro. É também importante que as instituições de preservação desenvolvam formas de lidar de modo mais eficaz com as pressões políticas sobre o Registro de bens culturais imateriais e sejam capazes de acolher as demandas apresentadas pelo legislativo. Além disso, a de avançar e ampliar a divulgação dos princípios que devem orientar a salvaguarda. Outros desafios importantes para a sustentabilidade dos processos de salvaguarda são a articulação das leis de reconhecimento de mestres como “patrimônio vivo” aos processos de salvaguarda mais amplos das expressões culturais que dominam, assim como a ampliação da inclusão de detentores e produtores de bens culturais na sua identificação. A importância da ação do Estado deve ser reconhecida, mas, como já apontado, a continuidade de bens culturais imateriais depende, fundamentalmente, de atores sociais que queiram atuar segundo determinados códigos, e de determinadas condições materiais e ambientais que possibilitem a reprodução do bem cultural. Daí a necessidade de apoiar o fortalecimento e a melhoria dessas condições e não somente dos aspectos ligados à transmissão de saberes. A articulação de políticas públicas que têm interface com melhoria das condições sociais, materiais e ambientais que possibilitam a continuidade de bens
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culturais é, certamente, um outro grande desafio a enfrentar, diante da falta de tradição administrativa no Brasil neste sentido. Não menos importante é avançar no controle dos impactos da implementação da política de salvaguarda nos próprios bens culturais que são seu objeto, assim como no controle dos impactos de políticas de desenvolvimento do turismo e de implantação de grandes empreendimentos que desestruturam contextos culturais e seus territórios. Ao se olhar então para os últimos 15 anos, é forçoso reconhecer a consistência da política de salvaguarda que foi formulada e implementada no Brasil. Mas é importante também reconhecer que há ainda muitos desafios a enfrentar e um longo caminho a percorrer para que ela se torne cada vez mais consolidada e, principalmente, realizada em bases de excelência e de sustentabilidade ambiental, econômica e social. REFERÊNCIAS CASTRO, Maria Laura Viveiros de & FONSECA, Maria Cecília Londres. Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO: Educarte, 2008. CAVALCANTI, Maria Laura. “Os Estudos de Folclore no Brasil”. In: Seminário Folclore e Cultura Popular: As Várias Faces de um Debate. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Folclore, Coordenadoria de Estudos e Pesquisas, 1992, p. 101-102. CRESPIAL. Patrimonio cultural inmaterial – fiestas. Cusco: Centro Regional para la Salvaguardia del Patrimônio Cultural Inmaterial de América Latina, 2010, p. 11-40. _________. “Cultura e Saber do Povo: uma perspectiva antropológica”. In: Revista Tempo Brasileiro, out-dez. nº 147 Rio de Janeiro, 2001, p. 69-78. FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ: IPHAN, 1997. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. ARTE KUSIWA: pintura corporal e arte gráfica wajãpi. Brasília, DF: Iphan, 2008, 2ª ed. _________. MANUAL DE APLICAÇÃO do Inventário Nacional de Referências Culturais. Brasília: Departamento de Identificação e Documentação do IPHAN, 2000. _________. SAMBA DE RODA do Recôncavo Baiano. Brasília, DF: Iphan, 2006. MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? - A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Roberto Marinho, 1997.
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QUEIROZ, Hermano F. Guanais e. O Registro de bens culturais imateriais como instrumento constitucional garantidor de direitos culturais. 2014. Dissertação (Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2014. SIMÃO, Luciene. “Certificando Culturas: inventário e Registro do patrimônio imaterial”. In: MNEME Revista de Humanidades. v. 7. n. 18, out./nov, 2005. p. 9-29. ZANOLLI, Carlos; COSTILLA, Julia; EESTRUCH, Dolores. “Cofrades, esclavos y devotos: la peregrinación al Santuario de la Virgen de Copacabana de Punta Coral”. Jujuy, Argentina. In: 16.
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ARTIGO
PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: O CASO DO COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS, EM JABOATÃO DOS GUARARAPES-PE 1
Maria Emília Lopes Freire INTRODUÇÃO
Os discursos relacionados com a sustentabilidade vêm se dando a partir de diversas perspectivas de abordagem. No que se refere especificamente à dimensão do urbano, as principais inquietações dizem respeito tanto às condições como à qualidade da duração das cidades, considerando tudo que pode inviabilizar a duração da cidade desejável, como: a poluição, a violência e a congestão urbana (ACSELRAD, 2009). A noção de sustentabilidade, ainda supostamente imprecisa, vem ocupando espaço nos debates relacionados ao desenvolvimento desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Unced), em 1992. Alguns veem na sustentabilidade uma maneira em superar a desanimadora crise urbana demandada pela forma desmedida e obsoleta de ocupação do espaço geográfico, principalmente, nas grandes aglomerações urbanas. A sustentabilidade urbana apresenta-se a partir das práticas espaciais associadas aos desejos sociais de mudanças concretas na forma de apropriação e gestão da cidade material, ou seja, na apropriação dos seus estoques, seus ativos e nos fluxos necessários para caracterizar as cidades desejáveis. Para se afirmar que uma prática social é sustentável seria preciso, antes de tudo, “(...) recorrer a uma comparação de atributos entre dois momentos situados no tempo: entre passado e presente, entre presente e futuro” (ACSELRAD, 2009, p. 45)”. Isto por que, por um lado, é a partir da comparação entre o passado e o presente, e, olhando para o modelo atual de desenvolvimento, que se expressa o indesejável; por outro lado, é na comparação entre o presente e o futuro que se consegue projetar e expressar a qualidade futura postulada como desejável.
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Maria Emília Lopes Freire, arquiteta e urbanista graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Especialista em gestão do patrimônio pela PUCRio. Servidora da Rede Ferroviária Federal S.A. e cedida ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Desenvolve projetos e pesquisa no campo da preservação do patrimônio cultural, como: Inventários de Conhecimento; Declaração de Significância Cultural; Projetos e obras de restauração e revitalização do patrimônio cultural; e ações de educação patrimonial. Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
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Por sua vez, no que tange às práticas sustentáveis urbanas, pode-se dizer que são aquelas que procuram identificar as inflexões que os atores sociais desejam e apontam, para a construção do espaço das cidades, sempre buscando contribuir para uma melhor “qualidade de vida” dos diversos grupos sociais da cidade. Neste sentido, está se falando da materialidade da cidade enquanto espaço urbano vinculado à complexidade da trama social, dos artefatos que simbolizam sua identidade e lhes conferem valor a partir da atribuição pela sociedade; está se falando, ainda, do patrimônio cultural como um recurso ao desenvolvimento e sustentabilidade das cidades, como afirma Acselrad (2009), citando Emelionoff (1995): Uma noção de sustentabilidade associada à categoria patrimônio refere-se não só à materialidade das cidades, mas a seu caráter e suas identidades, a valores e heranças construídos ao longo do tempo. A perspectiva de fazer durar a existência simbólica de sítios construídos ou sítios naturais “significados”, eventualmente “naturalizados”, pode inscrever-se tanto em estratégias de fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes a suas cidades, como de promoção de uma imagem que marque a cidade por seu patrimônio biofísico, estético ou cultural, em sentido amplo, de modo a atrair capitais na competição global. (EMELIONOFF, 1995, p.46-7 apud ACSELRAD, 2009, p.60).
Neste mesmo sentindo, simultaneamente, está se compreendendo o patrimônio cultural em seu sentido social, perspectiva esta que contribui para promover a qualidade de vida presente e futura da sociedade, onde se almeja a equidade, o direito à memória e o direito à cidade. Diante das perspectivas teóricas já anunciadas, adentra-se no objeto dessa reflexão - como a noção de sustentabilidade, associada às práticas de preservação do patrimônio ferroviário, pode influenciar o processo de reapropriação desse patrimônio pelos grupos sociais e contribuir para sua reinserção nas dinâmicas urbanas da cidade. A princípio, a noção de preservação já leva ao entendimento de que se procura, nesta prática, a sustentabilidade do bem. No entanto, na cidade contemporânea, o que se assiste é uma prática de preservação de bens isolados - edifícios ou conjuntos - e fragmentados dos lugares das cidades nos quais se inserem e estabelecem interrelações sócio-espaciais. Compreendendo esta lacuna nas práticas preservacionistas, neste caso, relacionadas ao patrimônio ferroviário, esta reflexão parte do pressuposto de que reaproximar a noção de sustentabilidade às práticas de preservação do patrimônio
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ferroviário apresenta-se como uma das maneiras de resgatar a consciência de que essa herança ferroviária, hoje desmantelada, e vista como um entrave para a modernização das cidades, pode se harmonizar às necessidades da sociedade, como estratégia para promover uma melhor qualidade de vida dos diversos grupos sociais e promover sua sustentabilidade enquanto patrimônio cultural. Tal oportunidade, além de estimular o respeito à identidade dos grupos sociais, vem também beneficiar a reinserção dos sítios ferroviários nas dinâmicas urbanas das cidades, promovendo sua sustentabilidade patrimonial. Para aprofundar a questão, esta reflexão centra-se, como estudo de caso, no projeto de restauração e revitalização do complexo das oficinas ferroviárias de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado no município de Jaboatão dos Guararapes - PE. Pretende-se trazer, para uma reflexão, as diretrizes conceituais de intervenção formuladas para esse projeto, apresentando, ainda, alguns resultados dessa prática. PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO | O CASO DO COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS LOCALIZADAS EM JABOATÃO DOS GUARARAPES-PE As ferrovias, sinal de modernidade e progresso, representavam desenvolvimento e crescimento nas perspectivas econômica, social, cultural, tecnológica, científica, etc. No entanto, hoje, o estado de desmantelamento em que se encontram inúmeras estruturas ferroviárias no Brasil, ora abandonadas pelas empresas, em virtude do encerramento ou transferências de suas atividades, ora pelo descaso para com o patrimônio constituinte do processo de industrialização, constitui-se um problema de salvaguarda e, também, um problema urbanístico à espera de solução. Esta realidade pode ser percebida no caso do complexo das oficinas ferroviárias de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado à Praça Dantas Barreto no município de Jaboatão dos Guararapes-PE (Fig. 1). Este complexo faz parte da primitiva Estrada de Ferro Central de Pernambuco (1885), construída pela Great Western of Brazil Railway Company Limited para transportar os principais produtos da região, como açúcar e algodão. Atualmente, denominada Linha Tronco Centro (LTC), oriunda da extinta Rede Ferroviária Federal S.A., pertence à União, em decorrência da Lei nº. 11.483/2007. Insere-se no conjunto mais amplo de equipamentos ferroviários como estação, centro de formação
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profissional, vila ferroviária, Casa dos Ingleses, escolas, etc., e foi construído com o objetivo de integrar os principais centros populosos e produtivos, desde a capital Recife até a região Agreste, tendo como marco inicial a Estação Central do Recife (1885), se estendendo por 594.600km até a estação final, Salgueiro (1962), em município homônimo.
Figura 1: Planta de localização do complexo das oficinas ferroviárias em Jaboatão dos Guararapes-PE. Fonte: Elaborado pela autora sobre imagem do Google Earth (2015).
Esse complexo ferroviário é constituído por oficinas de fundição e de mecânica, serrarias, caldeiras, almoxarifados, seção de pintura, etc. e ocupa uma área de, aproximadamente, 42.000 mil metros quadrados, para onde, nos períodos áureos, “convergia a maior parte dos serviços feitos no Barbalho, no Arraial, em Palmares e em Cabedelo” (PINTO, 1948, p. 143), (Fig. 2). Por suas dimensões espaciais e complexidade de serviços prestados desde o início do século XX, tem-se a noção do quanto esse equipamento ferroviário influenciou na dinâmica urbana da cidade de Jaboatão dos Guararapes e na vida da sua população. Até meados de 2010, o complexo das oficinas encontrava-se abandonado e em processo de degradação, quando foi cedido ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI para a implantação de uma escola técnica.
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Figura 2: Imagem do complexo das oficinas ferroviárias e da primitiva estação de passageiros e armazéns. Os dois últimos demolidos quando da implantação do Metrô de superfície do Recife, 1980. Fonte: Raimundo de Oliveira. Sem data.
O complexo teve seu valor cultural reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), fundamentado na Lei 11.483/2007, como representativo da memória ferroviária brasileira, sendo inscrito na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, em 19.12.2012, em atendimento à Portaria do IPHAN nº 410/2010. Compreende-se neste artigo o termo memória ferroviário como: (...) todos os suportes e fontes de informações sobre o contexto ferroviário brasileiro, sobretudo os de ordem documentalbibliográfica, iconográfica, histórica (incluindo fontes de história oral e ruínas de testemunhos), arquitetônico-urbanística (tanto no plano interno a cada complexo ferroviário – organização espacial – quanto em relação à implantação na paisagem da cidade) e sociológica (relações de produção, de trabalho, de vizinhança – micro e macrossocial – de parentesco) (IPHAN, 2010a, p. 56).
Após seu reconhecimento como bem cultural, inicia-se, entre os técnicos do IPHAN-PE e do SENAI-PE, um processo de construção de um Plano de Intervenção, para formular diretrizes conceituais de elaboração do projeto de restauração e revitalização para o complexo das oficinas ferroviárias, que teve como princípio a noção de
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sustentabilidade. Nesta construção teórica, foram adotados os conceitos e procedimentos contidos nas Cartas Patrimoniais, como a Carta de Veneza (1964) e, em 2
especial, a Carta de Nizhnz Tagil (TICCIH, 2003) , por ser este o documento doutrinário específico para o patrimônio industrial, e, consideradas as inflexões que os atores sociais - em especial os ferroviários e moradores - desejavam e apontavam como permanências simbólicas para a compreensão e interpretação daquele sítio enquanto 3
lugar de memória , como faz lembrar Carsalade (2001, s/p): “A sustentabilidade cultural se dá através da preservação de valores e mensagens os quais conferem sentido e identidade a determinado grupo cultural e étnico”. Sabia-se que o desafio imposto era compatibilizar essas premissas com a necessidade em se implantar novos usos, respeitando os equipamentos e as estruturas físicas pré-existentes e portadoras de valores de memória e de uso, no intuito de contribuir para a reapropriação daquele equipamento ferroviário pela comunidade e, consequentemente, promover a sua reinserção nas dinâmicas urbanas da cidade. Tratava-se de um projeto de ressignificação do espaço por meio de implantação de novos usos, visando sua sustentabilidade patrimonial. Para tanto, o Plano de Intervenção apropriou-se do procedimento metodológico da história oral, aplicada a alguns ferroviários e moradores da circunvizinhança, bem como da pesquisa histórica e iconográfica do lugar. Neste sentido, em 2010, foi realizada uma vistoria conjunta ao local, com a participação de técnicos do IPHAN-PE, técnicos do SENAI-PE e alguns moradores e ferroviários, com o intuito em entender, a partir da história oral, as inflexões destes atores sociais no que tange a memória do lugar. Naquela ocasião, observou-se que, apesar do precário estado de conservação em que se encontravam as edificações, equipamentos e ferramentas, como pode ser constatado nas figuras abaixo (Fig.3, Fig.4, Fig. 5 e Fig.6), ainda era possível identificar, na configuração espacial do complexo das oficinas, alguns elementos e estruturas físicas importantes para a compreensão da sua complexidade funcional e estrutural. Percebeu-se, ainda, que apesar do estado precário da qualidade do espaço urbano do entorno das oficinas, diante da mobilidade urbana e da qualidade da ocupação dos espaços públicos, ainda era possível compreender a inserção do complexo ferroviário na morfologia urbana da cidade. Estas condições enunciadas permitiriam a restauração e revitalização do complexo e sua reinserção na dinâmica urbana.
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Consulta à Carta realizada no site do TICCIH (www.ticcih.org), acessado pela última vez em 07.06. 2015.
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NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, 1981.
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Figura 3: Estado de conservação do complexo das oficinas. Fonte: Emília Lopes, 2010.
Figura 4: Estruturas da caixa d'água metálica e da linha férrea. Fonte: Emília Lopes, 2010.
A pesquisa oral revelou, por meio da identificação de fluxos, elementos, estruturas e suas relações, a complexidade funcional e estrutural do conjunto das oficinas. Esses artefatos foram considerados representativos da memória ferroviária por simbolizar a identidade do lugar e por lhe conferir valor. Portanto, deveriam ter sua permanência assegurada no projeto de intervenção. Foi possível, ainda, resgatar as funções de cada equipamento, ferramentas e mobiliários existentes, bem como, os fluxos funcionais capazes de articular as unidades operacionais que constituem o complexo ferroviário.
Figura 5: Oficina de reparo e manutenção de vagões e carros. Diques e ponte rolante. Fonte: Emília Lopes, 2010.
Figura 6: Seção de fundição das oficinas. Fornalha. Fonte: Emília Lopes, 2010.
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De posse desses dados, partiu-se para a compatibilização com os novos usos Escola Técnica do SENAI - que levaram a reinserção das oficinas na dinâmica urbana da cidade de Jaboatão dos Guararapes. Destacam-se dois pontos como resultados da prática de preservação, no caso do complexo das oficinas ferroviárias em Jaboatão. O primeiro refere-se ao resgate, por meio da história oral, dos fluxos externos e internos de serviços antes existentes no antigo complexo das oficinas (Fig.7 e Fig. 8).
Figura 7: Identificação dos fluxos de serviços do antigo complexo ferroviário. Fonte: Projeto arquitetônico elaborado pelo SENAI Foto: Emília Lopes, 2014.
Figura 8: Reutilização dos antigos fluxos de serviços do complexo ferroviário em vermelho Fonte: Emília Lopes, 2015.
A partir desse resgate, o projeto propôs que esse percurso fosse reapropriado enquanto elemento de memória, para compor um circuito museológico da memória ferroviária do lugar, articulando os equipamentos e mobiliários apontados pelos grupos sociais como representativos dessa memória. Os traçados dos primitivos fluxos de serviços das oficinas foram também reutilizados no projeto de mobilidade da Escola Técnica do SENAI, ora para pedestres, ora como ciclovia, esta também utilizada nas atividades físicas da comunidade. O segundo ponto que se destaca como resultado do Plano de Intervenção é quanto à importância em se preservar a configuração espacial das antigas oficinas ferroviárias enquanto lugares de memória. O projeto apresentava de início uma proposta de construção de salas de aula em alvenaria de tijolo, o que desconsiderava os aspectos construtivos das antigas oficinas e que levaria a uma desfiguração da sua configuração espacial. O Plano adotou como diretriz conceitual a utilização de contêiner como sala de aula, por entender que seu formado e seu material se
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assemelhariam às dimensões de um vagão ou locomotiva, ou seja, se preservaria a leitura da configuração espacial das antigas oficinas ferroviárias enquanto lugares de manutenção e reparo de locomotivas, carros e vagões, como pode ser observado nas figuras abaixo (Fig.9 e Fig.10). Tal diretriz prezava ainda pelo princípio da reversibilidade, o que no futuro poderia causar um dano ao bem protegido em âmbito federal.
Figura 9: Preservação da configuração espacial das antigas oficinas ferroviárias. Fonte: Projeto arquitetônico elaborado pelo SENAI. Foto, Emília Lopes, 2014.
Figura 10: Alunos da escola técnica do SENAI em atividades. Reapropriação do lugar. Fonte: Emília Lopes, 2015.
Observa-se que esta prática de preservação utilizou-se da configuração espacial e das características morfológicas remanescentes para minimizar os custos e maximizar a eficiência do projeto, ao mesmo tempo em que promove a salvaguardar dos atributos valorativos do bem, como bem recomenda Cordeiro (2011): Adaptar e continuar a utilizar edifícios industriais preserva a fisionomia e as características urbanísticas de uma determinada zona citadina, ao mesmo tempo em que evita gastos desnecessários com demolição e posterior construção, contribuindo também para o desenvolvimento econômico sustentado. (CORDEIRO, 2011, p. 157).
Neste sentido, a noção de sustentabilidade permeou toda a concepção do projeto de restauração e revitalização, possibilitando que grupos sociais se apropriassem daquele lugar de memória, ressignificando-o enquanto bem cultural, conservando para as gerações presentes e futuras a compreensão e interpretação da funcionalidade daquelas estruturas espaciais, equipamentos e fluxos vinculados à morfologia urbana da cidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados desta prática de preservação do complexo ferroviário das oficinas de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado no município de Jaboatão dos Guararapes - PE, referendada nos desejos e identidades dos grupos sociais e no uso prático, já tornado realidade, como escola técnica, fortaleceu o sentimento de pertencimento desses grupos que hoje se apropriaram dos seus espaços. Por isto, esta prática pode ser entendida como uma prática sustentável de preservação. Por sua vez, estas práticas de preservação cultural sustentáveis podem ser entendidas como um dos caminhos para promover a permanência dos atributos valorativos dos bens culturais, materializados nas estruturas espaciais reconhecidas como identitárias dos grupos sociais. A reutilização desses bens culturais promove o seu ressignificado, e, consequentemente, sua reintrodução no cotidiano urbano das cidades, o que reforça a possibilidade de que seus atributos valorativos possam chegar às gerações presentes e futuras de maneira sustentável. Conclui-se que a preservação sustentável de patrimônio ferroviário deve ser vista como fomento ao desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida da população, ainda mais, no momento em que a sociedade enfrenta uma desanimadora crise urbana demandada pela forma desmedida e obsoleta de ocupação do espaço geográfico, principalmente, nas grandes aglomerações urbanas. REFERÊNCIAS ACSELRAD, Henri. A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas - 2. Ed Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.256p. CASARLADE, Flávio Lemos. Patrimônio histórico: Sustentabilidade e sustentação Vitruvius. 200. 1013.10. ano 02, jun. 2001. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br /revistas/read/arquitextos/02.013/885>. Acessado em 30.07.2015. CORDEIRO, José Manuel Lopes. Desindustrialização e salvaguarda do patrimônio industrial: problema ou oportunidade? Oculum Ensaios [online] 2011. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=351732215011> ISSN 1519-7727>. Acessado em 10 / agosto / 2015. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Parecer Técnico Sobre o Pátio Ferroviário de Cinco Pontas, Recife-PE. IPHAN, 2010a. PINTO, ESTEVÃO. História de uma Estrada de Ferro do Nordeste. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1949.
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ARTIGO
DESENVOLVIMENTO DE TICS APLICADAS À EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO 1
Pedro Henrique Barboza da Silva Mariana Dantas Gueiros2
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Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho INTRODUÇÃO
Com o advento da Web 2.0, as novas TICs vêm transformando as formas de ensino-aprendizagem, encorajando mais autonomia, auto-direção e ativa participação dos estudantes. Aprendizado eletrônico (E-learning) é o termo usado para conectar aprendizado com tecnologia. A internet desde a sua criação nos anos 90 tem desempenhado um papel fundamental como ferramenta de ensino. A internet sofreu uma grande transformação. No início, seu conteúdo era estático e seu papel foi a criação de um banco de artefatos digitais disponíveis para o público, tais como: livros, artigos e vídeos, além de servir como meio de comunicação entre alunos e professores. Com o passar do tempo, a Internet foi evoluindo e se tornando mais interativa e dinâmica. Novas ferramentas foram criadas permitindo que os estudantes participassem mais ativamente no processo de construção do conhecimento. Por exemplo, hoje em dia, estudantes podem escrever um artigo de forma colaborativa no Google Docs ou criar e modificar um artigo do Wikipedia. Esta evolução da Internet, através da participação ativa dos usuários por meio de produção de conhecimento, é o que caracteriza a Web 2.0, particularmente valiosa no contexto educacional. Mais recentemente, o termo aprendizagem móvel (mobile learning ou mlearning) popularizou-se para definir o aprendizado que acontece através do uso de aplicativos de dispositivos móveis. A grande popularidade de smartphones, tablets e
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Pedro Silva é licenciado em Computação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde atualmente está cursando o Mestrado em Informática Aplicada. 2
Mariana Gueiros é graduada em Geografia (UPE), Empreendedora e Escritora. Idealizadora e Diretora Geral do Projeto Maravilhas de Pernambuco, idealizadora do Blog Pernambuco em Ação e autora do guia de destinos turísticos 101 Maravilhas de Pernambuco. 3
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho é graduado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (1998), mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (2001) e PhD em Computer Science pela City University London (2011). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
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outros dispositivos móveis e o aumento de aplicações sofisticadas para esses dispositivos têm possibilitado que educadores criem formas inovadoras de ensino. Outra área fundamental para este projeto é a da realidade aumentada, que de forma simplificada significa o uso de tecnologias interativas imersivas e pervasivas, com o objetivo de tornar a experiência do usuário com as tecnologias digitais mais próximas e integradas ao mundo físico. Vários lugares históricos e turísticos no mundo têm usado tecnologias para melhorar a experiência dos seus visitantes. Exemplos de tais aplicações são: o “Trails to Freedom” em Boston e o London Official City Guide App.
CENTRO HISTÓRICO DE OLINDA O centro histórico de Olinda é uma região recheada de histórias, tradição e foi palco de eventos fundamentais para o entendimento do que levou Pernambuco e o Brasil se tornarem o que são hoje. O local foi declarado como Monumento Nacional e Patrimônio Mundial pela UNESCO, dada sua importância histórica e riqueza cultural. O objetivo principal desse projeto é produzir jogos educativos e aplicativos relacionados ao Centro Histórico de Olinda como forma de atender a demanda social de divulgação e valorização deste patrimônio histórico. Os objetos específicos do projeto são: - Pesquisar, avaliar e experimentar o uso de novas TICs para dar suporte às atividades educativas de ensino da História, tendo como estudo de caso o Centro Histórico da cidade de Olinda; - Capacitar os atores envolvidos no projeto no uso de novas tecnologias de informação e comunicação, voltadas a uma proposta educacional, em particular os estudantes extensionistas; - Enriquecer o processo de ensino-aprendizagem nas escolas envolvidas, ao agregar o uso de tecnologias às atividades de ensino de forma natural e integrada; - Promover e melhorar o conhecimento do público sobre a história local, em particular do centro histórico de Olinda; - Estimular e fortalecer o desenvolvimento das atividades de pesquisa, ensino e extensão do Departamento de Estatística e Informática e a sua integração com ações desenvolvidas pelos departamentos de Educação e História. Este projeto busca estabelecer uma relação entre ensino, pesquisa e extensão. Dentro da proposta de extensão de atuar na sociedade, em particular no sítio histórico de Olinda, com ações educativas que ajudem a divulgar e despertar o interesse pela história local, há aspectos de pesquisa e ensino relacionados ao projeto.
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Figura 1 : Tela Inicial do aplicativo.
Figura 2 : Quiz.
Figura 3: Pontos TurĂsticos.
Figura 4: Mapa da Cidade.
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MARAVILHAS DE PERNAMBUCO O Projeto Maravilhas de Pernambuco consiste em um empreendimento voltado para a difusão e a valorização social, cultural e ambiental do Estado de Pernambuco. A iniciativa surgiu no dia 23 de julho de 2014, com a publicação do guia de destinos turísticos 101 Maravilhas de Pernambuco, pois o Estado de Pernambuco não tinha até então um guia impresso de destinos turísticos que abrangesse suas mesorregiões. Essa publicação veio preencher essa lacuna. No guia, há 101 destinos culturais e naturais, ele já foi comercializado em todo Brasil, e, além disso, sendo aclamado por muitas pessoas e instituições. Além do guia, o projeto atua com a divulgação dos atrativos de Pernambuco através das redes sociais, aplicativos móveis, palestras e participação em programas de rádio e TV. A FanPage já conta com quase 5.000 seguidores. Já foram ministradas palestras em dezenas de escolas e outras instituições, onde sempre há a motivação do público em conhecer, valorizar as belezas do Estado e também sonharem grande e agirem para a realização de seus sonhos. Em 2014, foi executado o 1º Natal solidário, onde houve a mobilização de muitas pessoas e foram feitas doações de centenas de presentes para a população carente do interior pernambucano. Em um ano de projeto, já foram impactadas milhares de pessoas. APLICATIVO O aplicativo Maravilhas de Pernambuco foi inspirado no livro: 101 Maravilhas de Pernambuco, da autora Mariana Gueiros, o livro relata os recursos naturais, paisagens, religiosidade, história, cultura, eventos, diversão e costumes do povo pernambucano. Esse aplicativo tem como objetivo aumentar o alcance do trabalho realizado por Mariana Gueiros, disponibilizá-lo aos que não tiveram acesso ao livro impresso e trazer um pouco das informações turísticas dos melhores lugares para se visitar no Estado de Pernambuco. O aplicativo está estruturado assim: - Dividido em quatro categorias seguindo o roteiro do livro, são elas: Natureza, Religiosidade, Eventos & Diversão e História & Cultura - Localização dos pontos turísticos exibidos no mapa - Quiz com pontuação sobre os pontos turísticos abordados no aplicativo - Informação sobre a autora e o projeto Maravilhas de Pernambuco
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Figura 5 : Tela Inicial do aplicativo.
Figura 6 : Tela de Categorias.
Figura 7 : Quiz.
Figura 8: Ponto TurĂstico.
Figura 9: Mapa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o surgimento da internet e mais recentemente dos smartphones e tablets, novas ferramentas e procedimentos de ensino-aprendizagem foram criados. As novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) permitem que o processo de aprendizado seja mais interativo e colaborativo. Aliado a isso, um fenômeno que vem ocorrendo nos últimos anos é a mudança de comportamento das crianças e jovens que passaram a substituir atividades ao ar livre, como jogar futebol e andar de bicicleta por outras atividades executadas no computador, smartphones e tablets (como uso de jogos eletrônicos e mídias eletrônicas). Portanto, não podemos ignorar o potencial dessas novas tecnologias e nem esse fenômeno social. A Internet evoluiu nos últimos anos para se tornar uma ferramenta mais interativa possibilitando o uso de novas maneiras de se aprender e ensinar. No início, a Internet era usada principalmente como uma ferramenta para pesquisa de artigos e outros materiais, mas havia pouca interação e poucas oportunidades para usá-la como uma ferramenta de ensino. Atualmente, com o novo paradigma da Web 2.0, em que o usuário torna-se um produtor de conteúdo e não apenas um receptor passivo de informações, a Internet pode ser usada para criar um ambiente de aprendizado rico e colaborativo através do uso de várias ferramentas, tais como sites, blogs, mapas interativos, wikis, fóruns, redes sociais, jogos educacionais, etc. REFERÊNCIAS Barbosa, S. D. J.; Silva, B. S. da. Interação Humano-Computador. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda. Cavalcanti, Carlos Bezerra. Olinda - Um Presente do Passado. Editora Carlos Cavalcanti, 2011. Gusmão Filho, J. de Azevedo. Cidade Histórica de Olinda. Editora UFPE, 2001. Waters, J. QR Codes For Dummies. For Dummies, 2012. Phillips, B. e Hardy, B. Android Programming: The Big Nerd Ranch Guide. Big Nerd Ranch Guides, 2013. Meier, R. Professional Android 4 Application Development. Wrox, 2012. Perdue, B.;Stoinski, T. e Maple, T. Using Technology to Educate Zoo Visitors About Conservation. Visitor Studies. Vol. 15, Iss.1, 2012.
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Nesta revista foram utilizadas as fontes da família tipográfica Lexia em títulos e fonte Calibri para conteúdo.
Imagem de fundo: Rua da Aurora, com destaque na capa para a casa nยบ 463, Sede da Fundarpe. Foto: Hugo Acioly / TurismoPE.
ISSN - 2525-4006