Revista Aurora 463 – Ano III

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Aurora

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Fundarpe, 2018




GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Governador | Paulo Câmara Vice-Governador | Raul Henry SECRETARIA DE CULTURA Secretária de Cultura | Antonieta Trindade Secretária Executiva | Silvana Meireles Chefe de Gabinete | Severino Pessoa Gerente de Políticas Culturais | Diego Santos Gerente de Formação e Projetos Especiais | Tarciana Portella Gerente Geral de Articulação Social | Luciano Moura Gerente de Planejamento | Fernanda Laís de Matos Gerente de Administração e Finanças | Manoel Araújo Gestores de Comunicação | Michelle de Assunção e Tiago Montenegro FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO – FUNDARPE Presidente | Márcia Souto Vice-Presidente | Guido Bianchi Chefe de Gabinete | Marcela Torres Gerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Celia Campos Gerente de Preservação Cultural | Danielle Martins Gerente de Equipamentos Culturais | André Brasileiro Superintendente de Gestão do Funcultura | Gustavo Duarte de Araújo Superintendente de Planejamento e Gestão | André Cândido Gerente de Produção | Marcus Sanchez Gerente de Administração e Finanças | Jacilene Oliveira EQUIPE DA GERÊNCIA GERAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco EDITORA Renata Echeverria

TEXTOS DO GIRO Eva Fonsêca Passavante Jeniffer da Silva Ferreira

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Flávio Barbosa da Silva Íkaro Santhiago Câmara

Todos os direitos reservados. Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe Rua da Aurora, 463 - Boa Vista Recife/PE - CEP: 50.050-000 [81] 3184.3000 - 3184.3061 www.cultura.pe.gov.br/patrimonio preservacao@fundarpe.pe.gov.br

Amanda Paraíso, Augusto Paashaus, Celia Campos, Cristiane Feitosa, Daniella Esposito, Eva Passavante, Íkaro Santhiago Câmara, Izabel Paashaus, Jacira França, Jeniffer Ferreira, José Sabino, Márcia Chamixaes, Maria José Agra, Nazaré Reis, Neide Fernandes, Nilson Cordeiro, Raphaela Rezende, Renata Echeverria, Roberto Carneiro, Rosa Bomfim, Suzana Santos, Vera Lúcia Batista, Wellington Lima

REVISTA DA SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO. Recife: FUNDARPE, v.1, n.3. 2018. 242p. Anual ISSN 2525-4006 1. PATRIMÔNIO CULTURAL. 2. X SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL. CDD 363.69

Capa

Natal na Casa da Cultura Foto: Jan Ribeiro


Aurora 463

Revista da Semana do PatrimĂ´nio Cultural de Pernambuco Ano III [2018] Vol.1 NĂşm.3

Recife Fundarpe 2018


Natal na Casa da Cultura - apresentações de expressões como reisado, pastoril e cavalo marinho Foto: Jan Ribeiro/Secult-PE


EDITORIAL Aurora 463 Revista da Semana do PatrimĂ´nio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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EDITORIAL

Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

O aniversário de 10 anos da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco deu o tom da 3ª edição da Revista Aurora 463! Em clima de celebração abrimos a publicação com os Depoimentos dos parceiros que estiveram conosco nessa jornada. Participações que enriquecem, a cada ano, a programação da Semana. Além dos depoimentos, registramos dois “Votos de Aplauso”: um da Assembleia Legislativa de Pernambuco e outro do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural. No Giro do Patrimônio apresentamos a diversidade de ações realizadas em todos os municípios que participaram da 10ª edição do evento. Baseado em quatro eixos norteadores – brincar, experimentar, interpretar e pensar o patrimônio, o Giro segue a lógica das atividades propostas pela programação do evento, contemplando atividades de teatro, dança, exposições, seminários, oficinas, mostras e celebrações. O texto foi elaborado pela historiadora Jeniffer Ferreira e pela arquiteta Eva Passavante, da Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural da Fundarpe. Nesta edição, destacamos a seção Relatos, espaço dedicado à descrição das ações, um deles o Minicurso de Zeladoria, escrito pela arquiteta da Fundarpe, Daniella Esposito, e o encontro Reflexões Acadêmicas sobre o patrimônio cultural: produção dos cursos de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco. Na seção Artigos Científicos - contamos com o trabalho de 13 pesquisadores de Pernambuco e de fora do Estado. Profissionais convidados para integrar as ações da X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, a exemplo da Prof.ª Dra. Manuelina Maria Duarte Cândido, que escreveu sobre a relação MuseuEscola; do artigo sobre Marcos Legais do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural

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Renata Echeverria

redigido pelo advogado e doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RIO, Prof. Me. Mário Pragmácio, além de contribuições dos estudantes que participaram do encontro Reflexões acadêmicas sobre o patrimônio cultural: produção dos cursos de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco. A 3ª Edição da Revista Aurora 463 está recheada de boas práticas e exemplos de preservação dos patrimônios materiais e imateriais de Pernambuco. Um registro que servirá de referência para todos que defendem a bandeira da preservação de nosso patrimônio. Boa leitura!

Renata Echeverria

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SUMÁRIO DEPOIMENTOS Voto de Aplauso da Assembléia Legislativa de Pernambuco ------------- 12 Moção de Aplauso e Reconhecimento do CEPPC ------------------------------- 14 Parceiros da Semana -------------------------------------------------------------------------------16

GIRO NO PATRIMÔNIO Brincar com o patrimônio----------------------------------------------------------------------- 28 Experimentar o patrimônio ---------------------------------------------------------------------32 Interpretar o patrimônio-------------------------------------------------------------------------- 36 Pensar o patrimônio -------------------------------------------------------------------------------- 42

RELATOS ZELADORIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL Daniella Felipe Esposito --------------------------------------------------------------------------------- 48

REFLEXÕES ACADÊMICAS SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL: PRODUÇÃO DOS CURSOS DE ARQUITETURA E URBANISMO DE PERNAMBUCO Renata Echevarria ----------------------------------------------------------------------------------------

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ARTIGOS ACADÊMICOS II SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA Amanda Carla Gomes Paraíso Nilson Cordeiro da Rocha Wellington Lima Pereira --------------------------------------------------------------------------------- 60


MUSEU DO TREM: AÇÕES E PERSPECTIVAS NA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO André Luiz Rocha Cardoso -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

ESTUDO DOS CASARÕES DO ENTORNO DA PRAÇA EUCLIDES DA CUNHA, RECIFE/PE Carla Katyany Azevedo Lucena de Almeida --------------------------------------------------------------------------------------------

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INVENTÁRIO DO ACERVO AZULEJAR DE PERNAMBUCO SÉCULOS XVI A XIX

Carmen Muraro ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 101

PRESERVAÇÃO E RENOVAÇÃO URBANA NO RECIFE: UMA DIALÉTICA NOS IMÓVEIS ESPECIAIS DE PRESERVAÇÃO Clarissa Siqueira Pedro Valadares ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 118

MUSEU, PATRIMÔNIO E ESCOLA: TRABALHANDO COM A INTERDISCIPLINARIDADE E ATRIBUIÇÕES DE VALORES Débora Eduarda Silva Moura -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------138

RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES Manuelina Maria Duarte ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE DO PATRIMÔNIO CULTURAL – UMA QUESTÃO DE POLÍTICA Maria Helena Cunha ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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MUSEU-ESCOLA: SÓCIOS NOS PROCESSOS DE EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO PATRIMÔNIO Maria Regina Batista e Silva --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 174

AS ESTRUTURAS DO SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL, UM PROJETO INACABADO Mário Pragmácio -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 188

PRESERVAÇÃO DA SUÍÇA PERNAMBUCANA: DIRETRIZES PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PAISAGÍSTICO DE GARANHUNS-PE Rony Davison da Silva Barros Terezinha Monteiro de Oliveira ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 199

PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO: PROTEÇÃO E OMISSÃO! Telmo Padilha Cesar

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AZULEJOS DE FACHADA NO CENTRO HISTÓRICO DO RECIFE: UM PATRIMÔNIO AMEAÇADO SÉCULOS XIX-XXI Viviane Sampaio Moraes -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 230

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Trupe do Patrimônio na Coab III em Caruaru/PE 2012 Foto: Clara Gouvêa/Secult-PE


DEPOIMENTOS Aurora 463 Revista da Semana do PatrimĂ´nio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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DEPOIMENTOS

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Voto de Aplauso da Assembléia Legislativa de Pernambuco

DEPOIMENTOS

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DEPOIMENTOS

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Moção de Aplauso e Reconhecimento do CEPPC

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ui convidada, no ano de 2016, para participar de uma formação continuada no Seminário sobre o Patrimônio Cultural de Pernambuco, onde, no período da manhã, tivemos uma palestra na perspectiva de analisarmos a lei de tombamento, o levantamento que é feito para um bem ser considerado Patrimônio Material e Imaterial, a partir da elaboração de um inventário e o que seria Educação Patrimonial. Durante a tarde, estive junto com um grupo de professores participando de uma oficina de atividade lúdicas interativas voltadas para a sala de aula, trocando experiências exitosas praticadas nas nossas escolas junto aos nossos estudantes. Os ministradores da oficina nos oportunizaram uma demonstração do Jogo do Patrimônio, e posso destacar que o interessante na dinâmica do jogo é que ela flexibiliza de acordo com o município ou localidade onde seja executado e que os estudantes possam ser protagonistas de sua confecção, identificando o patrimônio do seu espaço de pertencimento.

Adriana Maria Maia dos Santos

Professora de História da Escola de Referência Martins Júnior

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Semana do Patrimônio em Caruaru foi uma parceria de muito sucesso entre a Unifavip/Devry e a Fundarpe. Pela primeira vez na cidade foi discutido, refletido e pensado o patrimônio na cidade num evento de porte estadual. Foram realizadas atividades culturais com apresentação do Teatro Experimental de Arte - TEA e a macuca de Agrestina. Ainda tivemos um passeio ciclístico visitando o nosso patrimônio cultural e o rio Ipojuca identificando a potencialidade e o abandono desses bens. E por fim, e não menos importante, tivemos palestras e discussões produtivas sobre nosso patrimônio imaterial, a Feira de Caruaru, bem como discutimos possível lei de proteção dos bens imóveis da cidade. Assim, por meio da riqueza dessa Semana do Patrimônio só temos a agradecer essa parceria e a existência desse momento para reflexão.

Amanda Casé

Arquiteta e doutoranda na FAU-UnB

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DEPOIMENTOS

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erto de toda a terra árida que tem na preservação do patrimônio histórico, a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco é um grande celeiro, onde as sementes são tratadas, plantadas de uma forma muito cuidadosa. Sinto uma grande terra fértil, com as sementes preparadas na questão da preservação do patrimônio histórico, aonde você tem a terra fértil, aonde você tem a paixão da rega, e aonde você tem toda a diversidade à disposição da população. Então para mim a semana do Patrimônio é um grande celeiro, um grande paiol, onde estão guardadas as melhores sementes do Brasil e que são cuidadas com todo o carinho pela equipe de vocês. Parabéns aí para todos vocês de Pernambuco, que sabem além de plantar, regar e colher também esses brotos. Isso porque a gente vê que a qualidade do fruto, vocês sabem fazer bem, cuidar bem da semente para que seja bem frutífera e que todos saboreiem então esse momento. Acho que é isso o mais interessante: o cuidado com essa planta que é o nosso patrimônio cultural, o cuidado com o arar a terra, o cuidado com o regar dela e sem a preocupação de querer podar, em querer colocar regras, aceitar esse broto com as diversidades que for. Isso é muito belo em vocês. Aí, agradeço muito em poder participar e estar sempre junto com vocês aí o máximo que puder para a gente aprender muito, muito.

Antônio Sarasá Conservador e restaurador

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conscientização da importância da preservação e conservação da memória, cultura e costumes de uma região, deve ser um processo contínuo. O patrimônio de um povo retrata o registro de acontecimentos, características e estilos de etapas da sua história. É o que herdamos do passado e do presente, assegurando sua utilização e permanência no presente e para as gerações futuras. (Conjuntos arquitetônicos, urbanos; sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e

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DEPOIMENTOS

científico. Modos de fazer, viver, criações artísticas, obras, objetos, documentos e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais.)

Claudia Pereira Pinto

Titular da Setorial de Arquitetura, Urbanismo e Patrimônio Cultural do Conselho de Política Cultural de Caruaru (CMPC) - Sociedade Civil.

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e é papel do Estado promover as ações para difusão e promoção do Patrimônio Cultural, em Pernambuco o ápice acontece através da realização da Semana do Patrimônio, a qual podemos considerála no plural devido a diversidade de atividades e de contextos que esta contempla. Entretanto, a característica definidora desse evento é a apreensão do Patrimônio Cultural como bem público e democrático, excedendo a compreensão dele, apenas, na dimensão de política pública. As relações estabelecidas com os parceiros sociais caracterizam a Semana do Patrimônio em Pernambuco como evento descentralizador de engajamento social e promoção dos protagonistas do processo, a exemplo da comunidade artesã do Alto do Moura, em Caruaru, que realiza atividades para pensar e agir sobre o próprio Patrimônio Cultural a partir do compartilhamento com outras experiências e dimensões sociais, promovendo o engajamento e o empoderamento comunitário.

Darllan da Rocha Antropólogo

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ostaria de salientar que as ações e atividades realizadas durante a Semana do Patrimônio, não só na Cidade do Recife, mas agregando valores das cidades do interior do estado, vêm contribuindo para a preservação da memória, ressignificação de

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espaços e promover a participação da sociedade no convívio e respeito aos patrimônios de suas cidades. Importante salientar que o processo de educação patrimonial é lento e precisa ser constante e, só assim, os resultados podem ser alcançados de forma satisfatória. Ao longo desses anos, participando como produtora cultural e instrutora de vários cursos de educação patrimonial, tanto no período da realização da Semana do Patrimônio como desenvolvendo projetos voltados para o restauro de bens patrimoniais, pude observar que as pessoas passam a conhecer e valorizar as histórias das edificações e, de uma certa forma, se apropriam delas como pertencentes ao seu universo, gerando respeito, admiração e tornam-se guardiões de suas próprias histórias.

Dora Dimenstein Produtora cultural

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Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco inaugurou, num ambiente notadamente normativo e disciplinar, a possibilidade de uma construção diversa, mais dinâmica, menos assertiva e, principalmente, mais transversal. Aproximou, sobretudo, a população do seu patrimônio, por meio de um processo de construção de conhecimento erigido sob um painel rico de percepções, um mosaico plural de temas que compõem os estudos e discussões sobre o fazer cultural. Desse modo, enfrentou a apatia de uma agenda contemporânea que abordasse o papel do patrimônio cultural na formação política, educacional e social dos diversos territórios, por consequência, as maneiras como se definem as formas de aprendizagem, circulação, apropriação, distribuição, mercantilização de bens e processos culturais. Portanto, tratou-se de uma iniciativa essencial que revelou novos olhares, instaurou novas parcerias e, especialmente, encetou novas práticas, fazendo-nos conviver, sentir, refletir e aprender com o nosso Patrimônio Cultural.

Eduardo Sarmento Antropólogo e Gerente Geral do Paço do Frevo

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ESTÚDIO SARASÁ, vem, pela presente, cumprimenta-los pela iniciativa e relevância na realização da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, evento que muito contribui para a comunicação da dimensão da cultura, integração e exercício de práticas efetivas de preservação. Diante da participação da nossa empresa, no ano passado, entende-se que foi promovido um ambiente sensível de ações educativas, capacitação e gestão, ao longo da Semana, espaço para a troca de experiências, sensibilização e reflexão, o que foi de grande valia a todos os envolvidos. Numa pauta de leveza, conciliouse uma ideia de gestão compartilhada dos órgãos de preservação, gestores públicos e população. Todos os estudos desdobram-se em práticas sustentáveis do Patrimônio Cultural, acessíveis, que valorizam a dimensão humana. Reiteramos nossa estima e congratulamos pelas ações de cultura pautadas.

Flávia Sutelo, Magda Rosa e equipe do Estúdio Sarasá

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ostaria de registrar minha satisfação em participar como parceiro e focalizador de Danças Circulares na Semana do Patrimônio da Fundarpe. As danças circulares, na sua natureza, integram pessoas de todas as idades e formações, preservando celebrações, práticas e atividades do cotidiano de nossas comunidades. Em nome do grupo que participou quero formalizar que nos sentimos honrados e sintonizados com a ideia de preservar a cultura, repassar informações, utilizar de forma correta os espaços preservados e assim valorizar cada vez mais nosso patrimônio.

José Antônio de França Filho (França Filho) Focalizador de Danças Circulares dos Povos

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Semana do Patrimônio é um evento muito importante para a preservação e fomento do mesmo em todos os Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018


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seus aspectos: material e imaterial. Ações de formação, diálogo e integração do público leigo a questões técnicas, burocráticas e executivas, assim como culturais e artísticas, valorizam o conceito de patrimônio em si em todos os quesitos. Nós, do Solar da Marquesa, somos muito felizes em contribuir como parceiros da FUNDARPE nesse evento.

Júnio do Jarro

Percussionista e produtor cultural

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Semana do Patrimônio cultural idealizada pela Fundarpe é fundamental para o município de Tamandaré, uma vez que oportuniza realizarmos ações em parceria com as escolas e com a comunidade local, possibilitando despertar de forma lúdica e atrativa, nas crianças e nos jovens a valorização do nosso patrimônio tanto cultural como histórico. A transversalidade também se faz presente trazendo a temática da relação do patrimônio com o meio ambiente e assim contar a história de um povo e difundir esse conhecimento com as gerações futuras. A partir do conhecimento de sua própria cultura cria-se o empoderamento que leva a conscientização da importância de preservação do patrimônio.

Lizete Maioli

Secretária de Turismo e Cultura de Tamandaré

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participação do município de Belém do São Francisco na X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, proposta pela Secult/Fundape, trouxe à tona memórias e referências culturais locais por vezes esquecidas. Foi uma experiência fundamental que voltou os olhares da comunidade para seus bens culturais, sejam eles oficialmente reconhecidos ou não. Com ações diversificadas, voltadas ao público de diferentes faixas etárias, foi possível provocar a reflexão sobre o patrimônio cultural, sua diversidade de

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elemento, suas possibilidades de uso e necessidade de promoção e preservação. Em relação à programação local, as ações geraram resultados expressivos e satisfatórios no que concerne à adesão, participação e motivação para outras ações relacionadas ao Patrimônio. Foi uma boa oportunidade para apreciar, conhecer, debater, utilizar, explorar e principalmente refletir sobre a questão patrimonial local e a relação da comunidade com estes bens. Entendendo que bens culturais carregam valores, sejam eles históricos, artísticos, arquitetônicos, simbólicos, etnográficos, afetivos, dentre outros, esperamos participar outras vezes da Semana do Patrimônio, a fim de solidificar as ações já vivenciadas e desenvolver novas atividades que validem nossos patrimônios e ampliem o esforço em prol da sua preservação.

Michel Duarte Ferraz Secretário de Cultura de Belém do São Francisco

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Brejo da Madre de Deus é um município privilegiado por ser detentor de um rico Patrimônio Histórico, Cultural e Arqueológico. Desde o ano de 2015, o Brejo passou a fazer parte desta relevante ação, promovida pela Secretaria de Cultura e Fundarpe. Como num caloroso abraço, aceitamos o desafio de lançar o nosso olhar para além das montanhas, muralhas, macambiras e craibeiras que nos circundavam, iniciando assim, um processo ainda mais desafiador que seria adotar um novo modelo de gestão, chamado “gestão compartilhada”. Teríamos que aprender a desconstruir e ressignificar valores e assim, bem diante dos nossos olhos, surgiu uma perspectiva fantástica de transformação: a tão sonhada política de preservação! Como um verdadeiro presente, a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi criada com o intuito de ampliar os mecanismos de escuta e fortalecer a participação efetiva de todos os atores envolvidos, direta ou indiretamente, com o Patrimônio Cultural material e imaterial de Pernambuco. Estávamos diante de uma excelente oportunidade de transformação, sobretudo, porque a Educação Patrimonial passou

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a ser a principal ferramenta de comunicação para compreendermos o real significado da necessidade de preservação. A partir de então, ocorreram mudanças bastante significativas no jeito da gente identificar e reconhecer o valor do nosso Patrimônio. É simplesmente fascinante observar o que tudo isso provocou e provoca: o despertar de sonhos coletivos; o surgimento de novas perspectivas; um novo brilho que desponta no olhar de quem antes tão pouco conhecia sobre a sua própria história... Tudo isso faz a gente repensar, refletir melhor, faz o coração da a gente bater em uníssono, mais forte! Nos enche de orgulho, por estarmos reaprendendo a celebrar a Cultura e a conjugar os verbos: conhecer, compreender, valorizar e preservar em todos os tempos... Hoje somos mais fortes! A cada nova edição da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, tomamos um novo fôlego para prosseguir a nossa luta com mais entusiasmo, dignidade e respeito.

Mônica Mendonça Turismóloga - Diretora de Cultura do Brejo da Madre de Deus

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Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco vem se consagrando como um evento que constata a riqueza do acervo cultural de Pernambuco e consolidando a importância da FUNDARPE no processo de conscientização da população para a preservação e a difusão do patrimônio cultural do Estado, por meio de atividades multidisciplinares que agregam experiências de agentes de diversas instituições e comunidades. Por esta razão, a Semana do Patrimônio contribui para o enobrecimento da nossa cultura tão diversa e marcante. Esperamos que este evento seja perpetuado e renovado a cada ano de modo a promover uma relação mais íntima e mais respeitosa com as manifestações culturais que constituem a nossa identidade pernambucana.

Pedro Valadares Coord. do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Damas

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m 2016 ocorreu a IX Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco promovida pela Fundarpe. Algumas atividades realizaram-se no auditório e salas da secular Escola de Referência Ginásio Pernambucano da Rua da Aurora, tendo a participação de professores, estudantes secundarista e estagiários-bolsistas de diversas Universidades. A influência do evento e a participação dos envolvidos da escola resultou no surgimento da I Semana de Patrimônio do Ginásio Pernambucano. Tal atividade, coordenada pelo Museu-Escolar de História Natural Louis Jacques Brunet, com oficinas, palestras, visitas guiadas, apresentações de pesquisas, passou a fazer parte do calendário anual no mês de agosto, como também das atividades pedagógicas e culturais da referida unidade de ensino da rede estadual.

Severino Ribeiro da Silva

Professor de História e Coordenador do Museu de História Natural Louis Jacque Brunet-EREM Ginásio Pernambucano

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ostaria Tenho participado da Semana do Patrimônio desde a sua criação em 2008. Devido ao meu vínculo, como docente, com a Universidade Federal de Pernambuco, nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Turismo, atuei, nos 10 anos do evento, promovendo exposições acadêmicas, dando palestras, montando relatórios, além de participar da formatação e avaliação das atividades. Todo evento define um tema central, mas permite que cada participante comunique suas iniciativas segundo um leque de ações ou eixos (palestras, exposições, cursos, seminários, celebrações, pesquisas, lançamento de livros, ações de Educação Patrimonial, etc.) de modo que todos os interessados possam fazer suas rimas. O evento se intitula Semana, mas sintetiza atividade anual desenvolvida pela maioria dos participantes (Iphan, Prefeituras, Conselhos de Preservação, Universidades, Escolas, Patrimônios Vivos, Brincantes, Artesãos , etc.). É uma MOBILIZAÇÃO PARA PENSAR, CELEBRAR E CUIDAR DO PATRIMÔNIO.

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Participar do evento é ser um avaliador da política de cultura de Pernambuco situando seus problemas e iniciativas governamentais e da sociedade. Mesmo carregada de atividades de celebrações, a Semana procura mostrar que combater os problemas que ocorrem na preservação dos patrimônios (vandalismo, falta de manutenção e preservação, poucos recursos humanos e financeiros) é responsabilidade de todos, ou seja, todos devem ser agentes de conscientização para a proteção. Dentre as atividades desenvolvidas se procura conquistar novos parceiros suas iniciativas positivas, novas conquistas de entidades e grupos “convocados” para divulgar os patrimônios materiais e imateriais do Estado. Os materiais produzidos têm permitido gerar publicações, participação em congressos e seminários, nacional e internacional, artigos para internet, entre outros eventos. O crescimento das atividades da Semana, apesar de ainda não atingir os 185 municípios de Pernambuco, em 2017, apenas 8% dos municípios, possui um formato de distribuição de responsabilidades, onde cada participante faz sua avaliação para participar da política cultural do Estado. O formato aberto gera um crescimento dos participantes com ações que se interiorizam cada vez mais. Por fim, pode-se afirmar que a Semana contribui com a política cultural do Estado quando incentiva a preservação dos bens culturais, a formação em educação patrimonial e a pesquisa, porém, ainda necessita mais aporte financeiro e humano para interiorizar as ações.

Terezinha Silva Arquiteta e Professora da UFPE

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Reisado Imperial na programação de natal da Casa da Cultura Foto: Jan Ribeiro/Secult-PE


GIRO NO PATRIMÔNIO Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018


BRINCAR Alma do Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Alma do Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

COM O PATRIMÔNIO

No eixo “Brincar com o patrimônio” foram realizadas oficinas, teatros, exposições, gincanas, apresentações, visitas mediadas e workshops, de uma forma lúdica e interativa em cada um dos municípios parceiros.

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Alma do Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Alma do Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Alma do Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Em Belém do São Francisco, nos dias 13 e 14, foi realizada a Encenação “Alma do Patrimônio”. Uma apresentação teatral itinerante pelas ruas do Centro Histórico da Cidade, levando aproximadamente 800 pessoas a reviverem lendas locais e fatos históricos do município. A mediação foi realizada pela materialização do espectro da “Mulher de branco” reforçando o caráter lúdico da atividade, que mostrou ainda a intrínseca relação do Patrimônio Material e com o Imaterial.


Curta Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Ainda em Belém do São Francisco no dia 16, a sessão “Curta Patrimônio”, no Teatro Santa Cecília, exibiu longas e curtas, como as produções locais: “Amor Gigante” (2015) e “A Trilha” (2016) da Mont Serrat Filmes e Projeto Cinema no Interior, e o longa-metragem “Narradores de Javé” dirigido por Eliane Caffé, para os alunos do 6º a 9º ano das redes pública e privada de ensino e para crianças em situação de vulnerabilidade social, atendidas pelo Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV.

Curta Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Curta Patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Nosso Forte é o Patrimônio - Tamandaré Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE Nosso Forte é o Patrimônio - Tamandaré Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Nosso Forte é o Patrimônio - Tamandaré Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Tamandaré contou com uma rica programação. O Forte de Tamandaré foi cenário de sua abertura, no dia 14, com a apresentação da Orquestra Sinfônica Ariano Suassuna, dando início a gincana ‘Nosso forte é o patrimônio’ com alunos das escolas da cidade. Ainda fizeram parte da programação exposições fotográficas; contação de estórias infantis, pelo grupo Samburá Encantado; apresentações culturais, como a do Brinquedo Samba de Matuto Leão do Norte de Tamandaré e a do Grupo Cultural Estrela de Enzo, e ainda com shows de artistas locais que duraram toda a semana. As ações tiveram um público estimado em 1.500 pessoas.

Nosso Forte é o Patrimônio - Tamandaré Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Exibição da Luneta do Tempo - Cinema São Luiz Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Exibição da Luneta do Tempo - Cinema São Luiz Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Apresentação Banda 15 de Novembro Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

No Recife a cidade que abriga a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe, a ludicidade tomou forma com as oficinas, visitas mediadas, teatro, exibição de filmes e workshops. No Cinema São Luiz foi exibido ‘A Luneta do Tempo’, filme que tem direção do cantor e compositor Alceu Valença. A sessão foi vista por 134 estudantes da rede municipal do Recife e do Compaz do Cordeiro, que vibraram com a ficção sobre a saga do cangaceiro Lampião. O encerramento da X Semana do Patrimônio contou com a apresentação da Banda 15 de Novembro, Patrimônio Vivo de Pernambuco, na Faculdade de Direito do Recife. Momento único, fechando a programação com chave de ouro!

Apresentação Banda 15 de Novembro Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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EXPERIMENTAR O PATRIMÔNIO

Visita ao antigo cemitério - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Banda 15 de Novembro Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

‘Eu, poesia’ - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

O município de Belém do São Francisco realizou uma visita mediada ao antigo cemitério da cidade, como forma de sensibilizar a população local sobre a importância da preservação deste bem cultural para a memória da cidade. A visita levou cerca de 400 pessoas ao cemitério, entre alunos da rede pública de ensino e populares. Outra ação foi o sarau “EU, POESIA”, realizado na Biblioteca Pública Manuel Costa Cavalcanti. Atividade artístico-literária voltada para a recitação de poesias, com ênfase na produção literária local e outros tipos de intervenções artísticas apresentadas ao público presente

Visita ao antigo cemitério - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Visita ao antigo cemitério - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

‘Eu, poesia’ - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Na rota dos patrimônios da ilha Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Os alunos da rede municipal de ensino da Ilha de Itamaracá participaram da Ação Educativa “Na Rota dos Patrimônios da Ilha”, uma verdadeira imersão na história de Itamaracá, contada a partir dos materiais remanescestes da época. Os participantes visitaram o Engenho São João, que abriga a antiga ‘Casa do Conselheiro João Alfredo’, e ainda as Ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a segunda mais antiga do Brasil, onde se encontra sepultado o Padre Pedro de Souza Tenório, ambas localizadas no histórico povoado de Vila Velha.

Na rota dos patrimônios da ilha Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Na rota dos patrimônios da ilha Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Visita a Casa Museu do Mestre Vitalino - Alto do Moura Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Na terra do maior centro de arte figurativa das américas, a Feira de Caruaru, foram realizadas visitas mediadas ao Memorial do Mestre Galdino, onde ocorreu a exposição dos trabalhos de estudantes da Escola Municipal Rubem de Lima, intitulada “O imaginário do Mestre Galdino”, ao Memorial do Mestre Manuel Eudócio, Patrimônio Vivo de Pernambuco, in memoriam, e ainda à Casa Museu do Mestre Vitalino, no Alto do Moura, propiciando aos participantes uma vivência gastronômica, cultural e turística.

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Educação Patrimonial para Todos - Jaboatão dos Guararapes Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Educação Patrimonial para Todos - Jaboatão dos Guararapes Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Educação Patrimonial para Todos - Jaboatão dos Guararapes Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Educação Patrimonial para Todos - Jaboatão dos Guararapes Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Com o intuito de sensibilizar o olhar dos professores e técnicos da Secretaria de Cultura do município, a visita mediada ‘Educação Patrimonial para todos’ transitou entre os principais pontos históricos do Jaboatão dos Guararapes – Sitio Histórico de Jaboatão Centro, Muribeca dos Guararapes e Parque Histórico Nacional dos Guararapes – PHNG. A ação possibilitou a apropriação, por parte dos envolvidos, da importância da preservação e proteção dos bens visitados e ainda da criação de um grupo permanente para visitações mensais de inspeção e diagnóstico desses bens.

Educação Patrimonial para Todos - Jaboatão dos Guararapes Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Faculdade Esuda levada pela professora Márcia Hazin Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Visita Igreja de N. Srª. da Conceição dos Militares Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Visita Igreja de N. Srª. da Conceição dos Militares Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Faculdade Damas levada pelo professor Pedro Valadares Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Estudante, Pérside Omena, Márcia Hazin, engenheiro da obra e Sandra Espinelli Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

As visitas mediadas às obras de restauro e conservação, ocorridas na Basílica da Penha e Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares teve por objetivo, tanto a ampliação do conhecimento prático dos estudantes de arquitetura e urbanismo e de nível técnico, quanto o de transformá-los em futuros agentes da preservação e conservação do patrimônio cultural. O patrimônio religioso visitado contou com a restauradora Pérside Omena, com os arquitetos Pedro Valadares (Faculdade Damas), Márcia Hazin (IPHAN/ESUDA), Sandra Spinelli (IPHAN) e Jorge Tinoco (CECI), com o professor e engenheiro Frederico Almeida (UNINASSAU).

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INTERPRETAR

Meu lugar, Meu patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

O PATRIMÔNIO

Meu lugar, Meu patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Meu lugar, Meu patrimônio - Belém do São Francisco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

A exposição fotográfica Meu Lugar, Meu Patrimônio, realizada entre os dias 4 de setembro e 6 de outubro, foi composta com fotografias de alunos do ensino médio, participantes do I Concurso de Fotografia Estudantil de Belém do São Francisco. A ação, além de possibilitar a apropriação e identificação do patrimônio cultural local, chamou atenção para a necessidade de sua conservação, valorização e difusão, contribuindo ainda para a ampliação das redes de contato e interação dos jovens envolvidos, tendo como suporte integrador à fotografia.

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Exposição Vida em Furnas - Brejo da Madre de Deus Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Exposição Vida em Furnas - Brejo da Madre de Deus Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Outra mostra, dessa vez de banners, sobre a Vida em Furnas, sítio arqueológico localizado no município do Brejo da Madre de Deus, realizada na Casa de Câmara e Cadeia, atual Centro Cultural do Brejo, teve como objetivo divulgar o projeto submetido ao Funcultura em 2014, intitulado - História do Brejo da Madre de Deus – Furnas do Estrago . O evento contou com a participação de cerca de 2.000 pessoas, entre alunos, professores, gestores das escolas municipais e público em geral. Além da visita mediada e palestra, os participantes receberam manual expositivo sobre o projeto.

Exposição Vida em Furnas - Brejo da Madre de Deus Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Exposição Vida em Furnas - Brejo da Madre de Deus Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Lançamento do livro “Onildo Almeida – Cidadão da Feira” Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Compositor Onildo Almeida e o Trio Pé de Serra Café com Leite - Alto do Moura Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Em Caruaru, as exposições foram em homenagem aos filhos da terra, com a exposição biográfica de Onildo Almeida, compositor da música “A Feira de Caruaru” eternizada pela voz do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Durante o evento, que ocorreu no Polo Caruaru, foi lançado o livro “Onildo Almeida – Cidadão da Feira”, de Marcelo Leal, e exibido o documentário “Onildo Almeida – Groove Man”, de Helder Lopes e Cláudio Bezerra. O Projeto Cordel, que abriu a X Semana do Patrimônio de Caruaru, celebrou o centenário do escritor e jornalista caruaruense José Condé, com o lançamento do cordel “100 anos de José Condé”.

Lançamento do Cordel “José Condé - 100 anos” Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Lançamento do livro “Onildo Almeida – Cidadão da Feira” Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Documentário sobre a Confraria do Rosário - Floresta Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE Documentário sobre a Confraria do Rosário - Floresta Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE Documentário sobre a Confraria do Rosário - Floresta Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Com o documentário sobre a Confraria do Rosário, Patrimônio Vivo de Pernambuco, exibido na Casa do Rosário, nos dias 16 e 17 de agosto, o município de Floresta inaugurou sua participação na X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Além da exibição do filme, o encontro fomentou debate sobre a importância da confraria e do papel do negro na formação histórica e cultural do município.

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Entrega do 2º Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE Entrega do 2º Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Celebração do Dia Nacional do Patrimônio Histórico Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

O Dia Nacional do Patrimônio Histórico, 17 de agosto, foi um momento de celebrar toda a diversidade cultural do Estado, ressaltando seu patrimônio material e imaterial, que consagraram e ainda repercutem na história do povo pernambucano. O Teatro Santa Isabel, um dos ícones do patrimônio material de Pernambuco, recebeu, mais uma vez, os vencedores do 2º Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural, diplomou os seis novos Patrimônios Vivos de Pernambuco e foi palco da entrega da placa em homenagem aos 80 anos do Iphan recebida pela Superintendente do Iphan em Pernambuco, arquiteta Renata Borba. A festa contou ainda com as apresentações dos Patrimônios Vivos: Sociedade de Bacamarteiros do Cabo, Mestre Chocho e o Reisado do Inhanhum, todos titulados Patrimônios Vivos em 2017.

Entrega do 2º Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Reisado do Inhanhum - Novo Patrimônio Vivo de Pernambuco Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Apresentação de Mestre Chocho novo Patrimônio Vivo Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Entrega de diploma a Dona Prazeres novo Patrimônio Vivo Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Sociedade de Bacamarteiros do Cabo novo Patrimônio Vivo Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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Novos Patrimõnios Vivos Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Renata Borba recebe homenagem ao Iphan Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE


PENSAR

Abertura da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Antônio Sarasá abertura da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Abertura da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

O PATRIMÔNIO

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Abertura da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Abertura da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

A abertura da X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco aconteceu no Teatro Arraial Ariano Suassuna, e contou com a apresentação do projeto contemplado pelo Funcultura, Os Jardins de Burle Marx, de Sandro Lins. Em seguida foi proferida a conferência de abertura com o conservador e restaurador Antônio Sarasá, sobre o patrimônio e a zeladoria. Ainda durante a abertura foi lançada a cartilha, Jogo do Patrimônio 2.0 e a 2ª edição da Revista Aurora 463. O encerramento ficou por conta da repentista, Patrimônio Vivo de Pernambuco, Mocinha de Passira.

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Seminários da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE Seminários da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Seminários da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Nos dias 15 e 16 de agosto o teatro Arraial Ariano Suassuna abrigou o Seminário - Políticas públicas e gestão do patrimônio cultural. A mesa redonda do dia 15 discutiu o tema - Marco Legal para o reconhecimento dos patrimônios culturais (panoramas da legislação mundial, nacional, estadual e municipal e suas complexidades), com a participação do Diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz; do advogado e professor do mestrado do Iphan, Mário Pragmácio e do doutorando em Pós-Cultura pela UFBA, Marcelo Renan.

Seminários da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Seminários da X Semana do Patrimônio Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

No dia 16 a mesa - Preservação dos patrimônios culturais: atuação e limites do estado, dos detentores de bens culturais, contou com a participação do Sr. Telmo Padilha do Instituto Defender; com o Prof. Dr. Leonardo Barci Castriota – da UFMG e do mediador, representante do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural, Rodrigo Cantarelli.

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SOBAC - Cabo de Santo Agostinho Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Em Camaragibe, a Mesa Redonda – Patrimônio Ferroviário de Camaragibe – novos usos e desafios, contou com a presença de Eduardo Freitas, ex-secretário de Cultura de Paudalho; Nazaré Reis, Integrante da equipe do Consórcio Tronco Norte – anos 2000; Raphaela Rezende, Fundarpe e Maria Emília Lopes do Iphan. A ação ocorreu no dia 23 de agosto no Cineteatro Bianor Mendonça Monteiro.

Patrimônio Ferroviário de Camaragibe Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Patrimônio Ferroviário de Camaragibe Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Patrimônio Ferroviário Camaragibe SOBAC - Cabo de Santo de Agostinho Acervo Fundarpe/SecultPE Foto:Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

SOBAC - Cabo de Santo Agostinho Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

A Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo – SOBAC e o Museu Olimpio Bonald de Bacamarte – MOBBAC, nos 14 e 15, sediaram as palestras de Enerson Antônio sobre A importância da Educação Patrimonial para o Cabo de Santo Agostinho e de Rosa Bezerra sobre A participação das mulheres no cangaço. No dia 16, a palestra ficou a cargo de José Calistrato Cardoso, ex-preso político, que discorreu acerca do regime militar de 1964 e no dia 18, último dia do evento, Ivan Marinho de Barros Filho falou sobre O anarquismo histórico.

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Patrimônio Azulejar Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Seminário de Educação Patrimônial Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Patrimônio Azulejar Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

No dia 16 durante à tarde foi realizada a mesa redonda - Patrimônio Azulejar em Pernambuco, com a arquiteta Sylvia Tigre, autora do livro, O Azulejo na Arquitetura Civil de Pernambuco no século XX, a arquiteta Carmen Muraro, e o restaurador da Fundarpe Roberto Carneiro. A mediação foi feita pelo arqueólogo Ulisses Pernambucano de Melo Neto.

Seminário de Educação Patrimônial Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

Seminário de Educação Patrimônial Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

O II Seminário de Educação Patrimonial de Pernambuco, realizado na Faculdade de Direito do Recife, teve como tema de abertura Relação museuescola: desafios e possibilidades, e quatro eixos temáticos para discussão: 1. O museu como espaço pedagógico; 2. O museu e sua natureza simbólica; 3. O museu como difusor do conhecimento e 4. O museu e suas representações de tempo e espaço. Com o intuito de refletir sobre os desafios e possibilidades da relação entre o museu e a escola, sob o prisma da preservação do patrimônio cultural. O seminário contou com a participação de 70 professores da Rede Estadual de Ensino, principais responsáveis pela difusão, no âmbito escolar, do patrimônio cultural de Pernambuco.

Seminário de Educação Patrimônial Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE

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BasĂ­lica de Nossa Senhora da Penha Foto: Jan Ribeiro/Secult-PE

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RELATOS Aurora 463 Revista da Semana do PatrimĂ´nio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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RELATOS

ZELADORIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL Na X Semana do Patrimônio Cultural, Pernambuco foi agraciado com ações cuja temática foi a Zeladoria do Patrimônio Cultural sob a ótica de seus idealizadores Antônio Sarasá1, Flávia Sutelo2, Magda Rosa3 da equipe do Estúdio Sarasá Conservação e Restauração. Essa expressão está ligada à preservação dos bens materiais de um povo, à importância de “escutar” o que cada edificação tem a dizer, suas necessidades. É uma forma de evitar, por meio de práticas cotidianas e simples, da manutenção preventiva, que se chegue à perda ou ao restauro de um bem. É chamar a atenção da comunidade, através de vivências patrimoniais, da importância que esses elementos têm e de que estão estritamente ligados às suas histórias, memórias, devendo ser conservados para que as futuras gerações tenham a oportunidade de vivenciá-los também. Portanto, é imprescindível a imaterialidade, - que permite a existência do material, do palpável, e o confere significado -, a mão do ser humano, seja para a construção física do bem, representada pelo suor que é empregado pelos mestres e operários, por meio de seus saberes e fazeres, do uso de técnicas tradicionais, seja pelo ser humano que se apropria do espaço, faz dele sua “morada”, constrói relações, dá sentido. Sendo assim, o material e o imaterial são indissociáveis.

Fig 1 e 2: Antônio Sarasá transmitindo informações para os participantes da Oficina de Zeladoria - Museu Regional de Olinda - MUREU e Museu do Estado de Pernambuco - MEPE (respectivamente) Foto: Rodrigo Ramos/Secult-PE

1 Fundador do Estúdio Sarasá Conservação e Restauração (São Paulo, 2001), empresa especializada em conservação e restauro do Patrimônio Histórico. 2 Coordenadora dos Projetos Culturais do Estúdio Sarasá Conservação e Restauração. 3 Coordenadora de Arquitetura do Estúdio Sarasá Conservação e Restauração.

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Daniella Felipe Esposito

Nesse contexto, Antônio Sarasá, na Conferência de Abertura da Semana discorreu sobre “A Cultura do Patrimônio e a Zeladoria”, que levou o público à reflexão acerca da importância da cultura de um povo, do papel primordial do ser humano enquanto início, meio e fim de tudo, partícipe e responsável pela construção dessa cultura, definidor do seu Patrimônio Histórico, uma vez que é a comunidade que atribui o valor a algum local, transformando-o em lugar, legitimando-o por meio do levantamento de memórias; ou seja, o ser humano como responsável pela preservação dos bens e práticas, o que só é possível através do seu olhar generoso e atento. É o zelar suas raízes e história. Além disso, foi apresentada a Zeladoria do Patrimônio conformada por uma tríade: conhecimento, pertencimento e empoderamento, onde o amor ao patrimônio os une. Se eu conheço, sinto-me parte, amo e zelo! A Zeladoria tem como base ações de preservação, de apreciação da arte, do material, que se soma ao imaterial, sendo, portanto, um modo de conservar o legado cultural e a memória. Deve ser vista como “ações nobres e simples, como a vida, porém nobres como os saberes e fazeres dos nossos ancestrais, perpetuando legados” e “necessária política pública”, bem como uma “questão de educação e cidadania, necessariamente”, conforme pontuou o Estúdio Sarasá. Ainda no eixo Pensar o Patrimônio houve o Minicurso de Zeladoria, no Museu do Estado de Pernambuco – MEPE, contando com um público de gestores e colaboradores dos equipamentos culturais do Estado, e pessoas ligadas à área da cultura, que foram conduzidos a pensar sobre a gestão e preservação do patrimônio. Nessa oportunidade foram abordados alguns temas como CHORAR, SORRIR, SENTIR e AGIR, que levaram a refletir, respectivamente, acerca de4:

Como está a preservação do patrimônio, as relações com a cultura: a (in)

Novas perspectivas de preservação; restabelecimento das conexões com

Uma vivência acerca dos bens culturais, experimentar o patrimônio; um

eficiência das proteções dos bens culturais; política de cultura atual.

o patrimônio cultural; a cultura da Zeladoria.

chamamento dos equipamentos, das técnicas construtivas, dos saberes e fazeres tradicionais.

4 ESTÚDIO SARASÁ (2017).

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RELATOS

Posturas e ações para a preservação: possibilidades e a aplicabilidade da

Zeladoria.

Para coroar a Zeladoria, foi realizada uma ação prática intitulada: limpeza da fachada do Museu Regional de Olinda – MUREO. Nessa oportunidade os participantes procederam a sua lavagem, tendo a oportunidade de colocar a mão na massa, sentindo o quanto ações simples são primordiais para preservação dos bens. O sentimento de participação, de trabalho conjunto, de pertença, de saber que é possível mudar quando a comunidade se envolve, tomou conta das pessoas que ali estiveram presentes.

Fig 3 e 4: Limpeza da Fachada do Museu Regional de Olinda - MUREO Foto: Rodrigo Ramos/Secult-PE

Tais ações da Zeladoria, iniciadas em Pernambuco, na X Semana do Patrimônio, já rendem frutos. Novas oficinas sobre técnicas e materiais tradicionais foram ofertadas pelo Estúdio Sarasá, algumas das quais, com apoio da Fundarpe, Museu da Cidade do Recife e Prefeitura de Olinda. A gestão já reflete e retoma a indicação do uso de materiais e técnicas tradicionais (argamassa e pintura à cal, por exemplo), sendo realidade suas aplicações em alguns edifícios protegidos em nível municipal, estadual e federal. Sendo assim, a brasa da preservação foi soprada, reacendendo a crença da possibilidade de realizar. Foi criado um elo entre representações da gestão pública, iniciativa privada e população, que se reflete em ações e em grupos de interação sobre cultura.

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Daniella Felipe Esposito

Fig 5 e 6: Oficina de Zeladoria nas ruas de Olinda Foto: Rodrigo Ramos/Secult-PE

Daniella Felipe Esposito5

5 Arquiteta e Urbanista da Unidade de Preservação da Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Fundarpe. Mestre em Desenvolvimento Urbano UFPE. Especialista em Patrimônio Histórico: Educação e Preservação UNICAP.

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RELATOS

REFLEXÕES ACADÊMICAS SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL: PRODUÇÃO DOS CURSOS DE ARQUITETURA E URBANISMO DE PERNAMBUCO O teatro Arraial Ariano Suassuna recebeu professores e alunos de sete instituições acadêmicas de Pernambuco, durante toda manhã do dia 18 de agosto de 2017, para um encontro em torno da preservação do patrimônio construído no Estado. Representantes das faculdades Damas, Esuda, FBV, UFPE, Unicap, Uninassau e Unifavip tiveram a oportunidade de apresentar trabalhos elaborados nas disciplinas relativas às práticas de preservação. Os alunos da Faculdade Damas apresentaram o trabalho - Preservação e renovação urbana no Recife: uma dialética nos Imóveis Especiais de Preservação.

Fig 1: Representante da Faculdade Damas apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

Os representantes da faculdade Esuda expuseram um Estudo dos casarões do entorno da Praça Euclides da Cunha, no Recife. Os estudantes de arquitetura da Faculdade Boa Viagem apresentaram o trabalho intitulado - Mapeamento de danos e descaracterização dos pavilhões de habitação coletiva (tipo Carville) do Leprosário da Mirueira.

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Renata Echeverria

Fig 2: Representante da Faculdade Esuda apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

Fig 3: Representantes da FBV apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

O painel sobre a Intervenção no Grande Hotel foi conduzido por aluna da UFPE, que apresentou uma alternativa para valorização e (re) apropriação dos centros históricos do Recife. A proposta de intervenção no hotel faz um resgate do edifício que hoje está abrigando o Fórum Thomaz de Aquino.

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RELATOS

Fig 4: Representante da UFPE apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

A aluna da UNICAP apresentou um estudo sobre a conservação e renovação urbana da Rua da Aurora. O objetivo foi o de avaliar o impacto de novas edificações na autenticidade e na integridade visual da paisagem do Bairro da Boa Vista.

Fig 5: Representante da UNICAP apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

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Renata Echeverria

Os estudantes da Uninassau apresentaram trabalho intitulado - Novas visões de reusos em patrimônio: pavilhão Luís Nunes. Antigo pavilhão de óbitos, localizado no bairro do Derby, que teve o início de sua construção em 1936.

Fig 6: Representantes da Uninassau apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

O aluno de arquitetura da Unifavip falou sobre a descaracterização do patrimônio histórico de Garanhuns, com o trabalho - Preservação da Suíça Pernambucana: diretrizes para preservação histórica e paisagística de Garanhuns-PE.

Fig 7: Representantes da Unifavip apresentando trabalho Acervo: Fundarpe

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RELATOS

Fig 8: Renata Echeverria, Pedro Valadares, Frederico Almeida, Márcia Hazin, Celia Campos, Terezinha Monteiro, Sérgio Bitencourt, Terezinha Silva, André Lins, Raphaela Rezende e Paula Maciel Acervo: Fundarpe

Após as apresentações dos trabalhos foi aberta a exposição – Circuito acadêmico sobre o patrimônio construído, no hall da Fundarpe. A mostra de banners itinerante circulou por todas as instituições participantes do encontro. O evento, avaliado pelos participantes de forma bastante positiva, integra a programação da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco em 2018, dessa vez, na Igreja do Carmo em Olinda e conferência de encerramento proferida pelo restaurador Antônio Sarasá.

Fig 9: Mostra de banners itinerante Acervo: Fundarpe

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Renata Echeverria

Fig 10: Mostra de banners itinerante Acervo: Fundarpe

Fig 11: Mostra de banners itinerante Acervo: Fundarpe

Renata Echeverria

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A gente da Palavra - Formação dos mediadores de leitura Foto:Aurora Jan Ribeiro 463

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ARTIGOS ACADÊMICOS Aurora 463 Revista Aurora 463 da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, n.3, 2018Cultural de Pernambuco Revista da Semana dov.1, Patrimônio Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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ARTIGOS ACADÊMICOS

II SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA Amanda Carla Gomes Paraíso1 Wellington Lima Pereira2 Nilson Cordeiro da Rocha3 INTRODUÇÃO Em sua segunda edição, o Seminário de Educação Patrimonial de Pernambuco trouxe como tema “Relação museu-escola: desafios e possibilidades”, com atividades voltadas para professores de diversas disciplinas das Escolas de Referência (EREMs) do Estado. A atividade contou com a participação da Professora Manuelina Duarte Cândido (Universidade Federal de Goiás), de Regina Batista, Conselheira de Preservação Cultural de Pernambuco e de representantes de alguns museus da Região Metropolitana de Recife que apresentaram suas experiências e os desafios enfrentados no cotidiano dos espaços nos quais atuam. A iniciativa de realizar o II Seminário de Educação Patrimonial de Pernambuco, que ocorreu na Faculdade de Direito do Recife, surgiu da resposta positiva que tivemos dos participantes na primeira edição do evento. Apresentou-se como uma possibilidade de conhecer e divulgar os museus, auxiliando na aproximação entre esses dois espaços, além de estimular a atuação dos professores como agentes multiplicadores, no sentido de trabalhar com os estudantes a importância dos espaços museais para a difusão do conhecimento, da cultura e para a preservação do patrimônio e da memória. 1 Graduada em História, especialista em História do Século XX e mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, leciona no Instituto Pernambucano de Ensino Superior e coordena o setor de Educação Patrimonial da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. E-mail: amandaparaiso@gmail.com 2 Graduado em História pela Fundação de Ensino Superior Olinda e especialista em Gestão Pública pela Faculdade Joaquim Nabuco. Atualmente, leciona na Educação Básica e compõe o setor de Educação Patrimonial da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. E-mail: wellington.lima.p@ hotmail.com 3 Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Gestor Ambiental pelo Instituto Federal de Pernambuco e mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Atualmente, compõe o setor de Tombamento da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. E-mail: nilson. cordeiro@live.com

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1. RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA No cerne das mais recentes discussões sobre a relação museu-escola, compreende-se o museu enquanto agente de ação educativa (RODRIGUES, 2010). Esses espaços apresentam-se como lugares que promovem e são responsáveis pelo desenvolvimento de ações pedagógicas que ocorrem no interior das instituições museológicas e são estendidas à escola. As ações educativas constituem-se em práticas nas quais, ao se utilizar de formas e linguagens diferenciadas das encontradas na escola, contribuem para reflexão e construção do saber. Nesse sentido, a educação museal é processada de modo que as possibilidades de construção do conhecimento ultrapassem o momento em que a ação educativa é desenvolvida. No desenvolvimento de ações educativas, implica considerar que escola e museu consistem em instituições marcadas por especificidades. Sobre a singularidade desses espaços Lopes (1991) evidencia que não se trata de uma substituição ou subordinação a outra, mas de se complementarem através de ações educativas que considerem seus propósitos e particularidades. A partir de tal compreensão, importa considerar que a proposta educativa dos museus difere da proposta da escola, em termos do objeto, da linguagem, do tempo, do conteúdo, entre outras questões. Conforme esse entendimento, o museu possui potencial para além de simplesmente ilustrar os programas das disciplinas, inclusive como um espaço capaz de questionar conteúdos abordados em sala de aula. Nessa perspectiva, considerando os museus enquanto espaços que possuem um potencial para provocar uma experiência além da simples complementariedade do ensino formal, Lopes (1991, p. 454) afirma que “[...] trata-se de os museus serem valorizados como mais um espaço, mesmo que institucional [...] onde a convivência com o objeto [...] aponte para outros referenciais para desvendar o mundo”. Corroborando com essa linha de raciocínio, Almeida (1997) pondera que, partindo da conjuntura em que as escolas procuram e visitam os museus com frequência, faz-se necessário entender que esses espaços possuem potencial para ultrapassar a ideia de complementariedade da escola. Tal compreensão dáse no sentido de proporcionar o que denomina de um exercício de afetividade, através da experiência com os objetos, bem como o reconhecimento em termos da preservação da memória e do patrimônio cultural. E, nessa dinâmica, defende que as relações entre museu e escola podem ser muito proveitosas, no caso de professores e educadores de museus estabelecerem comunicação para a troca de programas de ação educativa (ALMEIDA, 1997). Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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A ideia de ir além da complementariedade, isto é, que possibilite outras descobertas das vivenciadas na escola, é concebida enquanto uma via de mão dupla entre escola e museu, conforme aponta Chagas (1993). Nesse sentido, a relação entre as instituições não fica restrita a momentos específicos, mas refere-se a formas de colaboração entre essas. Isso porque, ao passo que a escola proporciona aos alunos o contato com objetos e novas experiências na ida ao museu, ao receber as escolas, o museu é beneficiado e estimulado para desenvolver novas exposições e divulgar o conhecimento. Nessa perspectiva, na dinâmica da relação escola-museu, o trabalho desenvolvido pelo museu possibilita à escola uma forma diferenciada de abordar os temas contemplados na exposição. Ou seja, os museus, portadores de uma cultura própria, que se expressam na sua história, linguagem e propostas educativas, na sua ação educativa, conforme aponta Marandino (2001), propiciam um diálogo com o trabalho iniciado na escola, contribuindo para a formação dos escolares. Pois, no interior do museu, embora se considere a existência de roteiros para visitação, a natureza do espaço permite a apropriação do conhecimento de forma mais livre. Marandino (2001) também esclarece que, ao passo que o museu aproximase da escola pelo fato de ambos possuírem o que se denomina de saber de referência, distinguem-se quanto à seleção, organização e forma de apresentar os conteúdos. Inclusive, evidenciando as diferenças, aponta que não significa que a escola deva abrir mão do seu currículo, mas articulá-lo com o apresentado na exposição. E ainda ressalta que a articulação com os conteúdos não deve consistir no único objetivo, uma vez que recairia na ideia de simples complementariedade – em razão da necessidade de objetivos mais amplos que se referem à “[...] dimensão da ampliação da cultura e da educação pelo e para o patrimônio, tão cara aos museus [...]” (MARANDINO, 2001, p. 97). Essa compreensão refere-se ao entendimento de que a relação escola-museu possibilita, através das interações entre os sujeitos envolvidos, o compartilhar de questionamentos e descobertas, na realização das ações educativas que ocorrem sob responsabilidade do professor e do educador de museu. Nesse sentido, devese considerar a importância de que a escola desfrute das possibilidades oferecidas pelo museu, enquanto um espaço que não se limita a um recurso didático no sentido restrito desse termo. Sobre essa concepção faz-se necessário tecer algumas considerações, principalmente no que diz respeito à existência de uma percepção, entre os professores, do museu enquanto um recurso como qualquer outro utilizado em

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sala. Conforme Silva (2005), para alguns professores, o museu configura-se como um dentre outros recursos utilizados em sala (textos, produções, pesquisa, entre outros), com a finalidade de reforçar os conteúdos estudados. Nesse caso, o termo recurso aponta para limites quando associado à ideia de apenas um meio a utilizar, restrito ao reforço de conteúdos ou ilustração de assuntos que são vistos em sala de aula, configurando o museu enquanto um espaço informativo e transmissor. É nesse sentido que autores, dentre os quais Blanco (1994) e Silva (2005), denunciam que essa concepção reforça o caráter transmissor da ação museológica ligado à escola. Por outro lado, se a ideia de recurso estiver vinculada à noção de um espaço que possibilita aprendizagens e relações além das vivenciadas na escola, permitindo construção e socialização de novos conhecimentos, essa concepção contribui para enfatizar o museu enquanto um lugar que promove novas descobertas. Nessa perspectiva, ao permitir a efetiva diversificação da prática de ensino, Freire (1992) compreende que o museu configura-se num espaço onde não somente os conteúdos da disciplina podem ser desenvolvidos pelo professor, mas também aspectos importantes da relação com o aluno e dos alunos entre si em uma situação diferente da vivenciada na escola. E esse reconhecimento do museu de consistir em um lugar próprio para a diversificação da prática de ensino, segundo a autora, apresentase como uma das formas para ser estabelecido o diálogo entre museu e escola. A referida autora também entende que o museu, enquanto portador de uma pedagogia distinta da escola, precisa mostrar de forma clara a esta sua proposta de ação educativa, explicitando o que é o museu, como se forma o acervo, qual tipo de parceria propõe à escola e vice-versa. Isso porque, conforme Freire (1992), os educadores de museu não conseguem dialogar de modo satisfatório com os professores, o que indica desencontros nessa relação e aponta para necessidade de um cruzamento entre os sentidos da visita e as práticas no interior do museu. Desse modo, a observância e o conhecimento das propostas de uma instituição pela outra caminha no sentido de evitar que as ações ocorram de forma unilateral e contribuir para que, reconhecendo suas especificidades, as potencialidades do museu sejam exploradas pela escola. Sobre isso, Silva (2008) lembra que museus e escolas podem travar juntos diálogos construtivos em que ambos compreendam as demandas do outro e procurem supri-las. Para isso, entende que os espaços destinados às formações, seminários e fóruns consistem em momentos privilegiados para aprender mais a respeito do outro e construir metas de convivência.

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Desse modo, entende-se que compete ao museu estimular a percepção e sensibilidade do grupo escolar diante do seu acervo. No que se refere à escola, concorda-se com Oliveira (2010) quando afirma que as ações educativas nos museus devem ser compreendidas pela escola para além de um procedimento metodológico inserido no currículo. Isso porque, para a autora, essas ações possibilitam apropriação de conhecimento e saberes numa relação com o conteúdo estudado em sala de aula. E, num sentido mais amplo, o desenvolvimento dessas ações permite tanto uma maior participação dos indivíduos nos espaços da cultura, quanto uma melhor compreensão e interpretação do patrimônio cultural. Nessa perspectiva, as ações educativas, no âmbito da relação escola e museu, dão-se no sentido de possibilitar aos escolares a construção de conhecimento e apropriação do patrimônio numa relação de pertença e reconhecimento/valorização desse patrimônio. Tais ações educativas se inserem e contribuem no desenvolvimento da Educação Patrimonial. Esse trabalho centrado no patrimônio consiste, conforme Oriá (1998), na utilização dos museus e outros espaços e suportes da memória, no processo educativo, com o objetivo de desenvolver a sensibilidade e consciência dos educandos e futuros cidadãos acerca da importância da preservação dos bens culturais. Na compreensão desse autor, a utilização dos espaços museais pela escola insere-se no cumprimento da função social desta última, uma vez que, ao possibilitar o conhecimento e valorização sobre os bens culturais, contribui para o exercício e formação da cidadania. Nessa lógica, a Educação Patrimonial pode estar presente em campos diversos, como as escolas, os museus, as bibliotecas e outros espaços. No debate acerca do desenvolvimento de ações educativas no âmbito da relação escola-museu, o museu apresenta-se como um espaço privilegiado ao possibilitar o acesso de grupos escolares e estimular reflexões em torno dos bens culturais através da interação entre os sujeitos e desses sujeitos com o acervo/patrimônio. Ao pensar sobre a relação entre escola e museu e as diferentes estratégias pedagógicas, a metodologia da Educação Patrimonial é entendida, por Almeida (1997), como a mais apropriada para a ação educativa em museus por considerar os ganhos cognitivos e afetivos da aprendizagem, bem como pelo fato de partir da especificidade do museu, isto é, a cultura material. Para tanto, faz-se necessário, por parte dos professores, definir os objetivos educacionais e os resultados pretendidos a respeito dos temas do patrimônio cultural. E, nesse processo, a aproximação com o cotidiano dos educandos possibilita

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que o conhecimento seja construído por eles e não somente transmitido pelos responsáveis em desenvolver o trabalho de Educação Patrimonial. Essa compreensão é defendida por Cabral (2012) quando utiliza o termo educação museal/patrimonial. Tal educação é compreendida enquanto dialógica por considerar o entendimento dos alunos sobre suas experiências e os auxiliar a construir uma compreensão crítica e científica da realidade. Amorim (2004) aponta que, para que o trabalho realizado em sala de aula seja significativo na direção da construção do conhecimento, é importante que o professor reflita com os alunos sobre questões relativas ao patrimônio antes da saída a campo. De acordo com o referido autor, esse trabalho de preparação prévia consiste num trabalho de sensibilização e de uma educação do olhar sobre o patrimônio cultural. Nessa perspectiva, a educação do olhar consiste em um trabalho que possibilita ao aluno fazer uma leitura do patrimônio procurando entender seus significados. E na relação com os bens patrimoniais, busca-se estabelecer uma troca de conhecimentos e valores, ao ampliar a visão do aluno, de maneira que o patrimônio seja significativo para ele, para seus estudos e para os conteúdos escolares (AMORIM, 2004). Diante disso, nas ações educativas, no âmbito da relação escola-museu, a atuação do professor é fundamental ao oportunizar que sejam explorados os sentidos e as relações que a vivência com o patrimônio possibilita. 2. II SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO A abertura do evento que tratou o tema central do Seminário teve como conferencista a Profª. Drª Manuelina Duarte Cândido, docente do curso de museologia da Universidade Federal de Goiás, que abordou os desafios da educação nos museus e a importância da rede de articulação entre estes espaços para superar problemas, ampliar e diversificar o universo de pessoas atendidas, bem como criar novas perspectivas para educação nos museus.

Fig 1: Mesa da Conferência de abertura do II Seminário de Educação Patrimonial de Pernambuco Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

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Fig 2: Professora Manuelina Duarte Cândido Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

Um dos primeiros desafios apresentados pela museóloga foi a necessidade de diversificar o público que frequenta os museus, passando de um ambiente que atende quase que exclusivamente estudantes para receber também diversos outros segmentos da sociedade, tornando o museu um espaço educacional e de descobertas para todos. Uma das maneiras de se fazer isso é repensar como estão sendo ofertadas as programações nos museus. Em um espaço tão rico, propício para o conhecimento e com diversas possibilidades de interação com a população, porque não vemos a procura da população por estes espaços como acontece em diversos outros roteiros turísticos? Isso deve nortear a busca pela melhoria da programação dos museus tornando-os mais atrativos. Outro ponto relevante para a diversificação do público é o desafio de integrar o museu, a comunidade e todo o entorno. Uma parcela significativa das pessoas que circulam, trabalham ou moram próximas aos museus, nunca tiveram a oportunidade de conhecer o local, o que apresenta a necessidade de uma harmonia maior entre museu e sociedade. Vencer esse desafio passa também por pensar em atividades que levem o museu a um diálogo com a população e se mostre como um resultado do desenvolvimento da sociedade em um determinado aspecto. O processo educacional nos museus passa pela consideração das experiências e das diferenças entre pessoas e grupos sociais, tornando o museu um espaço de mediação que considera a opinião do visitante como parte do processo educativo, ouvindo e articulando com o que foi dito. Esse tipo de atitude é parte fundamental num processo educacional diferenciado e converge com os pilares da educação apresentados pela UNESCO: aprender a conhecer; aprender a fazer aprender a viver juntos e aprender a ser, respeitando as diferenças e trabalhando-as para tornar as

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visitas uma oportunidade de discussão e análise da realidade e apresentando os museus como um espaço propício para isto. Outro aspecto debatido pela professora Manuelina foi a necessidade da articulação entre os educadores de museus, criando uma rede para discussão e ações conjuntas, o que favorece todo o conjunto de equipamentos museais. A criação das Redes de Educadores de Museus (REM) no Brasil favoreceu a diminuição das desigualdades, o reforço da identidade e a construção de uma articulação geral entre os parceiros. Tal concepção favorece a estruturação de planos e programas que visem ampliar as ações dos museus em determinados estados, além de contribuir para um diagnóstico da realidade individual e coletiva destes espaços. A experiência apresentada foi da Rede de Educadores de Museus em Goiás e no Ceará, onde a criação desses fóruns favoreceu consideravelmente um diagnóstico mais elaborado do movimento de museus nestes estados, apontou os problemas de cada um e criou a possibilidade de discuti-los e de preparar ações que visassem mitigar esses problemas. No período da tarde, foram debatidas questões em torno da relação MuseuEscola a partir de eixos temáticos. O eixo 1, “O museu como espaço pedagógico”, contou com a participação de Severino Ribeiro da Silva (Museu de História Natural Louis Jacques Brunet do Ginásio Pernambucano), Maria Amélia Carneiro Campelo (Museu do Barro de Caruaru) e Edna Maria da Silva (Museu do Homem do Nordeste). Foi apresentado o histórico do Ginásio Pernambucano, colégio que tem seu prédio tombado em nível estadual, bem como foram abordadas as ações educativas que ocorrem no Museu com os alunos do Ginásio Pernambucano da Rua da Aurora através de projetos e clubes: JAP (Jovens em Apoio ao Patrimônio), cinema e numismática. Como resultado do trabalho de Educação Patrimonial que vem sendo desenvolvido pelo museu e pelos professores da instituição, foi realizada a I Semana do Patrimônio Cultural do colégio, inspirada no evento que vem sendo realizado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE) e pela Secretaria de Cultura do Estado. O Museu do Barro de Caruaru, por sua vez, vem realizando diversas ações educativas no Alto do Moura em parceria com as escolas do lugar, onde as oficinas buscam resgatar elementos culturais, como a festa de São João, relacionando às noções de identidade e pertencimento, além de contribuir para desmistificar preconceitos de ordem religiosa. Inclusive, essas oficinas resultaram na construção de várias peças, desenhos, pinturas e esculturas em barro por estudantes das escolas do entorno e apresentadas no espaço do museu, que vem desenvolvendo ações sistemáticas de

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Educação Patrimonial. Também foram debatidas as insatisfações por parte da equipe do educativo do museu quando os alunos chegam ao espaço sem tempo suficiente de vivenciar ou devido a uma falta de preparo prévio para a visita. Em relação ao Museu do Homem do Nordeste, além da apresentação do histórico do museu, da Fundação Joaquim Nabuco e das exposições, foi abordada a questão do papel do Museu e o que pode ser feito para estreitar os laços entre a rede de ensino do Estado e dos municípios. Temáticas atuais e complexas como a questão da invisibilidade negra que originou uma exposição fotográfica na galeria Massangana, tem promovido ricos debates com os professores e escolares que visitam o espaço. Há, inclusive, um projeto em desenvolvimento voltado especificamente para alunos da Educação de Jovens e Adultos com o objetivo de aproximá-los e despertar neles maior interesse sobre o espaço museal e seu acervo.

Fig 3: Eixo O museu como espaço pedagógico” Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

No segundo eixo, “O museu e sua natureza simbólica”, foi possível perceber o quanto estes equipamentos podem contribuir para o diálogo da sociedade com as diversas manifestações culturais, contribuindo para a desconstrução de preconceitos e com a ampliação do conhecimento acerca de novas expressões artísticas e culturais. Na oportunidade, tivemos como convidados para o debate, os representantes do Museu de Arte Sacra de Pernambuco, Iron Mendes e Maíra Silveira; o Diretor de Comunicação da Federação Israelita em Pernambuco, entidade responsável pela Sinagoga Kahal Zur Israel, Jader Tachlitsky e a coordenadora do educativo do Museu da Abolição, Fabiana Sales. Os debatedores buscaram apresentar uma percepção diferente sobre o que se pode esperar das culturas católica, judaica e afro-brasileira. No que se refere às atividades realizadas no Museu da Abolição - MAB, foi possível notar que para além de um espaço de apresentação da cultura negra no Brasil e de oferecer contribuição pedagógica, o museu pode ser um importante

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espaço de resistência e afirmação da cultura afro-brasileira. A discussão também abordou o papel do MAB enquanto instrumento de desconstrução de algumas visões equivocadas sobre a contribuição dos negros na cultura brasileira, da identificação da população negra enquanto tal e o estímulo ao pertencimento a estas manifestações do ponto de vista artístico, cultural e social. O debate sobre o caminho entre ser negro e se reconhecer enquanto negro, especialmente na infância e na juventude, foi um momento de muita reflexão sobre a importância deste museu para as pessoas que o visitam e o quanto este contato pode mexer com o imaginário até então estabelecido. O papel da Sinagoga Kahal Zur Israel, primeira das Américas, fruto do período holandês em Pernambuco, mostrou-se de grande importância não só para a comunidade judaica no estado, mas também para a população em geral. Este importante espaço se une a outros equipamentos pedagógicos, religiosos e festividades dos judeus para manter a tradição e buscar a proliferação do pensamento e das práticas judaicas. O desconhecimento sobre o judaísmo e sua contribuição para a cultura Pernambucana pode ser enfrentado a partir do trabalho realizado pela comunidade israelita, e a Sinagoga, não só enquanto museu, mas como espaço histórico vivo que relata a presença dos judeus em Pernambuco, contribuindo para esses ensinamentos. Apesar de sua localização privilegiada, no Recife Antigo e próximo a diversos equipamentos culturais, a Sinagoga ainda precisa ser um espaço mais visitado para a difusão não só da cultura, mas do modo de vida dos judeus desde o século XVII até os dias atuais. A apresentação sobre o Museu de Arte Sacra de Pernambuco – MASPE abordou dois pontos importantes. O primeiro trata da história do acervo e do imóvel, além do papel do museu para a difusão da cultura católica cristã em Pernambuco. O segundo ponto apresentou quais as atividades realizadas pelo MASPE e como são pensadas as visitas mediadas no local, além do número de pessoas que frequentam o espaço e como essas atividades são feitas visando públicos específicos a partir do segmento e da faixa etária.

Fig 4: Jader Tachlitsky - Diretor de Comunicação da Federação Israelita em Pernambuco Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

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Apesar de trazer realidades diferentes, o referido eixo contribuiu para a desmistificação acerca de alguns temas relevantes e tratou de apresentar o museu de outra forma, numa condição de estrutura viva, fruto da história de diversas partes da sociedade e suas relações com todos os que visitam esses espaços. No eixo 3, “O museu como difusor do conhecimento”, foi uma oportunidade para os participantes dialogarem sobre o papel dos museus como espaços de inúmeras possibilidades capazes de contribuírem no processo educativo, tanto como fontes de conhecimento, e também como proporcionadores de experiências estimulantes e capazes de despertar nos alunos novos olhares. Na sua explanação, Antônio Carlos Pavão afirmou que o museu pode ser entendido como uma casa de passagem, ou seja, não deve exercer o papel dos professores em sala de aula e sim funcionar como um instrumento que aguce a curiosidade dos alunos. Um elemento fundamental para que os museus possam contribuir no processo educativo, auxiliando no trabalho do professor, relaciona-se diretamente com sua equipe. É fundamental um investimento na preparação daqueles que irão atender o público (professores, alunos ou apenas visitantes) para que possam entender as diferentes funções dos espaços museais, podendo atuar em um processo de mediação que aumente o interesse dos visitantes. Certamente, a responsabilidade neste processo não recai apenas sobre as instituições museais. É preciso que os professores compreendam como os museus podem contribuir na sua prática, mas é através de sua intervenção que a experiência da visita ao museu atingirá sua ação pedagógica. O eixo 4, “O museu e suas representações de tempo e espaço”, contou com a presença dos palestrantes Nicole Costa (Paço do Frevo); Sandro Vasconcelos (Museu da Cidade do Recife); Cristiana Lima e André Luís Soares (Museu do Estado de Pernambuco). Os palestrantes dialogaram sobre o que os professores poderiam encontrar nos acervos (exposições, eventos culturais, publicações, etc.) dos respectivos museus que representavam. A história do Paço do Frevo foi contada desde sua origem e apresentada a curadoria realizada por Bia Lessa. Uma das questões que gerou debate foi a acessibilidade dentro do museu, especialmente de como deve ser feita integração de deficientes auditivos e visuais, de crianças, idosos, tornando o museu um lugar de satisfação para todos os públicos. Outra questão foi como estimular o público que desconhece o museu, como tornar a experiência durável e permanente, como promover empatia através do Frevo e como agregar músicas e passistas que não foram atingidos.

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Nesse eixo, foram apresentados também os aspectos históricos, culturais e sociais presentes no acervo do Museu do Estado de Pernambuco. Os participantes dialogaram sobre como atrair as pessoas para uma história local e tradicional do Estado, especialmente os estudantes da Educação Básica, ao refletir sobre questões da identidade e do pertencimento. Foram apresentados e explicados os temas presentes na exposição como: território, arqueologia e etnografia, açúcar, coleção afro-brasileira, cultura popular. Foram abordadas ainda a historiografia e a cronologia do Museu da Cidade do Recife e como o museu se tornou no que hoje conhecemos, além das exposições que já abrigou e ainda abriga. Embora o prédio onde está localizado seja carente de acessibilidade, o que torna limitado alguns acessos para quem precisa de cuidados diferenciados, a instituição tem se destacado por visar a importância e o desenvolvimento das exposições do Recife, realizando ações educativas contínuas e sistemáticas junto às escolas. No debate, foi dialogado sobre a possibilidade de se levar o museu até as escolas, diante da dificuldade de locomoção dos alunos por conta dos custos. Diante disso, apontou-se a alternativa dos museus organizarem visitas nas escolas, fazendo apresentações semelhantes às do próprio Seminário com slides e vídeos mostrando os seus acervos, uma vez que seria praticamente inviável deslocar parte dos acervos até às escolas. Nesse sentido, foi observada a necessidade de estimular uma maior aproximação entre educandos e espaços museais. Após os debates nos eixos temáticos, o encerramento do Seminário contou com a apresentação da Banda XV de Novembro de Gravatá (Patrimônio Vivo de Pernambuco) no hall da Faculdade de Direito do Recife.

Fig 5 e fig 6: Banda XV de Novembro de Gravatá (Patrimônio Vivo de Pernambuco) Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

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Fig 7: Banda XV de Novembro de Gravatá (Patrimônio Vivo de Pernambuco) Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

CONSIDERAÇÕES FINAIS Tanto educadores de museus como professores concordam que museus e escolas são espaços sociais que possuem histórias, linguagens, propostas educativas e pedagógicas próprias. São, portanto, espaços que se relacionam e se interpenetram. Podemos dizer que ambos contribuem significativamente para uma formação integral do ser humano. Para entendermos os ganhos (sejam afetivos ou de aprendizagem) da visita de escolares ao museu precisamos conhecer como se dá o processo na prática. De acordo com Almeida (1997), a educação em museus objetiva a preservação do patrimônio cultural e natural, através da participação crítica de toda a população. Entende que a ação educativa é parte integrante dos processos de comunicação museológica e por isso deve ser coerente com o discurso expositivo. No currículo escolar, também encontramos o mesmo objetivo (expresso mais efetivamente nos Parâmetros Curriculares e em especial nos Temas Transversais) de desenvolver uma educação voltada para a preservação e salvaguarda dos nossos bens culturais. Este enfoque não se dá simplesmente por um desejo de guardar a memória cultural, mas, sobretudo a partir do entendimento que é através do Patrimônio Cultural que a sociedade constrói para si uma identidade e permite aos seus membros usufruírem e exercitarem a cidadania em todas as possibilidades e potencialidades. Assim, as relações entre instituições de ensino formal, como a

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escola, e de ensino não formal, como os museus, podem ser muito proveitosas, caso seus profissionais de educação (professores e educadores de museus) estabeleçam canais de comunicação para troca de programas de ação educativa. Entre os resultados esperados, quando da preparação do II Seminário de Educação Patrimonial, estavam a contribuição para a formação dos professores, enquanto multiplicadores, no processo de buscar refletir com seus alunos sobre Patrimônio Cultural, bem como sobre a importância de atrelar a visitação aos museus com o conteúdo abordado, incentivando ainda o hábito de frequentar estes locais por parte dos alunos. Em outras palavras, auxiliar no diálogo de novas perspectivas para o trabalho dos professores a partir das visitas aos museus. Acreditamos que tivemos êxito em nossa empreitada e que, apesar dos grandes desafios e dificuldades existentes no trabalho pedagógico (seja no contexto formal ou não formal), pudemos dar uma parcela de contribuição no sentido de ampliar as possibilidades de atuação do professor e do educador de museus em seus respectivos espaços de atuação, além de ajudar na aproximação de ambos para dialogar. Nessa caminhada, acreditamos, que nossos alunos em particular e a Educação numa perspectiva mais ampla têm muito a ganhar.

Fig 7: Parte da Comissão Organizadora da X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Foto: Jan Ribeiro, 2017 – Fundarpe/Secult

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ARTIGOS ACADÊMICOS

MUSEU DO TREM: AÇÕES E PERSPECTIVAS NA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO André Luiz Rocha Cardoso1

RESUMO O presente artigo foi desenvolvido a partir de apresentação no eixo temático “O museu como difusor do conhecimento” do II Seminário de Educação Patrimonial de Pernambuco, realizado durante a X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco na faculdade de Direito do Recife e tem por finalidade trazer reflexões acerca das práticas propostas pelo Museu do Trem/ Estação Central Capiba na difusão do conhecimento, suas perspectivas e a relação do espaço com seu público. Abordando a relação museu – escola pretende-se discorrer um pouco sobre como a mesma é trabalhada neste espaço e quais possibilidades para que essa relação possa ser aprimorada. Palavras-chave: Conhecimento. Educação. Museu.

INTRODUÇÃO O museu, antes de mais nada, define-se como um espaço de difusão de conhecimentos, seja pelo que traz em seu acervo, como o mesmo é disposto, pelas linguagens que utiliza no diálogo com seu público ou até pela sua localização geográfica, podendo definir-se como local de educação não-formal, sendo esta definida como atividade sistematizada com finalidade educativa desprendida em sua realização do sistema formal de educação (MARANDINO, 2008). Nessa instituição (o museu) que ao longo de séculos tem passado por transformações diretamente ligadas à sua forma e função social, todos os seus elementos de alguma forma transmitem conhecimento e esse aspecto é fundamental para definir sua identidade. Iremos nos ater ao longo desse trabalho a este aspecto tendo como objeto de análise as práticas e as perspectivas do Museu do Trem, que hoje se configura como um dos principais equipamentos culturais de Recife, algo que está diretamente relacionado à sua localização e temática sendo

1 Graduando em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco e Coordenador do Educativo do Museu do Trem/ Estação Central Capiba.

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um espaço que tem uma relação diferenciada com um público bastante diverso. Além de ser voltado à preservação da memória do transporte ferroviário em Pernambuco sua missão vem ao longo de cada dia se demonstrando mais abrangente no sentido de promover a educação patrimonial. Veremos nas próximas linhas algumas possibilidades que apontam para isso, bem como as ações desenvolvidas pelo espaço e sua relação com as instituições de ensino que o visitam.

CONHECIMENTO NOS TRILHOS Pela sua representatividade e imponência, a Estação Central, casa do Museu do Trem, é por si só um rico difusor de conhecimento. Por meio de seus traços arquitetônicos e pelas memórias às quais está ligado o local tem forte relação afetiva com a população recifense. Representa sem dúvidas um marco para a história dos transportes em Pernambuco. Mas antes de falar como o Museu do Trem funciona enquanto difusor do conhecimento é importante refletir sobre sua relevância para a sociedade. Seu surgimento se dá num momento em que o transporte ferroviário tinha seu declínio aos poucos sendo acelerado por fatores dentre os quais se destacam a crescente concorrência ofertada pelo transporte rodoviário, acentuada pela carência de investimentos no transporte sobre trilhos. A iniciativa de criar um espaço de memória com a finalidade de narrar uma versão oficial da história das estradas de ferro em Pernambuco resguardando em seu acervo peças que compuseram o universo da ferrovia no Nordeste provenientes de vários espaços como as estações ferroviárias, as oficinas e escritórios, além dos próprios veículos ferroviários, culminou na organização da primeira versão do Museu do Trem ainda em 1972. A função de museu e estação ferroviária conviveram até 1983 e nesse período, além dos que se dirigiam especificamente para o museu, os passageiros das composições que movimentavam as plataformas da Central entre um embarque e outro podiam conhecer o espaço e ver o trem de outra forma, a partir de suas memórias e tinham a partir daí contato com a história do transporte ferroviário no estado. Essa proposta de centro de preservação da memória ferroviária ainda norteia o espaço e sua atual exposição de longa duração “Chegadas e partidas: A memória do trem em Pernambuco” aberta em 2014. Buscando resguardar essa memória o museu traz ao longo de sua exposição uma série de informações sobre como se organizou e qual o atual panorama de nosso sistema ferroviário, bem como as transformações promovidas em Pernambuco a partir dos trilhos, proporcionando ao visitante um conhecimento mais geral do que foi e o que representou o advento da ferrovia no estado.

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Podemos tentar definir a importância do Museu do Trem a partir da função à qual se propõe: Promover a preservação do patrimônio histórico ferroviário por meio da educação patrimonial, utilizando-se das memórias relativas às estradas de ferro em nosso estado. Para além de mostrar “como foi”, o museu se propõe a mostrar o hoje do patrimônio ferroviário e como poderia ser utilizado. Ao longo do percurso proposto na exposição de longa duração, abordando o contexto em que se desenrola processo de modernização dos meios de produção que decorreu na implantação de estradas de ferro por diversas regiões do Império, o Museu fala da construção das primeiras ferrovias, os equipamentos empregados, a mão de obra, as regiões servidas pelos trilhos e o que norteou as pioneiras vias férreas pernambucanas que mais tarde viriam a se transformar em troncos ferroviários ligando Recife a outras regiões de Pernambuco e a outros estados do Nordeste. Trata-se das transformações entre as tecnologias empregadas na construção e operação ferroviária destacando também ao longo do percurso expositivo as transformações nos meios de comunicação, vitalmente necessários ao funcionamento da ferrovia e que reverberaram diretamente na sociedade. O impacto social e cultural dos trilhos é introduzido ao longo da exposição, o que permite ao visitante ter uma ideia da magnitude dos efeitos provocados pela revolução nos meios de transportes representada em essência pelas estradas de ferro. Ao longo de todo o percurso o acervo recebe o devido destaque trazendo muitas informações que de acordo com o objetivo da visita pode proporcionar aos visitantes diferentes reflexões sobre o conteúdo. Diante das maiores e mais apreciadas peças do acervo, as locomotivas, é comum surgirem perguntas dos visitantes sobre a possibilidade de funcionamento de uma destas “gigantes de aço”. Abre-se espaço então para trabalhar a educação patrimonial, falar do porque das mesmas estarem paradas, qual sua atual função e a importância de serem preservadas. A exposição é dividida por assuntos e espaços que formam o conjunto da ferrovia e as peças estão dispostas num diálogo com cada uma dessas temáticas o que evidencia o objetivo do museu, mas que não pretende com isso isolar os conceitos e tampouco cada objeto negando sua relação uns com os outros, mas busca trazer uma organização construtiva e que viabilize uma compreensão acerca do transporte ferroviário como algo bem mais amplo em suas relações com a sociedade. Como exemplo, podem ser citados dois espaços do Museu, um no início do percurso denominado “arquitetura do ferro” e outro no pavimento superior, denominado “estações”. O primeiro fala da construção da Estação Central e de seus referenciais arquitetônicos, com destaque para o elemento do ferro, largamente empregado no século XIX na estrutura e ornamentação de edificações. Nesta sala faz-se uma relação com construções recifenses da mesma época e que carregam característica

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semelhante como o Mercado de São José e a Faculdade de Direito do Recife trazendo peças como brasões do Império e fragmentos de grades que ilustram esse contexto e que fizeram parte de estações ferroviárias, como a própria Central. O segundo é dedicado ao ambiente da estação ferroviária, um dos principais elementos da ferrovia e um dos que mais chama atenção por sua presença marcante em diversos municípios pernambucanos. Neste espaço apresentam-se carimbadores, relógios, balanças, carros de bagagem, placas e o mobiliário relacionado ao espaço do embarque e desembarque, das “chegadas e partidas”. Cada peça deixa a função para a qual foi construída e passa a ser documento, falando de um determinado contexto histórico, sendo então uma representação carregada de informações, dados os questionamentos e definições que lhe sejam atribuídas (NASCIMENTO, 1998). O visitante do Museu do Trem, além de conhecer a história por trás do acervo, reconhece sua importância e em muitos casos contribui para a renovação do mesmo com a doação de peças dentre as quais muitas imagens e documentos pessoais, miniaturas e bibliografia que se relacionam com a história da ferrovia. O visitante passa a contribuir não só com o enriquecimento do acervo, mas com a preservação da memória ferroviária garantindo que sua doação possa servir então como documento para o conhecimento de outros.

AÇÕES EDUCATIVAS E FERRAMENTAS Trabalhar com a sociedade o pertencimento ao processo histórico é o que possibilita a criação de uma consciência que valorize os aspectos culturais e permite ao sujeito entender o porquê da importância de se preservar o patrimônio material e imaterial e que é importante sua participação para que isso possa ocorrer com êxito. É o conhecer para preservar, mas antes o preservar para conhecer. As mediações no Museu do Trem são realizadas dentro de um esforço conjunto em adequar o discurso à realidade de cada grupo visitante justamente para buscar essa aproximação por meio de reflexões com questões que fazem parte do cotidiano de cada um, tornando possível a difusão dos conhecimentos propostos. A utilização de jogos didáticos tem sido algo bastante positivo, pois quebra a tensão do “espaço sagrado” em que o estudante se sente engessado e intimidado. Além desta preciosa ferramenta, o museu tem lançado mão de outras linguagens para trabalhar temas ligados ou não à ferrovia, como o cinema, utilizado já na Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco de 2016 quando se deu a exibição do curta-metragem “Painho e o Trem” (Direção: Mery Lemos) o qual traz a temática da ferrovia a partir da perspectiva de um ex-funcionário da RFFSA e a narração de suas memórias da estrada

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de ferro. Na edição deste ano da Semana, foi trabalhado o curta alemão “Endstation” que possibilitou reflexões a respeito da destinação do patrimônio ferroviário. O teatro foi uma novidade trazida para o Museu na X Semana do Patrimônio quando crianças puderam assistir a uma peça de mamulengos encenada no espaço que com um simples, mas rico enredo de educação patrimonial trouxe muitas risadas e aprendizado. Em seguida o jovem público, a partir de material reciclado, pode preparar e levar para casa seus próprios fantoches. Vale ressaltar outra ação desenvolvida no Museu do Trem durante a X Semana do Patrimônio e que desmistificou para muitos a regra do “não toque nas peças”. Foi o Workshop “Conservação, preservação e curadoria: nuances da educação patrimonial em acervos museológicos”. Com duas edições para públicos de faixas etárias diferentes entre os 13 e 24 anos, foi trabalhada a importância da conservação e como esse processo é realizado no Museu do Trem até a exposição da peça. Os participantes além de receberem a orientação teórica puderam por a mão na massa e participar da higienização de algumas peças da reserva técnica.

O MUSEU E A ESCOLA O público escolar ainda corresponde a uma parcela menor dentre os visitantes do Museu do Trem. Não que sejam poucas as instituições de ensino regular que visitam o espaço, mas o público espontâneo ainda equivale a mais da metade do número geral de visitantes. Com isso, podemos concluir que o Museu do Trem vem modificando algo que é comum para boa parte dos espaços culturais onde o que os movimenta é essencialmente as turmas de escolas. No entanto, o museu tem buscado aproximarse ainda mais da comunidade escolar, tentando ampliar sua divulgação entre as instituições de ensino regular. Sabemos, naturalmente, que há certa dificuldade para muitas destas em trazer seus alunos, principalmente para as escolas que não dispõem de recursos específicos para excursões e em boa parte dos casos precisam os próprios alunos arcar com o custeio do transporte. Ou então há o problema da pesada carga horária de alguns profissionais do ensino, o que acaba dificultando-lhes pausar as aulas e levar os alunos para conhecerem um museu. Uma das formas adotadas pelo museu no sentido de aproximar-se da escola tem sido a consulta prévia à instituição do que motiva sua visita ao espaço. Numa situação ideal, o solicitante da visita deveria antes de proceder com o agendamento fazer uma visita ao espaço, apropriar-se minimamente do conteúdo e daí preparar a/ as turma/as para a visita ao museu e daí então definir como se utilizará desse recurso,

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se pretende levar os alunos para quebrar a rotina, motivá-los por meio de uma aula diferente ou apenas complementar o currículo escola, com o famoso “ver na prática”. Independentemente de qual seja o motivo da visita, a experiência será quase com toda certeza em todos os casos algo diferente, algo novo mesmo para os alunos que já tenham conhecido o espaço numa visita espontânea, muito mais do que uma extensão da sala de aula (ALMEIDA, 1997). Embora os conteúdos trabalhados no museu em sua maioria se voltem para as ciências humanas, principalmente a História, a Geografia e a Sociologia como as transformações nos meios de deslocamento, a revolução dos transportes no século XIX, contextos sociopolíticos e influências dessas transformações (formação e deformação de núcleos de povoação, modificações no mundo do trabalho, mudanças nas noções de tempo e espaço), revolução industrial e seus desdobramentos no Brasil, Brasil Império, atualidade e a mobilidade urbana e o sistema de transportes no estado de Pernambuco, é totalmente possível a um professor das ciências exatas ou de línguas levar seus alunos para participar de uma mediação no Museu do Trem, ou até mesmo o próprio professor realizar uma aula no espaço utilizando-se como recursos dos elementos da própria exposição de longa duração. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante ressaltar nossas perspectivas para que o Museu do Trem possa ampliar ainda mais seu alcance nesta sua missão de difusor do conhecimento. Sabese que o acesso à informação hoje é algo que foi extremamente facilitado pela multiplicação dos meios de comunicação, o que decorre num bombardeamento quase que contínuo de novas atualizações. Porém, tudo isso que é difundido precisa ser filtrado pelo que realmente importa. O museu nem sempre pode concorrer com esses outros mecanismos, no entanto é um lugar que traz informações sistematizadas, contribui para a formação do senso crítico e promove a cultura. Para atrair o público é necessário se reinventar, tornar-se interativo, mostrar-se como opção também diante de outras possibilidades de lazer. Pode e deve ser esse um espaço atrativo que provoque e motive a aprendizagem. Essa missão cabe a quem faz o espaço, funcionários e visitantes. Com relação ao Museu do Trem, sua temática e acervo possuem uma força considerável para atrair o público, no entanto ainda esbarra na sua divulgação, o que vem sendo aos poucos contornado. Mas é fato que quem conhece o espaço acaba retornando e trazendo outros visitantes. Logo, é necessário estabelecer novos

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diálogos com seu público espontâneo, fomentando questionamentos e reflexões sobre o processo histórico de formação de nossos sistemas de transportes com vistas para o presente. Nesse sentido pretende-se também reforçar a aproximação com instituições de ensino regular e buscar desenvolver ações contínuas de educação patrimonial, um dos objetivos do espaço pelo qual se tem trabalhado dentro das suas possibilidades. É necessário transpor limites e isto se mostra possível a cada nova ação, a cada novo visitante.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Adriana Mortara. Desafios da relação museu-escola. In: Revista Comunicação & Educação, p. 50 – 56. São Paulo, 1997. COELHO, Érica Andreza Coelho. A relação entre museu e escola. Relatório de estágio. Lorena: UNISAL, 2009. CÔRTES, Eduardo. Da Great Western ao Metrô do Recife. Recife: Persona, 2003. MARANDINO, Martha. Educação em museus: A mediação em foco. São Paulo: FEUSP, 2008. NASCIMENTO, Rosana. O objeto museal, sua historicidade: implicações na ação documental e na dimensão pedagógica do museu. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 1998. SANTOS, Maria Célia T. Moura. Museu e educação: Conceitos e métodos. Simpósio Internacional “Museu e Educação: Conceitos e métodos” (20 a 25 de Agosto). São Paulo: USP, 2001.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

ESTUDO DOS CASARÕES DO ENTORNO DA PRAÇA EUCLIDES DA CUNHA, RECIFE/PE Carla Katyany Azevedo Lucena de Almeida1 RESUMO A Rua Benfica, no bairro da Madalena, é marcada pela presença de vários casarões e palacetes construídos aos moldes da arquitetura clássica do século XIX, os quais estão distribuídos no entorno da Praça Euclides da Cunha. As transformações urbanísticas na região e a ausência de uma maior proteção desse patrimônio por parte do poder público acarretam na falta de preservação desse conjunto arquitetônico, de reconhecido valor histórico-cultural. O presente estudo objetivou elaborar uma cartilha cultural que concedesse uma maior visibilidade e valorização a esses imóveis, estimulando na sociedade uma consciência para a sua preservação. A coleta de dados, realizada entre agosto de 2016 e abril de 2017, consistiu de visitas aos casarões, entrevistas e consulta a acervos públicos e privados. No geral, os resultados ratificaram a falta de uma maior preservação desses imóveis, que receberam diversas intervenções ao longo do tempo, bem como a sua relevância histórico-cultural. A cartilha gerada contém textos e registros fotográficos referentes aos principais casarões da região, apresentando informações históricas e elementos de sua arquitetura, além de um roteiro cultural que indica um trajeto a ser percorrido. Palavras-chave: Preservação. Cartilha cultural. Patrimônio. Arquitetura clássica. INTRODUÇÃO Recife, cidade marcada por sua importância histórica e cultural, é também conhecida pelos notáveis elementos arquitetônicos presentes em seu território, a exemplo de praças, inclusive algumas projetadas por Burle Marx, de palacetes espalhados pelo município e de casarões encontrados principalmente nos bairros do Recife Antigo, Casa Forte, Graças, Derby e Madalena. 1 Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Ciências Humanas Esuda, atualmente trabalha profissionalmente na área de segurança e saúde no trabalho no Senac/PE. Interessa-se pela área de história das artes e patrimônio histórico arquitetônico e se tem a pretensão de, num futuro próximo, aprofundar os estudos através de mestrados sobre o tema.

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Neste último bairro é possível notar a existência, especialmente na Rua Benfica, de casarões e palacetes Neoclássicos do século XIX, como é o caso do Clube Internacional do Recife e dos prédios que hoje possuem funcionalidade diversa, como a casa de eventos Blue Angel Recepções, o Colégio GGE, a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco – Facepe (antiga Escola de Belas Artes de Pernambuco) e o Batalhão Militar Mathias de Albuquerque. Esses edifícios estão localizados no entorno da Praça Euclides da Cunha, que, de acordo com Pessoa e Carneiro (2003), foi projetada por Burle Marx e data de 1934 – cujo nome foi atribuído em homenagem ao autor do livro Os Sertões, obra admirada pelo paisagista –, contendo vegetação da caatinga, típica do sertão nordestino. Esse ponto foi escolhido por Burle Marx, conforme Silva (2016), após convite do então governador de Pernambuco, que tinha o objetivo de reformular e embelezar os jardins do Recife, pois fazia parte de uma das poucas regiões da cidade onde não havia praças, mas apenas um largo (Largo do Viveiro), o qual foi remodelado. O mesmo autor ainda afirma que, a partir de então, as edificações existentes passaram a tentar dialogar com o projeto da praça, o que não foi diferente com o prédio que sediava um dos clubes mais tradicionais do Recife, que deu nome popular ao espaço: Praça do Internacional. A escolha dessa praça do século XX como referência se deu devido a sua relevância na composição da Rua Benfica, detentora de um conjunto arquitetônico clássico que acaba “emoldurando” a paisagem desse espaço público com seus edifícios do século XIX, esses sim o verdadeiro foco da pesquisa. Em relação às características dos prédios do perímetro analisado, de acordo com Alves (2015), esses casarões apresentam em suas fachadas uma configuração simétrica, típica da arquitetura Neoclássica que surgiu com o loteamento das terras do Engenho da Madalena a partir de 1850, além de possuírem portões de ferro e quintais generosos. A Rua Benfica pertence, de acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife – LUOS (Lei Municipal nº 16.176/1996), ao Setor de Preservação Rigorosa do Sítio Histórico da Benfica, muito embora careça de uma maior quantidade de ações que ofereçam visibilidade ao seu conjunto de patrimônios e a sua consequente valorização. De acordo com o Plano Diretor da Cidade do Recife (Lei Municipal nº 17.511/2008), esse setor é composto por sítios, ruínas, conjuntos ou edifícios isolados de expressão artística, cultural, histórica, arqueológica ou paisagística, os quais são tidos como relevantes na memória arquitetônica, paisagística e urbanística da cidade e que, por este motivo, é regido por legislação específica.

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No que diz respeito a esses imóveis, Pereira e Amorim (2008) explicam que a escolha para compor a lista de exemplares protegidos é realizada objetivando preservar aqueles de referência artística e cultural para o bairro e a comunidade no qual estão localizados, inclusive havendo indicação da população, cujo caráter simbólico se sobrepõe ao arquitetônico. Percebe-se que, desses imóveis, aqueles que atualmente são ocupados com o objetivo de ofertar serviços, sejam públicos (batalhão militar, centro cultural) ou privados (instituição de ensino, clínica médica), possuem fachadas conservadas, com características originais da arquitetura Neoclássica Colonial, diferentemente do seu interior, que ao longo do tempo recebeu intervenções, as quais alteraram, de forma parcial/total, as configurações inicialmente executadas. Assim, como quase não são promovidas ações de valorização histórico-cultural da arquitetura da região, a exemplo de parte do projeto Olha! Recife2, da Secretaria de Turismo e Lazer do Recife, observa-se uma carência em relação à divulgação dessa “riqueza” presente no Bairro da Madalena, especialmente na Rua Benfica, inclusive com a participação dos moradores em sua elaboração e execução. Desta forma, o presente estudo tem o intuito de promover um maior destaque aos casarões do século XIX do Bairro da Madalena por meio de uma cartilha cultural, onde são apresentadas as suas notáveis características históricas e arquitetônicas, tentando proporcionar a sensibilização da população, tanto da região quanto de toda a cidade, bem como um sentimento de pertencimento desse patrimônio aos moradores. O documento gerado também pode ser considerado uma forma de Educação Patrimonial, pois visa desenvolver uma consciência em relação à compreensão do bem cultural e, consequentemente, a sua valorização diante da sociedade. Essa intenção advém da necessidade do respeito às leis e ao patrimônio histórico, que se torna cada vez mais urgente face ao acelerado e “agressivo” conjunto de intervenções que sofre a cidade do Recife, sobretudo nas últimas décadas, motivo de relevantes estudos e reflexões sobre o tema. A Rua Benfica, no Bairro da Madalena, é um exemplar dessa transformação, uma vez que é margeada por edifícios que apresentam arquitetura inspirada no estilo clássico europeu, possuindo valor histórico e rememorativo para a sociedade, porém, muitos ainda não tombados e, por isso, sem um reconhecimento oficial por parte dos 2 De acordo com a Prefeitura Municipal do Recife (2016), o Olha! Recife é um projeto da Secretaria de Turismo e Lazer do Recife que promove passeios (à pé, de bicicleta ou de ônibus), para moradores da cidade e para turistas, por pontos da capital pernambucana de relevância histórica e cultural, o objetivo é promover o desenvolvimento e a valoração dessas áreas por parte da sociedade local, principalmente.

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órgãos competentes, tampouco o conhecimento por parte dos moradores da região, pela carência de ações que lhes concedam um maior destaque. Esse conjunto arquitetônico explorado é composto por quinze edifícios, sendo três deles tombados por órgão federal (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN), cinco enquadrados como Imóveis Especiais de Preservação (IEP), sob jurisdição municipal, e apenas um tombado pelo órgão estadual (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe), porém, ainda assim, esses patrimônios não possuem visibilidade perante a sociedade, assim como se observa a falta de conservação e manutenção de alguns desses bens. Desta forma, fica clara a relevância dessa pesquisa, ao elaborar uma cartilha onde são apresentadas as características arquitetônicas dos casarões da Rua Benfica, revelando o contexto histórico de seu surgimento até o uso desses edifícios atualmente e sua representatividade para os moradores, não apenas do Bairro da Madalena, mas também para toda a cidade. Assim, o produto gerado ao fim desse trabalho – uma cartilha cultural sobre os imóveis construídos ao longo do século XIX na região – trata-se do objetivo geral do presente estudo que visa conceder uma maior visibilidade a esse conjunto arquitetônico, ressaltando os seus principais elementos. Para alcançar tal finalidade, têm-se que os objetivos específicos dessa pesquisa foram: mapear os casarões do entorno da Praça Euclides da Cunha e apresentá-los; identificar os elementos de relevância arquitetônica que busquem ratificar essa importância histórica e cultural; conceder maior visibilidade aos casarões do local e realizar entrevistas com os moradores do bairro e com profissional proficiente no assunto. Esses objetivos foram desenvolvidos a partir das etapas metodológicas, que serviram de base para a coleta de dados, da pesquisa bibliográfica, do estudo de caso e das entrevistas com o historiador e arquiteto José Luiz Mota Menezes e com os atuais proprietários dos imóveis que são objeto do trabalho. A coleta de dados constitui-se em pesquisa de campo realizada nos edifícios históricos situados no entorno da Praça Euclides da Cunha, com o objetivo de obter informações qualitativas a respeito desses imóveis, além de consulta a acervos de órgãos no âmbito municipal, estadual e federal responsáveis por ações de preservação desse patrimônio histórico. Já a pesquisa bibliográfica foi formada por leituras de livros, artigos acadêmicos, matérias jornalísticas, revistas e portais na internet de instituições que são referência no assunto aqui abordado. Além disso, ainda foram utilizados os dados coletados na entrevista com profissional especialista no assunto, a exemplo do arquiteto mencionado.

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Em seguida, todos esses dados foram selecionados permitindo a realização do estudo de caso dos edifícios apresentados e sua posterior análise, identificando sua importância histórica e cultural para a área objeto da pesquisa, bem como para o município. Por último, foi desenvolvida a cartilha cultural contendo um breve histórico do local, as características desse conjunto de edifícios, as imagens e/ou fotos dos casarões e a apresentação do mapa que sugere um roteiro turístico que inicia no casarão de nº 715 (Associação do Ministério Público de Pernambuco) e termina no de nº 412, atualmente sem ocupação. PANORAMA DA ARQUITETURA DO SÉCULO XIX NO BRASIL A arquitetura do século XIX no Brasil foi marcada principalmente por dois estilos: o Neoclássico e o Eclético, este último conhecido por mesclar várias características diferentes advindas do Barroco, do Renascimento, bem como do próprio Neoclássico. Essa composição de elementos extraídos de múltiplas fontes surgiu, conforme Montezuma (2002), a partir de 1808 com a chegada de D. João VI, então rei de Portugal, juntamente com a sua corte, ao Rio de Janeiro, capital que não estava preparada para recepcionar uma quantidade tão grande de nobres, acostumados com hábitos mais requintados de vida e de moradia na Europa, e que, devido a isso, passou a receber diversos edifícios públicos e privados de grande porte, inspirados principalmente no estilo predominante da época, o Neoclássico. Construídas também com o intuito de demonstração de poder, essas edificações tiveram o papel de difundir o neoclassicismo no país, a exemplo dos prédios, ainda conforme o mesmo autor, do Paço de São Cristóvão (Fig 1) e da Real Academia Militar (atual Escola de Engenharia), ambos públicos, além da Casa da Marquesa de Santos e do Palácio Imperial (Fig 2), palácios aos moldes europeus que serviam de residência de veraneio.

Fig 1: Paço de São Cristóvão, atual Museu Nacional Fonte: Portal Casa Rui Barbosa, 2016

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Fig 2: Palácio Imperial, atual Museu Imperial Fonte: Portal Museu Imperial, 2016

Essa modificação no panorama da arquitetura, onde o estilo colonial português passa a ser menos utilizado, foi viabilizada, como afirma Mendes, et al (2011), pela chegada da denominada Missão Francesa: grupo de artistas e estudiosos franceses, da qual participavam Debret, Taunay, os irmãos Ferrez e o arquiteto Grandjean de Montigny, este último, inclusive, responsável por implantar a regularidade do ensino da arquitetura no Brasil. Esses profissionais propuseram diversas mudanças e inovações nas artes brasileiras, notadamente com relação à arquitetura, na qual, segundo Corrêa (2013), passaram a adotar o neoclássico como inspiração em detrimento ao estilo barroco e das casas coloniais, o qual teve Montigny como o principal destaque por tais transformações. Ainda no século XIX, outro estilo que também ganhou destaque foi o Eclético, que, de acordo com Montezuma (2002), tem esse nome devido às várias interpretações de vocábulo formal dos estilos anteriores, sendo uma tentativa de inserção de um “novo” conceito arquitetônico que correspondesse às transformações pelas quais a sociedade mundial passava. Esse tipo de arquitetura também teve total influência europeia e, conforme o mesmo autor, contou com a produção de obras expressivas, no Brasil, como a casa construída em 1847 pelo comerciante inglês Henry Gibson (Fig 3 – esquerda), no Recife, e o Gabinete Português de Leitura (Fig 3 – direita) em 1880, na cidade do Rio de Janeiro.

Fig 3: Exemplares da Arquitetura Eclética no Brasil Fonte: Montezuma, 2002

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A partir disso, as manifestações desse estilo foram perdendo força, ao passo em que no final do século XIX e início do XX o modernismo iria se tornando expressivo no país. Contudo, Mendes, et al (2011) afirma que essas transformações vivenciadas pela arquitetura e pelo urbanismo durante o século XIX marcaram indelevelmente o panorama nacional, o que tornou o território preparado para uma república federativa. NO RECIFE A capital pernambucana foi uma das cidades brasileiras que no século XIX ganhou destaque por apresentar um conjunto arquitetônico clássico expressivo, notadamente com mais vigor em bairros como Casa Forte, Graças, Derby, Espinheiro e Madalena. Assim como em outros centros do país, o estilo arquitetônico da popularmente chamada Veneza brasileira também foi fortemente influenciado pelo modelo europeu. Porém, Sobral Filha (2005) afirma que, especialmente no Recife essa arte foi constituída basicamente pela composição de legado lusitano e da Renascença Italiana, originando o Classicismo Imperial. Essas características deram ao Recife o merecido destaque em relação à arquitetura, levando-a a ser considerada como uma das principais representantes da época, o que afirma Sousa (2000) ao enunciar que o Rio de Janeiro e o Recife, então capital e terceira cidade do Império, respectivamente, foram os principais municípios que contribuíram para o desenvolvimento de tal linguagem, muito mais por parte do segundo do que pelo primeiro, no que se refere à criação estilística e à pureza formal. Tendo como uma das principais construções da época o Teatro Santa Isabel (Fig 4), o qual foi projetado pelo engenheiro francês Louis Léges Vauthier em 1841.

Fig 4: Teatro Santa Isabel Fonte: Montezuma, 2002

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Acerca do florescimento dessa arquitetura e de sua disseminação em solo recifense, Sobral Filha (2005, p.4) afirma que ela: (...) deu-se primordialmente na arquitetura civil, e foi vestido na roupagem deste tal segmento da produção arquitetônica, insuficientemente cultivado nas fases precedentes, que alcançou pela primeira vez no Brasil um nível de qualidade de primeira grandeza.

Nesse período, uma outra corrente ainda predominava na capital pernambucana, o Ecletismo, que: (...) sendo movido pelas três correntes ideológicas: a de composição estilística, baseada na adoção imitativa coerente de formas que no passado pertenceram a um determinado estilo arquitetônico; a do historicismo tipológico, que procurava fazer o elo entre função e estilo associando, por exemplo, o Classicismo, o caráter apropriado às solenes edificações públicas; e a de pastiches compositivos, que inventava soluções estilística historicamente inadmissíveis, muitas vezes beirando o mau gosto (MELO, 2001, p.85-86).

Trata-se de um novo método arquitetônico que começou a ser inserido na paisagem urbana e que, de acordo com Melo (2001), foi adotado por vários bairros da cidade, como Santo Antônio, Boa Vista, Derby, Boa Viagem, Graças, Bairro do Recife, entre outros, tornando-se uma espécie de moda claramente adotada pela burguesia ascendente e pelo Poder Público, além de ser também identificada nos prédios residenciais. É considerado um exemplo dessa arquitetura, conforme Menezes (2016), o conjunto patrimonial do centro da cidade (Fig 5), onde é possível notar a mescla e a composição dos elementos de vários conceitos, aspectos típicos do Ecletismo.

Fig 5: Arquitetura Eclética no centro da cidade do Recife Fonte: Melo, 2015

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Assim, percebe-se que o século XIX teve significativa relevância para o cenário da arquitetura local, o qual, segundo Sousa (2000), recebeu a produção de diversos edifícios de qualidade, dos quais quatro estão entre os melhores representantes desse estilo no país, numa lista de dez, motivo pelo qual, por volta de 1890, o Recife tornouse a mais Classicista de todas as urbes do Brasil. ÁREA DE ESTUDO DESCRIÇÃO DA ÁREA O entorno da Praça Euclides da Cunha, situado na Rua Benfica, bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife, é formado, segundo o Plano Diretor da cidade (Lei Municipal nº 17.511/2008), pela Zona de Ambiente Natural (ZAN), Zona de Ambiente Construído Moderada (ZAC-M) e Zona Especial de Proteção Histórica (ZEPH), conforme a (Fig 6).

Fig 6: Mapa de localização da área de estudo Fonte: Adaptado de Sistemas de Informações Geográficas do Recife – ESIG, 2016

BREVE HISTÓRICO DO BAIRRO DA MADALENA A Madalena, importante bairro do Recife e cenário atual de grande crescimento urbano e econômico, é formada por edificações de uso comercial e de serviços, predominantemente na Avenida Visconde de Albuquerque e nas Ruas José Osório, Real da Torre e Benfica, além dos inúmeros residenciais nas vias locais do seu entorno. Essa região surgiu por volta do século XVI e, de acordo com Silva e Bitoun (2007) da Revista Geográfica, suas terras pertenceram originalmente a Jerônimo de Albuquerque, cunhado do donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, que posteriormente foram sendo vendidas, ficando o trecho adquirido por Pedro Afonso Duro, esposo de Dona Maria Madalena Gonçalves, conhecido como passagem da Madalena. Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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No local onde hoje está situada a Praça João Alfredo, em frente ao Museu da Abolição, Gaspar (2003) afirma que o novo proprietário fundou um engenho de açúcar, que ficou conhecido como Engenho da Madalena, conforme ilustrado na (Fig 7).

Fig 7: Engenho Madalena Fonte: Maior e Silva, 1992

Essas terras gradativamente foram sendo repartidas e depois, segundo informações extraídas do portal do Museu da Abolição (2016) na internet, vendidas e revendidas, fazendo surgir no entorno desse sobrado novos sítios, que aos poucos foram substituídos por residências cada vez mais próximas umas das outras, formando, assim, o Bairro da Madalena. A CARTILHA Para a criação da cartilha cultural, foram realizados inventários de 12 casarões, de um total de 15, no período compreendido entre agosto de 2016 e abril de 2017, onde foi possível identificar diversos aspectos dessas das construções: suas características arquitetônicas, tipologia, época de construção, intervenções sofridas ao longo do tempo, estado de conservação, entre outros. Para compor esta pesquisa foram realizadas consultas nos acervos de várias instituições: IPHAN, Fundarpe, Prefeitura Municipal do Recife, Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco e biblioteca da Faculdade de Ciências Humanas Esuda; além de duas entrevistas realizadas com o 1º Vice-Presidente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco, Prof.º José Luiz Mota Menezes. No decorrer do estudo, mesmo com acesso a uma série de fontes de pesquisa, inclusive a internet, foi possível notar a carência de material contendo informações acerca do tema em análise, tais como em relação à história do local, ao período de construção dos imóveis, à existência de seu tombamento, aos projetos arquitetônicos e a identificação e descrição do bem.

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Outro entrave na busca por dados úteis ocorreu nas tentativas de visita in loco, como o fato de algumas edificações se encontrarem desocupadas, sem uso, de não se ter conhecimento sobre o seu proprietário, ou pela simples dificuldade imposta pelos atuais ocupantes do imóvel em autorizar o acesso, impedindo a entrada. Diante disso, a maior parte das informações coletadas sobre alguns casarões foram obtidas através de documentos técnicos (inventários, fichas técnicas) emitidos por órgãos públicos, contendo a descrição do prédio, as intervenções sofridas, fotografias de elementos arquitetônicos e dados históricos, tudo com o intuito de identificar a situação do bem na época dos registros e de indicar a relevância desse patrimônio. Assim, a cartilha intitulada O Engenho Madalena e Seus Palacetes (Fig 8) foi desenvolvida com a apresentação de seis casarões mais expressivos dentro do perímetro estudado, com um roteiro com a localização de todos os palacetes na Rua Benfica e com uma breve apresentação da cartilha e do local.

Fig 8: Cartilha Cultural Fonte: Elaborada pela autora

O roteiro cultural foi produzido de forma que facilitasse o turista e/ou morador local na identificação de cada casarão, através do mapa da região, de uma lista enumerada com cada casarão e a sua localização, além das fotografias de cada um, conforme pode ser visto na (Fig 9) abaixo.

Fig 9: Roteiro Cultural Cartilha Engenho Madalena e Seus Palacetes Fonte: Elaborada pela autora

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SOLAR DO BENFICA O Solar do Benfica (Fig 10), hoje sede do Clube Internacional do Recife, é um dos mais belos palacetes construídos aos moldes da arquitetura do Século XIX na localidade. O sobrado, de linhas marcantes e elementos imponentes, domina a paisagem em frente à Praça Euclides da Cunha, popularmente conhecida como Praça do Internacional. Externamente, em sua parte frontal, é possível encontrar colunas que sustentam elegantemente a sacada superior, além de grandes portões de ferro. Em seu interior, há vários elementos originais da época, como a escada no hall de acesso, a decoração em alto relevo no teto de vários salões e as portas e janelas em madeira e vidro. Tudo reflete a riqueza arquitetônica de um século tão peculiar do ponto de vista das artes.

Fig 10: Solar da Benfica Fonte: Acervo da autora, 2016

ESCOLA POLITÉCNICA DE PERNAMBUCO O bloco “A” da Escola Politécnica de Pernambuco (Fig 11) é um exemplar de casarão do estilo Neocolonial na região. Com uma arquitetura discreta, mas não menos exuberante, possui um revestimento externo em azulejo rosa, contendo um triângulo no topo da fachada principal utilizado tanto como ornamento como também para esconder o telhado, além de esculturas nas extremidades superiores da edificação e de mosaico inglês em seu piso interno, demonstrando o charme e o requinte dos imóveis que serviam de moradia para as famílias nobres do século XIX.

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Fig 11: Escola Politécnica de Pernambuco Fonte: Acervo da autora, 2016

O PALACETE DO BENFICA O Palacete do Benfica (Fig 12), atual Blue Angel Recepções, marco da arquitetura classicista em Recife no século XIX, é considerado um exemplar do estilo na arquitetura brasileira, onde se pode notar vários elementos marcantes, como azulejo português nas cores verde e amarela e ornamento em forma triangular (frontão) na fachada principal. Ainda é possível perceber nessa parte externa uma sacada trabalhada em grades de ferro e uma pequena escada construída em pedra portuguesa. Internamente, cada cômodo apresenta uma surpresa ao visitante, seja numa decoração no teto, em um lustre, em alguns móveis da época ou até mesmo num detalhe da janela. Diante dessa composição é inevitável que um observador não se encante com cada detalhe desse lugar único.

Fig 12: O Palacete do Benfica Fonte: Acervo da autora, 2016

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CENTRO CULTURAL BENFICA Assim como a maioria dos casarões dessa localidade, o Centro Cultural Benfica (Fig 13) também servia de casa de veraneio para a elite da época, uma espécie de chácara. O imóvel, de gosto Neoclássico, exibe vários aspectos originais do século XIX, principalmente em seu interior, onde é possível identificar elementos desse período, que se destacam nos detalhes dos móveis, da escada, das portas e demais aberturas. A sua área externa demonstra toda uma imponência através de linhas acentuadas e bem definidas.

Fig 13: Centro Cultural Benfica Fonte: Acervo da autora, 2016

ANTIGA ESCOLA DE BELAS ARTES-PE A antiga Escola de Belas Artes de Pernambuco (Figura 14), atual Sede da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco – Facepe, é um charmoso casarão de estilo Neoclássico, que traz em seu acesso principal uma escadaria arredondada e sacadas com gradil decorado, além de duas esculturas de leões nos pilares do portão de entrada, que dão as boas-vindas aos visitantes. No seu interior há uma sala (salão presidencial) onde se encontram alguns elementos da época, tanto decorativos (desenho em alto-relevo no teto, lustre, arandela) quanto construtivos (piso em madeira, portas, janelas).

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Fig 14: Antiga Escola de Belas Artes-PE Fonte: Acervo da autora, 2016

ANTIGA PENSÃO LANDY O casarão atualmente ocupado pela unidade Benfica do Colégio GGE (Figura 15) já foi palco de muitas discussões políticas entre os representantes da nação, que se abrigavam no local, onde funcionava a Pensão Landy. Para se ter uma ideia de sua relevância, o palacete é considerado o único representante do estilo Sarraceno existente na capital pernambucana, projetado por um moçárabe31à moda dos castelos islâmicos. Em sua entrada principal, percebem-se vidros coloridos fixados em grandes portas e janelas azuis, ornamentos em formato de flores e de arcos do tipo ferradura mourisca, além de uma majestosa escada peculiar da arquitetura islâmica.

Fig 15: Antiga Pensão Landy Fonte: Acervo da autora, 2016

3 Cristão que vivia na Península Ibérica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS É notória a relevância da arquitetura europeia propagada durante o século XIX, que faz parte da cultura e da história dos grandes centros urbanos do Brasil, entre eles a produzida no Recife, fator que deveria exigir dos órgãos públicos o desenvolvimento de trabalhos de engajamento da sociedade para o despertar de um olhar crítico em relação a essas obras desse período, assim como a promoção do sentimento de apropriação dessa arte. Nesse sentido, a Rua Benfica no bairro da Madalena, em Recife, local foco da pesquisa, abriga valiosos casarões construídos sob forte influência da arquitetura Neoclássica e Eclética, o que chama a atenção para a necessidade e a busca constante pela conservação desse conjunto arquitetônico, detentor de elementos que os tornam relevantes para a história e a cultura da região. Valores que são evidenciados através da cartilha cultural (anexada ao final deste trabalho) objeto desta pesquisa, a qual sugere um roteiro pelos casarões do entorno da Praça Euclides da Cunha, material que se pretende apresentar à Prefeitura Municipal do Recife para que venha fazer parte das ações desse órgão. Caso seja implementado, tal medida fará com que esse documento cumpra integralmente com o seu papel, o de gerar uma maior visibilidade a esses imóveis, despertando uma consciência para sua valorização. Assim, denota-se que este trabalho de graduação contribui para estimular o desenvolvimento da cultura desse local, levando à população, residente ou não na cidade do Recife, uma forma de acesso à Educação Patrimonial que provoque na sociedade um estímulo à preservação e à valorização do bem público de relevância histórico-cultural.

REFERÊNCIAS

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ARTIGOS ACADÊMICOS

INVENTÁRIO DO ACERVO AZULEJAR DE PERNAMBUCO SÉCULOS XVI A XIX Carmen Muraro1 RESUMO O texto a seguir apresenta o Inventário do Acervo Azulejar em Pernambuco, séculos XVI a XIX, ação implantada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/PE) que teve como objetivo conhecer e registrar este acervo, já anteriormente focado por trabalhos pioneiros no Estado cujos estudos começaram a ser produzidos ainda na década de 1970. A decisão pelo projeto foi tomada diante da alarmante e reiterada constatação da perda, parcial ou mesmo total, de exemplares em Pernambuco. Reconhecida oficialmente a relevância da providência, a estratégia de implantação passou pelo estabelecimento de roteiros os mais abrangentes possíveis no território estadual. A pesquisa de campo foi implantada por equipe especializada que promoveu o reconhecimento visual do acervo e o registrou em fichas padronizadas estabelecidas previamente, tendo por base o conhecimento adquirido em nivelamento técnico. Estes documentos procuraram facilitar o reconhecimento dos azulejos por meio das características técnicas e estilísticas, quanto ao estado de conservação e, por fim, quanto ao nível de risco (perigo e vulnerabilidade) de desaparecimento a que estavam expostos no momento da pesquisa. Finalmente, foram avaliados os dados obtidos no Inventário e feitas considerações a respeito da necessidade e urgência de medidas de preservação destes bens integrados. Palavras-chave: Pernambuco. Azulejos. Acervo. Inventário. INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende apresentar o Inventário do Acervo Azulejar em Pernambuco, séculos XVI a XIX (2008) implantado por iniciativa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Superintendência Estadual (IPHAN/PE) e executado por equipe especializada (Grupo de Arquitetura e Urbanismo - GRAU) contratada por meio de licitação pública. 1 Arquiteta e urbanista (UFRJ), com mestrado profissional em conservação e restauração de monumentos e núcleos Históricos MP-CECRE/PPGAU/UFBA (2013). Exerce (2017) arquitetura da restauração e atividades relacionadas como integrante de empresa especializada no tema da preservação cultural.

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O escopo ficou limitado aos conjuntos azulejares agregados a bens construídos de acesso público bem como às peças datáveis até o final do século XIX. Cabe registrar que, embora de destacada presença na expressão arquitetônica do século XX, os revestimentos parietais oriundos da produção industrial, sejam aqueles com temas inspirados no período anterior, sejam os dos especiais painéis integrados à arquitetura moderna de Pernambuco, deverão ser objeto de nova pesquisa de conhecimento e registro. Reitera-se que os acervos pesquisados são integrados por azulejos - termo registrado desde 1490 na Espanha segundo o dicionarista Antônio Houaiss – estas placas cerâmicas de espessura variável, geralmente quadradas, constituídas por base argilosa (chacota ou biscoito), decorada e vitrificada na face a ser exposta - destinadas essencialmente a compor painéis de revestimento parietal. Apesar do lapso de tempo decorrido entre a finalização dos serviços contratados (2008) e os dias que correm (2017), o material informativo produzido naquela ação de preservação do patrimônio cultural construído permanece atual em especial na divulgação e conservação do acervo remanescente. Neste sentido, pode ser observado por todos que se apropriem do tema a constante e acelerada perda de painéis de revestimento azulejar que integram a ambiência de ruas das cidades e de algumas propriedades rurais pernambucanas, conforme exposto a seguir.

A FORMAÇÃO DO ACERVO PERNAMBUCANO O acervo azulejar, em especial aquele aplicado ao revestimento das fachadas dos edifícios urbanos em Pernambuco é, sem dúvida, importante vetor na avaliação do nível de investimento ocorrido em várias cidades deste Estado, com ênfase na segunda metade do século XIX, particularmente entre 1860 e 1880, mas consolidada já a partir de 1834 com a celebração do Tratado de Comércio entre o Brasil e Portugal. Fechado o foco dessa avaliação sobre os núcleos urbanos pernambucanos pode-se perceber, com nitidez, as áreas citadinas onde então se materializaram surtos de desenvolvimento econômico. Curiosamente, anotou-se que estas ocorrências nem sempre se encontram nos denominados “centros históricos”. O gosto pela utilização dos azulejos, sobremaneira no interior dos templos e de alguns conventos – em especial os da Ordem Franciscana – no decorrer dos séculos XVII e XVIII ganha depois a rua, a partir da segunda metade da centúria do oitocentos, apostos às fachadas de arquitetura civil domiciliar.

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Ao sair do interior das vedações das edificações religiosas - onde dominou imponente e participou da desmaterialização das paredes de muita nave amanhecida maneirista e tornada barroca pouco mais tarde com a participação destes revestimentos (ao lado da talha sobre madeira) até chegar às casas de morada - o azulejo projetouse no domínio urbano. Ao se expor nas ruas, sob o sol, passou ao desfrute do povo, submetido (mesmo que eventualmente a contragosto) à exibição compulsória num espetáculo de brilho e cor. Algumas destas casas antigas que receberam o acréscimo estético e prático do revestimento cromático (deve-se anotar) comportaram-se de forma extremamente passiva. Mas não se diga que o objeto é sempre o componente passivo da relação homem/azulejo: ao contrário, ele (o revestimento azulejar) reage ao estímulo da exposição de forma ativa, seja positiva ou negativa, mas sempre evidente para quem tiver olhos para ver este patrimônio artístico integrado aos edifícios. Barras, nembos e platibandas foram então revestidas com este símbolo externo de distinção social, menos vinculado à linhagem familiar que ao sucesso financeiro - e passaram a marcar um bom número de imóveis em Pernambuco, onde o Recife teve papel de destaque. “Curiosamente, quanto maior o desenvolvimento tecnológico, pior o resultado estético das produções seriadas”, observa o professor Olavo Pereira na sua obra Arquitetura Luso-Brasileira no Maranhão (1998, p. 193), ao tecer comentário a respeito do caráter semi-industrial da produção azulejar da segunda metade do século XIX, a qual carimbava na direção da seriação no fazer da arte azulejar.

A PRESERVAÇÃO CULTURAL E O ACERVO AZULEJAR A preocupação de preservar, materializada na iniciativa do IPHAN/PE de conhecer e registrar em Inventário tecnicamente conduzido, a azulejaria existente em Pernambuco, veio ao encontro de vários estudos anteriores realizados por pesquisadores interessados no desenvolvimento do tema da preservação desses bens integrados à arquitetura pernambucana. O mais antigo desses trabalhos especializados entre nós deve-se ao estudioso Olympio Costa Júnior, ex-diretor do Arquivo Público Estadual de Pernambuco. Fruto da coleta de dados e pesquisa itinerante realizada anos antes, os resultados só foram editados (na forma de artigo) nos números 35-36 da Revista do Arquivo Público, editada em 1979/1980. Trata-se de obra meticulosa produzida por quem “arruou” pelo Recife com olhos de ver e entender o sentido da azulejaria na arquitetura civil da cidade. A

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qualidade desse trabalho pioneiro torna fundamental a consulta prévia por qualquer pesquisa sobre o tema, a qualquer tempo. Outro esforço pessoal no sentido do registro do patrimônio azulejar em Pernambuco, infelizmente inédito até esta data, foi objeto do empenho do pesquisador de origem portuguesa, professor António de Menezes e Cruz, à época vinculado funcionalmente ao IPHAN em Pernambuco. Anos depois da morte de Menezes e Cruz, outro trabalho de grande fôlego profissional veio à luz, desta feita da arquiteta Sylvia Tigre de Holanda Cavalcanti (2002), a qual contou com a “coautoria” póstuma do professor Cruz. Trata-se da mais recente e mais ampla contribuição, na qual a pesquisadora resgata (mas não só) a contribuição de Menezes e Cruz, em publicação exemplar que, mesmo sem a intenção explícita de inventariar, expõe ao público boa parte deste acervo. A obra recebeu o título O Azulejo na Arquitetura Civil de Pernambuco – século XIX. O modismo dos azulejos no revestimento de fachadas encontrou o seu lugar, o seu nicho, na arquitetura residencial urbana brasileira com espantosa rapidez em razão da velocidade com que foram utilizados os exemplares chegados a Pernambuco a partir de 1837, oriundos em maior número de Portugal e da França. Neste particular coloca-se em dúvida assertiva do historiador da arte portuguesa, o Professor João Miguel dos Santos Simões quanto à característica de “torna viagem” desse gosto azulejar do Brasil para Portugal, durante o século XIX. Afortunadamente, a procedência desse material pôde ser - sob certos aspectos - facilmente reconhecida em virtude das peculiaridades dadas à dimensão (e até à espessura) das peças segundo a nacionalidade, enquanto lugar de fabricação. Esta particularidade dá ocasião a identificar e distinguir produtos lusitanos dos seus similares franceses e ainda ingleses e alemães. A técnica de elaboração utilizada na aposição da decoração (e os motivos adotados) sobre a superfície da “chacota ou biscoito” - base cerâmica de recepção da camada pictórica equivalente à tela nas pinturas de cavalete - embora bastante diversificada, pôde ser agrupada em tipos mais abrangentes quando da interpretação das fichas do Inventário, fugindo-se assim da alegação de que “cada caso é um caso”. O INVENTÁRIO No que tange à abrangência territorial, esta obedeceu a três roteiros básicos em que foi subdividido o Estado para efeitos operacionais: Roteiro 1: Recife e municípios ao norte da capital; Roteiro 2: municípios ao sul do Recife;

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Roteiro 3: municípios a oeste do Recife. Nos lugares pré-determinados por contrato realizou-se visita técnica presencial para reconhecimento e registro de acervos azulejares nas áreas urbanas das sedes municipais, destacando-se que, além das listadas pelo IPHAN foram vistoriadas as dos municípios de Tamandaré, São José da Coroa Grande e Bom Jardim. A lógica destes caminhos obedeceu ao conhecimento prévio de que, em Pernambuco, o desenvolvimento nos primeiros tempos da ocupação portuguesa se concentrou ao longo do litoral. O interior (a oeste da capital) só foi alcançado significativamente a partir de fins do século XVII. A respeito dos itinerários veja-se o Mapa dos roteiros para o Inventário do Patrimônio Azulejar de Pernambuco na (Fig 1).

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14 municípios 15 municípios Total - 46 municípios Fig 1: Mapa dos roteiros para o Inventário do Patrimônio Azulejar de Pernambuco Fonte: Inventário do Patrimônio Azulejar/PE, 2008

Os documentos resultantes foram produzidos em formato de fichas padronizadas que visaram ao registro e sistematização do acervo azulejar remanescente em Pernambuco. Previamente a esta pesquisa de campo, os integrantes da equipe receberam nivelamento de informação no que se refere às técnicas, materiais e expressão artística, inclusive com manipulação de diferentes peças isoladas. As trocas de conhecimento e o contato com o material assemelhado ao do Inventário se baseou no conceito de que “só se aprende o que já se sabe”. ESTUDO DO ACERVO AZULEJAR Desta forma, resumidamente, os acervos cerâmicos que poderiam ser reconhecidos no campo foram reunidos:

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a) Quanto à técnica de produção da obra de arte: Corda-seca – século XVI – originária de Sevilha e Toledo - contorno do padrão pictórico com substância gordurosa, geralmente óleo de linhaça com manganês, para evitar que as cores se misturem na cozedura. Esta modalidade não foi encontrada na pesquisa em Pernambuco. Processo denominado arcaico em Portugal.

Fig 2: Azulejo corda seca com policromia Fonte: Roteiro do Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

Aresta – século XVI – técnica hispano-mourisca. A separação das cores era feita levantando arestas ao pressionar o negativo do padrão (madeira ou metal) no barro ainda macio da chacota. Com os maiores centros de produção em Sevilha e Toledo esta técnica foi também empregada em Portugal, onde foi desenvolvida a variante em alto-relevo (azulejo relevado). A técnica foi retomada em fins do século XVIII na produção de peças de padrão, por sistemas pré-industriais. Esta modalidade não foi encontrada na pesquisa em Pernambuco. Processo denominado arcaico em Portugal.

Fig 3: Azulejo de aresta com policromia Fonte: Roteiro do Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

Majólica (faiança) – século XVI - técnica oriunda da Itália. Revolucionou a produção ao permitir a pintura diretamente sobre a peça já vitrificada. Após a primeira cozedura da chacota, era aplicada base de esmalte estanífero (estanho, óxido de chumbo, areia rica em quartzo, sal e soda) que vitrificava na segunda cozedura, daí o termo biscoito. A alteração do método oferecia à superfície coloração branca translúcida, para o pigmento de óxidos metálicos. O azulejo era então colocado novamente no forno com temperatura mínima de 850ºC revelando só após a cozedura, as respectivas cores utilizadas. Esta foi a forma de fazer majoritariamente encontrada em Pernambuco.

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Fig 4: Azulejo de faiança com policromia Fonte: Roteiro do Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

Relevado - Técnica empregada a partir do século XVI criada em Portugal como uma variante do processo de aresta. Voltou a ser adotada na produção semi-industrial, onde o relevo era impresso em forma.

Fig 5: Azulejo relevado do século XIX. Fachada de residência em Vicência/PE, 2008 Fonte: Acervo GRAU

Estampilha – século XIX - decoração da superfície vitrificada aplicada com trincha sobre peça de metal (máscara) onde está recortado o motivo decorativo a pintar. Registrado em vários edifícios de Pernambuco, 2008.

Fig 6: Azulejo de estampilha do século XIX, padrão em peça única, com utilização de flor de liz Fonte: Acervo GRAU,2007

Sobre as alterações dos métodos de produção ocorridas a partir do final do século XVIII, com a industrialização e conseqüente popularização do consumo, refere o arquiteto Olavo Pereira “em que pese a importância da mecanização, os azulejos assim fabricados nunca foram tão fascinantes quanto os manufaturados, nos quais as irregularidades e imperfeições de cada peça lhes conferem notória particularidade”(1998, p. 193).

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Vale acrescentar que esta opinião é compartilhada por outros estudiosos brasileiros, dentre eles a Professora Dora Alcântara, no livro Azulejos Portugueses em São Luis do Maranhão ao aludir que na composição dos “tapetes” do século XIX não encontramos o mesmo cuidado artístico do XVIII, o desenho é também mais imperfeito, as cores perdem algumas das qualidades anteriores, a transparência por exemplo. No século XIX nota-se a cópia de padrões estrangeiros e até mesmo a importação de matrizes para executar as decorações. O fenômeno da queda qualitativa, em face da mudança dos processos de produção e ao aumento quantitativo, não é excepcional nem tipicamente português, foi generalizado no século passado [século XIX].

b) Quanto à temática da obra de arte: Enxadrezado – séculos XVI e XVII - técnica também conhecida como enxaquetado, consistia na aplicação de peças lisas em duas cores alternadas, com formas geométricas e dimensões variáveis, e faixas retangulares formando tarjas, em geral de cores lisas. Pode ser aposto alternadamente com peças inteiras ou cortadas. Esta forma de constituir o painel não foi encontrada na pesquisa em Pernambuco.

Fig 7: Painel de azulejos enxadrezado Fonte: Roteiro do Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

Caixilho compósito – séculos XVI e XVII – conhecido em Portugal como enxaquetado rico – repete a mesma técnica do enxadrezado, somado ao painel um tema central que forma uma figura repetida a partir de um número determinado de peças. Esta forma de constituir o painel não foi encontrada na pesquisa em Pernambuco.

Fig 8: Painel de azulejos em caixilho compósito Fonte: Roteiro do Museu Nacional do Azulejo, Lisboa

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Fig 9: Azulejos em tapete (camélia grande). Convento franciscano de Santo Antônio do Recife Fonte: Acervo GRAU, 2005

Tapete – séculos XVII/XIX, repetição regular de padrões, sempre delimitado por guarnições, ao modo das estamparias utilizadas nas peças de tecelagem. O “padrão”, registrado em Portugal desde o século XVI e por vezes alcançando do século XVIII ao XIX, já como revestimento de fachadas, ocorreu com freqüência na arquitetura civil pernambucana. Abaixo o detalhamento temático dos padrões em ordem cronológica: - Ponta de diamante (maneirista/ítalo-flamenga)-por simular prismas salientes; - Parras - folhagens envolvendo grades; - Vegetalistas; - Geométricos; - Florais, de meados do século XVII, preferencialmente nas cores azul, amarelo e verde sobre fundo branco. - Ferroneries - referência a ferragens através do desenho de folhas de acanto em composições cenográficas, o que sinalizava a chegada do barroco; - Presença de frisos e cercaduras, separando diferentes padrões. Os temas, fossem em sistema composto de quatro azulejos ou mais para se obter a completude do “padrão” ou módulo, fossem em peça única (desenvolvido mais tardiamente) possuíam grande variedade cromática nas aplicações “atapetadas”.

Fig 10: Vista geral da cúpula revestida e delimitada por diversos padrões florais

Fig 11: Transição azulejada da cúpula para a base de seção quadrada

Fig 12: Detalhe dos azulejos em tapete que revestem a transição de planos delimitada por padrões diversos

Cúpula da capela-mor da Igreja de Santo Antônio do Recife. Acervo apresenta todos os elementos tipológicos descritos acima para as composições em tapete Fonte: Acervo GRAU, 2005

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Figurativo/cenário - do século XVII ao XIX - As composições artísticas passaram a ser figurativas e, ao renunciar à estética islâmica, se adaptaram ao transpor para o azulejo cenas mitológicas, alegóricas, religiosas, guerreiras e satíricas geralmente copiadas de gravuras e pinturas. Usavam-se representações de elementos arquitetônicos para criar a ilusão espacial (trompe-l’oeil). Ao lançar mão de elementos decorativos maneiristas deu-se “vida” aos painéis azulejares em Portugal através da representação de putti - anjinhos, grinaldas, medalhões, troféus, vasos, frutas e flores. Ao concorrer com a pintura mural, o azulejo passou a ser suporte do traço erudito dos mestres do desenho e da pintura lusitana, cujo brilho maior ocorreu na primeira metade do século XVIII, durante o reinado de Dom João V (1706-1750).

Fig 13: Silhar de cabeceira recortada/claustro Convento de Santo Antônio do Recife Fonte: acervo GRAU, 2005

Fig 15: Vista geral do frontal com cena em peças policromadas, no ambiente onde está instalado (capela-mor)

Fig 14: Silhar de cabeceira recortada/corredor Convento de Santo Antônio do Recife Fonte: acervo GRAU, 2005

Fig 16: Detalhe do painel onde estão pavões e flores (brutesco)

Fig 17: outro detalhe do painel com pássaros e flores

Frontal do altar da Igreja de Nossa Sra. da Piedade. Jaboatão Guararapes. A reprodução nos azulejos de temas exóticos e elementos simbólicos hindus usados nas chitas estampadas importadas da Índia Fonte: acervo GRAU, 2005

Figura isolada - Os conjuntos de figura avulsa compunham painéis cuja expressão de arte estava limitada a cada unidade azulejar. A ligação entre elas se dava pela aplicação de desenhos nos cantos, geralmente estilizados, de “aranhiços”, “cabeças de boi” e “flores de liz”. Foi empregado em Portugal a partir do final do século XVII, importados dos Países Baixos, exemplares em azul sobre branco.

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Confeccionados sob a influência cromática da cerâmica chinesa que chegou à Europa pela via marítima, o material atraiu inicialmente holandeses, que instalaram produção própria de azulejo azul e branco, mas logo seguidos pelos portugueses. Como a preferência dos neerlandeses pelo trabalho em miniatura (enkele tegels) não correspondia ao gosto lusitano pela monumentalidade, ensejou encomendas específicas de painéis às oficinas dos Países Baixos, os quais se adaptaram aos enquadramentos arquitetônicos vigentes em Portugal. Os temas centravam-se em cenas religiosas, cortesãs e militares. Os exemplares importados da Holanda traziam a peculiaridade técnica do traço, isto é, do desenho em contraponto à pincelada utilizada na expressão portuguesa da pintura.

Fig 18: Peça de figura isolada. Holanda Fonte: Ulisses P. Melo, 2017

Fig 19: Peça de figura isolada, origem portuguesa. Convento franciscano de Ipojuca Fonte: Acervo GRAU, 2008

As características dos azulejos holandeses e a influência destes no gosto e na produção portuguesa foram estudadas por Reynaldo dos Santos, na História da Arte em Portugal, segundo o qual, a modalidade holandesa que exerceu maior influência sobre o nosso azulejo [português] foi constituída por pequenos “motivos soltos”, em que cada ladrilho representava por si só um pequeno quadro, paisagem, navio, moinho, etc.(...) O desenho era em geral delicado, reflexo da arte dos petits maitres holandeses”(SANTOS, 1953, p. 63).

c) Quanto às características cromáticas: A expressão da obra de arte variou também quanto aos efeitos de cor. Há exemplares que se expressam a partir de peças lisas, monocromáticas e da organização espacial delas. Outros pelo emprego de duas cores. No caso de Portugal, foi significativo o período a partir do século XVII até final do XVIII, em que foram empregados desenhos Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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em azul de cobalto em várias tonalidades, sobre fundo branco de estanho. Ao longo do percurso histórico estudado, a produção de exemplares policromados sempre esteve presente, aplicados de forma alternada no gosto português com o emprego de peças em duas cores. Cabe registrar que, mesmo alteradas as formas de produção - da puramente artesanal para a semi-industrial - no final do século XVIII, as tintas continuaram a ser obtidas a partir do uso de óxidos metálicos naturais: o branco do estanho; o azul do cobalto, o verde do cobre, o amarelo do antimônio, o vermelho do ferro, o vinhoroxo do manganês. d) Quanto à forma de assentamento: Via de regra eram os azulejos aplicados horizontalmente, de baixo para cima e da esquerda para a direita, em fiadas paralelas e em junta contínua, excetuando-se os frisos que se destinavam ao enquadramento dos “tapetes” azulejares. A argamassa de assentamento utilizada sobre a parede de suporte, segundo Menezes Cruz (1981, p.02) “é de cal e areia. Algumas vezes de cal e saibro, as mais antigas”. e) Quanto às áreas de aplicação: Os acervos pernambucanos mais antigos foram aplicados exclusivamente em igrejas, matrizes, conventos e edifícios públicos, inicialmente em áreas internas e mais tarde, com o enriquecimento das ordens religiosas, em fachadas. São mais conhecidos e, até há pouco, mais valorizados enquanto expressão artística. A arquitetura civil só começou a utilizar em maior escala este revestimento a partir do século XIX, com a alteração da ordem econômica e surgimento e afirmação da burguesia enquanto classe social. Este revestimento decorativo sempre esteve associado ao alto poder aquisitivo tornando-se mais um importante distintivo social, facilmente perceptível. Embora haja carência de documentação, pela análise tipológica dos exemplares remanescentes, pode-se entender que são do século XIX praticamente todos os revestimentos azulejares remanescentes em edifícios civis em Pernambuco. O gosto surgido em Portugal, firmou-se no Brasil e, consequentemente, em Pernambuco. Naturalmente, com a concentração do poder econômico na capital do Estado e no litoral produtor de açúcar, esta é a região de maior concentração do acervo. Os exemplares ocorrem via de regra nos centros urbanos, embora possam ser encontrados no meio rural. Os azulejos foram apostos nas fachadas principais de sobrados e casas térreas, incluídas as platibandas oitocentistas e mais raramente em outras fachadas,

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como é o caso da da morada à beira mar no distrito de Barra do [rio] Sirinhaém, litoral sul do Estado.

Fig 20: Casa na Barra de Sirinhaém, litoral de Pernambuco Fonte: acervo GRAU, 2007

No interior das construções os azulejos podem ser encontrados em algumas casas urbanas, capelas, silhares e painéis à feição de quadros emoldurados em áreas nobres, corredores e galerias. No meio rural foram utilizados em antigas sedes de engenho – a exemplo da casa-grande engenho Gaipió em Ipojuca e na casa de morada do Engenho Massangana, Cabo de Santo Agostinho.

Fig 21: Casa grande do Engenho Gaipió/Ipojuca - vista geral Fonte: acervo GRAU, 2007

Fig 22: Idem. Um dos ambientes internos azulejados parcialmente Fonte: acervo GRAU, 2007

Fig 23: Idem. Detalhe do mirante azulejado. Peças florais estilizadas azul sobre branco (réplicas) Fonte: acervo GRAU, 2007

Fig 24: Casa grande do Eng. Fig 25: Idem. Ambiente de acesso Massangana. Cabo Sto. Agostinho principal azulejado parcialmente Fonte: acervo GRAU, 2007 vista geral Fonte: acervo GRAU, 2007

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Fig 26: Idem. Detalhes dos azulejos e barras. Dois temas florais, estilizadose Fonte: acervo GRAU, 2007

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No Inventário, a caracterização do acervo azulejar foi realizada por exame visual e táctil dos azulejos. No preenchimento das fichas padronizadas de campo foram levados em consideração o estado de conservação do conjunto imóvel/azulejaria; as técnicas de aplicação da camada pictórica sobre a “chacota” (biscoito) de suporte; o período aproximado da colocação dos azulejos sobre as paredes dos imóveis (muitos deles receberam o revestimento azulejar em época posterior à construção); quais as faces revestidas e ainda o período e local de confecção, bem como as características estilísticas das peças e as peculiaridades cromáticas apresentadas. Ao lado dos dados colhidos acerca dos azulejos houve ainda a preocupação de dimensionar-se quantitativamente o acervo instalado em cada imóvel, mesmo que por aproximação, com vistas à futura definição de parâmetros de monitoramento das ocorrências azulejares. Além da avaliação do estado de conservação do conjunto imóvel/acervo também foram registradas nas fichas observações acerca do estado de conservação do suporte , isto é, das paredes sobre as quais os azulejos foram aplicados. Registre-se que foram elencados itens nas fichas de campo que pudessem conduzir à análise e avaliação do risco ao qual o acervo estivesse submetido. A inclusão do tema na avaliação está ligada ao fato de ser insuficiente o simples registro do estado de conservação quer do suporte quer do acervo: bom ou em ruínas não explicita, nem esgota o nível de periculosidade e de vulnerabilidade da azulejaria desses imóveis. Três dos itens incluídos são alheios ao objeto azulejo e dizem respeito à medição de “perigosidade”, a saber, a possibilidade efetiva, real e potencial de dano que incide de fora sobre o objeto. A saber: o acesso direto do público ao acervo; o imóvel sem uso; aquele sem qualquer tipo de proteção legal que considere o edifício e/ou o acervo azulejar como objeto digno de preservação. Dois itens restantes consideram o risco pelo ângulo da “vulnerabilidade” das próprias peças. O primeiro considera a perda de unidade consolidada na ausência de peças de azulejo que deixam o acervo remanescente exposto tanto às intempéries quanto ao furto. Outro é o da perda do vitrificado, cuja ausência expõe a película pictórica propriamente dita. Esse tipo de ocorrência, ditada por defeitos do material ou pela superexposição do azulejo a fatores climáticos coloca a própria obra de arte em risco de desaparecimento. Finalmente, foi possível incluir anotações quanto a modificações visíveis (a olho desarmado) que diziam respeito à presença de patologias a exemplo de umidade, deslocamentos de peças, inserções de peças diferentes do acervo examinado, presença de cimento tipo Portland, de vegetação e de outras patologias de origem biológica, sujidades diversas bem como a instalações de serviços aplicadas sobre o acervo – tubos, conexões, caixas de correio, contadores de energia.

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Função dos resultados obtidos pela análise do grau de risco dos acervos registrados pôde-se construir ferramenta para a gestão do tema, inclusive pela hierarquização dos níveis de risco. DADOS COMPLEMENTARES COLETADOS PELO INVENTÁRIO Os imóveis inventariados em boa parte preservava o uso residencial. Entretanto, aos poucos se nota que os pavimentos térreos vão transitando para o uso comercial e de serviços, mudança esta que leva à aposição de placas e letreiros de divulgação, muitas vezes colocados diretamente sobre a azulejaria. Das 46 cidades visitadas, 20 apresentaram acervo azulejar significativo, reconhecido em 217 (duzentos e dezessete) imóveis. A maioria destes conjuntos carecia de proteção oficial de qualquer natureza. Quanto ao local de aplicação dos azulejos sobre a superfície das paredes mestras anotou-se que as fachadas principais, voltadas para a rua ou logradouro, são as revestidas na esmagadora maioria nos exemplares inventariados. A ocorrência deixa espaço para dúvidas acerca deste tipo de revestimento ter sido empregado, na origem, como isolamento das superfícies externas, pois nem sempre a face azulejada corresponde ao lado que recebe a maior carga de intemperismo. Este fato releva o argumento segundo o qual a causa do azulejamento das superfícies externas estaria vinculada ao fator da distinção social e financeira do ocupante do imóvel. Não se pode desconsiderar ainda o sentido plástico na adoção desse revestimento. Outro ponto observado foi a prevalência de painéis com delimitações estéticas da área azulejada por meio do emprego de frisos ou barras do mesmo material, se bem que com padronagens diversas da azulejaria do paramento. Observou-se ainda a adoção de réplicas de azulejos antigos sem qualquer diferenciação em relação ao modelo original. Houve momentos em que mesmo os olhos (e as mãos) do pessoal treinado encontraram certa dificuldade de percepção para distinguir o autêntico da cópia ou contra facção. (Fig 28)

Fig 27: Residência com fachada principal azulejada. Rua do Bonfim, 123, Olinda Fonte: acervo GRAU, 2008

Fig 28: Detalhe do azulejo com desenho geométrico, réplicas Fonte: acervo GRAU, 2008

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A observação do estado de conservação do suporte (muro que recebe as placas cerâmicas) deixou perceber, em alguns casos, que imóveis em bom estado apresentavam revestimento bastante deteriorado e, na recíproca, imóveis em estado precário de conservação ostentavam acervos em boa situação. Com o preenchimento das fichas de campo em todas as abordagens previstas, cabe ressaltar que ficou disponível a eventuais interessados um banco de imagens digitalizadas no arquivo central do IPHAN/PE além dos dois volumes impressos que compõem o Inventário. CONSIDERAÇÕES FINAIS A perda dos acervos cerâmicos estudados deixa margem à especulação de que boa parte desta azulejaria teria migrado para composição de edifícios mais recentes. A esse respeito, e como conseqüência do exercício de campo, pôde-se constatar a aplicação de exemplares azulejares produzidos até o século XIX em soluções decorativas nas quais o suporte é edificação de gosto neo-colonial. Pelo grande número de ocorrências e pela especificidade das aplicações - bancos de jardins, pedestais, cartelas, cercaduras de janelas e outras - este universo deverá ser estudado como conjunto característico do século XX. Acerca do acervo azulejar pernambucano, estudado com base nos dados coletados no Inventário finalizado em 2008, deve-se registrar, com grande pesar, que o precário estado de conservação da grande maioria remanescente, aliado ao rápido desaparecimento dos imóveis antes revestidos por azulejos são dados preocupantes que estão a cobrar urgentes medidas de proteção legal e de promoção de incentivos de preservação. António de Menezes e Cruz recebe novamente espaço no presente documento ao definir de forma contundente, ainda em 1981, a importância e urgência de medidas de proteção ao acervo azulejar (histórico e artístico) de Pernambuco. O azulejo tem sido através dos tempos um elemento decorador do maior interesse artístico e atinge nos revestimentos murais dos edifícios portugueses e brasileiros uma expressão única no mundo. A sua defesa não foi encarada até agora com a mesma importância atribuída à arquitetura, embora se integre nela como um elemento de revestimento e decoração do maior interesse. É necessário destacar para preservação imediata aqueles edifícios que constituem conjuntos antigos coerentes (edifício mais revestimento mural de mesma época) ainda completos, ou com padrões de interesse, especial e raro, qualquer que seja sua origem. (MENEZES E CRUZ, 1981, p. 01)

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REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, Dora Monteiro e Silva de, [org.] Azulejos na Cultura Luso-Brasileira. Rio de Janeiro: Iphan, 1997. CAVALCANTI, Sylvia Tigre de Hollanda. O Azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, século XIX. São Paulo: Metalivros, 2002. COSTA JÚNIOR, Olympio. Revista do Arquivo Público Estadual de Pernambuco, artigo Pesquisa itinerante realizada no Recife. Recife: 1979/1980. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Superintendência em Pernambuco, Inventário do Acervo Azulejar em Pernambuco, séculos XVI a XIX. Recife, IPHAN/PE, 2008. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Superintendência em Pernambuco, Projeto de Restauração do Acervo Azulejar do Convento de Santo Antônio do Recife. Equipe Técnica GRAU Arquitetura e Urbanismo. Recife, IPHAN/PE,2006. MÉCO, José. “Azulejos Portugueses Séculos XVII a XX” in: Catálogo da Exposição, Brasil. Rio de Janeiro: 1987. MENEZES E CRUZ, António de. Inventário de casas com fachadas azulejadas e de painéis de azulejos portugueses existentes em monumentos das cidades do Recife e Olinda. Exemplar datilografado e ilustrado. Recife, Acervo IPHAN/PE, Biblioteca Almeida Cunha, 1981. Museu Nacional do Azulejo. Roteiro. 2 ed. Lisboa: Instituto Português de Museus, 2005. SANTOS, Reynaldo dos. História da Arte em Portugal. V. 3. Porto: Portucalense Editora, 1953. SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Arquitetura Luso-Brasileira no Maranhão. Belo Horizonte: Ed. Formato, 1998. SIMÕES, João Miguel dos Santos. Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1963. . Azulejaria portuguesa nos séculos XV e XVI. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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ARTIGOS ACADÊMICOS

PRESERVAÇÃO E RENOVAÇÃO URBANA NO RECIFE: UMA DIALÉTICA NOS IMÓVEIS ESPECIAIS DE PRESERVAÇÃO Clarissa Siqueira1 Pedro Valadares2 RESUMO As cidades estão em constante processo de transformação, de acordo com os meios que conduzem sua dinâmica, gerando novas paisagens urbanas sobrepostas aos núcleos originais, sob constantes conflitos entre preservação e renovação do território. No caso da cidade do Recife, este conflito se exibe, no âmbito municipal, de duas formas: Por um lado, muitas ações de preservação se manifestam através de identificação e cadastramento de imóveis nos planos, por outro, as ações de renovação apresentamse nas transformações e demolições do patrimônio construído. Um dos instrumentos municipais adotados pelo poder público para preservação da memória urbana desta cidade é a Lei nº 16. 284/97 - Imóveis Especiais de Preservação – IEP. Assim, fez-se necessário analisar criticamente este instrumento, identificando suas particularidades e analisando como ele tem sido aplicado e que interesses estão sendo atendidos. A partir de entrevistas com atores estratégicos e análise de estudos de casos, percebeu-se que a Lei dos IEPs apresenta fragilidades tanto no texto legal em si como na sua aplicação, favorecendo, em parte dos imóveis, mais o renovar do que o preservar. No entanto, é através dela que os imóveis históricos do Recife vêm sendo preservados frente às demolições para construção de novos empreendimentos, o que permitiu uma maior permanência destes bens na malha urbana e na memória coletiva dos cidadãos. Palavras-chave: IEP. Preservação. Renovação. Recife. INTRODUÇÃO As cidades apresentam conformações cumulativas, formadas por tempos, contextos e gostos diferentes, resultados das diversas intervenções sofridas ao longo da sua existência. Seja através de cheios ou vazios, edificações ou logradouros, públicos 1 Arquiteta e urbanista graduada pela Faculdade Damas. Atua na elaboração de projetos de arquitetura e parcerias no âmbito do patrimônio edificado. 2 Arquiteto e urbanista, mestre e doutorando em Desenvolvimento Urbano, no âmbito do Ambiente Construído, pela Universidade Federal de Pernambuco. Sócio proprietário da Lopes & Valadares Arquitetura e Patrimônio. Professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Damas da Instrução Cristã.

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ou privados, as articulações dos diversos elementos constituem uma peculiaridade de cada sítio citadino. “Os conjuntos urbanos costumam ter grande poder expressivo. São sínteses fortes” (SANTOS, 1985, p. 4) que se encontram no presente, mas que podem constatar como já foram no passado e como, talvez, serão em um futuro. A cidade passa a ser, ao mesmo tempo, um produto e um registro da ação humana, uma escrita, pois através da sua arquitetura, que perdura no decorrer do tempo e serve de vestígios de sua existência, ela materializa sua própria história. Esta é uma das razões pelas quais a conservação dos bens arquitetônicos de uma cidade pode preservar a memória coletiva, pois as formas e tipologias arquitetônicas podem ser lidas e decifradas, como se lê e decifra um texto, e o não apagar desse texto, ou seja, a não demolição destes bens, reflete na consolidação da memória (ROLNICK, 1995), tornando-se, muitas vezes, um elemento essencial da identidade de um lugar. “Os lugares de memória”, expressão utilizada por Nora (1993) para descrever certos espaços e certas temporalidades que se tornam “sacralizações passageiras” e “sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade” (NORA, 1993, p. 12-13), fazem parte da memória coletiva de determinado grupo, de um passado partilhado e de uma identidade social que faz com que o grupo apresente um sentimento de pertencimento com aquele lugar, com aquele espaço que traz à tona a história de todos (TOMAZ, 2010). Esse sentimento de pertencimento é tão forte, que “locais muito longínquos, fora do espaço-tempo da vida de uma pessoa, podem constituir lugar importante para a memória do grupo, e, por conseguinte da própria pessoa” (POLLAK, 1992, p. 202) fazendo parte dos chamados acontecimentos “vividos por tabela”, definidos por Pollak (1992). Para esta autora, a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, uma vez que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de unidade, de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. A memória coletiva “é uma corrente de pensamento contínuo, que retém do passado somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência de um grupo” (HALBWACHS, 1990, p. 81). Assim como a memória individual, ela está sempre se transformando, uma vez que os grupos que dela guardam a lembrança podem desaparecer ou simplesmente esquecerem-na. Essa memória coletiva é uma memória viva, e, por isso, quando ela não tem mais o amparo de um grupo, quando está dispersa em forma de poucas memórias individuais, isoladas em uma sociedade a qual não interessa mais, Halbwachs (1990) afirma que a única forma de salvar tais lembranças é fixa-las por escrito em uma narrativa, “uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem” (HALBWACHS, 1990, p. 81).

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No entanto, destaca-se que o documento “não é um material bruto, objetivo e inocente, mas que exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro” (LE GOFF, 1990, p. 10). As classes dominantes construíam objetos mais duráveis, assim como foram criadoras das próprias instituições de memória, as quais, geralmente, guardavam lembranças dignas de importância para tais julgadores. Portanto, estas classes passam a ser criadoras da memória coletiva, inclusive da memória urbana (LE GOFF, 1990). A “memória urbana” juntamente com a “memória da cidade” diz respeito “ao estoque de lembranças que estão eternizadas na paisagem ou nos registros de um determinado lugar [...]” (ABREU, 1998, p. 18). No entanto, os dois termos, muitas vezes utilizados como sinônimos, são distintos. O primeiro, ao contrário do segundo, está relacionado ao estoque de lembranças do modo de vida urbano por si só, sem impor uma obrigatoriedade de conexão a uma base material particular, a um lugar específico (ABREU, 1998). Na busca pela coesão, pelo passado partilhado e pelo sentimento de pertencimento, com vista a traçar uma trajetória comum, a cidade é uma das aderências que ligam indivíduos, famílias e grupos sociais entre si, e que utiliza o espaço como ancoragem para que suas memórias não fiquem perdidas no tempo (ABREU, 1998). As construções de uma cidade são alguns dos elementos representativos da memória, e é através delas que o passado se faz comum a todos, onde cada geração possui na sua memória os acontecimentos que são pontos de amarração de uma história em comum (TOMAZ, 2010). De um universo de bens pertencentes ao patrimônio histórico, Choay (2006) adotou as edificações como categoria exemplar, uma vez que se relacionam mais diretamente com a vida de todos. A arquitetura revela não só os modos de vida dos que a conceberam na origem, mas também dos que ali viveram conferindo-lhes novos usos e significados. Junto com a arquitetura, emergem sentimentos de gerações, acontecimentos públicos, tragédias, fatos novos e antigos (TRETIN, 2005). Assim, a estrutura de uma cidade é consequência do processo de acumulação de produção e transformação do seu território, regidas pelas demandas e exigências do momento vigente que podem acarretar na conservação, adequação, transformação, modificação, ou até mesmo na extinção da estrutura urbana. Na cidade do Recife, assim como em outras cidades, existe um conflito entre preservação e renovação do território que se exibe, de acordo com Pereira (2009), de duas formas. Por um lado, em muitos casos, as ações de preservação se manifestam através de identificação e cadastramento nos planos e intervenções, por outro, as ações de renovação se exibem nas transformações e demolições do patrimônio construído produzido ao longo da sua evolução.

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Um dos instrumentos municipais adotados pelo poder público para preservação da memória da formação urbana da cidade do Recife é a Lei nº 16. 284/97 - Imóveis Especiais de Preservação – IEP, que define os IEPs como “exemplares isolados, de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife (...)”. Daí a grande importância da análise da Lei 16.284/97 que foi criada objetivando preservar “manifestações materiais de significância artístico cultural com referência para um bairro ou para uma comunidade localizados nos territórios em que já se verificava certo grau de fragmentação” (PEREIRA, 2009, p. 114-115) para compreensão da evolução da cidade do Recife. Além disso, com advento da modernidade, está cada vez mais difícil recuperar a memória das cidades, pois numa tendência de menosprezar as edificações antigas, o homem contemporâneo acaba por tender mais para o lado do demolir do que para o preservar. As edificações antigas, muitas vezes, são tidas como ultrapassadas e sem utilidade para o desenvolvimento da sociedade dita moderna. Diversas vezes, por interesses exclusivamente comerciais e/ou econômicos, dá-se preferência à demolição do que é antigo para construção do novo, considerando-o mais funcional e supridor da demanda atual (TOMAZ, 2010). Espaços e edificações centenárias são substituídas a todo o momento, mesmo quando suportam todo e qualquer tipo de uso. No seu lugar, são erguidas arquiteturas que excluem a mistura, especializam, isolam e tornam as variações difíceis. Casas que conviviam harmoniosamente com a vizinhança são substituídas por edifícios verticalizados que trazem consigo uma ambiência inóspita onde antes havia quarteirões e bairros carregados de vitalidade. Dessa forma, a política de preservação não pode ter como objeto apenas a preservação dos bens patrimoniais em si. É imprescindível, diante do pensamento renovador do homem moderno, resistir às pressões dos proprietários dos imóveis diante da especulação imobiliária, assim como prevenir e/ou corrigir a deterioração do bem tombado/protegido provocada por agentes naturais ou antrópicos. Reconstituições ditas históricas ou fantasiosas, demolições desnecessárias, restaurações inqualificáveis tornaram-se formas de valorização correntes (CHOAY, 2006). E, uma vez que as soluções urbanísticas tomadas são definidoras da condição de sobrevivência dos núcleos antigos remanescentes, cabe aos modernos contemporâneos, não apenas a simples tarefa de seleção de representações de identidade da sociedade, mas também a missão de conciliar a renovação de partes da cidade com a valorização e manutenção da cidade existente, pois a cidade contemporânea não pode se agregar e funcionar sem a cidade antiga (REYNALDO, 2014 e TRETIN, 2005).

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Dentro do processo contínuo de transformação das cidades, “romper com o passado não significa abolir sua memória nem destruir seus monumentos, mas conservar tanto uma quanto outros (...)” (CHOAY, 2006, p. 113). Para isso, faz-se necessário encarar um grande desafio: manter um equilíbrio entre o preservar núcleos antigos que proporcionam uma estética particular que dá origem à fruição de certa continuidade histórica e simbólica em cidades, e o renovar através de intervenções urbanas que atendem solicitações da vida moderna sem expulsar a população do patrimônio. Como a revalorização e a preservação do que sobrou das paisagens urbanas anteriores é um objetivo que vem sendo perseguido por inúmeros agentes, apontandose aí os governos municipais em parcerias com empresas privadas, faz-se necessário um maior controle desse processo e, portanto, um maior envolvimento da sociedade. Assim, com intuito de analisar criticamente a dialética entre os princípios teórico e empíricos da Lei municipal nº 16. 284/97 buscou-se identificar as particularidades deste instrumento de preservação do patrimônio através do entendimento do contexto da criação da legislação e do processo de seleção dos imóveis contemplados por esta; da identificação de quais instituições fizeram parte da seleção dos Imóveis Especiais de Preservação e do entendimento de suas atribuições e interesses dentro deste processo. Além disso, foi indispensável analisar como esta lei tem sido aplicada e que interesses estão sendo atendidos. Para isso, tentou-se responder aos seguintes questionamentos: Como a Lei nº 16.284/97 se configura diante das Leis estaduais e federais em relação a preservação de uma edificação isolada? Quais os pontos positivos e negativos no texto legal da Lei nº 16.284/97? E na sua aplicação? O que precisa ser modificado? Como a aplicação da Lei nº 16.284/97 foi realizada em relação ao contexto urbano? E como está sendo realizada no contexto de hoje? A Lei nº 16.284/97 favorece mais o preservar ou o renovar da cidade do Recife? 1. OS ANTECEDENTES E O PROCESSO DE SELEÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS IEPS O processo de especulação imobiliária e consequente verticalização que vinha se intensificando na cidade do Recife, desde a década de 1980, decorria em danos e prejuízos ao patrimônio arquitetônico da cidade. A Lei municipal nº 15.199/89 foi instituída em prol da preservação do amplo acervo da arquitetura eclética presente nos bairros de Casa Forte e Poço da Panela. Entretanto, para o Departamento de Preservação dos Sítios Históricos da Empresa de Urbanização do Recife – DPSH/

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DPU/URB-Recife, a ação preservacionista não poderia ficar restrita a esses bairros. Os Bairros do Recife, Santo Antônio e São José, assim como parte do bairro da Boa Vista, já possuíam um número expressivo de monumentos tombados assim como de áreas protegidas através das Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio HistóricoCultural – ZEPHs em 1979 pela Lei de preservação dos sítios históricos de nº 13.957. Estas, por sua vez, não se localizavam apenas neste núcleo central, estavam presentes também em outras áreas. No entanto, a ocupação da cidade se expandia para além do núcleo central e das áreas delimitadas pelas ZEPHs, ficando assim, parte expressiva do patrimônio recifense desamparados tanto por meio do instrumento do tombamento como pelas zonas de preservação. Além disso, de acordo com Reynaldo (2017), havia uma forte pressão para demolição de imóveis antigos em prol da construção de novos, como foi o caso do projeto que propunha a demolição do imóvel conhecido como “castelinho”, localizado na Avenida Boa Viagem, que não estava oficialmente protegido, para construção de um novo edifício verticalizado. O crescimento da cidade já apontava para uma forte renovação urbana que deixava os imóveis antigos desprotegidos. O órgão responsável pela preservação municipal precisava fazer algo para que pudesse conciliar os diversos interesses envolvidos no uso e na ocupação da cidade. Foi então que os técnicos do DPSH se deram conta de que havia um conjunto de imóveis que não havia sido contemplado em nenhuma forma de proteção. Em 1994, os órgãos preservacionistas manifestaram seu desejo de reconhecer e ampliar a relação dos bens patrimoniais significativos para a cidade do Recife, dando início ao processo que, mais tarde, em 1997, culminaria na implantação da Lei dos IEPs, como ficou conhecida a Lei nº 16.284/97. A dissertação de Edja Trigueiro, de 1989, intitulada “Oh de Fora! Um Estudo Sobre Arquitetura Residencial Pré-Modernista do Recife”, utilizada como fonte primária na construção da lista dos imóveis que seriam catalogados, apontava que boa parte dos imóveis ecléticos que ela analisou detinha um terreno remanescente importante. Haveria a possibilidade de se preservar a edificação antiga e viabilizar um novo uso para esta. Tratava-se da permissão da construção de um imóvel novo, dentro do terreno, que viesse garantir a sobrevivência dos dois imóveis. É preciso entender que, para que isso se consolidasse na cidade do Recife, havia necessidade de uma legislação específica. Os imóveis designados a integrarem o novo instrumento municipal de preservação estariam distribuídos, em sua maioria, em áreas fragmentadas e, portanto, heterogêneas quanto às tipologias construtivas. Seriam edificações isoladas que conseguiram manter sua significância artístico-cultural. Assim, é da essência

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dos IEPs, desde o princípio, a relação conflituosa dos conceitos de preservação do patrimônio e da renovação do território urbano, do antigo e do novo (PEREIRA, 2009). Tinha-se por propósito, com a implantação dos IEPs, continuar o processo de preservação da memória da cidade já iniciado por leis federais e estaduais, via tombamento, e, municipais, via ZEPHs. Contudo, havia uma significativa diferença: uma vez “despregados da ambiência, os IEP possam conviver com novas edificações que os dotem de uso, prolongando sua vida útil, de forma que, uma vez preservados, estes convivam em harmonia com a dinâmica da cidade” (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, 1996, p. 9). Essa convivência não se tratava apenas de quadras ou lotes vizinhos, mas sim, de uma coexistência entre o novo e o antigo dentro do próprio lote onde estaria situado o imóvel preservado. Assim, a sua aprovação vinha como “uma nova forma de tratar a preservação: outro cenário é construído em busca do ‘renovar preservando’. É o novo que vai se consolidar e revitalizar o antigo” (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, 1996, p. 9). Ainda no ano de 1994, foi realizada a primeira fase de elaboração da lei: identificar as edificações, tendo como resultado a catalogação de 354 imóveis que passaram a integrar a relação inicial dos imóveis especiais. A análise destes imóveis catalogados teve como aspectos norteadores o nível de conservação do imóvel; a localização; a singularidade; e as características de valores arquitetônicos (PEREIRA, 2009) . Ainda dentro deste processo, com o intuito de criar critérios objetivos, foram atribuídos valores aos seguintes parâmetros analisados: grau de conservação, grau de caracterização, conjunto urbano, contexto urbano e especificidades de estilo. De acordo com Pereira (2009), esta etapa consistiu no principal procedimento de eliminação e, consequentemente, de seleção dos imóveis. Após a aplicação dos critérios objetivos foi aberto espaço para manifestação dos proprietários e/ou representantes legais das edificações pré-selecionados, o que decorreu na exclusão de alguns imóveis (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, 1996). Com a alegação de prejuízo financeiro, por parte dos proprietários, devido às possíveis limitações construtivas o Poder Público garantiu a manutenção dos direitos concedidos pela legislação urbana e os benefícios e incentivos aos imóveis especiais como forma de incentivo à conservação da edificação preservada (PEREIRA, 2009). Ao final, observa-se que todo o processo que abrangeu a formulação da lei dos IEPs, o que totalizou na proteção de 154 exemplares -113 por processo classificatório mais a incorporação de 41 imóveis decorrentes da Lei nº 15.199/89 - envolveu diversos atores sociais, dos técnicos detentores de conhecimentos relacionados à preservação do patrimônio aos setores jurídicos e governamentais, com interesses sobre a propriedade privada e o uso e ocupação do solo.

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Além disso, faz-se necessário destacar que, uma vez que as fotografias utilizadas para análises dos imóveis detinham-se, na maioria das vezes, à fachada frontal, percebe-se uma fragilidade desde o processo de elaboração da legislação que se referia à edificação como objeto isolado composto por um envoltório cujo interior era relativamente posto em segundo plano. Tratava-se assim, de uma proteção de invólucros isolados na qual a inserção na paisagem era secundária.

2. ANALISANDO A LEI Nº 16.284/97, A LEI DOS IEPS A referida Lei tem por objetivo definir os Imóveis Especiais de Preservação IEP, situados no Município do Recife, assim como estabelecer requisitos necessários para preservação destes imóveis e os respectivos encargos aos proprietários para cumprimento desta preservação. O instrumento traz também as compensações e estímulos aos proprietários que cumprirem com as exigências e o manejo no que diz respeito a ocupação do solo com novas construções inseridas no terreno do imóvel em questão. A definição trazida pela Lei nº16.284/97 para os imóveis especiais traz em sua essência o desprendimento da ambiência, assegurando como potencial construtivo do terreno do imóvel preservado o mesmo potencial estabelecido pela LUOS - Lei nº 16.176/96 - a qual é destituída de qualquer compromisso que vise a preservação do entorno dos imóveis especiais. Em contraponto, os imóveis sem potencial construtivo, independente dos motivos, são passíveis de remembramento, ou seja, um acréscimo de terrenos ao lote inicial. Como a Lei permite que haja essa adição, entende-se que todo e qualquer IEP pode vir a ter potencial construtivo (PEREIRA, 2009). Apesar de haver uma exigência quanto à visibilidade do imóvel preservado ante a inserção de uma nova construção, a classificação de IEP com potencial construtivo não considera apenas as características próprias do bem preservado, mas também o potencial do terreno que o contém, para receber novas construções, levando a crer que a lei dos IEPs é um instrumento de renovação urbana (PEREIRA, 2009). Vale ressaltar que como a classificação das edificações considerava apenas o envoltório, as ações de preservação exigidas pela legislação ficam restritas à volumetria dos imóveis. Para tal, fica proibida a demolição e a descaracterização dos seus elementos estilísticos e a alteração da volumetria e da feição da edificação original. Entretanto, em caso de existir anexos acrescidos à edificação original, estes poderiam ser demolidos, mediante análise e posterior autorização do órgão municipal competente, para viabilizar novas construções no terreno do IEP.

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Fig 1: Fachada frontal do IEP 92 - Praça de Casa Forte, 354 Fonte: Pereira, 2009

Fig 2: Vista superior do IEP 92 - Praça de Casa Forte, 354 Fonte: Pereira, 2009

Fig 3: IEP 92 - Praça de Casa Forte, 354 Fonte: Pereira, 2009

A Lei dos IEPs permite qualquer tipo de uso para a edificação a ser preservada, contanto que não haja descaracterização da mesma e atenda aos requisitos da LUOS. Esta descaracterização é entendida como uma desfiguração de fachada, uma vez que a análise do interior não foi considerada critério de seleção e, portanto, não há registros dos espaços internos da edificação, o que acarreta, muitas vezes, na total destruição das paredes internas para viabilização de alguma atividade de interesse do novo empreendimento. Isso pode ser observado em um IEP localizado na Praça de Casa Forte, que teve seu interior todo demolido para implantação de uma piscina. Apesar da legislação permitir qualquer tipo de uso para edificação preservada, ela sugere, através do parágrafo único do artigo 25, que, se o imóvel preservado for incorporado ao condomínio das novas construções, o benefício fiscal de isenção parcial ou total do IPTU poderá ser distribuído proporcionalmente pelas unidades condominiais. Tal sugestão pode ter acarretado na utilização, de grande parte dos IEPs incorporados nas atividades dos empreendimentos do tipo residencial multifamiliar, como salões de festas ou qualquer outra atividade vinculada ao uso exclusivo dos condôminos. Quanto ao parcelamento do solo, a lei proíbe o desmembramento do terreno, mas permite o remembramento, desde que não descaracterize o imóvel preservado. Em princípio, a proibição do desmembramento é vista como um fator positivo para preservação do imóvel, pois a implantação de novas construções fica vinculada à restauração, conservação ou manutenção deste imóvel. Além disso, uma vez que o terreno não pode ser fragmentado, a edificação não sofreria modificações na sua implantação. No entanto, ao permitir o remembramento, essa vantagem pode ser anulada, pois com a adição de terrenos vizinhos, esta implantação, que estaria garantida, pode ser alterada. Em contrapartida, o aumento da dimensão do terreno pode favorecer uma maior visibilidade do imóvel especial, pois permite a possibilidade da nova construção ser implantada com um maior afastamento da edificação preservada (PEREIRA, 2009).

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Somado a isso, a Lei determina que “para efeito do cálculo da área de construção da nova edificação, não será computada a área construída do imóvel preservado”. Assim, a nova edificação em terreno original do IEP, ou nos lotes que foram remembrados a este, tem consequentemente um aumento no seu potencial construtivo, podendo vir a superar o coeficiente determinado pela LUOS para os terrenos vizinhos. Entretanto, esse parâmetro construtivo, assim como a taxa de solo natural e os afastamentos dos limites do terreno, é discutido sob condição especial com o órgão municipal competente. Vale ressaltar que o parâmetro gabarito não é discutido na lei em análise, ficando este como consequência da aplicação dos outros parâmetros. Analisando os princípios que correspondem às compensações e estímulos aos proprietários dos IEPs, sob condição do cumprimento das exigências de preservação do imóvel, a lei autoriza a aplicação de três formas de benefício: o direito de construir na área remanescente do terreno do IEP; a isenção parcial ou total do IPTU; e a transferência do Direito de Construir -TDC, para os casos em que a área remanescente do IEP não puder absorver todo o potencial construtivo permitido para aquele terreno. Observa-se que a isenção total de IPTU fica vinculada à restauração total do imóvel, ou seja, do interior e do exterior, o que é quase impossível, visto que os hábitos de vida e a cultura foram completamente modificados. Assim, pode-se entender que esse tipo de estímulo se torna inviável para o proprietário além de entrar em uma visão de congelamento do patrimônio edificado. Ainda, fica determinado que a isenção passa de 25% para 100% para aquele proprietário que, mediante conservação do imóvel especial, utilizar o potencial construtivo máximo que o terreno oferece, comportando-se como um estímulo à renovação do território. Há de se reconhecer que a isenção do IPTU ora incentiva a conservação do imóvel por parte do proprietário, ora aumenta a oportunidade de uma maior lucratividade por parte do setor imobiliário através da utilização do potencial construtivo máximo deste terreno. No entanto, devido às fragilidades apontadas, como o controle do solo por uma legislação urbanística que “[...] propicia um coeficiente de utilização tão alto que muitas vezes o empreendimento imobiliário não consegue atingir os índices máximos permitidos” (AMORIM, 1999, p. 10), e, portanto, a ineficiência da TDC; a valorização do IEP em si, tanto pelo proprietário, como pelos empreendedores e pela sociedade em geral, será muito mais pelos benefícios construtivos que a Lei oferece do que pela intenção de preservação de um bem patrimonial. 3. REVIGORAMENTO DA LEI DOS IEPS Apesar de tratar-se de uma lei preservacionista recente, comparada às normas de âmbito federal e estadual, a presente pesquisa busca entender o resultado da Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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aplicação desta legislação nestes 20 anos de atuação, visto que, neste curto período de tempo, o território recifense passou por intensas transformações que acarretaram em muitos processos de intervenção em terrenos de IEP. No período de implantação da Lei nº 16.284/97, a verticalização já estava fortemente inserida do ideário da cidade, tanto que em 1996 se aprovou uma nova legislação de uso e ocupação do solo, onde “se escancara a cidade para verticalização do solo” (REYNALDO, 2017). O mercado imobiliário e os profissionais de arquitetura estavam começando a trabalhar com esta nova lei e na época havia muita oferta e muito mais residências passíveis de demolição do que hoje, não apenas pela quantidade, mas também pela ausência de proteção legal específica. Em 2008, com apenas 11 anos de vigência da lei dos IEPs, Pereira (2009) já apontava que dos 110 imóveis selecionados através do processo que envolveu a instituição da Lei dos IEPs, 41 já haviam passado por intervenções. Fazendo-se uma análise na lista atual dos imóveis especiais de preservação, que hoje totalizam 260 imóveis, percebe-se que do ano da instituição da lei até o ano de 2012, nenhum imóvel foi transformado em IEP, o que, segundo representantes da DPPC (2017) acarretou em uma perda muito grande de imóveis que não haviam sido contemplados no primeiro momento. Em um período de efervescência na construção civil em que Recife passou por um boom de construção, de transformação do solo e da paisagem urbana, quase todos os IEPs que possuíam potencial construtivo, 58 dos 110 selecionados, passaram por intervenções. Nesta lacuna histórica entre 1997 e 2012, vários exemplares significativos de residências modernistas foram substituídos por edifícios verticalizados, levando Luiz Amorim, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, a escrever um livro denominado “Obituário Arquitetônico: Pernambuco Modernista”, no qual ele demonstra a situação das edificações modernistas que não foram contempladas por nenhum instrumento de proteção. A partir do ano de 2012, uma das alternativas encontradas pelo DPPC para preservação do patrimônio construído foi através de decretos, não mais necessitando passar pelo legislativo. Após passar pela CCU e CDU, o processo vai para as mãos do executivo, para então decretação do imóvel como especial. Desde então, muitas edificações se tornaram imóveis especiais. Assim, após a lacuna histórica que existiu entre os anos de 1997 até 2012, a quantidade de imóveis especiais protegidos pela Lei nº 16.284/97 foi aumentada em 106 exemplares, dos quais 10 foram instituídos através de decretos e 96 por plano específico. Na década de 1990, a preservação era mais voltada para um caráter arquitetônico. Hoje, após a lacuna histórica, há uma mudança de paradigma, uma inserção do caráter de imaterialidade na Lei nº 16.284/97. Isto pode ser

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observado na inclusão do América Futebol Clube como IEP, a qual, de acordo com representantes da DPPC (2017), não ocorrera pelas suas qualidades arquitetônicas e sim pela sua significância. Além disso, há uma nova postura também em relação à análise do interior das edificações aspirantes a IEPs. Diferente do processo de 1997, que foi realizado de forma rápida, no afã de preservar exemplares diante da acelerada transformação da cidade por meio de demolições causadas pelo intenso desenvolvimento da construção civil, e, portanto, sem registros do interior das edificações, nos novos IEPs há uma nova conduta quanto a este quesito, a qual se refere à consideração dos atributos do interior da edificação, não como forma de aumentar as restrições de intervenção, mas para dar maior segurança à elaboração dos parâmetros construtivos (VELOZO, 2017). 4. A LEI DOS IEPS NA PRÁTICA Visando uma melhor compreensão dessa nova ideologia da DPPC e também nas intervenções atuais que vêm ocorrendo em terrenos de IEP, foram selecionados, à guisa de exemplificação, dois empreendimentos que estão passando por processos de intervenção regular, em conformidade com a Lei nº 16.284/97. A escolha desses exemplos visa ilustrar algumas relações da nova construção com a preexistente, ou seja, a relação entre o novo e o antigo que no caso dos IEPs ocorre dentro do próprio lote. O primeiro exemplo trata do IEP 155, o antigo Instituto de Psiquiatria do Recife Dr. Luiz Inácio de Andrade Lima Neto, localizado na Avenida Conde da Boa Vista, nº 1509/1531/1553, no bairro da Boa Vista. A escolha deste IEP pode ser justificada pelo fato de ser o único formado por três edificações, além de ter sido o único que atingiu pontuação máxima nos critérios objetivos do processo de classificação dos IEPs, e por ter se tornado um IEP em 2012 através do Decreto de nº 26.552, demonstrando as contradições ou possíveis interesses que estiveram presentes no processo de seleção dos imóveis na década de 1990. Além disso, foi o primeiro imóvel a se tornar IEP após a lacuna histórica através da utilização de decreto. O segundo exemplo é o IEP de número 24, localizado na Rua das Creoulas, nº 58, o qual está passando por uma intervenção com a implantação de um empreendimento residencial. Sua escolha se justifica pelo acesso aos arquitetos responsáveis pelo projeto do novo empreendimento e pelo restauro do imóvel especial e também por ter sido apontado por representantes da DPPC como um bom exemplo de integração entre o imóvel especial e a nova construção. Apesar dos IEPs serem “despregados da ambiência”, e portanto, do contexto urbano, eles foram idealizados para “conviver com novas edificações que os dotem de Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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uso, prolongando sua vida útil, de forma que, uma vez preservados, estes convivam em harmonia com a dinâmica da cidade” (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, 1996). Dessa forma, faz-se necessário uma melhor compreensão dos impactos da aplicabilidade da Lei nº 16.284/97 no contexto urbano, já que, por ser submetida aos parâmetros urbanísticos da LUOS, acarretou não só na descaracterização da ambiência do imóvel preservado dentro do seu próprio lote, como também na do genius loci, não havendo a harmonia com a dinâmica do entorno dos imóveis preservados. Embora a definição deste conceito abordado por Norberg-Schulz (1975) não seja fácil, o “espírito do lugar” é uma combinação de clima, geografia e outras condições naturais ou artificiais ligadas à sua localização (GRACIA, 1996). Em sua dimensão cultural, é uma combinação de valores, crenças e costumes de cada povo em um determinado lugar (BROWNE, 1988 apud ARRUDA e ALMEIDA, 2012). Ou ainda, é a “relação singular e ainda universal que existe entre certa situação local e as construções que estão naquele lugar” (ROSSI apud GARCIA 1996, p. 2015). Para facilitar a análise dos dois IEPs selecionados, foram utilizados alguns conceitos apresentados por Gracia (1996), referentes à identificação de categorias de intervenção em áreas consolidadas, instrumentos de projeto e princípios orientadores da relação da forma existente com a nova edificação. Para isso, ele classifica as intervenções em três níveis de acordo com a escala de intervenção. São eles: Modificação Circunscrita, Modificação do Lócus e Conformação Urbana. A categoria Modificação Circunscrita limita-se exclusivamente ao edifício de modo isolado, sofrendo ampliação moderada e transformações na estrutura interna, com restaurações de fachada que repercutem de forma sutil sobre o entorno. Na Modificação do Lócus, apesar da intervenção ainda ser restrita ao edifício de forma pontual, a escala de referência para a avaliação do impacto é indicada pelo entorno da edificação em que se opera e pelos edifícios vizinhos, repercutindo assim sobre a paisagem construída e, portanto, modificando o sistema de relações que caracteriza esse lugar. Dentro deste nível estão incluídas aquelas intervenções que, sem ter alcance urbanístico por estarem limitadas à escala do que entendemos por projeto de arquitetura, se caracterizam pelo impacto específico derivado para áreas urbanas onde ocorrem, ao ponto de poder-se falar com propriedade de uma alteração de genius loci. Neste nível de intervenção, os novos elementos são formas dentro de um campo perceptivo, previamente delimitado e significativo, que apresenta o caráter do lugar. Tratam-se das ampliações de determinada dimensão a partir dos edifícios existentes; corpos autônomos, com ligações ou conectores específicos, que os vinculam aos edifícios primários; e novos volumes, capazes de atuar como anexo entre outros preexistentes. Por fim, as intervenções caracterizadas como Conformação

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Urbana simbolizam uma intervenção com alcance urbano, que abrangem operações que afetam diretamente o caráter morfológico de uma parte da cidade. As intervenções que vêm ocorrendo nos imóveis especiais de preservação ficam restritas aos dois primeiros níveis, Modificação Circunscrita e Modificação do Lócus. No entanto, a análise aqui proposta, da inserção da construção das novas edificações em terrenos de IEP, restringiu-se ao aspecto exterior dos imóveis, ou seja, ao nível de Modificação do Lócus, uma vez que no processo de seleção de grande parte dos imóveis especiais não foi levado em consideração o interior das edificações, não havendo registros das possíveis intervenções antes ou após a classificação como imóvel de preservação.

Fig 4: IEP 92 - Sequência da situação dos casarões do IEP 155 em 2009 e 2016 Fonte: Google Earth, 2009 e 2016

O IEP de número 155, situado no bairro da Boa Vista, abrigou a Maternidade Santa Rita de Cássia em meados do século XX e, posteriormente, ao Instituto de Psiquiatria do Recife Dr. Luiz Inácio de Andrade Lima Neto até meados dos anos 2000. Esse IEP é formado por três casarões com fachadas em estilo eclético que passaram por inúmeras intervenções, em épocas distintas, que ora impuseram transformações, ora introduziram anexos, tanto contíguos às edificações como isolados no lote. O imóvel passou a ser propriedade da Construtora Conic Souza Filho e em 2012 foi transformado em IEP através do Decreto de número 26.552. Em seguida, deu-se início à construção de dois edifícios verticais, sendo um residencial, com 24 pavimentos, e um empresarial, com 31 pavimentos, ambos rompendo a horizontalidade predominante da paisagem, estabelecendo um forte contraste de escala que interfere visualmente no entorno do IEP. Observa-se também uma alteração significativa da proporção volumétrica em relação ao contexto urbano imediato, que está claramente expressa através do elevado gabarito das novas construções, tornando-se o mais alto das adjacências e, da proximidade excessiva entre as novas construções e os antigos casarões.

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Fig 5: Vista frontal dos casarões do IEP 155 antes da inserção dos volumes verticalizados Fonte: Lopes e Valadares, 2016

Fig 6: Vista frontal dos casarões do IEP 155 após inserção dos volumes verticalizados Fonte: Autora, 2017

No imóvel em questão, percebe-se uma clara descontinuidade arquitetônica e paisagística obtida pelo descompasso volumétrico e compositivo das novas edificações em relação aos casarões e ao entorno imediato. As vistas que se obtêm, na escala da rua, tanto do cruzamento mais próximo à intervenção como da própria avenida, mostram que a intervenção gera conflitos e os imóveis especiais não se constituem em elementos destacados na paisagem. Assim, todos esses aspectos desfavorecem a compreensão do papel dos três casarões na paisagem da época de sua construção, sugerindo que, neste caso, a Lei dos IEPs permitiu uma desarmonia paisagística entre o velho e o novo. O outro caso, o IEP de número 24, está localizado no bairro das Graças, que tem por vocação uma predominância residencial, com grandes sobrados, casarões e chalés. As origens do casarão são ainda desconhecidas, mas ele possui elementos primários típicos dos chalés tradicionais do século XIX e passou por intervenções ocorridas em momentos distintos que, de acordo com Lopes e Valadares (2013), são perceptíveis pela “incoerência no diálogo entre as partes e pela ausência de esmero em seus acabamentos, destoando dos elementos que seguramente são originais” (LOPES e VALADARES, 2013, p. 25).

Fig 7: Anexos do IEP 24 Fonte: ESIG, ortofotos 2007

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Na década de 2010, o casarão, que já era IEP desde 1997, passou a ser propriedade da Pernambuco Construtora, a qual empreendeu a construção de um edifício residencial de 17 pavimentos no lote do IEP. Apesar da intervenção estar representada pela inserção de um novo volume verticalizado, não se sente uma lesão de forma agressiva no entorno do IEP, pois o casarão já estava ladeado por dois prédios. Ou seja, a ambiência primitiva do casarão já havia sido alterada bem antes da construção do novo empreendimento e dessa forma não se evidencia um forte contraste de escalas entre o imóvel antigo e o novo. No entanto, a respeito do gabarito, sabe-se que não foi uma opção da construtora erguer “apenas” 17 pavimentos, mas sim uma condição limitante pela existência de um controle mais rigoroso, quando comparada ao empreendimento da Boa Vista, quanto ao gabarito para inserção de novas construções nesta região que se faz tanto pela LUOS como pela Lei de Reestruturação Urbana - Lei Dos 12 Bairros. Quanto ao impacto visual, percebe-se que houve uma amenização obtida pela largura e implantação do novo volume, garantida pela intenção projetual, mas, principalmente, em consequência do formato do terreno.

Fig 8: : IEP 24 e seu entorno antes da inserção do novo empreendimento Fonte: Google street view, 2017

Fig 9: Vista do IEP 24 (em azul) após inserção do volume verticalizado Fonte: Google street view, 2017

A ocupação do terreno se faz quase por completa, mas como a inserção do novo volume ocorre apenas na parte posterior do casarão, e dessa forma gera um grande espaço entre o transeunte e o volume verticalizado, que é formado pelo generoso recuo frontal já existente no chalé, pelo espaço ocupado pelo próprio chalé e do recuo existente entre ele e a nova edificação, a leitura do imóvel não fica tão prejudicada, em nível de observador, pela sensação de “volume solto no lote” causada na vista frontal. Dessa forma o observador, apesar de não ter livre acesso ao imóvel especial, consegue apreender o espaço mesmo com a inserção do volume novo. Em relação à textura das fachadas do novo edifício, assim como no caso anterior, também se faz o uso de revestimentos cerâmicos industrializados, que geralmente não dialogam com a edificação antiga. Entretanto, apesar de todos estes atenuantes e todo

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o cuidado por parte dos projetistas deste empreendimento, a nova edificação ainda é causadora de uma descontinuidade visual no que se refere ao genius loci do chalé. De forma geral, as intervenções em terrenos de IEP são implantadas nas áreas remanescentes do lote como espaços de domínios comuns, no entanto, no caso do empreendimento localizado no bairro das Graças, como tantos ouros identificados por Pereira (2009), estas áreas comuns geralmente são utilizadas para abrigar atividades de uso coletivo, como salões de festa, salões de jogos, salas de ginástica, que é o caso em questão, ou ainda atividades administrativas e depósitos de instalações, ficando assim, restritas aos moradores dos prédios e seus convidados. Dessa forma não há uma acessibilidade por parte da população em geral a este tipo de patrimônio. Diferentemente desta situação, no empreendimento do Bairro da Boa Vista os antigos casarões serão utilizados para atividades comerciais/empresariais, permitindo um acesso ao patrimônio edificado recifense por um público maior. Outro fator que vem a corroborar com a sociabilidade do patrimônio municipal edificado é que a presença dos imóveis especiais na parte anterior do terreno decorre na implantação dos novos volumes, geralmente verticalizados, mas recuada em relação às vias públicas e, portanto, alivia a sensação de confinamento. Entretanto, o pequeno afastamento entre o imóvel especial e o novo empreendimento acarreta na perda da qualidade do contexto e/ou ambiência do bem protegido, principalmente quando são inseridos volumes com escalas, dimensões e relações de proporções que não dialogam positivamente com a essência formal e espacial da edificação de interesse patrimonial. Em ambos os casos analisados observa-se que a altura dos novos empreendimentos representa uma “marca” que se repete na grande maioria das intervenções em objetos de preservação municipal por meio da Lei nº 16.284/97, formando propostas que visam atingir o coeficiente máximo da construção permitido para o terreno, com a justificativa de ser um empreendimento economicamente viável para as incorporadoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E Partindo-se da ideia de Rolnick (1995), que é através da arquitetura que a cidade materializa sua própria história e torna-se uma espécie de registro, a preservação da memória coletiva fica garantida a partir da conservação dos bens arquitetônicos, seja pelo valor da antiguidade, de rememoração ou de contemporaneidade determinados por Riegl (apud CHOAY, 2006), enfim, por qualquer valor que permita que a presença

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de tais edificações na paisagem urbana renovada seja necessária e assim relacionada à memória coletiva através de uma identidade e do sentimento de pertencimento. Por isso é que se faz necessário estar atento às legislações voltadas para preservação do patrimônio edificado assim como ao tipo de intervenções sobre este que vêm ocorrendo nas grandes cidades com tendência de menosprezar as edificações antigas, voltando-se mais para o demolir do que para o preservar, seja por motivos funcionais, alegando-se incompatibilidades de espaço/uso, ou, principalmente, por motivos econômicos. Os três eixos entrevistados apontaram para uma falta de clareza e objetividade na legislação, podendo esta imprecisão do instrumento ter sido a motivadora dos resultados negativos da sua aplicabilidade. Além disso, a falta de registros e de informações mais detalhadas dos imóveis, a preservação ou não de seus interiores, a ausência de parâmetros urbanísticos predefinidos, mesmo que de forma genérica, deixam muitas margens para questionamentos. Com relação às compensações e estímulos oferecidos aos proprietários, elas ainda são muito tímidas, seja pela aplicação pouco eficaz do IPTU e do TDC, seja no que diz respeito à manutenção do imóvel, que muitas vezes, por falta de condição financeira, faz com que os proprietários repassem seus imóveis para incorporadoras em troca de unidades de apartamentos. Por outro lado, foi através da Lei dos IEPs que muitas edificações foram protegidas das demolições em massa que ocorriam na década de 1990 e que ainda hoje são responsáveis por grande perda do patrimônio edificado. Outro ponto positivo da legislação é que, através da viabilização da construção de novos empreendimentos, os antigos imóveis são recuperados, restaurados e dotados de novos usos, o que lhes permite uma retomada à dinâmica da cidade e uma permanência na vida urbana, visto que com a mudança de cultura e o surgimento de novos hábitos, se não fosse a lei, os imóveis, em sua maioria, continuariam abandonados, pelo fato dos proprietários não conseguirem arcar com a manutenção e recuperação do imóvel, podendo se transformar em ruínas e desaparecer do contexto urbano. Entretanto, este modo de pensar a conservação do patrimônio é questionável, uma vez que a renovação do imóvel é feita tal qual a LUOS corrente, desvinculada do entrono, de forma que a maioria das novas edificações construídas em terrenos de IEP vieram a macular a imagem do imóvel preservado, seja pelas suas formas, suas tipologias, sua implantação, ou da anulação do imóvel especial como destaque na paisagem, e, portanto, da sua imposição como referencial. Enfim, o resultado é que as edificações representantes da história da cidade ficam subordinadas às novas arquiteturas erguidas sob uma verticalização incoerente com a escala do bem protegido que traz consigo uma ambiência muitas vezes inóspita alterando todas as estruturas e paisagens preexistentes do entorno.

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Quando se compara esse tipo de intervenção com as intervenções realizadas em edificações protegidas em nível estadual e federal, percebe-se que as intervenções municipais possuem um grau de flexibilidade maior. Vê-se que a lei dos IEPs visa proteger o imóvel enquanto objeto arquitetônico, independentemente de seu contexto. A proteção restringe-se ao objeto isolado, enquanto representante de um estilo arquitetônico, de uma tipologia construtiva ou por sua significância. Partindo da ideia de Gracia (1996) que construir sobre uma pré-existência equivale a definir uma forma em um lugar que já tem forma - de modo que essa ação supõe uma modificação do locus, deve haver uma postura de conciliação entre o pré-existente, o passado, e os procedimentos intervencionistas, modernos, onde a arquitetura nova possua uma forma derivada da compreensão formal da história. Para ele, deve haver uma adaptabilidade, com base na interpretação do contexto particularizado, onde a intervenção na preexistência deve ocorrer de maneira atual e harmônica, sem romper com a unidade já edificada, para que haja uma preservação da identidade da paisagem urbana como um todo. Assim, alterar os lugares existentes é uma tarefa delicada e somente justificável caso contribua com a melhor adequação do espaço urbano e arquitetônico. O alto grau de permissividade por parte da Lei dos IEPs acaba por corroborar com a alteração, na maioria dos casos, drástica, da ambiência dos IEPs. Dessa forma, pode-se concluir que a “harmonia com a dinâmica da cidade” idealizada na criação da lei (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, 1996), entendendo-se harmonia como “convivência ideal entre o novo e o antigo, onde o novo deveria se submeter ao antigo e o antigo ditar as regras para que o novo pudesse existir” (REYNALDO, 2017) , não passa de uma harmonia funcional, onde o patrimônio fica enclausurado e disponibilizado para o uso de poucos, servindo para as incorporadoras como uma moeda de troca para permissão da construção de novos empreendimentos que visam esgotar os coeficientes de utilização dos terrenos que lhes são fornecidos.

REFERÊNCIAS ABREU, M. D. A. Sobre a memória das cidades. Território, Rio de Janeiro, p. 5-26, 1998. ISSN 4. AMORIM, L. Trocando gato por lebre: quando os instrumentos legais de preservação não preservam o que deve ser preservado. São Paulo: [s.n.], 1999. In III SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL,3.

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CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006. EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE. Imóveis Especiais de Preservação; Classificação Final. Recife: [s.n.], 1996. v. 1 - 4. Recife, 1996. GRACIA, F. D. Construir en lo construido: La arquitectura como modificacion. Madrid: NEREA, 1996. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértices, 1990. LE GOFF. História e Memória. São Paulo: UNICAMP, 1990. LOPES, R.; VALADARES, P. Relatório Técnico do Projeto de Restauro das Fachadas do Imóvel Especial de Preservação - IEP nº 24. Lopes & Valadares Arquitetos Associados. Recife. 2013. NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, p. 7-28, 1993. PEREIRA, J. N. D. A. Renovar preservando: Os Imóveis Especiais de Preservação no Recife. Recife: [s.n.], 2009. 378 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano) - MDU, Universidade Federal de Pernambuco. POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 200-212, 1992. ISSN 10. REYNALDO, A. Eixo Institucional [29 de março de 2017]. Recife. Entrevista concedida à Clarissa Siqueira. Recife: [s.n.], 2017. ROLNICK, R. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995. SANTOS, N. F. D. Preservar não é tombar; renovar não é pôr tudo abaixo. Revista Projeto, Rio de Janeiro, p. 59-83, 1985. ISSN 86. TOMAZ, P. C. A preservação do patrimônio cultural e sua trajetória no Brasil. Revista de História e Estudos Culturais, p. 1-12, 2010. TRETIN, P. O patrimônio cultural edificado e sua gestão. A preservação e conservação do patrimônio histórico na cidade moderna. Vitruvius, São Paulo, p. 05, 2005. Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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ARTIGOS ACADÊMICOS

MUSEU, PATRIMÔNIO E ESCOLA: TRABALHANDO COM A INTERDISCIPLINARIDADE E ATRIBUIÇÕES DE VALORES Débora Eduarda Silva Moura1 RESUMO Este artigo tem como base perspectivas de relações interdisciplinares a partir da necessidade de formação no âmbito museal, visando o encontro entre inúmeras as disciplinas que compõem o ensino formal no Brasil. Para tanto, busca-se apresentar uma apresentação teórica, diante da valorização do patrimônio cultural nacional, tendo em vista as narrativas históricas que revestem a motivação simbólica que mobiliza sua institucionalização. A produção detém-se, também, sobre uma crítica às possíveis ausências disciplinares nos processos de formação ligados à esfera museal, o que pode indicar um entendimento sobre uma relação entre a educação e o patrimônio permeada por “tabus”, possivelmente mantidos pelo formato institucional do museu tradicional, diminuindo os efeitos positivos das relações interdisciplinares. Palavras-chave: Educação. Interdisciplinaridade. Museu. Patrimônio. Política Pública. Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL, 1937)2

PATRIMÔNIO E A ATRIBUIÇÃO DE VALORES Baseada em estudos e questionamentos de interesse social, a pesquisa atravessa os problemas de valor educacional sobre o patrimônio no âmbito museal, no qual bens culturais podem ser considerados a partir de valores prioritariamente históricos e/ou artísticos. O que se pode determinar, longo do século XX, sobre 1 Graduanda no curso de Bacharelado de Museologia - UFPE. 2 BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 6 dez. 1937. Disponível em: Acesso em: 29 out. 2011.

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iniciativas referentes à formação a partir do patrimônio organizadas de acordo com a necessidade de construção de uma identidade nacional. De acordo com Fonseca (2004), o patrimônio integra o processo de sistematização da cultura e dispõe de sentidos de valorização que podem ser considerados como objeto de estudo. A perspectiva da autora possibilita o entendimento sobre o modo como são progressivamente constituídos os patrimônios locais, regionais, nacionais e globais, nutrindo as identidades nacionais e culturais, idealizada pelas políticas públicas em desenvolvimento. O patrimônio, sob o qual são atribuídos sentidos de nacionalidade, atendendo a finalidades históricas e artísticas, sugere para a sociedade o entendimento integral de determinados processos e acontecimentos. A predominância das categorias de valores históricos e artísticos pode ser compreendida pela determinação de uma sistematização da cultura consolidada pelas políticas públicas de salvaguarda dos registros materiais. Essa condição de privilégio de questões históricas e estéticas dificulta a visibilidade de valores produzidos por categorias disciplinares distintas relacionadas ao processo de educação formal e informal em torno da valorização do patrimônio. Tal dificuldade pode ser evidenciada pelo ensino e perpetuação de considerações sobre sentidos de nacionalidade que envolve o patrimônio, que acompanham uma definição absoluta e/ou superior das categorias de valores que o envolvem em detrimento das demais categorias possivelmente identificadas. Uma hierarquia formalizada pela necessidade de manutenção de um caráter nacional descartaria, por exemplo, a compreensão de valores ecológicos que compõem a permanência e valorização de práticas culturais relacionadas a comunidades tradicionais. Algo que pode impossibilitar a visibilidade da multiplicidade de sentidos socialmente compartilhados de extrema relevância para a apreensão das razões que motivam a manutenção do patrimônio, sendo possível o desenvolvimento de medidas de valorização a partir de características de natureza local e/ou regional. Na identificação dos efeitos dos processos de formação de uma identidade nacional, que sugerem a exclusão de aspectos culturais potencialmente incorporados à determinação da nação brasileira, busca-se a melhoria dos investimentos em formação a partir de relações interdisciplinares constituídas no âmbito escolar/ acadêmico promovidas no ambiente do museu tradicional, compreendido como o modelo institucional mais bem difundido pelas sociedades modernas3. Reservas técnicas, sítios arqueológicos, museus – entre eles os Ecomuseus, museus comunitários e afins – possuem a finalidade de disponibilizar a sociedade 3 BRULON SOARES, B. C. O rapto das musas: apropriações do mundo clássico na invenção dos museus. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol. 43, p.41-65, 2011. p. 47.

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pesquisas acadêmicas e escolares, propiciar uma interação direta, quando há uma troca física de experiência, ou indireta, onde a experiência é vivenciada de modo intelectual, do público e o objeto, o acesso a informações históricas, artísticas e culturais e a apreciação dos acervos expostos de maneira singular. É de excelência perceber que, nenhuma experiência museal é igual, nem mesmo quando uma mesma pessoa visita por mais de uma vez a mesma exposição, aprecia a mesma coleção, ou até então, pesquisa o mesmo assunto. Isso acontece pelo motivo de que, o museu é um local de constante mudança, nada é perene, tudo transforma-se e modifica-se, inclusive, as práticas do conhecimento. Contudo, nesse artigo, a abordagem em questão é o patrimônio e os bens culturais, históricos, artísticos e culturais socialmente construídos como instrumentos de ensino com valores informativos e conservativos do âmbito museu para com a escola e seu papel contrário. É necessária e viável a junção dos dois meios para a formação da sociedade como um todo, tornando possível a interdisciplinaridade entre a educação formal e a educação patrimonial, uma forma de ensinar conscientizar e motivar os jovens que estão sendo inseridos na comunidade a olhar para o museu e seus acervos não com o pré-conceito de que é lugar de “coisa-velha”, mas sim um espaço onde o passado é lembrado para que o presente e o futuro possam existir. Ainda há um enorme tabu com relação a museu e escola, enquanto finalidade de trocas de experiências educacionais. A primeira instituição é visada superficial e unicamente para fins históricos e artísticos voltados às ciências humanas, quando na verdade há uma grande diversidade de áreas envolvidas para que exista um museu onde a descentralização é um dos principais objetivos, assim como propor atividades socioeducativas para um contato inicial e não causar medo ou recuo do públicoalvo, no caso, os alunos das escolas. A segunda então é entendida como um espaço tradicional de busca de aprendizado do estudante em elo ao professor/educador, onde é acontecida na sala de aula de maneira direta, porém sem interação com outros meios de buscar essa ligação, como por exemplo, a visitação a um museu com foco à escravidão, para que os alunos saibam de perto qual o tamanho da discriminação racial e social que havia em determinada época. PATRIMÔNIO COMO CATEGORIA DE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE

De acordo com Gonçalves (2009), é necessária a utilização do termo ou categoria Patrimônio de modo transitório por diversas comunidades culturais e sociais, fazendo comparações com diferentes ciclos remotos e/ou sociedades

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divergentes, pois com o passar do tempo todos os procedimentos são mutáveis e adaptáveis, criando novas constituições históricas. Essa categorização e atribuição de valores culturais compõe o sentido de nacionalidade, pois é por meio dos objetos representativos da ação humana que é fundamentada a construção da realidade para cada povo e assim formando uma nação, considerada também como comunidade imaginada, consolidada pelas tradições. Isso possui uma importância inquestionável para a formação educacional dos jovens que serão inseridos nessa comunidade, o saber de sua origem e como se deu todos os conceitos que atualmente estão integrados no seu cotidiano desde a formação escolar básica, o torna apto para a evolução pessoal e profissional, auxilia a ser um cidadão crítico social que aceita sua origem e aprende a respeitar a origem alheia, reconhece a importância das distintas culturas, suas obrigações para com a sociedade e seus deveres perante o meio em que está inserido. Por outro lado, o ajuda a escolher o que ele pretende continuar de onde as coisas estacionaram ou mudar o foco histórico de um determinado assunto ou vestígio para que erros cometidos anteriormente não venham a ser repetidos no futuro e modificar, a partir desse ponto, a história de um povo. Tudo isso é possível com a interação do museu, da educação patrimônio com a escola e o âmbito acadêmico, possibilitando uma transação de conhecimentos e opiniões que divergindo ou convergindo, constrói a identidade de um povo desde seu primeiro contato museal. O Patrimônio, seja qual for o valor que lhe fora atribuído, quando utilizado como ferramenta de desenvolvimento no âmbito educacional – assim como qualquer outro objeto utilizado para promover informações acadêmicas – tem forte influência na formação identitária do indivíduo a partir do momento em que as informações passadas atingem o íntimo de cada receptor da mensagem, e assim passa a fazer parte do cotidiano e da construção histórica do povo. Contudo, existem divergências com relação a como esse patrimônio intervêm na identidade construída. Seguindo a linha de pensamento de Michel Agier4 (2000) as informações podem ser modificadas pelo agente pesquisador em questão quando o mesmo põe seu ponto de vista para representação da cultura que está sendo explorada, podendo ter embasamentos pessoais e induções à distorção de uma verdadeira memória. Sendo assim, muitas identidades culturais originais dissipam-se com tempo até sua essência ser perdida e esquecida através das transfigurações feitas por alguém que teve como objetivo passar sua realidade por meio da realidade alheia. 4 Etnólogo e antropólogo francês que teve como objetivo científico, no século XXI, o estudo antropológico dos deslocamentos e lógicas urbanas, com maior ênfase nos migrantes e seu cotidiano.

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PATRIMÔNIO E ESCOLA: MÉTODOS DE INCLUSÃO A escola, assim como o patrimônio, é um espaço destinado à troca de experiências entre dois polos: educador e educado. A divergência entre esses dois âmbitos é o modo de como essas experiências são vivenciadas e como estimulam a cultura na sociedade, ao mesmo tempo, possuem convergências educacionais muito amplas onde é possível ver presente os canais comunicativos diretos, por onde são realizadas as transferências de conhecimento para que auxilie na formação acadêmica, social e cultural das pessoas. Sobre essa relação entre museu e escola Flecha e Tortajada (2000), ressaltam que “a educação na sociedade da informação deve basearse na utilização de habilidades comunicativas, de tal modo que nos permita participar mais ativamente e de forma mais crítica e reflexiva na sociedade”, ou seja, o papel mais importante da escola - como âmbito educacional formal - é o de promover o conhecimento de maneira compatível com os recursos sociais atuais para que de forma direta atinja o indivíduo e então o mesmo desenvolva suas habilidades críticas. Há muitas barreiras que ainda não permitem que esse contato da educação e o museu aconteçam. O museu é visto por muitos, como um local com atributos históricos e com finalidade de salvaguardar registros materiais de inquestionável importância, por meio do não incentivo ao contato físico com os acervos, determinando sentidos lineares de consumo do espaço comunicacional que compõe as exposições. Em nossa sociedade brasileira, a imagem do museu tradicional ortodoxo5 é muito forte e isso assusta e afasta a comunidade do seu espaço. Todavia, existem várias outras tipologias de museus - Ecomuseu, museu comunitário, museu de vizinhança, museu de território, entre outros - que atraem e convidam o sujeito a participar e aprender diretamente com as vivências do local. Existem três temáticas que juntas promovem melhor entendimento sobre o resultado do contato da escola no museu: 1. Interatividade; 2. Tecnologia; 3. Interação. Essas três promovem uma atividade de extensão cultural e desenvolvimento da comunidade, associando acontecimentos passados que serão refletidos em futuras experiências e possibilitando que essa extensão de cultura e aprendizado possa ser introduzida em suas vidas particulares. A educação junta com a tecnologia 5 Estrutura institucional baseada na aquisição e tratamento de objetos e coleções. Ver SCHEINER, T. C. M..Musée et Muséologie - définitionsencours. In: MAIRESSE, François; DESVALLÉS, André; VAN PRAET, Michel. (Org.). Versuneredéfinition du musée?.Paris, França: L’Harmattan, 2007, pp. 147-165. p. 9.

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permite maior acessibilidade e facilidade de ter acesso a meios que antes eram impossíveis, como por exemplo: descrições audiovisuais, interpretes de braile e legendas adaptadas que proporcionam melhor compreensão para aqueles que possuem deficiência visual e/ou auditivas. A interatividade é o meio que propicia maior criticidade, dúvida, questionamento e pesquisa no individuo, pois, o mesmo é tocado e desafiado intimamente a compreender e, possivelmente até, resgatar os bens culturais ali expostos. Sobre o museu interativo Valente (2007) aponta sua importância para com a sociedade como agente complementar: [...] interação do museu com o mundo em suas distintas dimensões, cientifica, cultural e social é condição essencial no momento atual. [...] Esses facilitam os atores do empreendimento museológico – profissionais e público visitante – interrogar o mundo e a época em que se vive.

É através dessa interação que sociedade, museu, educação e patrimônio se unem para compartilhar seus conhecimentos, experiências e valores “fazendo-se necessário, nesse sentido, a utilização de práticas pedagógicas que proporcionem um ensino mais crítico, onde os alunos sejam participantes e interrogadores do mundo em que vivem, e o museu torna-se elemento essencial, possibilitando, ainda, a possibilidade de trabalhar a interdisciplinaridade.”6 (Kroetz, Lara; 2015) Toda escola necessita de um parâmetro educacional para a formação formal dos indivíduos, essa necessidade se dá pela interdisciplinaridade, onde várias disciplinas convergem entre si à possibilidade de troca de experiências e conhecimentos, tornando assim um ciclo interminável de acontecimentos estando sempre interligados, o que possibilita um amplo campo do conhecimento geral e específico, assim afirma Santomé (1998) “Entre as diferentes matérias ocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas integrações; existe um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas.” A junção das ciências sociais, humanas, exatas e naturais possui correlações diretas enquanto questões acadêmicas, quando há essa convergência de pensamentos e opiniões de áreas distintas torna-se mais fácil e dinâmico a compreensão de alguns acontecimentos históricos, naturais e sociais e permite que esse indivíduo possa ter opções para ter a resposta de algum questionamento que possa vir a surgir posteriormente. Não apenas no museu possui o fato museal, que Waldisa Rússio (1999) compreendeu, esta relação direta do homem com o objeto se dá a partir da primeira 6 Recortado de um artigo publicado no III Congresso Internacional de Educação Científica e Tecnológica, referente aos museus interativos como recurso pedagógico.

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instância que o homem tem contato com a sociedade. Todos os objetos que foram musealizados, e muitas vezes sacralizados, antes faziam parte do cotidiano de uma determinada comunidade, ou seja, quando houver o contato do indivíduo daquela comunidade com o objeto que faz parte da sua história, mas dessa vez em um âmbito com objetivo diferenciado possuirá uma nova troca de experiência com o mesmo objeto que antes era comum o seu manuseio em sua sociedade. O mesmo ocorre quando a educação é locomovida da escola para dentro de um museu; a educação é a mesma, contudo, seu objetivo e manuseio serão diferentes, pois agora a educação passa de uma formação formal com apenas um roteiro a ser seguido para a formação cultural, social e interdisciplinar dentro no recinto museal. É compreensível, portanto, que mesmo possuindo relações práticas muito distantes, o museu, o patrimônio, a sociedade e a educação possuem afinidades teóricas em comum, tendo como princípios a identidade do sujeito como individuo único, propiciando assim cada um possa ter sua própria leitura e entendimento sobre o mundo e suas realidades particulares e gerais, tornando válido também a ação sócio-museológica da comunidade, onde tendo apoio patrimonial e educacional, os grupos comunitários que tomaram para si a experiência vivida e querem passar a frente essa oportunidades possam criar museus de vizinhança e afins, para que sua memória não seja esquecida ou alterada por terceiros e assim venha a ser contada para as próximas gerações.

REFERÊNCIAS

AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Mana. n.7 (2), pp.7-33, 2001. BRASIL. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 6 dez. 1937. Disponível em: Acesso em: 29 out. 2011. FLECHA, Ramón; TORTAJADA, Iolanda. Desafios e Saídas Educativas na Entrada do Século. In: A Educação no século XXI: os desafios do futuro imediato/ org. Francisco Imberón; trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p.34 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Minc-Iphan, 2005.

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GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O patrimônio como categoria de pensamento. In. ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. 2a ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. pp.25-33. SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998. SCHEINER, T. C. M..Musée et Muséologie - définitionsencours. In: MAIRESSE, François; DESVALLÉS, André; VAN PRAET, Michel. (Org.). Versuneredéfinition du musée?.Paris, França: L’Harmattan, 2007, pp. 147-165. VALENTE, M. E. A. Museus de Ciências e Tecnologia: interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro, MAST: 2007.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES Manuelina Maria Duarte Cândido1 INTRODUÇÃO Para pensar sobre desafios e possibilidades na relação museu-escola, gostaria de iniciar falando de uma maneira mais ampla sobre desafios da educação em museus no sentido de: superar a destinação única para o público escolar (diversidade de públicos), pensar hoje inclusive em público externo e interno, e em não-público; ultrapassar a complementaridade dos conteúdos escolares (Almeida, 1997). Refletindo sobre a superação da destinação única para o público escolar, acho importante aproximar as orientações da UNESCO sobre os quatro pilares da educação, que nos estimulam a ampliar o campo de possibilidades da educação em torno de conteúdos disciplinares para outras facetas, muito próprias do que chamamos de educação permanente, e portanto, não são dirigidas somente a pessoas em idade escolar. Os quatro pilares da educação segundo a UNESCO são: aprender a conhecer (adquirir ferramentais de compreensão), aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envolvente), aprender a viver juntos (cooperação com os outros em todas as atividades humanas), e aprender a ser (conceito principal que integra todos os anteriores) (UNESCO, 1996). Pensar sobre educação em museus hoje vai muito além da relação com o público escolar. Também é muito diversificado, e cada vez mais o público demanda ações mais ‘customizadas’, pensadas de acordo com seu perfil e necessidades, não sendo mais possível o museu trabalhar com uma ‘visita-guiada’ padronizada para todos os seus públicos. Podemos mencionar como diferentes categorias de público, as seguintes: - escolares: educação infantil à universidade; - professores e educadores em todos os níveis; 1 Professora Adjunta do Bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Goiás e do Programa de Pós-Graduação em Artes, Patrimônio e Museologia da Universidade Federal do Piauí. Licenciada em História (UECE, 1997), especialista em Museologia e mestre em Arqueologia (USP, 2000 e 2004), doutora em Museologia (ULHT, 2012). Realizou em 2014/15 estágio pós-doutoral em Museologia na Universidade Paris III – Sorbonne Nouvelle. Foi Coordenadora do Núcleo de Ação Educativa do Centro Cultural São Paulo, Diretora do Museu da Imagem e do Som do Ceará e Diretora do Departamento de Processos Museais do Ibram. Representa o Conselho Internacional de Museus na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, MINC.

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- grupos familiares; - jovens e crianças em organizações “de tempo livre”; - adultos (público espontâneo individual ou em grupos pequenos, turistas, grupos de empresas e de associações, etc.); - público da 3ª idade; - bebês; - pessoas com necessidades especiais como deficiências físicas ou mentais ou transtornos psíquicos; - pessoas em situação de vulnerabilidade social, dependentes químicos, etc; - pessoas com doenças crônicas; - imigrantes; - pesquisadores; - público VIP / patrocinadores. Além destes e outros públicos externos, há ainda o público interno do museu, que tem sido alcançado também por meio de programas como os denominados de consciência funcional (FIGURELLI, 2012). Outro desafio apontado por Almeida (1997) é ultrapassar a complementaridade dos conteúdos escolares. Neste caso, um importante elemento a destacar nas transformações do campo da educação em museus é a passagem da instrução, que predominou historicamente em suas ações, à mediação. Assim, ouvir, considerar e articular as respostas do público é entendido como parte do trabalho educativo, muito mais do que falar, mostrar, demonstrar ou orientar o olhar no sentido de “ver para aprender” (ALENCAR, 2015). Essa autora observa ainda que, embora existam professores muito comprometidos com o processo educativo conjunto entre escola e museu, ainda é muito comum existirem professores que não visitam a instituição antes da ida com seus alunos e que não prepararam a turma para o momento da visita, dificultando ao museu ter no professor um parceiro da proposta educativa. Do ponto de vista do museu, esta seria uma das principais demandas para aperfeiçoamento da relação museu-escola. Do ponto de vista dos professores, acredito que seja importante aproveitar esta oportunidade para uma escuta. POSSIBILIDADES E CONVITE AO ENREDAMENTO A atuação em redes e a busca de um trabalho colaborativo são características do nosso tempo e que particularmente encontram muita ressonância em nosso país. Atuar em rede é vantajoso de diversas maneiras, dentre as quais:

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- diminuição da desigualdade entre componentes; - reforço das identidades; - potencialização de recursos; - estímulo das demandas; - vantagens econômicas. Por isto, entre as muitas possibilidades de qualificação da relação museu-escola, gostaria de destacar a atuação das redes de educadores em museus e convidar os professores a estarem mais presentes e ativos nestas redes, aproveitando seu potencial. A partir da minha vivência especialmente na Rede de Educadores em Museus de Goiás (REM-Goiás), em cuja criação, em 2010, estive envolvida, e continuo implicada até hoje, buscarei apresentar as colheitas e os novos desafios. Quando a REM-Goiás foi criada, divulgamos amplamente o entendimento de que educadores em museus não seriam somente os trabalhadores dos serviços educativos dos museus, mas outros trabalhadores do campo museal e educadores ligados ao ensino formal ou a outros modelos de educação, enfim, todos que compreendam o museu como um espaço educativo e queiram se juntar para pensar, experimentar e provocar os museus com propostas educativas. As redes são formadas por alguns elementos básicos: os pontos ou nós, que são normalmente elementos da mesma natureza (instituições ou pessoas, por exemplo); as relações entre estes pontos, que podem ser representadas por linhas unindo os nós; a própria arquitetura que a rede configura, e os fluxos dentro da mesma. Independentemente do tipo de pontos ou unidades (nós), os padrões de organização das redes costumam resultar em arquiteturas que se caracterizam por áreas mais densas e por pontos mais “marginais” nas redes, que possuem menos aderência ou menos conexões (MARTINHO, 2016). Nas Redes de Educadores em Museus, os pontos são indivíduos que trabalham em museus ou com educação, ou ainda outras pessoas que possuem afinidades com o tema da educação em museus. Monaco e Marandino abordam a prática da educação em museus sob a luz do conceito de comunidades de práticas, de Etienne Wenger, associadas a “relações entre indivíduos que partilham um interesse comum e se esforçam para apontar soluções criativas a problemas que enfrentam juntos” (MONACO e MARANDINO, 2014, p. 71). As autoras afirmam ainda que estas práticas se ancoram na ideia de aprendizagem como um fenômeno social e portanto coletivo, envolvendo negociação e renegociação, nem sempre chegando a consensos, e a partir de uma noção de participação não como engajamento em determinadas atividades, mas como processo contínuo: “Ao

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participar de uma prática, o indivíduo se engaja nela e passa a vivenciar os significados relacionados a ela, ao mesmo tempo em que os renegocia a cada vez sob a influência mútua do mundo e do contexto” (idem, p. 72). As comunidades de práticas envolvem aprender de forma coletiva e praticar o que foi aprendido. A estruturação das Redes de Educadores em Museus, como informais que são, demonstra haver características próprias de um contexto a outro, seja em relação ao perfil da maioria dos participantes, do tipo de articulação (presencial, semipresencial), mais local ou mais abrangente, incluindo também a regularidade da atuação ou a capacidade de permanência da rede ao longo do tempo. Quase todas possuem sites ou blogs, além de perfis no Facebook. Em sua origem, estas redes foram estimuladas pela Política Nacional de Museus, que se fundamentou nos eixos programáticos apresentados a seguir: 1) Gestão e configuração do campo museológico; 2) Democratização e acesso aos bens culturais; 3) Formação e capacitação de recursos humanos; 4) Informatização de museus; 5) Modernização de infraestruturas museológicas; 6) Financiamento e fomento para museus; 7) Aquisição e gerenciamento de acervos museológicos (BRASIL, 2009). Consideramos que as REMs atuam na intersecção dos eixos 2 e 3, ao possibilitarem aos profissionais do campo alternativas de formação permanente, capacitação, atualização e consciência funcional2, além de exercerem forte papel na democratização e acesso aos bens culturais. Constituindo espaços para compartilhamento de experiências e boas práticas, as redes podem contribuir para a superação de algumas das principais barreiras que impedem grande parte da população de se tornarem públicos de museus: 70% da população brasileira nunca visitou museus e centros culturais (Cristina, 2010). 2 Consciência funcional é um programa criado pela Pinacoteca do Estado de São Paulo que tem inspirado iniciativas semelhantes em outros museus e estudos acadêmicos (por exemplo, FIGURELLI, 2012). “Voltado à formação continuada e à integração dos funcionários da Pinacoteca, este programa é voltado prioritariamente aos profissionais do atendimento ao público (atendentes e recepcionistas), à equipe de manutenção e aos prestadores de serviço (equipes de segurança e limpeza). Organizado em vários módulos e atividades, o programa começa por apresentar as atividades técnicas do museu e avança para discutir questões relacionadas à recepção de público, ao patrimônio e à função social do museu. Além disso, organiza visitas educativas às exposições temporárias da Pinacoteca para os funcionários, produz materiais informativos sobre elas e promove formações técnicas e experimentações plásticas.” (PINACOTECA, s. d.).

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Segundo Bourdieu e Darbel (2003, p. 69), a falta da prática cultural “é acompanhada pela ausência do sentimento dessa privação”, ou seja, é imprescindível desenvolver ações de maior impacto na formação de público, e, para tal, dar atenção àqueles que atuam no papel de multiplicadores, é fundamental. Para a constituição de uma rede em geral os primeiros passos são o mapeamento dos atores com interesses comuns e o desenvolvimento de alguma estratégia de conexão, que pode ser presencial mas, cada vez mais, com o auxílio das novas tecnologias e redes sociais, tem sido à distância. No caso das Redes de Educadores em Museus no Brasil, a articulação se iniciou por uma rede sediada no Rio de Janeiro, que atuou de certa forma como uma REMNacional e passou a estimular a criação de outras redes por volta de 2007 (DUARTE CÂNDIDO 2015, 2016). Entretanto, após a criação de redes estaduais, a articulação nacional não foi efetivada, e as redes seguiram seus percursos paralelos com poucos momentos e canais de articulação entre elas, ainda mais consideradas as distâncias físicas e as dificuldades dos componentes, como voluntários que são, de se autofinanciarem para comparecer a momentos-chave como os Fóruns Nacionais de Museus. Em 2013, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) puxou uma discussão sobre o Programa Nacional de Educação Museal (PNEM)3, que seguiu de maneiras diferentes em cada Rede, com maior ou menor engajamento, e arrefeceu um pouco até ser retomada na preparação de um encontro de redes realizado no 7o Fórum Nacional de Museus e Porto Alegre, em junho de 2017. De minha experiência como integrante de várias das Redes de Educadores em Museus, notadamente como fundadora da REM-CE (desde 2008) e da REM-Goiás (2010), quero destacar aqui como estes espaços de encontro e oportunidades de ligar, juntar, urdir, tecer, foram contribuindo para meu crescimento pessoal e profissional, e para repensar aspectos dos museus de Goiás, onde me encontro, e cuja rede acompanho há mais tempo. TECENDO AS REDES Mais do que serem constituídas por pontos e nós, nas redes são importantes as relações entre eles. O proveito de cada membro da rede depende de como ele busca aprofundar e avivar estas relações. As Redes de Educadores em Museus brasileiras não exigem exclusividade do integrante, que pode estar ligado a várias delas, independente do seu local de moradia 3 Disponível online em http://pnem.museus.gov.br..

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e de atuação profissional. Falando de duas redes diferentes, espero poder abordar estratégias diversas de configuração e de atuação, bem como de desafios. A REM-CE foi das primeiras a surgir, em 2008. Na ocasião, o Instituto Cultural Itaú dentro do Projeto Rumos, estava mapeando ações educativas Brasil afora, e em meio à divulgação desta ação, havia o estímulo à criação de redes de educadores em museus, à qual logo aderiu um pequeno grupo reunido em Fortaleza. Esta rede se define como “presencial e virtual, de trocas de experiências e de informações, objetivando o fomento da reflexão sobre educação em museus e outros espaços culturais e da formação e atuação política dos seus profissionais. Pretende reunir professores de ensino regular e outros educadores que queiram descobrir os museus, centros culturais, teatros, salas de ciência e outros equipamentos culturais como espaço de realização da educação em que acreditam.” (BLOG REM-CE)

A REM-CE procurou inicialmente definir sua estrutura e o funcionamento das reuniões (em que se alternam reuniões de trabalho e reuniões de estudo), suas linhas de atuação, as coordenações e o processo eletivo da primeira Comissão de Coordenação. As reuniões eram quinzenais, em local e horário fixo, no curso de Arquitetura e Urbanismo – UFC. Além disso, organizou-se um blog e um grupo de discussão online. Uma peculiaridade desta rede naquele momento foi que os candidatos a cada uma das três coordenações (Coordenação de Secretaria, Coordenação de Estudos e de Formação e Coordenação de Ação Política) elaboraram propostas individuais de trabalho, submetidas aos demais membros no processo eleitoral. O primeiro seminário ocorreu em maio de 2009 e resultou na publicação do caderno de resumos em parceria com o Museu do Ceará, dentro da série “Cadernos Paulo Freire”. O II Seminário ocorreu em maio de 2010, com o tema “Museus e Pesquisa: Memória e Contextos Contemporâneos”. No mesmo ano, passou-se a realizar um projeto de Visitas Técnicas em Ações Educativas dos Museus da cidade, com o objetivo de reunir informações a respeito das ações educativas dos museus e mapear as instituições que desenvolvem a atividade, além de conhecer suas metodologias e especificidades. Para tal, foi criada uma ficha de dados, a ser preenchida nas visitas realizadas. Atas das reuniões foram divulgadas no blog, de maneira que é simples compreender a dinâmica desta rede, especialmente nos primeiros anos. Em 2011, ocorreu o lançamento dos anais do II Seminário e organizou-se em maio, na Semana dos Museus, um Encontro de Educadores. De 30 de novembro a 02

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de dezembro de 2011, ocorreu o III Seminário, com o tema Museus e Comunidades, constando na programação mesas-redondas, minicurso, oficina, comunicações e visita ao Museu do Mangue. Em maio de 2012, a REM-CE ofereceu um minicurso sobre museus e acessibilidade, e desde então não conseguiu mais realizar seminário, quebrando a sequência. O blog continuou ativo, assim como a lista de discussão, divulgando eventos, exposições, cursos e atividades realizados por museus e instituições culturais no Ceará ou em outros estados. Uma das principais razões da descontinuidade da rede, naquele momento foi a migração de diversos integrantes que iniciaram sua atuação na REM-CE como estudantes de graduação e deram continuidade a seus estudos fora do estado do Ceará. Neste caso, um fomento à renovação dos quadros seria essencial. Embora as tentativas de articulação no formato antigo não tenham funcionado, já registramos que no II Seminário Brasileiro de Museologia (Sebramus)4 realizado em Recife em 2015, o GT dedicado à Educação em Museus foi proposto e coordenado por fundadoras REM-CE, mostrando que a Rede teve profícuos desdobramentos. Mais recentemente, a Rede conseguiu apresentar-se com pelo menos três integrantes na reunião de Redes que ocorreu no Fórum Nacional de Museus de Porto Alegre, e a força deste grupo, bem como participação de outros atores do Ceará naquele evento, garantiu a escolha de Fortaleza como sede do próximo Fórum em 2019. A REM-Goiás foi criada por professores e alunos logo no início do primeiro ano letivo do curso de Museologia da UFG, em 2010, e articulada inicialmente em meio digital, apresentando-se como: “um coletivo de profissionais das áreas de educação (formal ou não-formal), criada no ano de 2010 com objetivos de se aproximar de diferentes instituições culturais e museus, mapear ações educativas em andamento e estimular a criação de espaços pedagógicos nas instituições onde estes setores ainda não foram implantados, promover a articulação com os cursos de formação (graduações e pós- graduações), entre outros.” (REM-Goiás, 2011)

O I Seminário ocorreu em junho de 2010, com palestras, oficina, visita à exposição, discussão e votação do estatuto da Rede. Nesse documento, ficaram definidas as coordenações, suas atribuições, e que a Rede teria além do seminário mais cinco encontros presenciais por gestão. A partir do II Seminário, eles passaram 4 Promovido pela Rede de Professores e Pesquisadores do Campo da Museologia.

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a ser temáticos5 e realizados normalmente no mês de março. A REM-Goiás tem uma grande regularidade na realização dos seminários, que ocorreram todos os anos até o presente. Essa regularidade é um fator importante para a avaliação do evento junto a órgãos de fomento6 e constitui uma fortaleza para o curso de Museologia da UFG, que tem no Seminário da REM-Goiás seu evento de maior sequência, oito edições. O diferencial desta rede em relação às demais é a relação com o curso de Museologia da Universidade Federal de Goiás, por meio do qual está cadastrada como um projeto de extensão desde 2010. Por esta razão, há sempre um professor do curso acompanhando as atividades, mesmo que não esteja formalmente na coordenação da Rede, e o curso se compromete tanto com a presença de alunos na maior parte dos eventos como com outros apoios: eventualmente a elaboração de trabalhos de identidade visual, ou mesmo passagens para palestrantes, que já foram obtidos junto à Faculdade de Ciências Sociais e, mais comumente, com o Museu Antropológico da UFG7. Ademais, os cadastros dos encontros e seminários como eventos de extensão puderam, em algumas situações, garantir da impressão de material como cartazes, folders, fichas de inscrição e cartilhas. Em mais de uma ocasião, o projeto de extensão foi beneficiado com bolsas de extensão denominadas PROVEC (voluntárias) e PROBEC (remuneradas), constituindo um importante apoio com o trabalho dos alunos do curso de Museologia na manutenção das atividades de rotina da rede, como atualização dos cadastros e organização dos eventos (DUARTE CÂNDIDO, 2016). Mesmo com esta intensa relação com o curso de Museologia da UFG, há grande rotatividade nas coordenações e raras vezes se repetiram nomes entre uma gestão e outra. A diversidade de perfis das coordenações enriquece a Rede ainda que a troca anual seja um enorme desafio tanto de passagem das informações e da gestão, como de organização da memória e mesmo de garantia de candidatos para cada nova eleição. Esta rede conseguiu publicar um livro e alguns anais de seminários, dos quais participaram convidados nacionais e estrangeiros, e participantes de todo o país. Em 5 II Seminário “Educação, Museus e Ciências” de 15 a 17 de março de 2011; III Seminário “Museus e Memória Escolar” de 13 a 17 de março de 2012; IV Seminário “Educação, Museus e Cidades” de 02 a 05 de abril de 2013; V Seminário “Museu, Sociedade e Meio Ambiente”, de 18 a 21 de março de 2014; VI Seminário “Museus, Inclusão e Sustentabilidade: desafios para o século XXI”, de 20 a 22 de maio de 2015, VII Seminário, “AMA – Arte, Museus e Acessibilidade”, de 12 a 15 de abril de 2016 e VIII Seminário “Dizer o indizível sobre mulheres negras nos museus”, dia 23 de maio de 2017. 6 O evento já teve apoio da CAPES em mais de uma edição, e também da FAPEG, Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás. 7 O Museu Antropológico da UFG é ainda um importante apoio logístico para a Rede, que sempre tem nele um espaço para guarda de seus materiais e arquivos, o que permite alguma passagem de memória documental entre uma gestão. Atualmente o Museu chegou mesmo a ceder um sala com computador e mobiliário suficiente para servir como uma base do trabalho da coordenação da Rede.

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relação aos ganhos provenientes de sua existência no campo da educação em museus no estado de Goiás, é preciso dizer que inicialmente e até registrado no estatuto da Rede, seus integrantes pretendiam, com ela, estimular a criação de serviços educativos em museus que não os possuíssem, além de realizar algumas atividades para conhecer a atuação dos existentes, em visitas técnicas. A experiência mostrou que estes serviços educativos praticamente não existiam, o que exigiu inclusive modificar a dinâmica prevista de alternância entre as atividades de encontros de estudos e as visitas técnicas a museus para conhecer os educativos, pois não havia suficientes. É possível dizer que praticamente o que existia quando a REM-Goiás foi criada era, em poucos museus, um trabalho de “visita guiada”, bem distante das pretendidas boas práticas que a REM-Goiás ajudaria a compartilhar por meio das visitas técnicas. Basicamente, os encontros passaram a ser palestras aproveitando a vinda a Goiânia de profissionais de outros estados, e só eventualmente as atividades foram leitura e discussão de textos, ou atividade educativa em museus, como discussão sobre as práticas. Os encontros também foram realizados quase sempre em Goiânia, salvo raras exceções de idas a Goiás e Jataí, quando acaba sendo uma ida de poucos integrantes da coordenação e diálogo com pessoas da cidade anfitriã, sem conseguir envolver uma participação mais efetiva de integrantes da capital nestes eventos itinerantes. Após alguns anos o estatuto foi alterado para diminuir o número de encontros anuais de 5 para 3, mantendo ainda o Seminário. É difícil mensurar o impacto da existência da REM-Goiás na estruturação ou qualificação de serviços educativos nos museus, mas o Museu de Arte Contemporânea de Goiás, um dos museus que hoje já procura fazer uma ação educativa mais diferenciada, baseada na mediação e em práticas mais contemporâneas, possui em suas equipes fixa e flutuante diversos integrantes dos mais ativos na REM-Goiás. Além disso, no curso de Museologia da UFG, alguns dos trabalhos de conclusão de curso envolvem reflexões sobre ação educativa em museus, inclusive com alguns deles desenvolvendo uma faceta de aplicação, além da reflexão acadêmica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Wenger (1998 apud MONACO e MARANDINO, 2014, 73-74) destaca três dimensões que diferenciam as comunidades de práticas da realização episódica de atividades. São elas: Engajamento mútuo: a partir de interesses em comum e construção de espaços de interação, físicos ou virtuais, realizando tarefas conjuntas.

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Empreendimento conjunto: compartilhamento de experiências que contribui para a emergência da coerência do grupo. Estas práticas, por não serem obrigatórias, dão um sentido de apropriação e de responsabilidade aos membros do grupo, mas também suscitam questões (disputas) de poder. Repertório partilhado: conjunto de recursos físicos e simbólicos elaborados pela comunidade de forma partilhada e que contribuem para a coerência do grupo. As redes de educadores em museus, por incluírem estes fatores, podem ser consideradas comunidades de práticas, envolvendo todas as facetas, tanto de colaboração como de possíveis conflitos. Como tudo que envolve museus e patrimônio, enredar-se não é algo linear, está imerso em um campo relacional, campo de conflito, em que se percebe a presença da “gota de sangue” (CHAGAS, 1999). Segundo Wenger, existem diferentes níveis de participação em uma Comunidade de Práticas e um erro comum é tentar encorajar todos os membros a participarem de uma forma igual. Na prática, esta expectativa pode ser um dos fatores que suscitam conflitos. O autor reconhece que é comum ter até 75% dos integrantes de uma comunidade de práticas como periféricos, com participação ativa muito rarefeita, ao contrário dos demais, enquadrados como grupo principal e grupo ativo. Os conflitos aparecem, na REM-Goiás, em diversos momentos, desde a hora de montar a chapa para renovar a coordenação, que sempre é chapa única não por consenso, mas pela dificuldade em ter interessados em número suficiente, e ao longo de toda a gestão de um ano, quando não raro coordenadores pedem afastamento, sobrecarregando os que ficam, às vezes restando uma ou duas pessoas para garantir a realização dos encontros e seminário. Um conflito latente e ainda não discutido é que, por vezes, as pessoas dispostas a comporem a coordenação não são diretamente ligadas ou prioritariamente interessadas à educação em museus, mas muitas vezes a outros aspectos do fazer museal ou do conhecimento museológico. Já se percebe como isto se reflete nos temas dos seminários, que giram em torno de outros aspectos da relação da sociedade com museus e patrimônio, mas não tão diretamente da educação em museus. As REMs têm representado no Brasil uma destacada iniciativa dos profissionais do campo da educação em museus de se associarem para a reflexão conjunta, a troca de experiência e a construção de saberes específicos. Na ausência de formação específica para educadores de museus, estas redes têm constituído importante espaço de auto formação, ampliação de repertórios e atualização profissional. Igualmente têm se constituído espaços de fortalecimento dos profissionais, de educação em museus, geralmente secundarizados nas equipes das instituições, de reconhecimento e difusão das boas práticas, de busca da qualidade em seu fazer profissional. Para as

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redes mais novas, trouxe este questionamento de como a existência de uma Rede de Educadores em Museus intervém positivamente no campo da educação em museus, levando realmente a ganhos qualitativos, e como superar, em longo prazo, que sua existência seja reduzida a somente uma lista de e-mails e um evento anual. AGRADECIMENTOS Agradeço às(aos) integrantes da Coordenação atual da REM-Goiás, pois seu aceite em compor o grupo que leva adiante nossa rede, assim como o de todas as pessoas que antecederam a atual gestão, é que permite que ela continue existindo. Composição da Coordenação da REM-Goiás, gestão 2017-2018 Barbara Yanara da Silva - Coordenadora Geral Emilly Rocha Miguel - Secretária Geral Juliana Barbosa Pereira - Articulação Luís Felipe Pinheiro - Coordenador de divulgação Rejane de Lima Cordeiro - Substituta REFERÊNCIAS ALENCAR, Valéria Peixoto. Mediação cultural em museus e exposições de História: conversas sobre imagens/histórias e suas interpretações. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2015. (Tese de Doutorado em Artes). ALMEIDA, Adriana Mortara. “Desafios da relação museu-escola” in: Comunicação & Educação, São Paulo, 10, set. / dez. 1997. P. 50-60. Disponível online em http://www. revistas.usp.br/comueduc/article/viewFile/36322/39042. Acesso em 10 de agosto de 2017. BARNES, J. A. Redes sociais e processo político. In: FELDMAN-BIANCO, B. (Org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Global, 2010. p. 171-204. BOURDIEU, Pierre; DARBEL, Alain. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: EDUSP, Zouk, 2003. CAMACHO, Clara Frayão. “O modelo da Rede Portuguesa de Museus e algumas questões em torno das redes de museus” In: Actas do I Encontro de Museus do Douro. Vila Real (Portugal): s. ed., 2007. Disponível online em http://www.museudodouro. pt/exposicao_virtual/pdf/clara_camacho.pdf, acesso em 08 de outubro de 2014.

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Manuelina Maria Duarte Cândido

Nacional de Cultura. Brasília, MINC: 2009. Disponível online in: http://blogs.cultura. gov.br/snc/files/2009/07/SNC_DOCUMENTO_APROVADO_CNPC_27AGO2009.pdf. Acesso em 01/12/2009. UNESCO. Educação um tesouro a descobrir - Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, Unesco, MEC, 1996.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

PRESERVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE DO PATRIMÔNIO - UMA QUESTÃO DE POLÍTICA Maria Helena Cunha1 RESUMO Este artigo tem como perspectiva desenvolver o tema do patrimônio e sustentabilidade, abordando as questões relativas às políticas culturais no Brasil e o envolvimento da sociedade civil como garantia da existência e continuidade de programas de preservação do Patrimônio Cultural das cidades. A sustentabilidade do patrimônio cultural deve ser entendida como um processo de gestão coletiva em que os entes sociais precisam estar interligados – sociedade civil, setor público e setor privado, considerando a diversificação de fontes de recursos e o entendimento da importância de construção de parcerias, econômicas e institucionais. Por fim, destacar mecanismos, editais e instrumentos legais de financiamento à cultura e ao patrimônio, em especial, considerando as leis de incentivo à cultura e o exemplo de Minas Gerais com o caso do ICMS Cultural, mecanismo de política pública voltada para a preservação do patrimônio cultural mineiro a partir de repasse de recursos gerados pelo ICMS. Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Política Cultural. Sustentabilidade. ICMS Cultural. 1. INTRODUÇÃO Este artigo tem como perspectiva tratar do tema proposto para a mesa Gestão dos patrimônios culturais - editais; financiamento público e privado para preservação; sustentabilidade e salvaguarda, realizada durante o Seminário Políticas Públicas e Gestão do Patrimônio Cultural como parte da programação da X Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Para desenvolver o tema patrimônio e sustentabilidade, reafirmamos a necessidade de abordar prioritariamente as questões relativas às políticas culturais no Brasil e o envolvimento da sociedade civil como garantia da existência e continuidade de programas de preservação do Patrimônio Cultural das cidades. 1 Mestre em Educação (UFMG), especialista em Planejamento e Gestão Cultural (PUC/MG) e formada em História (UFMG). Gestora cultural e pesquisadora, é diretora da Inspire Gestão Cultural e da DUO Editorial. Foi coordenadora acadêmica da pós-graduação em Gestão Cultural - UNA (2004/2011). Publicou o livro Gestão Cultural: Profissão em Formação (2007) e coordena a Inspire Biblioteca Virtual, especializada em um acervo sobre gestão e políticas culturais.

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Maria Helena Cunha

Acreditamos que a sustentabilidade do patrimônio cultural deve ser entendida como um processo de gestão coletiva em que os entes sociais precisam estar interligados – sociedade civil, setor público e setor privado. O que significa, sob vários aspectos, falar da importância das políticas públicas para a área de patrimônio como um processo contínuo de ações voltadas para o setor; buscar formas de envolvimento da comunidade local com esse processo de preservação, que vai desde a definição do uso de bens e espaços tombados pelo patrimônio até o processo de educação patrimonial, com o intuito de incentivar a criação de um sentimento de pertencimento e valorização do patrimônio. De forma mais objetiva, apresentar uma discussão sobre o significado da gestão e sustentabilidade do patrimônio cultural a partir da diversificação de fontes de recursos, no entendimento da importância de construção de parcerias, econômicas e institucionais, com o setor privado e com a sociedade civil e, por fim, destacar mecanismos, editais e instrumentos legais de financiamento à cultura e ao patrimônio, em especial, considerando às leis de incentivo à cultura e o exemplo de Minas Gerais, com o caso do ICMS Cultural.

2. POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA E O PATRIMÔNIO CULTURAL

Ao nos referirmos sobre política cultural precisamos, em primeiro lugar, compreender e buscar uma visão antropológica sobre a cultura, que reconheça e valorize as diferentes identidades que compõem a sociedade brasileira, respeitando suas diversidades, os costumes, os hábitos e suas crenças. E, em um segundo momento, não menos importante, precisamos entender o potencial da cultura na promoção da coesão social, do desenvolvimento humano e sustentável e, principalmente, compreendê-la como manifestação artística, respeitando a sua liberdade de expressão criativa. Como afirma Isaura Botelho, a cultura “é também espaço essencial da qualidade de vida e o exercício da cidadania” (BOTELHO, 2016, p. 42). Na reflexão de Teixeira Coelho podemos entender a política cultural “[...] como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas” (TEIXEIRA COELHO, 1997, p. 293). Poderíamos acrescentar, ainda, que é uma política que visa a promover e descentralizar o processo de produção, difusão, acessibilidade e distribuição de produtos e serviços culturais.

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No processo de institucionalização da cultura, consideramos que a década de 1980 foi um período em que foram criadas várias instâncias da administração pública de cultura no Brasil, com o surgimento de várias secretarias estaduais e municipais de cultura e do próprio Ministério da Cultura, em 1985 (BOTELHO, 2000; RUBIM, 2007). É importante analisar e compreender essa dinâmica, buscando elementos que permitam a reflexão sobre o impacto da criação dessas instituições no processo de formalização do campo da cultura e as transformações provocadas na gestão cultural, no reconhecimento da atividade cultural como responsabilidade pública, no aumento ou remanejamento de postos de empregos públicos, privados e no terceiro setor (CUNHA, 2007). No entanto, é no início do século XXI que vivenciamos um período no qual se abriu um amplo debate nacional sobre a política cultural e presenciamos a intensificação da discussão relativa ao seu processo de institucionalização. E, cada vez mais, tornase fundamental discutirmos os princípios de formulação de uma política pública de cultura pautada em parâmetros referenciais de democracia, de transversalidade, de ética e de transparência política. A complexificação da sociedade contemporânea exige a formulação de políticas culturais que contemplem um trabalho integrado entre o Poder Público e a sociedade civil, mantendo um diálogo transversal com outros setores que compõem o conjunto da teia social de nossas cidades, como o setor educacional, o econômico, o ambiental, o turístico, as questões urbanas (mobilidade, ocupação de espaço público, segurança). É preciso fazer com que a cultura seja reconhecida como prioridade e, ao mesmo tempo, integrada em uma política maior de Estado, fazendo parte da estratégia de governabilidade. Para tanto, devemos nos pautar em ações planejadas que requerem o desenvolvimento de pesquisas e diagnósticos contínuos, com o intuito de fazer o mapeamento e o reconhecimento do nosso patrimônio cultural, material e imaterial, e das diversas manifestações culturais e artísticas. O que significa instrumentalizar a área com bases estatísticas e com a formação de bancos de dados com informações específicas sobre o setor, para que tenhamos mais clareza para estabelecer estratégias de ações políticas. A municipalização das ações é uma questão que deve ser amplamente debatida, pois são os governos municipais que estão mais próximos da realidade dos cidadãos e, portanto, com capacidade para identificar com mais clareza as necessidades reais de cada setor, tendo como base de sustentação uma política que vislumbre um programa consistente de descentralização cultural, levantamento e reconhecimento do seu patrimônio cultural, da sua produção e manifestação artística e a potencialidade de financiamento para o setor. Como afirma Isaura Botelho,

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De qualquer forma, essas experiências confirmam que é mais fácil lutar pela ampliação do espaço político como estratégia específica da área da cultura junto aos governos locais municipais. Em função de sua proximidade do viver e do fazer cotidianos dos cidadãos, esses governos tornam-se mais suscetíveis às demandas e pressões da população. (BOTELHO, 2016, p. 25)

Neste ponto, trazemos a discussão a partir de um instrumento de planejamento estabelecido como parâmetro para a política cultural nacional e que, como efeito cascata, atinge diretamente a vida cultural dos municípios, ou seja, o Plano Nacional de Cultura e, mais especificamente, uma de suas metas relacionadas à área de preservação do patrimônio cultural. É importante destacar que a primeira Conferência Nacional de Cultura (CNC), realizada em 2005, tinha como um dos seus fortes objetivos a criação de programas públicos referenciais como o Plano Nacional de Cultura – PNC (Lei nº 12.343/2010). Em 2008, entrou em sua etapa final de elaboração o texto do documento que foi encaminhado para votação como Projeto de Lei no Congresso Nacional, tendo a sua aprovação definitiva em 2011, quando se consolidaram todas as diretrizes, estratégias de ações e metas até 2020. Segundo a publicação Por que Aprovar o Plano Nacional de Cultura (2009, p. 34), esse processo pode ser traduzido pelos seguintes números: [...] 80 alterações no caderno de diretrizes, inseridas na revisão do Conselho Nacional de Política Pública (CNPC); presença de cerca de 5 mil pessoas nos seminários estaduais; participação de 4,2 mil pessoas nos grupos de trabalho; 5 relatórios de contribuições produzidos nos encontros de cada uma das 27 unidades da federação – total de 135 relatórios; 2.750 participantes nas oficinas sobre 14 políticas do Sistema MinC; mais de 100 sugestões e comentários postados pela internet.

Entre as 53 Metas2 elaboradas para o PNC, com perspectiva de serem cumpridas até 2020, destacamos a Meta 05 – “Sistema Nacional de Patrimônio Cultural implantado, com 100% das Unidades da Federação (UF) e 60% dos 2 Além disso, como as 53 metas do PNC foram criadas em 2011, por meio da Portaria nº 123 de 13 de dezembro de 2011, então, para fins de cálculos das metas que definiram como parâmetro o ano base 2010, será considerado como total de municípios o número de 5.565, pois esse era o dado de referência em 2011 apresentado pela “Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Munic”. Para as outras será considerado o total de municípios de acordo com pesquisa “Munic” mais recente. (MINISTÉRIO DA CULTURA. Plano Nacional de Cultura - Relatório 2015 de Acompanhamento das Metas. Brasília, 2016).

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municípios com legislação e política de patrimônio aprovadas”, por tratar do tema específico de nosso debate. No Relatório 2015 de Acompanhamento das Metas disponibilizado pelo Ministério da Cultura podemos ter alguns parâmetros para analisar a situação atual. Foi estabelecido como indicador de avaliação da Meta o número de Unidades da Federação (UF) e de municípios que integram o Sistema Nacional de Cultura (SNC), com legislação e política de patrimônio aprovadas, em relação ao total de UF e municípios, tendo como principais responsáveis pela sua aplicação o acompanhamento e a fonte de dados do IPHAN. O contexto da meta, segundo o Relatório é: Esta meta se refere ao fortalecimento da política de preservação do patrimônio cultural no Brasil nas diversas esferas de governo de modo a estabelecer diálogos e articulações para a gestão adequada do patrimônio cultural. O Sistema Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC), que integra o Sistema Nacional de Cultura (SNC), deve propor formas de relação entre as esferas de governo. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2015, p. 71)

As tabelas abaixo apresentam a radiografia nacional do processo de institucionalização da área de Patrimônio Cultural no Brasil, tendo como fontes a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) e a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (ESTADIC), 2009, 2012 e 2014 – IBGE, atualizadas em 31/12/2015: Tabela 1 - Histórico Indicadores

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015 Ponto da Meta 2020

Número de UF com legislação de patrimônio aprovadas

*

*

*

27

*

*

27

Número de UF com política de patrimônio aprovadas

*

*

*

*

*

*

*

Número de UF com legislação e política de patrimônio

*

*

*

*

*

*

*

Número de municípios com 1.618 legislação de patrimônio aprovadas

*

*

1.737

*

*

1.516

Número de municípios com política de patrimônio aprovadas

*

*

*

*

*

*

*

Número de municípios com legislação e política de patrimônio

*

*

*

*

*

*

*

27

3.339

* Sem informação

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Tabela 2 Indicadores

2009

2012 - 2013

2014 - 2015

Número de municípios com Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio ou similar

*

879

1.043

Número de estados com Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural

*

*

9

* Sem informação Na análise apresentada pelo Relatório 2015, apesar de considerar satisfatória (de 76% a 100%) a qualidade da informação para o monitoramento da meta, “as pesquisas não apresentam se o estado ou município possuem legislação e política de patrimônio, mas apenas se tem legislação de patrimônio” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2015, p.73), o que torna difícil aferir o desempenho da meta. Portanto, o mais importante para se alcançar os resultados para a Meta é o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a área de preservação do patrimônio que contemple o reconhecimento da sua efetiva importância para o desenvolvimento das cidades e regiões. Esse reconhecimento deve vir da comunidade local e do poder público municipal, acreditando na sua real capacidade de preservação da memória, de valorização do patrimônio como bem público e de uso social e cultural e na movimentação de recursos que possam provocar um dinamismo na economia local. Ressaltamos que, como estratégia de política pública para a proteção e a preservação do patrimônio cultural nacional, material e imaterial, a principal ação deverá estar focada na área de educação patrimonial, pois é preciso conscientizar os cidadãos da importância desse acervo para a constituição da memória da sociedade. Por isso, é preciso também promover a integração social e democratizar efetivamente o acesso aos bens culturais, dando uma utilização pública e responsável aos espaços e centros urbanos preservados, respeitando as realidades e a vida já existente no entorno. Dessa forma, possibilita-se a criação do sentimento de pertencimento nos sujeitos sociais, ou seja, de que eles fazem parte desse processo e, portanto, também têm seus direitos e suas responsabilidades sobre a preservação da memória de suas cidades. Um dos maiores desafios para o setor público de cultura é estabelecer princípios, critérios e indicadores de desempenho para a avaliação de políticas públicas. Estamos com planos nacional, estaduais e de vários municípios disponíveis como instrumentos e parâmetros para a efetivação de políticas de Estado e o mais importante, no momento atual, é acompanharmos como estão os desdobramentos de tais programas, que são estruturantes para a política cultural nacional e que se desdobram em um processo de organização para os estados e municípios, a fim de que não se percam na descontinuidade dos processos políticos.

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3. GESTÃO E SUSTENTABILIDADE NA ÁREA DE PATRIMÔNIO Para discutirmos sobre gestão e sustentabilidade para a cultura, reafirmamos que isto só é possível com uma política pública de cultura estruturante para o setor, pautada em parâmetros que considerem a realidade local e fortaleçam a sua capacidade de geração de recursos e fomento contínuo para as iniciativas públicas e da sociedade civil. No caso da área específica de patrimônio, para falarmos de sustentabilidade e preservação, precisamos discutir a sua destinação, o reposicionamento do uso dos espaços e a sua valorização pela comunidade local. O que significa integrar os espaços e seus conjuntos urbanos de forma orgânica e estrutural à cidade, aos seus cidadãos, considerando os impactos sociais, culturais, turísticos e econômicos que possam interferir em seus entornos, na lógica contemporânea de um desenvolvimento humano e sustentável. Para isso, é necessária a estruturação de planos e projetos que tenham como perspectiva econômica a composição de recursos financeiros e a construção e consolidação de relacionamentos institucionais, por meio da identificação do potencial de viabilização de recursos próprios e do estabelecimento permanente de parcerias públicas e privadas. Ressalta-se que, quando se refere à composição de recursos voltados para a manutenção de espaços culturais preservados, ou não, pelo patrimônio, não se trata apenas dos aspectos financeiros: é preciso identificar e valorizar as parcerias institucionais e comunitárias como importantes impulsionadores do processo de realização das iniciativas culturais. O financiamento à cultura é uma questão-chave para o desenvolvimento de políticas culturais e tem sido um desafio permanente para os profissionais que atuam na área, pois consiste em elaborar diretrizes de diversificação de fontes de financiamento que constituam o sistema de sustentação às atividades culturais: legislações específicas, editais públicos e privados, fundos de cultura, linhas de investimentos, levantamento de recursos próprios, financiamentos coletivos, entre outros. Vamos abordar um dos principais instrumentos de financiamento a projetos culturais desde a década de 1990: as leis de incentivo à cultura. Vivemos um período em que se apresenta uma real necessidade de discutir profundas reformas nas legislações de cultura, cientes de que o setor não pode ficar à mercê exclusivamente das leis de incentivo à cultura, que sozinhas não dão conta de todo o ambiente cultural nacional. De modo geral, as leis culturais têm apresentado um grau excessivo de concentração do trabalho em regiões privilegiadas e em determinadas áreas artísticas de maior visibilidade pública.

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Reafirmamos que as leis de incentivo fiscal, como um dos instrumentos de incentivo à cultura, desassociada de políticas públicas consistentes, abrangentes e democráticas tornam-se vulneráveis como instrumentos de promoção da sustentabilidade do setor. No entanto, não poderíamos deixar de frisar que tais leis tiveram um papel importante no processo de profissionalização da área cultural e injetaram muitos recursos no setor. No caso específico da área de patrimônio cultural, que também se beneficia com as leis de incentivo fiscais e, no âmbito nacional, está associado ao artigo 18 da Lei Rouanet, o que significa que os projetos patrocinados permitem um abatimento fiscal de 100% do valor aplicado e, na lógica da captação de recursos, significa maior interesse por parte de patrocínio privado. Como um dos exemplos de programas de patrocínio para a preservação do patrimônio cultural brasileiro, podemos citar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem um recorte de investimento como linha de patrocínio específica para a área de preservação do patrimônio (via Lei Federal de Incentivo à cultura e Fundo Cultural) e, segundo informações em seu site oficial, com mais de 20 anos de atuação na área, já investiram mais de R$ 615,9 milhões em todo o Brasil, em um total de 338 projetos. A modalidade Fundo Cultural - Patrimônio Cultural Brasileiro tem como objetivo: [...] apoiar projetos, ações e investimentos de preservação e revitalização do patrimônio cultural brasileiro que atendam às seguintes diretrizes gerais: contribuir para o desenvolvimento e fortalecimento das cadeias produtivas da Economia da Cultura no País; promover a descentralização e/ou o aumento da oferta de bens e/ou serviços culturais no País; promover a articulação entre instituições culturais, governo, empresas e sociedade civil visando dinamizar a atividade econômica; e promover a inclusão social por meio da arte e da cultura, da educação patrimonial e da capacitação de mão de obra.3

Outro exemplo a ser considerado, é o caso da Caixa Econômica Federal (CEF) com o Programa de Apoio ao Patrimônio Cultural Brasileiro. Em seu site oficial apresenta como objeto de seu programa “a seleção de projetos de entidades museais que visem assegurar a democratização do acesso e a preservação do patrimônio cultural brasileiro”. Informa que seu processo de seleção é bienal e “contempla projetos de funcionamento de instituições museológicas, tais como programas pedagógicos (ações de arte-educação, oficinas, palestras, cursos, visitas mediadas), programação 3 http://www.bndes.gov.br

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de mostras de seu acervo permanente e mostras temporárias, dentre outros”4. Um ponto que destacamos é a exigência, para a efetivação do patrocínio para instituições museológicas, da existência de um plano museológico que oriente as suas ações, o que hoje é uma obrigatoriedade para o funcionamento do setor e um caminho para a sua profissionalização. Ainda no âmbito federal, não poderíamos deixar de citar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) específico para as Cidades Históricas, o que significa um investimento em cidades que possuem sítios históricos e/ou bens tombados em nível nacional. Essa é uma inciativa do governo federal coordenada pelo Ministério do Planejamento que promoveu a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética no País. Segundo o site oficial do IPHAN, em 2013, “de forma até então inédita na história das políticas de preservação, o Ministério do Planejamento autorizou a criação de uma linha destinada exclusivamente aos sítios históricos urbanos protegidos pelo Iphan, dando origem ao PAC Cidades Históricas”. E coube ao IPHAN a concepção do Programa que, atualmente, encontra-se em fase de implementação em cooperação com os municípios, universidades e outras instituições federais. Conforme indicado no site do IPHAN, “o PAC Cidades Históricas está sendo implantado em 44 cidades de 20 estados da federação. O investimento em obras de restauração é de R$ 1,6 bilhão, destinado a 425 obras de restauração de edifícios e espaços públicos”5. Por fim, ressaltamos que, embora ainda muito dependente das leis de incentivo à cultura e dos editais públicos e privados, a sobrevivência no setor cultural, de um modo geral e de, forma mais específica, na área de patrimônio cultural, exige uma discussão mais ampla sobre a capacidade de diversificação das fontes de financiamento. Isso significa ampliar o leque de possibilidades de captação de recursos, considerando financiamentos específicos à pesquisa e à formação profissional, de oferta de linhas de financiamento para o setor cultural por meio de instituições bancárias, fundos nacionais, estaduais e municipais, de levantamento de receitas próprias, do estabelecimento de parcerias de compartilhamento de trabalho, dos editais específicos e da modalidade de financiamento coletivo, entre outros. 3.1 ICMS CULTURAL EM MINAS GERAIS Por Neste momento, a proposta é apresentar o ICMS Cultural como uma política pública de proteção ao patrimônio cultural de Minas Gerais, uma experiência singular, 4 http://www.programasculturaiscaixa.com.br 5 http://portal.iphan.gov.br/, acessado em 03/08/2017.

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que tem o seu reconhecimento como política pioneira de municipalização da proteção do patrimônio cultural. Esse processo da municipalização é o ponto mais estratégico dessa política pública, além de contar com a continuidade de suas ações ao longo da última década e como parte da diversificação de fonte de recursos para o setor. O ICMS Cultural significa a redistribuição de parcela da receita da arrecadação do ICMS, que pertence aos Municípios mineiros, e está resguardada pela Lei Estadual 18.030/20096, que estabelece o repasse dos recursos advindos do Critério do Patrimônio Cultural. Para que os municípios possam usufruir desse recurso é preciso comprovar que possuem ações de gestão para a preservação do seu Patrimônio Cultural. Todo o trabalho é coordenado pelo IEPHA/MG, que é a instituição responsável por estabelecer, acompanhar e avaliar as diretrizes relativas ao referido critério para a efetivação do repasse de recursos aos municípios. As Deliberações Normativas, aprovadas pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural - CONEP, definem as regras para o envio da documentação comprobatória das ações de preservação, conforme previsto e divulgado no site oficial do IEPHA/MG. O fortalecimento dos setores públicos responsáveis pelo patrimônio dos municípios e, principalmente, a valorização do papel dos conselhos de patrimônio e cultura, bem como a ação conjunta com as comunidades locais, é que são a base de sustentação e efetivação dessa política pública. Entre vários outros critérios de pontuação para o repasse e a apropriação de tais recursos que deverão ser revertidos para o patrimônio local, destacamos: a criação de Lei Municipal de Patrimônio Cultural; a criação de conselho municipal do patrimônio cultural; a existência de programas de educação patrimonial; a existência de bens culturais móveis ou imóveis tombados pelo Município, pelo Estado ou pela União; e a elaboração de inventário de proteção ao acervo cultural. Ainda podem ser destacadas mudanças mais atuais, que consideram a elaboração de projetos de educação patrimonial e a manutenção de equipamentos culturais públicos - como museus, arquivos e bibliotecas -, como parte de pontuação na descrição dos seus inventários. Mais recentemente, “a proteção de bens culturais imateriais ─ saberes, modos de fazer e celebrações ─ também passou a ser reconhecida e pontuada, seja o âmbito do registro municipal, estadual ou federal”7. Com relação aos recursos próprios aplicados pelos municípios, que passam a ser critério de pontuação específica, avaliamos este como um ponto positivo que

6 Disponível em: www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/2009/l18030_2009.htm. Acesso em: 31/07/2017. 7 Informações disponível no site www.iepha.mg.gov.br. Acesso em: 31/07/2017.

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reforça o comprometimento da gestão municipal e da comunidade por meio dos Conselhos Municipais de Patrimônio na construção de suas políticas municipais, conforme descrito no site do IEPHA: O investimento de recursos financeiros nas ações de proteção e manutenção do patrimônio também é pontuado, uma vez que a criação e manutenção de fundos municipais de preservação do patrimônio cultural e a destinação de pelo menos 50% dos repasses do ICMS Cultural para projetos e ações ligados a bens culturais protegidos.

É importante ressaltar que a gestão e a definição das políticas voltadas para a proteção do patrimônio cultural são, principalmente, ações municipais deliberadas pelos gestores públicos. Como resultado positivo dessa política é possível indicar um percentual significativo: “[...] 80% dos municípios mineiros contam, hoje, com um Conselho Municipal de Patrimônio Cultural atuante e, portanto, efetivam a gestão de seus bens culturais”7. Para buscar maior efetividade dessa política pública voltada para a preservação do patrimônio cultural mineiro, o IEPHA/MG tem oferecido, permanentemente, orientações aos municípios por meio das Rodadas Regionais sobre as políticas de preservação e os procedimentos necessários para a participação do município no programa do ICMS Cultural. Como um importante instrumento de avaliação e acompanhamento dessa política, o IEPHA disponibiliza em seu site para consulta uma Tabela de Pontuação e a listagem dos Bens Culturais Protegidos: A partir desta pesquisa há a possibilidade de, caso o município não tenha um arquivo constituído, conseguir pesquisar na documentação que se encontra disponível na biblioteca do IEPHA/MG, a qual poderá ser apenas consultada ou xerocopiada. Há, ainda, a possibilidade de consulta (ou reprodução) das Fichas de Análise, as quais darão ao município a informação de toda sua participação em exercícios anteriores (www.iepha.mg.gov.br).

Tal iniciativa coloca em andamento uma política pública contínua que perpassa diversos governos estaduais e municipais. Esse é um ponto positivo e podemos considerar que uma das principais ações está relacionada à educação patrimonial, que passa a mobilizar diretamente a comunidade local, valorizando a sua memória e, 8 www.iepha.mg.gov.br

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consequentemente, despertando um sentimento de pertencimento e da necessidade de cuidados com essa memória coletiva. De forma mais organizada, os Conselhos passam a ter um papel fundamental na proposição, acompanhamento e avaliação da implantação de políticas públicas para as cidades e da sua linha de preservação patrimonial (PINTO, 2012). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfim, reafirmamos que para discutir patrimônio cultural e sustentabilidade é necessário, antes de qualquer coisa, aprofundar o entendimento sobre a formulação e efetivação de políticas públicas consistentes e contínuas para o setor, que englobem as esferas nacional, estadual e, principalmente, as municipais, nas quais de fato são concretizadas as ações de preservação. Mas não bastam políticas vindas do poder público se não houver ações de mobilização das comunidades locais, o que requer uma linha de ação estratégica em que os planos de cultura sejam documentos orientadores de iniciativas culturais. Portanto, devem ser construídos de forma participativa e a sua implantação deve ser monitorada e avaliada por seus participantes do poder público e da sociedade civil, por meio dos conselhos de patrimônio e de cultura dos municípios. Como afirmamos anteriormente, a Lei Federal de Incentivo à Cultura como instrumento de financiamento cumpre um papel importante no que se refere aos investimentos públicos e privados na preservação do patrimônio nacional, mas sozinha ela não garante uma efetiva ação igualitária, o que exige, cada vez mais, o desenvolvimento de iniciativas estaduais e municipais voltadas para políticas especificas de suas realidades locais. No caso de Minas Gerais, onde se concentra grande parte do patrimônio cultural nacional, a política pública do ICMS Cultural vem exemplificar um processo contínuo de ação pública para o patrimônio e reafirmar a necessidade de diversificação de fontes de recursos como forma de garantir, minimamente, a preservação do seu patrimônio cultural. No entanto, ainda estamos distantes de ter uma realidade favorável às práticas de aplicabilidade das políticas culturais e, em tempos atuais, precisamos estar atentos para garantirmos a manutenção das ações propositivas já conquistadas e que não podem ser desarticuladas por motivações políticas. A melhor forma de dar continuidade a políticas públicas é o desenvolvimento de programas formativos para os profissionais que atuam no setor e, diante da sua complexidade atual, também promover capacitações mais direcionadas, o que significa ampliar os programas de educação patrimonial para as comunidades locais que estão diretamente envolvidas no uso e na preservação de seus bens materiais e imateriais.

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REFERÊNCIAS BOTELHO, Isaura. Romance de formação: FUNARTE e Política Cultural 1976-1990. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2000. . Dimensão da Cultura: políticas culturais e seus desafios. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2016. BNDES. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/ondeatuamos/cultura-e-economia-criativa/patrimonio-cultural-brasileiro/apoiopatrimonio-cultural. Acesso em: 27/07/2017. CEF. Disponível em: http://www.programasculturaiscaixa.com.br/ regulamentos/ apoio-patrimonio. pdf . Acesso em: 27/07/2017.

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PINTO, Liliane Faria Corrêa. O ICMS Cultural e o Patrimônio Imaterial: o caso de São Tiago e o modo de fazer os biscoitos. Disponível em: http://culturadigital.br/ politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2012/09/Liliane-Faria-Corr%C3%AAa-Pinto. pdf. Acesso em: 05/08/2017 RUBIM, Antônio Albino Canelas. Políticas Culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios. In: RUBIM, Antônio Albino Canelas; BARBALHO, Alexandre (Org). Políticas Culturais no Brasil. Salvador: Edufba, 2007. SUCHODOLSKI, Sergio Gusmão e GORGULHO, Luciane Fernandes (Org.). Preservação do patrimônio cultural brasileiro. Rio de Janeiro: BNDES, 2016.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

MUSEU-ESCOLA: SÓCIOS NOS PROCESSOS DE EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO PATRIMÔNIO Maria Regina Batista e Silva1 RESUMO A relação museu-escola, seus desafios e possibilidades é tema recorrente no campo dos museus e das ações educativas e foi escolhido para orientar o debate no II Seminário de Educação Patrimonial, para a Semana de Patrimônio, coordenada pela FUNDARPE, a partir da conferencia proferida pela Prof. Drª Manuelina Duarte, da Universidade Federal de Goiás. O presente artigo aborda, do ponto de vista museológico, as questões pontuadas na fala da conferencista, centradas em análises do trabalho educativo desenvolvido pelos museus brasileiros frente à escola, os seus desafios e possibilidades; o papel do museu, a sua dimensão socioeducativa de produção de saberes próprios e não apenas de complementação dos conteúdos escolares conforme abordado por (ALMEIDA, 1997) ; a contribuição dos estudos no campo da educação com base nos quatro pilares da educação da UNESCO (1999) para a educação nãoformal; o uso na mediação (ALENCAR, 2015) como recurso de aproximação entre o publico e o que se expõe nos museus, e os processos de educação patrimonial. Na pós-modernidade, os estudos no campo da educação do século XXI trouxeram para os museus inúmeros desafios, especialmente no que relaciona a educação à busca do desenvolvimento humano, à paz e à superação de problemas e conflitos étnicos, raciais e religiosos, a devastação ambiental e a tecnologização do trabalho. Sob essa perspectiva, os profissionais de museus discutem os novos caminhos para as ações educativas através de ações mais afirmativas e inclusivas, buscando novas possibilidades para os processos educativos, a exemplo do trabalho desenvolvidos nas Redes de Educadores em Museus e Programa Nacional de Educação Museal (PNEM). Por fim, apresenta relato de experiência em Arte-Educação, através do projeto “Arte/ Educação como Mediação no Conhecimento da Obra do Artista Francisco Brennand”, realizado na Oficina Cerâmica de Francisco Brennand, Recife, em 2009. Palavras-chave: Museu. Escola. Museologia Social. Ação educativa em museu. Mediação. Educação Patrimonial. PNEM e REM. Projetos em arte-educação como relato de experiências. 1 Museóloga, Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-Graduada em Administração Cultural pela Universidade Nacional de Brasília UNB/OEA e mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco. É membro suplente do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural e diretora da MAR Projetos e Criações Ltda e Conselheira do COREM 1ª Região e do Conselho Federal de Museologia COFEM.

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INTRODUÇÃO Na qualidade de debatedora do tema “Relação museu-escola: desafios e possibilidades”, para o II Seminário de Educação Patrimonial, abordado na conferência da Prof. Drª Manuelina Duarte, da Universidade Federal de Goiás, busquei analisar no presente artigo, além do discurso sobre museu-educação, seus desafios e possibilidades, pontuar questões que tocam de perto os processos da ação educativa e cultural nos museus, os meios e formas de transmissão e comunicação museal do conhecimento produzido através do patrimônio cultural e as articulações com as escolas e os diferentes públicos no âmbito do REM e do PNEM. Ao introduzir o tema para discutir a relação museu-escola, considerei oportuno apresentar, primeiramente, o conceito de MUSEU, segundo a definição do Conselho Internacional de Museus2 (ICOM, 2007), de que o museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, expõe e transmite o patrimônio material e imaterial da humanidade e do seu meio com fins de educação, estudo e deleite.

Alinhado a esse conceito, apresento o campo das ações educativas desenvolvidas em museus, tratadas enquanto processo de ação cultural, tendo como lastro constitutivo um acervo/coleção de caráter museológico, e o que se pode dele extrair por meio da pesquisa e da documentação museológica, de novos conhecimentos. A ação educativa se realiza a partir desses pressupostos, numa exposição de objetos musealizados ou de programas educativos ofertados, que buscam, sobretudo, construir um novo saber. É através desse discurso que o museu trabalha a comunicação e processos educativos para o público visitante, seja ele, professor, aluno ou o público em geral, com a finalidade de promover o aprendizado, a reflexão crítica no indivíduo e a transformação da realidade social integrada à apropriação desse patrimônio cultural. As ações educativas realizadas nos museus devem ser entendidas como uma ação cultural voltada para o aprendizado, em um sentido amplo, da realidade que nos cerca e os seus resultados devem assegurar novas possibilidades de expressão 2 Definição de museu, aprovado em 2007, em Viena, Áustria, durante a realização da Assembleia Geral do Conselho Internacional de Museus (ICOM).

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dos indivíduos e grupos nas diferentes esferas da vida social. (CÂNDIDO, 2006, p.147)3

Desta forma, o museu reafirma o seu papel socioeducativo baseado em metodologia não formal, em visitas mediadas, produção de material didático como folhas didáticas, jogos e processos interativos, que permitem ao visitante novas possibilidades de entendimento sobre as referências culturais do homem em sociedade. Cabe aos museólogos e profissionais de museus, a tarefa de traduzir esses referenciais contidos nas coleções musealizadas, o que exige um quadro técnico com adequada formação pedagógica, quando não, pedagogos e arte-educadores, para mediar esse conhecimento produzido a partir dos objetos colecionados pelo museu. Em se tratando da escola, enquanto instituição formal, essa qualificação é condição sine qua non, e os professores, interlocutores adequados para o uso do museu como instrumento de educação. Como facilitadores da aprendizagem no processo de educar a criança, os professores devem transformar práticas pedagógicas, por exemplo, para acompanhar as novas formas pelas quais os alunos adquirem informações, ou seja, por meio da tecnologia e das mídias sociais, assim como das exposições em museus e espaços culturais, desenvolvendo o pensamento crítico, a colaboração, a criatividade e as habilidades interpessoais. Com o avanço da Nova Museologia, do termo em inglês New Museology ou Museologia Social, a dimensão social do patrimônio cultural passou a ser missão não apenas para os museus, mas para todos os setores comprometidos com a educação e a formação de indivíduos, no caso as escolas, em seus diferentes níveis do ensino. Segundo Rivière, a museologia social se caracteriza por “Um discurso crítico sobre o papel social e político dos museus”, e “o seu interesse estava principalmente nos novos tipos de museus concebidos em oposição ao modelo clássico (...) “tratava-se dos ecomuseus, dos museus de sociedade, dos centros de cultura cientifica e técnica e, de maneira geral, da maior parte das novas proposições que visavam à utilização do patrimônio em benefício do desenvolvimento local” (RIVIÉRE, 1981, p. 63).

Desta forma, a educação num contexto museológico não se esgota nas atividades educativas, que são fundamentais, mas se amplia em possibilidades para 3 Caderno de Diretrizes Museológicas I . Brasília: Ministério da Cultura/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Departamento de Museus e Centros Culturais, Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/ Superintendência de Museus, 2006. 2° Edição.

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além das exposições e dos processos de comunicação museal. O museu chama a si a responsabilidade de promover a educação informal, ao transmitir esses conteúdos para todos os indivíduos, mostrando a importância da herança cultural que os envolve na perspectiva de formar cidadãos para a reflexão critica e a cidadania. Na relação museu-escola, é preciso entender o papel de cada uma das instituições, como espaços diferenciados quanto ao seu objeto ou campo de atuação, tanto do ponto de vista da relação com o público, quanto das suas propostas educacionais, as suas formas de apresentar conteúdos, o tempo e periodicidade de suas ações. Enquanto o museu é atemporal, a escola deve rigorosamente cumprir um calendário formal de conteúdos e avaliações. A conclusão a que se pode chegar é a de que a educação precede o museu na medida em que o seu objeto é a transmissão do ensino de campos do conhecimento organizados e estruturados do ponto de vista da pedagogia formal através de disciplinas sistematizadas como Matemática, Português, Geografia, Historia, Ciências Biológicas e por aí vai. O Museu, cuja centralidade está nos objetos/patrimônios musealizados, materiais e imateriais, móveis e imóveis, reunidos em coleções, mesmo constituindo um corpo de conhecimentos advindos de coletas, documentação e pesquisas, realiza ações educativas complementares, ou seja, sem a formalidade da avaliação ou do grau de aprendizado adquirido. O que importa é a forma de devolução/transmissão dos conteúdos provenientes dos objetos para todos os públicos. Ainda hoje, na sua grande maioria os visitantes de museus são alunos, em atividade complementar de ensino ou atividade extracurricular à escola. Essa constatação, por sua vez, institui tanto os professores quanto os alunos em sujeitos multiplicadores da memória cultural desde comunidades aos museus e espaços culturais sociais vivenciados pelos mesmos. A esse respeito, considerando a dimensão social e educativa dos museus, Santos (2001, p. 8) assevera: Assim como na educação, o processo museológico é compreendido como ação que se transforma que é resultado da ação e da reflexão dos sujeitos sociais, em determinado contexto, passível de ser repensado, modificado e adaptado em interação, contribuindo para a construção e reconstrução do mundo. Daí, o sentido de associarmos o termo processo às ações de musealização, compreendido como a sequência de estados de um sistema que se transforma por meio do questionamento reconstrutivo, e que, ao transformar-se, transforma o sujeito e o mundo.

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Para as instituições museais, investir grande parte de seus recursos financeiros e humanos, além de muita energia na elaboração de projetos de exposições e programas educativos que demandam na produção de materiais pedagógicos e/ ou paradidáticos, na capacitação de pessoal para o atendimento e na difusão do conhecimento, é manter uma sinergia constante entre museólogos, arte-educadores, pedagogos e curadores do museu. Por isso, o planejamento de ações educativas se reveste de importância significativa para o museu, que precisa sair da sua zona de conforto e interagir com o que está para além de suas paredes. Buscar atender o maior número de escolas/alunos nas três esferas do ensino infantil, médio e superior, deve ser para os museus meta a atingir, não como troféu, mas, como resultado de investimento no campo da produção do conhecimento, mesmo que nem sempre esses resultados sejam satisfatórios quanto à avaliação das ações empreendidas. Outra questão importante na relação museus-escola é o uso, na atualidade, de recursos interativos, não apenas como atrativo para os projetos de exposições permanentes e ou temporárias, mas, como meio de comunicação para os processos educativos, uma vez que o computador é ferramenta disponibilizada em todas as redes de ensino, constituindo-se em mais um instrumento/mediador no processo educativo. Na era da informação, a internet vem cumprindo o papel do livro didático, com um cardápio recheado de informações, desafios e possibilidades. O museu, portanto, deve permitir o compartilhamento da informação. Entretanto, analisando a interatividade como ferramenta educativa nos museus, os cuidados são muitos para a possibilidade de exclusão do papel do mediador como interlocutor do diálogo humanizado entre o acervo e o visitante. Nesse sentido, qual o papel do professor, quais as suas práticas e as suas ações frente aos museus? Outro questionamento deve ser feito: Como se articula o discurso museológico no plano dos conteúdos escolares? Segundo Duarte, os estudos de ações educativas em museus devem ser tratados não apenas como complementação dos conteúdos escolares (ALMEIDA, 1997), mas, na passagem da instrução à mediação (ALENCAR, 2015), ou seja, enquanto ações articuladas de educação informal comprometida com questões sociais, econômicas, educacionais e políticas (PRIMO, 2011), que pressupõem mudanças e transformação. De certa maneira, a relação sujeito x meio sociocultural, está na base da Nova Museologia, movimento internacional que tem por base o trinômio, patrimônioterritório-população de forma integrada.

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O termo Mediação4, segundo Francois Mairesse e André Desvallées, em publicação sobre os Conceitos-chaves de museologia, do ICOFOM, (ICOM, 2013), na dimensão da museologia, significa o diálogo que se quer estabelecer “entre dois” mundos, isto é, o público do museu com aquilo que lhe é oferecido, as coleções expostas, no sentido de provocar uma aproximação e uma apropriação dos conteúdos intrínsecos do que se expõe. A mediação passa a ser uma dinâmica da ação educativa, para o estabelecimento do diálogo entre o visitante e o acervo, na tentativa de reduzir as diferenças de percepções e compartilhar o conhecimento produzido. Outra forma de mediação está no método de ensino intuitivo apresentado pela conferencista a partir do que se chamou de “lições de coisas” –, inspirados nos quatro pilares da educação preconizados em documento da UNESCO (1999), intitulado “Educação: um tesouro a descobrir”, definidos como o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver juntos. Esses princípios estão presentes na metodologia de Educação Patrimonial, que se definem como um processo permanente e sistemático de trabalho educacional, centrado no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. No discurso da pósmodernidade, esses postulados estão na base da educação para o século XXI, na busca pela paz e a superação de problemas e conflitos étnicos, raciais e religiosos, na devastação ambiental e na tecnologização do trabalho, para o desenvolvimento humano. Nesse contexto, é importante a realização de estudos sobre a relação musealescola e os diferentes públicos, incluindo-se o não público, (grifo nosso), para encontrar novos caminhos/possibilidades de desenvolvimento de ações educativas inclusivas em museus. Sobre esse tema, o IBRAM, em 2012, publicou sob o título O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não-ir” a museus no Distrito Federal, um dos primeiros estudos de público, com o objetivo de oferecer subsídios para a constituição de políticas públicas para o campo museal do Distrito Federal, onde aparecem indicadores pelos quais indivíduos respondem os motivos para a não frequência aos espaços museológicos e as condições sociais e econômicas com as quais tal opção se relaciona (CPIM; DEPMUS; IBRAM, 2012). Conforme (ANDRADE, 2010), esse estudo torna-se ferramenta vital para instituições museais que tratam e analisam comportamentos, atitudes, construções imaginárias e hábitos de consumo cultural de diferentes públicos visitantes, influenciando diretamente o desenvolvimento de projetos de avaliação, inovação, marketing e comunicação. 4 O termo mediação apareceu no Brasil mais recentemente no contexto dos museus, para designar as ações educativas conduzidas por “mediadores”, voltadas para o publico, principalmente estudantes, a fim de intermediar a comunicação dos conteúdos que se expõem (objetos) e os significados do que esses objetos podem conter. Trata-se de interpretar o que está subjacente ao conteúdo expositivo.

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Dessa forma, as instituições museais devem atentar que o seu público visitante pode ser constituído por uma infinidade de segmentos destacados pelos museum studies como: famílias, estudantes e professores, profissionais, especialistas, turistas, grupos organizados, nichos de público (aposentados, imigrantes, pessoas com necessidades especiais ou mobilidade reduzida), dentre outros, os quais se apresentam definidos por características específicas (ANDRADE, 2010).

Na pesquisa da arte-educadora Valéria Peixoto de Alencar5, sobre mediação cultural, outros conceitos foram introduzidos a exemplo de dissenso e contravisualidade, que funcionam como chaves necessárias para o entendimento da mediação cultural. Segundo a autora, tais considerações analisadas a partir da obra de Jacques Rancière, em sua obra O espectador emancipado, o “dissenso quer dizer uma organização do sensível na qual não há realidade oculta sob as aparências, nem regime único de apresentação e interpretação do dado que imponha a todos a sua evidência”6 (RANCIÈRE, 2014, p. 48), assim, não existiria “a” interpretação de uma determinada visualidade, mas a possibilidade de interpretações múltiplas. Já a ideia de contravisualidade, (MIRZOEFF, 2011), discutida em seu livro The right to look, a “nominação do visível”, é processo composto para nomear, categorizar e definir o que está sendo apresentado. Alencar avalia na sua pesquisa o método de ensino intuitivo - as “lições de coisas” -, a partir de um olhar sobre a metodologia de educação patrimonial. Maria de Lourdes Parreiras Horta (1999), que introduziu no Brasil a metodologia de Educação Patrimonial, define um processo permanente e sistemático de trabalho educacional, centrado no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Neste caminho, ainda nas palavras da autora, o contato direto com as evidências e manifestações da cultura proporciona um trabalho que leva os indivíduos a um processo ativo de apropriação e valorização de sua herança cultural. Foi a partir do interesse em investigar práticas educativas no caminho da valorização das identidades culturais, compreendendo-se o patrimônio histórico material e imaterial -, que identificamos na metodologia de Educação Patrimonial, o caminho fértil na discussão das referidas práticas de ações educativas desenvolvidas em museus e voltadas para as escolas. 5 ALENCAR, Valéria Peixoto de. Mediação cultural em museus e exposições de história: conversas sobre imagens/história e suas interpretações: provocação de dissenso e contravisualidade. Tese de mestrado, 2015. 6 RANCIÈRE, Jacques. O dissenso. In: A crise da razão. Organizador: Adauto Novaes (Org.). São Paulo: Companhia das Letras,1996. Tradução de Paulo Neves

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O alargamento da noção de patrimônio, para conferir universalidade não só aos bens culturais únicos e insubstituíveis de grande valor monumental, mas também a objetos considerados pela sua singularidade, pelo seu conjunto ou pela sua possibilidade de extinção, além das manifestações imateriais das comunidades com suas representações nas festas, no sincretismo religioso, nas danças, cantos e expressões diversas, só abriu caminho para os processos educativos e de inclusão social. Os museus, por sua própria natureza educativa e pelo seu potencial papel de comunicação, podem servir de pontes para o entendimento da cultura entre os indivíduos, ajudando-os a se reconhecerem numa sociedade cada vez mais marcada por conflitos e tensões e pela mundialização da cultura. Interagindo diretamente, o museu e a escola devem contribuir juntos para a formação de indivíduos mais cientes de seus valores e bens, aqui entendidos como patrimônios/heranças culturais. Se a escola antes instruía, agora precisa de outros atores sociais em colaboração, como corresponsáveis e, só assim, a escola pode se abrir para o seu entorno cultural para a criação de um ”sistema que apoia o ensino e a aprendizagem para que, assim, os alunos estejam adequadamente preparados para se tornar arquitetos de suas próprias vidas, bem como participantes e contribuintes das suas comunidades. A ênfase desta estrutura se dá sobre a natureza sistêmica das intervenções necessárias para transformar as condições em que os alunos aprendem e os professores ensinam”7 (REIMERS, 2017).

Portanto, os desafios são grandes e os museus precisam atualizar as suas práticas pedagógicas buscando atender às novas exigências para os diferentes públicos/visitantes. Nesse cenário surgiram, no Brasil, iniciativas de trabalhos em redes formadas por educadores de Museus, para discutir e atualizar a nível nacional, local e regional o que vem sendo discutido e experiências realizadas sobre processos educativos em museus. Uma das primeiras iniciativas registradas foi a Rede de Educadores em Museus do Ceará, REM-Ceará, coordenada pela professora Duarte, também responsável em Goiás pela REM-Goiás, criada em 2010, com a participação de um grupo de aluno da UFG, no primeiro ano letivo do curso de Museologia, articulando profissionais de 7 Reimers, Fernando. Conectando os pontos para construir o ensino e a aprendizagem do futuro / Fernando Reimers Esteban Bullrich, Beatriz Cardoso, David Edwards, Stefania Glannini, Vandana Goyal, Jacqueline Kahura, Jari Lavonen, Vikas Pota, Linda Rush, Oon Seng Tan, Ramya Venkataraman, Oley Dibba-Wadda, Brett Wigdortz. – Brasília : MEC, 2017.

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educação formal e não formal, por meio digital que, por sua vez, está ligada à rede nacional e ao seu funcionamento no Brasil. Segundo definição encontrada no blog REM-CE, a REM é8: [...] uma rede, presencial e virtual, de trocas de experiências e de informações, objetivando o fomento da reflexão sobre educação em museus e outros espaços culturais e da formação e atuação política dos seus profissionais. Pretende reunir professores de ensino regular e outros educadores que queiram descobrir os museus, centros culturais, teatros, salas de ciência e outros equipamentos culturais como espaço de realização da educação em que acreditam. (Blog REM-CE)

Em Pernambuco, algumas iniciativas no campo da educação em museus ocorreram na década de 1990, no Museu do Homem do Nordeste, com o Projeto Caixas Didáticas, buscando ampliar o seu campo educativo e reafirmar o papel pedagógico do Museu junto às escolas da rede municipal, estadual e particular de ensino, uma alternativa de exposição itinerante nas escolas para o uso do objeto museológico como auxiliar ao conteúdo programático das escolas. Em 2000, o Salão Pernambucano de Artes Plásticas, coordenado pela Diretoria de Museus da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco FUNDARPE trabalhou sob a perspectiva do Salão de Artes, como espaço de formação do olhar sobre a arte para diferentes públicos, especialmente professores e alunos da rede pública. Uma extensa programação de atividades foi desenvolvida, destinadas à capacitação de professores. Foi criada uma curadoria com o artista plástico e crítico de artes Raul Córdula, e uma equipe com a participação de museólogos, professores e arte-educadores que se envolveram na pesquisa e produção de materiais didáticos estabelecendo uma conexão feliz entre processos educativos e cultura. A produção de 03 (três) livros didáticos, com pesquisa situando a formação do acervo do Museu do Estado de Pernambuco intitulado “Retrospectiva dos Salões”; o caderno de visita à mostra das obras selecionadas para o Salão “Meu olhar sobre a arte”; e um guia de visita ao Museu do Estado de Pernambuco, para a mostra retrospectiva das obras dos Salões de Artes Plásticas - “Caminhos da Arte”. Em 2002, a exposição “Albert Eckhout volta ao Brasil 1644-2002”, realizada no Instituto Ricardo Brennand, trouxe para a exposição perto de 60 mil alunos das redes públicas e privadas de Pernambuco e de outros estados do Nordeste, atingindo recordes de público, como jamais visto em outros eventos. 8 ARTE, MUSEUS E ACESSIBILIDADE: Reflexões da Rede de Educadores em Museus de Goiás.

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A exposição Eckhout ofereceu formação para 120 (cento e vinte) professores da rede pública, visitas mediadas, sala do professor, visita virtual, estágio de formação para grupos de educadores e recursos pedagógicos como o livro “Viajando com Eckhout: roteiros para viajantes-professores”. Em 2009, foi a Oficina Cerâmica Francisco Brennand, local de desenvolvimento do projeto de formação continuada de Arte-educadores, alunos aprendizes e monitores de museus no conhecimento da obra do artista Francisco Brennand. O referido projeto “Arte e Mitologia na obra de Francisco Brennand. Arte-educação como Mediação”, coordenado por mim e pela arte-educadora Maria das Vitória do Amaral, teve a duração de oito meses, com a participação de 30 professores da rede municipal de ensino e a produção de um livro que reuniu os trabalhos gerados a partir da formação. O objetivo do livro foi o de registar todas as fases do projeto desde a realização do seminário, oficinas, visitas mediadas para escolas, e ser ferramenta para multiplicação do conhecimento construído durante o processo. Ao mesmo tempo, contribuir para expor as possibilidades de uso de coleções e espaços culturais, como instrumento de educação e inserção social. O projeto foi contemplado pelo programa Petrobras Cultural. Outras experiências foram realizadas sob o lema de educar para o conhecimento e vivencia do patrimônio, ampliando a sensibilização não apenas para professores e alunos, mas para a comunidade e todos os visitantes. A bandeira é não perder de vista a promoção da aprendizagem, a percepção, atitudes e aquisição de conhecimentos, para a compreensão dos valores culturais e autonomia da pessoa. CONCLUSÃO Os museus, responsáveis como são por perpetuarem por meio de suas coleções e acervos a história dos povos e da humanidade, precisam superar os desafios e buscar outras possibilidades para exercerem uma ação mais comprometida com os processos de educação inclusiva. Mesmo com os esforços do governo federal em desenvolver uma política nacional de museus, no contexto da política cultural implementada pelo Ministério da Cultura (MinC), e a criação do Instituto Brasileiro de Museus (BRASIL, 2009) -, muito ainda precisa ser feito para o desenvolvimento do segmento museológico em nosso país. Uma política cultural adequada e que respeite o princípio da cidadania - o direito de todos aos bens e valores culturais - deve incorporar a necessidade de se criarem novas instituições museológicas nos municípios brasileiros e de dotar as já existentes de condições factíveis de funcionamento, de forma a promover o acesso da população a esses equipamentos culturais. Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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Nesse sentido, consideramos como uma das maiores conquistas do setor museológico frente aos desafios que se impõem em nível das políticas culturais para o setor, seja a instituição de um marco regulatório, previsto no Estatuto dos Museus (BRASIL, 2009) e por outras normas correlatas, que dão configuração ao Sistema Brasileiro de Museus (BRASIL, 2004). Nele, está prevista a normatização das ações dos museus e a regulação das ações educativas entre outras, como a necessidade de criação de setores educativos, compostos por equipes qualificadas e multidisciplinar, atualizadas com projetos pedagógicos que propiciem a relação museu-escola como ferramenta educativa e de desenvolvimento social, assegurando ações socioeducativas que valorizem a produção de novos saberes, a partir do respeito à diversidade dos territórios socioculturais e ambientais, com as suas potencialidades reais. Entendendo como importante a disseminação de informações, apresento alguns dos resultados contidos no Relatório do 5° FNM9 - Grupos de Trabalho Ação Educativa, que teve lugar em Petrópolis/RJ em 2012 e apontou os avanços com relação à atuação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Política Nacional de Museus (PNM), o Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM), o Estatuto de Museus, o Programa Nacional de Educação Museal (PNEM), o fomento às Redes (educadores em museus) e Pontos de Memória. Entre os desafios ainda a serem solucionados no setor, apontam como de grande importância, a implantação de setores educativos nos museus, o melhor entendimento da concepção de educação em museu e a qualificação dos técnicos; a formação de equipe multidisciplinar; o apoio das secretarias de educação na área museal; a necessidade de programas de estágios e a aproximação efetiva com universidades, entre outros. Os destaques apresentados mostraram a necessidade de enfatizar o museu como potencial educador para além de um complemento escolar, enxergando-os como equipamento cultural a serviço da sociedade e, finalmente, a importância de fomentar parcerias com secretarias de educação e escolas para aproximação entre educadores em museus e professores das escolas, como também garantindo para a Educação Básica a visitação aos museus locais, regionais e nacionais, entre outros. Tudo isso para o fomento de ações educativas onde essas ainda não existem e políticas públicas de educação para o patrimônio cultural aos diferentes grupos sociais nas esferas municipal, estadual e federal. 9 Fórum Nacional de Museus (5. : 2012: Petrópolis, RJ) 40 anos da Mesa de Santiago do Chile : entre o idealismo e a contemporaneidade: relatório. – Brasília, DF: Ibram, 2014.

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Finalizando, e a titulo de reflexão sobre o contexto abordado, deixo como mensagem para a reflexão o texto da educadora argentina, Silvia Alderoqui, em tradução aberta: Em outras palavras a sociedade entre os museus e as escolas tem que repousar em atos de negociação profissional. Os museus saem de seu isolamento e as escolas compreendem que os museus são lugares privilegiados para responder a formação cultural dos seus alunos. Com trabalhos sustentados por ambos já não se trata somente de visitar o museu senão ir em busca de respostas e novos questionamentos. A elaboração de um projeto com estas características implica numa colaboração estreita entre estes organismos da cultura, os museus e a equipe escolar. Os dois aliados vao tentar que esta iniciativa possa se inscrever em uma perspectiva de continuidade...( ALDEROQUI, 1996, p. 48).

REFERÊNCIAS

ALDEROQUI, Silvia. Museos y escuelas, socios para educar. Buenos Aires: Editorial Paidós 1996. ALMEIDA, Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. Campinas, SP: Papirus, 1999. ALENCAR, Valéria Peixoto de. Mediação cultural em museus e exposições de história: conversas sobre imagens/história e suas interpretações. 2015, 190 p. Tese (doutorado), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Instituto de Artes, 2015. ANDRADE, Pedro (Coord.). Museus, públicos e literacia científico tecnológica: redes de comunicação de significados no espaço interdimensional do museu. Lisboa: Edições Colibri, 2010. BRASIL, 2005. Sistema Brasileiro de Museus, Decreto nº 5.264/2004. BRASIL, 2009. Estatuto dos Museus, Lei nº 11.906/2009 BOURDIEU, Pierre, DARBEL, Alain. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: EDUSP: Zouk, 2003.

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CÂNDIDO, Maria Inez. Documentação Museológica. 2 ed. In: Caderno de Diretrizes Museológicas I. Brasília: Ministério da Cultura; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; Departamento de Museus e Centro Culturais, Belo Horizonte: Secretaria do Estado da Cultura; Superintendência de Museus, 2006. DELORS, J. Educação um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI. 6. ed. Tradução José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez, 2001. FÓRUM NACIONAL DE MUSEUS (5°. : 2012: Petrópolis, RJ) 40 anos da Mesa de Santiago do Chile : entre o idealismo e a contemporaneidade: relatório. - Brasília, DF: Ibram, 2014. HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, 1999. HORTA, M L P. Lições das coisas: o enigma e o desafio da educação patrimonial. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2004. n°. 31, p. 56-70. INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. O não público dos museus: levantamento estatístico sobre o não ir a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. LEGISLAÇÃO SOBRE MUSEUS [RECURSO ELETRÔNICO]. 2. ed. Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2013. 159 p. – (Série legislação; n. 108) Atualizada em 28/8/2013. LYOTARD, J.-F. O pós-moderno. Tradução de Ricardo Correia Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Do teatro da memória ao laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais Museu Paulista, 1994, vol.2, no.1, p.9-42. PRIMO, J. S. Documentos Básicos de Museologia: principais conceitos. Cadernos de Sociomuseologia – Questões Interdisciplinares na Museologia. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, n. 41, p. 31-44, 2011.

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REDE DE PESQUISA E (IN)FORMAÇÃO EM MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIO (REDMUS). Descrição do grupo de pesquisa. 2014. Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/ espelhogrupo/6285275721310405. Acesso em: 10 de set. 2017. SANTOS, Maria Célia. Museu e educação: conceitos e métodos. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL “MUSEU E EDUCAÇÃO: CONCEITOS E MÉTODOS”, 2001, São Paulo. Anais. São Paulo: USP, 2001, p. 1-19.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

AS ESTRUTURAS DO SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL, UM PROJETO INACABADO Mário Pragmácio1 RESUMO O presente artigo pretende abordar o projeto de construção do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural e a repartição de competências em matéria de preservação do patrimônio cultural, a partir do marco legal existente, sobretudo a partir da emenda constitucional que instituiu, no. Art. 216-A, o Sistema Nacional de Cultura. Palavras-chave: Marco legal. Sistema Nacional de Patrimônio Cultural. Patrimôno cultural. Antes de começarmos a tratar dos marcos legais concernentes ao patrimônio cultural, é necessário fazer algumas ressalvas. Primeiramente, por questões metodológicas, não é possível abordar o(s) marco(s) legal(is) de todo o patrimônio cultural, amplamente compreendido, de sorte que será feito um recorte para tratar do patrimônio cultural, de forma mais restrita, a partir do que se convencionou chamar de patrimônio imaterial. Segundamente, é importante esclarecer que a intenção desse artigo é auferir subsídios para que os construtores do (ainda sonhado) Sistema Nacional de Patrimônio Cultural possam, num futuro breve, dominar a legislação preservacionista, evitando o contrário: que fiquem reféns dos ditames legais. Para isso, é necessário compreender que devemos nos beneficiar das inúmeras possibilidades de aplicação da legislação vigente e não tê-la como desafeta ou como um empecilho às atividades cotidianas de preservação. Além disso, partiremos da ideia de que a lei, tal como o bem de natureza imaterial, é mutável. E muda de acordo com a sociedade; na verdade, de acordo com 1 Advogado, Doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RIO. Mestre em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO e especialista em patrimônio cultural pelo Programa de Especialização em Patrimônio - PEP/IPHAN (Atualmente Mestrado Profissional). Atualmente, leciona no Mestrado Profissional do IPHAN (PEP/MP), na pósgraduação em Produção Cultural, no MBA em Gestão Cultural e no MBA em Gestão de Museus da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.

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os “valores” da sociedade. Um exemplo claro e oportuno disso é o nosso Código Penal de 1890, que reservava o Capítulo XIII – Dos vadios e Capoeiras - para determinar: Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. Pena - de prisão celular por dois a seis meses.

Atualmente, como todos sabem, a capoeira não é mais crime. Muito pelo contrário. Os valores mudaram de tal forma que esta manifestação cultural passou a ser reconhecida oficialmente como integrante do patrimônio cultural brasileiro, ao ser registrada, em 2008, de acordo com o Decreto 3551/002. Interessante que essa “questão de valor”3 ainda pode ser encontrada na atualidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, há um embate recente que discute, do ponto de vista político-ideológico, sobretudo, se o funk carioca é cultura ou crime; se deve ser repreendido dentro de um contexto de políticas de segurança pública ou reconhecido como uma manifestação cultural legítima. Alguma semelhança com a capoeira? Ademais, esperamos debater, ao longo deste artigo, algo que vai além do simples conhecimento literal da lei ou da análise dos valores que estão nela entranhados; é indispensável termos a noção de que estamos lidando, especialmente quando se fala de bens de natureza imaterial, com o pleno exercício dos direitos culturais, os quais foram expressamente previstos pelo art. 215 da Constituição Federal de 1988, ou seja, os direitos culturais são direitos fundamentais reconhecidos por nossa Constituição, que são tão importantes como o direito à saúde, à educação, à moradia, etc. Entretanto, para abordar tais questões, principalmente para quem não é do Direito4, é necessário fazer algo que nós, juristas, não temos o costume de praticar: 2 Na verdade, foram dois bens que foram registrados: a Roda de Capoeira, no Livro das Formas de Expressão e o Ofício dos Mestres de Capoeira, no Livro dos Saberes. Sobre o assunto, do ponto de vista jurídico, vide: NETO, José Olímpio Ferreira; CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Capoeira, patrimônio cultural imaterial: críticas e reflexões. Políticas Culturais em Revista, 1(6), p. 6-21, 2013. 3 Maria Cecília Londres Fonseca (1997, p. 35-50) dedica o capítulo introdutório do livro “O patrimônio em processo” a esta questão. 4 O campo do patrimônio pode ser considerado MIT–disciplinar, ou seja, multi-inter-transdisciplinar. Não obstante essa diversidade de olhares, é importante esclarecer que o lugar de fala do autor deste trabalho é o Direito. Como conseqüência disso, pretendemos auxiliar a discussão não apenas de forma instrumental - como costumeiramente é compreendida a participação de juristas nesse debate - mas também de forma conceitual. Por que não?.

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abrir a nossa linguagem técnica, isto é, abolir o famoso “juridiquês”. Tarefa nada fácil, é bom lembrar. Claro que, aqui ou acolá, pode escapar um termo em latim, um brocardo jurídico, uma citação ipisis litteris, mas tenham certeza que evitaremos, ao máximo, esse jargão. Data venia aos meus colegas jurisconsultos que participam deste debate, mas isso é extremamente necessário. Todos já devem ter percebido que sempre que um jurista ou especialista em patrimônio vai argumentar ou justificar um raciocínio com um viés mais pragmático, a Constituição Federal é citada. Aqui mesmo, no início desse texto, quando fazíamos as ressalvas iniciais, o artigo 215 da Constituição foi mencionado. Mas qual a razão disso? Por que os juristas sempre utilizam a Constituição Federal para embasar seus argumentos? A nossa Constituição de 1988, que historicamente é denominada de “Carta Cidadã”, mas nós, jusculturalistas, podemos, sem hesitar, chamá-la de “Carta Cultural”5, é a nossa Lei Maior. Isso significa dizer que dentro de uma “hierarquização” das normas jurídicas, não há Lei mais importante que a Constituição. É ela que rege todo o ordenamento jurídico brasileiro. Se pensarmos num sistema piramidal, a Constituição Federal de 1988 estaria no topo. Abaixo dela, no meio da pirâmide, estariam as leis6 e, na base, estariam os decretos e as portarias. Esse escalonamento foi criado por Hans Kelsen, um importante jurista austríaco do século XX e embasa, até os dias de hoje, todo o nosso sistema jurídico. Ele é muito importante para nós, pois demonstra que uma norma hierarquicamente inferior, não pode contrariar uma norma superior e nenhuma, repito, nenhuma norma pode ferir a Constituição Federal. Quando isso acontece - uma norma ferir a Constituição Federal - é o que chamamos de inconstitucionalidade! Por exemplo, eu não posso criar uma lei – infraconstitucional, portanto - que diga que, a partir de agora, no Brasil, especialmente no período momino, só poderão ser compostas e executadas publicamente as músicas já existentes relacionadas ao frevo, pois essa lei fere, além do princípio da diversidade cultural, o direito à liberdade de manifestação artístico-cultural, que está disposto no inciso IX do art. 5º da CF/887. 5 Em razão das previsões destinadas à seara da cultura, tal como aponta Humberto Cunha Filho (2011, p. 119), “a Constituição brasileira é abundante no tratamento da cultura. Isso fica evidente no fato de que em todos os seus títulos há alguma ou até mesmo farta disciplina jurídica sobre o assunto”. 6 Em sentido estrito 7 “Art. 5º - [...]: [...] IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

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Por isso, é indispensável conhecermos os ditames constitucionais ou pelo menos os princípios constitucionais culturais, pois tudo gira em torno do que a Constituição permite ou faculta. Além disso, é a nossa Constituição que vai estruturar o que cada ente federativo - União, Estados, Distrito Federal e Municípios – pode fazer em relação ao patrimônio cultural. Noutras palavras, é a CF/88 que vai estabelecer as chamadas “competências”8. Afinal, quem tem competência para legislar sobre patrimônio cultural? Quem tem competência para preservar o patrimônio cultural? Rodrigo Vieira Costa (2011, p. 44-45) explica: A Constituição da República de 1988 rejeitou, em parte, a idéia do federalismo clássico norte-americano, no qual a distribuição de poderes e repartição de competências dar-se-ia apenas entre a União e os Estados-membros, inovando com vistas a uma maior descentralização do poder ao eleger o Município como ente federado. Todos os entes, em virtude da forma do Estado Federal, cujas características basilares são a pluralidade de Estados e a harmonia associativa dentro de uma ausência hierárquica entre seus ordenamentos, são autônomos. Essa autonomia deriva diretamente da Constituição, conforme as limitações da repartição de competências por ela criada.

A Constituição de 1988, portanto, aponta como se materializa essa competência, mais especificamente nos artigos 23, 24 (e 30), consoante veremos a seguir. Entretanto, é importante saber que existem, basicamente, dois tipos de competência: 1) a competência legislativa, ou seja, a de criar leis sobre patrimônio cultural e 2) a competência administrativa, isto é, a de aplicar as leis em prol da preservação do patrimônio cultural. Comecemos pela competência legislativa: quem – dos entes federativos - pode criar leis sobre patrimônio cultural? A CF/88 trata desse assunto no seu art. 24, o qual transcrevemos a seguir: Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente sobre: [...] VII – Proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; [...] (grifo nosso) 8 Competência não tem nada a ver com o sentido coloquial de habilidade ou destreza para empreender algo. Competências aqui, no sentido jurídico, nada mais são do que as atribuições de cada ente federativo, ou seja, o que eles podem ou não podem fazer em relação a determinada matéria, no nosso caso, no que tange ao patrimônio cultural.

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O leitor mais atento logo percebe que a CF/88, no citado art. 24, excluiu o Município do rol dos legitimados para criar leis que versem sobre o patrimônio cultural, atribuindo essa competência legislativa somente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, o que gera, inevitavelmente, a pergunta: o Município, então, não pode criar leis em matéria de patrimônio cultural? Pode sim! Apesar de, durante muito tempo, ter ecoado esta dúvida, ocupando os teóricos do Direito por longos anos, atualmente isso é matéria ultrapassada. Na verdade, o art. 30 da CF/88 permite que o Município legisle sobre patrimônio cultural. É que a Constituição Federal não pode ser interpretada isoladamente, artigo por artigo. Há de se utilizar o que os juristas chamam de interpretação sistemática, como se a Constituição fosse um conjunto de mecanismos que se integram de forma lógica e harmônica. Nesse raciocínio, o referido art. 30 viria a preencher a lacuna que o art. 24 deixou, integrando, desta forma, o Município no rol dos legitimados, quando se referir aos assuntos de interesse local, a criarem leis sobre patrimônio cultural. Assim dispõe o art. 30 da CF/88: Art. 30 – Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; [...] IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

E o art. 30, como pode ser vislumbrado, além de criar a possibilidade de o Município legislar em matéria de interesse local, já vem trazendo a previsão de como compatibilizar essa competência com a dos outros entes federativos, ou seja, considerando que a competência legislativa é de todos os entes federativos - da União, dos Estados, do Distrito Federal e também dos Municípios - como fazer essa compatibilização? Humberto Cunha Filho (2010, p. 78) nos ensina: Para evitar essa balbúrdia algumas regras são constitucionalmente estabelecidas. Em termos de competência legislativa, a União edita apenas as normas gerais, ou seja, aquelas que podem e devem ser aplicadas em todo o país; Os Estados, normas no mesmo sentido, mas limitadas ao seu território; os Municípios ficam com as normas de aplicabilidade local.

Noutras palavras, a própria CF/88 define as regras de conciliação dessa competência legislativa, ao estabelecer que essa competência é concorrente e deve ser compatibilizada da seguinte forma:

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1) A União edita as normas gerais; 2) Os Estados suplementam as normas da União; 3) Os Municípios suplementam as normas federais e estaduais, no que couber, atendendo as suas peculiaridades e observando os assuntos de interesse local. Há uma ressalva importante. No caso de não haver norma geral sobre um tema pertinente ao patrimônio cultural, pode, sim, o Estado criar lei, independente da existência de normal federal a ser suplementada. Um exemplo disso são as diversas legislações estaduais sobre os tesouros humanos vivos ou mestres da cultura9, as quais versam sobre esse tipo de reconhecimento, mesmo sem a existência de uma norma federal sobre o assunto. O quadro comparativo abaixo, extraído do livro “O patrimônio Imaterial no Brasil”, de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e Maria Cecília Londres Fonseca (2008, p. 93) mostra, na penúltima coluna, os Estados da Federação que possuem legislação desse tipo10: Nº

Estado

Nenhuma Apenas Legislação de legislação Legislação de patrimônio que Tombamento contém patrimônio imaterial

1

AC

2

AL

3

AP

X

4

AM

X

5

BA

6

CE

7

DF

8

ES

9

GO

10

MA

11

MT

X

12

MS

X

13

MG

14

PA

15

PB

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PR

17

PE

18

PI

21

RJ

X

19

RN

X

Legislação de Legislação de Registro de Registro de Bens Imateriais Bens Imateriais e Pessoas

Legislação de Registro de Pessoas

X

Legislação de Patrimônio Cultural Imaterial

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X X

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X

X

X

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X X

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X X

X

X

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X X X

X

9 Para saber mais, vide: ABREU, Regina. “Tesouros humanos vivos” ou quando as pessoas transformamse em patrimônio cultural – notas sobre a experiência francesa de distinção do “Mestres da Arte”. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 10 Dados colhidos em 2008. Diante do relativo sucesso dessas políticas estaduais, é muito provável que esse quadro já tenha mudado, incluindo-se outros Estados com legislação dessa natureza.

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Assim, os Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba e Pernambuco valeram-se da inexistência de norma geral sobre o tema – que caberia à União – para criar sua própria legislação de forma inaugural. Tendo analisado a competência legislativa, vejamos o que a Constituição versa sobre a competência de preservar o patrimônio cultural. Quem é que deve preservar o patrimônio cultural? É unicamente a União, através do seu órgão de preservação ao patrimônio cultural, o octogenário IPHAN? Como fica o papel dos Estados e Municípios, por intermédio de seus órgãos específicos? E a sociedade civil? Novamente, invocamos a Constituição Federal. O art. 23 da CF/88 vem regulamentar essa competência; a de criar leis. Assim diz a nossa Carta Magna: Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] III – Proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – Impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural [...] (Grifo nosso).

A CF/88, portanto, determina que todos os entes federativos - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - são competentes, de forma “comum”, para aplicar as leis de patrimônio. E mais: não cabe somente aos referidos entes federativos esta competência, tal como apontou o art. 23, III e IV da CF/88. O famigerado art. 216, §1º da Constituição Federal, determina que “o Poder Público, “com a colaboração da comunidade”, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro [...]”, ou seja, essa competência, que já era comum entre os entes federativos, agora também deverá ser compartilhada com os cidadãos. Ora, se todos os entes têm o poder-dever de aplicar as leis de patrimônio, isto é, empreender políticas voltadas à preservação do patrimônio cultural, além da colaboração da própria população, como fica isso na prática? Como compatibilizar essa competência que é comum, ou seja, de todos? Quem vai determinar como a União, Estados, Distrito Federal e Municípios irão agir em prol do patrimônio cultural? Como a sociedade civil será integrada nessas ações? Como isso será estruturado na prática? Como vimos anteriormente, diante da possibilidade caótica da competência administrativa comum, conforme previsto no art. 23 da CF/88, é imperioso criar regras de compartilhamento desta competência. Tal como defende Humberto Cunha Filho

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(2010, p. 78), “toda esta distribuição de poderes visa promover a integração de órgãos, otimizar recursos, propiciar eficiência e universalidade no atendimento à população, o que significa a organização sistêmica do setor considerado”. É nesse contexto que surge a ideia do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural – SNPC, que nunca saiu do papel, o qual seria um subsistema do Sistema Nacional de Cultura - SNC e seria guiado por essa estrutura maior (SNC), com liberdade e autonomia de criar sua própria configuração, observados, é claro, os princípios constitucionais do SNC. O SNC congrega diversos subsistemas (de museus, de patrimônio, de artes, etc) e foi promulgado, em 2012, pelo Congresso, através da Emenda Constitucional nº 71, que acrescentou o art. 216-A à CF/88, com o seguinte caput: Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. (grifo nosso)

Notemos a menção ao pleno exercício dos direitos culturais que se tornou uma condicionante à consecução dos objetivos do SNC, ou seja, o desenvolvimento humano, social e econômico só será alcançado mediante o pleno exercício dos direitos culturais. O §1º do mencionado art. 216-A estabelece, ainda, os princípios que regem o SNC, dentre os quais destacamos aqueles que se referem à setorial do patrimônio cultural: § 1º O Sistema Nacional de Cultura [...] rege-se pelos seguintes princípios: I - diversidade das expressões culturais; II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais; III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais; IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais; VII - transversalidade das políticas culturais; VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil; IX - transparência e compartilhamento das informações;

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X - democratização dos processos decisórios com participação e controle social; XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações; XII - ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura. (grifo nosso)

A necessidade jurídica de pactuação em torno da construção de um Sistema Nacional se dá, como já visto anteriormente, em virtude das competências constitucionais em matéria de patrimônio cultural. Entretanto, para garantir esse mandamento constitucional, é necessário empreender políticas culturais não só estratégicas, mas eficazes. Alexandre Barbalho (2008, p. 22), teorizando sobre o conceito de políticas culturais, a partir do pensamento de Teixeira Coelho, indica-nos que: [...] podemos retirar da definição proposta por Coelho (...) a indicação de que a política cultural é um “programa de intervenções realizadas pelo Estado, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas”. Lembrando que, a partir das considerações acima, tais ‘necessidades da população’ não estão pré-fixadas, nem são neutras, mas resultam da compreensão e do significado que os agentes atuantes nos campos político e cultural têm dessas necessidades e dos interesses envolvidos.

Novamente Barbalho (2008, p. 21-22), dessa vez utilizando o pensamento de Michel de Certeau, apresenta-nos a importância de se conceber políticas culturais dentro de um pensamento estratégico, a fim de empreender intervenções eficazes: Para usar outros termos, poderíamos dizer que a política cultural é o pensamento da estratégia e a gestão cuida de sua execução, apesar de esta gestão também ser pensada pela política. Recorrendo a Certeau (...) a política cultural lida com o ‘campo de possibilidades estratégicas’; ela especifica objetivos ‘mediante a análise das situações’ e insere ‘alguns lugares cujos critérios sejam definíveis, onde intervenções possam efetivamente corrigir ou modificar o processo em curso’. Por sua vez, as decisões indicadas por uma estratégia de política cultural colocam em ação determinada organização de poderes que só se manifesta por meio de uma análise política.

É assim que se compreende a importância das políticas culturais para o presente debate. Elas são indispensáveis para se efetivar os preceitos normativos

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concernentes à proteção do patrimônio cultural e operar habilidosa e eficazmente os mecanismos de proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Entendemos que, se fosse de fato implementado11, o SNPC poderia intervir e auxiliar, sobremaneira, a otimização das já existentes políticas culturais preservacionistas. Trata-se, na verdade, de um necessário pacto de gestão em prol da preservação do patrimônio cultural. É o que o constitucionalista José Afonso da Silva (2001, p.102) defende: A partir dessa concepção é possível pensar na constituição de um sistema nacional de proteção ao patrimônio cultural que propiciará melhores condições para racionalizar a aplicação dos recursos constantes de programas de apoio à cultura e integração de objetivos e descentralização de tarefas.

É, portanto, aí que o estudo jurídico deve se aliar aos estudos de políticas culturais, pois em nada adianta leis criativas e bem elaboradas se não há políticas públicas comprometidas para aplicá-las, no intuito de criar garantias aos direitos culturais. O cenário atual, bordado pelo conturbado contexto político, mostra que o projeto de construção de um Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, idealizado com base nessa arquitetura jurídica complexa, não sairá do papel tão cedo. É um projeto inacabado. REFERÊNCIAS ABREU, Regina. “Tesouros humanos vivos” ou quando as pessoas transformam-se em patrimônio cultural – notas sobre a experiência francesa de distinção do “Mestres da Arte”. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. BARBALHO, Alexandre. Textos nômades: política, cultura e mídia. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; FONSECA, Maria Cecília Londres. Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008.

11 Importante dizer que, o Sistema Nacional de Cultural, ao contrário do Plano Nacional de Cultura, ainda não foi regulamentado por lei.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

PRESERVAÇÃO DA SUÍÇA PERNAMBUCANA: DIRETRIZES PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO PAISAGÍSTICO DE GARANHUNS-PE Rony Davison da Silva Barros1 Terezinha Monteiro de Oliveira2 RESUMO A preservação do Patrimônio Histórico Paisagístico tem sido abordada por diversos grupos de estudiosos da cidade, esta, tem passado por um processo de transformação contínua, as transformações são resultantes de novas necessidades da sociedade, em relação a espaços e novos serviços que tem ameaçado o bem histórico. É importante reconhecer estes bens como marcos de identidade do espaço urbano, é o primeiro passo para a integração deles à dinâmica atual da cidade. É dentro dessa temática que este trabalho de graduação se insere, trazendo como objetivo principal a elaboração de diretrizes para proteção histórica paisagística, prevista no plano específico da atual Legislação Urbanística da cidade de Garanhuns-Pernambuco. Com a análise da Legislação vigente foram constatadas omissões e imprecisões, que permitem que o patrimônio histórico paisagístico da cidade seja descaracterizado e em muitos casos demolidos para construção de novos prédios, na qual a introdução dessas novas construções de gabaritos altos nas áreas de maior altitude de Garanhuns tem prejudicado parcialmente a visibilidade da paisagem histórica. A pesquisa desenvolvida resultou na proposta de novos perímetros de salvaguarda, na identificação da paisagem histórica e em diretrizes descritas neste trabalho. Portanto, com as diretrizes, espera-se contribuir para o aprimoramento e revisão do Plano Diretor, para que este instrumento promova a proteção do patrimônio histórico paisagístico de Garanhuns. Palavras-chave: Proteção Histórica Paisagística. Patrimônio Histórico Paisagístico. Paisagem Histórica. Plano Diretor. Legislação Urbanística. Patrimôno cultural. 1 Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração de Garanhuns-FAGA, Arquiteto Urbanista formado pela UNIFAVIP DeVry de Caruaru, especializando em Arquitetura pela Universidade de Harvard, Mestrando em Projeto de arquitetura e urbanismo pela Universidad Europea Del Atlântico da Espanha, Mestrando em Desenho, Gestão e Direção de Projetos com especialização em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Internacional Iberoamericana- UNINI de Porto Rico. 2 Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Especialista em cartografia Aplicada ao Geoprocessamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Especialização em Conservação e Restauração de monumentos e Conjuntos históricos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestra em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atualmente leciona na UNIFAVIP DeVry de Caruaru.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema a Preservação da Suíça Pernambucana: Diretrizes para proteção do patrimônio histórico paisagístico de GaranhunsPernambuco. A pesquisa refere-se ao patrimônio histórico paisagístico, que refletese à sua cultura, à seu conhecimento, e a proteção do bem cultural de Garanhuns, bem esse que foi construído, ocupado e atualmente tem sido descaracterizado merecendo ser protegido. A cidade de Garanhuns tem em seu contexto Urbano um Patrimônio Histórico Paisagístico, que expressam os estilos arquitetônicos: eclético, Artdécor e modernista, este resulta em paisagens históricas observadas das Sete Colinas da cidade. O trabalho é resultado do estudo e reflexão sobre este Patrimônio Histórico Paisagístico. São nos perímetros históricos da cidade que acontecem as transformações, descaracterização e demolição de edifícios históricos, estas ações deixam lacunas para as próximas gerações, neste sentido Fiorillo (2009), descreve que o chamado patrimônio cultural, manifesta a história de um povo, a sua concepção e cultura, como também os próprios elementos identificadores de sua cidadania, estes elementos são os princípios norteadores da República Federativa do Brasil. É pensando neste acervo de bens históricos, que devemos utilizar instrumentos de educação para preservação e conservação para salvaguarda, e que estes formem na população uma atitude permanente de Preservação deste Patrimônio. Por isso Lacerda (2012) descreve que: “a identificação de valores não é tarefa simples, uma vez que significa identificar os valores atribuídos a esses bens, não apenas pelas gerações passadas, mas também pela presente geração e por aquelas que hão de vir” (LACERDA, 2012, p.45). Estes valores são gerados nas novas gerações através de diálogos nas escolas e na sociedade, mostrando a importância do bem histórico e seu valor na comunidade a qual está inserido. Como foi descrito anteriormente o problema identificado neste trabalho é a descaracterização e demolição ou arruinamento do patrimônio histórico de Garanhuns, em função da construção de novos edifícios, substituindo os edifícios tradicionais da cidade e prejudicando a visibilidade da paisagem histórica das áreas de maior altitude do tecido urbano, esta problemática foi observada a partir da análise da legislação urbanística vigente da cidade de Garanhuns. Pensando nesta problemática podemos destacar que segundo Motta (2000), o patrimônio cultural estaria comprometido com um modelo globalizado que desconsidera a cidade como fonte de conhecimento, em benefício de uma apropriação cenográfica, causando conflito entre os diversos atores sociais ligados aos processos

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de restauração do bem cultural e obrigando a uma “reflexão sobre o rigor a ser exigido na preservação do patrimônio e o papel desempenhado pelo poder público” (MOTTA, 2000, p. 258). Isso significa que os critérios de transformações urbanísticas se contrapõem aos valores atribuídos pela comunidade local, incentivando uma apropriação do patrimônio voltado para o mercado de consumo, desprezando os processos de conhecimento e valor documental que o sítio histórico proporcionou ao longo dos tempos. Este trabalho tem como Objetivo Geral: elaborar diretrizes para proteção histórica paisagística, previstas no plano específico da atual legislação urbanística da cidade de Garanhuns-PE. Onde através dos Objetivos Específicos, que são detalhamentos que norteiam para execução do objetivo geral, temos: 1. atingir ações de proteção através do Plano Diretor, para áreas de interesse histórico cultural e paisagístico da cidade de Garanhuns; 2. identificar na estrutura do Plano Diretor de Garanhuns, contradições, imprecisões e omissões e propor modificações para aprimorá-lo; 3. identificar edifícios históricos na área urbana, propor novos perímetros de proteção e desenvolver diretrizes para os perímetros históricos denominados pelo plano diretor de ZHA- zona histórica ambiental e CIEP- Conjuntos e Imóveis Especiais de Preservação Histórica Cultural. O trabalho está baseado nos procedimentos metodológicos de uma pesquisa bibliográfica e documental, necessária para subsidiar e confrontar os aspectos teóricos estudados e investigados através de entrevistas com historiadores e estudiosos da História da Cidade, representados pelo Instituto Histórico e Geográfico de Garanhuns, onde serviu de suporte e captação de fotografias históricas e de literatura. Por meio de levantamento bibliográfico foi realizada uma pesquisa histórica sobre Garanhuns através de literatura encontrada através do Instituto Histórico e Geográfico de Garanhuns e Biblioteca Municipal, onde foi possível conhecer a história da origem da cidade e de como se deu o processo de urbanização da mesma. A utilização da pesquisa bibliográfica é importante, pois, de acordo com Gil (2007), “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (Gil, 2007, p. 44). Já a pesquisa documental, para Gil (2007), assemelha-se muito a pesquisa bibliográfica, mas a diferença essencial entre elas está na natureza das fontes, pois “enquanto na pesquisa bibliográfica se utiliza informações de diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico” (Gil, 2007, p.45) ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa.

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Uma vez que os processos aqui descritos anteriormente vão sendo desenvolvidos, a nossa visão sobre patrimônio histórico paisagístico é transformada, e os aspectos políticos, técnicos e sociais vão sendo modificados, gerando uma maior participação entre os agentes públicos e a sociedade nas relações decisórias, passando a abrir maior participação dos diversos atores sociais comprometidos pela salvaguarda. 1. REFERENCIAL TEÓRICO Expõem contribuições e diretrizes sobre o objeto de estudo descrito nas cartas patrimoniais, como também os dispositivos de salvaguarda adotados pela Legislação Brasileira. Descreve os conceitos em relação à identificação da autenticidade e integridade do bem histórico, onde teve como base de estudo o entendimento aceitado pela UNESCO, para aplicação nas Diretrizes Operacionais. O capítulo finaliza-se com os conceitos descritos nas cartas e a âmbito da UNESCO sobre a preservação do edifício e seu entorno. Os conceitos serão utilizados como alicerce para o desenvolvimento da análise do objeto de estudo, e resolução das Diretrizes propostas para aprimoramento da legislação de Garanhuns. 1.1 A UNESCO e as Cartas Patrimoniais, diretrizes para proteção do patrimônio histórico Paisagístico A Convenção da Unesco (1977), definiu como patrimônio cultural os conjuntos ou grupos de construções isoladas ou concentradas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem histórica, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência. O trabalho considera o conceito de reabilitação, expresso pela Carta de Lisboa (1995) sobre a Reabilitação Urbana Integrada. Esse conceito foi desenvolvido através de reflexões conjuntas entre Lisboa e algumas cidades brasileiras. 1.2 A legislação brasileira e suas diretrizes para proteção do patrimônio histórico paisagístico A preservação do Patrimônio cultural no Brasil teve seu marco em 30 de novembro de 1937, quando foi publicado o Decreto Lei Federal 25/37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e define o Tombamento, como um dos instrumentos de preservação de imóveis com valor cultural. Este decreto foi fundamental para a salvaguarda do nosso patrimônio, ele engloba a proteção nas

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esferas da arte, da cultura, da ciência e tecnologia e bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pelo aspecto notável com que tenham sido moldado pela natureza ou conduzidos pela ocupação humana da paisagem, dando o poder a população de proteger o seu patrimônio que é a revelação de suas atividades culturais, como também de sua identidade social. 1.3 Diretrizes para identificação da autenticidade e integridade do patrimônio histórico paisagístico Para identificação dos prédios históricos foram utilizados os critérios criados na Convenção da Unesco em 1977, quando incluiu requisitos de autenticidade nas diretrizes operacionais para a implantação da Convenção do Patrimônio Mundial, sendo uma das condições qualificadoras ou requisito para a inserção do bem na Lista do Patrimônio Mundial, no qual foram estabelecidos quatro critérios que podem avaliar a autenticidade do Bem histórico como: projeto, material, técnicas construtivas e entorno. O conceito de Paisagem utilizado para o trabalho será abordado nas definições de Martins (2003), que a paisagem “pode ser definida como o domínio do visível” (MARTINS 2003, p.47). Tal entendimento assegura o caráter tangível do conceito, que se amplia ao estimularmos pela geografia cultural que insere o fazer humano na definição de paisagem. A arquitetura é parte integrante da paisagem histórica, uma vez que, como destaca Amorim (1999) a “necessidade da preservação de uma cultura arquitetônica e todas as manifestações humanas abrigadas, reveladas e simbolizadas por ela”, com a paisagem, em contínua transformação, impulsiona ao desafio da sobrevivência dos exemplares arquitetônicos que estabelecem as ligações de harmonia no espaço e no tempo. 2. ESTUDOS DE CASO Foram pesquisados três estudos de casos, que auxiliaram no desenvolvimento de diretrizes para proteção do patrimônio histórico paisagístico de Garanhuns. O primeiro estudo de caso foi em âmbito Internacional, o segundo em esfera Nacional e o terceiro a nível estadual. Estes estudos deram subsídio ao desenvolvimento do tema Preservação da Suíça Pernambucana, na relevância de seus resultados no campo de diretrizes de salvaguarda, definição de perímetros e proteção da paisagem histórica.

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O estudo de caso em âmbito internacional tem seu projeto voltado para diretrizes para a preservação do patrimônio histórico de Viseu em Portugal, o segundo tem seu foco nas diretrizes para preservação do perímetro histórico de São Luís no estado do Maranhão e o terceiro diretrizes para preservação paisagística de Vila Velha em Itamaracá- Pernambuco. 3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA Neste capítulo, expõe-se a história de Garanhuns e a influência dos ciclos do algodão e do café em seu desenvolvimento. Apresenta-se através da contextualização urbana: a evolução do tecido urbano da cidade, o estudo da zona de preservação histórica definida pelo plano diretor ZHA - Zona Histórica Ambiental e a relação dessa zona com a evolução da cidade. A finalidade da análise das zonas determinadas pela Legislação urbanística subsidiará ao autor: uma nova proposta de delimitação do perímetro da ZHA; a identificação de imóveis e perímetros de preservação nomeados pela legislação de CIEP- Conjunto e Imóveis Especiais de Preservação HistóricoCultural (Imóveis e perímetros não identificados pelo Plano Diretor); como também a identificação de edifícios e espaços que compõem o novo perímetro da ZHA. 3.1 Patrimônio Histórico Paisagístico de Garanhuns A cidade de Garanhuns tem sua localização na Região do Agreste Meridional de Pernambuco, há 250 km do Recife, a cidade tem sua topografia introduzida em sete colinas, especificamente no Planalto da Borborema.

Fig 1: Localização de Garanhuns no contexto de Nordeste, Pernambuco, bem como na região Agreste Meridional Fonte:<https://asnovidades.com.br>, acesso: Abril de 2016, com edição do autor.

A cidade de Garanhuns teve seu marco de desenvolvimento urbanístico no ciclo do Algodão e do café a partir da segunda metade do século XVII, podemos apontar como o início de uma segunda fase de organização agrária do Agreste no

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Estado de Pernambuco, considerando que a primeira foi compreendida pela expansão do criatório bovino extensivo, na qual a região do agreste já foi considerada a segunda maior bacia leiteira do Nordeste.

Fig 2: Avenida Santo Antônio, ano 1920 Fonte:Blog do Iba Mendes, Acesso em Abril de 2016

Fig 3: Av. Santo Antônio, ano 1940 Fonte:Blog do Iba Mendes, Acesso em Abril de 2016

Fig 4: Estação ferroviária, ano 1935 Fonte:Blog do Iba Mendes, Acesso em Abril de 2016

Fig 5: Palácio Celso Galvão, ano 1940 Fonte:Blog do Iba Mendes, Acesso em Abril de 2016

3.2 Contextualização Urbana A ocupação de Garanhuns ocorreu a partir de 1700, o seu crescimento com a cultura do algodão e do café atraiu imigrantes em busca de empregos e melhores condições de vida, o que colaborou para um crescimento acelerado da urbanização, resultando no crescimento da população e expansão territorial, destacado na fig 6.

Fig 6: Mapa de expansão da malha urbana de Garanhuns Fonte: Prefeitura de Garanhuns, com edição do autor

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Com a análise da expansão Urbana feita anteriormente, pode-se concluir que a ZHA- Zona Histórica Ambiental, destacada na Fig 7, delimitada pelo Plano Diretor de Garanhuns, não insere em seu perímetro a zona de origem da cidade que corresponde aos anos de 1700 a 1887, na qual existem edifícios dos estilos eclético e Art. Décor. Como também só engloba parcialmente a segunda expansão da cidade, que está compreendida aos anos de 1888 a 1965, na qual encontram-se edifícios nos estilos Art. Décor e modernista.

Fig 7: Mapa do Perímetro ZHA definido pelo Plano Diretor e nova proposta para o objeto de estudo Fonte: Prefeitura de Garanhuns, com edição do autor

O perímetro no Plano Diretor destacado na cor azul (Figura 7) não considera as colocações determinadas pela Legislação atual, pois insere parcialmente áreas de concentração de edifícios, marcos e conjuntos de valor histórico da cidade. Para que o perímetro venha cumprir a sua função na salvaguarda do Patrimônio histórico de Garanhuns, precisa ser redefinido, pois não contempla as seguintes determinações expostas nos artigos 48 e 49 do Plano Diretor. No mapa abaixo (Fig 8) podemos destacar a área de origem da cidade na cor vermelha, a área de Influência da linha férrea na cor roxa e a segunda expansão da cidade que é o bairro de Heliópolis na cor verde, estas áreas definem a nova proposta para o Perímetro da ZHA.

Fig 8: Mapa com destaque da nova proposta do objeto de estudo Fonte: Prefeitura de Garanhuns, com edição do autor

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Nesta nova proposta de perímetro do objeto de estudo, foram identificados prédios, monumentos, marcos e espaços públicos que integram a paisagem histórica da cidade, destacados na Fig 9 e Tabela 01.

Fig 9: Mapa de Identificação de edifícios e marcos na paisagem na nova proposta de perímetro do objeto de estudo Fonte: Prefeitura de Garanhuns, com edição do autor Tabela 01: Legenda dos Edifícios e Marcos na Paisagem da nova proposta do perímetro histórico de Garanhuns 1

Centro Cultural Alfredo Leite Cavalcante (Antiga Estação Ferroviária)

2

Mosteiro de São Bento

3

Seminário São José

5

Catedral de Santo Antônio

6

Parque Euclides Dourado

7

Igreja de São Sebastião da Boa Vista

8

Igreja Presbiteriana Central

10

Palácio Celso Galvão (Prefeitura de Garanhuns)

11

Residência da Família Campos/ Correia

13

Colégio Presbiteriano Quinze de Novembro (Arquitetura Eclética)

14

Colégio Presbiteriano Quinze de Novembro (Arquitetura Modernista)

15

Colégio Damas Santa Sofia

16

Colégio Diocesano de Garanhuns

17

Fábrica de Arados Paraguaçu

18

Residência Pastoral do Colégio Quinze de Novembro

19

Residência Da Fonte Luminosa

20

Residência da Família... Praça Jardim

21

Hotel Tavares Correia (Antigo Sanatório de Garanhuns)

22

Residência da Família Tinoco

23

Terminal Rodoviário de Garanhuns

24

Hospital Regional Dom Moura

25

Rádio Difusora de Garanhuns

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Praça Tavares Correia (Relógio das Flores)

28

Residência da Família... Colinas Imóveis

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Residência da Família..., Era do Café

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Fora da nova proposta do perímetro do objeto de estudo, encontram-se imóveis isolados do ciclo do algodão e café que necessitam serem identificados, e determinados seus perímetros para preservação da integridade e autencidade de seu entorno. Segundo o Plano Diretor de Garanhuns (2008) no art. 73, os conjuntos urbanos e imóveis isolados fora da Zona Histórica Ambiental, poderão ter a delimitação do CIEP (Conjuntos e Imóveis Especiais de Preservação Histórico - Cultural), essa delimitação ocorrerá quando no imóvel for identificado a importância histórica ou estilística e sua relação com entorno, como também a sua importância ambiental e paisagística. No Plano Diretor não há identificação de nenhum destes conjuntos e nem dos imóveis para proteção, por não ter feita essa identificação, os bens do ciclo do algodão e do café estão sendo descaracterizados e muitos foram demolidos, para construção de novos edifícios.

Fig 10: Mapa de Identificação dos edifícios dos CIEPs na paisagem histórica de Garanhuns Fonte: Prefeitura de Garanhuns, com edição do autor Tabela 02: Legenda dos Edifícios e Marcos na Paisagem dos CIEPs de Garanhuns 4

Edifício do Bom Pastor (Antigo Patronato Agrícola de Garanhuns)

9

Instituto Presbiteriano Bíblico do Norte

12

Casarão da Fazenda Imaculada Conceição

27

Batalhão do 9º BPM DE Garanhuns (Antigo Hotel Monte Sinai)

31

Residência do Capitão Tomaz Maia

32

Residência da Família... Praça Dom Pedro II

33

Residência da Família... Era do Café, Prox. Ao Artur Maia

44

Edifício da Escola Municipal João Pessoa

45

Residência Ouro Verde

46

Matriz de Santa Terezinha

47

Monumento do Cristo do Magano

Na nova proposta de perímetro do objeto de estudo foram identificados espaços vegetados como podemos destacar na fig 11, tais como canteiros, jardins, espaços privados e parques públicos, eles são importantes na integração da paisagem histórica, devendo ser tratados como espaços positivos, pelas funções que desempenham

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na qualidade de vida da população. Atuam na função social (encontros), cultural (eventos), funcional (circulação) ou higiênica (física e mental) (DEL RIO,1990, p.107).

Fig 11: Mapa de espaços públicos e privados que integram a paisagem histórica da nova proposta de perímetro do objeto de estudo Fonte: Prefeitura de Garanhuns, do Autor, Maio de 2016

Estes espaços são parte importante da concepção paisagística da nova proposta de perímetro do objeto de estudo, na qual se deve estabelecer normas e procedimentos para preservar e conservar as suas características. Entre estas áreas podemos destacamos abaixo:

Fig 12: Parque Euclides Dourado Fonte: Acervo Pessoal do Autor, Maio de 2016

Fig 13: Praça Tavares Correia Fonte: Acervo Pessoal do Autor, Maio de 2016

Fig 14: Parque Ruber Van Der Linden Fonte: Acervo Pessoal do Autor, Maio de 2016

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O Parque Euclides Dourado (Fig 12) foi uma área destinada para plantação de Eucaliptos, onde sua madeira era utilizada como combustível para a máquina do trem, sua remota história dar-se no ano de 1920, quando funcionava como zoológico, ele se tornou o quinto mais antigo do País. Nos dias atuais funciona a Biblioteca Municipal, um Planetário. A Praça Tavares Correia (Fig 13), conhecida como a Praça do Relógio das Flores, o relógio foi construído em 1979, é o único no Norte e Nordeste. Tem quatro metros de diâmetro e funciona o cristal de quartzo. O Parque Municipal Ruben van der Linden (Fig 14), foi assim nomeado em homenagem a um ilustre cidadão Garanhuense formado em Engenharia Elétrica que elaborou e executou o Plano de Abastecimento de Luz e Água da cidade. Este Parque faz parte da paisagem e da história de Garanhuns. 3.3 Análise de Usos da nova proposta de perímetro da ZHA O núcleo de origem corresponde à parte mais antiga da cidade de Garanhuns (centro comercial), formador das primeiras expansões do sistema viário ocorridas até o final do século XX, que mantém suas características desde a origem da cidade. Este núcleo Compreende o entorno da avenida Santo Antônio, que é uma das principais zonas de ocupação social no início do povoamento e que, ainda hoje, representa um dos pontos mais importantes da cidade, e ali estão localizados alguns casarões ecléticos dos séculos XIX e XX, como também conjuntos de edifícios de interesse de preservação como identificados no subcapítulo 4.2.

Fig 15: Mapa de usos Fonte: Prefeitura de Garanhuns, estudo elaborado pelo autor, Maio de 2016

A área central em estudo segue em constantes transformações e reabilitações, pela qual a torna viva e eficaz, mais não basta apenas requalificar, é necessário Segundo

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Peixoto (2009), a conservação e a salvaguarda do patrimônio cultural e histórico, estabelecendo ações para que aconteça o desenvolvimento sustentável e a volta de vitalidade no espaço urbano. 3.3.1 Análise de gabaritos nos CIEPs Os CIEPs são denominados pela Legislação de 2008, como “Conjuntos e Imóveis Especiais de Preservação Histórica Cultural”, estes imóveis fazem parte do ciclo do algodão e do café de Garanhuns. Para proteção esses imóveis foram identificados, e estão descritos na Fig 10 (Mapa de Identificação dos CIEPs na paisagem histórica de Garanhuns). Para que cada edifício e seu entorno tenham sua proteção histórica paisagística preservada, delimitou-se os perímetros de proteção, estudou as características de seus entornos, e identificou problemas que venha interferir na autencidade e integridade deste patrimônio. Na Fig 16, foi analisado que a CIEP da Residência Ouro Verde, teve uma perda parcial da paisagem histórica, a construção de três edifícios de gabarito 4, bloquearam totalmente a visão da fachada principal leste, e a construção de dois edifícios de gabarito 5, bloquearam a vista fachada norte do Bem histórico, prejudicando a integridade e autencidade de seu entorno. Este exemplo revela que a legislação atual não interfere na descaracterização do entorno dos Imóveis Especiais de preservação Histórica, esta omissão será abordado no capítulo 5. Este perímetro foi delimitado pelo autor, para proteger a vista Oeste do imóvel, preservando os gabaritos das residências deste setor.

Fig 16: Mapa de gabaritos do CIEP, Residência da Avenida Dr. Jardim Fonte: Prefeitura de Garanhuns, estudo elaborado pelo autor, Outubro de 2016

3.3.2- Estudo de Gabaritos para proteção paisagística das Sete Colinas O estudo realizado propõe a proteção da integridade da visão histórica das colinas. No perímetro recomenda-se preservar um único gabarito, com limite de

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altura de 4 metros, esse limite de gabarito foi definido através da análise topográfica da Cidade, esse perímetro difere para cada colina, pois depende da amplitude de cada topo, até a distância de suas encostas (Mirantes naturais) como descrito na Fig 17.

Fig 17: Representação gráfica da Análise de controle dos Gabaritos nas sete colinas Fonte: Estudo elaborado pelo autor, Outubro de 2016

A proposta de perímetro da Colina do Ipiranga segue os mesmos critérios descritos anteriormente, que serão utilizados em todas as análises das demais colinas. Esta fica inserida no Bairro da Boa Vista, que tem um grande adensamento urbano e localiza-se nas proximidades do centro comercial da cidade, o bairro passa pelo processo de introdução de edifícios de até quatro gabaritos, e novas construção de gabarito acima de 4 metros no local de maior altitude, como podemos observar na fig 18 o monumento do Ipiranga no centro e posteriormente duas construções com gabarito de 10 metros.

Fig 18: Novas construções na Colina do Ipiranga Fonte: Acervo Pessoal do Autor, Outubro de 2016

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Fig 19: Novas construções na área de maior altitude da Colina do Ipiranga Fonte: Acervo Pessoal do Autor, Outubro de 2016

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A fig 19 mostra a principal vista desta colina, onde com a construção de sobrados com gabaritos de 6 metros, tem perdido parcialmente a visão da paisagem histórica. A proposta dos perímetros de proteção da visão paisagística de cada colina trará subsídios para diretrizes de limite de gabaritos, a pretensão não é impedir a verticalização, mas sim, impedir que novas construções sejam introduzidas em perímetros que impeça a visibilidade da paisagem histórica. 4. ANÁLISE DO PLANO DIRETOR DE GARANHUNS: imprecisões e omissões que ameaçam o patrimônio histórico existente O Plano diretor de Garanhuns foi elaborado pela Lei nº 3620 de 2008, e segundo o Estatuto da Cidade, pode ser revisado a cada dois anos, e tem o prazo de até dez anos para revisão e adequação do mesmo. Para entendermos as imprecisões e omissões existentes no Plano Diretor de Garanhuns, iremos descrever abaixo, os artigos voltados à preservação de edifícios, perímetros de preservação e paisagens históricas. No artigo 12, do Plano Diretor de Garanhuns (2008), descreve sobre os objetivos do Programa de preservação, Recuperação e conservação do ambiente construído. O 1º parágrafo aponta as normas e procedimentos para preservação e conservação dos conjuntos históricos do ciclo do café e do algodão, no qual deveria ter um cadastro das propriedades dessa época. Este não foi realizado pelo Plano Diretor, neste mesmo parágrafo deveria ter sido identificado elementos preserváveis da arquitetura e da paisagem, como também a delimitação dos perímetros de preservação denominados de CIEP, os perímetros não foram delimitados, e muitos CIEPS foram demolidos e descaracterizados. Os artigos 48 e 49 não apresenta um padrão a seguir em relação às intervenções e proteção dos bens inseridos na Zona Histórica Ambiental, trazendo omissões e imprecisões nos procedimentos de avaliação das intervenções do patrimônio histórico. Como podemos ver na figura 23 e 24, o templo presbiteriano central, passou por uma intervenção em Agosto de 2016, que descaracterizou sua fachada. A duas intervenções foram: A) colocação de material que gera incompatibilidade aos materiais tradicionais; B) Retirada das portas frontal e lateral direita da torre do templo. As intervenções contribuíram para a perda de integridade deste Patrimônio. Os Artigos 71, 72 e 73, são referentes aos CIEPs (Conjuntos e Imóveis Especiais de Preservação Histórico-cultural), compreendem os conjuntos de imóveis urbanos isolados, situados fora da ZHA, e localizados nas demais zonas do tecido urbano, que

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possuam valor histórico significativo. Estes CIEPs não foram identificados pelo Plano diretor, nem os perímetros foram delimitados, esta omissão resulta em imprecisões na fiscalização, deixando esses bens sem proteção.

Fig 20: Igreja Presbiteriana antes da reforma em Abril 2016 Fonte: Acervo pessoal do Autor, Abril 2016

Fig 21: Igreja Presbiteriana depois da reforma em Outubro 2016 Fonte: Acervo pessoal do Autor, Outubro 2016

Tabela 3 - Identificação das Omissões que geram imprecisões, e ameaçam o patrimônio histórico de Garanhuns

Omissões e imprecisões

Ausência de proteção ao bem histórico

1º Falta identificação dos CIEPs;

1º Descaracterização ou demolição de edifícios do ciclo do algodão e do café; 2º Descaracterização da autenticidade na paisagem histórica;

2º Falta identificação dos Bens na ZHA; 3º Falta delimitar os perímetros dos CIEPs;

3º Descaracterização da integridade do entorno, com a introdução de novas construções;

4º O Perímetro do Plano Diretor ZHA, não contempla toda a área de bens históricos;

4º Perca de autenticidade do Bem histórico, através de reformas

5º Falta de créditos para análise das reformas feitas no Bem histórico; 6º Imóveis sem proteção da legislação municipal; 7º Introdução de novas construções no entorno do bem ZHA; 8º Falta de requisitos de intervenção no perímetro; 9º Bens sem proteção, pelo fator de interesses imobiliários; 10º Ausência de uma equipe de profissionis aptos, para análise do patrimônio

5. DIRETRIZES PARA PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E PAISAGÍSTICO DE GARANHUNS As diretrizes foram desenvolvidas para contribuições na preservação e conservação da paisagem históricas de Garanhuns.

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5.1 Diretrizes para a nova proposta do perímetro da ZHA- Zona Histórica Ambiental Tabela 4 - Diretrizes para o perímetro da Zona Histórica Ambiental - ZHA Diretrizes

Descrição das ações

Diretriz 01: Conscientização e Orientação técnica do Patrimônio

1º Promover a educação patrimonial, nas faculdades e escolas de Garanhuns; 2º Desenvolver uma cartilha de perímetros históricos e edifícios de valor histórico da cidade, com normas técnicas de preservação deste bem; 3º Promover o patrimônio através da mídia e de debates com a sociedade

ZHA - Zona Histórica Ambiental

Diretriz 02: Turismo e Cultura

1º Desenvolver um roteiro Turístico, através de um mapa do patrimônio histórico; 2º Ampliar o turismo religioso através da divulgação deste patrimônio, e incentivos a preservação do bem histórico; 3º Incentivar a visista a edifícios históricos, através de atrações culturais e exposições; 4º Promover o turismo histórico do café, incentivando a utilização de casarões históricos deste ciclo ao uso comercial e roteiros de fazendas cafeeiras; 5º Promover nos finais de semana um roteiro cultural na ZHA

Diretriz 03: Infra-estrutura

1º Desenvolver projetos para áreas públicas vegetadas com equiapamentos para uso da população; 2º Reabilitação dos canteiros centrais da área de domínio da ferrovia (Av. Caruaru); 3º Reabilitação da Praça Jardim, nas imediações do antigo Cinema Jardim; 4º Padronização das calçadas e vias de pedestre

5.2 Diretrizes para os perímetros relacionados aos CIEPS

Diretrizes para os perímetros dos CIEPS

Tabela 5 - Diretrizes para os perímetros das CIEPS Diretrizes

Descrição das ações

Diretriz 01: Orientação Técnica do perímetro de Proteção

1º Criar um caderno de orientações para intervenções arquitetônicas e urbanísticas nos CIEPS;

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2º Fazer inventário de cada bem histórico dos CIEPS; 3º Promover educação patrimonial a sociedade e proprietários dos bens históricos

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Diretrizes para os perímetros dos CIEPS

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Diretrizes

Descrição das ações

Diretriz 02: Preservação dos valores paisagísticos históricos. (Autenticidade e integridade)

1º Garantir que as novas construções estejam em harmonia com entorno e edifício histórico, conforme estudo do subcapítulo 3.3.2; 2º Fazer análise de possíveis intervenções no Perímetro; 3º Fazer análises para possíveis restaurações nos edifícios históricos 1º Padronizar calçadas, dotando-as de acessibilidade; 2º Padronizar a iluminação pública e relocar postes;

Diretriz 03: Infra-estrutura nos CIEPS

3º Infromar sobre o patrimônio e sua importância para a cidade; 4º Reabilitar equipamentos públicos

5.3 Diretrizes para Proteção Paisagística das Sete Colinas

Diretrizes para proteção paisagística das Sete Colinas

Tabela 6 - Diretrizes para proteção paisagística das Sete Colinas Diretrizes

Descrição das ações

Diretriz 01: Orientação Técnica do Perímetro de Proteção

1º Promover a educação patrimonial para a sociedade e moradores destas cidades; 2º Desenvolver um caderno dos perímetros de cada colina, com normas de prevenção paisagística; 3º Desenvolver através do plano diretor princípios e normas de intervenção nas colinas: como recuperação da cobertura natural, marcos que limitem a construção desordenada e equipamentos de utilização turística

Diretriz 02: Preservação da Paisagem histórica

1º Delimitar perímetro com raio de acordo com o topo das colinas, como instrumento regularizador de gabaritos e alturas de edificações nestes perímetros como a proposta no estudo do subcapítulo 3.3.3; 2º Conservação e preservação dos equipamentos públicos como Marcos, mirantes e praças; 3º Restituir a vegetação nativa das colinas

Diretriz 03: Infra-estrutura nos CIEPS

1º Projetar mirantes e equipamentos de apoio a população e ao turista; 2º Melhorar a sinalização e informativos sobre a história de cada colina; 3º Projetar melhorias na iluminação das colinas; 4º Integrar as colinas do Ipirangacom a do Cristo do Magano, através de um teleférico

Destacamos que as diretrizes descritas anteriormente servirão para o fundamento da proposta de mudança do Plano Diretor que deverá passar por

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aprimoramentos, de forma a agrupar as demandas atuais da população. Onde deverão subsidiar a revisão e aprimoramento do Plano Diretor, para elaboração das normas de Preservação do patrimônio histórico paisagistico de Garanhuns, que precisarão ser definidas em conjunto com a Prefeitura Municipal, e a sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos concluir este trabalho através dos aspectos abordadas durante todas as etapas da pesquisa. A primeira que podemos chegar é que, o centro urbano de Garanhuns tem um espaço dinâmico, onde funciona durante todos os períodos do dia, mas também podemos ver que seu patrimônio perdeu muitos exemplares arquitetônicos dos ciclos do café e do algodão, onde foram demolidos e descaracterizados para a expansão do comercio local, esses bens poderiam ter sidos protegidos pela população e também através dos órgãos responsáveis pelo planejamento urbano, onde os bens que permanecem no centro comercial foram alterados seus usos, no qual resultou na descaracterização de casarões, perdendo a Preservação de suas características no pavimento térreo e outros foram totalmente descaracterizados como descrito no subtítulo 3.2. Tendo em vista a problemática destes espaços urbanos, surgiram intervenções em muitas áreas do tecido urbano, que ameaçam a preservação e conservação de muitos bens existentes, bens que são parte integral da paisagem histórica. A análise da legislação vigente da cidade revelou que seu Plano Diretor necessita de uma revisão e adequação, para que ele tenha função especifica na preservação, conservação e de ações que estimulem a salvaguarda da paisagem histórica. Esta pesquisa revelou também a demanda por espaços públicos que atendam diferentes públicos alvos existentes nos vários pontos da cidade, e que já possuem infraestrutura urbana em sua maioria, o que já auxiliaria na execução de Diretrizes. As análises determinaram diagnósticos na área de paisagem histórica, que foram indispensáveis para o desenvolvimento dos objetivos específicos deste trabalho, na qual conclui-se que: - Foram propostas ações de proteção através do plano diretor para as áreas de interesse históricas culturais e paisagísticas da cidade; - Foram identificadas no Plano Diretor imprecisões e omissões, e foram propostas diretrizes para modificações e aprimoramento deste importante instrumento de legislação; - Foram identificados os edifícios históricos, e feito um cadastro com seus dados;

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- Foi proposto a redefinição do perímetro denominado pelo Plano Diretor de ZHA- Zona Histórica Ambiental; - Foram identificados os perímetros e edifícios fora da ZHA, denominados pela legislação de CIEPs; - E o produto final deste estudo as diretrizes, são propostas que terão por finalidade subsidiar o desenvolvimento e atualização da legislação de salvaguarda para a Proteção do Patrimônio histórico cultural de Garanhuns. Portanto diante de todos os resultados acredito que, as diretrizes propostas neste trabalho de graduação, reforçarão as necessidades de salvaguarda das áreas de Patrimônio histórico de Garanhuns, como também produzirão ações de preservação e conservação ao Patrimônio Histórico Paisagístico, que compõe a área urbana de Garanhuns. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Henriques. Plano de Ação para a Revitalização do Centro Histórico de Viseu, Documento Pós-Consulta Pública, Câmara Municipal de Viseu, setembro de 2014. BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro: Cava Civil/Presidência da República, 1937. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: e Glossário. Rio de Janeiro: FAE, 1989. BRASIL, IPHAN. Caderno de Documentos n. 3. Cartas Patrimoniais. Brasília, 1995. BRASIL. Constituição da República Federativa do , de 05 de outubro de 1988. . Decreto nº 5.040, de 07 de abril de 2004. . Lei nº 10.257: Estatuto da cidade, de 10 de julho de 2004. CAVALCANTI, A. L. História de Garanhuns. CEPE: Recife, 1983. Biblioteca Pernambucana de história municipal, nº. 18. 203. CONDEPE. Plano de Desenvolvimento do Agreste Meridional de Pernambuco. Recife 1974. Pag. 291.

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CORDEIRO, M. de L. B.; ESPÓSITO, D. F. FUNDARPE – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. Artigo 2009: Estação Ferroviária de Garanhuns: Arquitetura Inglesa no Agreste Pernambucano. COSGROVE, Denis. A Geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas in: Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro. Ed. UERJ. 1998. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 10 edição, São Paulo, Saraiva, 2009. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed.: Atlas, Pag. 44 e 45, São Paulo, 2007. GRAU, Grupo de Arquitetura e Urbanismo. Plano de Preservação de Vila Velha/ Itamaracá-Pernambuco, Cartilhas FUNDARPE, Recife, ano 2010. ICOMOS, Declaração de Xi’an sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural, Xi’an, China, 21 de outubro de 2005, páginas de 1-4, disponível em: <http://www.icomos.org/charters/Xian -declaration-por.pdf > Acesso em: 13 de março de 2016. ICOMOS, Declaração de Québec, Québec-Canadá, em 4 de outubro de 2008, páginas de 1-4, disponível em: <http://www.icomos.org/quebec2008/ quebec_Declaration/ pdf/ > Acesso em: 13 de março de 2016. IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 3ª Coordenação Regional. Levantamento urbanístico do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade de São Luís. São Luís, 1997. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Manual de aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais. Brasília: Iphan, 2000. . IPHAN, Cartilha Normas de Quito, 1967, disponível em: <portal.iphan. gov.br/Normas%20de%20Quito%201967.pdf> Acesso em: 12 de março de 2016. . IPHAN, Cartilha Declaração de Amsterdã, Amsterdã- Europa, outubro de 1975, disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/ arquivos/ Declaracao%20de%20Amsterda.pdf > Acesso em: 12 de março de 2016.

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LE GOFF, J. História e Memória. Editora da Unicamp, Campinas –SP, 1990. LEMOS, Eduardo. Guia para reabilitação do Centro Histórico de Viseu: Principais Características do espaço público, Câmara Municipal de Viseu, 2007, Capítulo 4. MARQUES, Marcia Tereza Campo. Condições de Habitalidade no Centro Histórico de São Luiz – MA: Estudo das atividades Comerciais e de serviços necessários e das atividades incompatíveis. PPGDV: UFPE/UEM: Recife, 2002. MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de Caso: uma estratégia de pesquisa. Atlas, São Paulo, 2006. 101p. MELO, Raphael Ferraz Almeida de. Edifícios novos em sítios históricos: análise dos impactos sobre a autenticidade e integridade do patrimônio construído /Raphael Ferraz Almeida de Melo. – Recife, 2009. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES NETO, Antônio Augusto (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. MOTTA, Lia. Valor de patrimônio e saber técnico institucional. In: CUREAU, Sandra et al. (coord.). Olhar multidisciplinar sobre a efetividade da proteção do patrimônio cultural. Belo Horizonte: Fórum, 2011. PESTANA, Raphael Gama. Gestão do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade de São Luís/MA- Estudo para redelimitação da Poligonal de tombamento federal (p.331-364) in IPHAN. Ministério da Cultura. Patrimônio: prática e reflexões. Edições do programa de especialização em patrimônio. V.1. Rio de Janeiro, 2007. REIS FILHO, N. G. Quadro da Arquitetura no Brasil, Editora Perspectiva, 9º edição, São Paulo, Ano 2000.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO: PROTEÇÃO E OMISSÃO! Telmo Padilha Cesar1 RESUMO Ao cidadão comum envolvido em suas atribuições no dia a dia, a palavra patrimônio só tem um significado: posse! No entanto, ao circular uma quadra do seu bairro ou mesmo uma praça da sua cidade, ele pode estar rodeado de ricos exemplares de arquitetura extinta. Certamente de lugares que vão estar recheados e cobertos por histórias, seja do próprio lugar ou das vidas que por ali já passaram. Vai pisar em terras que podem esconder ricos acervos arqueológicos com valores e significados ainda não descobertos e que, talvez, nada tenham a ver com a sua própria história! Talvez de outros, mas impregnadas de valores, referências e significados que pertencem a todos. Que fazem parte do direito constitucional de todos. Que são responsabilidade constitucional de todos. Que são peças e testemunhos da própria história de vida da sua cidade, do seu estado e do seu país. Mas, infelizmente, para muitos cidadãos comuns e os incomuns, para a grande maioria de jovens, casais, famílias, pais e avós, da alta ou da baixa sociedade isso não faz parte do cotidiano de todos, lamentavelmente todos esses, são membros de uma grande sociedade de “analfabetos patrimoniais”. Um mal que se pode tentar erradicar com uma Política Pública de Difusão e Valoração do Patrimônio Cultural Brasileiro. Palavras-chave: Patrimônio. Significado. Responsabilidade. Constitucional. INTRODUÇÃO Brasil, um país “abençoado por Deus e bonito por natureza”, definido assim pelo compositor e cantor Jorge Duílio Lima Meneses, mais conhecido como Jorge Ben Jor. Além dessa dádiva chamada de bonito por natureza, é também rico e único por tudo que o ser humano pode criar, fazer e ter, acrescido do jeito brasileiro. Na arquitetura, na música, nas artes, na esperança e na sua História. Uma História de registros magníficos, todos eles produzidos pela criatividade, inteligência e até pela 1 Produtor Cultural/ Adm. Empresas / Ulbra - Cachoeira / Ciências Sociais / Ulbra - Canoas Gestão Cultural / Faculdade Senac Escola de Governo do Estado RS / POA / Adm. Empresas / Ulbra - Cachoeira / Ciências Sociais / Ulbra Canoas Gestão Cultural / Faculdade Senac / Escola de Governo do RS / Extensão em Administração Pública da Cultura – UFRGS.

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mão de primeiros habitantes de suas terras, conhecidos através dos traços encontrados na Serra da Capivara e chegando até a genialidade dos projetos arquitetônicos para a nossa capital Brasília. Herança e Patrimônio de todos os habitantes desse gigantesco país. Registros que se consagram e se transformam em testemunhos materiais da criatividade, da arte, da habilidade e de uma evolução genuinamente brasileira. É assim que se pode enxergar e se admirar o Brasil do lado de fora. No campo prático percebe-se que os órgãos incumbidos da proteção ao patrimônio cultural brasileiro, em geral ainda não incorporaram em suas rotinas de atuação procedimentos que assegurem pleno acesso às informações relacionadas aos bens culturais e a sua gestão. Esse lapso administrativo inviabiliza, ou pelo menos dificulta muito, a efetivação do princípio da participação popular na defesa do patrimônio cultural e constitui afronta ao direito humano fundamental de acesso à informação. Não se pode perder de vista que o patrimônio cultural constitui um assunto que diz respeito a todos e a cada um dos membros da comunidade, o que significa, de um lado, recusar e combater o estadocentrismo e, de outro, afirmar e defender o envolvimento de cada um dos membros e de toda a comunidade na proteção e valorização do patrimônio cultural. (MIRANDA, 2014, p. 91)

O aprendizado e o ensinamento dos saberes e fazeres através de poucos séculos promoveu o enriquecimento do nosso patrimônio cultural em seus diferentes segmentos. Acervo este que precisa de proteção, salvaguarda, de reconhecimento, de valorização e preservação. Desde a dedicação e o cuidado com a métrica ao badalar um sino, até a afinação e o acorde de um hino. Da riqueza da arte, da renda, do osso encontrado em sítio arqueológico, da mansidão de um lago e seu entorno, da casa de barro ou da catedral com uma cobertura de concreto e vidro colorido. São esses exemplos de inúmeros bens materiais, imateriais e naturais que constroem a nossa identidade de brasileiro e devem estar, por direito constitucional, ao alcance, compreensão e a proteção de todos os herdeiros dessa Nação. A transmissão, compreensão, respeito e o reconhecimento desses valores deveriam nascer primeiro no seio da família, depois no banco de escola e daí difundido como parte integrante do dia a dia de todos. Essa deveria ser a Pátria que se enxerga e se admira do lado de dentro. Uma lição que por não ser finita, deve continuar incentivada e revitalizada até o último suspiro, mesmo sabendo que o eterno está fora do alcance humano. A Memória não!

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PATRIMONIALIZAÇÃO A carteira de identidade de cada ser humano nascido dentro dos limites de nosso País possui um conjunto de dados, que servem para certificar a cidadania do portador através de foto e outras informações legais. Um documento que o individualiza e confirma como brasileiro. Acrescida de sua descrição, registro, valoração e importância como integrante da História de vida do país, essa é a mesma fórmula usada para definir o que é patrimônio, seguido do adjetivo cultural seja ele material, imaterial, natural, paisagístico, arqueológico industrial, ferroviário, arquitetônico, espeleológico, entre outros, já que a palavra (cultural) abrange os demais com a vantagem de não limitar o bem a sua relação com fatos históricos, com critérios estéticos, etc. O bem cultural é algo apto a satisfazer uma necessidade de cunho cultural e que se caracteriza por seu valor próprio, independentemente de qualquer valor pecuniário, de ser testemunho da criação humana, da civilização, da evolução da natureza ou da técnica, não se esgotando em seus componentes materiais, mas abarcando, sobretudo o “valor” emanado de sua composição, de suas características, utilidade, significado, etc. (MARCHESAN, 2007, p. 39).

Assim como o ser humano que vive no planeta Terra, dividido em continentes, em países como o Brasil, com seus Estados e Municípios, o patrimônio cultural consagrado é também uma referência da identidade de cada lugar e de cada habitante, intrinsicamente ligado ao seu meio ambiente. Portanto, é obrigatório ser uma consequência natural a sua proteção pela sociedade (maior beneficiária) e por governos sejam eles, municipais, estaduais ou federais, dentro de suas competências para garantir a fruição dos seres humanos do lugar, do berço ao túmulo, como um direito fundamental. Historicamente, o direito ao patrimônio cultural surgiu com a terceira geração de direitos fundamentais, no final do século XX, também conhecidos como direitos de solidariedade e fraternidade. São os chamados direitos transindividuais, de titularidade coletiva e difusa, podendo, se vislumbrada uma escala mundial de esforços para sua efetivação, uma vez que se relaciona com a proteção da pessoa humana (SARLET, 2005, p. 70).

Essa proteção obrigatória, direito fundamental de todos os brasileiros, se inicia com a primeira Constituição Federal em 1934, que estabelecia a competência Aurora 463 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco Fundarpe, Recife, v.1, n.3, 2018

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concorrente entre União, Estados e Municípios para protegerem as belezas naturais e monumentos históricos nacionais, evitando sua evasão. No Código Penal de 1940, havia a definição das condutas nocivas ao patrimônio cultural, tipificando-as nos artigos 165 e 166, hoje tacitamente revogados. No Brasil, a política de proteção ao patrimônio cultural teve por precursores os modernistas, liderados por Mário de Andrade. Em 1937, no Estado Novo de Getúlio Vargas, foi positivada a ideia através do Decreto-Lei nº 25/1937, o qual ainda é usado para estabelecer as regras do tombamento. Em 1988, a Constituição Federal dedicou ao tema patrimônio cultural, ao artigo 216: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinado às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

O patrimônio cultural brasileiro tem em sua defesa e proteção, a nossa Constituição Federal, a Constituição de cada Estado, os Planos Diretores municipais, o Estatuto da Cidade, o Código Penal, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei dos Crimes Ambientais, além de outras leis. Configurando assim, o maior conjunto de leis e regulamentos específicos sobre patrimônio cultural do mundo e, por mais chocante e irônico que seja, é o mais violentado do Universo! Código Penal – Decreto Lei nº 2.848 – 07/12/1940 Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o

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aspecto de local especial- mente protegido por lei: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Fosse esse gigantesco potencial de bens culturais tratado como insumo de desenvolvimento cultural e quando associado a setores turísticos com atividades internas e divulgação externa como insumo de desenvolvimento econômico, certamente teríamos outra visão de País. Esse desprezo pela riqueza cultural brasileira, por “desconhecimento” ou por “interesse”, nos leva de certa forma, a desvalorização do nosso patrimônio, da nossa Identidade, da nossa História e dos nossos próprios direitos. Um desamor, um descaso e uma terrível omissão que estão vivos em nossa rua, bairro, cidade, estado e país. Importante lembrar que esse direito da sociedade implica também em responsabilidades. Por isso, a necessidade urgente de uma Política Pública de Difusão e Valoração do Patrimônio Cultural Brasileiro. INDICADORES Não existe um levantamento, uma pesquisa ou fonte de dados sobre o patrimônio cultural brasileiro, que possa nos orientar pública e exatamente sobre a situação desses bens. No entanto, uma organização da sociedade civil denominada Defender - Defesa Civil do Patrimônio Histórico, criada em 2002, mantém um site na Internet com o endereço “www.defender.org.br” desde 2003. Ganhou o formato atual em 22 de abril de 2008. O conteúdo dessa ferramenta possui até hoje, 1.558 páginas contendo por página, 10 notícias relativas à Patrimônio Cultural Brasileiro. São publicadas notícias recebidas de veículos oficiais, de governos e de veículos de comunicação de todo o Brasil, totalizando 15.580 notícias exclusivas sobre patrimônio cultural. Dessas, 90% são negativas para o patrimônio cultural ambiental e construído do Brasil. Um indicador e, talvez o único, que serve para mostrar a quantidade de irregularidades relacionadas ao tema. Mais grave ainda: comprova a afirmação sobre o desrespeito à gigantesca legislação de proteção ao Patrimônio Cultural brasileiro, sejam em municípios, estados e País, principalmente com relação a expressiva impunidade. OMISSÃO Mas afinal como podem existir tantos interesses com relação ao patrimônio edificado? Nas cidades, credita-se à especulação e à indústria imobiliária em primeiro lugar, já que atuam nas cidades históricas ou não, com a mesma voracidade e leniência

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da sociedade e governos. Atuação esta que se justifica pela facilidade de alterações propostas nos Planos Diretores de cidades, sob encomenda, pedidos e orientações apresentadas por cartéis junto aos prefeitos e/ou vereadores. Segundo o site da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, “com 24 votos favoráveis e três contrários, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, nesta segunda-feira (27/11/2017), Projeto de Lei Complementar que propõe a revogação da Lei Complementar nº 601, de 23 de outubro de 2008 - que dispõe sobre o Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do Município.”. Como resultado e prova disso está a degradação constante da mobilidade urbana e na péssima qualidade de vida em cidades de médio e grande porte, resultado de exceções aos Planos Diretores. Assim, lá se vão os registros edificados do período colonial ao moderno dando lugar a novos prédios com alturas diversas, alto ocupação e com número de veículos ampliado sem considerar a largura de ruas. Em segundo lugar estão as empresas de mineração que por seu tipo de atividade provocam irreversíveis e gigantescos danos ao meio ambiente, contando com alguma leniência de governos e impotência, em alguns casos, também dos fiscais das Leis, com raras exceções. Cabe aqui o terrível, lamentável e histórico exemplo da tragédia de Mariana, Minas Gerais. Ainda, o custo especulativo e a ausência de profissionais especializados em obras de restauração que tornam inviáveis e aterrorizam os proprietários bem intencionados de bens edificados tombados. Por último é possível considerar culpados pelo mau exemplo os próprios governos que são os latifundiários do patrimônio cultural e ao mesmo tempo em que são, também os mais relapsos com a sua manutenção e conservação. Por fim, parte desse rótulo cabe à sociedade, a grande beneficiária pelo direito transindividual e co-responsável, citada com destaque em todo o regramento do patrimônio cultural. Também, a única com o verdadeiro e constitucional poder de mudança, mesmo assim, na maioria das vezes, omissa! Outra parte do mesmo rótulo é possível destinar aos fiscais das leis. Afinal se existe lei, crime e lesão, alguém dessa área deveria intervir com a força da balança, em absolutamente todos os casos, desde que um só cidadão apresente sua queixa ou até mesmo por notícia ou indício. Ações essas, que muitas vezes são desconhecidas das vítimas. O LÚDICO Soma-se a essas constatações, “a glamorização” em palestras do tema patrimônio cultural que apesar de bem intencionadas estão associadas a um forte empuxo de conhecimento e cunho de intelectualidade e, portanto, dependendo da plateia (se povo, fale povo) pode ocultar ou fantasiar a clara situação de calamidade em que vive

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o patrimônio cultural brasileiro. Além disso, a forma de apresentação adequada ao tipo plateia é sempre uma oportunidade, que além de demonstrar “amplo conhecimento”, ao mesmo tempo “romantiza” o patrimônio, como se essa fosse a melhor forma de conquistar simpatizantes e arregimentar defensores de sua preservação. Fórmula essa, que pode afastar a maioria do povo ao se confrontar com a realidade. Todos os exemplos são excepcionais, presumindo-se que venham a educar. Por outro lado, oculta-se a calamidade diária que se abate sobre os registros íntegros da história de vida do país. Fórmula e estratégia, talvez assim usadas porque muitos de seus atores se acautelam em apontar verdades com razão, temendo algum tipo de incômodo ou revide. Sem esquecer que os responsáveis pelo patrimônio cultural podem ser uma prefeitura, um estado ou a União e por vezes, dois ou até três desses poderes. A sociedade são pessoas que possuem interesses. Em situações de confronto de opiniões a fuga do conflito para algumas é quase sempre o melhor caminho. Daí a omissão. Além do mais o confronto com o poder público pode, também ter consequências que não interessam ao cidadão. É, justamente por essas situações, que a sociedade se organiza em grupos com diferentes denominações: Amigos, Associação, Grupo, Coletivo, entre inúmeras outras denominações e conseguem, muitas vezes com sucesso apoio do próprio Ministério Público, alcançando vitórias antes impensáveis. Ainda como fator prejudicial ao patrimônio cultural em visão futura está a pontualidade irregular de noções de Educação Patrimonial. Essa atividade deve, com a máxima urgência, entrar nos currículos como disciplina obrigatória em todas as séries do ensino Fundamental e Médio na rede pública e privada. Finalizando, não existe nada mais didático do que a experiência de laboratório onde se prova que uma base ferve em contato com ácido. Isso é vivo, borbulhante e sonoro. Visualizar esse evento torna a experiência tão inesquecível quanto o primeiro presente de Papai Noel ao vivo. Se quisermos que as nossas crianças no futuro tenham gravado em suas mentes a importância do patrimônio cultural, é fundamental esquecer o lúdico, o discurso intelectual e apresentar-lhes a comparação da Memória da família com a Memória da Cidade, do Estado e da Pátria. De forma pedagógica, real e lógica. Ainda, não se conserta aquilo que não está estragado. Portanto, o que funciona bem deve ser bem conservado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se entende da atual relação entre sociedade e governos sobre patrimônio cultural é a falta absoluta de conhecimento dos direitos e deveres de

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cada um, estabelecidos na Constituição Federal e legislação complementar, porém ignoradas por ambos. Além disso, quando promovida por uma das partes surgem embates já padronizados, que ao serem judicializados resultam em prejuízo total para a sociedade e parcial para governos. Em que pese a ampla jurisprudência já formada sobre esses assuntos. Proclamada em 5 de outubro de 1988, a chamada Constituição Cidadã, promulgada por Ulysses Guimarães, trouxe em seu bojo a definição sobre o exercício pleno da cidadania e a ampliação dos direitos constitucionais, além da explicitação da defesa do patrimônio cultural: Artigo 5º - Inciso LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada máfé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (CONSTITUIÇÃO, 1988).

O patrimônio cultural tem vários enfoques e narrativas. Nasce dentro da História do Brasil, ganha corpo e volume no meio jurídico, se teoriza no meio acadêmico, alcança a área de Educação onde ganha como complemento a expressão patrimonial. Porém não é bem reconhecido no segmento popular. Justamente onde está a maior parte da sociedade brasileira, tão citada e responsabilizada em toda a jurisdição sobre o tema. Esse é o lamento. Esta, porém, pode ser a grande proposta e a grande solução: Implantar o conceito nos jovens através da Educação Patrimonial definida como disciplina no ensino fundamental e médio, única esperança de um público adulto, consciente e engajado nessa causa. É fundamental e imperativo que se desenvolva e amplie aplicativos para uso em aparelhos eletrônicos móveis com uso de internet a exemplo do que já foi produzido em Pernambuco e Ouro Preto. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. São Paulo: Saraiva, 2008.

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COSTA, Virgílio. Lei Complementar nº 601. Prefeitura Municipal de Porto Alegre: POA. 2008. MARCHEZAN, Ana Maria Moreira. A Tutela do Patrimônio Cultural sob o Enfoque do Direito Ambiental. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2007. MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Editora Magister vol. 55 – ago/set, 2014. PUBLICAÇÕES - Patrimônio e Preservação Cultural. Recife: Cultura PE. Disponível em:<http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/patrimonio-cultural/acervo/publicacoespatrimonio-e-preservacao-cultural/>. Acesso Nov. 22, 2017. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoas humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2005.

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ARTIGOS ACADÊMICOS

AZULEJOS DE FACHADA NO CENTRO HISTÓRICO DO RECIFE: UM PATRIMÔNIO AMEAÇADO SÉCULOS XIX-XXI Viviane Sampaio Moraes1 RESUMO O presente artigo é um recorte da monografia de especialização em Cultura Pernambucana da autora deste texto. Que resultou em um inventário das casas com fachadas azulejar do século XIX, existentes no tempo presente no centro histórico do Recife nos bairros: do Recife, de Santo Antônio, de São José e da Boa Vista. Faz uma abordagem histórica da cidade e uma breve contextualização da ocupação urbana dos bairros pesquisados. A partir de referencial teórico é feito a historiografia, apontando a raiz lusitana que originou a formação do patrimônio azulejar no Brasil. Apresenta a importância da preservação e valorização do patrimônio azulejar. Palavras-chave: Azulejos. Bairros centrais do Recife. Patrimônio Cultural. INTRODUÇÃO Considerando o delicado estado de conservação do vasto acervo desta placa cerâmica distribuído nos bairros do Recife, Santo Antônio, São José e Boa Vista elaboraram nestes bairros um recorte para avaliar o cenário de o patrimônio azulejar de fachada do século XIX. Encontramos azulejos nas paredes de edifícios públicos, nas fachadas das casas, em igrejas, jardins e fontes. É um patrimônio histórico, artístico e cultural do país. Vale mencionar que o produto reflete sua época ao constituir importante aspecto da cultura material do país que o originou: A cidade é o reflexo da cultura. Cada edifício, praça, esquina traz um pouco da história de um povo, de um país. Estudar e compreender o passado são fundamentais para iluminar o entendimento do presente e preparar o futuro para atuais e próximas gerações (CAVALCANTI, 2002, p.9).

1 Formada em Turismo pela Fafire. Especialista em Cultura Pernambucana. Educadora no Museu Cais do Sertão. E-mail: vivianesampaiomoraes@gmail.com

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A história da azulejaria é um tema muito fascinante porque leva ao estudo de um passado imerso em tradição, originalidade e cultura. O estudo desta peça mostra como este simples objeto, vindo da argila, pode contribuir de forma significativa para o desenvolvimento cultural e histórico de uma cidade. CAMINHOS DE HISTÓRIAS O início da ocupação urbana na cidade do Recife data do início do século XVI. A história inicia-se com a instalação dos equipamentos para atracamento de navios, juntamente com as primeiras construções de alojamentos destinados às pessoas que trabalhavam com atividade portuária. A pequena povoação era composta por marinheiros, carregadores e pescadores que moravam em casas feita de palha. A principal atividade desta população era a exportação da cana de açúcar, fundamental para as economias locais, que mais tarde viria a ser a grande mola de impulsão do desenvolvimento da região. O primeiro registro do Bairro do Recife data de 12 de março de 1537, quando o então donatário da capitania de Pernambuco Duarte Coelho, recebeu a Carta de Doação da Coroa Portuguesa em um documento chamado Foral de Olinda. Na Carta, o lugar era citado como um ancoradouro de navios, onde mais tarde daria origem à cidade do Recife. O nome da vila do Recife referia-se aos arrecifes de arenito, formação rochosa marinha presente em toda costa pernambucana. No final do istmo de Olinda, espremido entre o mar e os rios Capibaribe e Beberibe, observa-se o surgimento da vila do Recife, nos fins da primeira metade do século XVI. A vila do Recife nasceu na região do porto, no ancoradouro por onde escoava a cana de açúcar, o pau-brasil, animais silvestres, pedras preciosas e desembarque de imigrantes europeus. Com o crescimento do Recife, o porto torna-se antiquado. A população pedia por melhoramento já no século XIX. A cidade sofre a sua primeira reforma urbana. Todo núcleo original, sobrados de estilos tradicional português, além de alguns prédios neoclássicos, que ali existiam, foram abaixo para dar lugar a um traçado influenciado pelo urbanismo francês da época. As ruas estreitas e sinuosas, típicas de uma cidade de colonização portuguesa, desaparecem. Construiu-se praticamente outro bairro de arquitetura eclética. A reforma, no entanto, não levou em consideração a preservação do patrimônio histórico, prédios foram demolidos. Na rua do Bom Jesus, no nº 125, encontrou-se o único imóvel com fachada de azulejo do século XIX do Bairro do recife.

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O bairro de Santo Antônio teve suas primeiras ocupações ainda no princípio da colonização portuguesa. A ilha, onde encontra-se hoje o bairro, pertencia ao colono Marcos André, fundador do Engenho da Torre. A primeira grande construção ocorrida naquela ilha data do início do século XVII, ainda antes do domínio holandês o Convento Franciscano de Santo Antônio, concluído por volta de 1606. Os holandeses, por mais de vinte anos, dominaram Pernambuco, os invasores pretendiam recriar os ares de uma cidade europeia, a Nova Amsterdã, e para isso ocuparam inicialmente o espaço tomado por uma ilha situado na entrada do Capibaribe. Essa etapa na ocupação do território marcou profundamente o crescimento da cidade. Os holandeses expandiram o povoamento em direção ao continente e construíram a ponte Maurício de Nassau, a primeira a ligar o antigo istmo ao continente, consolidando outro povoado, a ilha de Antônio Vaz, que viria a ser a “Nova Mauríceia”. A construção dessa ponte foi o primeiro passo para o crescimento urbano em direção ao continente. Além da ponte e da transferência da sede do governo holandês para o novo povoado, também foi significativa a mudança da residência do Conde Nassau para a “Nova Maurícia”, que teve a sua construção iniciada logo após a invasão de 1630 (CAVALCANTI, 2007, p.149). A primeira denominação dada à ilha foi Ilha dos Navios, porque servia para reparos em navios e outras embarcações que atracavam no Porto do Recife. Mais tarde passou a ser chamada de ilha de Antônio Vaz, até virar em 1789, a Freguesia do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio. Nascia ali o bairro de Santo Antônio. Segundo Cavalcanti (2002) é neste bairro, na Rua Nova nº 244, onde encontrase o único imóvel com azulejos ingleses em sua fachada ainda existentes na cidade do Recife. Nas demais ruas do bairro encontram-se azulejos portugueses e franceses. O bairro de São José, situada na mesma Ilha de Antônio Vaz, ligado ao atual bairro de Santo Antônio, foi o prolongamento natural da ocupação territorial no período holandês. Segundo Isabel Guillen (2009, p. 01), Santo Antônio é considerado um bairro eminentemente popular, com suas ruas estreitas e sobrados de porta e janela. Sofreu durante décadas intervenções públicas que visavam modernizálo e higienizá-lo, tornando-o conforme aos padrões pretendidos por uma elite que queria ver o Recife como espelho da modernidade europeia. A alteração do tradicional bairro de São José, com o desaparecimento de velhos casarões, palacetes e até mesmo pequenos prédios ligados a vida da cidade, é o retrato dos nossos dias. Podemos citar dezenas e talvez centenas de exemplos que se sucedem em um atentado constante ao patrimônio cultural. Com o desenvolvimento foi se formando no bairro um traçado urbano de ruas estreitas, becos e vielas, com alguns pátios das igrejas. No Pátio de São Pedro

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encontram-se duas casas com fachadas revestidas de azulejos do século XIX. A casa número de nº 21 é uma construção térrea, onde vamos encontrar azulejos portugueses em dois padrões, nas cores azuis e brancas, em estado de conservação regular. A casa número 84 possui dois pavimentos, com fachada parcial de azulejos Portugueses em estado precário. O bairro da Boa Vista surge em 1643, quando Maurício de Nassau constrói sua casa de recreio, chamada inicialmente de Bela Vista, localizado na cabeceira da ponte sobre o Rio Capibaribe que ligava a cidade Maurícia ao continente. Segundo Silva (2000), a nova ponte cruzava o rio Capibaribe em direção ao continente e formava já do outro lado os primeiros traçados de povoamento, no que seriam atualmente as imediações da rua da Glória e da rua Velha estendendo-se até o atual pátio de Santa Cruz e arredores. De acordo com Silva (2000), na segunda metade do século XVII eram poucas as construções existentes em terras da Boa Vista, não havendo arruados ou qualquer outra organização de natureza urbanística, sem ruas definidas e casas dispersas em sítios de coqueiros e pomares separados por mangues. Em meados do século XVIII, nos relatos de Silva (2000), a Boa Vista encontravase povoada: nas proximidades da Ponte Velha, ao norte em torno da Praça de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista nas regiões não aterradas; e por fim, em uma nova área que surgia pelo lado leste, de outra ponte que se construiria, iniciando-se um novo aterro, com a construção de uma nova ponte que antecedeu a atual ponte de ferro da Boa Vista, sendo a primeira construída em 1740, durante o governo de Henrique Luís Pereira Freire, a leste da outra ponte. O Bairro da Boa Vista, desde a sua origem, vem sofrendo transformações que tem acarretado mudanças estruturais em seus padrões de vida, arquitetura e até mesmo seus elementos naturais. Essas modificações imprimiram marcas que simbolizam e narram a sua própria história, sobretudo em sua morfologia e na cultura de seus habitantes, que passam a se configurar como elementos essenciais para a formação e afirmação de uma memória coletiva comum a toda sociedade e que, muitas vezes, extrapola os seus próprios limites. A história de expansão urbana do bairro da Boa Vista que se desenrola desde o século XVII encontra-se nos dias atuais registrada em suas ruas e edificações que resistem ao tempo e guardam a memória do bairro e da cidade de anos passados. É no Bairro da Boa Vista que vamos encontrar hoje a maior concentração de imóveis com fachada azulejada. A maioria é de origem portuguesa, tanto em azul e branco quanto em policromia. Os franceses, em menor número, também são encontrados nas duas modalidades.

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AZULEJO: A CONSTRUÇÃO DE UMA HERANÇA A palavra azulejo, originária do árabe, significa uma placa pintada e vidrada em uma das faces, possuindo nas outras fendas um tipo de relevo para facilitar o assentamento (BREVE GLOSSÁRIO p. 100-101, [s.d]). O azulejo tem sido identificado como um elemento capaz de dar suporte às produções culturais de um povo. Ele é capaz de carregar sobre si um conteúdo rico e profundo de intenções artísticas ou concretizar limitações tecnológicas de um povo ao longo dos tempos. A introdução do azulejo na Europa teve início no final do século VI, com a chegada dos árabes na Península Ibérica, daí se expandindo para a Espanha, Portugal e Holanda. Nesses locais, grandes progressos foram alcançados com o aperfeiçoamento da técnica de fabricação do azulejo e a introdução da figura humana, animais e flores na sua decoração (BARATA, 1955). O século XIX viveu a fase dos painéis historiados, o azulejo passou a ser utilizado no revestimento das fachadas das edificações, solução original na história da arte e da arquitetura. Além desse traço distinto, também apresentou outras implicações, inclusive de caráter social e humanístico, pois, ao vestir o edifício, estabeleceu um convívio diário com o transeunte. Assim, o azulejo não mais pertencia ao espaço nobre, nem ao ritual religioso, mas refletia a ostentação da nova burguesia que, deste modo, colocava-se em posição diferenciada em relação às demais classes sociais. É nesta época que começam a ser utilizados azulejos nas fachadas em Portugal. Foi do Brasil que veio para metrópole a nova ‘moda’ do azulejo de fachada, trazida pelos ‘brasileiros’ de camiliana memória, que encheram o norte do país de chalés e vivendas, com seu ar exótico e equatorial, ou empregavam seus cabedais na construção de imóveis imponentes a dar ao Porto, principalmente, essa continuação de ‘ar de família’ que notamos tão exuberante deste o Pará ao Rio de Janeiro (SANTOS SIMÕES, 1959, v.14 p.9). Em relação ao uso do azulejo no revestimento de fachada, Alcântara (2001) continua a questionar se é uma criação brasileira. Em sua opinião, essa prática estabeleceu-se simultaneamente no Brasil e em Portugal. Existem documentação e exemplos de revestimentos azulejares dos terminais dos campanários desde o século XVI nos dois países; em Portugal existem também, desde o mesmo século, bancos de jardins revestidos de azulejos e fachadas voltadas para os jardins igualmente revestidas com as peças. A autora nota que, em Portugal, a partir da Revolução Liberal, e com ascensão da classe burguesa, o azulejo passa a ser escolhido por este grupo social que não possuía gosto estético refinado de acordo com os padrões da época.

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Os azulejos semi-industrializados atendiam às necessidades dessa classe emergente. Como os sobrados eram geminados, só havia uma fachada aparente, que era a frontal onde, naturalmente, os azulejos eram colocados. Simões (1959; 1965) e Cavalcanti (2002; 2006) entendem que a utilização de azulejos em fachadas é mérito de uma vanguarda brasileira que, por motivos estéticos e preventivos, resolveu utilizar o revestimento cerâmico do lado de fora das casas. Argumentam que este hábito gerou uma demanda que encontrou suporte nas produções cerâmicas francesas, holandesas, belgas e, principalmente, na produção cerâmica lusa, a partir de 1840. Para além deste fato, os portugueses que moravam em território brasileiro, voltando para a sua pátria em meados do século XIX, em situação financeira superior à dos seus patrícios, que viviam em um país desestabilizado econômica, política e financeiramente, não só foram os primeiros a investir na industrialização da cerâmica para atender a ex-colônia como, também, introduziram a moda brasileira e construíram casas imensas, ostensivas, completamente revestidas de azulejos nas fachadas que, rapidamente, ganharam o apelido de “casas de brasileiros”, “casa de regressados”, “casa de torna-pátria” ou “casas-penico” (SIMÕES, 1974,p. 231-232). Apesar das críticas pejorativas, a tendência caiu no gosto popular e espalhou-se por toda a cidade, explicando assim a introdução do uso de azulejos de fachada em Portugal. A argumentação de Santos Simões manifesta-se, também, em outras publicações (1959; 1965): No que se refere particularmente a azulejaria, constatei que é precisamente no Brasil, e ainda no século XVIII que o azulejo sai dos interiores e vai revestir fachadas. Solução engenhosa e utilitária que não havia ocorrido na metrópole onde apenas o azulejo é aplicado em vêrgas de portas ou janelas exteriores (SIMÕES, 1959, p.15). Na verdade, foram os construtores brasileiros quem, pela primeira vez, recorreram ao azulejo para revestimento e proteção das fachadas de templos e sobrados. Tais aplicações não foram utilizadas em Portugal a não ser, esporadicamente, em muros e paredes exteriores de jardins e pátios (...) foi no Brasil que tal sistema de cobertura se generalizou extravasando-se nas próprias fachadas com a aplicação de azulejos sobrantes das decorações internas (SIMÕES, 1965, p.35). Do outro lado da questão está o grupo de investigadores que credita a iniciativa de uso dos azulejos em fachadas aos portugueses em Portugal que, depois, levam a novidade para o território brasileiro, motivados pelos novos tratados econômicos firmados entre os dois países por volta de 1840. Mario Barata (1955) é um deles, para quem a entrada de azulejos no Brasil era pautada em uma tendência em voga em Portugal e vinha atender uma demanda certa, resultante da modernização das cidades:

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No século XIX, talvez logo a partir de 1840 – quando inicia a generalização da técnica de revestimento cerâmico de fachadas, já então aspecto característico de Lisboa, e de lá trazida para o nosso meio pelos mestres de obras lusos, correspondendo ao gosto luso brasileiro (BARATA, 1955, p. 58).

Esta é também a opinião de Dora Alcântara (2001) que diz não haver elementos suficientes para uma negação categórica e considera a possibilidade de uma “autoria” compartilhada: Achamos que este foi um hábito que se estabeleceu simultaneamente, em Portugal e no Brasil, evolução natural de uma tradição lusitana que nos foi passada: documentação e exemplo não faltam, lá e aqui, de revestimentos dos terminais dos campanários desde o século XVI (ALCÂNTARA, 2001, p.62).

Domingues (2009, p.27) amplia o grupo de estudiosos contrários ao posicionamento de Santos Simões. A autora assegura que parece pouco provável o uso de azulejos de fachada ter sido uma iniciativa brasileira se considerarmos o fato de que no inventário de Cavalcanti (2002), a quantidade de padrões em fachadas azulejadas em Pernambuco é menor do que a quantidade padrões existentes nas fachadas em Lisboa, Porto ou mesmo, Ovar. Podemos considerar o século XIX, como o período no qual o uso dos revestimentos cerâmicos no Brasil começa a apresentar um perfil próprio. A partir de agora a aplicação de azulejos nas edificações brasileiras ressaltará, ou não, nas marcas identitárias da cerâmica portuguesa que foram assimiladas e contextualizadas na formação do patrimônio azulejar no Brasil, atendendo ao gosto estético local e às necessidades de desenvolvimento dos centros urbanos recém-inaugurados A história do azulejo no Brasil é um verdadeiro roteiro da economia do país. No Nordeste ocupou diversos estados: Salvador, capital da coroa portuguesa no Brasil; Recife e João Pessoa, com a cultura da cana-de-açúcar; São Luís do Maranhão, quarta cidade em economia graças à cultura algodoeira; Rio de Janeiro, com a cultura do café; e no Sul do país refletindo a busca por riquezas minerais. O uso do azulejo estava sempre ligado à detenção de riquezas. Sobre os azulejos com revestimento externo de fachada é interessante observar que, no caso brasileiro, a despeito da grande influência portuguesa, o desenvolvimento da azulejaria não se deve unicamente a dependência cultural, econômica e política de Portugal. De acordo com Cavalcanti (2002. p.25) além do aspecto decorativo, de embelezar o imóvel, o azulejo tinha a função utilitária de proteger contra umidade

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(que trazia mofo e fungos) característica do clima tropical do nosso país. Umidade agravada pela salinidade existente nas cidades litorâneas ou situada às margens de rios. Tanto assim que aquelas que mais receberam fachadas azulejadas foram as que apresentavam uma ou mesmo as duas características geográficas: Belém, no Pará; São Luís, no Maranhão; Rio de Janeiro (Capital); Estância, em Sergipe; Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; e Salvador, na Bahia. Gilberto Freyre, em seu livro Casa Grande e Senzala (2006), acentua a conexão existente entre o uso do azulejo, por parte do colono português no Brasil não só pelo gosto, mas também pelo asseio, pela limpeza, pela claridade, daquele instinto ou senso de higiene tropical. O azulejo do século XIX em Pernambuco, como em todo o país, sofreu preconceito a respeito da necessidade de ser preservado, pois historiadores e pesquisadores entendiam que apenas os dos séculos anteriores tinham relevância artística e histórica. Trabalhos como de Sylvia Tigre Cavalcanti desconstroem essa ideia (CAVALCANTI, 2002; SANTOS SIMÕES, 1959). A primeira remessa de azulejos a chegar ao estado data de 1837, trazidos por um navio espanhol – não há registro sobre sua origem e supõe-se ser portugueses. Nos anos subsequentes, até 1840, vários navios aportaram trazendo azulejos do Porto, azulejos portugueses (CAVALCANTI, 2002, p. 26). A partir de 1860 estes perdem exclusividade no mercado pernambucano, recebendo grandes quantidades de azulejo francês e ainda em menor escala de outras origens. Nesse sentido, no período compreendido entre 1840 e 1890, a prática de azulejar fachadas de casas e sobrados foi bastante difundida, levando sua expansão para além do eixo Recife-Olinda, interiorizando a prática (CAVALCANTI, 2002, p. 29). Pernambuco assume um importante papel histórico, como estado detentor de ampla e variado repertório da azulejaria. É possível encontrar exemplares em diversas cidades como Recife, Olinda, Igarassu, Goiana, Ipojuca, Sirinhaém, Paudalho, Vicência, Vitória de Santo Antão, Bom Jardim, Brejo da Madre de Deus. UM PATRIMÔNIO AMEAÇADO O patrimônio possui significado e importância artística, cultural, religiosa documental ou estética para a sociedade. Estamos aprendendo a olhar para o patrimônio como um bem que representa identidade e que exalta o valor de uma cultura, de algo que é o retrato de um tempo histórico. O direito à memória que tem todos os grupos humanos enfatiza a importância da preservação do patrimônio, sendo este o testemunho da herança de gerações passadas, que exerce papel

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fundamental no momento presente e se projeta para o futuro, transmitindo às gerações por vir, as referências de um tempo e um espaço singular que jamais serão revividas, mas revisitadas. Os bairros do Recife, de Santo Antônio, de São José e da Boa Vista possuem um precioso acervo, que infelizmente está sofrendo por causa das condições físicas dos imóveis, provocando uma degradação assustadora e irreparável, lançados a própria sorte e aos caprichos do tempo. Dentre as causas de degradação, ressaltou-se a umidade, que se constitui em um dos principais fatores da deterioração do conjunto azulejar, responsável por provocar o aparecimento de sais e microrganismo, que resultaram na perda da camada vítrea, o vandalismo, responsável pelas pichações, perfurações para a fixação de pregos ou parafusos, colagem de cartazes ou qualquer outro tipo de material e a negligência, caracterizada pelo descuido. Alguns proprietários não reconhecem o valor histórico deste acervo, ao depararem-se com esse tipo de problema, optam por um tipo de restauro que descaracteriza o imóvel. Em geral, substituir esse revestimento aplicando um novo material, ou, simplesmente, colocando uma camada de tinta. Outros têm o impulso de substituir as lacunas dos azulejos do século XIX, por réplicas, muitas vezes malfeitas, descaracterizando a fachada. A preservação da memória é de muita importância devido à construção da identidade de um determinado povo. Para isso é necessário que não deixe de rememorar, de ir em busca de informações históricas que singularizam o patrimônio. Faz-se urgente a definição de uma política de proteção do patrimônio edificado no Brasil, é preciso estabelecer regras claras e de aplicação universal. Considerar a preservação do patrimônio histórico como questão de cidadania implica reconhecer que, como cidadãos, temos o direito à memória e o dever de contribuir para a manutenção do acervo cultural de um país, estado, município ou comunidade (POLLAK, 1992, p.213).

Preservar é um termo que se refere a ações que tenham o propósito de garantir a integridade e a perenidade de determinadas coisas. A preservação visa à defesa, a salvaguarda e a conservação de algo. No caso desse patrimônio, a preservação deve envolver vários tipos de ações e intervenções. Para alcançar o ideal, é preciso que se tenha muita clareza do que se quer fazer, para e porque buscar a conservação e preservação deste patrimônio azulejar. A respeito desse entendimento, o que tem-se constatado é a grande perda do acervo

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deixado pelas gerações passadas, que possuem preciosos elementos decorativos, raros e que muitas vezes retratam momentos históricos de nossos antepassados que são responsáveis pela nossa memória. A falta de consciência e conhecimento acerca da necessidade de preservação de nosso passado por parte da sociedade e a falta de vontade política, acarreta um grande esvaziamento de nossa cultura em termos de valorização da memória histórica e cultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS O azulejo possui a nobre capacidade de comunicação entre o indivíduo e o espaço construído, e tem estabelecido bom êxito por onde passa. Rico em história, de comprovado poder como suporte plástico, excelente revestimento para uma arquitetura tropical, há de se explorar o azulejo como elemento de troca entre o edifício e a cidade. Neste artigo, o azulejo foi abordado como peça cerâmica isolada e integrada às casas e sobrados dos bairros do Recife, de Santo Antônio, de São José e da Boa Vista para explicar questões ligadas ao processo histórico e importância como patrimônio. Pode identificar alguns motivos diferentes para a utilização de azulejos em fachadas, sendo a característica física do azulejo uma das mais fortes. O Brasil possui cidades de climas tropicais, principalmente as litorâneas e margeadas por rios, onde a ocorrência de chuvas e umidade é muito frequente e abundante. Sendo refratário à ação do sol, o azulejo impede a corrosão da umidade nas paredes, torna as residências mais frescas, é de fácil manutenção e apesar de ser um produto caro, seu uso é compensado pela ausência de custo na conservação. Através do uso do azulejo, pôde-se contar uma parte da história do Brasil, pois as diversas fases de dominação e colonização no Brasil podem ser notadas pela historiografia do azulejo, que foi diferenciada durante a colonização portuguesa, o domínio holandês, depois da abertura dos portos. Os bairros pesquisados possuem um acervo precioso, mas as péssimas condições físicas das casas e sobrados, estão levando este acervo à degradação. Muitas dessas edificações se perderam ou se transformaram, e o que resta são memórias trazidas espontaneamente pelos mais antigos que ainda guardam retratos e relíquias de décadas ou mesmo de séculos anteriores. A preservação das edificações históricas se faz fundamental para a manutenção da identidade cultural de uma região. Preservar as fachadas azulejadas é preservar parte do patrimônio cultural do local.

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