Um Teatro Quase Esquecido – Painel das Décadas de 1930 e 1940 no Recife (Década de 1940)

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Leidson Ferraz

- Recife, junho de 2015 -


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Um Teatro Quase Esquecido – Painel das Décadas de 1930 e 1940 no Recife Pesquisa, textos e organização geral Leidson Ferraz Assistentes de pesquisa Kátia Ivo e Cleide Silva Secretariado Elivânia Araújo Revisão Leidson Ferraz e Rodrigo Dourado Projeto gráfico e diagramação Claudio Lira Proponente do projeto cultural ao FUNCULTURA Paulo André Viana Elaboração de projeto e administração Laurecilia Ferraz

Todas as imagens utilizadas nesta pesquisa são do acervo Projeto Memórias da Cena Pernambucana ou Teatro Tem Programa!, sendo que muitas das fotos e anúncios foram extraídos de jornais antigos. Caso algum fotógrafo, instituição ou empresa jornalística queira ter o seu registro, estamos abertos a fazê-lo.

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Ah, o passado...

L

endo a dissertação de Mestrado de Ana Carolina Miranda, , concluída em 2009 no curso -

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ĂŁo terĂ­amos mais acesso aos

o

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Viva a memĂłria do teatro brasileiro! Leidson Ferraz


SUMÁRIO Capítulos: Ano 1930 .................................................................. pág. 02 Ano 1931.................................................................. pág. 26 Ano 1932 .................................................................. pág. 58 Ano 1933 .................................................................. pág. 73 Ano 1934 .................................................................. pág. 98 Ano 1935 ................................................................ pág. 116 Ano 1936 ................................................................ pág. 132 Ano 1937 ................................................................ pág. 146 Ano 1938 ................................................................ pág. 164 Ano 1939 ................................................................ pág. 184 Ano 1940 ................................................................ pág. 212 Ano 1941 ................................................................ pág. 229 Ano 1942 ................................................................ pág. 252 Ano 1943 ................................................................ pág. 269 Ano 1944 ................................................................ pág. 285 Ano 1945 ................................................................ pág. 304 Ano 1946 ................................................................ pág. 328 Ano 1947 ................................................................ pág. 354 Ano 1948 ................................................................ pág. 371 Ano 1949 ................................................................ pág. 422 Referências ............................................................ pág. 475



1940

“O

movimento theatral no Recife de 1940 foi bem animador”. Com esta frase, publicada na retrospectiva teatral daquele ano que fez para o Jornal do Commercio (19 de janeiro de 1941),Valdemar de Oliveira deixou claro que o momento capital pernambucana, numa atuação constante de companhias itinerantes, mas, também, de sociedades locais. A descrição dos números é realmente impressioRecife, oitenta e nove peças foram representadas, sendo setenta e seis brasileiras -

mar de Oliveira em sua retrospectiva de 1940, entre estas estavam “duas boas

Santa Isabel e oito no Cine Encruzilhada. Reunindo artistas em evidência na cena nacional, como Eva Todor, Mario Sallaberry, Affonso Stuart, Zilka Sallaberry, Antonia Marzullo, Modesto de Souza e Maria Vidal, a equipe realizou “vesperais chics”, “vesperais das normalistas”, “vesperais das moças” e “soirées”, dando a senhoras Eu,Tu e Elle (de O Maluco Nº 4 com cinco sessões), Levadinha da Breca (de Abadie Faria Rosa, com três sessões), O Carneiro do Batalhão Fim de Festa nas vesperais das normalistas), O Tropheo duas sessões), Leviana (de Cezar Ladeira, também com duas sessões), Aonde Vaes, Feia, Querida

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Coração? (de Valdemar de Oliveira, com quatro sessões, teiro Verde, Cabecinha de Vento (ambas com três apreincluindo um festival da atriz Eva Todor sob o patrocí- sentações cada), Deus (em duas sessões), e Sexo, Nossos Filhos, Cyclone e A Mulher Que Esqueceu o Nome (cada destas em única récita). Iracema de Alencar também promoveu um festival em seu benefício, com repreTodor “em canções, bailes e sketches” à frente de toda sentação da peça A Vida Tem 3 Andares. Ainda passou a companhia) e, no dia 11 de julho, O Garçon do CaComédias Barreto Júnior, com dez apresentações das samento peças És Tu Malaquias? (em sete sessões) e A Flôr da Família Lenita Lopes”, lembrou Valdemar de Oliveira no Jornal do Commercio (19 de janeiro de 1941). pernambucana tendo Iracema de Alencar como maior quais Maria Caetana e Jesus Ruas, ofereceu dezesseis pe italiana Os Piccoli de Podrecca, que realizou “uma sessões no Teatro de Santa Isabel, exibindo as peças optima temporada” no Teatro de Santa Isabel, num Margarida Gauthier (quatro apresentações), O Respos- total de trinta récitas variadas. Intitulando-se como

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“a maior companhia do mundo”, com um repertório de “opera, opereta, variedade, revista feerie e qua-

Cine Casa Amarella (cada qual com três), Cine São (com uma récita cada ).

prometia “o sonho das crianças e dos adultos” com seus oitocentos artistas no palco, três mil “costumes” Valdemar de Oliveira revelou que foram, em primeiapós sua curta permanência no Teatro de Santa Isabel, das das operetas, burletas e outras peças musicadas ainda fez mais três apresentações no Cine Eldorado, (trinta e seis), revistas (trinta e nove), peças histó- ricas (dezessete), altas comédias (quatorze) e melo-

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o Grupo Gente o Conjunto Artistico do Feitosa, com onze apresenta-

pernambucanos e quarenta e quatro de autores de outros estados, sendo os escritores mais representados, Valdemar de Oliveira, sessenta e quatro apre-

lando por diversos cineteatros de subúrbios.

Artistico do Barro, o Gremio João Caetano e o Conjunto Artistico Pernambucano, cada um destes com uma única peça promovida durante todo o ano. Além à cena, como o festival da atriz Luiza de Oliveira, com a peça Casa de Maribondos Como equipe de maior atividade em Pernambuco, o Recife em 1941, após o Teatro de Santa Isabel, com - tando duas revistas, Lero-Lero – que contou com partimais espaços a receber apresentações teatrais foram cipação especial da cantora Uyara de Goiaz –, e Côco o Cine Encruzilhada (com dezoito delas), Cine Torre Verde (quinze),Theatro da Exposição (quatorze), Cine Olin- nal de Pernambuco. O Jornal do Commercio (11 de fetral (quatro), Cine Imperio (dezesseis), Cine São João, vereiro de 1940) deu mais detalhes sobre Lero-Lero: 214


co”, como lembraram os jornais. O retorno aconteceu com a inédita revista infantil Terra Adorada belíssimos números de música!” e “luxuoso da época, vinte e um componentes participavam, na sua maioria crianças e adolescentes, com presença mínima de adultos.

fense, valendo notar os quadros relativos aos

ros de musica de diversos autores, entre os -

pernambucano, e Ary Guimarães (Salomão Absalão), nella tomando parte todos os artis-

Após os festejos carnavalescos, a equipe voltou a ocuA Menina de Chocolate, comédia francesa de Gavault, trazendo o seu elenco adulto à cena, e Terra Adorada!, letra e música de Valdemar de Oliveira, pelo elenco de meninos e meninas. A pesquisa Teatro Para Crianças no Recife – 60 Anos de História no Século XX 19.), de Leidson Ferraz, conta como tudo aconteceu:

novo para crianças, Valdemar de Oliveira dedicou parte do seu tempo para escrever mais duas obras infantis, além de aprimorar A Princesa Rosalinda 10 horas, e sob os auspícios do interventor

bastante comemorado pelo Jornal do Commercio de fevereiro de 1940):

matinaes infantis que tanto êxito alcançaram do do êxito que obtiveram peças como a A Princesa Rosalinda, O Pequeno Pollegar e outras, superlotando o Theatro Santa Isabel por va-

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la, Holanda), Terezinha Oliveira (Serva Chinesa, Co-

Terra Adorada!. A partitura,

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estando a orchestra de 10 professores, sob a

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Romulo Paiva, Amparo, Luisinha e Theresinha

tros. zes atraves da Europa, da America, da China e do Brasil, a bordo de um Zeppellin. Os pinto-

O matinal

O enredo de Terra Adorada ninos que, a bordo do Zeppelin, faz um passeio por

representaçþes de ambientes na Europa, China e

Pernambucano de MĂşsica, nos papeis de Anjo, Hun-

Maria Celeste

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Elenco de Terra Adorada

leste (Plin-Plin-Tchim, Finlândia), Caldas Araújo (Rússia), R. Priston (Marte), Maria do Carmo Cavalcanti

A repercussão de Terra Adorada foi tamanha, que a peça até foi assistida, em vesperal, pelos chefes dos

Equador) e Antonio C. Almeida e Terezinha Fonseca

especial aos interventores federais, além de contar Folha da Manhã

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Por sua atuação no papel de Mimi, uma boneca que tour mundial, Luizinha de buco e Folha da Manhã Folha da Manhã (9 de março de 1940): Luizinha sobresahiu-se no elenco de Terra Adorada. Prendeu a attenção do publico na encar-

de Oliveira, tem tido horas de emoções delicadas. Horas de emoções altas. A sua peça – Terra Adorada é um primor de arte. Arte XX, dando realidade ao sonho do menino, em quem o Zeppelin despertou a curiosidade

na revista representaram muito bem deixando a melhor impressão. Mas, o que aconteceu com do que os outros a presença de uma artista. E a menina correspondeu o maximo do que se esperava. Movimentou-se em scena como uma artista experimentada, desembaraçando-se das

de futuro, que trouxe do berço a verdadeira vocação pelo theatro. E é nessas revelações

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Terra Adorada

desdobra-se, então, em maravilhas de scenas através dos paizes da Europa e do Oriente, anças, que representam com travessura e innotas dos climas das nações, que o Zeppelin, cheio de meninos, visita. Correm o mundo e voltam as creanças loucas pelo Brasil. Loucas pela Terra Adorada, com as suas praias, os seus coqueiros, as suas acacias, os seus passaros, as suas arvores frutiferas, o céo claro, o clima

ção para os subúrbios do Recife por diversos palcos, como também para Olinda, com temporada no Cine Olinda, e promoveu ainda sete excursões às “Paud’Alho” e Timbaúba, nesta última por duas vezes. demar de Oliveira lembrou naquela retrospectiva no Jornal do Commercio particular, sua actuação foi mais proveitosa do que em -

a fartura e a paz. Sente-se que os meninos viram no velho mundo o que as creanças não o sofrimento, sentimentos estranhos e desconhecidos num paiz cheio de espaços, num paiz -

Cuidadoso com números,Valdemar de Oliveira listou a quantidade de sessões em cada um dos teatros visitados pelo “sympathizado conjunto pernambucano”, lembrado nos jornais: noventa e uma no Teatro de Santa Isabel, vinte e duas no Cine Eldorado, quatorze

Através do Jornal do Commercio, Valdemar de Oliveira

doze no Cine Imperio, onze no Cine Torre, dez no Cine Encruzilhada, nove em Olinda, cinco em Timbaúba, duas em Caruaru, duas em Carpina, duas em sendo preparada pelo seu “theatro infantil”, com “o “Paud’Alho”, uma em “Victoria”, e cinco em João Pesson Ferreira, da partitura da peça No pais dos gulosos, sa realizou cento e sessenta apresentações. Entre os destaques destas, vinte e uma foram representadas Jornal do Commercio por e para crianças, pelo elenco do Teatro Infantil do de 1940), mas a proposta não foi concretizada. PaTerra Adorada! e ralelamente às funções da criançada, a equipe adulta A Princesa Rosalinda 218


teatrais diferentes foram encenadas, sendo dezoito Jesus. Cino Instituto Moderno, e a publicação do Annuario do Grupo Gente Nossa e da peça Mocambo, de Valdemar quarenta e oito representações. Esta última obra foi verno Estadual.

rio, sendo quinze de autores pernambucanos. Foram elas: Pela Pátria e Pelo Amor e A Prima do Canadá, de EusO Erro do Criador, de Silvino Lopes e Eu Não Sou Eu, de Silvino Lopes, Terra Adorada e A Princesa Rosalinda, de Valdemar de Oliveira, , de Fernando Motta, primeiro prêmio do Social, destinada a ser oferecida aos Centros EducatiDia de Eleição Aves de Arribação, de Samuel Campelo e Valdemar de Oliveira, Coração de Violeiro, dos Irmãos Valença, Mocambo, de Valdemar de Bernardo Vieira de Mello, de Lero-Lero e Côco Verde, revistas veira), e a peça histórica Zé Mariano, de Valdemar de

produzir as peças O Testa de Ferro e A Mentirosa, de Era Uma Vez um Vagabundo O Marido Nº 5 e Guerra às Mulheres A Capital Federal, de Arthur Azevedo, A Cabocla Bonita, de Marques Porto, e Bombonzinho, A Jurity e Nicolino, três obras de Viriato Jesus melodrama sacro do maestro Felipe Caparrós, com 219


A Menina de Chocolate, de Gavault, A Casta Suzana, opereta de J. Gilbert (que voltou a peLuiza de Oliveira, Vicente Cunha, Paulo Marcondes e , A Volta do Neném A Mulher do Trem

como opereta pela imprensa e como “luxuosa revis-

casting A Princesa Rosalinda, ainda sob os auspícios do Servi-

çarina), Reinaldo de Oliveira (que passou do papel de

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1º Menino para o Rei nesta nova versão) e Valdemar -

buição de biscoitos Aymoré aos petizes.

Luiza de Oliveira (Avó), única adulta. Jornal do Commercio (5 de maio de

Brasileira de Autores Theatrais (SBAT), escreveu a Valdemar de Oliveira carta que foi publicada no Jornal do Commercio Você, com toda a simplicidade de seu terno branco de nortista, sem batuta, como Stokosurprehendo valores que honrariam qualquer orchestra do Rio de Janeiro ou de São Pau-

deu mais detalhes sobre as alterações ocorridas: A partitura de A princesa Rosalinda foi enriquecida com varios numeros de musica, como sejam o “Bailado de Romeu e Julieta”, a “Mar-

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de uma avozinha, tem na voz, toda a melodia a doçura, conta a seus escolares netinhos: era uma vez da Gente Miuda. Meninos e meninas tomam a serio os seus papeis, tem-nos “na ponta da pel de Princesa é um encanto. Melodia na voz quando declama, atitudes delicadas quando exactamente como convem a uma princesa de

em Pernambuco. As marcações estiveram, em

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“sams façon” da Luisinha, essa alhoeinho que nino que desempenha o papel de Rei (pequeda campanha em prol dos escravos, em nosso

que com sua vozinha de passarinho, dentro de uma das rosas, canta ou pipilha qualquer couliciosamente faz commentarios e espia pelo cincoenta minutos no pais dos sonhos e das emoções, desce o panno sob vibrantes palmas do theatro superlotado.

Terra Adorada e A Princesa Rosalinda foram apresentadas vinte e uma vezes no ano de 1940, isto sem contar o “festival da pequena Maria Celeste, com a collaboração de outros elemeninterpretaram O chefe político e um acto de variedades”, conforme o Jornal do Commercio peça histórica Zé Mariano, de Valdemar de Oliveira e

ser um estilo ainda não representado no Recife por elenco local: produção primorosa de reconstituição

, tião Grande de Arruda, Barros Sobrinho, PauPompilio, Leonor Porto, Elvira Ramos, Emilia

dos interiores – um representando os salões “esconderijo” da rua do Peixoto. Os ensaios

da época, entitulado Os domingos no Pôço.

Em julho daquele ano, Valdemar de Oliveira viajou ao Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil, para nesa para o Theatro Carlos Gomes, com cerca de vinte e cinco crianças acompanhadas por seus respectivos lho do que elas”, desabafou no livro Mundo Submerso

Associação Brasileira de Críticos Theatrais, no mesmo Theatro Carlos Gomes, sob coordenação de J. Palha-

o Jornal do Commercio (5 de maio de 1940): mocrata, a quem pediram autorização para a confecção da peça. E lançaram-se, depois, ao

em Pernambuco, reconstituindo, além disso, o meio e a época em que se desenrolou aquella

Para essa nova

Valdemar de Oliveira

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no e Olavo de Barros. Ele pensou, então, numa pos-

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entrevista ao Jornal do Commercio (14 de julho de 1940) ele reforçou a importância de mais ações como esta: É preciso que os poderes públicos encarem, decididamente, o theatro, como um factor pexilio desses idealistas que se abalançam a realizar, no Brasil, coisa comezinha em qualquer

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com elle, a sua secção mais interessante – o theatro infantil.

Rio de Janeiro com o Teatro Infantil do Grupo Gente ta da temporada de um mês da Companhia Renato Vianna no Teatro de Santa Isabel,Valdemar de Oliveira Nos País dos Gulosos, peça de Jua-

no Jornal do Commercio sibilidade de novos ensaios para a revista cívica Terra Adorada a peça de estréia do referido conjunto no Theatro a professora Yara Coustol contratada para aulas de dança e ensaios dos novos “bailados”. Mas este projeto também foi abortado. sa, outros conjuntos de menor visibilidade também movimentaram as notícias teatrais do ano, com destaque ao Conjunto Artístico do Feitosa, que se manteve Camarões, 223


Elenco da peça 1830

dante de Pernambuco com a peça 1830, de Paulo -

Um ato de variedades, sob a direção do maestro Lourival Santa Clara, encerrou a festa.

contou com a colaboração de Valdemar de Oliveira e Prysthon assinou o trabalho como diretor e ensaiabailados com três apresentações das alunas de Miss -

Grêmio de Comédias Cruzeiro também voltou a atuar no Cine-Theatro Olinda, no Feitosa, apresentando no dia 10 de julho de 1940 a peça Feitiço, de Oduval-

a “feerie” Noite de Estrelas, com elenco de elementos da alta sociedade, com destaque a então atriz

Noite de Estrelas

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Noite de Estrelas

revertida em benefício da instituição Filho Sadio do Noite de Estrelas foi um dos “factos mais importantes do Recife artístico”, de acordo com Valdemar de Oliveira na matéria retrospectiva do ano

publicada pelo Jornal do Commercio (19 de janeiro de 1941), assim como as representações de Zé Mariano, do Estudante de Pernambuco, com a comédia romântica em verso 1830, de Paulo Gonçalves. 225


dor do Theatro do Estudante, no Rio”, que fez uma pa-

Entre outras variedades musicais e teatrais vistas em 1940, promoveram ações culturais Uyara de Goyaz, -

Gymnasio do Recife e Mayerbeer de Carvalho. E no fez questão de ressaltar “as representações infantis, em cou a importância da vinda ao Recife, para uma estada de quatro meses, da professora Yara Coustol, aluna da também professora Maria Olenewa, contratada pelo Gymnasio Vera Cruz, Conservatório Pernambucano de Música e o núcleo do Teatro Infantil do Grupo que estiveram em visita ao Recife os professores Maria ras dos circulos educacionaes da metropole”. Vieram para realizar uma festa de arte com trabalhos como Sonhos Que Viveram, Minha Bá e Pela Pátria e Pelo Amor, tendo a senhora Maria Rosa Ribeiro lido, no Instituto Moderno, uma conferência sobre Theatro Infantil, a -

Os Piccoli di Podrecca

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no Teatro de Santa Isabel, em matinal, vesperal e sarau (nestas últimas, crianças acima dos doze anos podiam entrar), as marionetes da companhia italiana Os Pic-

récitas realizadas, com casa sempre cheia. Em dezembro, com o Teatro de Santa Isabel também lotado, voltou à cena a revista cívico-escolar O Sonho de Yara

lado Festa de Celia e Sylvia, nome de duas crianças Coisas do Meu Brasil com alunos do Grupo Escolar Maciel Pinheiro e

Folha da Manhã de dezembro de 1940):

a belleza de nossa musica, a belleza de nossas creanças mas uma verdadeira aula. Uma aula ministrada por creanças que bailam, cantam e encantam.

de outras produções para crianças no mesmo Teatro de Santa Isabel: uma, pelo Grupo Escolar Maciel Pinheiro com números variados, e A Gata Borralheira, pelo Instituto Recife, no dia 1 de dezembro. O ator Geraldo Carvalho, que atuou nesta última peça como Branca de Neve e os 7 Anões, pelo Gremio Scenico Espinheirense, com oito anos na época, disse em entrevista à pesquisa Teatro Para Crianças no Recife – 60 Anos de História no Século XX, A Gata Borralheira Oswaldo de Oliveira, diretor convidado do Rio de Janeiro pela diretora do Instituto Recife, a senhora

horas, e também constavam no elenco, entre outros, Aldir Maia, Gilma Maia, Maria Albertina Ferreira de Theresinha Ferreira e Theresinha Fonseca, estas últimas, respectivamente, nos papeis de Rainha e da Gata Borralheira. Curiosamente, no mesmo Teatro de Santa Isabel, apresentou-se uma outra versão de A Gata Borralheira -

Coisas do Meu Brasil

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Palmares, no interior pernambucano, além de Olinda. pelo Jornal do Commercio (19 de janeiro de 1941), fono Recife em 1940, além de uma conferência sobre o tema com dois renomados professores, diretores do Theatro Educativo do Rio de Janeiro:

1940, o Salão Pio X foi palco para a opereta infantil No Reino dos Cahete’s, de Hélio Monte, baseada na história

Estiveram em visita ao Recife, a senhora Maria cacionaes da metropole. Aqui realizaram uma festa de arte, tendo a senhora Maria Rosa Ribeiro lido, no Instituto Moderno uma confe-

equipe olindense que, além de produções para adultos,

-

naquelle educandario.

atrais infantis nas cidades de Timbaúba, Garanhuns e

pação, com noventa e uma apresentações realizadas.

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1941

O sua essência, mas sempre primando pela qualidade do que levaria à cena como os

receptivo às produções de fora, mas também fez nascer críticas ainda mais severas artísticas de Pernambuco. Valdemar de Oliveira denunciou a situação na retrospectiva publicada pelo Jornal do Commercio

respeito ao Teatro de Amadores, que, tendo de excursionar, com objetivos

é proporcionado às companhias do Sul. Respondeu o Serviço que as inicia-

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Os que daqui partem, porém, como o Teatro de Amadores, nada têm do chamado Serviço que devem ser feitas num momento em que -

do surrão cheio de qualquer mambembe que por aqui passa para explorar a praça... quando não a boa fé do público. Estamos sabendo, voltar para os poderes estaduais. Resta saber de dispensar, às companhias subvencionadas pelo Serviço Carioca de Teatro, as mesmas

Lenita Lopes

bucana

intérpretes masculinos. aportar no Teatro de Santa Isabel. Entre as temporadas de duas delas, apenas um único dia de intervamesma retrospectiva no Jornal do Commercio

quitinha, que marcou trinta e quatro sessões em sequência no mesmo Teatro de Santa Isabel, a partir de junho, estreando com Hotel da Felicidade, de Munhoz Secca. Encenou, no total, onze peças, sendo oito na-

T

mais uma vez vem atestar que o Recife é uma das melhores praças teatrais do país.

ta Isabel recebeu a visita da Companhia Jaime Costa, rio constavam oito peças diferentes, sendo seis na-

O ano foi mesmo movimentado cenicamente. Veio que realizou trinta apresentações com peças nacionais como Pertinho do Céu Senhorita Vitamina Filhinho da Mamãe e O Maluco Número 4, ambas de Armando Um Grande Ladrão, de Castello Branco de Almeida, O Sympathico Jeremias, de Gastão Tojeiro, Deus Lhe Pague... Flores de Sombra As Três Helenas, de Armando Moock, e O Judeu Berlington, 1941, se deu com Yayá Boneca festejada criadora do papel de Yayá Boneca, Palmira 230


textos diferentes, sendo nove peças nacionais, todas atro de Santa Isabel. Constava em seu repertório dez

Grupos locais também se exibiram nos palcos do Resendo que muitos dos intérpretes estavam dando os primeiros passos na carreira artística. Esta produção, com uma parcela passando pela principal casa de esCine Eldorado, Cine Encruzilhada, Cine Torre, Cine Império e Cine Ideal. Ficou claro para Valdemar de Oliveira, ainda naquela matéria do Jornal do Commercio Santa Isabel quantos têm desejo ou necessidade de exibir-se ao público do Recife”, criticou. Complementou ainda ele: Bem expressivo foi o ano teatral de 1941. TiSanta Isabel que possível uma exibição teatral, no centro da cidade. Assim, a velha casa da praça da Repú-

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blica acolheu não só companhias e artísticas também, conjuntos locais, concertistas, orrealizado, também, festas de encerramento do

Isabel” teve, quase sempre, abertas as suas portas, não tendo sido raras as vezes em que a sua direção deixou de atender pessoas que

Oliveira – “por ter de ceder o Teatro às companhias visitantes, não havendo outro local, no Recife, quer para os seus ensaios quer para as suas exibições”, como bem lembrou o jornalista em sua retrospectiva no Jornal do Commercio tações em 1941.

de Samuel Campelo, seu eminente fundador, o elenco de fora, a atividade teatral no Recife em 1941 não se limitou à visita das companhias em turnê, tendo sido

nais, que atuou durante os primeiros e últimos meses -

sete no Recife, dos quais quatorze no Teatro de Santa Isabel e o restante em teatros dos subúrbios, e que constituíram o seu repertório (entre elas, O Marido N. 5 dos do Syndicato dos Electricistas, e Fibra Nacional,

de Em Marcha, Brasil!, letra e música de Valdemar de onze foram de autores pernambucanos: Silvino Lopes, Valença e Valdemar de Oliveira (uma de cada). Com a peça Calvário

autor conterrâneo. ceu do embrião das representações de apenas médicos-artistas e suas respectivas esposas em O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina, de Jules Romains, por dicina de Pernambuco no dia 4 de abril de 1941 (na realidade, devido à forte chuva, a peça apresentou-se no palco do Teatro de Santa Isabel no dia 5 de abril,

Primerose (seis sessões), Uma Mulher Sem Importância (quatro sessões) e O Processo de Mary Dugan (três récitas). Além de reverter a receita líquida sempre em benefício de instituições de cari232


sessões de Primerose, Uma Mulher Sem Importância e O Processo de Mary Dugan no Teatro Carlos Gomes) e outra a Fortaleza (com aquelas três peças e mais a estreia de Por Causa de Você

estaduais.

1941, foi a representação de Knock por médicos e Sociedade”. É o que diz o Jornal do Commercio no ano no dia 5 de abril de 1941, interpretada exclusivamente por médicos e senhoras de médicos, em solenização Pernambuco Freitas -

Filho (Mousquet, o pharmaceutico), snra. José Carlos

(Rústico), dr. Leduar de Assis Rocha (Scipião), snra.

por Francisco Pinto.

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tes, O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina, de Jules

Teatro do Estudante do Brasil e Os Comediantes (antes mesma da estreia de Vestido de Noiva A propósito..., no Jornal do Commercio (9 de abril de 1941): A representação da peça O dr. Knock ou O triumpho da Medicina, por elementos da nossa melhor sociedade – medicos e suas senhoras

Jornal do Commercio

Sociedade de Medicina, o ambiente de corensaios, o enthusiasmo que a ideia e sua realização provocaram, levam-me a pensar não ser na verdadeira accepção do vocabulo. Cultura para os que representem e para os que ouçam: theatro que possa ascender a essas altuJules Romains

Peça de incontestaveis qualidades theatraes, obra prima do theatro francês moderno, O dr. Knock prohibida em varias cidades por uma falsa comcina, dos seus verdadeiros objectivos doutrinafelicitações e solidariedade tem recebido, Jules Romains, de medicos de toda a parte que vêm (sic), em O dr. Knock dos creditos da medicina, em nosso tempo.

tro amadorista, criando, assim, o Teatro de Amadores, atrelando-o às iniciativas de modernidade do teatro

constituido de elementos sociaes de reconhecido valor artistico, capazes de traduzir obras de veteranos do palco pelo menos com a habilidade e o potencial de virtudes scenicas que se pode encontrar nas chamadas “vocações tações do Theatro do Estudante, com Romeu e Julieta, de Shakespeare, do Curso Pratico de Theatro com a Gioconda Os comediantes com Cosi é, de Pimomentos de arte e de cultura que bem poderiamos reproduzir, no Recife, offerecendo, ao publico, a opportunidade de eutrar (sic)

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Jornal Pequeno (15 de abril de muita munição e muito enthusiasmo e, consequentemente, muita probabilidade de victoria.

interpretação:

cer na imprensa. O historiador Pereira da Costa escreveu para o jornal Folha da Manhã – Edição das 16 Horas

parte.A acção visionaria de um charlatão, numa cerem de que estão atacados por uma suposta

O Santa Isabel representação de Dr. Knock, ou o triunfo da medicina -

(sic) toda população sobre leitos, não pode ser considerada como um triunfo da Medicina. Vi-

de desempenho dos papeis, quasi todos difíceis, medicos e senhoras de nossa sociedade.

estudos e honestidade a um dos tais bacilios

morada, sem movimento, isso porque todos os intérpretes pisavam no palco pela primeira vez. O fato, porém, é que o espetaculo sur-

é interessante, a pesar (sic) de mal compreen-

desembaraço e brilho com que se conduziram aqueles, que mais pareciam velhos e bons sionais não o fariam melhor.

os de maiores responsabilidades, principalmente o primeiro em torno do qual discorre toda -se um perfeito conhecedor da arte cênica não desmentindo, portanto, as suas conhecidas tendencias artisticas. O estreante saiu-se vitorioso! O dr. Coelho de Almeida fez um “centro” como não fazem muitos artistas de cartaz, com -

Coube ao dr. Leduar de Assis Rocha o “Cipião”,

Leduar de Assis Rocha

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papel de pouca “chance”. O naipe feminino

dores. A iniciativa, lançada por este jornal, em sua columna diaria de arte, vem recebendo

nossa sociedade que interpretaram os perso-

-la por deante, realizando o que em nenhuma parte do país tem sido realizada. Trata-se, no

O Jornal do Commercio veira: Representada, em primeira, a quando das solennidades aqui levadas a effeito pelo transcurso do primeiro centenario da Sociedade de causou a melhor impressão, não só pela excellencia do seu libreto como tambem pela interpretação que mereceu do elenco de medicos -

Santa Isabel seja desocupado pela Companhia mo dia 1.° de maio.

O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina no Teatro de Santa Isabel, em benefício do prédio da futura sede da Sociedade de Medicina de Pernambuco, cujo terreno foi doado pelo Governo do Estado.

senhoras de médicos. Valdemar de Oliveira, incomodado com certa polêmica sobre a obra, fez questão de revelar o que vinha acontecendo. Eis a sua escrita que encheu totalmente o Theatro Santa Isabel. na coluna A propósito..., no Jornal do Commercio abril de 1941): Jornal do Commercio com ampla adesão dos amadores: “Um theatro de cultura sera’ tentado, no Recife, unicamente por amadores theatraes”. Explicou a publicação:

Esse O dr. Knoch da Sociedade de Medicina de Pernambuco, levantou, como era de esperar, calorosas contro-

A representação recente de O dr. Knock ou O triumplo da medicina, por medicos e senhoras de medicos, e que tanto interesse despertou nas rodas artisticas e sociaes do Recife, ser-

se medica. É, porém, positivamente, um absur-

de um theatro de cultura, para enscenação de -

pense, por exemplo, que o jovem medico não era formado, sem saber que, na França, como

O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina

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-

lembram-me muito a Semana de Arte Moderram quantos nella tomaram parte: o violento sos literarios, a publicação de obras que deveriam chocar o espirito dos leitores, alertando-os sobre a obra revolucionaria a que visavam, o alarde e a impulsividade de renovadores que conta de uma cidade, onde um velho medico – este, sim – desmoralizava, entre o bar e o bilhar, a medicina. Para este, a doença não existia.Toda -

to patriótico, comum a quase todas as manifestações que envolviam a mocidade da época, como lembrou o pesquisador Fernando de Oliveira, um dos atores ção com o Teatro de Amadores de Pernambuco”, dis-

de ser revolucionaria. E o foi.

ao piano, além da participação da banda de clarins e uma patrulha da Associação Pernambucana de Escoteiros. Eram quarenta e oito pessoas em cena, quase

O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina, o Teatro Infantil do Grupo Gent Em Marcha, traz os nomes dos pais de cada um, como para provar Brasil!, em dois atos e trinta números musicais, com - cos adultos. Pela ordem de entradas em cena (e ainda -

Silva (no papel de Luís), Maria José Coutinho (Lucia),

Elenco de crianças de Em Marcha, Brasil!

237


Lenira Vilaça (Carmen), Reinaldo de Oliveira (Pedro), Ceres Trindade (Josefa), Cloris Passos (Mamãe), Valra), Carminha de A. Melo (Lilita), Luis Carlos F. Castro Maruschka (B, O, Zero, Beija-Flor), Janice Cantinho

Pereira (U), Iluminata Tavares (B, 4, Planta), Clara Ta-

Carlos Roberto (Sinal de Adição), Otavio Lobo (Sinal de Subtração), José Cavalcanti (Sinal de Multiplicação),

Baltazar da Câmara

-

Pereira (Planta), Ana Maria Lobo (Beija-Flor), Marlena Campos (Beija-Flor), Rivaldo Veloso da Silva (Pedro Alvares Cabral), Moacir Ferreira (Indio), José Cavalcanti (Jesuita), Iracema Ferreira (Mãe Preta), Clovis Passos (Colono) e José Maria Soares (Escoteiro Chefe). -

do 9º quadro – eram dezessete no total – foi ensaia-

quadros em sequência: Higiene Matinal, O Café, Lição de Leitura, Lição de Música, Lição de Ciências Físicas, Chuva de Bolas, O Recreio, Lição de Aritmética, Lição de História Natural (Bailado), Descobrimento do Brasil, Primeira Missa no Brasil, Batalha dos Guararapes, O Grito do Ipiranga, A Batalha do Riachuelo, A Proclamação da República, Os 18 de Copacabana e Apoteose Final intervalo, houve sorteio, entre as crianças da plateia e do palco, de dois livros de literatura infantil ofertados

tro de Amadores de Pernambuco, sem indicação de jornal ou data e apenas com o título “Em Marcha, Bra-

Em Marcha, Brasil!

238


Em Marcha, Brasil!

ta do Santa Isabel uma pleiade de crianças por

feitos com apurada arte. Estes foram estudados nos Lídia Morel-Raul Celada. Outro quadro

ces do nosso teatro. E o número não tem sido -

um feliz efeito de luz. Os painéis históricos, e as marcações de “O meu Brasil” e “Pernambu-

Valdemar de Oliveira fez encenar, ontem, a revista infantil de sua autoria Em marcha, Brasil!

– elementos de formação da nossa nacionalidade. O quadro “Lição de

do sucesso da peça.

veira destacou o trecho mais aplaudido da sua mon-

239


-

começavam então, dentro da música, uma marcação interessante, e de repente, quando menos se esperava, elas todas que traziam diante do peito uma letra determinada, elas e pelas cinco consoantes. E o público vinha vam a letra que traziam, e quando o público esperava ler novamente “Oh, meu Brasil”, saía Pernambuco. Aí a plateia vinha abaixo num tantas vezes que ela acabou se constituindo num espécie de hino do Teatro de Amadores de Pernambuco.

O Palco da Minha Vida naldo de Oliveira lembrou sua participação:

Teatro de Amadores de Pernambuco, sem indicação Oliveira – A Importância do Teatro Infantil”:

mais claramente a falar. Falar certo, respeitan-

voz, valoriza-se a palavra, exercita a atenção, sempre alerta às múltiplas oportunidades da no curso da preocupada com o melhor rendimento inte-

-

associações de ideais. Além disso o senso da responsabilidade acorda, o espírito de colaboração se faz sentir na composição dos conjuntos. E outras virtudes morais são cultivadas: a pontualidade nos ensaios, a seriedade nas interpretações, o trabalho de equipe no levan-

-

sob as ordens de professores especializados. Uma escola de teatro para criança não tem como objetivo único formar atores e atrizes,

casa. Hoje é comum se decorarem festas com milhares de bolas mas, naquele tempo, era dida letra que cantava, a plenos pulmões infantis, juntamente com o elenco: Lá vêm as bolas caindo, eita verde e vermelha. Oi meninada aproveita, oi meninada aproveita. E tem de todas as cores, você se contentar. Era um delírio total. O Te-

um discípulo de tudo isso, um aluno aplicado que aprendeu, bem, as lições.

no projeto para a infância de Valdemar de Oliveira. Ele encarava o teatro como uma verdadeira escola e o

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como a educação física não é formar atletas e acrobatas. É, sem que a criança sinta, instruir -

Yayá Boneca. O jornal Folha da Manhã – Edição das 16 Horas (19 de abril de 1941) pontuou: -

infantil à sua terra, pelo amor à sua natureza, pelo entusiasmo por sua história, pelo culti-

Santa Isabel, uma companhia de comédias que amplo, o teatro infantil é uma iniciação à beleza, um culto à verdade e um convite a imacriança percorre o seu reino maravilhoso.

A estreia de Em Marcha, Brasil!

teceu menos de quinze dias antes do lançamento de O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina. Reunindo médicos e as esposas destes, numa atitude ousada que rompeu preconceitos principalmente referentes às mulheres que se dedicavam ao teatro, a renda líquida das duas únicas apresentações desta peça adulta foi revertida para a construção da nova sede da

deu a Valdemar de Oliveira a certeza de lançar um Primerose, de Robert de Flers e Gaston-Arman de Caillavet, com estreia em 14 de

temporada. As quarenta crianças que tomam peis de modo que têm merecido francos elóEm Marcha, Brasil!, é uma péça de fundo nitidamente educativo e que contém diversos ensinamentos, destacando-se os de História do Brasil e os de Botanica, sendo, nesta parte, apresentado o bailado das plantas, em que funcionam, simultaneamente, quatro alçapões. serão distribuidos brindes e sorteados livros infantis, entre a criançada presente.

Mesmo à frente de cinco produções adultas naquele ano de 1941,Valdemar de Oliveira (além de O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina e Primerose também Uma Mulher Sem Importância O Processo de Mary Dugan e Por Causa de Você

-

Fortaleza) ainda anunciou o desejo de montar novo

revertida para instituições de caridade, Valdemar de

sem revelar qual seria a obra dos autores escolhidos, Coelho de Almeida e João Valença, “uma peça de cosJornal do Commercio

tro de Amadores.

desistido de suas produções para crianças devido a tantos compromissos com o repertório adulto, em consonância com a falta de pauta no Teatro de Santa Isabel, muito à mercê das temporadas das comàs sessões de O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina, Em Marcha, Brasil! le ano, totalizando oito apresentações de casa cheia. Saiu de cena por pura falta de pauta no Teatro de Santa Isabel, que passou a ser ocupado pela companhia Silvano Serra

241


encenar as peças em outro palco que não o do Teatro intervalos entre as temporadas teatrais das companhias itinerantes para aparecer. Ressalte-se que, neste momento, o Grupo Gente em sua receita e diansoal administrativo, estava com o seu departamento de, principalmente, da falta de elementos femininos e tambem porque outra orientação se imprimiu ao movimento teatral”, referiu-se Valdemar de Oliveira à atuação amadorística na “campanha em favor do theatro em nossa terra”, conforme depoimento no Jornal do Commercio devolveu ao Governo do Estado a subvenção que recebia da Secretaria do Interior e passou a viver às custas do auxílio dado pela Prefeitura do Recife, excluindo, como sempre, qualquer remuneração aos 14 de junho que a peça Primerose, de Robert de Flers

estrutura. Revelou ainda Valdemar de Oliveira naquele mesmo Jornal do Commercio

ou, se quiserem, o theatro de amadores, constituídos de destacados elementos das nossas

que torna tudo isso possível, no Recife. São os seus auxiliares, do copista ao machinista, do

Samuel Campello, patrimonio que a cada mon-

Com o objetivo de atrelar teatro de qualidade à ação ca, a renda da peça foi direcionada em benefício da estava em andamento. A estreia se deu pontualmente e sem possibilidade de entrada após o começo da Robert de Flers

Gaston-Arman de Caillavet

242


Primerose

-

Ainda na equipe técnica, Abelardo Cavalcanti (Coquase sem o amparo dele –, Francisco Miranda como

Jornal do Commercio Theatro de Amadores, departamento especial do Grupo Gente Nossa. O velho conjunto, tendo suspendades do amadorismo theatral no Recife, manAmadores, que, em sua primeira apresentação, nos deu um brilhante desempenho da comedia francesa O dr. Knock de Medicina. Todos os espectaculos do Theatro de Amadores serão em favor de instituições de utilidade social, destinando-se, o de sabbado

preso com o que viu em Primerose, mas sem querer Melo ressaltou o “acontecimento social” que foram as apresentações desde O Dr. Knock ou O Triumpho da Medicina. Escreveu ele no Jornal do Commercio junho de 1941): P do o Recife! Outrora, pisar uma senhora, no palco, era motivo para quebra de conceito. Ir de amadores da mais elevada representação social, a interpretar peças de responsabilidade

dr. Coêlho de Almeida e senhora, dr. José Care senhora, snr. Alberico Glasner e senhora, dr.

aplicados em obras sociais. Samuel Campêlo

Folha da Manhã – Edição Scenico Espinheirense, que têm prestado a sua collaboração ao Theatro de Amadores. A mon-

das 16 Horas lembrou:

confeccionados pelos machinistas José Barros e João Alves.

Prime-

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rose, amadores de teatro, temperamentos que transmitiram justamente as emoções dos permarcação, libreto, interpretação, elementos todos do espetaculo em um nivel muito alto

Teatro de Santa Isabel, entre a temporada da Companhia de Comédia Mesquitinha e a da Companhia

Amadores, dedicado a auxiliar instituições de de um altruismo que encantam. Primerose – o proprio nome da peça parece muito simbolico do movimento de amadores...

ao autor nacional.Valdemar de Oliveira explicou suas razões na coluna A propósito..., do Jornal do Commercio

Primerose teve inicialmente três récitas, sendo reapresentada no mês de novembro, em benefício da Escola

Repito o confronto feito: o repertório nacional

Pedro II, totalizando seis sessões em 1941. Mal havia estreado Primerose os ensaios de sua nova peça: Uma Mulher Sem Importância (sem referência a quem fez a tradução), sob direção de Valdemar de Oliveira. O lançamento desta nova obra, uma comédia de costume que revela e ridicu-

de privar o público do conhecimento das obras nhias por aquí estiveram, trazendo no seu repertório peças de renome mundial. Só Lucila

uma literatura teatral de primeira ordem nos tem sido vedada porque as companhias visitantes entendem que o nosso público quer rir e ” sempre uma elite capaz de discernir o melhor e de lhe levar a sua solidariedade.

TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991)

Uma Mulher Sem Importância

244


Uma Mulher Sem Importância

Diário da Manhã, vão para o arrojo do Teatro de Amadores, que “não deve ser considerado apenas um motivo diversional, mas, principalmente, conduto Luiz. Uma Mulher sem Importância. Diário da Manhã seriam dadas ao público do Recife, sem ele” em ambos, LOPES, Silvino. Teatro de Amadores. Diário da Manhã

As quatro sessões de Uma Mulher Sem Importância realizadas naquele ano, tiveram toda a renda líquida vez, a última ação do Teatro Infantil do Grupo Gente Valdemar de Oliveira, foi uma festa para celebrar o êxito das oito representações de Em Marcha, Brasil!, A imprensa recebe bem o trabalho dos Amadores nesta peça, ressaltando-se sempre o seu propósito de fazer teatro com maestria e com-

bonde especial para conhecer as dependências da Escola Rural Modelo, inclusive o pavilhão de escoteiros, sendo recebido por alunos e professores.Voltando ao Teatro de Santa Isabel, no salão nobre, houve lanche e distribuição de brinquedos e brindes oferecidos pelas

-

245


Priori, Cia. Fratelli Vita e Companhia Santa Clara, além na de Escoteiros.

doação da renda líquida para o Pavilhão Provisório ceram mais de cinquenta crianças, deixou a melhor

trou o Jornal do Commercio

-

Medeiros, de levar à cena esta opereta, com o autor convidado a assistir sua estreia. Mas tudo faz crer que como atesta o livro Cenário de Memórias – Movimento Teatral em Manaus (1944-1968) pesquisadores Selda Vale e Ediney Azancoth.Vale citar Pio X, a peça infantil Zito, o Peralta, drama em dois atos de Severino Bezerra, sob a direção cênica do

de Em Marcha, Brasil!

tação em sequência.

terminou sua trajetória ali. Somente em outubro de 1944, uma de suas peças infantis, A Princesa Rosalinda, voltou a ser lembrada quando o Jornal do Commercio noticiou o desejo do departamento infantil do Teatro Escola do Amazonas, composto por “diversos amadores da sociedade local” e tendo à frente o dr. Gebes

Também celebrando três récitas de muitos aplausos no Teatro de Santa Isabel, foi reapresentada a revista cívico-escolar Coisas do Meu Brasil, estreada no ano Noite de Natal, dos Irmãos Valença, cumpriu duas únicas sessões naquele mesmo

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cais do Teatro de Santa Isabel, lançou o Grupo Infantil de Comédias, conjunto que perdurou por mais de vinte e cinco anos ininterruptamente e, assim como

quinze anos. A estreia se deu com O Prêmio de Boas Notas, do

Raul Valença e João Valença

junho de 1941, reunindo os atores crianças Cleópa-

Fruto da Terra. As primeiras sessões aconteceram no Cine-Teatro Olinda do Feitosa, sempre a preços populares, mas diversos outros palcos também foram ocupados pela equipe, como o Teatro de Santa Isabel (raramente, mas com primeira sessão ainda em Lourival Santa Clara

voltou à ativa em 1949 – e, mais à frente, o Centro mesmo a criação do Grupo Infantil de Comédias, com o recorde de récitas para crianças em 1941, dez nhora do Bom Parto, na Estrada de Belém, no bairno total, superando, inclusive, as oito sessões do Tero de Campo Grande, que se tornou sua principal nado naquele ano), com direção musical de Lourival teciam quase que mensalmente, priorizando textos Santa Clara, o Grupo Infantil de Comédias tornou-se, apresentação, era comum abrir espaço para um ato ca do Recife para o público mirim. variado, inclusive com números musicais, além da distribuição de presentes. Pelo menos até a primeira metade da década de 1940, poucas ainda foram as iniciativas teatrais voltadas à elenco da peça Coitado do Xavier amador liderado por Valdemar de Oliveira no Grupo

da equipe, sempre com uma “lição de moral” presente em cada peça apresentada, mas valorizaram a initodos os trabalhos, ao introduzir muitos meninos e meninas na arte teatral. Sob o título De Calças Curtas, O Teatro Moderno em Pernambuco O Grupo Infantil de Comédias teve o elenco exclusivamente composto de crianças, o que

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sibilitava a manutenção demorada do mesmo cionou, amparou muitas vocações que, na idadio e de televisão, mais do que ao teatro: Luís -

Voltando ao Teatro de Amadores, sua mais nova produção foi a peça O Processo de Mary Dugan, de Bayard no dia 11 de outubro de 1941 e renda destinada ao Pernambuco. Valdemar de Oliveira, sem falsa modéstia, escreveu para sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (5 de outubro de 1941):

-

sem nenhum proveito pessoal (as rendas se destinavam a instituições pias), sem procurar nar às crianças o desenvolvimento cultural e artístico” – mas não se pode passar sem uma referência de humana compreensão pelo esforço de uma vida inteira, quando existe nela a cândida certeza de que é assim que se deve ensinar às crianças o amor do teatro. Se no fu-

-

ato variado: canções, recitativos...

248


O Processo de Mary Dugan

na vai ser a primeira representação da peça americana O processo de Mary Dugan, pelo Teatro de Amadores. Os ensaios estão sendo apurados no Santa Isabel. Os maquinistas

espalham-se campainhas que chamam o público, sendo cada ato iniciado pelas palavras

desenrola, nos seus três atos, num tribunal

Jornal do Commercio crítico Luiz Teixeira renova seus aplausos ao conjunto amadorístico. Considera sua crítica cialista no assunto. Constata que o trabalho dos Amadores, embora não se constitua em

caso passional que apaixona a opinião pública. Mais uma vez, o Teatro de Amadores faz

que ela é calcada em moldes comuns, mesmo rotineiro), seu feitio sobressai-se, primeiro

-

-

É mais uma vez o livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) -

encontro das “chanchadas” que proliferam co, composto de pessoas determinadas no râneos” e dispostas “ao duelo das deliberações decorosas contra – até mesmo – certos preconceitos subsistentes nos Catões que paxiúba provindas do nosso ancestral Caede Amadores. Diário da Manhã. Recife, 19 de

naquele momento:

-

representa a sala de um tribunal, construída -

Jornal do Commercio. Recife, 4 de outubro de 1941. p.

de do Recife.

Paralelamente às ações do Teatro de Amadores, peem 1941: o Grêmio Artistas Unidos, que se exibiu no Cine-Olinda, no bairro do Feitosa, e no Teatro de Santa Isabel, tendo como diretor artístico Aluísio 249


bucano, d

Tejipió, e o Grupo Infantil de Comédias, com suas Teatro da Mustardinha recebeu um festival do sambista José Belarmino, quando foi encenada a comédia Produto Nacional

Onde o Céu é Mais Azul, com números de sambas, rumbas, foxs do Galvão, Marta Ferreira, Ivonilde Castro e Maria do Carmo.

A sambista Betty Simone, uma das atrações da Festa da Mocidade em 1941

sempre perdurando entre os meses de novembro a do Instituto Carneiro Leão, também apareceu na nhum novo trabalho naquele ano e desapareceu por Cine-Teatro Elite, no bairro das Graças, a peça sacra Drama do Calvário Folha da Manhã – Edição das 16 Horas (9 de abril de 1941). O ator Paulo Marcondes foi o intérprete de Jesus, contracenando com Paulo Cordeiro, Pires Filho, M. Rijo, Maria Célia Brito, Gerson Vieira, Gil Garret, Barreto de Oliveira, Vilma Zamorano, Ferrer Júnior, Barbosa -

mais de três décadas, uma série de atrações nacionais sica e dos esportes se exibiam em revezamento cons-

de dupla caipira, bonequeiros, comediantes e a anual escolha da Rainha da Festa da Mocidade.Tudo isto para que tinham muito mais opções de diversão popular. Mesmo sem auxílio ou reconhecimento federal almaior acontecimento de 1941, obteve êxito artístico, -

poucas apresentações para crianças no Teatro de Santa Isabel ou nos cineteatros dos subúrbios, que desapareciam paulatinamente, um outro importante pólo que

Maio, no centro do Recife (“ao alcance de todas as vistas por mais afastado que se encontre o espectador”, Mocidade, evento anual promovido pela Casa do Estu-

em sua retrospectiva do ano preparada para o Jornal do Commercio O Teatro Santa Isabel continuou a ser, no ReciRitmos e Sons Cruz, foi uma das produções escolares daquele ano, assim como a apresentação do Corpo de

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Ritmos e Sons

de maio a setembro, se viu totalmente privase fez sentir durante mais um ano, comproavulsos e impondo a suspensão das atividades teatrais locais, em mais de uma ocasião. O caso do Teatro Infantil é típico, pois, as crianças não podem ensaiar, muito menos representar, a não

de Amadores, ensaiou, durante muito tempo, no teatrinho do Grupo Cênico Espinheirense, aproveitando os intervalos entre as temporadas teatrais das companhias sulistas para aparenuou sem solução, em 1941. E sem esperanças de solução.

251


1942

E Mundial contra estas duas nações e mais o Japão. Se no Rio de Janeiro as revis-

de Santa Isabel, encenando a peça Deus Lhe Pague, o maior sucesso do dramaturProcópio Ferreira e se tornou o maior sucesso do teatro brasileiro na primeira metade do século XX. Foi a primeira peça teatral brasileira encenada no exterior,

Luiza de Oliveira, Lourdes Monteiro, Lélia Verbena, Marilda Castro, Linda Paz,

a de do Gurí Pernambucano

Tar-

Feia Monteiro, Luiza de Oliveira, Paulo Marcondes, Batista Teixeira, Alzira Silva, Gerson 252


em matinal às 10 horas, a comédia carnavalesca Quem Será o Palhaço? com direção deste, e música do maestro Lourival ça-perfumes, confetes e serpentinas foram sorteados entre as meninas e meninos e senhorinhas presentes. silo, Maria Borba, Edvaldo Barreto, Maria Costa e AnAmor Materno e ator então com dezesseis anos. Em março, a peça voltou a ser representada. Lélia Verbena

tival com renda para si própria – como era de praxe – com apresentação da comédia Assim Não é Pecado, convidados especiais, incluindo autoridades civis e miAlto Mar, texto de Sutton Vane, com tradução do cearen-

Coitado do Xavier, de Batista Júnior, com direção de Elpídio como lembrou o Jornal do Commercio Câmara (que estava à frente do coletivo), e O Inimigo Íntimo, de Pacheco Filho. Outro ator que também (Casa do Jornalista), numa parceria com a Associação apresentou o seu festival artístico foi Batista Teixeira, de Imprensa de Pernambuco (AIP). A encenação concom a comédia Longe dos Olhos, de Abadie Faria Rosa, em vesperal no Teatro de Santa Isabel. Ainda em janeipor alunos do Liceu de Artes e Ofícios, promoveu um do Prado, com apresentação do drama em dois atos Lenira modelação da sede do núcleo do Prado, dos Círculos Jornal do Commercio -

encomendadas no Rio de Janeiro ao especialista Assis. Por tudo isso, o crítico Luiz Teixeira, no Jornal do Commercio Teatro de Amadores:

Erro de Um Pai, no próprio Liceu de Artes e Ofícios, com os atores Hercílio Medeiros, José Cavalcanti, Al-

de Santa Isabel, Hotel dos Amores Santos, paralelamente enquanto o Grupo Infantil de Comédias levava ao Cine-Teatro Olinda, do Feitosa,

José de Barros

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trajetória do Teatro de Amadores com cinceres os nossos aplausos ao que de realmente vasto, deserto e melancólico panorama da Arte cênica brasileira infelizmente reduzida,

ventos materiais. Outro – bem mais diferente

Alto Mar

Alto Mar

254


Alto Mar

e elevado – é o destino do Teatro. Acima de mero fundamento para “passar o tempo”, é, o Teatro, conduto precioso de úteis ensinamentos e sublinhada expressão da cultura de um país. O Teatro é uma síntese das inquietações do espírito coletivo e a manifestação artística ra, temos nova oportunidade para enaltecer

desempenho dado a Alto Mar pelo Teatro de Amadores. Cremos, o próprio autor da em-

Alto Mar to-

assistir, ante-ontem, a representação de uma peça do repertório universal, destinada às pla-

aspecto, a arte cênica brasileira, não teríamos, estamos certos, experimentado as emoções que à nossa sensibilidade ofereceu Alto Mar

A interpretação – por nós entusiasticamente aplaudida – da peça de Sutton Vane denunciou

valor intelectual da peça, ao cuidado existente -

Teatro de Amadores.

componentes do Teatro de Amadores. Consi-

que se desenvolve a impressionante urdidura de Alto Mar. Mas, não é das teorias expostas na peça que iremos tratar. Essas teorias – raexata compreensão humana e, nada obstantênue réstea de entendimento possa elucidar -

a avenida Visconde de Suassuna com inúmeras atratou à cena no palco deste teatro O Mártir do Calvário, drama sacro de Eduardo Garrido, pelo Grupo Gente pulares em celebração à Semana Santa e em homePaulo Marcondes no papel principal (Jesus), Lourdes Verbena (Madalena), Vicente Cunha (Pilatos), Elpídio Câmara (Judas), Ary Guimarães, Linda Paz, Tancredo Seabra, Gerson Vieira, Mayerber de Carvalho, Ivonete Ramalho, Carlos Lopes, Aloísio Campelo, Marilda

255


te do então presidente da Sociedade de Medicina de tação da peça O Dr. Knock ou O Triunfo da Medicina, de Jules Romains, somente com médicos e suas esposas no elenco, o cronista do Jornal do Commercio,

Mayerber de Carvalho

ton Fernandes, Severino Ramalho, João Pires, Edson lardo Cavalcanti foi o ponto. O Jornal do Commercio

Teve desempenho satisfatório, por parte de um elenco numeroso e bem familiarizado com o texto de Eduardo Garrido, sempre bonito. A encenação foi a melhor possível fornecida

idéia foi fazê-la à custa de discos apropriados:

sacro.

Teatro de Amadores em 1941, a partir de um convi-

interessantes sobre o preconceito referente a quem fazia teatro, a difícil conquista por público, o medo volvidas com a arte de representar e até o prejuízo qualidade do que era apresentado: Era curioso o que acontecia, no Recife, até o palco do Teatro Santa Isabel para se exibir de todos os modos, menos fazendo teatro. Pisava-o para tomar parte em concertos

próprio. Em festas de caridade. Solistas. Cor-

Berenice elementos sociais que se apresentaram no Santa Isabel, em favor da Maternidade da Cruz Vermelha Pernambucana. Foi um acontecimenBerenice, os tecidos Berenice. Muito pirralho daquela época tomou o nome de Berenice. O sucesso foi

O Mártir do Calvário

256


mais de cincoenta contos foram investidos na -

colha, vencida a fase de conquista do público, tro universal. O trabalho de rehabilitação do

as formas de arte, menos a arte de representar. Talvez arte inferior, bitolada pelas chanchadas que companhias do Sul nos ofereciam, de vez -

o mesmo clima de idealismo e de atividade intelectual superior. Govêrno, imprensa, público, solidarizam-se, entusiasticamente, com a iniciativa. E só com um elemento não conta o de Teatro.

se podia imitar, sem desaire. Atores e atrizes, as mulheres eram suspeitas, a arte, baixa. As nossas mocinhas, portanto, tinham permissão para se exibirem, no palco, como se exibem nas que subir o tablado do Santa Isabel para tocar um instrumento qualquer. Teatro, não e não.

Festejando o momento de credibilidade que o Teatro de Amadores conquistou, Valdemar de Oliveira não se furtou, no mesmo texto publicado no Jornal do Commercio

ótimo espaço na imprensa pernambucana com o candominical Vida Artistica, editada semanalmente por Valdemar de Oliveira no Jornal do Commercio. Por isso, não vieram tão detalhadas – especialmente com números – as retrospectivas teatrais a partir de então. Ainda assim, o jornalista pontuou notas com dados retrospectivos sobre o movimento teatral naquele

tral e musical, em nossa cidade, o ano passado, fosse tão intenso quanto o dos anos anteriores. O teatro esteve adstrito aos conjuntos locais. Entre estes, cumpre destacar, em primei-

Hoje, as primeiras representações do Teatro de Amadores são casas disputadas. O número de elementos desejosos de tomar parte -

Sob a direção artística do ator Elpídio Câmara, o pouco lembrado pelos pesquisadores da história do teatro pernambucano nesta fase sem o saudoso Samuel Campelo e o próprio Valdemar de Oliveira, -

Valdemar de Oliveira

em São Lourenço e uma em Vitória. O Mártir do Calvário Deus Lhe Pague, Feia, O Inimigo Íntimo e O Divino Perfume. Ainda em única sessão foram apresentados os textos Coitado do Xavier, Assim Não é Pecado, Longe dos Olhos, O Bom Ladrão, O Hóspede do Quarto Nº 2, Hotel dos Amores, A Ditadora, A Honra da Tia e Gota Dágua,

257


Elpídio Câmara

Ainda assim, Samuel Campelo era lembrado, como na festa artística do ator Leopoldo Cunha, no Teatro de

a peça O Caminho do Céu intérpretes que havia participado do núcleo adulto Teixeira, Tancredo Seabra, Lélia Verbena e Ziza Prys-

Isabel, promoveu cinco representações da revista cívico-escolar Em Marcha, Brasil!, marcando sua despedida também.Valdemar de Oliveira até que prometeu A propósito..., no Jornal do Commercio O Teatro Infantil, departamento do Grupo Em marcha, Brasil!

triótico que aquí se levaram a efeito para a aquisição de aviões para a frota aérea do Brasil: o Baependi, o Brasil e o Carlos Chagas. Contas mente, ao Diário (sic) de Pernambuco, às proe à comissão de estudantes patrocinadora da compra do Carlos Chagas. Somadas as parcelas com que as crianças pernambucanas do Teatro Infantil concorreram àquêles empreendimen-

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(três mil trezentos e doze cruzeiros e noventa centavos). Foi muito pouco, bem sei. Mas, Em marcha, Brasil! festas se realizavam, ao mesmo tempo, no Recipelo Teatro Infantil e pelo Teatro de Amadores, plo do que recebe, em subvenção anual, dos teatro, em Pernambuco, estimulando, por outro

Terra adorada, completamente remodelada e sentadas pelos diferentes países, à sombra da -

doze récitas no total, sendo três com Alto Mar, de A Exilada ckers, e três com Canção da Felicidade, de Oduvaldo custos empreendidos, que o Teatro de Amadores lanA Exilada no Teatro de Santa -

Oduvaldo Vianna

lustres e candelabros de cristal da Boêmia, cedidos

-

-

reduzidos dos anúncios pelos jornais. E Valdemar de Oliveira revelou ainda mais no Jornal do Commercio

para as cauções do Teatro de Amadores. A

abre colunas. E até, entre os mais humildes,

cobrança abaixo do normal, o Sebastião Silva nem sempre faz preço para os seus cartazes, o co Miranda, o eletricista Aníbal Mota, o ponto todos, um a um, recebem do Teatro de Amadores, aquilo que êle pode lhes dar. Só o Sermilhas e milhas, considera o Teatro de Amadores uma instituição estadual que escapa às tro de Amadores, porém, estão provando que

259


A Exilada

Gina tenta libertar Virey quando este cai preso, mas, sentindo-se traída por ele e por Jac-

útil quanto pelo nome poderia ser.

resumir o enredo da peça A Exilada no livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991)

expulsa-os do castelo.

ceitos, uma história de amor corre paralela a uma rebelião política. Gina, princesa virtuosa mas cheia de ímpetos, apaixona-se por um sa de Granviers e Jacquelina, sua sobrinha –

benefício do Instituto Guararapes, como bem lembrou o jornal Folha da Manhã – Edição das 16 Horas capa, o Teatro de Amadores lançou a peça A Exilada atro de Santa Isabel, revivendo aquele local “os seus 260


Felipe Caparrós A Exilada

-

-

e dos smokings das toilettes exibidas pelas mais ilustres damas da nossa sociedade”, reforçou aquele mesmo jornal. A Or-

sonalidades nos intervalos da peça. Um serviço de

de A Exilada

Folha da Manhã – Edição das 16 Horas. Sibila Odenheimer, sob Jornal do Commercio

de Fantasia Brasileira ao piano. -

E’ raro que o teatro limpo, que se mantém numa esfera absolutamente elevada, e se no – o do sentido da arte – encontre, como

261


A Exilada

lizada, que o Teatro de Amadores é a continuação de um trabalho outrora iniciado, sim, que é um movimento jamais esboçado no nosso assistiu, no quadro dourado do velho Santa quinhas” não teria podido admitir: um elenco, bucana, se movimentou, com um virtuosistriunfo moral e artístico do Teatro de Amadores – o

-

para o esplendor da primavera, lembra a formosa e triste Mélisande: – “estou mais per. no décor condessa de Granviers espirituosíssima. Eis um elemento de primeira ordem, e que o vel, – o francês diria au point – no seu papel

a que Valdemar de Oliveira, metteur-em-scène desenrolado dentro de um mundo de poesia A Exilada anium ator de classe. Ermílio (sic) Borba e Adel-

262


mar de Oliveira dão excelente interpretação aos papéis, difíceis de realizar, de Leopoldo e

(princesa Gina), majestosa como princesa, divinamente humana como apaixonada, vive

vê-la encher o Santa Isabel com seu belo sorriso! – no papel de Jacquelina tem também

A Exilada

ela, para êles, a lei eterna vence a maldade dos homens e apenas – como em tantos casos espalhados pela vida – deve haver um que chore para que os outros sejam felizes. Valdemar de

Para atender aos constantes pedidos de montar no Recife uma obra de autor nacional, o Teatro de AmaCanção da Felicidade vista no Recife na temporada da Companhia Teixeira

Assistência (LBA). Por isso, a proposta contou com o apoio de industriais e comerciantes. Também a em-

263


Canção da Felicidade

não hesitou em colocar bondes para todas as linhas dores. Valdemar de Oliveira, no Jornal do Commercio

repertório de conclusão daquele ano: Leve, pontilhada de comicidade, sem preoCanção da Felicidade

se batem pelo teatro nacional, na persuasão de que a nossa cultura teatral se possa fazer “com êle”, quando a verdade é que deve ser feita “para êle”.

Jornal do

de Quebranto O de Muralha, conhecido. O de Neve ao sol, to Correia, o Tiradentes dispendiosíssima, quasi (sic) impossível, nesta de Disraeli. sileiras, como A Marquesa de Santos e Carlota Joaquina brilho a cujo confronto não se submeteria o torização para Sinhá Moça chorou. As peças de Assunção, de Goulart de Andrade e Esquecer de Tobias Moscoso e outros, são pretensiosas e inexvidade de determinadas companhias.

Certo de poder apresentar uma “deliciosa comé-

Commercio Com essa representação, atende, o Teatro de Amadores aos constantes pedidos de

naquele mesmo Jornal do Commercio

-

264


Canção da Felicidade

Oduvaldo Viana (sic) é um mestre da carpintados das situações cênicas – o seu preparo, o seu desdobramento, o seu desfecho, de êxito

das da “melhor sociedade”. Valdemar de Oliveira saldou os novos atores no Jornal do Commercio (5 de

suas construções, saídas ou entradas forçadas. É leve, colorido, movimentado. E talvez se

mim, estou convencido de que qualquer pes-

peças, são as rubricas – desenhos das persopor uma pena de velho conhecedor de todos comédia.

Canção da Felicidade, inclusive em vesperal, novamente não só êxito de um moderno trabalho teatral, entremeado de side música da autoria de Arí Barroso”, pontuou o Jornal do Commercio peça marcou ainda um fato importante: uma outra renovação de parte da equipe. Isso fez crescer ainde Canção da Felicidade, além das senhoras Albérico Glasner (Edith Glasner) e Valdemar de Oliveira de Oliveira, Valdemar de Oliveira, Alfredo de OliveiTavares, estrearam a senhora Gilberto de Oliveira (Maria de Lourdes), a senhorinha Lise Tavares e o -

surpreender as suas tendências artísticas, estudar-lhes o temperamento e distribuir-lhes, a perseverança dos estreantes, tudo se con-

sa, também houve produção de outros conjuntos teatrais no Recife, ainda que timidamente. O Grupo Artistas Pernambucanos, por exemplo, montou Ladra, de Silvino Lopes, e o Conjunto Vera Cruz produziu A Ditadora, Recife apresentou-se o Teatro de Amadores Samuel Campelo com as comédias Meu Fan e Mimoso Colibrí, O Interventor, Priminho do Coração e O Hóspede do Quarto Nº 2 co sessões no ano, o Conjunto Cênico de Amadores montou Hotel dos Amores, além de Greve Geral, quatro vezes apresentada. Por diversos teatros, a Companhia Carmem Ribeiro levou à cena Bicho Papão, O Filho Não é Meu, Médico à Força e Quem Beijou Minha Mulher, 265


esta última de Gastão Tojeiro em sessão especial para

artistas pernambucanos, primeiro apresentando o Mater Dolorosa, junto a Mayer-

Cabecinha de Vento

-

anedotas. Por último, o Centro de Cultura Israelita -

-

peças com e para crianças nos subúrbios, todas sob rou Cenas & Melodias, do próprio diretor, com par-

266


Alma de Marinheiro

Moura, além da comédia Um Creado de Sorte, outra um conjunto cênico, Raul Prysthon representou nas comédias Bicho Papão, Casar P’ra Morrer e Casa de Maribondos. O mesmo fez Aluízio Campelo, com A Cara do Pai. Atraindo muitas simpatias, o Teatro-Escola estreou com a revista-cívico escolar Quando a Vida Sorrí... -

foram confeccionados pelos alunos das escolas estaduais ou pelos rapazes e moças das Escolas Técnico-

totalizou quatro apresentações de casa cheia no TeJornal do Commercio

-

vezes, atuaram na revista-cívico escolar Alma de Marinheiro direção era do ator Raul Prysthon e os bailados de Betty Gatis. Valdemar de Oliveira dedicou uma de suas colunas A propósito..., no Jornal do Commercio

Alma de Marinheiro, em benefício da sua Pinto Júnior. A peça não é superior a O sonho de Iara, do ano passado, mas, tem bons quadros arte, trabalho educativo de assinalado valor. Alí se focalizam os fatos históricos do Brasil tos anos, aos seus discípulos. A atuação, através do microfone, da voz evocativa do marinhei-

As anteriores apresentações da peça deixaram ao nosso público de teatro uma impressão muito lisonjeira, não só quanto à articulação e composição dos quadros e sketches, mas também relativamente à interpretação, rias, coadjuvados por uma professora de 4.ª entrância e um dos componentes do Círculo de Pais e Mestres, ator Aluízio Campelo. Quando a vida sorri -roupa adequado e, na parte musical, o con-

do Teatro-Escola.

267


ro, monotonizou, um tanto, o desdobramento das cenas. Êsse inconveniente foi atenuado, na -

Por Causa de Um Beijo

partitura, subscrita pelos nomes de Zuzinha e Piccolino Fischer, ilustrou Alma de Marinheiro. A

-

-

riedades, todos em única sessão, com destaque para o pianista Muraro, o ilusionista Alfredo Gaspar, a dee uma festa artística promovida pela Escola Paroquial

Vera Cruz, este último sob a direção da professora bém levou ao Teatro de Santa Isabel a peça A Louca do Jardim a primeira vez de exibição da obra naquele palco,

Santos e Linda Paz. E ainda no começo do ano, além Santo Amaro encenar Presépio de 1865 Irmãos Valença, a atriz Marilda Castro promoveu um festival artístico no Cine-Teatro do Pina com a peça

268


1943

A

-

Jornal do Commercio sabendo da pequena movimentação teatral na cidade durante todo aquele ano, período nada propício à circulação pelos mares, pois a maioria das companhias bradas principalmente as companhias itinerantes que cumpriram temporada no Teatro de Santa Isabel, como o Teatro de Guerra (nome curioso para aquele moO Patinho de Ouro e Sururú Aqui é Manto A Felicidade Não Espera, de Armando Moock, e Beijos Para Todas, de Henrique Fernandes e Raul Roulien. A Jornal do Commercio de janeiro de 1944):

oportunidades de melhor atuação. Ao elenco reduzidissimo, correspondia -

Ainda no começo do ano, a Companhia Heros Arruda cumpriu curta temporada popular no Cine Encruzilhada, com peças como General Inverno bairro de Tejipió no mês de janeiro, promovia festivais de arte, um deles dedicado cas e as piadas do excêntrico palhaço Picolino. A peça sacra Os Milagres de Santo 269


Antônio

ainda era chamado o Teatro de Amadores de Per-

des obras do teatro universal”, como lembrou aque-

e Ocidente O Instinto Leque de Lady Windermere

Oriente A Evasão, de EuO

dos mais fecundos, desta ultima década” para a produção teatral local. odo em que as peças sobreviviam naquele momenO Instinto Senhora de Engenho A

O Instinto

270


Divina Labareda produções de outro importante conjunto amador da que empatou em número de sessões com o Teatro de Amadores no total, dezessete apresentações cada.

ainda que consideradas sucesso de público e crítica. ção do Grupo Infantil de Comédias, liderado pelo direda cidade, mas especialmente no Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa, a equipe apresentou um total de As Flores da Padroeira O Canto do Sabiá, Céu do Meu Brasil, Dindinha Lua, Cenas e Melodias, A Filha do Operário e O Rouxinol da Fazenda, criações do próprio Frutas da Terra, revuette de HeO Nascimento de Jesus, de C. Gois, todas com música do maestro Lourival Santa Clara, sempre à frente de uma orquestra tocando o vivo, além do drama Amor Materno Você Me Conhece? mar Mendonça e música de Lourival Santa Clara, acon- de café, óleo de ovo e caixas de sabão. Prêmios teceu em vesperal carnavalesca dedicada a Cleofas de em dinheiro também faziam parte do competitivo Folha da Manhã, jornal balhos do Grupo Infantil de Comédias. A Jazz Madeira Bezerra (a Baianinha). maquinaria realizada por Josaphat Pereira, “modela- Ainda para a criançada, foi incluída na retrospectiva - do ano Um dia No Brasil, revista infantil de autoria da mar Mendonça e a senhora Sousa.Abelardo Cavalcanti,

-

le ano, Valdemar de Oliveira saldou o Teatro Escola, descreveu em sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio ter contratado os serviços das professoras Celeste -

José Caval -

271


ao palco do Clube Ciclista do Recife a comédia em um ato Alma do Outro Mundo, de autor e diretor não

Artística, encenando, apenas com amadores no elenpeças sob a direção de Hermilo Borba Filho, tendo o auxílio de Alfredo de Oliveira: Julho, 10!, de Leda Maria Albuquerque e Maria Luiza Castelo-Branco (1º Veneno, de José Carlos CavalInveja, de Jomar Reeducação e Assistência Social voltado a peças para atividades artísticas com apenas uma peça, Degredados, Parentes - de Ocasião, de Hermilo Borba Filho, em duas récitas. com participação especial das artistas Ziza Prysthon e Luiza de Oliveira e da senhora Aurélia de Andrade Silva. A direção foi de Raul Prysthon. Intérpretes amadores de diversas instituições também puderam se

Simplício Pacato

-

peça Situação Precária

-

de formatura puderam mostrar As Donzelas de Honor ou O Duende da Noite Vilela, com partitura de Euclides Fonseca.

Ziza Prysthon

Grande atividade também desenvolveu o Centro de Cultura Israelita, que trouxe à cena, em dezenove sesmunt Turkow: A Feiticeira, Abraão Galdfaden, Parabens aos Nubentes, Zelate de Rebetain, Noeh Pandre, Quando o Diabo Ri..., Disse Reb Mendele, Vida e Fantasia, Israel e O Estranho munidade israelita. Uma matinée infantil também foi de atração foi a peça musicada No Terreiro do Coronel Fagulhas de números de variedades como cocos, emboladas,

Carneiro Vilela

272


a apresentar a peça O Espião, de Severino Bezerra, participação especial, antes e depois, do poeta Tobias conjunto do interior a visitar o Recife, com a comédia Quem Beijou Minha Mulher?, de Gastão Tojeiro. O total de apresentações cênicas na capital pernambude Oliveira.

crítica de Luiz Teixeira no Jornal do Commercio

Neve ao Sol, foi a peça de apresentação do Tea-

Neve ao Sol teatral”, na opinião de Valdemar de Oliveira no Jornal do Commercio ainda que aquela peça não era para rir como “muitas que estão arruinando, direitinho, o incipiente teatro

cura-se, porém, dos efeitos cênicos. ExempliNeve ao Sol ato, o autor, para bem caracterizar – exhaus-

o lançamento aconteceu no Teatro de Santa Isabel, a

ensaiador o ator Raul Prysthon. Além do próprio -

Para o bom êxito do Teatro, é absolutamente ção, na pintura dos momentos principalmente se afaste da condição de espectador, assumindo Neve ao Sol, interpretaram-na amadores pela primeira vez colocados deante

273


dêsse poder absorvente e perturbador que são as platéias. Portaram-se, todavia, com perfeito domínio. Suportando a responsabilidade dos

tar apenas elementos do naipe feminino, das Odixe Vanderlei.

Senhora de

lativa correção.

Engenho

A Divina Labareda, comédia de -

to Primo e Jaime Barros, este último interpretando a canção Maria Betânia ço Barbosa, o Capiba) e Luz e Sombra ceição Tavares, Aleta Costa, Renone Ferraz, Jovelino Selva, Alberto Barreto, Beroaldo Guimarães, Romeu

sem intitular-se crítico teatral, mas lembrando da Pernambuco e, provavelmente pela falta de patrocínio, vo. Publicou na sua coluna Crônica da Cidade, no Jornal do Commercio

dos homens de boa vontade”, conforme o Jornal do Commercio ainda que tenha valorizado a obra de três autores locais, nenhum dos trabalhos conquistou maiores elo-

Divina Labareda, de Her-

Bem diferente foi o que aconteceu ao Teatro de Amadores, com suas quatro estreias naquele ano. A primeivolta ao passado, estamos a marchar para a frente. A peça é leve, bem urdida, e polvilhacasal, por defeitos de educação, e exalta a escola que prepara a mulher para a vida da atualidade. E o desempenho revelou aptidões e desembaraços, particularmente, e para ci-

Oriente e Ocidente, tradução de Hermilo Borba Filho e sob a direção de Valdemar de Oliveira, que lembrou no Jornal do Commercio

Lourenço Barbosa, o Capiba

274


Oriente e Ocidente

peça expõe, desenhada com precisão de miinquietação e de torturas, na fatalidade do seu drama racial. Resolver, no particular da inter-

verdade, transportando os choques contínuos entre as suas emoções para uma face que os -

com as rubricas da peça”, reforçou antes o Jornal do Commercio elenco, as “senhoricentina Freitas do Amaral, além dos senhores Hermilo Borba Filho, Hélio Tavares, Emilton Cavalcanti, Adhelmar de Oliveira e Valdemar de Oliveira.

os irrisórios convencionalismos que pretendem colocar entre o lar e o palco a separação aprofundam, mais e mais, o abismo da inculto calor, quando na exaltação de apaixonada. ululação possessória da carne – conduziu-se, porém, com propriedade. Valeu por instantes de beleza artística a cena da sua escuta

Jornal do Commercio posição das réplicas, ação em aumento de

da tumultuosa história de amor duma mestiça em permanentes vacilações sentimentais por e da mescla tempestuosa dos seus instintos, a

Eloquentes, também, os seus silêncios, tradu-

na alma de mestiça. Apesar de ser em derreportância interpretativa de Oriente e Ocidente, atuação da senhorinha Vicentina Freitas (do) Amaral. Foi tão pronunciada a persuasão da

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exatidão nos seus sorrisos típicos – onde pairava o incompreensível do espírito chinês. Os seus olhares desvendavam resoluções que

Possuidora de merecimento artístico e de caractemicas muito aproximadas daquelas pretendidas na per

suas melhores possibilidades, emprestaram Raramente Oriente e Ocidente

-

Oriente e Ocidente mereceu do Teatro de Amadores o sêlo e o ressalte do seu ódio contra a proclamada superioridade do

Em nova crítica, Luiz Teixeira voltou a fazer mais eloOriente e Ocidente, destacando publicada no Jornal do Commercio A presença dos ilustres componentes do Teatro tas do Amaral e Ademar de Oliveira na peça de SoOriente e Ocidente, interpreparticular tratado: escolha. Couberam-lhes papéis samente até mesmo o “bandido”, permanecen-

nho, resolvido da melhor maneira pela senhorinha -

Oriente e Ocidente

276


branco, que a “situa nas metralhadoras”, em ofensa mérito da sabedoria” – “viveu-o” o snr. Adelmar

Adhelmar de Oliveira, Abelardo Paraíso, Valdemar de

Toda a renda das quatro sessões realizadas foi destinada ao Jardim de Infância dos Pobrezinhos. Oriente e Ocidente

-

clusão e aparelhamento do prédio da Maternidade A Evasão, peça francesa de ba Filho, discutiu, a partir de uma traição em família, a teoria sobre a hereditariedade moral. A estreia se

-

O crítico Luiz Teixeira achou a peça rarefeita enquan-

Jornal do Commercio (4 de

Sem profundidade, perfuntoriamente, A Evasão problema da hereditariedade – êsse poder de

somente a estrutura corpórea, mas, também, -

Oriente e Ocidente

277


Impondo-se pela caracterização estudada e precisa, marcando a sua atuação com ademanes perfeitamente ajustados, o desempenho que o snr. Valter de Oliveira, deu à persona-

A Evasão

crescente valorização – Brieux trata o assunto teorias irresistentes à fecundia dos contraditórios fatos triunfantes, é explorado por Brieux ciência médica – no que se evidencia poderosa

harmonioso de intérpretes. A preferência para esta ou aquela interpretação correspondeu à tendência da sensibilidade de cada espectador, sem que tivessem existido proeminentes diferenças no merecimento dos amadores. É, porém, justo sublinhar o trabalho do snr. Valter

Paul Gaell no ator Firmin Gemier, como sendo

snr.Valter de Oliveira um pequeno excesso na léstia cardíaca que o fazia anulado deante do tecendo as minhas despretensiosas considerações a respeito do desempenho de A Evasão, enalteço o trabalho da senhora dr. Valdemar de Oliveira, que, na Luciana, demonstrou os mais altos pendores para a difícil arte teatral. Seria motivo para o real envaidecimento do nosso Teatro possuíssem, na sua totalidade, os valor artístico dessa ilustre amadora.

278


A Evasão

teatral – e tantas vêzes pensou nisso! – é que

A propósito..., no Jornal do Commercio crever, a um repertório distanciado do teatro que êle sonhava, Samuel Campelo, ainda assim, defendeu sempre a honestidade artística, o es-

mesmo arredio, por índole, das altas camadas pela cultura, pelo trato das boas maneiras, seria pelo e aquêle humilde, bravo e tenaz Grupo existido nesta doce terra.

teatrais, combatendo, com quantas armas tinha, lo apenas pelo que êle poude realizar, mas, pela pureza dos seus ideais, pela essência da sua ação construtora, pelos sacrifícios sem conta a que se êle deixou aos seus continuadores, porque o seu ideal não era, nunca foi, manter o teatro -

dores lançou O Instinto fez cinco sessões com renda revertida em favor do Asilo do Bom Pastor. Mais uma vez, o crítico Luiz Teipublicado no Jornal do Commercio (19 de setembro

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O Instinto

-

cremes e dos cosméticos, mas aquela resisO Instinto, uma apoteose ao um desmentido às teorias que emprestam aos -

onde paira o merecimento da peça ontem encenada. O Instinto teve do Teatro de Amadores

os sentimentos que o conduziram dentro do enorme tumulto da sua batalha interior. A snra.

perante o poderio do seu coração de mulher, ra Valdemar de Oliveira. O snr. Hermilo Borba

ra diminuiu a amplitude da “verdade” com que qual a senhorinha Vicentina ainda se não liber-

seja relevada a restrição, cuja única peculiaridade é a de cooperar, lealmente, na manutenção do alto nível artístico esplêndida e marcanteFreitas do Amaral, na Ama de Oriente e Ocidente O Instinto -

da voz, na sua interpretação de ontem.

O Teatro de Amadores ainda estreou O Leque de Lady Windermere ciedade Pernambucana de Combate à Lepra. Como 280


O Instinto

enrêdo, é, aquela peça, a mais leal, a mais sentida

sobre insinuações da traição de um esposo na véspequem é sua mãe verdadeira. Censura moral, puritanismo e crítica social permeiam toda a peça, que deixa as apresentações no Teatro de Santa Isabel, com a es-

Jornal do Commercio

e poeta londrino – excluída De Profundis, na qual confessa as suas culpas em parte, porque desta da, tendo sido os últimos capítulos, por ocasião da morte do autor, recolhidas ao British Museum, onde mente conhecidos. Parece-me, o maior empenho O leque de lady Windermere, foi o de enaltecer os predicados supostamente desaparecidos da mulher quando na

síntese, uma demonstração da capacidade de sacrifícios e de renúncias da mulher corrompida, em virtude da importância social do seu enrêdo, e, sobretudo, em virtude da importância social do seu

281


comprometeu o valor de sua ilustre estirpe litenão estavam tão harmoniosos quanto das vêzes anteriores. Observava-se-lhes irresolução. Os que natural – da imprecisão alheia. Mas, convenho: não tação de peça do jaez de O leque de lady Windermere

Todas as peças do Teatro de Amadores, incluindo O Oráculo Recife: a Maternidade do Hospital Pedro II, o Jardim da Infância dos Pobrezinhos, o Asilo do Bom Pastor e o Instituto Guararapes (Sociedade Pernambucana de -

O Leque de Lady Windermere

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O Leque de Lady Windermere

(Noites de Trevas

-

Radioteatro As Alegrias do Lar, de Maurice Hennequin. canos: Alma Torturada e O Capitão dos Paraquedistas, de Arnaldo Calazans, A Pequena da Boina Verde, de Francisco Collazo, Retalho de Céu e Os Transviados, de Amaral Sublime Sacrifício, de Costa Medeiros, Trabalharás Meu Filho!, Unidos Para a Vingança, Destino, Sacrifício de Irmã e O Mistério de São Sebastião, de César Fabbri, O Mimoso Colibri Ternura, de Cardoso Silva, A Herança de Miss Margaret, de Célia de Barros Lins, Sinfonia das Máquinas Mimosa Roseira, de Lison Gaster, Páginas da Vida, de James Marilena Versus Destino, de Pedro Bloch, O Cego do Cáiro, de Berliet Júnior, Última Ilusão, de Oduvaldo Vianna, O Homem Que Ficou Rico Vida e Morte nizações, Zola, de Olavo de Barros e The Moon is Down

Pombo, Mercedes del Prado, Hélio Peixoto e Jonas de Sousa, entre outros. Como festividade voltada às classes mais populares, a Festa da Mocidade, ainda no começo do ano em sua sexta edição, teve como um de seus maiores destaques a apresentação do “cantor misterioso”, com prêmio para quem adivinhasse sua identidade no Teatro de edição, a Festa da Mocidade continuou a promover matinées infantis

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sentam o acêrvo de serviços prestados, exaus-

fora do expediente, no palco, no salão nobre, no las de arquivos e depósitos – para que nenhum

de uma nova casa de diversões se tornou assim,

Luiz Maranhão

-

possibilidades técnicas. Muitos pretendentes tiveram de adiar suas festas por ser impossível, ao Santa Isabel, atender, em certas épocas, a todos.

como parte das comemorações do período natalino. cada no Jornal do Commercio Valdemar de Oliveira retomou o mesmo discurso do Teatro de Santa Isabel, quase impossível de se receber tantos compromissos, e a necessidade de uma tamanha produção: Como sempre, o Teatro Santa Isabel se constide artística local. Concertos, recitais, audições, reza – de comédia, de alta-comédia, de revistas, de bailados – sem falar em formaturas, atos variados, conferências, sessões cívicas, etc – repre-

correspondente ao nosso aumento de população. Em meados do ano, corre a notícia da construção de um prédio para o Conservatório Pernambucano de Música. Falou-se, depois, simplesmente, numa sala de concertos. Mas, nada disso resolveria o assunto, mormente quando Sul, que se sucederão, ininterruptamente, ameaçado, perturbar, por completo, o ritmo das ativitodos – companhias do sul e conjuntos locais,

que tão claramente se mostrou, em todos os seus têrmos, no ano que passou.

284


O

ano de 1944 começou sem notícias sobre o teatro na capital pernambucana. A primeira delas surgiu como denúncia pelo cronista G. no Diário da Manhã (6 de fevereiro de 1944), tratando da polêmica que marcava o Baile dos Artistas a ser realizado em breve e que, segundo o jornal, não contava com a colaboração da classe, diferente de quando o saudoso Samuel Campelo o realizava no Teatro de Santa Isabel. A questão era que apenas cinco artistas estavam à frente da organização do evento, esquecidos de alguns elementos importantes das artes no Recife, com patrocínio vindo de empresários alheios ao movimento cênico e apenas intedireito a participar da festa, independente de ser artista ou não, o que poderia gerar um “desabono moral dos artistas pernambucanos”. Não acreditando que o prefeito Novais Filho fosse permitir a farra no Teatro de Santa Isabel, a publicação fez um alerta: “Pois,todos nós estamos no dever moral de defender o nome dos nossos atores e atrizes, que constituem uma classe modesta, porém digna da melhor sorte”. Mas o evento acabou não sendo realizado. A primeira montagem teatral em destaque apareceu com o Grupo Infantil de Comédias, dirigido por Waldemar Mendonça, que apresentou no dia 13 de fevereiro de 1944, no Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa, em vesperal às 14 horas, uma revista com motivos carnavalescos escrita pelo próprio Mendonça, contando com música do maestro Lourival Santa Clara.Também surgiu a notícia do aparecimento da Caravana da Alegria, formada por artistas amadores e Tejipió, com pretensão de seguir por cinemas do Recife e de cidades do interior. No elenco, entre outros, Raul Prysthon, Ziza Prysthon, Amália de Souza e Arlindo Silva. A imprensa também anunciou que o NúcleoTeatral GetúlioVargas, de Olinda, estava em ensaios com a peça histórica Os Sinos de Olinda, de Mário


Sette, sob direção de Emídio Faneca. Prometia-se um espetáculo de gala, tendo no elenco Amália de Souza e Lélia Verbena, entre outros. No domingo 13 de fevereiro de 1944, no Teatro de Santa Isabel, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem do Recife apresentou em matinée, às 15 horas, para seus associados e famílias, a peça Ela Quer Casar, do dramaturgo sergipano Walivério Abelísio, seguida de números de variedades ao som da Jazz do Cotonifício Oton Bezerra de Melo, exatamente no dia em que o Circo Garcia anunciou sua vinda em breve à cidade como um grande conjunto de animais amestrados e de artistas de variedades. Até que Pernambuco mergulhou nas festas de Margarida Léa Lenita Lopes momo e, claro, o teatro não foi mais lembrado. Passado o carnaval, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior, procedente do “Sul”, veio cumprir temporada de um mês e meio no Teatro de Santa Isabel. No elenco, além de Barreto Júnior, a “estrela” Lenita Lopes e mais Lourdes Monteiro, Elpídio Câmara, Luiz Carneiro e Osvaldo Barreto, entre outros. É curioso o alarde que Barreto Júnior fazia sobre todos os originais que apresentava, com anúncios chamativos na imprensa: “Pertinho do Céu – O maior êxito do teatro brasileiro nestes últimos tempos!”, sobre a peça de José Wanderley e Mário Lago, ou “O Hospede do Quarto N. 2 – Uma verdadeira fabrica de gargalhadas!”, de Armando Gonzaga, Luiz Carneiro Osvaldo Barreto ou ainda “Deus Lhe Pague – A maior peça do Teatro Brasileiro, original de Joracy Camargo”, para citar apenas três de suas produções, investindo, como turas de Um Rapaz Feio, todos de Paulo Magalhães, sempre, em textos de longa data no cenário teatral ou A Pensão de Dona Stela, de Bastão Barroso, e O brasileiro, como A Ditadora, A Flor da Família e Aven- Amigo Tobias, de Brandão Sobrinho. Mesmo assim, os

286


ingressos para suas vesperais e soirées eram comprados com bastante antecedência pelo público, sempre nas mãos do bilheteiro Lisboa. Casa cheia, quase sempre. No Jornal do Commercio (3 de abril de 1944), o crítico M. escreveu sobre O Hóspede do Quarto N. 2: Das peças até hoje apresentadas, O hóspede do quarto n.º 2, de Armando Gonzaga, foi a que provocou maior número de gargalhadas, riso franco, irreprimivel, com as situações, os embrulhos inesperados, comuns ao gênero vaudeville que o autor não soube fechar o último ato, cuja derradeira cena vale por uma decaída, mas para quem vai ao teatro com o simples intuito de distrair-se, é peça muito agradável. E o desempenho esteve bem, aparecendo desta vez Elpídio Camara, que anteriormente só havia pegado em “pontas”, e também distinguindo-se Lourdes Monteiro, que esteve muito à vontade.

Lourdes Monteiro

O teatro praticado por Barreto Júnior e sua equipe nunca foi apreciado pelo crítico Valdemar de Oliveira, pois este sempre primou pelo respeito aos textos originais, coisa que para o comediante e empresário não fazia muito sentido. Mestre em improvisos, Barreto Júnior era sinônimo de gargalhada também pelos trejeitos e frases lançadas ao público com tira-

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das inspiradas em episódios da atualidade.Tudo virava motivo para muito riso. Isso incomodava Valdemar de Oliveira, que teve que ainda aguentar, no teatro administrado por ele, uma temporada de casa cheia para a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior. ta Isabel, uma das produções apresentadas, a inédita peça Quando Amanhecer..., de José Carlos Cavalcanti Borges, provavelmente incluída no repertório a pedido de Lenita Lopes, esposa de Barreto Júnior, atriz que primava por escolher alguns textos considerados de bom nível para renovar o que se oferecia à plaminguada, ganhou uma apreciação crítica na coluna A propósito..., de Valdemar de Oliveira, no Jornal do Commercio (18 de abril de 1944) – algo raro quando se tratava das montagens do comediante e empresário. Talvez pelo estilo diferenciado, mas certamente pelo autor da obra, Valdemar de Oliveira resolveu escrever sobre e, claro, não foi nada favorável ao que viu: José Carlos Cavalcanti Borges entregou à Companhia Barreto Júnior o seu último original – Quando amanheceu... –. E a Companhia o encenou, num dos seus derradeiros espetáculos. Antes de tudo, não devia ter entregue: não só porque se tratava de trabalho escrito para operários como porque a Companhia vinha realizando, no Recife, uma “temporada de riso”, não havendo pois, lugar, nela, para Quando amanheceu... Como todos sabemos, José Carlos Cavalcanti é, para honra nossa,

Hamilta Rodrigues

Elisa Mattos

um dos melhores contistas do Brasil. Os seus trabalhos não precisam ser assinados, tão vivo é o traço do seu estilo e tão pessoal, a sua “maneira”. Ninguém observa melhor os tipos que se movem na monotonia da vida burguesa de nossa terra. O encanto dos seus trabalhos não está na “história” – coisa que quasi dos tipos e na reprodução dos ambientes domésticos, em seu ritmo vagaroso, indolente, incolor. A sua pena cinematógrafa, em câmara lenta, essa vida parada, que é, todavia, um dos segredos da arte sutil de um Machado ou de um Marquês Rebelo. Professor de psicologia e de psiquiatria, José Carlos se tornou, em literatura, um desenhista de caracteres e um pintor de “interiores” burgueses. Sua peça é, pois, nada mais, nada menos, do que um conto, a que o autor deu uma forma teatral. Lido, tem a mesma sedução de um “Botão se fazendo rosa...”. Representado, cai. Falta-lhe o “nervo teatral”, o ímã da “história”[,] o segredo da ação. E, como José Carlos não mentiria jamais ao seu ideal literário, porque não é um

de prender – já não digo empolgar as platéias. Dos seus personagens, só lhe interessa aquilo que poderíamos chamar a “energia potencial”. A outra, a “cinética”[,] pouco lhe importa. É tudo, entretanto, para o teatro.

Após esta temporada no Teatro de Santa Isabel, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior seguiu para o Cine-Boa Vista, estreando com Tudo Pelo

Murillo Gandra

Augusta Moreira

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Amor, mas ainda retomando O Marido N. 5, A Cigana Me Enganou (esta, no dia 19 de abril, foi apresentada em homenagem ao presidente Getúlio Vargas, pelo seu aniversário, sem a presença do mesmo), Canário e A Flor da Família. Naquela primeira quinzena de abril, o Circo Garcia cumpria temporada na avenida Cruz Cabugá, no bairro de Santo Amaro, com sessões às 19 e 21 horas, ou eventuais vesperais às 14h30, com números variados circenses, mas, também, produções

teatrais sacras como O Martyr do Calvario ou Vida, Paixão e Morte de N. Senhor Jesus Cristo e Paixão de Cristo. Enquanto isso, crescia o número de cinemas em atividade, contabilizando já vinte e três deles na capital pernambucana: Parque, Art-Palacio, Moderno, Royal, Boa Vista, Politeama, Ideal, São José, Glória, Encruzilhada, Real, Torre, Eldorado, Central, Casa Amarela, Espinheiro, Império, Eden, Santo Amaro, Elite, São João, Duarte Coelho e Olinda (Feitosa). 289


Cinema Politeama

Depois de seguir para uma breve temporada em Caruaru, Barreto Júnior levou sua trupe até Minas Gerais por conta própria. Como todos os teatreiros pernambucanos arcavam com tudo do próprio bolso, nanciada pelo Governo Federal, não faltaram críticas à atuação do Serviço Nacional de Teatro naquele momento, apelidado ironicamente no Recife de “Serviço Carioca de Teatro”. Outro bafafá foi criado por Valdemar de Oliveira no Jornal do Commercio (7 de abril de 1944) quando denunciou o “famigerado” Raul Roulien por omitir nomes dos autores das músicas utilizadas petáculos na turnê que empreendeu por onze estados do Brasil recentemente. Representante da SBAT em Pernambuco, Valdemar de Oliveira não só cobrou os direitos autorais e o respeito aos autores, como, diante do não pagamento do citado empresário e ator teatral,

Raul Roulien

Para celebrar o seu terceiro aniversário, o Teatro de Amadores preparou uma grande novidade para maio, um mês depois da data original (era Barreto Júnior quem ocupava o teatro em abril): a montagem de um texto de autor nacional.A peça escolhida foi A Comédia do Coração, do paulistano Paulo Gonçalves, obra que aposta num diálogo simbólico de sentimentos humanos, pois tudo se passa no interior de um coração onde entram em choque a Paixão, a Alegria, a Dor, o Ciúme, o Ódio e o Medo, alguns movidos pelo Sonho e em luta permanente com a Razão. A estreia se deu a 4 de maio de 1944, no Teatro de Santa Isabel, contando com ilustrações musicais de Valdemar de Oliveira e com a orquestra interna executando a partitura sob regência do próprio autor. Para a direção, foi convidado o encenador e ator polonês Zygmunt Turkow, que estava no Recife há mais de um ano ligado à comunidade judaica. No dia da estreia, Valdemar de Oliveira comentou no Jornal do Commercio (4 de maio de 1944):

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Vai o Recife assistir, hoje, no Santa Isabel, a uma peça em que positivamente se esgotaram as possibilidades técnicas e artísticas do nosso meio teatral. O que se pode conseguir em instalação elétrica suplementar, em artifícios de maquinaria, em jogos de luz e interpretação por parte de nossas vocações teatrais – isso foi conseguido, no objetivo de montar um dos mais belos originais teatrais brasileiros – A Comédia do Coração. Trabalho árduo, que demandou a colaboração de um pessoal especializado e um número de ensaios ainda não alcançado, desde a fundação do Teatro de Amadores. Tem-se a impressão de que este atingiu o seu ponto culminante, pela realização de um espetáculo montado sob o mais severo critério estético.

No elenco, Alfredo de Oliveira (Sonho), Denise Albuquerque (Paixão), Geninha Sá (Alegria), Diná Rosa Borges de Oliveira (Razão), Maria de Lourdes de Oliveira (Dor), Walter de Oliveira (Medo), Adelmar de Oliveira (Ódio), Alderico Costa (ciúme) e a estreante Maria do Céu César (Desconhecida). O Aníbal Mota e Alexandre Carvalho, “que montaram de luz, conforme o Jornal do Commercio (4 de maio de 1944). A estreia exigiu traje a rigor, para chiadeira de alguns. Privilegiado por possuir uma coluna que serviu, e muito, para defender-se das acusações

contra o Teatro de Amadores, Valdemar de Oliveira tocou no tema do elitismo do grupo, a começar dos valores cobrados nos ingressos, e aproveitou pra comparar o trabalho que fazia com o de Barreto Júnior, atacando-o. Eis o que registrou no Jornal do Commercio (3 de maio de 1944): Tôda vez que os Amadores anunciam uma récita de gala, surgem, logo, vozes em contrário, a argumentarem com a exigência do trajo e a elevação dos preços. Fala-se, logo, em grana dar, à estreia – unicamente à estréia – uma despesas de montagem. A qualidade das peças montadas pelos Amadores reclama muito dinheiro e, agora mesmo, para A comédia de coração, quasi dez mil cruzeiros já foram gastos. Nem a vigésima parte despende Barreto Junior, por exemplo, para montar uma de suas peças (muitas delas, no Recife, foram levadas com cenários do Grupo Gente Nossa), para as quais exige um preço quasi tão alto quanto o preço comum dos Amadores (mais alto do que as suas vesperais), e com a possibilidade de várias representações e não quatro ou cinco, apenas. A notar que para os espetáculos de pura recreação, o público é sempre grande, e compreende-se; para os as tais vozes contrárias não se lembram de

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que [...] os Amadores trabalham em favor de instituições de caráter social. Se o Teatro de Amadores cobra, por vêzes um preço de ciacusá-lo de distanciar-se da classe média da população que paga preço maior para ver uma chanchada [...]?

Pouco depois, Valdemar de Oliveira tocou numa questão crítica que perdurou por anos ao Teatro de Amadores: sua atenção demasiada à dramaturgia internacional. Rebateu, então, na sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (10 de maio de 1944): É curioso: cada peça estrangeira encenada pelo Teatro de Amadores levantava uma onda de murmúrios. Havia quem dissesse que êsse conjunto era inimigo do teatro nacional, porque desprezava os autores nacionais, o que não era verdade, desde que diversos autores brasileiros já haviam sido contemplados: Oduvaldo Vianna, Silvano Serra e, em peças irradiadas, Coelho Neto e Arthur Azevedo. dirá que Dulcina de Morais não esteja fazen-

do muito, tudo, pelo teatro nacional, monComediantes ças de Sheriff, Moliére, Goldoni, Musset? As razões estão bem claras no excelente artigo do professor Roger Bastide, recentemente publicado, à seguinte altura: “Longe de mim a idéia de criticar o fato de se apresentar peças estrangeiras: não é pelo isolamento, mas pela multiplicidade dos contactos que se enriquece. [...] Isso não impede, todavia, que a tarefa principal seja chegar à criação de um teatro brasileiro”. Claro: seria o teatro o único gênero de atividade intelectual absolutamente estrangeira?

Atribuindo todo o êxito da montagem ao encenador Turkow, Valdemar de Oliveira só lamentou a partida com o grupo carioca Os Comediantes. No livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) (2011, p. 143, 144 e 147.), o pesquisador Antonio Edson Cadengue pontuou sobre o resultado da obra:

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A Comédia do Coração é um espetáculo decisivo na vida do Teatro de Amadores: a consciência do trabalho do encenador, a descoberta dos recursos técnicos e expressivos da luz, o controle do sistema cênico, implicando em uma mudança nos modos de interpretação tética que acarreta o reconhecimento maior ou menor do que é uma escritura cênica. [...] A Comédia do Coração introduz inúmeras inovações ao Teatro de Amadores, tanto técnica quanto esteticamente, sobretudo no que diz respeito aos aspectos da encenação moderna, até então, desconhecidos nos palcos recifenses. A encenação simbolista de Turkow representa um distanciamento do viés naturalista dos espetáculos do TAP, em que prepreocupação com a unidade do ensemble. E esse salto qualitativo abrange o espetáculo como um todo: do uso da iluminação a interpretações dos atores que toma um novo referencial, não realista, propiciando outras atestam os críticos da época, que também passam a renovar seus parâmetros de fruição teatral e tomar consciência do papel do encenador no teatro. Este espetáculo é o marco inaugural da prática moderna nas encenações do TAP.

A crítica da época percebeu isto. Eis o que Luiz Teixeira comentou longamente no Jornal do Commercio (5 de maio de 1944), no dia seguinte à estreia: Com êsse espetáculo, verdadeiramente impressionante, o Teatro de Amadores comemorou o terceiro aniversário da sua frutuosa permanência no âmbito cultural pernambucano, como expressão de sadios propósitos em proveito do soerguimento da arte cênica nacional, como presença designativa de autorizada oposição ao histrionismo “que pretende fazer dinheiro com a Arte sem fazer Arte” no dizer de Giulio Bragaglia. E representando a peça de Paulo Gonçalves, A Comédia do Coração, o Teatro de Amadores homenageou a inteligência brasileira [...] Redigida com requintada pureza vernácula, A Comédia do Coração é sugestiva fantasia, sem que lhe faltem, todavia, os atributos de obra fundamentalmente teatral. Penetrada a totalidade dos seus símbolos

Já Hermilo Borba Filho, no jornal Diário da Manhã (14 de maio de 1944), destacou: A Comédia do Coração foi, inegavelmente, o espetáculo mais bonito do conjunto pernambucano: desempenho, efeitos musicáis (sic) e luminosos,

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ram-se (sic) com o texto para um maior relêvo artístico, dando-nos uma noitada como raras vezes temos tido a oportunidade de assistir. [...] Sonho, Alegria e Paixão tiveram, em Alfredo de Oliveira, Geninha Sá e Denise Albuquerque, grandes intérpretes. Razão teve, em Diná de guras – as principais da peça – convenceram e, para elas, os nossos melhores aplausos pela coerência de atitudes, propriedade de gestos, pela vida que deram aos seus papeis. Como cena isolada vale salientar a da embriaguês (sic) da Paixão pela Alegria. Uma grande cena vivida por Denise Albuquerque, tão intensamente, com tanta naturalidade, que a emoção da platéia foi expressa pelas lágrimas e não pelas gargalhadas. O Teatro de Amadores entregou a direção da peça ao ator polonês Ziegmunt (sic) Turkow que, com o seu grande talento artístico e a sua cultura de homem de teatro, soube extrair dos elementos a êle entregues – elementos já por si mesmos talentosos – o máximo de rendimento cênico e interpretativo. Mas não interior do coração e não o exterior, não tendo cabimento, portanto, a concepção de muita gente que desejou o cenário “em forma de coração(!)”), criou a indumentária (sic), produziu efeitos de luz, “marcou” a peça dando a quase tôdas as cenas o desenho de ballet.

O crítico Luiz Teixeira entusiasmou-se tanto com a montagem de A Comédia do Coração, que escreveu mais três textos em sequência, sempre com elogios. cesso do Teatro de Amadores provava que o Recife não era apenas a praça ideal do teatro chamado para rir. A única nota destoante partiu do jornalista Mário Melo, no Jornal do Commercio (6 de maio de 1944): A peça é primor literário, mas faltam-lhe certos segredos para efeito teatral. Sobe de cena a impressão que o autor andou á procura da chave e perdeu-a. Porisso (sic) não empolga o desfêcho.

Mesmo assim, ele fez questão de “exaltar o esfôrço concorrendo com seu espiritualismo para o relevo do nome de Pernambuco”. Sucesso absoluto, a peça chegou a fazer nove récitas de casa sempre cheia! efeitos de luz à tarde. Toda a renda foi entregue à Cruz Vermelha Brasileira, como prova de mais uma causa humanitária. A 7 de maio de 1944, voltou ao Teatro de Santa Isabel o Teatro Operário, departamento artístico do Sindicato de Fiação e Tecelagem de Pernambuco. O título da peça não foi encontrado

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quatorze músicas, tendo a coordenação do empresário Rosalvo Mota. No elenco, vinte amadores e do Recife, além da orquestra da P.R.A.-8. Os bailados e danças estiveram sob os cuidados de Miss Betty Gatis e Maria do Carmo Rigueira Costa.

A Comédia do Coração

No dia 20 de maio de 1944 estreou no Largo da Mangueira, em Jequiá, o Circo Alegria, tendo como grande atrativo da temporada o “Giro da Morte” e a “Muralha Misteriosa”, além das comédias As Duas Angélicas e O Dilúvio de Fogo, como também a peça (provavelmente dramática) O Conde de Paracabá. Para alegria da criançada alagoana, no dia 4 de junho de 1944 o Grupo Infantil de Comédias apresentou em São Bento, no estado de Alagoas, Filhos do Sol, peça de Eronides Silva, com música de Lourival Santa Clara e cenários do pintor João Pimentel, sendo a bilheteria em benefício da Capela de Nossa Senhora do Carmo. Na segunda parte da programação, aconteceu um ato variado com alunos do Colégio Barão de Suassuna e integrantes do próprio grupo.

nos jornais pesquisados. Já no dia 13 de maio de 1944, celebrando o primeiro aniversário de sua fundação e numa homenagem ao interventor federal Agamenon Magalhães (mais uma vez o teatro daquela época reverenciando chefes do Poder), o Teatro dos Bancários estreou Revelação, peça francesa de Jean Héglon, no Teatro de Santa Isabel, produção que voltou em novas sessões no dia 20 e 28 de maio, esta última em vesperal às 15 horas.

Clara. A montagem também foi vista no Recife, no Teatro de Santa Isabel. No elenco, Ana Borba, Teresinha Souza, Maria Borba, Isabel Barbosa, Mário Gui-

“A montagem da peça foi levada a capricho, com vistosas cenoplastias de Alves de Sousa e painéis decorativos de Mário Nunes”, lembrou o Jornal do Commercio (6 de maio de 1944) antes mesmo da estreia. No elenco, a senhora Reginalda Luna, as senhorinhas Conceição Tavares e Eunice Tôrres e os senhores Jovelino Selva, Otávio Holanda, Mário Barros, J. Orlando Lessa, Romeu Wanderley, J. Ferraz Coelho e Hermógenes Viana. Toda a renda serviu para a compra de um gabinete dentário para o Sindicato dos Bancários. E no período de 14 a 17 de maio de 1944 foi apresentada a “revista simbólica” Um Mundo Que Desaba, de Aristófanes Trindade, em montagem luxuosa com dois atos, doze quadros e

Sob o patrocínio da Campanha do Ginasiano Pobre, o Teatro do Estudante, ainda na primeira quinzena de junho, apresentou no Teatro de Santa Isabel Era Uma Vez Um Vagabundo, de José Vanderlei e Daniel Rocha, divulgada como estando sob a orientação geral de Valdemar de Oliveira (algo que foi desmentido mais à frente) e direção de Raul Prysthon. Os ensaios começaram em abril. Toda a renda serviu em favor da instalação do curso ginasial gratuito para pessoas de baixa renda, seguindo o objetivo da Campanha do Ginasiano Pobre, nova entidade que congregava estudantes das faculdades de Direito e de Medicina, e dos colégios do Recife. O Teatro do Estudante era, então, o departamento artístico da

Barreto. No dia 18 de junho, no Cinema Teatro Olinda, no bairro do Feitosa, foi a vez da peça religiosa Nascimento, Vida e Morte de São João Batista, adaptação de Waldemar Mendonça e do padre Hipólito Pedrosa, com músicas de Lourival Santa Clara.

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campanha, o mesmo que organizou na I Semana de Cultura a exposição de quadros dos “melhores pintores de Pernambuco”. O curioso é que, segundo o jornal Diário da Manhã (16 de maio de 1944), os “artistas-estudantes” usavam pseudônimos, provavelmente para esconder da família o envolvimento com o teatro. Eram então Epitácio Souza Cruz, Mário de Pontes, Márcia Vera-Cruz, Luiz Pedreiras, Carlos Vila-Rica, Sílvio Vernon, Carmen Ferreira, Iracema Castelo, Severino Oliveira e Edmundo Gouveia. Bem mais à frente, provavelmente pelo desgosto de ver a estudantada recifense montando textos de baixo valor artístico,Valdemar de Oliveira provocou no Jornal do Commercio (28 de dezembro de 1944), tendo como referência o repertório de “elevado padrão” que outros estudantes estavam montando por todo o Brasil: No Rio Grande do Sul, A mulher sem pecado, de Nelson Rodrigues. Em Minas Gerais. Ana Cristina, de O’Neill. Em Aracajú, Nada, de Ernani Fornari. Na Bahia, Heda Gabler, de Ibsen. No Rio, Dias felizes, de Puget, O fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, e Palmares, de Stela Leonardos da Silva Lima. Ajunto mais: em São Paulo, O soldado de chocolate, de Bernard Shaw, , de Musset, A sombra do mal, de Lenormand e, até, Fora da barra, de Sutton Vane, que não é mais do que

Alto mar, aqui enscenada pelo Teatro de Amadores. Uma dúzia de peças que recomendam a cultura estudantina, constituindo uma réplica nos trazem. E o Teatro do Estudante de Pernambuco? Admití, para iniciar suas atividades – ou reiniciá-las, porque 1830, de Paulo Gonçalves, foi sua vitoriosa apresentação – uma peça de teatro ligeiro. Logo depois, arrepiando caminho, o Teatro do Estudante deu, por conta própria, embora meu nome continuasse a aparecer como seu “orientador artísti-

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co”, uma peça baixa que, foi, além de tudo, um assim. Claro que um bom repertório não é vençam o maior, de seus obstáculos: a falta de elemento feminino. Mas, com êle, os pais não têm que temer seja, semelhante teatro, um pretexto para pândegas, iguais às que se passam em cena. Sei que, dentro do próprio conjunto, há elementos contrários a essa orientação. Pois, estão errados. Tão errados que não se tem ânimo de mostrar a Pascoal Carlos Magno (que possivelmente transitará pelo Recife, rumo à Inglaterra, via América do em 1944, no Recife, contra todos os bons exemplos do Teatro de Amadores e do Teatro dos Bancários.

No mês de julho de 1944, o Teatro de Amadores seguiu em turnê para Salvador, recebendo as passagens áreas como apoio da municipalidade da capital baiana, contando ainda com o auxílio dos governos estaduais da Bahia (através do seu Interventor, o general Renato Aleixo) e de Pernambuco (o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda arcou com as despesas gerais). No repertório apresentado no Teatro Guarany: A Exilada, Uma Mulher Sem Importância, Primerose (que contou na estreia com a presença do Interventor Federal na Bahia, entre outras autorida-

des civis, religiosas e militares), O Instinto e A Comédia do Coração. A plateia da sociedade baiana era considerada fria, pouco afeita a bater palmas, mas, além do Teatro de Amadores superar o recorde de público até então conseguido pela Companhia Joracy Camargo, com 264 assinaturas, chegando o grupo pernambucano a 453 assinaturas, afora frisas e camarotes, todo o repertório foi bem muito recebido por público e crítica. Tanto que as sete récitas programadas subiram para onze, atendendo aos inúmeros pedidos das ram renda total direcionada a elas: a Merenda Escolar, o Preventório do Filho do Tuberculoso Pobre, o Instituto dos Cegos, a Liga Baiana Contra o Câncer e o Seminário Central da Bahia. Essa turnê de quinze Teatro de Amadores em terras baianas, com homenagens variadas nos intervalos das peças e repercutindo positivamente não só em toda a imprensa baiana e pernambucana, mas, também, na carioca. Neste meio tempo, o Núcleo Teatral Getúlio Vargas, que tinha Lauriston Pessoa Monteiro como presidente, e como autor principal,Vanildo Bezerra Cavalcanti, tentava se movimentar no Recife, assim como, para atrair um público bem popular, foi promovida no Jardim 13 de Maio a Festa da Vitória, tendo como atrações a sambista Rute Martins, o imitador e humorista 297


Januário de Oliveira, Carmen Costa, Zé Coió, Uyara de Goiaz, Ina Brenda, Demônios do Ritmo e o duo Mário-Nenzita. Foi ainda em outubro de 1944 que o Clube Náutico Capibaribe lançou o seu grupo cênal do mês, em Caruaru, o Grupo Intermunicipal de Comédias apresentou O Hóspede do Quarto N. 2, de Armando Gonzaga, em festival em benefício da Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Enquanto que na cidade de Pesqueira, o Grupo Dramático Pesqueirense, produziu O Hotel dos Amores, sob a coordenação de Edward Matos e tendo no elenco rapazes e senhorinhas daquela sociedade. A apresentação aconteceu no cinema local, em benefício da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Na capital pernambucana, o ano de 1944 continuou de agenda cheia para o Teatro de Santa Isabel, com Valdemar de Oliveira, sempre que possível, lembrando da necessidade de uma nova casa de espetáculos para desafogar o principal palco da cidade. De 15 de

outubro a 15 de novembro a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior ocupou o Teatro Santa Isabel com peças como As Três Helenas, de Armando Mook, A Família Lero-Lero, de Raimundo Magalhães Júnior, O Mundo é Uma Bola, de André Mirabeau, com tradução de Silveira Leal, Por Causa do Lulú, de Paulo France, Compra-se Um Marido, de José Wanderley, Deus Lhe Pague..., de Joracy Camargo, e A Mulher Que Matou o Marido, de Correia Varela – os ingressos eram adquiridos no Depósito da Caxias, com o afamado bilheteiro Lisboa. Vale registrar que, a partir de 1 de novembro de 1944, para maior comodidade do público, o Teatro Moderno, que só funcionava como cinema há um bom tempo, passou a oferecer quatro sessões diárias, às 14h15, 16h15, 18h15 e 20h15, tendo ainda aos domingos uma matinal às 10 horas. Paralelamente, o Cine Boa Vista, atendendo a uma solicitação da Diretoria de Reeducação e Assistência Social, passou a cobrar de seus frequentadores uma pequena taxa de auxílio para o Natal das Crianças Pobres. 298


Contratado pela Emprêsa Cinemas Reunidos, o afamado Pimpinela, o humorista Silvino Neto, do cast da Rádio Tupi, do Rio de Janeiro, considerado “o maior cartaz humorístico do Brasil”, também criador de outras divertidas personagens como Anestésio, Seu Acácio e Januário, veio ao Recife para apresentar números de repertório cômico no Cine Boa Vista, de 4 a 9 de novembro de 1944. Em seguida, fez algumas sessões no Cine Torre, Cine Eldorado e Cine Ideal. O Grupo Infantil de Comédias, por sua vez, voltou a chamar atenção no dia 12 de novembro, quando agendou a comédia A Filha do Operário, no Teatro Leopoldo Machado, situado no bairro do Feitosa. A peça, em benefício das obras da Liga Espírita Suburbuna, era uma criação dos coordenadores do coletivo, Waldemar Mendonça e Lourival Santa Cruz, e contou com um ato variado em sequência.

vulgador dos sambas de breque no país, inaugurou a VIII Festa da Mocidade, no dia 25 de novembro de 1944, com uma brilhante temporada de shows por mais de vinte noites. Ainda no Teatro de Variedades puderam ser apreciados “Les Forest, dupla de bailarinos fantasistas e acrobáticos, e Flora Matos, sambista de largo cartaz nos teatros e cassinos do Rio e São Paulo”, segundo o Jornal do Commercio (21 de novembro de 1944). O Parque Shangai continuou com seus brinquedos populares, além dos bares, iluminação artística e serviço de alto-falante no evento tradicional promovido pela Casa do Estudante de Pernambuco.

Naquele mesmo mês de novembro surgiram os espetáculos Paço de Veiros, do Teatro dos Bancários, No País do Sonho, de autoria da professora Celeste Dutra, com a participação de cento e quarenta aluNo mesmo local da Festa da Vitória, ou seja, o Par- nos de treze educandários, e Ritmos e Sons de 1944, que 13 de Maio, cedido pelo prefeito Novais Filho, encenação com música e dança pelo Colégio Vera o conhecido sambista carioca Moreira da Silva, di- Cruz, todos no Teatro de Santa Isabel. Numa crítica

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escrita para o Jornal do Commercio (2 de dezembro de 1944), na sua coluna A propósito..., Valdemar de Oliveira concluiu: Espetáculo interessante foi o do Vera-Cruz, sem ter sido o melhor de quantos nos vem apresenespetáculo do Teatro dos Bancários, sem dúvida o melhor que até hoje nos apresentaram. O melhor, sob o ponto de vista rigorosamente teatral. Boa distribuição de papéis, e bom desempenho de modo geral.A peça – Paço de Veiros, de Júlio Dantas – grande peça. Finalmente! Valha, sobretudo, um amplo elogio a João Tôrres, que a ensaiou, desempenhando, muitíssimo bem, o

Silvino Neto

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difícil papel de D. Diogo de Veiros. Há, ainda, o bom espetáculo do Teatro Escolar, com a peça No país do sonho, da prof. Celeste Dutra.

No dia 14 de dezembro de 1944, o Departamento Teatral do Centro Educativo de Água Fria apresentou no Cine Império o espetáculo Presépio de 1888, com e quatro jornadas, sob a orientação do instrutor Fraga, com cenários do pintor Mário Ferreira. Por sua vez, a Festa da Mocidade continuou atraindo multidões para o Parque 13 de Maio, muito também pelas programações especiais, como as matinées infantis aos domingos que sorteavam brindes e bombons, ou Ritmos e Sons de 1944 as competições especiais para adultos, por exemplo ainda não desapareceram de todo, mas ninna “Noite das Bonecas”, com bonecas sorteadas, ou guém, dentro de uma zona urbana respeitável, “Uma Noite na Roça”, com um casamento matuto; o dá-se mais ao desplante de rir com aquelas Parque Shangai, além das noites de Natal e Ano Novo mesmas graças, de olhar aqueles mesmos ticom sessões no Teatro de Variedades às 20, 23 e 2 pos estandardizados, de comover-se com os horas, tendo como atrações o ventríloquo Vidondo, mesmos enredos repetidos de Onde canta o sabiá e O marido número cinco. O público braa sambista gaúcha Maria Garcia, o cantor Juan Gonsileiro, tão injuriado no seu bom gosto, já está salez, a dupla cômica Cardoni & Ramonita, Zé Coió, sabendo que teatro é uma coisa muito séria, Catulo de Paula, Anita Palmeiro e a orquestra do maque teatro não é gargalhar somente. Um boestro Guido de Morais. Em referência ao teatro que se fazia não só no Recife, mas nacionalmente, muito certamente pela modernidade que a peça A Comédia do Coração, do Teatro de Amadores, trouxe ao mercado local, o teatrólogo Hermilo Borba Filho provocou em seu artigo “À procura do tempo perdido”, no Jornal do Commercio (17 de dezembro de 1944): O teatro no Brasil, como Proust, está à procura do tempo perdido. Já era tempo de mandar às urtigas aquelas comediazinhas insôssas do snr. Paulo Magalhães (que Deus haja) e as não menos rançozas pantomimas de muitos Gastões Tojeiros que por aqui andavam dando cartas e jogando de mão. É verdade que êles

cado de coisas boas foi apresentado ao público do Sul e ao público do Norte. A obra de renovação, inegavelmente, foi iniciada com Os Comediantes na banda de lá e com o Teatro de Amadores na banda de cá. Mesmo sem falar no repertório estrangeiro, o grupo de Santa Rosa revelou ao Brasil o seu primeiro grande dramaturgo: Nelson Rodrigues com o seu Vestido de Noiva. Deus-nos ainda um Lúcio Cardoso, que foi atacado, que foi discutido, que foi também elogiado por muita gente boa até, mas que foi o primeiro romancista de fôlego a botar a cabeça de fora para espiar o teatro. Os nossos escritores não se interessavam pelo teatro – um teatro de t pequeno com raras exceções. Depois dêsses exemplos êles começaram a ver que a coisa ia mesmo

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e Vinícius de Morais prometeu-nos um Orfeu e Jorge de Lima apronta uma peça que ainda não foi batizada. Jorge Amado teatraliza o A. B. C. de Castro Alves projeta uma dramatização de Maria Bonita. Os Comediantes insistem e escalam a sua programação para a temporada que vai realizar-

terra e institue um curso de férias de teatro. Os negros querem fazer o seu teatro e falam até em O Imperador Jones, de O’Neil. Romancistas, negros, artistas, brancos, amadores, procuram, estão frios, estão mornos, estão esquentando. Isso nos campos do Sul. Nos campos do Norte o Teatro de Amadores lança Knock, Uma Mulher Sem Importância, Alto Mar, A Comédia do Coração. E pensa em Pirandello, em Ibsen, em Lenormand. Está tudo

no Brasil: Electra, de Sófocles; Nossa Cidade[,] de Thornton Wilde; O Revisor, de Gogol; A Rua, de Rice; Destinos, de Gantillon; O Mentiroso para as pecinhas anêmicas: “Menina, e existe público para essas coisas?” E houve público para Bodas de Sangue (um crime, esconder Garcia Lorca às nossas platéias, um crime relativamente quasi do tamanho do de Franco que mandou fuzilar o poeta naquela madrugada fria). E houve gente de mais para assistir , de Giraudoux. E o teatro pegou enchentes nas representações de César e Cleópatra, de Shaw; e Deslumbramento, de Keith Winter; e Santa Joana, ainda de Shaw. Bibi Ferreira enche-se de entusiasmo e monta peças bem intencionadas. É preciso ganhar o tempo perdido. É preciso. Todos sentem isto. Somente Jaime Costa tapa os ouvidos, fecha os olhos, amarra as suas próprias mãos e começa a gritar: “Dou ao público o teatro que êle quer”. Mentiroso! [...] Agita-se o país inteiro. Pascoal Carlos Magno volta da Ingla-

de se ver e o teatro brasileiro começa a subir essa ladeira, no tôpo da qual a gente vai encontrar o tempo perdido, que brincou de se esconder durante tantos anos. Procurem. Procurem.

Logo depois da temporada da turma liderada por Barreto Júnior no Teatro de Santa Isabel, uma intensa fase de concertos musicais e espetáculos de educandários, como o Vera Cruz, Escola de Comercio L. C. Smith, Agnes Erskine, Colégio Salesiano, légio Padre Felix, aconteceu naquele palco, além das sessões esporádicas do Teatro dos Bancários, Teatro Operário e Teatro Escolar. Depois de servir a estes espetáculos avulsos, ensaios e formaturas escolares, além de agora contar com o toilette das senhoras devidamente reformado, a substituição de algumas

Vestido de Noiva, pelo grupo carioca Os Comediantes

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madeiras atingidas pelo cupim (praga já devidamente erradicada do local), e a limpeza do grande lustre central, o Teatro de Santa Isabel recebeu no dia 15 de dezembro de 1944 a Companhia Brasileira de Teatro Musicado, do Teatro Carlos Gomes, do Rio de Janeiro. A equipe, apresentando em seu elenco o casal Danilo de Oliveira e Noêmia Soares, o ator João Fernandes e outros elementos das rodas teatrais cariocas, estreou com a revista Brasil Moreno. Chegou sob os auspícios do Serviço Nacional de Teatro para temporada até janeiro de 1945, com trabalhos como O Aparício Apareceu e Fora do Eixo. “A Companhia tem alguns artistas interessantes e suas montagens espetáculos do gênero leve, sucessão de quadros de dança, música e teatro”, como reforçou o Jornal do Commercio (24 de dezembro de 1944). Por tanta programação em sequência ininterrupta, o Teatro de cena durante todo o restante do ano.

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irigida pelo ator João Fernandes e tendo como destaque entre os seus vinte e cinco integrantes os atores Danilo de Oliveira,Vina de Sousa, Noêmia Soares,Artur Costa e Luana France, a Companhia Brasileira de Teatro Musicado, do Rio de Janeiro, continuou sua temporada no Teatro de Santa Isabel anunciando como primeira montagem a ser vista em 1945 a comédia em dois atos Aguenta, Fedegoso, concluída com um show em que participavam todos da equipe. Já com a revista Fora do Eixo, o conjunto ainda promoveu matinée a uma parceria com a Diretoria de Reeducação e Assistência Social, e sessão adulta depois, engatou nova montagem com a “atualíssima revista” Vai Ser de Colher. Naquele momento, a Festa da Mocidade,“certame universitário” promovido pela Casa do Estudante de Pernambuco, preparava-se para celebrar o Dia de Reis com uma programação bem convidativa: além da exibição de pastoris e mamulengos, o Teatro de Variedades contava com shows onde brilhavam Miss Baby, “a embaixatriz do swing e do fox”, a sambista Maria Garcia, e a dupla cômica Cardoni e Romanita, entre outros artistas. E já anunciava para os dias 11 e 18 de janeiro, respectivamente,“A Noite da Cidade”, quando o público iria descobrir “o cantor misterioso”, e mais uma tradicional “Noite das Senhorinhas”, com sorteio de brindes. O evento acadêmico no Parque 13 de Maio prestava homenagem ao prefeito Novais Filho, “amigo tradicional dos universitários”, segundo o jornal Folha da Manhã (4 de janeiro de 1945). De passagem por Recife e em viagem para a Inglaterra, onde iria assumir funções na secretaria da embaixada brasileira em Londres, o diplomata e escritor carioca Paschoal Carlos Magno foi convidado pelo Teatro de Amadores a proferir uma conferência voltada à mocidade, intitulada por ele de “Teatro do Estudante”, seguida da


Com renda da bilheteria revertida para a Casa do Estudante do Brasil, esta “festa de arte e cultura” com direito a conferência e espetáculo aconteceu numa segunda-feira, dia 8 de janeiro de 1945, no Teatro de Santa Isabel. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, era apresentada a peça Soldados da Retaguarda, de Valdemar de Oliveira e Hermilo Borba Filho, no Teatro Ginástico, com o elenco do Teatro do Trabalhador do Brasil, formado por operários de diver0 lugar – no

Paschoal Carlos Magno

apresentação da peça A Comédia do Coração, de Paulo Gonçalves, trabalho estreado pelo grupo pernambucano ainda em 1944 sob a direção de Zygmunt Turkow (naquele momento já trabalhando com o grupo Os Comediantes, no Rio de Janeiro) e “que tão grande êxito assinalou por ocasião de suas representações no ano passado”, como bem lembrou a Folha da Manhã (3 de janeiro de 1945). O jornalista Luiz Beltrão recordou ainda mais da montagem numa edição dominical da Folha da Manhã (7 de janeiro de 1945):

com a bôa vontade e os esforços dos principais dirigentes do departamento aristocrático do “Gente Nossa” [percebam a ironia no uso do termo “aristocrático”, ou seja, elitista, diferente do seu antecessor],Turkow conseguiu fazer verdadeiros milagres e apresentou, para um público entusiasmado, o mais soberbo espetáculo que os “Amadores” já nos deram.

Trabalho em 1944, ganhou direção de C. Francisconi. O crítico Mário Nunes escreveu sobre a obra em Folha da Manhã (14 de janeiro de 1945): Do ponto de vista teatro – ambiente, intriga, Soldados da Retaguarda, mas se conciderarmos (sic) que os autores a produziram atendendo a determinados propósitos – focalisar (sic) exaltando a politica social do governo Getulio Vargas e orientar a bôa vontade do operariado para um patriótico esforço construtivo – a Nossa primeira impressão foi a de que a intriga era ingenua, coniqueiro o texto, candidos os caracteres facilitando soluções imediatas dos confeitos, e ainda conversões miraculosas. Lembramo-nos, porem, logo em seguida, que Valdemar de Oliveira e Hermilio Broba (sic) não haviam escrito Soldados de Retaguarda para a classe letrada – perdôem a imodestia – mas para se tornar compreendida da massa


como todo o Brasil, gente que nunca terá ido ao Teatro ou que contará pelos dedos da mão as vezes que haja ingressado em uma sala de espetaculos... A êsse auditorio seus proprios problemas e as soluções adequadas devem ser apresentados singelamente, em linguagem acessivel e dentro do quadro das emoções primárias. Foi o que os outros conseguiram e mais dignos de elogio se tornam por não nais, mas a artistas improvisadas (sic), grupos de amadores, cuja formação o Ministro do Trabalho incentivará, junto a centros industriais, onde seja densa a população operária. Facil de representar e facil de compreender e assimilar, por seus conceitos e conclusões, no, ao instituir o Teatro do operario no Brasil, veiculo de mais intimo entendimento entre os dirigentes e os trabalhadores, empregados e empregadores. E’ uma obra de largas proporções e que se acha apenas em inicio, merecendo a atenção e o carinho dos nossos escritores teatrais, pelo muito que pode produzir em favor da tranquilidade e do bem estar de (sic) familia brasileira.

Mas o momento não era nada favorável a estar atrelado ao Governo. Tanto que uma campanha contra a ditadura de Getúlio Vargas crescia cada vez mais

de tarde, foi assassinado na sacada do prédio do jornal Diario de Pernambuco o estudante Demócrito de Souza Filho pela polícia do Estado Novo, que tentava

dissolver uma manifestação popular concentrada em frente àquele local contra os desmandos do governo getulista. O artigo “Diario de Pernambuco e sua formidável história”, presente no endereço eletrônico http://www.old.pernambuco.com/diario/historia. shtml (acesso em: 21 de março de 2015), revela o que mais aconteceu: No meio da multidão, tomba o carvoeiro Manuel Elias, também vítima dos disparos da polícia, que empastela o jornal. O seu redator-chefe, Aníbal Fernandes, um dos grandes nomes da imprensa brasileira, é preso, em companhia de outros jornalistas, e o DP passa mais de 40 dias sem circular, voltando às bancas por força de mandado de segurança concedido pelo juiz Luiz Marinho.

O caso contribuiu bastante para a derrocada de Getúlio Vargas naquele ano. Retomando o assunto teatral, logo após a permanência de Paschoal Carlos Magno no Recife, Valdemar de Oliveira seguiu para o Rio de o trabalho dos amadores cariocas, especialmente o grupo Os Comediantes. Destacando principalmente a precisão no trabalho de cenógrafos, costureiras, maquinistas e eletricistas, “senhores de todos os segredos da moderna técnica teatral”, ele chegou a desabafar no Jornal do Commercio (29 de abril de 1945): “[Somente] quando vi tudo isso é que compreendi toda a extensão do formidável esforço que é preciso despender, na província, para se conseguir alguma coisa na montagem teatral!”. Pensava ele, então, com qual produção iria abrir sua temporada de 1945, ainda mais ciente da redobrada responsabilidade do Teatro de Amadores a partir de então, em virtude do confora do estado.

Demócrito de Souza Filho

Continuando sua permanência no Teatro de Santa Isabel, a Companhia Brasileira de Teatro Musicado estreou, a 18 de janeiro, a revista pernambucana Qué Matá Papai, Oião?, de Luiz Maranhão e João Fernandes, musicada pelo maestro Nelson Ferreira e Sebastião Lopes, com aplausos da plateia. Mas, na retrospectiva do ano 1945, publicada pelo Jornal do Commercio (24 de janeiro de 1946), Valdemar de Oliveira lembrou que essa temporada de “revistas sem valor”, totali306


riados, além de distribuição de bombons à criançada. Ainda em fevereiro, Luiz Vidondo seguiu para o Rio

João Fernandes

guida, no Cine Encruzilhada, ainda em janeiro, a Companhia de Revistas João Fernandes (sem razão maior para a mudança de nome na equipe) atraiu um público mais popular para ver revistas como Fora do Eixo e Qué Matá Papai Oião?. Já o Departamento Cênico do Centro Educativo de Areias levou o seu Presépio de 1865, original dos Irmãos Valença, para apresentação no novo prédio da Prefeitura Municipal da cidade de

partir daí, foram longos os períodos em que nenhuma nota sequer na imprensa abordou a arte teatral, a não aquelas que, ainda que sob o título “Teatro”, divulgavam recitais, especialmente os da Sociedade de Cultura Musical, e declamações nos palcos do Recife. No entanto, ainda em fevereiro, no dia 4, o Grupo Infantil de Comédias, o único grupo de teatro verdadeiramente direcionado a meninos e meninas no Recife em 1945, reapresentou no Cine-Teatro Olinda do Feitosa, a partir das 14 horas, Quem Será o Palhaço?, texto de Waldemar Mendonça, líder do conjunto, com música de Lourival Santa Clara. Esta comédia carnavalesca em dois atos voltou àquele mesmo palco para homenagear o benemérito do grupo, o pintor João Pimentel. No elenco, Ana Borba, Maria Guimarães, Isabel Barbosa, Nadeje Albuquerque, Reginaldo Sousa, Humberto Neves, Maria Borba, Edvaldo Barreto, Angélica Oliveira e Jeanino Darcy.

De acordo com o jornal Folha da Manhã (4 de fevereiro de 1945), foi promovido ainda um Concurso pernambucana Lenita Lopes só recebia elogios por de Passo, “com premios de lança-perfumes, camisas sua atuação em O Mundo é Uma Bola, durante tem- esportivas e sapatos tênis”, além de um passa-tempo porada vitoriosa da Companhia Nacional de Comé- intitulado Valores Novos, com prêmio em dinheiro e a dias Barreto Júnior no Theatro da Paz, em Belém do possibilidade do vencedor integrar-se ao elenco do Pará, o “cast da PRA-8” preparava-se para apresentar o festival Parada de Ritmos no Teatro de Santa Isabel, do com “um ato variado a cargo de vários elementos a 1 de fevereiro de 1945, numa promoção da Rádio do Grupo, inclusive Elisabete Bezerra (A baianinha)”, segundo aquele mesmo periódico. Clube de Pernambuco. Já na Festa da Mocidade daquele ano, que adentrou o período carnavalesco, o destaque foi Vidondo e Seus Bonecos, com apresentações todos os domingos e fe-

De volta da sua viagem ao Rio, onde pôde fazer conferência sobre o frevo e o passo, além de “estudar o que de mais moderno existe em matéria de técnica 307


Folha da Manhã (11 de fevereiro de 1945), Valdemar de Oliveira trouxe consigo material cênico e elétrico para o Teatro de Santa Isabel, produtos de cabeleireiro e caracterização para o seu grupo, além de “um repertório de peças modernas”. A promessa de chegar em breve “um grande ensaiador” para o Teatro de Amadores ainda estava de pé. Mas no dia 24 de fevereiro de 1945, foi o Teatro dos Bancários quem retornou à cena com a peça Paço de Veiros, do escritor português Júlio Dantas, comemorando o segundo ano de atividade da equipe e a quarta apresentação da montagem, aqui tendo no elenco Eunice Torres, Milton Persivo, Hermógenes Viana, João Torres, J. Orlando Lessa e Romeu Wanderley. Desde a estreia em 1944, a peça completou seis representações no total. Em março, o Departamento Cênico do Centro Educativo de Areias levou para o palco do Centro Educativo de Santo Amaro a comédia A Minha Sombra, seguida de um ato de variedades. Em meados daquele mês, no Teatro de Santa Isabel, o casal de comediantes uruguaios Zelmira Daguerre e Hector Cuore, já elogiados por Valdemar de Oliveira em sua visita ao Rio de Janeiro, promoveu quatro récitas dos textos para dois personagens, Del Brazo y Por La Calle (De Braço e Pela Rua), alta comédia de Armando Moock, e Ciúmes, de Louis Verneuil. Os dois atores cômicos chegaram a convite do Teatro de Amadores, após passar por Porto Alegre, São Paulo

e Rio de Janeiro. Pelo jornal Folha da Manhã (25 de março de 1945), receberam ainda mais elogios por “tão profunda impressão [que] deixaram, no espírito de nossa platéia, por ocasião dos seus anteriores espetáculos”. A confraternização junto ao conjunto recifense aconteceu no Grande Hotel. A 26 de março, sob a presidência do interventor Etelvino Lins, o Teatro de Santa Isabel lotadíssimo serviu de palco para um encontro de vibração patriótica, com centenas de pessoas demonstrando apoio à candidatura do general Eurico Gaspar Dutra à presidência da República. Participaram representantes das “classes conservadoras, trabalhistas, liberais, estudantis, o comércio, a lavoura”, com delegações dos oitenta e quatro municípios do estado, de acordo com matéria de capa no jornal Folha da Manhã (27 de março de 1945). Cinco dias depois, a Grande Feira de Atrações, patrocinada pela Cruz Vermelha, também levou muita gente ao Parque 13 de Maio em sua abertura. Um dos grandes destaques da festa, a Companhia Brasileira de Comédias e Revistas, apresentou vários espetáculos no Teatro de Variedades, estreando com Meu Brasil! e O Aparício Apareceu. No local, de apelo bem popular, ainda funcionava o Parque Shangai, barracas de prenda, tiro ao alvo, pescarias e bares. A 1 de abril de 1945, o Grupo Infantil de Comédias voltou à cena com O Martir do Calvário, no Cine-Teatro Olinda, do Feitosa, numa adaptação de Waldemar

Teatro de Santa Isabel em um de seus encontros políticos

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Mendonça para os três atos e dez quadros da conhecida peça (em cenas como Entrada em Jerusalém, A Ceia, Jardim das Oliveiras, Synhedrio, Calvario, Santo Sepulcro e Ressurreição). A direção artística era do próprio Waldemar Mendonça, com cenários do pintor João Pimentel, controle de som de Artur Magalhães, serviços de modelagem e carpintaria de Lídio Guimarães e maquinaria de Josafá Pereira. Sem modéstia alguma, o jornal Folha da Manhã (1 de abril de 1945) propagou: “A apresentação dessa peça religiosa por um grupo de crianças constitui um grande acontecimento verdadeiramente inédito em todo o Brasil”. Já o Grupo Cênico do Centro Educativo Operário de Areias levou ao bairro de Santo Amaro uma comédia – sem título divulgado – e um ato de variedades com Sizenando Pavão, Basto Júnior, Amaro Brito, Eglantine Cunha e Irma Maria, entre outros. O Círculo Operário do Recife, associação trabalhista de orientação católica, comemorou a 22 de abril de 1945 o sexto ano de sua existência. O encerramento da programação festiva na sede do Núcleo do Prado, no bairro da Madalena, contou com apresentação do Grupo Cênico Circulista nas comédias Resposta e O Azar da Mascote, seguidas de um programa de variedades. Enquanto isso, a Grande Feira de Atrações chamava a atenção da imprensa e do enorme público que ia ao Parque 13 de Maio. Arí Guimarães e Artur Costa animavam os shows no Teatro de Variedades, com artistas como Maria Aparecida, Geraldina Pôr-

to, Naja Rodrigues e Claudionor Germano cantando músicas populares, Laurita del Campo entoando tangos, Zé Viola, as duplas infantis Valter e Lenita e Niná e Nenzinha, o ventríloquo Cintio Cilaio com seus bonecos, e o conjunto musical Ases do Ritmo. Nas matinées infantis, brindes às crianças. Mas o maior destaque do evento naquele momento foi mesmo a peça Inimigo das Mulheres, com a Companhia Brasileira de Comédias e Revistas, na atuação de Danilo de Oliveira, Noêmia Soares, João Silva, José Godoy, Vina de Sousa e René Godoy.

O conjunto musical Ases do Rítmo

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Mesmo com tรฃo poucos espetรกculos teatrais a ofe-

e Capricho -

-

Dรกgua

A Gota -

Capricho

-


Capricho

do de sua passagem pela cidade, ou confeccionado

vingny, induzindo-o a aceitar a carteira, como

para posterior doação a instituições de caridade, seguindo decisão da maioria.

este concorda em trocar a antiga carteira pela nova, é informado da verdade. O marido então arrepende-se de suas traições e extravagâncias.

No livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) (2011, p. 153.), Luiz Teixeira, no Jornal do Commercio (1 de maio de o pesquisador Antonio Edson Cadengue descreveu o 1945), foi responsável pelo primeiro escrito crítico a pontuar o resultado da montagem: enredo da peça Capricho: Capricho (Un Caprice), de Alfred de Musset (1810-1875), mostra um marido donjuanesco, M. Chavingny, que recusa uma bolsa para moedas que sua esposa Matilde lhe presenteia; amiga, Madame de Léry, que resolve ajudá-la: M. Cha-

O Teatro de Amadores ofereceu, ontem, no “Santa Isabel”, a público numeroso, espetáculo de inteligência destinado às platéias que buscam o conteúdo provocador das elevadas e duradouras emoções em lugar dos limites simplesmente diversionais ou – descendo à verdadeira expressão – grandemente corrup-

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Interior

toras, isso muito – e infelizmente – na preferência da maioria dos espectadores. Constituiu a sua apresentação de ontem, sob as credenciais de três valorosos nomes literários, acontecimento artístico de sublinhado mérito. Foram representadas Capricho, Interior e A Gota DÁgua – peças em um ato, de autoria, respectivamente, de Alfred Musset, Maurice Maeterlinck e Henry Bordeaux. Teve, assim, o público recifense elogiável espetáculo construído, na sua maioria, por notáveis poetas. Audacioso empreendimento, êste, do Teatro de Amadores. A poesia, o romantismo, o sentimento de quasi nada ou mesmo de coisa alguma valem no instante que passa. O momento é da ventura e não da glória dos tempos. Agora, ninguém morre, na “aurora da vida”, de tísica e de idealismo. É prosaico – dizem, Hodiernamente, a vida está prolongada. Morre-se de indigestão e

existir o Amor e a Dôr, essa geminada tortura inspiradora. Do espetáculo de ontem, dou a minha preferência à enternecedora Capricho, de Musset – o meigo autor de On Ne Badine Pas Avec L´Amour, onde o famoso poeta francês deposita muito do seu espírito e da sua paixão por Sand – a mulher genial que o vergastou de amarguras, no seu amor voraz. A Gota DÁgua, de Bordeaux, é uma comédia contendo que aborda a vida conjugal quando mal sentida, bastando-lhe, muitas vêzes, para a dissolução um simples mal entendido. Leve, dialogada to. Desempenharam-na, satisfatoriamente, senhora Diná Rosa Borges de Oliveira, senhorinha Geninha Sá e senhores Valter de Oliveira e Alfredo de Oliveira. Também o dr.Valdemar de Oliveira tomou parte na representação, dando-nos trabalho de franca aceitação. Medido, das atitudes. Interior indica, sem dúvida, quem a produziu. Nela está Maeterlinck na conduTôda a expressão literária reside no Velho – ótima realização do snr. Adelmar de Oliveira. – o sono indiferente – a felicidade pelo “não maior parte da platéia não recebeu em cheio a viva emoção que se contém na obra de Maeterlinck. O Teatro de Amadores deu condigna montagem às peças representadas no seu delicado espetáculo de ontem.

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Após as duas primeiras sessões no Teatro de Santa Isabel, com lotação esgotada, e aproveitando a não Alma Flora (dirigida por Salú Carvalho e que desde setembro de 1944 programava-se para vir ao Recife, mas sempre com adiamentos), o Teatro de Amadores realizou uma terceira récita de A Gota Dágua, Interior e Capricho, no dia 8 de maio de 1945, uma terça-feira, a partir das 20h30. O cobrador Jorge Caldas mantinha lista para assinantes interessados, além da venda de ingressos para o público em geral na Perfumaria Oriental. Desta vez, Hermilo Borba Filho pôde lançar suas impressões no Jornal do Commercio (13 de maio de 1945): O Teatro de Amadores começou bem a sua a temporada deste ano, com um programa original: a encenação de três grandes peças em um ato. Além de oferecer um espetáculo que fugiu ao modelo clássico – montagem de peças que têm três atos – o conjunto pernambucano introduziu mais duas inovações: ilustração musical antes de [se] abrir o pano para as representações e a retirada da “caixa que já se tornou bastante conhecida, ganhou em veracidade, em perspectiva, fugindo ao convencional, dando mesmo uma sensação agradável de evolução que não é outro o papel desse grupo de amadores. A primeira peça a ser representada foi A Gota d’Água, de Henry Bordeaux. Escrevendo para o grande

público, Bordeaux deu-nos, entretanto, uma boa peça, muito humana, muito cotidiana, que nas mãos de um Armando Gonzaga qualquer seria transformada numa autêntica chanchada. A grande peça da noite foi, porém, Interior, de Maurice Maeterlinck, apontada pela crítica mundial como uma obra-prima do teatro moderno, uma peça que tem em si todas as características da conhecida teoria exposta pelo autor: “O dramaturgo devia tentar a criação de uma atmosfera, seguir a baixa e a alta das correntes espirituais da alma, nos momentos em que ela está debaixo do controle do subconsciente, momentos de êxtase, de alegria silenciosa e pausas luminosas.” Pausas, sobretudo, o que me parece ser a única coisa que faltou na versão dada pelo Teatro de Amadores. Teatro de contraposição ao teatro naturalista de Becque, Brieux, etc., o de Maeterlinck sugere pressentimentos e angústias crescentes. Joga o homem diante do enigma da existência, mesmo que não o resolva, explorando o trágico cotidiano, como nesse notável Interior, em que os personagens decorativos chamam toda a atenção da plateia, sem falar porque, como diz o Velho, “ninguém pode fechar as portas à desgraça. Ninguém pode detê-la.” Carregada de força poética, de uma remota beleza, tecidas Interior é uma grande realização artística do conjunto pernambucano que soube compreender não existir nela a ação exterior, mas a retração da alma e a criação da

A Gota Dágua

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outras peças iguais a Interior e o teatro dirigido por Valdemar de Oliveira terá alcançado a Capricho, de Alfred de Musset, encerrou o espetáculo. Foi a melhor interpretação da noite, aliada a uma esplêndida montagem e a um guarda-roupa corretíssimo. A peça exprime bem a época em que foi escrita, no período romântico do teatro francês.

temporada; Berenice, de Roberto Gomes, A Vergonha da Família, de C. Cariola, com tradução de Joracy Camargo, Os Milhões do Tio Pedro, de Manoel Nóbrega, Das Cinco às Sete, de Renée Castro e Joracy Camargo, e Dona e Senhora, de Pondal Rios e C. Olivari, com tradução de José Wanderley.

Mas a equipe de maior ocupação em temporada no Recife durante o ano de 1945 foi a carioca Iracema de Alencar e Sua Companhia de Comédias, a partir de 7 de julho, com trinta e cinco apresentações “entre algumas peças inferiores”, na opinião exposta de Valdemar de Oliveira no Jornal do Commercio (24 de janeiro de 1946). Constaram nas opções, com sessões diárias (excetos às segundas-feiras), às 20h15 e em vesperais pontuais às 15 horas, A Mulher Que Veio de Londres, de Suarez Deza, com tradução de J. Almada, que abriu a

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No dia 10 de agosto, o Teatro de Amadores estreou, no mesmo Teatro de Santa Isabel, seu segundo espetáculo de 1945, O Homem Que Não Viveu, comédia satírica do francês Marcel Pagnol, sob direção de Valdemar de Oliveira, lançando o nome do autor no Recife. O site www.tap.org.br (acesso em: 19 de fevereiro de 2015) descreve:

Marcel Pagnol

Há, em Jazz, uma mistura inteligentíssima de da, o seu principal encanto. Apresenta a história de um professor que se dedica ao estudo e à pesquisa de um papiro grego. Posteriorfalso. O professor, evidentemente, constrangido com a situação cai em profundo desanimo (sic). Uma visita inesperada, que é a sua própria consciência, representada por um jovem rapaz, procura alterar sua vida e passa a incitá-lo a recuperar o tempo perdido. Apaixona-se por uma aluna com quem se casa. Tudo leva à dedução que a aluno (sic) se casa mais por piedade. Em pouco tempo o abandona por um colega que a convence de ter tomado um caminho errado. Novamente vendo-se sozinho, volta a receber a visita do jovem que o impulsiona a procurar nova vida, novos horizontes, mesmo carregando o drama de ter sido enganado. Resiste aos apelos do “jovem”

O Homem Que Não Viveu

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e volta aos livros. A “consciência” sentindo-se derrotada em seus argumentos, em sua luta, termina abatendo-o com um tiro.

A peça recebeu pouca atenção crítica nos jornais do Recife. O Jornal Pequeno (11 de agosto de 1945) foi um dos poucos a destacar algo mais na segunda representação da obra: “A escolha da peça vale por si só [...] apresentada, agora, com absoluto rigor [...] A montagem, realizada pelo serviço técnico do Santa Isabel, inda obra de Marcel Pagnol, cujo título original é Jazz, foi feita por Valdemar de Oliveira tendo autorização da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, sendo ele próprio o representante da instituição no Recife. Foi uma pequena temporada, de apenas duas noites e uma vesperal à tarde. No elenco, Maria de Lourdes de Oliveira, Vicentina Freitas do Amaral, Alderico Costa, Walter de Oliveira, Antônio Brito Miguel, Valdemar de Oliveira e Hermilo Borba Filho, este último o combate à Valdemar de Oliveira não lhe poupou elogios em sua coluna no Jornal do Commercio (25 de agosto de 1945): “O seu trabalho é admirável, como desenho de tipo, atitudes, verdade artística”. Três dias depois, uma nova apreciação crítica sobre a peça apareceu, desta vez no Jornal do Commercio (28 de agosto de 1945), tendo a assinatura de L. T., Luiz Teixeira:

Na interpretação de ontem, fazendo Blaise, Hermilo Borba Filho apresentou desempenho de alto nível. Foi, com realidade, o velho professor desencantado pelas superfícies, integrado à profundidade do pensamento, onde se inoculam as raízes da vida, em busca das supremas belezas. Ótimo intérprete pela clareza e acêrto da dicão (sic), pelas transformamultos enormes e contínuos do seu espírito. A senhora Maria de Lourdes Oliveira, com o concurso do seu físico delicado, auxiliada pela entonação suavíssima da voz, incumbiu-se da Cecília, a discípula que desencadeou sôbre o velho mestre o incontido romance de um amor impossível. Expressiva, meiga, sincera no seu desempenho. Como característico, o dr. do dispensando referências. Contentou no “Barricant” – os Barricants, em geral, têm o estômago dilatado... – não deu marcante inpsíquica. Na “Melânia”, a senhorinha Vicentina, de quando em quando, transporta o espectador ao Oriente... A platéia... Às vezes, dava a impressão de confundir Marcel Pagnol com Paulo Magalhães e O homem que não viveu – Pensão da dona Stela, a mais canalha das obcenas (sic) comédias que tenho assistido e grande público aplaudido...

O Homem Que Não Viveu

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fase do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), iniciada ainda em 1943 por estudantes acadêmicos, especialmente da Faculdade de Direito do Recife. Se na primeira fase, em 1940, pôde-se ver a montagem do texto adulto 1830, de Paulo Gonçalves, no Teatro de Santa Isabel, sob direção de Raul Prysthon, com breve orientação de Valdemar de Oliveira, nesta segunda fase, reunindo alunos de faculdades e colégios que tentaram arrecadar fundos para a Campanha do Ginasiano Pobre, sob coordenação de Felipe Gomes, somente peças adultas foram levadas para os Centros Educativos Operários pertencentes ao Serviço Social Contra o Mocambo, do Governo do Estado, além de cidades como Moreno, Caruaru e João Pessoa. Entre os espetáculos do período, com diretores como Raul Prysthon e Gerson Vieira contratados, estavam Um Escorrêgo, O Presente de Noiva, O Médico de Cabrobó e Era Uma Vez Um Vagabundo..., sempre de canto e humor. Todas estas peças foram consideradas de baixo valor artístico por Hermilo Borba Filho, que não concordava em levar às camadas mais populares espetácu-

los desse nível. No dia 12 de setembro de 1945 ele pronunciou uma palestra no Rotary Clube do Recife expondo seus pontos de vista em O Teatro: Arte Popular, teatro das camadas mais populares. Presente na ocasião por ser rotariano, Valdemar de Oliveira refutou grande parte das ideias do orador, argumentando não julgar o teatro como arte popular. O livro Por Um Teatro do Povo e da Terra – Hermilo Borba Filho e o Teatro do Estudante de Pernambuco (1986, p. 102.), de Luiz Maurício Carvalheira, deu mais detalhes do ocorrido: E esclarece [Valdemar de Oliveira]: “ele pode de beleza na vida do povo, porém não vive para o povo”. Hermilo responde com o exemplo de García Lorca. Mas o presidente do TAP insiste: “As grandes obras teatrais são feitas para a elite”, o teatro sendo “um elemento cultural, de educação, um vínculo de novos conhecimentos e de novas idéias e não uma arte popular”. O orador novamenuma arte popular, basta lembrar que nasceu nas festas populares”.

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Borba Filho fez uma conferência no Gabinete Português de Leitura para estudantes da Campanha do Ginasiano Pobre durante a 2ª Semana de Cultura Nacional. Desta vez, ainda mais consciente de suas posições, assumiu o tema Teatro: Arte do Povo. Foi lá que ção do TEP em nova fase, agora distante das peças de baixo valor artístico e com a promessa da construção de um palco itinerante para circular pelos subúrbios do Recife. Em novembro, no Ginásio da Madalena, entre estudantes para a escolha dos futuros atores que iriam representar para o povo nesta nova fase do Teatro do Estudante de Pernambuco, um movimento cultural que se pretendia mais abrangente do que apenas a apresentação de espetáculos. Vale salientar que, em 1940, numa vinda de Paschoal Carlos Magno ao Recife, sendo ele o criador do Teatro do Estudante do Brasil (TEB) em 1938, Hermilo Borba Filho já havia sugerido aos universitários pernambucanos a criação de um grupo teatral. Isso (re)aconteceu em 1946.

nal do Commercio (24 de janeiro de 1946). Na realidade, a peça A Pensão de Dona Stela, de Bastão Barroso, integrou o festival de uma das atrizes da equipe, a veterana Lélia Verbena, no dia 8 de setembro de 1945. A estreia da temporada aconteceu com Sansão, de Viriato Corrêa, que não foi bem recebida pelo crítico C. L. no Jornal Pequeno (20 de agosto de 1945): Barreto Júnior estreou, sábado, no Santa Isabel. Se a casa cheia e aplausos fossem documentos, poderiamos dizer que foi uma “première” auspiciosa. No entanto, isto não é bem verdade e de qualquer modo, ainda temos que dar satisfação á Estética. E, levando a coisa para êsse lado,

Enquanto isso, o planeta, entre agosto e setembro, viu nhamento político e a estrutura social mundial. Bem riso, no dia 18 de agosto de 1945, Barreto Júnior voltou ao Recife depois de uma turnê vitoriosa pelo restante do país e iniciou temporada no Teatro de Santa Isabel com um velho repertório de “pensões de dona Stela”, segundo crítica de Valdemar de Oliveira no Jor-

Hermilo Borba Filho

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não se pode dizer que foi um sucesso a peça encenada. Mesmo porque ela em si mesma, é já um fracasso completo. Assim, o primeiro êrro de Barreto, segundo nos parece, foi tê-la escolhido para encenar. Daí sairam de um modo geral todos os subsequentes fracassos. A falta de espirito do autor gerou a necessidade da padiálogos, es (sic) enxertos de última hora. De qualquer maneira, Barreto Junior esteve como sempre: senhor do palco, desembaraçado, espirituoso. Também não lhe esteve atrás Lenita Lopes. Pena é que alguns tenham teimado em decorar papel, como ator de colégio de freira. Lenita Lopes

Em sequência, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior levou à cena um de seus maiores sucessos, O Sindicato dos Mendigos, de Joracy Camargo, que também ganhou curiosa apreciação pelo crítico C. L. no Jornal Pequeno (24 de agosto de 1945): Nenhum meio se nos assemelha tão propício para a luta anti-alcoolica no Brasil que o teatro. Sem dúvida que esta não foi, até agora, a arma mais usada. Seria interessante que fôsse. Esses “slogans” pregados em tetos de bondes, postes e paredes, bem como frasezinhas radiofônicas é que não dão certo. Como não dá certo, de resto, a própria “lei seca”. Os Estados Unidos estão aí para provar. Com o teatro, contudo, a coisa é diferente. Ali é a própria vida que penetra de olhos a dentro, nas suas tragédias. E isso impressiona muito. Ninguem quer ser palhaço[.] Só o tarado[.] E o bêbedo é sempre um palhaço. Na vida e so-

O Sindicato dos mendigos que Barreto Junior está levando no Santa Isabel parece ser o início dessa nova campanha. Joraci Camargo, que tanto tem combatido, com felicidade, nossos êrros mais, uma vez acertou.

No elenco de O Sindicato dos Mendigos, Osvaldo Barreto, Lenita Lopes, Carlos Garcia, Augusta Moreira, Esmeraldo Matos, Hamilta Rodrigues, Luiz Carneiro, Elisa Matos, Osvaldo Rocha, Lélia Verbena, Carlos Barbosa e Barreto Júnior. A temporada seguiu com A Mulher Que Passa..., de Edgar Proença, Tudo Pelo Amor e Canário, ambas de José Wanderley e Mário Lago, A Flor da Família, de Paulo Magalhães, O Amigo Tobias, de Brandão Sobrinho, Pertinho do Céu, de José Wanderley, e O Outro André, de Correia Varela, entre outras. Ainda no elenco da companhia, Gaspar Brandão. No total, vinte e cinco récitas foram oferecidas com grande sucesso de públi-

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Hamilta Rodrigues

Osvaldo Barreto

da, do espanhol Alejandro Casona, também sob direção de Valdemar de Oliveira, com direção musical do maestro Felipe Caparrós, espanhol radicado no Recife. No elenco, Hercí Lapa de Oliveira, Diná de Oliveira (como protagonista), Denise Albuquerque, Geninha Sá, Eunice Catunda,Vicentina Freitas do Amaral, Valdemar de Oliveira, Walter de Oliveira, Alfredo de Oliveira, Alderico Costa e seis estreantes no grupo, Otávio da Rosa Borges, Elaine Cavalcanti Soares, Mário Fernando Alves de Melo, Maria da Glória Carvalho, Bebé Fernandes Salazar e Jovelino Selva.Valdemar de Oliveira estava exultante com o resultado a vir. Eis o que escreveu bem antes no Jornal do Commercio (14 de setembro de 1945): co. Já na segunda semana de setembro, no Parque 13 de Maio, foi inaugurada a IX Festa da Mocidade, com o Parque Shangai e o Teatro de Variedades como grandes atrações. Neste último,“com a cooperação de elementos do maior destaque nos meios radiofônicos, teatrais e de bailados clássicos”, conforme o Jornal do Commercio (21 de agosto de 1945), participavam o Ballet Eva Stacchino, com “8 girls”, incluindo Léa Forest, a dupla Joel e Gaúcho, as sambistas Zaíra Cavalcanti, do Teatro Recreio, do Rio de Janeiro, e Mirna Layo, a soprano ligeiro Lourdinha Bittencourt, do carioca Cassino da Urna, e o transformista e imitador de “estrêlas” Jan Grande. A apresentação do Teatro de Variedades era do animador Zé Pipoca.

6 de outubro, foi a vez do Teatro de Amadores lançar sua terceira montagem de 1945, A Dama da Madruga-

Nenhuma é mais “teatral”, no exato sentido em que se deve compreender êsse têrmo: no sentido da perfeita comunhão entre o enredo e ação, entre a essência e a forma, no limite ca. [...] O grande público que andou a apontar O homem que não viveu como a peça mais “contundente” dos Amadores, nos dirá, pela

Alejandro Casona

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sua frequência e pelo seu aplauso, a impressão que lhe deixou A dama da madrugada. [...] Tenho a impressão de que o Teatro de Amadores atingirá [...] um clímax em sua trajetória artística.

cionados a partir dos desenhos de Matos Siqueira seguindo não só as indicações das rubricas da peça, esclareceu Valdemar de Oliveira ainda no Jornal do Commercio (23 de setembro de 1945): Casona enviou-nos [...] quatro ou cinco folaridades de cena, além de indicar o melhor mobiliário e de esclarecer os pertences de cena caracteristicamente regionais. São essas fazem o equilíbrio do conjunto e lhe dão a unidade indispensável à construção da atmosfera que envolverá o desenrolar da ação.

Oriental, local onde também havia venda antecipada de Jornal do Commercio -roupa da guarda-roupa da A dama da madrugada é o mais luxuoso já apresentado pelo Teatro de Amadores, sendo muitos os efeitos de luz que emprestarão um brilho só comparável ao das representações da A Comédia do Coração”. A montagem, autorizada pelo pró45”, conseguiu o grande feito de nove récitas naquele ano até o mês de dezembro, sendo duas delas em

vesperal e com preços reduzidos. Recebeu aplausos calorosos das plateias e algumas considerações à parte da imprensa. Luiz Teixeira, por exemplo, salientou problemas na dramaturgia. Eis o que escreveu para o Jornal do Commercio (9 de outubro de 1945): Exigidas, na sua plenitude, as características impostas pela rotina para evidenciar irrestrita condição de obra teatral, A dama da madrugada, ontem representada pelo Teatro de


A Dama da Madrugada

ressalte, persistência de ação. Nela, são vários os instantes amortecedores do movimento – sobrepujando-o o diálogo. Nada obstante carecida daquela intensidade ascencional de andamento cênico encontrada em Ciclone, de Somesert (sic) Maugham, sôbre a qual o interêsse da platéia não padece o prejuízo da descontinuidade, a peça de Alejandro Casona constitue (sic) espetáculo de contagiante emoção – podendo aparecer entre as melhores do teatro contemporâneo. O autor da A dama da madrugada – estranha, pelo seu simbolismo, mas profundamente humana – está liberado do classicismo, dos ajustes da técnica sancionada pelo hábito, preferindo criar dentro da evolução artística da época presente a permanecer estático nos moldes, por mais ilustres que sejam, do passado. [...] destacou-se, no particular [da] interpretação, a presen-

ça da snra. dr. Waldemar de Oliveira, a quem Nesta personagem, Alejandro Casona objetiva o mistério da Morte – sem inspirar terror, mas até se fazendo desejado... “Peregrina” é possível de ser interpretada somente por quem se autor e que possua mérito artístico capaz de comunicar à platéia o aspecto marcante da snra. dr. Waldemar de Oliveira. A imobilidade da sua “máscara” por vezes – insinuando formas apenas recordadas – sugeria o silêncio, as trevas, a algidez das coisas mortas... Alguns dos seus olhares faziam-nos acompanhá-la para as distâncias do tempo e os longínquos longe. [...] Em “Peregrina” o vestuário não é minúcia desprezível, sim fundamental. Vestida

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A Dama da Madrugada

como aparece na representação [...] lembra religiosidade. Fôsse-me permitido, eu aconselharia a côr branca ou o prateado que com muita propriedade empregou a snra. dr. Waldemar de Oliveira no penteado – prateado sem brilho o mais quanto possível embaciado. “Adela” foi a incumbência da senhorinha Geninha Sá – valor dos mais altos no elenco ilustre do Teatro de Amadores. É conhecedora dos efeitos de transição – convencendo quando na exteriorização dos sentimentos. “Angélica” – papel contando arestas perigosas – encontrou poderosa intérprete na senhorinha Maria da Glória Carvalho. [...] com legitimidade na angústia, no sofrimento, no desespero de saber a profundidade do abismo moral no qual se perdera – voragem que ela mesma buscara para a própria absorção. Legítima ainda quando sob a serenidade que

lhe proporcionava a visão do caminho sem dimensões, sem côr, sem nome[.] O caminho da libertação, a que se convencionou chamar Morte! [...] Maria da Glória Carvalho – sensibilidade e inteligência – respeitosa e entusiasticamente, aperto-lhe as mãos! O snr. Otávio Rosa Borges foi um Martinho com propriedade. Esplêndido, principalmente quando nos arroubos do homem rude. Causou-me magde Oliveira, no “Avô”. É, em verdade, uma excelente sensibilidade. A senhorinha Denise Albuquerque, como sempre, intérprete que satisfaz. Pena que, no primeiro ato, o seu pesar pelo desaparecimento de Amélia tenha sido tão convencional. Os menores Elane Cavalcanti Soares e Mário Fernando Alves de Melo – duas inclinações que muito prometem. [...] Mereceu a melhor atenção do

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Teatro de Amadores a montagem da peça de Alejandro Casona. Cenário único e de ótimo efeito. Guarda-roupa característico. A dama da madrugada – bonito espetáculo para os que ainda podem dar à poesia a recompensa dum sorriso, ou melhor, duma lágrima.

Ainda no Jornal do Commercio (11 de outubro de 1945), o escritor Lucilo Varejão fez somente elogios: Essa formosa peça que o Teatro de Amadores acaba de levar – A dama da madrugada – é qualquer coisa de revolucionário, não somente do ponto de vista das idéias como na maneira hábil de criar-lhes uma relação sensível. Custa-se a crer que fora do acervo imenso de tantas situações já examinadas em todos os sentidos, ainda exista um autor que vá descobrir um assunto inteiramente novo e de tão absoluta veracidade, realizando uma peça que se inclue (sic) na categoria daquelas raríssimas, das quais dizia o “expert” Sarcey que a gente vê e não esquece mais. Mas não somente na novidade do entrecho está a vitória dêsse grande escriuma morfologia especial – diferentes mesmo dos tipos espanhóis que conhecemos, através das centenas de peças e romances com que temos travado relações. [...] Peça melancólica que talvez não agrade aos espíritos levianos ou indiferentes, ela se impõe todavia logo aos primeiros contactos pelo seu conteúdo talhado em bronze e em pedra. Pesar do seu diálogo

por vezes estático, pesar do seu localismo absoluto (a ação decorre mesmo numa vaga aldeia asturiana) a peça de Casona comove e arrebata. E a apresentação que lhe fez o Teatro de Amadores superou a tudo quanto se poderia imaginar. Pode-se dizer sem exagero que entre as peças apresentadas por esse grupo, sempre tão cuidadas, esta dagora merece a glória de ser a primeira.

O poeta Austro-Costa, por sua vez, só encontrou gem, escreveu também para o Jornal do Commercio (23 de outubro de 1945):

estou a sentir ‘como uma pedrada nos olhos’, a estranha, a diferente, a inefabilíssima comoção que me foi assistir à A dama da madrugada. [...] Duma coisa estou inteirado: a homogeneidade do vitorioso conjunto teatral pernambucano. À sombra dinâmica e animadora de seu ilustre diretor, a emulação do grupo é fato que conforta e desperta entusiasmos. Cada espetáculo é nova sementeira de triunfos, e arrancada melhor para o mais alto e o mais perfeito. Daí mentos principais do elenco, aquêles de mais brilho ou projeção, pois todos, ou quase todos, se projetam com luz própria e Bem haja, pois, a inteligência e o virtuosismo dêsse punhado de sonhadores, mas de sonhadores da Beleza, sem snobismos farfalhantes

A Dama da Madrugada

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A Dama da Madrugada

nem requintes pedantescos! A dama da madrugada é peça de que, para se falar bem e certo, só se voltando a ver, pois a surpresa da primeira nos aturde, esmagadoramente. [...] Cada palavra é uma sugestão de parábola, cada frase – um poema de mistério, alegórico ao derredor da Noite, das Águas, do Amor e da Morte... [...] O conteúdo poético e o amor ao “símbolo” de que se reveste A dama da madrugada situam o seu autor, ao meu ver; nos altiplanos onde fulgura a obra dum Maurice Maetterlinck (sic). A estranha peça do escritor asturiano: original sem ser futurista,“misteriosa” sem ser hermética, encerra, porisso (sic) mesmo, e por que (sic) a poesia é o seu forte e o seu clima, algo de liricamente empolgante a vinculá-la à dramaturgia por assim dizer metafísica e poéti-

ca do extraordinário belga de Pássaro Azul. Mas também se vislumbram em Alexandre (sic) Cata Garcia Lorca.

Naquele mês, muito também por conta da participação do Brasil na II Guerra Mundial, que contribuiu para a desarticulação do regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, um golpe de estado afastou o ditador do poder, deposto no dia 29 de outubro de 1945. Era o ticas, no teatro visto no Recife em 1945 é importante ressaltar ainda a atuação do Teatro dos Bancários, com O Paço de Veiros, de Júlio Dantas, que estreada ainda em 1944 celebrou o segundo ano de atividade da equipe, e A Morgadinha de Val-Flor sentados no Teatro de Santa Isabel, com ingressos a preços populares. Neste último espetáculo, participavam os atores Reginalda Luna, Eunice Tôrres, Doraci na, Jovelino Selva, J. Medeiros, Beroaldo Guimarães e

artes cênicas, no entanto, era comum atores, cantores ou humoristas realizarem festivais em benefício, cio das obras da Matriz de São José, artistas amadores


apresentaram o drama Zélia, de autor e diretor não divulgado, seguido de um ato de variedades. O festival foi encerrado com a “Festa das Nações”.

mercio (18 de dezembro de 1945). O Cura de Aldeia, de Carlos Arniches, traduzido por Restier Júnior, foi outro trabalho apresentado, com destaque ao ator Arnaldo Coutinho, além de Gente Honesta, de Amaral Gurgel.

A 1 de dezembro de 1945 o Teatro de Santa Isabel foi Dos espetáculos avulsos também programados naCernisenko), “a Mulher Demônio e Sua Companhia”, quele ano, destaque para o do Centro de Cultura Is“única mulher mágica do mundo”, como ela mesma se raelita, Jacó, o Matuto; Milton Faris, com a revista Noite divulgava, com sua companhia de arte ilusionista for- Tropical em duas sessões; Artur Costa, defendendo-se mada por quinze artistas. Com os espetáculos Maravi- com A Tia Brígida; o Colégio Hebreu-Brasileiro, com lhas de Todo Mundo e Sonhos Orientais, foram realizadas o drama Tehuda Amakabi; a Associação da Mocidadez sessões no Recife, inclusive em matinal dominical, de Evangélica, que encenou O Amigo da Paz; Antolin às 10 horas, para crianças. Numa segunda-feira, 17 de Garcia, que montou Pense Alto!; e o Departamento de dezembro de 1945, estreou no Teatro de Santa Isabel Educação, que produziu três espetáculos de revistas a Companhia de Comédias Alma Flora, dirigida por escolares com o seu Teatro Escola. Com tudo isso Salú Carvalho, que adentrou o ano de 1946 com mais somado, o público recifense pôde desfrutar de 141 de duas dezenas de espetáculos apresentados. O lan- exibições teatrais no ano de 1945, das quais trinta e çamento da temporada se deu com a peça argentina sete foram oferecidas por conjuntos locais. Em dança, Serão Homens Amanhã, de Darthes e Damel, com tra- vale destacar o espetáculo As Melodias de 1944, com dução e adaptação de Armando Lousada, “verdadeira alunas de danças clássicas da professora Betsy Gajóia teatral”, na opinião do crítico M., do Jornal do Com-

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do Cine Boa Vista. No término do ano, Valdemar de Oliveira continuou a reclamar a necessidade de uma nova casa de espetáculos na capital pernambucana. Na retrospectiva teatral que fez de 1945, publicada no Jornal do Commercio (31 de janeiro de 1946), ele relatou o quão difícil era aquela situação: 230 vêzes abriu, o Santa Isabel, suas portas, durante o ano de 1945. Como de costume, para servir não somente às coisas de arte, mas, também [...] formaturas escolares, sessões cívicas e comícios políticos. O mais barato dos teatros do Brasil, às suas portas vão bater particulares e instituições de tôda a ordem, para realizar festas e festinhas, que, com seus respectivos ensaios, põem em dobadoura a direção do Teatro. Além das exibições musicais e teatrais a quem me referi [...], deveremos citar, ainda, os recitais de declamação de Vilma Stamato, os shows do U.S.O. (7), os programas do Sindicato de Fia-

ção e Tecelagem, do Sub-Comité Russo, da Legião Brasileira de Assistência, do Grupo Escolar Manuel Borba, da ilusionista Cleópatra, (18), das Vocações, das Igrejas Protestantes, dos Funcionários Públicos, dos Centros Educativos, das Faculdades e Colégios, etc. – muitas dessas funções superlotando o Santa Isabel, que se vê a braços com pesados encargos de conservação do edifício e do seu mobiliário. É possível estabelecer uma média de frequência de mil espectadores, cada vez que o velho teatro abre suas portas. Isso quer dizer que 230 mil pessoas frequentaram o Santa Isabel, em 1945. [...] A sobredia, quando se compreender que, para satisfazer as exigências de uma cidade como a nossa, não basta um único Teatro, sobretudo quando os cinemas se mantêm fechados aos espetáculos teatrais e as poucas salas de concêrto que vão surgindo, ainda não satisfazem.

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A

primeira grande notícia sobre o teatro pernambucano foi publicada logo no primeiro dia de 1946, pelo Diario de Pernambuco (1 de janeiro de 1946), com um título em letras garrafais: “Lançamento do Teatro do Estudante, em 1946”. A proposta era “teatro ao povo, em vez de trazer o povo ao teatro”. Hermilo de Pernambuco, a mais fecunda, com montagens de textos clássicos e de autores nordestinos, objetivando um teatro que se destinava ao povo, mas com peças de renovada. Essa estreia, prometida para os primeiros meses do ano, só aconteceria em abril, e havia também a garantia de lançar um concurso de peças sobre motivos populares brasileiros. Encarregado dos cenários, o pintor Lula Cardoso dinheiro”. No entanto, ainda era a Companhia de Comédias Alma Flora quem ganhava mais espaço na imprensa neste começo de ano, com notas diárias sobre sua temporacom o público, inclusive em vesperais, a equipe carioca contava com a participaAlma Flora e Salú Carvalho, este como diretor artístico, atuavam também Vina de Lopes, Carmem Silva, Pedro D’Ávila e Ivan de Assis, entre outros. Como sempre,

Gente Honesta, de Amaral Gurgel, Um Beijo Na Face, texto francês de Trisan BerVila Rica, de temática histórica escrita por


Elpídio Câmara e Lourdes Monteiro

Alma Flora e Salú Carvalho

Raimundo Magalhães Júnior e divulgada como sendo sua primeira representação no Recife, e O Pai Que Eu Inventei, de Eurico Silva, foram algumas das comédias apreciadas neste repertório. E, como era de praxe ainda naquele momento, não faltaram festas artísticas, como a da própria Alma Flora, dedicada à família pernambucana, com sessão de Aconteceu Naquela Noite, obra de José Wanderley e Daniel Rocha; ou Serão Homens Amanhã, peça argentina de Darthes e Damel, com tradução e adaptação de Armando Lousada, pela festa artística do ator Milton Carneiro, “considerado pela critica o primeiro galã-cômico do Brasil”, lembrou o Diario de Pernambuco (24 de janeiro de 1946). Esta última celebração teve renda em benefício da Campanha de Alfabetização.

O fato é que foi mínima a produção local de teatro no Recife em 1946. A efervescência de grupos atuando nos subúrbios caiu assustadoramente e até o Teatro de Amadores conseguiu montar apenas dois espetáculos, a menor quantidade anual desde o seu lançamento em 1941. Foram eles: Um Dia de Outubro, do dramaturgo Georg Kaiser, peça considerada de vanguarda e, para alguns, um absurdo por ser o autor alemão (preconceitos deixados ainda pela II Guerra Mundial), e Última Edição do Diabo, do escritor espanhol radicado na Argentina Alejandro Casona, o mais até então. Em ambos os trabalhos, Valdemar de Oliveira assumiu a direção. Naquele momento, infelizmente, as artes cênicas viviam uma de suas maiores 329


Georg Kaiser

crises desde o início do século XX. Os cineteatros quase não abriam mais espaço às representações teAlejandro Casona atrais, agora só interessados na bilheteria do cinema, e pouco se produziu em Pernambuco em 1946, ainda Joracy Camargo. Para um público bem mais popular, a que seja o ano de soerguimento do Teatro do Estu- Festa da Mocidade continuava, desde o ano anterior, a movimentar o Parque 13 de Maio, tendo como atradante de Pernambuco (TEP). ções o Ballet Andory, as cantoras Miss Elizabeth, norteMais uma equipe de fora aportou no Teatro de Santa -americana, e Claret del Rio, mexicana, os bailarinos Isabel a 31 de janeiro de 1946. Foi a Iracema de Alencar acrobáticos Andory and Davis, a sambista Marly e as e Sua Companhia de Comédias, já conhecida do públi- também bailarinas acrobáticas Dorian Sisters, além do co recifense. Estreou com A Inimiga, de Dario Nicode- “elenco permanente” formado por Januário de Olimi. Ainda no repertório completamente novo, Guerra veira, Maria Madalena, Salomé Parísio, Ernani Dantas e dos Deuses, de Luiz Iglesias, Veneno de Cobra, de Eurico Nilquita Rodes. Para fevereiro, o evento produziu uma Silva, Blusa de Chita, de Edgar Proença, Carneiro de Ba- temporada carnavalesca com concursos de passo, sortalhão, de Viriato Correia, e A Pupila dos Meus Olhos, de 330


atores-cantores do saudoso Grupo Gente Nossa, e, no dia 23, foi a vez da peça Casanova, de Silvino Lopes, apresentada em homenagem ao sociólogo, escritor e agora deputado prestes a ir representar Pernambuco na Assembleia Constituinte do Rio de Janeiro, Gilberto Freyre, pelo elenco da Iracema de Alencar e Sua Companhia de Comédias. O Jornal Pequeno (21 de fevereiro de 1946) garantiu que aquela era “u’a peça em tudo diferente das outras, no enrêdo, na urdidura e na carpintaria”. E complementou: “Casanova não será sômente uma novidade, porque ha nessa peça contacto do palco com a platéia e que terminará quando o público estiver pensando que apenas começara. É a um só tempo pantomima, farsa, comédia, drama e tragédia”. A montagem ganhou mais duas sessões no dia seguinte ao lançamento, sempre com casa cheia, mas a resposta do Jornal Pequeno (25 de fevereiro de 1946) não foi que não desagradou, mesmo sendo como é diferente de tudo que se tem feito em literatura dramatica, cada dia mais precaria em nosso país”.

Silvino Lopes

maracatus. Também em fevereiro, o Jornal Pequeno denunciou que Valdemar de Oliveira recebeu verba da Prefeitura do Recife ainda como o Grupo Gente Nossa. Um dos intuitos foi lavar o Teatro de Santa Isabel e tentar trazer o autor Alejandro Casona ao Recife (algo que não aconteceu)! As acusações pairaram no ar. E foi assim que aquele periódico abriu a artilharia contra o mais poderoso homem do teatro em Pernambuco, algo que só fez esquentar mais à frente. O mês de fevereiro de 1946 ainda viu, no Teatro de Santa Isabel, um recital de Maria Amorim e Vicente Cunha,

Nem um pouco polido, o pseudônimo X aproveitou o espaço que teve no Jornal Pequeno (21 de fevereiro de 1946) para tecer mais críticas pesadas a Valdemar de Oliveira. Em referência a vinda da atriz-cantora Maria Amorim, foi enfático ao lembrar o Grupo Gente Nossa, “que Samuel Campelo com tanto sacrifício manteve e que seu substituto acabou, pois, o que lhe convinha era aparecer como criador de ‘outra coisa’”. Mais à frente, foi ainda mais duro, e talvez leviano: Pretende Maria Amorim realizar outros festivais no Santa Isabel e verá como êle se portará, sem lembrar-se que foi ela quem criou certos mostrengos (sic) de operetas que foram

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impingidas ao público. E ninguém disso tenha dúvida, porque, no Rádio, êle [mais uma vez referindo-se a Valdemar de Oliveira] agora ataca o sr. Getúlio Vargas, mas, sempre viveu a uma gorda ajuda do govêrno federal para ir ao Rio representar e nunca foi.

Getúlio Vargas

vez. A partir do dia 16 de março de 1946, a Feira de Atrações chamou a atenção de grande público no Parque 13 de Maio, com sessões aos sábados e domingos, “prometendo, assim, ser o ponto de reunião das familias recifenses”, conforme o jornal Folha da Manhã (16 de março de 1946). Dentro do recinto, funcionava o Parque de Diversões Shangai, a Gruta Misteriosa e o Teatro de Variedades, este último trazendo a cantora hispano-americana Maria Tubal, Don Ramon,“o mágico das multidões”, a sambista pernambucana Maria Aparecida, o cantor Valter Levita, Sivuca, “o garoto da sanfona”, e a dupla cômica Venâncio e

Corumba. Mas o elenco era constantemente renovado. Nas matinées infantis, distribuição de bombons à criançada. Já o Grupo Infantil de Comédias reapareceu no dia 24 de março, no palco do Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa, com a peça Quando Chega a Felicidade, escrita e dirigida por Waldemar Mendonça, com música de Lourival Santa Clara. No mês seguinte, a equipe apresentou O Mártir do Calvário, tendo entre os atores principais as crianças Mário Guimarães como Jesus, Evanil Gonçalves no papel de Maria Santíssima e Evaldo Gonçalves, o Judas. No dia 4 de abril de 1946, o Teatro de Amadores voltou ao palco do Teatro de Santa Isabel celebrando seu quinto aniversário. A peça escolhida foi Um Dia de Outubro, do autor alemão Georg Kaiser, “um trabalho do teatro de vanguarda [da escola expressionista], e que aborda um tema ousado, propício aos debates fecundos de opinião”, lembrou o Jornal do Commercio (2 de abril de 1946). A montagem teve três novas sessões nos dias 6 (marcando a centésima apresentação na história do grupo) e 7 de abril, sendo nesta última data em vesperal e sarau. A vinda do ilusionista Chang para temporada no Teatro de como a razão da breve despedida deste novo cartaz do conjunto liderado por Valdemar de Oliveira, aqui como tradutor e diretor da obra. Mesmo assim, como o momento era de festa, no passeio das frisas do teatro foi armada uma exposição sobre os cinco anos de existência do grupo, além de ter sido preparado um programa especial de oito páginas com relato das suas atividades.

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Um Dia de Outubro

Um dia antes da estreia, enquanto se oferecia um coquetel à imprensa, podia-se ler no Jornal do Commercio (3 de abril de 1946): “Em cinco anos, 20 peças montadas, 98 espetáculos, e quase Cr.$ 230.000,00 de

trou a Folha da Manhã (5 de abril de 1946), apenas. Já o Jornal do Commercio (6 de abril de 1946) somente publicou: “Trabalho de vigorosa contextura dramática, o No entanto, nenhuma crítica mais detalhada surgiu na original de Georg Kaiser deixou profunda impressão imprensa. “Peça de extraordinária intensidade dramá- no espírito do numeroso público que acorreu a aplautica, que traz, á cena, um tema verdadeiramente novo, dí-la”. A conclusão de Valdemar de Oliveira foi dura: o trabalho do escritor alemão anti-nazista constitue (sic) uma ousada concepção teatral”, foi o que regis- muitos entender. E, para que entendam, é que o Teatro 333


Um Dia de Outubro

de Amadores a encena, rehabilitando o teatro contra a chanchada das Aldas Garridos et reliqua”, publicou no Jornal do Commercio (7 de abril de 1946). Para o pseudônimo X, ferrenho inimigo declarado, essa omissão dos críticos era outro motivo,“não se sabendo se esta indolencia de julgamento decorre do transcendente assunto da coisa ou somente da tradução [do próprio Valdemar de Oliveira] que deve estar bem ruinzinha”, Jornal Pequeno (13 de abril de 1946). Ain-

diretor Gerson Vieira. A autoria do texto não foi divulgada. Para setembro, o destaque foi a peça Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo, tendo Bastos Júnior no papel principal, junto a Gerson Vieira (diretor da montagem), Heronides Silva, Virgínia Zamorano, Anita Vasconcelos, Jocelin Ribeiro, Waldemar Mendonça, Aurora Tenório, Ana Borba, Linda Morais e Estênio Albuquerque.

Poucos dias após a estreia do Teatro de Amadores, Gastão de Holanda publicou um artigo que incomoguardada para posterior aplicação. dou a Valdemar de Oliveira. A resposta veio na sua Naquele mesmo dia 4 de abril apareceu em Olinda, coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (7 de abril com apresentação no Cine-Teatro Duarte Coelho, a de 1946): “Em nota publicada em Região, Gastão de sociedade teatral Melpomene Pernambucana, estreando com a conhecida peça Feia, de Paulo Magalhães. que já se ‘perdeu tempo, trabalho e dinheiro, com meCom data de fundação a 6 de março de 1946, a equi- dalhões da literatura universal, numa concessão, para pe reunia elementos do mundo artístico e social do Recife (vindos dos bairros de Casa Forte e Monteiro) e Olinda, tendo como presidente Temístocles de Andrade e como diretor cênico, Severiano Ramalho. No dia 6 de junho um novo espetáculo foi produzido, a alta comédia Chuva de Verão, de Luiz Iglesias, seguida de um ato variado. Sempre ocupando o Cine-Teatro Duarte Coelho, em Olinda, a Melpomene Pernambucana apresentou ainda, no dia 1 de agosto de 1946, a comédia em três atos Sol de Primavera, sob direção de Gerson Vieira, como mais um dos seus espetáculos sociais. No elenco desta nova proposta, Bastos Júnior, Jocelin Ribeiro, Heronides Silva, Cecília Ferreira, Lígia Gastão de Holanda Brasil, Anita Vasconcelos, Aurora Tenório e o próprio 334


Um Dia de Outubro

tando, então, os dramaturgos já encenados pelo Teatro de Amadores e refutando essa colocação de um também a sua escolha por texto denso como Um Dia de Outubro para aquele momento: E’ engraçado que, agora, quando o Teatro de Amadores chegou à altura que chegou, surjam restrições e censuras aos meios de que se utilizou para alcançar essa situação! Pois o Teatro de Amadores não tem a lamentar perda de tempo, trabalho ou dinheiro. As “concessões” que fez é que lhe permitiram, ao completar

peças em sequência. Primeiro, a obra antifascista de Ramón J. Sender, O Segredo, tendo no elenco os acadêmicos Gastão de Holanda, Genivaldo Wanderley, José Guimarães, Joel Pontes e Oscar Cunha Barreto. Em seguida, O Urso, de Anton Tchekhov, com Termutis Carvalho, Epitácio Gadelha e Milton Persivo Cunha como intérpretes.

duzentos mil cruzeiros às instituições de caridade e ter o público nas mãos, para lhe impor Um dia de outubro, de Georg Kaiser.

Ainda no mês de abril, o Grupo Cênico do Centro Educativo de Campo Grande promoveu sessão das peças sacras O 4º Mandamento e O Enforcamento de Judas, no palco do Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa, tendo a colaboração dos artistas J. Monteiro e Jonas Gondim; ao mesmo tempo em que a Feira das Atrações ainda fervilhava no Parque 13 de Maio, sob patrocínio da Casa do Estudante de Pernambuco. do Estudante de Pernambuco (TEP) para o dia 13 de abril de 1946, um sábado, em um palco inusitado: as largas mesas do salão de leitura da Faculdade de Direito do Recife, todas juntas e amarradas, com duas 335


Anton Tchekhov

Ramón J. Sender

O Segredo

As duas peças foram dirigidas pelo agora também acadêmico Hermilo Borba Filho, que foi estudar advocacia para poder assumir a coordenação do grupo, um departamento autônomo do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito do Recife. O Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP) era formado ainda por frequentadores das Faculdades de Medicina, Belas Artes e Comércio. Convidando a imprensa, professores e intelectuais para esta estreia, a equipe prestou homenagem aos estudantes dos cursos superiores na primeira apresentação, no sábado, e aos estudantes dos colégios na sessão seguinte, no domingo. Escrevendo para o Jornal Pequeno (22 de abril de 1946),Airon Rios saldou a empreitada que visava “o simpático objetivo de dotar Pernambuco de um Teatro Popular”:

O seu teatro, é evidente, não transpirará, a majestade do inconfundível Santa Isabel. [...] Então com cenario ou sem êle, no tablado da carroceria de um caminhão, o homem do povo [...] terá a oportunidade de assistir á nossa arte, ainda lhe olvidada. Uma nova vorecidas. Porque o teatro alem de um meio recreativo diversional, apresenta tambem seu prisma educativo e instrutivo. [...] Felizmente a resposta não demorou. E todos quantos foram á Faculdade de Dierito no sábado ou no domingo, viram em carne e ôsso, palpitando, uma das maiores vitorias da Inteligência. Da força de vontade. Da idéia. Do homem.

Reunião dos integrantes do Teatro do Estudante de Pernambuco

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lhe faltar o apoio que está a reclamar de todos os amigos da cultura. [...] O que importa, no momento da partida, é a partida. Nem interessa considerar até onde poderão levar o excesso de velocidade ou a inexperiência do volante.

Valdemar de Oliveira

Polêmicas à parte, o lançamento do TEP representou não só um exercício democrático e revolucionário pela escolha das peças e o próprio local da apresentação, mas apostou na transgressão – o reitor não teve tempo de “censurar” qualquer trecho dos espetáculos – e no seu sentido revolucionário. Investia-se na

Provavelmente para evitar mais confusões com o grupo que ainda engatinhava no cenário teatral pernambucano (já bastou a resposta ao artigo do Gastão de Holanda), Valdemar de Oliveira fez elogios à iniciativa dos “tepianos”, com restrições apenas à ausência dos professores da Faculdade de Direito do Recife na plateia, e talvez à não existência do apoio dos mesmos por indiferença ou alheamento. Registrou, assim, suas boas-vindas ao TEP em artigo no Jornal do Commercio (17 de abril de 1946): O Teatro do Estudante, visto, como o vimos, dentro da Faculdade, reunindo, em volta, os espíritos jovens, sensíveis e inteligentes, representa, sem sombra de dúvida, um movimento cultural de extraordinário alcance. [...] O teatro que agora estão fazendo, um teatro nobre, de costas voltadas para a farsa, nos deve chamar a atenção como o inicio de um movimento que poderá ir longe, verticalmente, se não

Hermilo Borba Filho na conferência Teatro: Arte do Povo

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O Segredo

qualidade artística das obras escolhidas para ganhar a cena, como também em seu caráter antifascista e antinazista, especialmente da peça O Segredo, de Ramón J. Sender, numa época ainda de redemocratização do país. Antes das apresentações cênicas, Hermilo Borba Filho retomou a leitura de sua conferência-manifesto Teatro: Arte do Povo e aquele discurso, segundo o próprio, “chato e longuíssimo”, gerou até um princípio de vaia, contornado a tempo, mas os espetáculos foram bem recebidos.

Teatro do Estudante, organizado para educar o povo distraindo-o, ao mesmo tempo.

Importante lembrar que, a cada sessão, era comum levar um pouco de cultura teatral aos espectadores, com informações sobre os autores, a obra encenada e o próprio ato teatral. A 12 de junho de 1946, foi a vez de aportar no Cine Eldorado, no Largo da Paz, no bairro de Afogados. Em 19 de outubro houve uma ros internados no Instituto Guararapes, no subúrbio Após estas duas primeiras sessões de lançamento do da Várzea, e a 29 de novembro nova apresentação, grupo, o TEP procurou se exercitar na prática de um desta vez para internos do Sanatório do Sancho, à teatro ambulante, mambembe, pelos subúrbios do tarde e ao ar livre, quando Ariano Suassuna acabou Recife, partindo do propósito de ressuscitar “A Bar- substituindo o ator Oscar Cunha Barreto no elenraca” de Federico García Lorca, levando às camadas co de O Segredo. Segundo José Laurênio de Melo em mais populares um repertório de peças de alto valor entrevista-depoimento a Luiz Maurício Carvalheira artístico. No mês seguinte à estreia, em 5 de maio de no livro Por Um Teatro do Povo e da Terra – Hermilo Bor1946, a equipe se apresentou no Centro Educativo ba Filho e o Teatro do Estudante de Pernambuco (1986, Operário de Santo Amaro, a preços bem acessíveis, p. 148.), as duas peças de estreia do TEP chegaram com os espetáculos O Segredo e O Urso sendo vistos por operários e seus familiares e recebendo a melhor acolhida. O jornal Folha da Manhã (6 de maio de 1946) registrou o sucesso do acontecido: O espetáculo agradou bastante aos operários presentes, tendo os agentes sociais do departamento da Reeducação registrado entre os espectadores francos elogios ao desempenho dos amadores e aos temas das peças apresentadas, o que denota o acerto que presidiu a escolha das primeiras peças do repertório do

Ariano Suassuna

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O Segredo no Instituto Guararapes

presença das companhias de fora, a Companhia do Ilusionista Chang, com toneladas de equipamento, estreou a 12 de abril uma curta temporada de completo êxito, chegando a fazer duas sessões por noite e até três nos sábados e domingos. Revelou o Diario de Pernambuco (12 de abril de 1946): O espetaculo constará da representação da fantasia oriental Uma viagem ao inferno, revista em que toma parte todo o elenco da companhia, destacando-se o malabarista Wong How Fing e o proprio Chang em seus trucs (sic) e magicas, tomando parte, ainda, na representação, um corpo de girls. O espetaculo terá inicio ás 20h15, terminando a tempo de serem alcançados os ultimos omnibus para os suburbios.

No dia seguinte à estreia, o Diario de Pernambuco (13 uma numerosa concorrencia” e ainda teceu comentários críticos à apresentação: “A fantasia oriental Uma viagem ao inferno, impressionou vivamente, pelo luxo da montagem, cenarios e guarda-roupa, sem falar na atuação de Chang, que conquistou as simpatias da plateia”. Inicialmente voltado apenas aos adultos, mais à frente crianças maiores de cinco anos puderam conferir o trabalho, que também inseriu uma outra fantasia como destaque, Paraíso Oriental Encantado. A partir de 1 de julho de 1946, Chang fez nova temporada no Recife, desta vez no Cine Boa Vista, a preços bem mais populares. Se no dia 2 de abril de 1941 surgiu o Grupo Infantil de Comédias, a comemoração do seu quinto aniver339


sário em 1946 aconteceu no dia 19 daquele mês, no Cine-Teatro Olinda, reunindo trinta crianças no palco com o melodrama As Flores da Padroeira, do próprio diretor Waldemar Mendonça, tendo músicas de Lourival Santa Clara e seguido de um ato variado, como sempre. Para festejar a data, o coletivo ganhou matéria retrospectiva no jornal Folha da Manhã (19 de maio de 1946): A 2 de maio de 1941, Valdemar Mendonça, antigo elemento do Teatro de Amadores do Feitosa, fundou, num dos salões do Externato 6 de Março, o Grupo Infantil de Comédias conjunto teatral formado de crianças que, com o esfôrço de seu diretor e alguns auxiliares devotados, como Lourival Santa Clara, Artur Magalhães, Lidio Guimarães, José Guimarães e João Pimentel, conseguiu, até hoje, manter com sucesso o único teatro efetivo de pequenos artistas. Na maioria, os espetáculos foram realizados no cinema Olinda do Feitosa. Entretanto o grupo realizou 8 espetáculos no Teatro Santa Isabel, 2 no Cine Eldorado e 1 em Goiana. [...] Um grande número de crianças compõe o elenco do Grupo Infantil de Comédias: Isabel Barbosa, Evanil Gonçalves, Angelina Oliveira, Nildo Botelho, Mariangela de Abreu, Inalda Ferreira, Nadeje Albuquerque, Terezinha Guimarães, Elisabete Bezerra, Maria da Penha, Jeanine Darcy, Elivan Gonçalves, Evaldo Gonçalves, Iveraldo [Silva], Nilson Botelho, Antonio Oliveira, Reginaldo Sousa e Mário Guimarães. Todos trabalham com maior boa vontade e obediência ao ensaiador. os êxitos das representações.

Em julho, uma nova produção surgiu pelo Grupo Infantil de Comédias, Os Dez Mandamentos. Santa Teresinha do Menino Jesus, O Rouxinol da Fazenda e Meu Sertão foram outros trabalhos levados à cena ainda em 1946. Por sua vez, despedindo-se dos palcos pernambucanos, o ator Valdir de Sousa organizou duas apresentações da peça Maridinho de Luxo, de José Wanderley, em matinée e soirée no dia 9 de junho, no Teatro de Santa Isabel. Interessante é que, em meio à louvação que se fazia para a mais nova, luxuosa e aguardada estreia do Teatro de Amadores, um artigo do jornalista Luiz Beltrão veio provocar outro rasgão Valdemar de Oliveira, considerado por muitos um elitista inveterado, e a equipe que tinha à frente Hermilo Borba Filho. Saudando a ação proposta pelo Teatro do Estudante de Pernambuco de voltar-se ao povo, indo aos Centros Educativos Operários dos bairros de Santo Amaro e do Cordeiro numa parceria com o Departamento de Reeducação e Assistência Social, Beltrão publicou na Folha da Manhã (9 de junho de 1946):

Mário Guimarães

Temos ainda mais fé no Teatro de Estudantes pela sua promessa de levar o bom teatro á massa, de realizar espetaculos nas feiras, nas

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festas simples dos suburbios, nas aldeias. Esses pequenos Lorcas brasileiros merecem apoio e aplauso e sabem – por isso que são estudantes, cheios de idealismo [...] – sabem que estão realizando uma obra de cultura e cooperando na educação do povo. Não se vá exise pode chamar áquele teatro que dispõe de meios pecuniários inesgotáveis para as luxuosas montagens, para usar e abusar de todos os recursos da técnica cênica.

Pernambuco. A Folha da Manhã (20 de junho de 1946) lembrou que os efeitos de luz e de som sublinhavam, “expressivamente, a beleza poética do texto”, uma peça “fantasiosa, em que as situações cômicas e sentimentais se revezam equilibradamente”. O público foi avisado que, inicialmente, a peça não teria sessões em vesperal para não prejudicar os efeitos da iluminação imprescindíveis à representação, mas, por conta dos diversos pedidos, as sessões vesperais acabaram acontecendo num horário mais tarde do que o de costume, às 16 horas. No entanto, o Teatro de Amadores divulgou exaustivamente que a montagem sai-

A resposta do Teatro de Amadores foi dada no palco. Após o sucesso de A Dama da Madrugada em 1945, o grupo apostou em um novo texto do espanhol Alejandro Casona, Última Edição do Diabo, com estreia no dia 20 de junho de 1946 para um Teatro de Santa Isabel completamente lotado – com muitas famílias voltando da bilheteria por falta de localidade – e com cipal, a senhorinha Lise Tavares, “que vive de maneira encantadora o delicioso papel da Princesinha”, lembrou o Jornal do Commercio (5 de julho de 1946), junto a Vicentina Freitas do Amaral, Walter de Oliveira, Otávio Rosa Borges, Alfredo de Oliveira, Mário Barros, Adelmar de Oliveira, Jovelino Selva, Valdemar de Oliveira, Antônio Brito, Mário Simões, Hélio Tavares e Dédrano Lima. A tradução foi de Adacto Filho. Montada com grande luxo de indumentária, a peça contou ainda com cenários próprios, cabeleiras e projetores de iluminação adquiridos no Rio de Janeiro, e efeitos de som gravados na Rádio Clube de

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gressos-convites da estreia após o horário de fechamento do escritório comercial do periódico, como se Valdemar de Oliveira temesse uma crítica negativa ao trabalho. Ele, no entanto, mandou nota a todos os jornais provando, através do livro de protocolo, ter entregue os tais ingressos-convites. A impressão que a peça causou em dois críticos, com textos publicados na mesma data por Luiz Beltrão, na Folha da Manhã (21 de junho de 1946), e Luiz Teixeira, no Jornal do Commercio (21 de junho de 1946), foi registrada no livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) (2011, p. 168 e 170.), do pesquisador Antonio Edson Cadengue: rece especiais cuidados, brindando a plateia Última Edição do Diabo

ria de cartaz brevemente devido à nova temporada do ilusionista Chang e da Companhia de Comédias Alma Flora em julho. Infelizmente, outra nota destoante para o sucesso que viria foi um imbróglio junto ao Jornal Pequeno, que acusou o Teatro de Amadores de entregar os in-

alguns problemas técnicos, como o pano de fundo do primeiro ato que deveria ser de tons mais claros, porque a cena acontece no tes que se comecem os diálogos, que é noite adiantada. Impressão, aliás, causada pelos efeitos luminosos, que necessitam de uma alteração de cores que atinjam, plenamente, o obje-


tivo desejado [...]. A gravação não impressiona e falha, mesmo, no principal momento em que se faz necessária: a primeira entrada do diabo” [BELTRÃO, Luiz. Última Edição do Diabo. Folha da Manhã. Recife, 21 de junho de 1946. p. 2.]. Para o crítico, no elenco destacam-se Lise Tavares, Walter de Oliveira e Valdemar de Oliveira, seguidos de Alfredo de Oliveira. Porém o grande desempenho foi de Lise Tavares: ra, a alegria, os primeiros ímpetos de paixão, a graça da ‘Princesinha’ como fez Lise, que tem ainda, a ajudá-la, um físico talhado para o papel. Mantém-se em cena como se não

uma candidata às glórias incomensuráveis do palco”. [...] Para Luiz Teixeira, a peça “é a glória do Espírito sobre o Diabo – ali exposto e vencido na forma brutal do Instinto” [TEIXEIRA, Luiz. Última Edição do Diabo. Jornal do Commercio. Recife, 21 de junho de 1946. p. 10.], e discorda do título que a peça recebe na tradução, pois para o diabo, crê, não existe

ção que a imprensa deu à peça em termos de comentários críticos, mesmo “pró ou contra, de acôr-

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Última Edição do Diabo

do com o gôsto de cada um, aplaudindo ou fazendo restrições”, é a vez de Hermilo Borba Filho escrever sobre Última Edição do Diabo, especialmente para o Jornal do Commercio (5 de julho de 1946): A Última edição do diabo é uma boa peça, sem chegar, porém, àquela fôrça poética demonstrada na A dama da madrugada, talvez porque Casona tenha se preocupado mais com o sentido satírico da obra, dando margem ao jôgo de palavras que agrada e faz rir de início, para cansar depois. A dialética do Diabo cheira mesmo ao cinismo de certas personagens de Joracy Camargo (guardadas as proporções). Eu creio mesmo que a peça cresceu na versão dada pelos nossos amadores, não sendo exagêro dizer-se que Casona foi muito favorecido pelo carinho da montagem e dos efeitos. lendas da gente da Espanha, onde êle se reve-

la de uma grande fôrça criadora. Os cenários muito bons. [...] Estou satisfeito, vendo que a direção dos amadores praticou uma verdade artística fazendo com o público pusesse em jôgo a imaginação, convencendo-o de que aquilo é teatro, com elementos próprios de criação. [...] Se me permitem uma restrição é para aquelas sombras (as do primeiro ato) que se projetam sôbre a sugestão do castelo. Claro que se trata de um cenário sintético, mas mesmo assim as sombras não deviam cair em coisas que se presumem estar a quilômetros de distância. Os efeitos luminosos e trajos (sic) completaram a montagem. [...] Eu gostaria, sem diminuição para os outros intérpretes, [...] chamar a atenção para a ótima interpretação do snr. Adelmar de Oliveira, que foi, a meu ver, o ator que mais se compenetrou do pensamento poético do autor, dando-nos, realmente, um Rei como aquêles

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veira, que vivia a reclamar na imprensa das concessões constantes às companhias de fora, além das outras atividades não artísticas realizadas naquele palco. Ao que tudo indica, essa gerência sobre as datas disponíveis ou não, partia da própria Prefeitura do Recife, e não dele, submisso às decisões dos seus superiores. É óbvio que as companhias de fora tinham prioridade, algo que sempre aconteceu naquele teatro e, infelizmente, não muito diferente dos tempos de hoje. Na sua coluna A propósito..., do Jornal do Commercio (6 de julho de

das cartas de baralho, fugindo do mundo de proporções reais para o mundo da imaginação, apresentando-se como uma personagem criada e não caricaturada ou copiada.

Após sete récitas, a peça teve que sair de cartaz para dar lugar à Companhia de Comédias Alma Flora, que 1946 como mais uma que vinha passando em turnê pelo Recife. Essa questão da agenda do Teatro de Santa Isabel sempre foi um problema para Valdemar de Oli-

Última Edição do Diabo

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Última Edição do Diabo

Flora. E, agora, será ainda a Alma Flora que se cederá o Teatro, cortando a carreira de Última edição do Diabo. E assim tôdas as vezes, sempre, inalteravelmente”.

1946), Valdemar de Oliveira aproveitou para divulgar uma resolução do prefeito Pelópidas Silveira: “as companhias que vêm do Sul, iniciando sua excursão pelo Norte, terão, desde agora, preferência contra aquelas que voltam do Norte, regressando ao Sul”. IndepenE complementou, lembrando: “A carreira da A dama da madrugada foi cortada para ceder-se o Teatro a Alma

Outro problema para a continuidade da peça foi a ida da atriz Lise Tavares para o Rio de Janeiro, onde decidiu morar. Mesmo assim Valdemar de Oliveira celebrou o extraordinário êxito de Última Edição do Diabo: “esse triunfo é a única resposta que o Teatro de Amadores dá a seus inimigos”, publicou no Jornal do Commercio (22 de junho de 1946). Enquanto isso, ainda fazia sucesso a Feira de Atrações no Parque 13 de Maio, dando destaque ao seu Teatro de Variedades, agora com artistas como a cantora Uiara de Goiás, Ases do Ritmo, o cômico Zé Fuinga, os trapezistas 346


Última Edição do Diabo

Jordan e Jane, conhecidos como “Tarzan e sua companheira”, além das matinées para a meninada. Também em junho, no dia 17, o Salão Pio X, em Olinda, recebeu um grande festival com números de piano, cantos, a comédia Precisa-se de Uma Criada e, numa homenagem à América, Deus Salve a América!. Depois de enfrentar algum atraso por problemas de navegação, a 26 de julho de 1946 voltou ao Teatro de Santa Isabel a Companhia de Comédias Alma Flora para nova temporada de êxito, isto após o sucesso

entre os atores com papel principal –, O Último Lord, de Hugo Falena, com tradução de Oduvaldo Vianna, Quero Ser Feliz, peça francesa de Pierre Wolff, traduzida por Jorge Diniz, e O Neto de Deus, de Joracy Camargo. Um fato curioso aconteceu na estreia da temporada, relatado pelo crítico M. no Jornal do Commercio (28 de julho de 1946): “A peça agradou e houve até interrupções com aplausos ou com gargalhadas. A diretoria do Teatro passou um ‘pito’, deixando em situação esquerda, nas senhoras que teimam em ir ao teatro com chapéu e conservá-los durante a representação”.

No dia 5 de agosto, novamente no Salão Pio X, em turnê por Manaus, Belém e Fortaleza. Estreou, desta Olinda, um grande festival em benefício do Seminário vez, com Filhos de Ninguém, de Eurico Silva, mas ainda Franciscano contou com o drama O Preço de Um Copo trouxe no repertório trabalhos como Ser Ou Não Ser, Dágua, reunindo senhorinhas da sociedade olindense, de José Wanderley e Mário Lago – com Elpídio Câmara como Teresinha Martins, Teresinha Viana, Nevinha Vaz 347


e Zilda Sena; e mais um “certame universitário” foi criado para assegurar verba para a Casa do Estudante de Pernambuco, a Festa das Rosas, acontecendo naquele mês, na praça Joaquim Nabuco, no bairro da Madalena, também com Parque de Diversões e um Teatro de Variedades, este com pastoril, mamulengo e artistas do circo, do teatro, da dança e da música em números variados. Foi no dia 14 de agosto de 1946 que o Departamento Artístico do Guanabara Foot-Ball Clube festejou seu primeiro aniversário com a encenação da peça A Divina Labareda, de Hermógenes Viana, enquanto que o Circo Star Light animava o bairro de Água Fria, inclusive com o drama Castigo do Céu. Ainda no dia 25, o Grêmio Dramático do Sancho promoveu um festival em benefício de associações de assistência social (sem revelar quais), reunindo uma parte literária e um “show” contendo a peça ligeira Esqueleto de Passarinho, com os atores Maria Eloídes, Arnaldo Campos, José Ramos e Corina Campelo.

Naquele mês de agosto, se o ator Elpídio Câmara voltou a morar no Recife após as experiências com a Companhia de Comédias Alma Flora, foi a vez de chegar à capital pernambucana a Companhia Teatral de Comédias Déa-Cazarré, do Teatro Rival do Rio de Janeiro, que estreou com Chica Boa, do dramaturgo

Darcy Cazarré

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Paulo Magalhães. A enorme equipe trazia mais de dezoito espetáculos em seu repertório para o Teatro de Santa Isabel, textos como A Mulher de Seu Adolfo, Moinhos de Vento, A Cegonha Se Atrasou, O Fantasma da Família, Não Saias Esta Noite e Gato Por Lebre, entre outras, ainda tendo o ponto (Albérico Melo) como suporte para os atores. No elenco, nomes como a estrela Ítala Ferreira, o gaúcho Darcy Cazarré e sua esposa Déa Selva (nome artístico de Jandyra Berard Ferreira Leite, além de Pepa Ruiz, Oswaldo Louzada, Vicente Gil e Ruy Viana. Eurico Silva era o diretor artístico e ensaiador. Diante do sucesso destas peças para rir, algumas em vesperais especiais para as Forças Armadas ou para moças, o pseudônimo X determinou no Jornal Pequeno (29 de agosto de 1946): “Logo, o que o povo quer é isso mesmo, muito diferente do que exige a Crítica carunchosa”, e nomeou textualmente Valdemar de Oliveira por distribuir convites às suas “melhores peças do mundo”, sem, no entanto, despertar a atenção do público de fato. Como em grande parte de setembro a pauta do Teatro de Santa Isabel estava cedida à Companhia Teatral de Comédias Déa-Cazarré, o Teatro de Amadores aceitou o convite do governo alagoano, através do Interventor Federal no Estado, o dr. Guedes de Miranda, para reinaugurar o Teatro Deodoro, em Maceió, indo pela primeira vez àquelas terras. Impossibilitado dos remontes de Um Dia de Outubro e Última Edição do Diabo, muito pela não presença da atriz Lise Tavares no Recife, levou, então, três montagens anteriores, Primerose, O Instinto e Uma Mulher Sem Importância, sendo bem recebido e tendo a presença da atriz e diretora Linda Mascarenhas, do Teatro de Amadores de Maceió (TAM), como grande parceira por lá. O artigo “Histórico do Teatro Deodoro” (2014) complementou: Por carência de hotéis na época, o TAP (sic) foi hospedado em casas de famílias, dentre as quais: – Comendador Luiz Calheiros, Dr. Mariano Teixeira, Dr. José Lajes, Sr. Luiz Calheiros Júnior e Comendador Antônio Magalhães.

Retornando à capital pernambucana, com ingressos comercializados na Perfumaria Oriental, o Teatro de Amadores programou uma curta temporada dos es-

Linda Mascarenhas

petáculos vistos em Maceió, mas, “em virtude de doença em pessoa da família de um dos amadores”, de acordo com o Jornal do Commercio (6 de outubro de 1946), apenas a peça Primerose aconteceu, marcando a 117ª récita na história do grupo. Os ingressos vendidos para as outras peças, claro, foram devolvidos. Espantosamente, o público desta vez foi minguado. Crise na relação com a plateia? Ainda em outubro, o TEP lançou um concurso de peças com regulamento que permitia o prazo de quase um ano para a entrega das obras concorrentes. Naquele mês, uma opção voltada a todas as famílias foi conferir o Grande Circo Teatro Sá, comandado por Xavier de Sá e armado ao lado do Parque 13 de Maio. A maior atração era o palhaço Biriba, grande estrela dos espetáculos, geralmente com números de variedades na primeira parte e uma peça cômica , como Mártir do Calvário ou Santa, esta última de Nelson Silveira, imprópria para menores de dezoito anos. Um dos destaques foi Biriba e as Suas Piadas, seguido da peça em três atos Deus e a Natureza... ou a Cia. Acrobata e Dramática, que contou com o drama em sequência Um Erro Judiciário. O Grande Circo Teatro Sá seguiu ainda por bairros do Recife, como no Zumby, em dezembro, quando foi apresentada a peça O Interventor, de Paulo Magalhães, na programação diária circense. Biriba a Procura de Casamento foi outra comédia agendada. Exatamente no Dia da Criança, no Teatro de Santa Isabel, o festival Parada das Estações aconteceu em benefício da Matriz de São José. No dia seguinte, às 9 horas, no palco do Cine Eldorado, foi a vez do público conferir a revista infantil Tudo é Brasil, de autoria da professora Maria Augusta Pes349


soa Ribeiro, com alunos do Grupo Escolar Amaurí de Medeiros, sob orientação técnica do Serviço de Diversões Escolares e Rádio Educação. Até que, para despertar ainda mais a atenção das plateias, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior voltou a estrear uma temporada de sucesso no Teatro de Santa Isabel, desta vez com O Grande Marido, de Eurico Silva, e prometendo em seus anúncios de jornal “Todo mundo vai ver, gostar e recomendar!”, nita Lopes e Osvaldo Barreto. Um trecho do enredo mem resolve enganar sua esposa muitas coisas podem acontecer...”. Entre as “cousas hilariantes” a oferecer, destaque para o próprio Barreto Júnior no papel de Clarimundo. O crítico M. escreveu sobre esta estreia no Jornal do Commercio (25 de outubro de 1946): Novamente em Pernambuco, onde tem seus apreciadores, Barreto Júnior, com sua companhia de comédias. É um grupo mais ou menos conhecido, ora maior, ora menor, onde não há notabilidades, mas alguns elementos apreciáveis do gênero para rir, às vezes descaído (sic), como na peça da estréia – O grande marido – para a chanchada. Êsse “grande marido”, de que Barreto Júnior foi protagonista, é indivíduo que apresenta austeridade, exige muito respeito mas, no fundo, não passa de sem vergonha de marca e mentiroso reputado, colhido em suas verdadeiras qualidades. A peça é mais ou menos de “carregação”; entretanto

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apresenta lances que provocam o riso. Dos papéis principais se encarregaram Barreto Júnior, Elisa Matos, Lenira (sic) e Luiz Carneiro. Barreto Júnior tem seu público e a êste a peça agradou.

Em seguida, foi anunciada a “comédia” de Nelson Rodrigues, A Mulher Sem Pecado, “o maior sucesso da temporada teatral carioca de 1945”, com estreia a 30 de outubro de 1946, no Teatro de Santa Isabel, tendo como protagonistas Lenita Lopes, Osvaldo Barreto e Hamilta Rodrigues. Nos anúncios deste espetáculo, o aviso ao público: “Por ordem de censura, os menores de 18 anos não podem assistir”. O mesmo crítico M., no Jornal do Commercio (30 de outubro de 1946), pôde se debruçar sobre o espetáculo, alertando para a ousadia cometida: Gênero diferente das peças da Companhia, haja vista que o público não a compreendeu, mesmo porque não era público para teatro dessa natureza, A Mulher sem Pecado serviu, especialmente para mostrar o valor de Os-

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julgar o procedimento da mulher, que se conservou pura até quando, atormentada pelo ro, fugiu com o chauffeur, o que determinou o suicídio daquele. Outro papel de grande mérito foi o de Elisa Matos, permanentemente em cena, muda, numa só posição, como estátua. Também Lenita Lopes sustentou o seu, da mulher atormentada pelo doentio ciume do marido e a vencer os perigos até chegar

à queda. A peça é boa, bem urdida, mas o gênero – talvez tenha sido apenas uma amostra – não é para a Companhia, que perderia seu público, acostumado a ir ao teatro em busca do riso.

O Diabo Enlouqueceu, “uma bomba atômica de gargalhadas!”, foi outra montagem apresentada nesta vitoriosa temporada – pelo menos de público – da Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior. As sessões começavam pontualmente às 20h30 ou em vesperais às 15 horas, sempre atraindo grandes plateias. Vale registrar que, naquele mês de outubro, a censura teatral do Rio de Janeiro multou em mil cruzeiros a artista Violeta Ferraz, do elenco da Companhia de Revistas Walter Pinto, por ter usado frases imorais na primeira sessão da revista Nem Te Ligo, em cartaz no Teatro Recreio. No Recife, a 30 de outubro de 1946, uma peça massacrada por muitos – talvez por suas licenciosidades –, A Pensão de Dona Stela, de Gastão Barroso, foi apresentada no palco do Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa, por vários intérpretes egressos de outros coletivos, agora intitulados de Grupo Artistas Unidos. Eram eles: Gerson Vieira, Heronides Silva, Jocelin Ribeiro, Bastos Júnior, Jonas Gondim, Waldemar Mendonça, Anita Vasconcelos, Virgínia Kátia, Ceci Ferreira, Aurora Tenório e Carmem Gondim. A sessão teve cobrança de ingressos a preços populares. Ainda em dezembro, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior seguiu para o Cine Encruzilhada, estreando com Compra-se Um Marido. Aquele cineteatro era uma exceção nos subúrbios, pois o que se via eram os cineteatros desaparecendo pau352


latinamente ou não mais cedendo espaço às apresentações teatrais. Os que ainda existiam, como o Ideal, Eldorado, Rivolí, Duarte Coelho, Torre e Espinheirense, só atuavam como cinemas. Enquanto isso, a Festa da Mocidade, evento anual promovido pela Casa do Estudante de Pernambuco desde 1936 no Parque 13 de Maio, atraía famílias inteiras quase sempre entre os meses de novembro a março. No grandioso evento, que perdurou por mais de três décadas, uma série de atrações nacionais e internacionais do teatro, do rádio, da dança, do circo, da música e dos esportes se exibiam em revezamento constante, além do espaço aglutinar parque de diversões, o “Presépio Maravilha”, lutas greco-romanas, exibições de dupla caipira, bonequeiros, comediantes – em 1946, por exemplo, a Grande Vesperal Infantil era comandada por Arí Guimarães e o destaque era um concurso de iôiô – e a anual escolha da Rainha da Festa da Mocidade. Ainda em dezembro, no dia 5, o Ginásio Evangélico Agnes Erskine apresentou no Teatro de Santa Isabel A Princesa Rosalinda, opereta de Valdemar de Oliveira, como parte de suas festivida-

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C

omeça 1947 e o Jornal do Commercio (1 de janeiro de 1947) registrou a fundação do Teatro Infantil de Olinda para breve, com o maestro Lafayette Lopes saber se o grupo, de fato, chegou a produzir algo. Quem iniciou a temporada no Teatro de Santa Isabel, a partir do dia 7 de janeiro, depois de passar pelo Pará, Maranhão e Ceará, foi a visitante Companhia de Comédias Déa-Cazarré, do Rio de Janeiro, com peças como A Idade do Amor, de Janos Bokay, com tradução e adaptação de Eurico Silva, e Gato Por Lebre, de Sixto Pondal Rios e C. Olivari, traduzida por Oliveira Lima, em sessões às 20h30, mas algumas acontecendo às 15 horas, nas “vesperais das moças”. Os ingressos continuavam com venda antecipada no Depósito da Caxias, aos cuidados do afamado bilheteiro Carlos Lisbôa, um novo espetáculo local, A Sapateira Prodigiosa, de Federico García Lorca, no auditório da Escola Técnica do Recife, no Derbi, com entrada franca, pelo Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP).

como teatrólogo ao público recifense, com esta “farsa-violenta” em um prólogo

(do maestro Vicente Fittipaldi, baseado em músicas de Manuel de Falla, companheiro de García Lorca, e em canções populares da Espanha) tinham sido esencenação. Hermilo Borba Filho era o diretor e tradutor da obra. No elenco, Gastão de Holanda, Ana Canen como a protagonista, Fernando Antônio, Filadelfa Loureiro, Elaine Soares, José Lins de Almeida, Epitácio Gadelha, Maria Ana Maranhão, Milton Persivo e José Guimarães. Uma nova sessão foi agendada para


o dia seguinte à estreia, 1 de fevereiro de 1947, com estudantes e operários podendo pegar convites na portaria da Faculdade de Direito do Recife. Valdemar de Oliveira, ainda com o pseudônimo W., escreveu sobre a montagem em uma outra coluna quase diária que assinava naquele momento, Artes e Artistas, no jornal Diario da Noite (1 de fevereiro de 1947): A minha atitude, deante do Teatro do Estudante, será, sempre, de estimulo. Á mocidade que se volta, seriamente, para o teatro, encarando-o pelo seu aspecto cultural, odioso e indesculpável seria amesquinhar-lhe os esforços e tentar deter os seus impulsos generosos. O meu conselho, fundado na experiência – e esta jamais deixou de ser a mestra da vida – resultaria, talvez, incompreendido em sua ínface de um movimento como êsse, ha de ser a de incentivar, por todos os meios – em plena consciência o tenho feito –, suas realizações. Não importa a minha opinião pessoal. Muito teria que dizer da representação recente de A sapateira prodigiosa, de Garcia Lorca. É provável, porém, que, com o tempo e o tirocínio, os rapazes do Teatro do Estudante venham a aperceber-se de suas falhas, corrigindo-as com o mesmo autodidatismo que hoje os leva a cometê-las. Isso se não ocorrer, para apressar o aprendizado, uma direção hábil, não só espiritual, como já têm, mas, técnica. Uma direção verdadeiramente teatral. [...] A sapateira prodigiosa, de estranho sabor regional, conteúdo escasso e fragilidade apenas aparente, está,

sem dúvida, acima de suas possibilidades. Sua escolha parece ter-se inspirado na vaidade de nos dar a conhecer o “fenômeno” Lorca. [...] Somente, a sabedoria está em que a escolha dos originais corresponda sempre, num grau, apenas, mais alto, aos elementos reais de convicção artística. A excelência do espetáculo reside nesse equilíbrio entre as exigências do original e os recursos de realização teatral. Seria injusto não destacar, no desempenho da peça de Lorca, Ana Canen, um formoso talento em potencial.

O Diario de Pernambuco (2 de fevereiro de 1947) também trouxe um comentário crítico sobre A Sapateira Prodigiosa, assinado pelo pseudônimo L. L.: A propria escolha da Sapateira Prodigiosa para continuar a atividade do Teatro de Estudante

Federico García Lorca

Teatro do Estudante de Pernambuco

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so povo – poderiam falar em meu provavel “snobismo” – póde assistir ao bom teatro e gostar dele. A peça bem conhecida de leitura agradou ao publico que compareceu ontem. E esse agrado não se traduziu apenas pelos aplausos, mas pela atenção, o riso e exclamações expontaneas (sic) dos espectadores. No primeiro ato, senti passar sem reação certas sutilezas mais de poesia. Já no segundo ato a sala reagiu como se poderia esperar. Não se pretenda exigir impossiveis rigores de interpretação ou tecnica teatral desses jovens que fazem, sozinhos, teatro serio em Pernambuco, mesmo porque o teatro não é somente espetaculo; exige sobretudo a participação ativa da imaginação do expectador (sic) na res como os melhores, todavia Joel Pontes, durante alguns momentos, como o sapateiro, esteve muito bom; José Lins de Almeida, se bem um tanto “excessivo” fez um bom alcaidessa encantadora sapateirinha; mas gostei, sobretudo, gostei das duas vizinhas. Até que ca e não consebo (sic) essa indiferença dos intelectuais pelo trabalho desses rapazes do Teatro do Estudante. Em todo caso eles deo povo, com que tanto se preocupam, compareceu e aplaudiu a peça do poeta espanhol e não somente o autor desta nota.

A Sapateira Prodigiosa

As sessões de A Sapateira Prodigiosa continuaram a partir de 13 de fevereiro de 1947 por diversos outros espaços populares, totalizando quinze apresentações até todo ano desde 1937, promovida pela Casa do Estudante de Pernambuco, a Festa da Mocidade era um sucesso junto ao público eminentemente popular, pronto para desfrutar de variados divertimentos. O mais disputado espaço era o Teatro de Variedades, importante polo a receber programação adulta e para a meninada, “ao alcance de todas as vistas por mais afastado que se encontre o espectador”, como era divulgado nos 356


anúncios da época. Encerrando sua programação a 9 de fevereiro de 1947 (vinha em atividade desde novembro do ano passado, atraindo milhares de pessoas), o Teatro de Variedades prometeu “programas de sensação” como a cantora internacional Elvira Rios, a intérprete de canções hispano-americanas Maria Tubal, os cantores Ronaldo Lupo e Carlos Tovar, as sambistas Tânia Marques e Andiara Peixoto, o humorista Ubirajara Moreira, a dupla cômica Venâncio e Corumba, e o animador Arí Guimarães. O Teatro de Variedades mantinha sessões acontecendo às 20 horas e 22h45. Nas vesperais para crianças, especialmente às 17h30, novas atrações eram agendadas, como a sambista pernambucana Maria Aparecida,

a famosa troupe de malabaristas chineses Pan Yan-Chuin (o maior sucesso daquele momento), e Mário e Nenzita, a menor dupla do Brasil. Uma queima de fogos de artifício e o Parque de Diversões Shangai que contou, curiosamente, com estas atrações numa de suas vesperais infantis de encerramento, segundo o Jornal do Commercio (9 de fevereiro de 1947): Entre os números a serem levados hoje, se destaca um em travesti, aparecendo os artistas com os seguintes trajes: Ronaldo Lupo, cigana; Carlos Tovar, bailarina; Venâncio e Corumba, caboclas; Arí Guimarães, “garçonete” e Andiara Peixoto e Tânia Marques, almofadinhas.

Rodolfo Arena

Ulda de Rezende

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A 21 de fevereiro de 1947, a Companhia Iracema de Alencar-Rodolfo Arena passou a cumprir longa temporada no Teatro de Santa Isabel até a segunda quinzena de março. A peça espanhola Único Beijo, de L. Navarro e A. Torrada, com tradução de Daniel Rocha, marcou a estreia.Ainda no elenco, Ulda de Rezende, J. Matos, Geni França, Domingos Ferraz, Bibi Arena, Nelson França, Cacilda Maia, Umberto Freddy, Rute Berguam e Hélio Machado. Ainda no repertório, obras como Luz de Gás, de Patrick Hamilton, com tradução de Raimundo Magalhães Júnior, Mistério, de Castro Viana, Língua de Trapo, dos Estão Cantando as Cigarras, de Viriato Correia, Ciúme, de Verneuil, e Direito à Vida, de Joracy Camargo, entre outras.

Batendo à Nossa Porta e Fogueiras da Carne, todas do próprio Renato Vianna, Pense Alto, sátira de Eurico Silva, e Crime e Castigo, adaptação de Armando Louzada a partir do célebre romance de Fiódor Dostoiévsky, um “exagero oratorio de Renato Viana” que não foi bem recebido pelo crítico P. (Paulo Malta), no Diario de Pernambuco (14 de maio de 1947): Bons momentos não salvam o conjunto. Renato Viana foi, é e continuará a ser por tempo indeterminado o homem que acarecia irestritamente (sic) o Grandioso com G maiusculo. E [em] lugar de estar no Parlamento anda pelos nossos pobres palcos de provincia a querer impingir um teatro no qual só ele proprio acredita.

Em seguida, a partir do dia 2 de abril e até maio, ocupou o Teatro de Santa Isabel, com sessões diárias (às vezes duas por dia, mas também com paradas por conta de algum recital de piano já agendado previamente), a equipe de mais de vinte artistas do Teatro Anchieta, liderado pelo teatrólogo carioca Renato Vianna, que considerava sua companhia uma espé-

primeira estada no Recife em 1921, Renato Vianna agradeceu ao público e ressaltou a luta que vinha empreendendo pelo teatro nacional. E, numa prova de humildade, destacou a relação que manteve com a crítica teatral no Recife naquele momento. O Diario de Pernambuco (21 de maio de 1947) fez o também Ítala Ferreira, Maria Caetana, Beatriz Regina, registro: Flávia Passos, Ruy Viana, Vera Maria, Mauro Magalhães [Renato Vianna] Agradeceu o bom acolhimene Rui Bastide, entre outros. No repertório, peças nato que lhe foi feito pela plateia, os estimulos, cionalmente em destaque como Sexo e Deus, além de as restrições e mesmo os ataques da critica. Mona Lisa (trabalho apresentado na estreia), Jesus Está

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Renato Vianna

Nildes Botelho

Renato Vianna e Maria Caetana

Na sua idade, não se molestava com a critica. Acolhia-a, com espirito de receptividade e tolerancia. Citou nominalmente o critico teatral deste Diario, sr. Paulo Malta, a quem tambem agradeceu as reservas que havía oposto ao seu teatro.

Grupo Infantil de Comédias, dirigido por Waldemar Mendonça, fez sucesso com a sua apresentação no Salão Pio X, em Olinda, com o drama O Mártir do Calvário, sob patrocínio da Melpomene Pernambucana. Para o mês de junho foi preparada a montagem Um Milagre de São João, melodrama de Waldemar Mendonça, musicado por Lourival Santa Clara, no palco do Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa. No elenco, Angelina Oliveira, Jeanine Darcy, Iveraldo Silva, Antônio Oliveira, Hipólito Braga, Oscar Gonçalves, Olegário Fialho, Nildes Botelho, Isabel Barbosa, Nadeje Albuquerque, Mariângela de Abreu e Nilson Botelho.Três artistas revezavam-se como ponto, Gerson Vieira, H. Silva e A. Cavalcanti.

A 25 de maio de 1947 o palco do Teatro de Santa Isabel foi do grupo Teatro Samuel Campelo, que apresentou um festival onde constava a peça Crime da Meia Noite tor à frente, seguida de um ato de variedades. Já no dia 2 de agosto de 1947, um sábado à noite, foi o grupo Teatro Pernambucano, que tinha como diretor artístico Elpídio Câmara, quem conseguiu pauta no Teatro de Santa Isabel e lançou a peça Bicho do Mato, de Luiz Iglesias, celebrando mais um aniversário de fundação do saudoso Grupo Gente Nossa. No elenco, entre outros, o próprio Elpídio Câmara, Aurora Tenório, Carmem Silva e Lourdes Monteiro. No dia 16, apresentou Aventuras de Um Rapaz Feio, de Paulo Magalhães, com os atores Aurora Tenório, Bastos Jú-

Elpídio Câmara

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nior, Berino Nunes, Carmem Silva, Lourdes Monteiro, Ramalho Silva, Joel Pontes (como ator cedido pelo Teatro do Estudante de Pernambuco) e o próprio Elpídio Câmara. Em seguida, nos dias 24 e 26 de agosto (neste primeiro em vesperal), também pelo Teatro Pernambucano, aconteceram sessões da peça Pão Duro, de Amaral Gurgel, que fazia parte do repertório da Companhia de para o público recifense. Elpídio Câmara vivia o protagonista, um milionário sovina, junto aos atores Joel Pontes, Lourdes Monteiro, Carmem Silva, Bastos Júnior, Mayerber de Carvalho, Aurora Tenório, Ismael de Carvalho, Cecília Gonçalves, Gerson Vieira, Heronides Silva, Cecy Ferreira e Abel Diniz. O crítico E. R., no Diario de Pernambuco (26 de agosto de 1947), elogiou a iniciativa, animando o grupo a seguir em frente, mas também pontuou aspectos negativos, aproveitando carioca Renato Vianna: A peça que o Teatro Pernambucano apresentou ontem no velho Santa Isabel foi bem recebida por todos quanto lá estavam animando o conjunto de Elpidio Camara. Não podemos fazer restrições ao grupo que no momento está dando o maximo de suas possibilidades. Sem dinheiro, sem dispor de bons cenários contando apenas com a boa vontade de alguns, o Teatro Pernambucano está assim mesmo conseguindo seu nome, está se impondo no meio teatral do Recife. Infelizmente Elpidio Camara não está comandando uma equipe de artistas da qual possa destacar-se pelo menos um que possa substitui-lo quando for preciso. Entretanto alguns revelam certo talento na arte de representar e com mais algum tempo poderão ser bons atores. [...] Na peça de ante-ontem, Pão Duro, varias pessoas diziam que Joel Pontes devia ter feito o papel de Ernesto e o que fez este papel era o mais indicado para ser o advogado Mario. [...] Tambem a artista que fez o papel da ticulação, precisando corrigir mais a maneira de traduzir a alegria. Uma das melhores promessas do Teatro Pernambucano, entretanto [infelizmente o crítico não cita o nome da atriz]. [...] No momento em que temos tão pouco

teatro no Recife (o Teatro do Estudante anda parado, o de Amadores tambem, conjuntos de fóra não há um) Elpidio Camara procura fazer o que pode em favor da arte. Animado por um espirito de moço, o diretor do Teatro Pernambucano vai preparando seu conjunto, seleciopossam surgir. Resta agora animar o conhecido ator pernambucano para que mais adiante tenhamos na cidade o verdadeiro teatro para o povo, ao lado do Teatro do Estudante, com Hermilo Borba Filho, o teatro para o povo que o sr. Renato Viana pretendeu nos mostrar e não passou de pretensão, unicamente.

A 10 de outubro de 1947, Pão Duro foi levada à cidade do Paulista, numa homenagem ao Grupo Teatral Amadores de Paulista, com apresentação no Cine-Teatro daquele município. Em novembro, o grupo fez nova visita aquele município, desta vez com a peça Cala a Boca, Etelvina!, de Armando Gonzaga, que já tinha participado de um festival da atriz protagonis360


ta Lourdes Monteiro, no Teatro de Santa Isabel, em setembro, desta vez em homenagem ao prefeito da cidade do Paulista, Ramiro Ramos de Lima. Pouco depois, levou a peça para o Teatro de Santa Isabel, em vesperal e sarau dominical. No elenco, Carmem Silva, Lourdes Monteiro, Bastos Júnior, Tâmara Matos, Heronides Silva, Gerson Vieira, Amara Tenório, Mayerber de Carvalho, Ceci Ferreira e o próprio diretor Elpídio Câmara. Pão Duro também voltou ao Teatro de Santa Isabel ainda em novembro, sob patrocínio do prefeito da cidade de Barreiros, José Canuto Santiago Ramos, com renda da bilheteria em benefício do Abrigo dos Pobres de Santo Antônio naquele município. O ano de 1947 representa o de menor produção para o Teatro de Amadores – o grupo já estava parado há quase um ano –, tanto que só lançou uma única peça naquele momento, mesmo próximo ao São João e com viagens agendadas por parte do elenco, Tinha de Acontecer, do dramaturgo e romancista alemão Leonhard Frank, com tradução e direção de Valdemar de Oliveira, mais um original do “teatro sério” e estrangeiro. A estreia no Teatro de Santa Isabel aconteceu ponto de vista em relação à pátria dos originais escolhidos. Escreveu Valdemar de Oliveira para o Diario da Noite (19 de junho de 1947): No que se refere ao valor teatral, não há teatro brasileiro, nem francês, nem norteamericano (sic), nem italiano, nem inglês, nem nada disso. Há boas peças e há peças más. [...] O que sucede é que o teatro estrangeiro é, pela

idade e pela cristalização cultural, mais rico em peças de valor do que o nosso, ainda incipiente. [...] Sentindo mais rica a seara estrangeira, é natural que os Amadores encontrem, nela, tas são as grandes peças do teatro nacional já editadas? [...] A soberania da Arte paira acima do conceito de Pátria.

O autor agora escolhido pelo grupo, Leonhard Frank, manha em 1933 e foi refugiar-se nos Estados Unidos da América, em 1940. Dois anos depois de terminada a Segunda Grande Guerra, o novo espetáculo do Teatro de Amadores abordava o tema dos lares desfeitos acontece num campo de prisioneiros da Rússia de

Leonhard Frank

instituições sociais voltadas à campanha contra a tuberculose. No elenco, Adelmar de Oliveira, Valdemar de Oliveira, Mário Barros, Maria do Carmo Carvalho, Diná Rosa Borges de Oliveira, Bebé Salazar, Alfredo de Oliveira e Walter de Oliveira, este ainda cuidando da sonoplastia e da iluminação. Tinha de Acontecer fez nascer muitos comentários críticos na imprensa, uns mais outros menos embasados. O pseudônimo M. foi 361


o primeiro a escrever para o Jornal do Commercio (20 de junho de 1947): A peça mostra as desgraças da guerra num campo de concentração, e as consequências familiares que ela acarreta: homens que ao voltar encontram o lar ocupado por outro e aí age o instinto, com o subconsciente trabalhado pela ferocidade para sumária vingança rápida, salvando-se alguns que raciocinam e aceitam a situação para resolvê-la calmamente. É uma dessas excepções que a peça nos apresenta. Um guerreiro que passa a vida tormentosa a pensar, em todos os instantes, na espôsa que deixara, e, ao chegar, a encontra com o amigo que lhe salvara a vida. Desempenho, como sempre, muito harmônico, tanto pelos que se apresentam treinados com representações anteriores e constituem a primeira linha do Amadores – Valdemar, Adelmar, Diná de Oliveira – como por alguns estreiantes (sic), dentre os quais merece referência especial a snra. Carminha de Carvalho, de notável desembaraço e pendor acentuado para o palco.

Tinha de Acontecer

Para o Jornal do Commercio (22 de junho de 1947), Hermilo Borba Filho analisou, assim, a peça Tinha de Acontecer: Sou daqueles que acreditam que não se deve criticar uma obra dramática sem uma leitura cuidadosa e meditada, antes da sua encenação. Li, em uma tradução francesa, há uns bons dois anos, Carlos e Ana (não sei por que Valdemar de Oliveira transformou o título, em sua versão, para esta frase Coleção das Moças: Tinha de acontecer... (Karl und Anna é o título original)) e dela guardava uma lembrança mais ou menos vaga. [...] Dos sentimentos confusos que explodiram durante e, principalmente, depois da guerra de 1914-18, num crescendo de angústia individual tendendo sempre para o mistério do sexo, Leonard

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Frank extraiu uma melhor enquadrada dentro da estrutura de um romance, onde o psicológico poderia dar, no caso, uma melhor profundidade. Não creio que o autor alemão tenha conseguido realizar completamente os desdobramentos dos estados dalma de Ana, Carlos e mesmo Maria com aquêle amor quasi platônico, no início, por Ricardo. As palavras somente não alcançaram o que poderia ter alcançado a análise de uma construção de romance, talvez possível de ser substituída por certas pausas e silêncios, onde as intenções valessem. O ponto mais fraco da peça é, em sua construção, o choque de estilos [entre o expressionismo e o naturalismo, discorrendo por longo texto com exemplos].

maior profundidade psicológica, os diálogos fôssem interrompidos por mais pausas, onde as paixões ocultas se deixassem compreender em sua interpretação sem palavras valendo a pena salientar a snra. Carminha Carvalho que temente talvez, sem que porisso (sic) diminua o seu mérito e a sua sensibilidade – não abusando do tom declamatório e dos gestos mecanizados.

No dia seguinte, mesmo não se dizendo crítico teatral, Andrade Lima Filho escreveu longo texto sobre Tinha de Acontecer e os temores despertados nele sobre o futuro do Teatro de Amadores. Publicou na coluna Artes e Artistas, do Diario da Noite (23 de junho de 1947):

Tinha de Acontecer

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Tinha de Acontecer

Não creio que Valdemar de Oliveira tenha sido feliz na escolha do original de Leonhard Frank para essa volta relâmpago dos Amadores ao Santa Isabel. Tinha de Acontecer (no original alemão Carlos e Ana) não oferece só, como ponto mais fraco, aquele choque de estilos a que se referiu, comentando-a, o sr. Hermilo Borba Filho, isto é, aquele pulo do expressionismo, característico dos teatrólogos alemães, para o naturalismo, com sacrifício do “elan poético da realização”. Além disso, e talvez por isso mesmo, a peça apresenta os Amadores não conseguiram superar, posconfessar lisamente que não conheço o original da peça. E essa ignorância, talvez, me ar-

raste ao anatema inicial do sr. Hermilo Borba, que exige do crítico de uma obra dramática uma cuidadosa e meditada leitura preliminar da mesma. Ora, para mim, que aliás não sou crítico, o teatro não é leitura, mas visualização. Portanto, muito diferente do romance. Para mim, como expectador (sic), não interessa o original, e sim a encenação, do mesmo modo que a execução, e não a partitura, é o que interessa ao assistente de um concerto. A peça se desenvolve numa atmosfera do após-guerra. [...]. Almas destroçadas que permanecem marcadas pela loucura, cujos rumores não se extinguiram com o último tiro. Porque aquela loucura continua no interior dos lares a batalha mudou de cenário. Deixou o “front”,

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cender-se na frente interna das almas estropiadas, desajustadas, ganhando, assim, muitas vezes, uma intensidade terrível. Sobretudo quando essa batalha desce ainda mais, como na peça de Frank, para mergulhar nos porões de Carlos, de Ricardo e Maria? Todavia, saí do teatro com saudades daquelas noites áureas dos Amadores, em que nos deram uma Comédia do Coração, por exemplo, ou mesmo aquela Dama da Madrugada. Será que o conjunto

de ensaios, tenha tirado o melhor rendimento da peça, despindo-a de sua força de sugestão, de intensidade psicológica? Resta-nos esperar, para um melhor juízo da capacidade atual do conjunto, a próxima volta dos Amadores, que se dará após a viagem que Valdemar pretende fazer ao Rio. E êle nos promete dois originais de folego: O Pecado Original, de Cocteau, o último sucesso da grande, efetivamente grande Henriete (sic) Morineau, no Rio, e as Bodas de Sangue, de García Lorca, um nome que dispensa apresentação. Nessa temporada eu “madrugarei” no teatro com a disposição de sempre: o primeiro a aplaudir, o último a censurar.

Sonoro, com sessões contínuas das 14 às 18 horas, aos sábados, levando-o também para festas de aniversário e outras reuniões infantis particulares. Segundo o Jornal do Commercio (3 de setembro de 1947), a programação médias, etc.”. Ainda para agradar a meninada, naquele mês o Circo Nerino estava armado no bairro de Água Fria. Bom lembrar que a vinda de circos ao Recife era constante já há algum tempo, principalmente nos últimos meses de cada ano, numa época em que ainda era possível ver dramas circenses em suas programações como opção de diversão para toda a família. No dia 7 de setembro, no município do Jaboatão dos Guararapes, foi inaugurado o Cine-Teatro Samuel Campelo, de propriedade particular da Companhia Mulher Exótica, com Gary Cooper e Ingrid Bergman, teve a honrar de abrir aquela casa de espetáculos. Nesta mesma data, incluída nas festividades da Prefeitura do Recife, o Teatro de Amadores voltou a

sessões voltadas a todas as idades, o empresário Antônio Barreto estreou naquele ano o Baby Cinema, no Edifício Trianon, bem no centro do Recife, inicialmente com projeções mudas. No mês de setembro, ele adquiriu aparelhagem sonora e inaugurou o Baby Cinema 365


Cine-Teatro Samuel Campelo, no município do Jaboatão dos Guararapes

apresentar a montagem de A Comédia do Coração, de Paulo Gonçalves, com direção original de Turkow, preparada ainda em 1944 e divulgada por eles como “o mais belo espetaculo dos amadores”. Por dias e dias antes e depois da reestreia, Valdemar de Oliveira aproveitou o espaço que tinha na coluna Artes e Artistas, no Diario da Noite, e foi publicando longos resumos sobre a trajetória de cada um dos intérpretes da peça: Alderico Costa, Alfredo de Oliveira, Adelmar de Oliveira, Walter de Oliveira, Diná Rosa Borges de Oliveira, Geninha Sá, Maria de Lourdes Oliveira, Denise Albuquerque e a estreante Maria do Carmo de Carvalho. A Comédia do Coração representou um importante momento para o Teatro de Amadores, chegando a ser considerado o ponto culminante da trajetória artística do grupo até então. A encenação pôde contar com a nova aparelhagem de luz do Teatro de Santa Isabel, que deu um brilho ainda mais invulgar à curta temporada, por quatro dias, até 14 de setembro (sendo esta a 16ª representação da obra pelos amadores). Ainda em setembro, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior voltou a fazer parada no Recife para cumprir temporada no Teatro de Santa Isabel a partir do dia 18. Entre as peças apresentadas, com os domingos tendo sessão dupla, Os Maridos Atacam de Madrugada, de Paulo Orlando, trabalho da estreia, Direito de Ser Feliz, O Grande Marido, ambas de Eurico Silva, Onde Estás, Felicidade?, de Luiz Iglesias, O Marido Nº 5, de Paulo Magalhães, Dia de Eleição, de Umberto Santiago (que chegou a nove representações de su366


a participação de artistas populares. A entrada era sempre franca. Na estreia, a 5 de outubro, foi promovida na Casa do Estudante de Pernambuco uma sabatina-dominical de abertura, tendo o poeta e folclorista Ascenso Ferreira no comando da discussão sobre representações populares. Na plateia, estavam sendo aguardados poetas e pregoeiros populares, além de representantes de pastoris, circo de cavalinhos, maracatus e bumba-meu-boi. Cheiroso do Mamulengo

Na semana seguinte foi a vez do jornalista e teatrólogo Silvino Lopes abordar o tema “Formas e Combinações de Teatro”, e, num outro momento, Barreto Júnior tratou da chanchada e da defesa do mam-

cesso), A Pensão de Dona Stela, de Gastão Barroso, e O Tal Que as Mulheres Gostam, de Miguel Santos. Por sua vez, o Teatro do Estudante de Pernambuco, agora contando com o patrocínio da Diretoria de Documentação e Cultura, promoveu uma série de palestras e mesas redondas agendadas semanalmente com

Barreto Júnior


bembe. Já Suzana Rodrigues, esposa do desenhista Augusto Rodrigues, falou do teatro de bonecos e de sua atuação como diretora de um mamulengo em São Paulo. Em dezembro, foram convidados MilEsporte Em Marcha e diretor do Ballet da Juventude, e Luiz Maranhão, que abordou o teatro irradiado. Paschoal Carlos Magno, por passagem breve no Recife, até foi convidado, mas não pôde proferir sua palestra por outros compromissos. Com atenção a meninos e meninas, de 10 a 17 de outubro a Secretaria de Saúde e Educação resolveu comemorar a Semana da Criança com um “grande movimento de propaganda e educação popular, destinado a chamar a atenção pública para os problemas de proteção e assistência à infância”, conforme o Jornal do Commercio (27 de setembro de 1947). Na pesquisa Teatro Para Crianças no Recife – 60 Anos de História no Século XX (2013. p. 35.), Leidson Ferraz pontuou o que acontecia:

Amauri de Medeiros, do Grupo Escolar José Maria – que levou à cena a comédia Nem Tudo Que Brilha é Ouro; do Grupo Escolar Pedro Celso, do Teatro Paroquial do Barro, ligado à Congregação da Doutrina Cristã; do Colégio Americano Batista – que encenou o “bailado fantasia” Ao Romper da Madrugada e o drama Branca de Neve, em 3 quadros; do Grupo Escolar Manuel Borba e do Preventório Bruno Veloso – com a “suíte infantil” O Sapo Dourado, de Heckel Tavares e Marta Dutra. As apresentações aconteceram nas próprias instituições ou, raramente, no Teatro de Santa Isabel. E o teatro praticado nas escolas ganhou destaque com isso.

Em novembro, a popular Festa da Mocidade voltou a ocupar o Parque 13 de Maio e ganhou destaque novamente na imprensa por sua XI edição. Com noites mais do que concorridas, diversas atrações agradavam ao público adulto no Teatro de Variedades, com revezamento constante de artistas, como o cantor Batista Sousa, a cantora e acordeonista Dilú Como Pernambuco vinha apresentando ín- Melo, a sambista Lidinéa Maia, a bailarina Lídia Naldi, dices alarmantes de pobreza e mortalidade o marombista Alêxos, os humoristas Marreco e Zé Coió, o poeta sertanejo Zé Praxedes, o casal de baineste momento e várias entidades resolvelarinos acrobatas Les Erc, a sambista Flora Matos e a ram participar com ações em todo o estado. cantora de músicas regionais, Isaurinha Garcia, entre Os problemas da criança passaram, então, a outros. Para a criançada, nas tardes vesperais dos ser discutidos e diversos grupos escolares recifenses criaram festas em benefício das domingos e feriados, eram oferecidos os programas instituições voltadas à infância, com o teatro Calouros Infantis, Expresso Azul e Trem da Alegria, sempraticado por meninos e meninas sendo uma pre com distribuição de prêmios. Também fez sucesdas atrações. Foi o caso do Grupo Escolar so, mais uma vez, a Noite das Senhorinhas, com sorteio de brindes.

Luiz Maranhão

Paschoal Carlos Magno

Todos os artistas que trabalhavam nos shows noturnos da Festa da Mocidade também se exibiram nas tardes para a criançada no mês de dezembro, sob o comando do humorista Zé Coió, animador dos espetáculos, tanto os para a infância, às 16 horas ou para adultos, às 20h30 ou 22h30. Entre as atrações, os acrobatas humorísticos Duran Brothers, o conjunto de acrobatas mexicanos Los Colegiales, a sambista Flora Matos, Ataulfo Alves e Suas Pastoras, os cantores Francisco Carlos e Maria Dandall, esta última mexicana, o sanfonista Luiz Gonzaga, ainda em início de carreira e mais tarde aclamado como o Rei do Baião, Januário de Oliveira, cancionista e imitador, e La Consuelo, cantora de 368


Trio Los Colegiales

música internacional. O Parque de Diversões Shangai e barracas de prendas e jogos “passa-tempo” também dividiam a atenção da meninada. É importante citar que o Grupo Infantil de Comédias continuou a promover durante todo o ano de 1947 sua sessão mensal com peças diferentes a cada vez, no Cine-Teatro Olinda, no bairro do Feitosa. Em setembro, por exemplo, produziu A Filha do Operário (na época já contabilizando oitenta e sete representações desde o seu surgimento em 1941); em outubro, foi a vez de A História do Mendigo, e, em novembro, Reminiscências, sempre com texto de Waldemar Mendonça, diretor do grupo, e música de Lourival Santa Clara. Para encerrar o ano, duas novas peças de uma só vez em dezembro, Buscando a Felicidade, de Josué Leite, e Flor do Mato, de Heronides Silva. Com a obra Espectros, de Ibsen, o Teatro dos Bancários, depois de um bom tempo parado, voltou à cena e promoveu quatro representações nos dias 29 e 30 de novembro e 3 e 8 de dezembro, sempre no Teatro de Santa Isabel. A luta para que a peça viesse ao cartaz foi tremenda, e Valdemar de Oliveira reconheceu isso, fazendo referência também às batalhas que o Teatro de Amadores enfrentava. O registro foi feito em sua coluna A próposito..., no Jornal do Commercio (20 de novembro de 1947): O que nos está faltando a todos nós, isso sim, é um bom ensaiador. E, antes disso, teatro. Porque Bancários e Amadores vêm lutando, em

primeiro lugar, contra a falta de local para ensaios e representações. O amadorismo teatral no Recife boquiabriria o Brasil inteiro no dia em que dispusesse de um teatro onde, sem pausas, pudesse exercer suas atividades e, também, de um ensaiador idôneo. Podemos dizer que ensaiadores não faltam. [...] Mas, quando será que o Santa Isabel permitirá isso?

No elenco de Espectros, Reginalda Luna, Estévão Tôrres, Hermógenes Viana, Mário Tôrres e Eunice Tôrres. Mesmo bem precário, Valdemar de Oliveira analisou o trabalho em sua coluna Artes e Artistas, no Diario da Noite (3 de dezembro de 1947): Assistindo o espetáculo dos Bancários, minhas palavras são de vivo estímulo, como em outras oportunidades o foram. Todos os que tomaram parte nele têm, sem qualquer sombra de dúvida, qualidades artísticas que serão massa plástica em mãos de um orientador sagaz. Não há um só que se possa apontar como uma negação para o palco. Se aceitam um conselho, êsse será sempre no sentido de escolherem a peça na conformidade dos elementos de que dispuserem, assegurando igual cuidado à composição da cêna que foi, desta vez, sumamente precária.Vão para diante – assim devem fazer todos os amadores – e sua tenacidade, seu idealismo e suas ambições honestas hão de ser premiadas como merecem.

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A partir do dia 5 de dezembro de 1947, o Circo Garcia iniciou temporada no Parque 13 de Maio, tendo como uma de suas atrações, entre números variados, a peça Cumparsita. Nos seus anúncios publicitários, divulgava ser uma “Moderna Companhia de atrações e variedades, grande coleção zoológica, composta de leões, ursos, macacos, leôas e o maior elefante até hoje visto”, conforme publicação no Jornal do Commercio (5 de dezembro de 1947). Naquele último mês de 1947, o Teatro de Santa Isabel recebeu ainda a turnê do Orfeão Infantil Mexicano, após êxito de apresentações no Rio de Janeiro e São Paulo. O conjunto coral, formado por trinta e duas crianças dos oito aos quatorze anos, sob a regência do maestro Alarcon, foi apresentado por três noites seguidas, com o Juizado de Menores liberando a entrada de crianças acima dos dez anos. Mas, apesar de toda a propaganda feita pelo jornalista Valdemar de Oliveira recomendando-o, o público não foi o esperado. buco as últimas notícias teatrais do ano, pois o grupo patrocinou a montagem de Presépio de 1888, de autor anônimo, com o elenco do Centro Educativo Operá-

rio de Água Fria; lançou ainda o Concurso de Frases do T.E.P. para estudantes que deveriam responder a

de ver em uma peça teatral? Como acha que o teatro pode ser útil ao povo? – e concorrer ao prêmio de dois mil cruzeiros doados pela Casa Vantuil e Elizabeth Arden; e prometia para o início de 1948 a divulgação do seu Concurso de Peças, com pagamento em dinheiro e a publicação da mesma, esperando apenas to Freyre, Hermilo Borba Filho,Valdemar de Oliveira, Luiz Delgado e Álvaro Lins. E terminou assim a temporada artística de 1947 no Recife. Só como lembrança sobre o teatro no restante do mundo: foi com a proposta de ser uma “alternativa criativa” ao teatro comercial norte-americano, que surgiu em 1947, na cidade de Nova York, o Living Theatre, uma das mais importantes companhias de teatro dos Estados Unidos, lançada pelo casal de atores, diretores e teóricos teatrais Julian Beck e Judith Malina, trupe que no ano 1970 veio trabalhar com Corrêa, em São Paulo. A parceria durou seis meses.

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O

ano de 1948 foi alvissareiro! Produções importantes para o cenário teatral pernambucano surgiram no repertório de grupos como o Teatro de Amadores, aqui iniciando o processo de renovação dos seus procedimentos cênicos, e o Teatro do Estudante de Pernambuco, além do surgimento do Teatro Universio Recife naquele momento, a de Milton Carneiro-Vanda Lacerda-Mário Brasini, a de Barreto Júnior, a de Viviani-Lyson Gaster e a de Mesquitinha, todas de teatro declamado, além da dos ilusionistas Fu-Manchú e Hong-Chú. E, para encerrar 1948 com “chave de ouro”, o Teatro de Amadores produziu A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, sob direção de Valdemar de Oliveira, que se constituiu na melhor montagem do grupo até hoje e no maior acontecimento artístico daquele ano. Contratado no Rio de Janeiro, o encenador Adacto Filho veio passar três meses no Recife e dirigiu para o Teatro de Amadores obras de Guimerà, Molière e Pirandello e, para o Teatro Universitário de Pernambuco, As Férias de Apolo, de Jean Berthet, trabalho de estreia do conjunto. Até a chegada de Adacto Filho, o Teatro de Amadores só havia trabalho com um único encenador convidado, o polonês Zygmunt Turkow, na peça A Comédia do Coração.Todas as outras monpôde lançar A Casa de Rosmer, de Henrik Ibsen, entre várias outras atividades do seu coletivo, iniciando no Recife, inclusive, as discussões entre artistas e plateia após cada sessão. Por sinal, o TEP divulgou, ainda em janeiro, o resultado do seu com o então estudante de Direito e poeta, ArianoVilar Suassuna, pela peça Uma Mulher Vestida de Sol.


Encruzilhada, São José, Mira Mar/Pina, Glória, Império, Duarte Coelho, São João/Tegipió, Olinda/Feitosa e Rivolí) não faltava programação, o Teatro de Santa Isabel, mesmo com nova aparelhagem elétrica, só recebeu atividades como o espetáculo de bailado de Madeleine Rosay, junto ao pianista Júlio Braga, o violinista José Gegna e o maestro Nelson Ferreira, em três sessões pelo tamanho sucesso, ou o show de despedida do bandolinista Luperce Miranda, que estava para partir do Recife. O ator Elpídio Câmara foi outro que viajou naquele mês, para cumprir turnê no elenco da “Grande” Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior, pronta para circular pelo Norte. Já o Circo Nerino continu-

Mas o ano começou pegando fogo mesmo com a continuidade da Festa da Mocidade, no Jardim 13 de Maio. As atrações eram muitas e variadas: Mr. Justin, mágico e ilusionista, e Stelinha Egg, cantora folclórica, em maior destaque, mas ainda tinha Januário de Oliveira, cançonetista e imitador, o sanfoneiro e cantor Luiz Gonzaga, Los Colegiales, Duran Brothers, Ataulfo Alves e Suas Pastoras, Marion Rangel, Zé Coió e Francisco Carlos, entre circenses, cantores e humoristas. As sessões noTeatro deVariedades aconteciam às 20h30, 22h30, 24h30 e três horas da madrugada! E se nos vinte e três cinemas em funcionamento naquele primeiro mês de 1948 (Parque, Moderno, Royal, Boa Vista, Art-Palácio, Trianon, Politeama, Torre, Ideal, Eldorado, Real, Espinheirense, São Miguel, Popular,

sentar o drama A Canção de Bernadete. Antes mesmo de acabar janeiro, a Festa da Mocidade encerrou suas

Venâncio e Corumba

Alvarenga e Ranchinho


teatral que faz teatro limpo”, lembrou o Diário da Manhã (17 de janeiro de 1948). Entre os trabalhos do repertório nacional e internacional, num total de trinta e cinco sessões, as peças O Neto de Deus, de Joracy Camargo, Estudantes, de Mário Brasini, em festival do ator Oswaldo Louzada, e O Amor Quer Não Morreu, Um Raio de Sol (ambas recordistas com sete apresentações), Um Beijo na Face, O Irresistível Lohengrin, O Ritmos e Canções, festa artística promovida pelas pro- Secretário de Madame, Tôda a Vida em 15 Dias, Gente fessoras Betsy Gatis Mendes e Cecí Maia Amorim Honesta, Maria Cachucha, Sua Excelência, o Criado e O Silva, de um curso de danças com crianças e senho- Anjo da Meia-Noite. A 2 de abril a imprensa noticiou rinhas “da melhor sociedade de Olinda”, conforme o a fundação do Teatro Universitário de Pernambuco Diário da Manhã (20 de janeiro de 1948), ocupou o (TUP), como associação presidida pelo acadêmico FeTeatro de Santa Isabel ainda em janeiro, com renda lipe Tiago Gomes, do Diretório Central dos Estudanem benefício da Colônia de Férias Para o Filho Sadio tes da Universidade do Recife, o mesmo que fundara do Lázaro. Pouco depois, houve recital da Sociedade a Campanha Nacional dos Educandários Gratuitos e Pró-Música. O Serviço Social do Comércio (SESC), acabou afastado do Teatro de Estudantes de Pernamcom menos de um ano de atividades no Recife, ganhou novo diretor. Rafael Alves, presidente da Federação do Comércio Varejista do Nordeste Oriental, entregou o cargo a Mário Gonçalves Pena, presidente da Federação do Comércio Atacadista do Nordeste Oriental, recentemente fundada. E a entidade prometia fazer e acontecer, o que se viu de fato nos anos a seguir. Durante as festas de Momo, o Teatro de Santa Isabel serviu até para receber um “Baile de Gala” em homenagem às Forças Armadas, promovido pela Associação dos Cronistas Carnavalescos. atividades, com matinées infantis, a Noite de Zé Coió e participação de atrações como os Índios Canidés, troupe Pan Yan Chuin, um pastoril com os artistas do Teatro de Variedades, todos sob a direção de Venâncio e Corumba, e a dupla Alvarenga e Ranchinho. Teve, inclusive, o primeiro grito de carnaval por lá, com clubes, troças, maracatus e concurso de passo.

Passado o carnaval, o principal palco do Recife pôde abrigar a temporada da companhia teatral Milton Carneiro-Vanda Lacerda-Mário Brasini, “organização

O Neto de Deus

Felipe Tiago Gomes Teatro Universitário de Pernambuco

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Teatro do Estudante de Pernambuco

buco. Mas de antemão seus elementos disseram não querer disputa com o TEP. Inicialmente, programaram Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, mas a peça de estreia acabou sendo As Férias de Apolo, de Jean Berthet. Como o Teatro de Amadores, O TUP apostava na premissa do “bom teatro”. Por sua vez, certo de investir cada vez mais no teatro popular, Hermilo Borba Filho teceu o seu pensamento na coluna Fora de Cena, que assinava quase que diariamente no jornal Folha da Manhã – Vespertina (27 de abril de 1948): Cada vez mais me convenço de que a salvação para o teatro brasileiro consiste na procura do popular, tomada como ponto de partida para a criação de uma arte dramática do todos os seus motivos, porém transformados artisticamente. Não somente como representação, mas principalmente como criação, o popular deve ser usado, claro que por mãos hábeis e apaixonadas. O Teatro do Estudante tenta, através dos seus elementos, as duas formas. Ariano Suassuna, José de Morais Pinho e José Ruy Barbosa, principalmente os dois primeiros, lutam para escrever peças que contenham, antes de mais nada, o espírito popular do nordeste. Eu mesmo, que iniciei o trabalho com João sem terra, volto-me agora para os Autos das assombrações, material de uma riqueza imensa, tentando criar, ao mesmo tempo, tragedia e ballet com cantos. Isso quanto ao aproveitamento dos eternos moti-

vos populares, porque quando á intenção de educar teatralmente o povo dos suburbios, os estudantes dão os ultimos aprontos á peça de Ibsen, A Casa de Rosmer, com que deverão aparecer no próximo dia 5 de maio, no palco da Escola Técnica do Derby, em espetáculo absolutamente gratuito. E não se diga que Ibsen é o dramaturgo norueguês é incompreensível para os menos letrados, se nunca lhes demos nada nesse sentido?

Tentando modernizar sua atuação com padrões artísticos mais rigorosos e optando por obras mais densas, o Teatro de Amadores iniciou seus trabalhos em 1948 com a estreia, a 3 de abril, no Teatro de Santa Isabel, da peça espanhola Planície, de Àngel Guimerà, em celebração ao sétimo aniversário do grupo. Os ensaios foram exaustivos para a equipe, e a imprensa recifense criou grande expectativa em torno da montagem. A direção do carioca Adacto Filho – também tradutor da obra – foi saudada como um avanço artístico do conjunto amador. Ele já havia dirigido o grupo símbolo da modernidade teatral no país, Os Comediantes, sendo um dos seus fundadores, à frente de peças como Capricho, de Alfred de Musset, e O Leque, de Carlo Goldoni, e participou ainda do Teatro do Estudante do Brasil. Sua vinda ao Recife foi aplaudida por Hermilo Borba Filho que, embora discordando da linha do trabalho tapiano em algumas peças, não escondia sua admiração pelo grupo, no qual exerceu várias funções. 374


Ele acreditava que uma nova fase do coletivo estava começando, e fez um paralelo com a atuação d’Os Comediantes no Rio de Janeiro. Escreveu, então, para a Folha da Manhã – Vespertina (15 de maio de 1948): Quando alguém fôr escrever a história do teatro brasileiro, necessariamente terá de dar um saltinho até aqui em Pernambuco e procurar documentar-se em tudo quanto diga respeito ás atividades do Teatro de Amadores, pois êsse conjunto é, sem favor, um dos pioneiros no movimento de renovação que se processou nos processos teatrais do país. Lembro-me que, há sete anos atrás, quando os comandados de Valdemar de Oliveira montaram Knock, de Jules Romains, Os Comediantes no Rio, haviam ou iam apresentar, por sua vez, A verdade de cada um, de Pirandello, sob a direção de Adacto Filho, se não estou enganado. Responsabilizaram-se, assim, os dois grupos – o do Norte e o do Sul – pelo inicio de uma fase que está levando o teatro brasileiro a alturas ainda não atingidas. Uma honestidade de propósitos e visão artistica sempre nortearam a escolha dos originais que o grupo pernambucano ia apresentando uns após outros e se alguma vez saiu dessa linha não foi tanto para condescender com o publico, mas para apresentar obras menos não revelavam máu teatro. Isso aconteceu com Primerose, [A] Exilada e [A] Evasão, mas de então para cá o nivel de repertório foi subindo e ao Teatro de Amadores devemos o conhecimento de dramaturgos, os quais nun-

Adacto Filho (ao centro) e o Teatro de Amadores

ca veriamos por êstes lados [...]. Responsável, ainda, por quatro excursões a outros Estados do Norte, o grupo dirigido por Valdemar de Oliveira criou não resta duvida – uma mentalidade diferente no Recife, com relação ás coisas da arte dramática. Não importa que possamos divergir em certos aspectos do movimento dos Amadores, mas o que é certo é que a sua luta de sete anos foi uma luta com vitórias e das mais expressivas.

No elenco de Planície estavam Diná Rosa Borges de Oliveira, Adelmar de Oliveira, Otávio Rosa Borges, Bebé Salazar, Vicentina do Amaral, Valdemar de Oliveira (numa caracterização quase irreconhecível para o velho ermitãoTomaz), Walter de Oliveira, Alderico Costa, Dédrano Lima, Mário Barros, Reinaldo Rosa Borges de Oliveira e a estreante Lurdita Reinaldo. Os cenários foram adaptados por Lula Cardoso Aires, sob sugestões de Adacto Filho. A peça fez segunda sessão no dia 4 de abril de 1948, mesma data em que o Conjunto Teatral Estudantil apresentou, no Teatro Paroquial do Barro, , de Silvino Lopes, já vista no interior do estado. No elenco, Gilvan Barbosa, Clotilde Avanzi, Paulo (sobrenome não divulgado), Maria Alice, Maria da Glória Menelau, Edvaldo Saldanha, Claudecy


Planície

Os atores do Teatro de Amadores foram bem dispostos no palco, resultando de uma marcaidéia de naturalidade, compondo quadros plasticos, harmonizando-se perfeitamente com o cenario, em proporções e em combinações de cores. Não houve uma cena em que os atores se enquadrassem mal ou se movimentassem forçadamente. E’ verdade que, dessa maneira, despresou-se (sic) um dos fatores essenciais do drama, que deve ser dirigido aos ouvidos do espectador e não aos olhos. Mas isso é ouna época do teatro pictórico. Se encararmos, porém, o espetáculo de sábado como um drama que deveria ser dirigido ás faculdades au-

Cordeiro e João Chaves. A equipe prometeu ainda estrear nos próximos meses, O Louco da Aldeia, Esposa e Mãe, Falso Juramento e Nada. Hermilo Borba Filho aprovou Planície, mesmo fazendo restrições na Folha da Manhã – Vespertina (5 de abril de 1948):

fosse valorisado (sic) da melhor maneira possível, vamos encontrar aí um defeito de técnica, pois a maioria dos personagens falava em um tom declamatório monocórdico, alguns francamente gritando, quebrando a possivel emoção que se pudesse ter. Creio que a dramaticidade concentrada valorisa (sic) muito mais o texto do que a dramaticidade gritada, principalmente com o diapasão de voz muito alto. Isso deu como resultado uma quebra de valores que se traduziu pela pouca atmosfera criada, muito mais intensa na intenção do autor, onde os elementos terra, sexo, escravidão são constantes. Notava-se, tambem, nos atores que interpretaram os personagens de Planície, em sua maioria, uma “gaucherie” de gestos, isto é, ás vezes os gestos se con-

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Planície

trapunham ás palavras, estavam em desacorque o sr. Adacto Filho, levou o seu cuidado ao ponto de ensinar gestos aos intérpretes. Isto deveria ter sido evitado, pois com a integração do ator no papel os gestos aparecerão naturalmente, cabendo ao diretor, apenas, corrigir os mais chocantes. Entretanto o todo da obra não se sentiu prejudicado com essas pequenas falhas, cabendo á direção uma boa parte, talvez a maior, dos aplausos recebidos. ensaiador, agora já conhecidas da platéia do de destacar, em primeiro plano, o sr. Valter de Oliveira, seguido pela estreante Maria de Lurnar uma Nuri diferente dessa menina, pela voz de uma doçura imensa e pela ingenuidade do seu carater. Otavio Rosa Borges, dono de um fazer mais do que fez, levando-se em conta a sua pouca experiencia do palco. Não comprometeu, absolutamente, deveria, apenas, ter evitado o patetismo de certas “tiradas” em tom declamatorio e a abundancia de gestos. Diná de Oliveira, já conhecida pelas suas qualidades dramaticas deu-nos uma Marta segura, muito melhor nas cenas de tormento concentrado do que nas ocasiões em que precisava inter-

vir vigorosamente. Adelmar de Oliveira desenhou um bom tipo de vilão, dono da terra e de todos, tendo momentos verdadeiramente muito bons. A caracterização de Valdemar de Oliveira estava muito boa, o ator conseguiu impregnar-se de uma aura de profeta biblico, o que vai muito bem com o espirito da peça de Guimerá, pois tôda a obra onde os elementos primitivos estejam em primeiro plano não pode fugir dos caracteres biblicos. Devia ter retirado do dedo o anel de brilhante, que faiscava com a luz, constituindo um êrro de técnica na composição do tipo. Os outros intérpretes compuzeram (sic) bem o elenco. O cenário muito bonito com relação á sobrienos dos personagens, mas não sabemos como tico. Para que fsose (sic) realista seria necessario que a rotunda não existisse, apesar das portas e janelas estarem pregadas nela. Para que fosse sintético tornava-se preciso afastar a rotunda, deixando as portas e janelas soltas no palco, retirando aquele fundo pintado com mau gosto, em choque violento com a beleza dos outros elementos.

Tierra Baja, a montagem de Planície foi avaliada pelo crítico Andrade Lima Filho, no Jornal do Commercio (6 de abril de 1948), fazendo contrapontos à escrita “entusiasmada” de Hermilo Borba Filho: Não creio que Planície – nome que tomou o trabalho de Guimerá na versão portuguesa

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Planície

– mereça ser considerada exatamente uma grande peça, digna de ser colocada à frente do teatro mais avançado do nosso tempo, como quer Hermilo Borba Filho. Deve-se compreender aqui por teatro avançado, aquêle que propõe, que debate, sob forma de tese, o problema social contemporâneo, dando-lhe um conteúdo revolucionário. A êsse respeito, a peça de Guimerá envolve de fato um tema que um marxista convicto consideraria sem demora sob o critério da luta de classe. Mas, no desenvolvimento dêsse tema, embora trabalhando um material excelente, o autor revela certa pobreza de concepção que se denota de imediato no uso de símbolos ou na insistência em situações já bastante conhecidas e demasiado exploradas. Há certa intensidade emocional na peça, é certo. Mas falta-lhe aquêle vigor, aquela

prodigiosa fôrça expressional que caracteriza as obras de um Garcia Lorca ou, sobretudo, de um O’Neill. Estes, sim, são de vanguarda. Dir-se-á, e não sem razão, que em Desejo sob os olmos luta animal dos instintos (que chega a ser arrepiante na peça de O’Neill) enquanto em Tierra Baja de classes, interessando dessarte, a luta social contemporânea. É verdade. E talvez dessa consideração tenha surgido o entusiasmo um tanto imoderado daquele jovem e brilhante crítico ao colocar Tierra Baja no primeiro plano do teatro de vanguarda.

Com ingressos sempre esgotados, Planície completou oito récitas no total, inclusive com parte da renda 378


Planície

para o Abrigo Nossa Senhora de Lourdes, de Olinda. lha do texto. Como Valdemar de Oliveira possuía espaço privilegiado na imprensa, já que podia reportar-se inúmeras vezes ao trabalho do grupo que dirigia, ele usou sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (23 de abril de 1948), para reclamar de algumas críticas feitas à montagem dirigida por Adacto Filho, lembrando, mais uma vez, dos seus inimigos: Creio que o mais grave êrro de visão crítica, em face da peça Planície, que o Teatro de Amadores está encenando no Santa Isabel, é o de considerá-la um dramalhão ou, se quiserem, um drama de capa e espada. Um comentário dessa ordem só se admite na boca de quem nada, absolutamente nada, entende de teatro. [...] Os que são capazes de catalogar Planície em tal gênero, deviam esperar, pacientemente, as temporadas de chanchadas. Porque essa é uma das muitas razões de lamentarem, os Ama-

dores, trabalhar tanto para ser tão mal compreendidos – mais do que isso, injustiçados.

O pesquisador Antonio Edson Cadengue, no livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) (2011, p. 188.), expôs seu pensamento sobre aquele momento do Teatro de Amadores: A renovação que Adacto enceta no TAP é difícil de perceber ou mesmo de admitir. Com ele, o repertório sofre uma mudança, porém seus processos de encenação ainda são à moda antiga: constrói um espetáculo ponto. Mas algumas lições de mise en scène são aprendidas por Valdemar de Oliveira: a maneira de o encenador conduzir os atores a compor diferentes tipos, a técnica de “levantar” diálogos e marcas, a gesticulação precisa e a mobilidade das máscaras faciais. De cada uma das peças que realiza, Valdemar

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Planície

No entanto, mesmo após uma série de artigos mais à frente sobre o trabalho de Adacto Filho, Planície pôde ser “apontada como o mais perfeito trabalho dos Amadores e cuja estréia constituiu o mais absoluto êxito já obtido no Recife por alguma companhia teatral”, como bem lembrou o Jornal do Commercio (8 de abril de 1948). Já a 6 de maio foi a vez de estrear Escola de Maridos, a primeira montagem de uma peça de Molière no Recife, com tradução de Artur Azevedo (que transpôs quase para a prosa os versos em setessílabos), no Teatro de Santa Isabel, também nas mãos de Adacto Filho, com cenários originalmente de Santa Rosa, mas pintados por Carlos Amorim. As cabeleiNo elenco, Walter de Oliveira (no papel de Sganarello), Lurdita Reinaldo, Alfredo de Oliveira, Carminha Adacto Filho e Valdemar de Oliveira Carvalho, Diná Rosa Borges de Oliveira, Otávio Rosa de Oliveira registra como ele vai obtendo, Borges, Valdemar de Oliveira, Dédrano Lima e Mário

ainda mais claras as funções de um metteur en scène pavio”; ou seja, da leitura da peça até o abrir da cortina, sem descuidar-se, evidentemente, dos problemas técnicos que cada peça impõe ao seu diretor. A passagem de Adacto gera debates, controvérsias, estimula o ambiente teatral do Recife. Mesmo sem o grupo render tanto quanto se gostaria, Valdemar de Oliveira sente que os frutos ainda podem transparecer em outros momentos, como vem a acontecer quando da montagem de A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca [no

um clássico do teatro francês, Hermilo Borba Filho comentou sobre a montagem do Teatro de Amadores na Folha da Manhã (20 de maio de 1948): Bom desempenho, de um modo geral, sentindo-se a experiência do Sr. Adacto Filho, de uma maneira salutar, conseguindo exprimir o espírito francês daqueles tempos. Guarda-roupa muito bem cuidado, no espírito da época. Um espetáculo que nada desmerece todos os triunfos anteriores; pelo contrário.

Andrade Lima Filho, por sua vez, escreveu para o Diario da Noite (20 de maio de 1948), não só defendendo 380


Escola de Maridos

Escola de Maridos, como também espinafrando Planície e a “má vontade” de alguns críticos com o Teatro de Amadores: Tenho cá minha opinião: acho que os Amadores Santa Isabel. Pouco importa que os grandes e já experimentados conjuntos possam fazê-lo melhor. [...] Adacto guardou, encenando Escola de Maridos dor de Tartufo, de O Doente Imaginário e outros trabalhos de notoriedade universal. Não fugiu às suas linhas mestras. E êsse fato, êsse

audacioso empreendimento só por si parece ter perturbado um pouco a sensibilidade um tanto hors-d’oeuvre de alguns críticos juvenis dessa vitoriosa realização com que os Amadores acabam de se erguer daquele medíocre terra-a-terra guimeriano de Planície. Essa reação é muito mais deplorável do que as falhas que o desempenho de Escola de Maridos porde contas, ou estamos deante (sic) de uma má vontade contra os Amadores, o que seria um prejuízo da crítica, ou de um alheiamento a Molière, o que seria imperdoável nos críticos.

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Escola de Maridos

Júlio Barbosa, o crítico J. B., que já havia chamado a peça de “uma demonstração de teatro-museu para o publico recifense, mostrando em mimica, como Moliére (sic), no seu tempo, criticava os costumes da epoca”, conforme publicou no Diario de Pernambuco (12 de maio de 1948), respondeu a esta provocação numa outra edição do Diario de Pernambuco (26 de maio de 1948): “Moliére (sic) pareceu-nos demasiadamente recitativo, falha que atribuimos tão somente ao responsavel pela direção de cena [...] trabalhado pelo sr. Adacto Filho mais mimico do que teatral e transmitimos ao publico nossas impressões”.

Rosmer, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, com tradução de Vidal de Oliveira, levando-a para espaços alternativos como o palco da Escola Técnica do Recife, no Derby (em sua estreia, mas ainda com outras quatro repetições por lá, sempre com casa cheia), o Cinema Rivolí, em Casa Amarela, e a Base Aérea do Recife, aqui

Um dia antes da estreia de Escola de Maridos, o Teatro do Estudante de Pernambuco lançou a peça A Casa de

Para esta peça que marca o 2.° aniversário das atividades do Teatro do Estudante foram dese-

os lugares, mas imprópria para menores de quatorze anos por determinação da Censura Policial. A montagem contou com patrocínio da Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura do Recife. O Diário da Manhã (28 de abril de 1948) deu mais detalhes:

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Diario de Pernambuco

A Casa de Rosmer

spot-lights

No Jornal Pequeno


A Casa de Rosmer

tre as estreias do Teatro de Amadores e do Teatro do Estudante de Pernambuco, com pesos diferentes para ambas: O T.E.P. andou bem porque demorou-se, mas, Amadores... pormelhor não teria jogado tão inconsequentemente o seu prestigio – como jogou – num espetáculo de tão poucos méritos. Não quero dizer com tudo isso que Casa dos Rosmer tenha sido uma coisa de pasmar. Nem muito menos que Moliére (sic) tenha sido “assassinado”, como se diz, pela gente de Valdemar de Oliveira. A verdade, contudo, é que o T.E.P. deixou a todos numa nova e ótima impressão, enquantao (sic) o velho lider do nosso movimento teatral deu uma triste mostra de fracasso que, com os elementos com que conta – a “prata de casa”, como se chamou – bem poderia ter levado avante coisa melhor e mais convincente. A primeira grande falha, para mim, dos Estudantes, foi a escolha da peça. Porque (sic) encenar uma peça que pede tanto espaço, quando o grupo se constituiu para pequenos palcos e até para barracas de representação ao ar livre? Isso prejudicou fundamente a realização cênica. Os atores estiveram como que engaiolados, pisando em ovos para os desdobramentos da marcação e dos gestos. A’s vezes, até as expressões dos

quando de fato – quer-me parecer – o que deveria estar em jogo deveria ser justamente o contrário: o grande ambiente senhorial que construira o caráter de Rosmers e de Kroll e atormentara e enlouquecera depois horrivelmente a alma boa e livre de Rebeca e West. Porisso (sic) ou talvez mesmo por um lapso também de direção, o outro defeito: a falta de conjunto. Os atores estiveram um tanto atomizados no palco, como se não tivessem – muitas vezes – nada que ver com o outro... Como se fossem moradores de um mesmo tecto, por exemplo, mas sem uma história comum, sem um problema comum, como acontece em todas as peças e era sobretudo verdade na Casa dos Rosmer. Mas é como digo: tudo poderá ter sido mero resultante da falta de espaço, que se anularia, é de ver, se a coisa tivesse lugar no Santa Isabel, por exemplo. A verdade, porém, é que nada conseguiu empanar o talento de um Joel Pontes, de um Genivaldo Vanderlei (sic) e de Ana Canen. Isso é que não. Sobrepujando não gosto, aliás – uma peça de grande auditório. Com os Amadores aconteceu o contrário. Moliére (sic) apareceu recitado, maçante e até bufão, em certas horas, ao contrário do que deve ser – do que deve ser pelo menos... – Filho não gosta que se diga. Já zangou-s (sic) uma vez. Mas o fato é que foi a direção. A direção não no que diz respeito ao conjunto – que

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a vitoria da arte. Pela escolha da peça e sua representação gratis para todos: é a vitoria da cultura. Pela superlotação sucessiva do teatro da Escola Tecnica do Derbi, numa demonstração evidente de que se pode fazer bom teatro fora do Santa Isabel: é a vitoria contra o preconceito. Hoje em dia é uma consoladora prova de redenção do nosso teatro o que certos grupos, como esse dos estudantes de Pernambuco, vêm realizando no país. Neste ponto, aliás, o Recife é uma cidade feliz com o seu grupo de amadores e seu Teatro do Estudante.Todos sabem como Ibsen é um dos au-

A Casa de Rosmer

esteve bom e graças a ela, sem duvida. A ele e á madureza dos Amadores. No que diz respeito, porém, ao trabalho individual. A gente vê claramente, em cada cêna que o ator faria muito melhor aquelas coisas. Que faria, mais não pode... agarrado a certos preconceitos cênicos que – é pelo menos a minha opinião – devem se acabar. Dina (sic) Rosa Borges, por exemplo, esteve irreconhecível. E Valter de Oliveira, de quem se espera sempre grandes coisas, sofreu mais que nenhum outro isso que vamos dizendo. O resultado de tudo é que o nivel dos Amadores baixou substancialmente, quando poseria ter subido.[...] Recita-se poesia, mas esta não é a melhor forma de dizê-la. No teatro é o mesmo: a peça como tantas vezes aconteceu no espetáculo de Escola de Maridos. Em suma o balanço é mes promessas, enquanto o Amadores ainda no auge de sua carreira.

Lordello de Mello foi outro que dedicou artigo repleto de elogios para A Casa de Rosmer. O material foi publicado na Folha da Manhã – Vespertina (15 de maio de 1948): O Teatro do Estudante está alcançando uma grande vitoria com a encenação de A Casa de Rosmer, de Ibsen. Uma vitoria de multiplos sentidos. Pelo brilhantissimo desempenho

simbolismo profundo, a constante luta psicologica dos seus personagens, aquela ancia (sic) pela vitoria absoluta da vontade sobre todos os efeitos da hereditariedade e do meio que Ibsen faz dominar em suas peças e que levou certo crítico a dizer que ele está, sempre, dissecando emoções complexas, tudo isso exige a harmonia de conjunto capazes de imprimir, na cena, a força dominadora do simbolismo, que atormenta, o desejo insopitado, a violencia da luta interior que tudo domina. A Casa de Rosmer e seus interpretes nos dão tudo isso exuberantemente: a peça por ser uma das maiores criações de Ibsen e os interpretes pelo seu extraordinario talento, por sua perfeita integração no espirito da obra, pela excelente direção artistica e até mesmo pela clareza da tradução, em linguagem tão direta quão util para se penetrar na trama da peça, onde os fatos, muitas vezes, apenas se enunciam nas sutilezas intelectuaies (sic) proprias do simbolo. No conjunto tão harmonioso que o Teatro do Estudante nos apresenta – e em que consiste, precisamente, uma de suas vantagens sobre as companhias teatrais do sul do país – num conjunto assim harmonioso é papeis de Rebekka West e de Rosmer, a cargo de Ana Canen e Genivaldo Vanderlei (sic), respectivamente, e que mais do que quaisquer outros trazem a marca ibseniana do simboKroll, a cargo de Joel Pontes, é um desempenho admiravel de quem demonstra já ter um


dominio absoluto sobre a tecnica e a arte de representar. Está de parabens o Teatro do Estudante de Pernambuco.

Pouco tempo depois da estreia, Hermilo Borba Filho escreveu à imprensa reclamando apoio dos poderes públicos e das entidades de classe diante das dívidas do TEP, que continuava, mesmo assim, a levar educação artística para o povo. Vale registrar que foi com este trabalho, segundo o Jornal do Commercio (11 de maio de 1948), que se iniciou “no norte do país o de cada sessão. À frente da Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura do Recife, o jornalista literário, escritor e biblioteconomista Edson Nery da Fonseca escreveu longo artigo elogioso para o Diario de Pernambuco (16 de maio de 1948) sobre a peça A Casa de Rosmer, não sem também provocar comparações entre o TEP e o Teatro de Amadores: Por que o Teatro de Amadores de Pernambuco escolheu, para dar início a uma temporada de aniversario, uma peça mediocre como Planície? Vemos, assim, que os conjuntos teatrais para o pequeno repertorio do Teatro do Estudante de Pernambuco, a gente vê que esses rapazes sabem escolher, sabem distinguir o teatro autentico dos outros: o de chanchada e o que não é – azar dele – nem chanchada nem teatro autentico. [...] Eles encontraram em Hermilo Borba Filho o diretor por excelen-

cia, aquele que reune á inteligencia, á cultura, á sensibilidade, os dons da intuição poetica, a experiencia e o conhecimento da tecnica do teatro.

Só a título de curiosidade, no dia 13 de maio de 1948, uma quinta-feira, na coluna Telas e Palcos, foram anotados vinte e oito cinemas sendo divulgados no Jornal do Commercio: Art-Palácio, Atlântico, Areias, Boa Vista, Casa Amarela, Duarte Coelho, Eldorado, Espinheirense, Encruzilhada, Glória, Império, Ideal, Moderno, Miramar, Mauricéa, Olinda (Feitosa), Parque, Politeama, Popular, Royal, Real, Rivolí, São Miguel, São José, São João, Santo Amaro, Trianon e Torre. Nenhum trazia programação dedicada às crianças. Entretanto, se os cinemas abriam pouco espaço para sessões voltadas a todas as idades, as rádios vinham conquistando cada vez mais público com seus programas de auditório e sorteios de brindes. As festas populares em espaços abertos, por sua vez, davam alguma chance à diversão de crianças com números variados de artistas, incluindo apresentações de bonecos. Naquele mês de maio, entre as atrações do Teatro de Santa Isabel, aconteceu a estreia do Teatro da União da Mocidade Presbiteriana do Recife na peça O Divino Perfume, de Renato Vianna, com direção de Heronides Silva e somente amadores no elenco – David Gueiros Vieira, Manuel Malta, Eurídice Fernandes, Zelda Fernandes e Anita Vasconcelos –; e o festival artístico do ator Luiz Maranhão na peça Atrás do Gato, de Teixeira

Planície

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Pinto, junto aos atores June Sarita, Norma de Andrade, Léo Maranhão, Marisa Reis, Jomar Austregésilo e Hélio zou a apresentação, que teve ainda, do palco, um capítulo irradiado da novela Feche a Porta do Destino. Em Olinda, a Melpomene Pernambucana ocupava o palco do Cine-Olinda preparando Sinos de Olinda, de Mário Sette, para estrear no Teatro de Santa Isabel, mas a peça só veio à cena em 1949, por conta do falecimento de um dos seus integrantes, Severino Ramalho. Aproveitando ainda a estada de Adacto Filho no Recife, o Teatro de Amadores montou três peças curtas de um ato cada, em um único espetáculo: As Laranjas

da Sicília, com Carminha Carvalho, Diná Rosa Borges de Oliveira,Valdemar de Oliveira, Alfredo de Oliveira e Bebé Salazar; O Homem da Flor na Boca, com Alderico Costa e Dédrano Lima; e O Azarento, com Walter de Oliveira, Lourdita Reinaldo e Adelmar de Oliveira, todas do italiano Luigi Pirandello (mas o desejo inicial era preparar A Verdade de Cada Um...). A estreia aconteceu no Teatro de Santa Isabel, no dia 26 de maio de 1948, após seis dias apenas de ensaios, estranhamente com “publico reduzidissimo, mas sele-

O Homem da Flor na Boca


to”, conforme o crítico J. B., no Diario de Pernambuco (28 de maio de 1948). Os compromissos assumidos pala pauta daquele teatro fez o Teatro de Amadores “correr” na preparação de suas montagens e deixá-las sobrevivendo a poucas sessões (Escola de Maridos fez cinco apresentações no total, e o trio de peças de Pirandello, quatro).

tríade do Teatro de Amadores, Hermilo Borba Filho, moderadamente, escreveu para a Folha da Manhã – Vespertina (28 de maio de 1948): Além de muitas coisas que devemos ao Teatro de Amadores poderemos acrescentar mais esta: a de haver apresentado, pela primeira vez no Recife, um autor da envergadura de Pirandello, verdadeiro revolucionário do teatro moderno, não nessas três peças apresentadas, mas nas posteriores que se caracterisaram (sic) pela luta dos personagens consigo mesmo. Acho mesmo que nos três atos do dramaturgo italiano, ora em exibição so Santa Izazel (sic), pouca coisa podemos alcançar dos seus valores próprios, aparecendo raramente, aqui e ali, a marcha da sua arte. [...] Sei que montaram os originais de Pirandello em seis tour-de-force. [...] mas a exiguidade de tempo deve pesar na apreciação critica. E na verdade, quanto á interpreta-

Para tranquilizar os espectadores, os últimos “omnibus” da Autoviária passaram especialmente pela frenlos, a pedido do Teatro de Amadores aprovado pela Delegacia de Trânsito. Em apreciação ao trabalho em

O Azarento

As Laranjas da Sicília

O Azarento

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ção pouca coisa haveria de ser reparada [...] As montagens pecaram pela falta de tempo. Essas, sim. Se tivemos uma luz bem distribuida em As Laranjas da Sicilia, podemos apreciar a presa (sic) com que foram conchavados os cenários de O Homem da Flor na Boca e O Azarento. Tudo resultado do pouco tempo de que dispuseram para a encomenda de cenários, precisando aproveitar o que havia em deposito. Mas o publico aplaudiu mais essa iniciativa do Teatro de Amadores.

O crítico M., no Jornal do Commercio (28 de maio de 1948), fez também elogios e ressalvas ao trio de peças:

Novamente no palco do Santa Isabel o Teatro de Amadores de Pernambuco, desta vez, com três peças de Pirandello. A primeira agradou francamente – Laranjas da Sicília – porque um tema comum a tôda gente em tôda parte: um rapaz pobre de estudar e sendo por ela tratado com indiferentismo quando, em consequência dos estudos, se tornara celebridade e vivia entre adoradores. Apenas cinco intérpretes; Valdemar de Oliveira, Alfredo de Oliveira, Maria do Carmo Carvalho, Diná de Oliveira, Bebé Salazar. A peça agradou francamente. Da segunda – boca – não se pode dizer o mesmo. Simples diálogo. Trabalho mais para ser lido que representado. A terceira – O azarento – forte e que deixou de Walter de Oliveira, a quem a platéia dedicou repetidos aplausos. E assim continua o Teatro de Amadores em sua trilha vitoriosa.

Claramente magoado por ter sido chamado de “crítica provinciana”, Júlio Barbosa, o terrível J. B., do Diario de Pernambuco, soltou mais uma vez o verbo contra Adacto Filho e sua nova realização:

O Homem da Flor na Boca

para ser desempenhado por atores comuns, sobretudo amadores. Não é para ser dito, repetido, mecanicamente. Para uma boa compreensão do publico deve, antes de tudo, ser representado, na melhor acepção do termo. E isto não se observou, ante-ontem, senão em

O Azarento

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parte. [...] Em Laranjas da Sícilia, de um modo geral, o desempenho foi bom, destacando-se a sra. Diná Rosa Borges, que teria sido seguida de perto pelo sr. Alfredo de Oliveira se este, no papel de criado grave, fosse melhor dirigido: um empregado, mesmo em se tratando de um “folgado”, [...] não ri nunca, á frente dos patrões, e muito menos de convidados, sobretudo em festa, gozando as palestras dos circunstantes. [...] A seguir, O Homem da Flor na Boca. mos papeis viveram os srs. Alderico Costa e Dérdrano Lima. Quanto menos personagens, o brilho de uma das mais belas peças pirandellianas (maior do que Planície, de Guimerá, e Escola de Maridos, de Moliére (sic), juntas), num trabalho quasi que inteiramente “dito”,

e não representado, propriamente. O sr. Alderico Costa fez o que poude (e fez muito), salvando boa parte do desempenho, enquanto o sr. Dédrano Lima, sem tirar os olhos da caixa do ponto (sinal de que não tinha a peça na senhor do papel. Aquela expressão “Cancer!” – após a qual caiu o pano – foi verdadeiramente teatral, digna da obra do consagrado autor italiano, pois dela dependia a compreensão de todo o enrêdo. Se nas três peças fosse observado aquele padrão de dramaticidade unanime em aplaudir, não só o trabalho dos Amadores, como e sobretudo, o do ensaiador adventício. Em O Azarento, os efeitos da direacentuadamente. [...] Em suma, o desempenho, no conjunto, não chegou a decepcionar. As falhas apontadas são da direção, pois o material humano, em que pese o carater diletantista do conjunto, é bastante plástico e pode dar muito, agora, como já deu, anteriormente, quando não se importavam medalhões direcionais.

Até que surgiu no cenário teatral do Recife o Teatro Universitário de Pernambuco, a 28 de maio de 1948, com As Férias de Apolo, de Jean Berthet, sob direção de Adacto Filho (numa remuneração onerosa comentada na imprensa), ainda com a presença do ponto e sessão iniciada às 20h30, no Teatro de Santa Isabel. Militares, políticos e o reitor da Universidade do Recife, As Laranjas da Sicília

Escola de Maridos



As Férias de Apolo

que não puderam ser estudados, nem aplicados. Se de uma coisa se ressente o espetáculo de ontem, é da extensão da peça, que está a merecer, com todas outras bem mais respeitáveis, a ação desapiedada de um lápis vermelho. Pode mesmo dizer-se que todo o terceiro ato é inútil, dele se poupando, apenas, alguns textos facilmente incluíeis do ato anterior. Os cortes teriam condensado a peça, evitando a baixa de nível observada após o segundo ato. Mas, o que há de dizer de As Férias de Apolo pelo teatro universitário – uma estreia como pouca de estreante – não cabe numa única crônica, a começar pela própria peça que, bem longe de ser uma chanchada, é uma deliciosa sátira onde se sente mais viva do que nunca, a eterna mocidade do espírito francês.

Como sempre, o crítico J. B., Júlio Barbosa, no Diario de Pernambuco (30 de maio de 1948), foi bem mais enfático:

Não foi uma grande estréia, repetimos, sobretudo porque o ensaiador teve a infelicidade de escolher uma peça inadequada á natureza do conjunto, demasiado longa e cansativa, com a tem mesmo longilinios traços, perdidos em frases soltas, como reminiscencias de sonhos mal sonhados, que nem o proprio Freud daria interpretação exata. [...] E lá veio a satira de de chanchada, aquem de Dia de Eleição. Isso, entretanto, em nada diminue (sic) o valor demonstrado pelos interpretes; [...] porque saltou aos olhos de todos que a rapaziada pode dar muito em materia de teatro. A apresentação valeu por um “test” de capacidade, embora numa peça mediocre, elevada á categoria de grande coisa.

Valdemar de Oliveira, no Diario da Noite (31 de maio de 1948), voltou ao assunto da peça do TUP em mais 392


As Férias de Apolo

duas outras ocasiões, sempre à defesa. No seu segundo artigo, publicou: Jean Berthet, em quem a crítica francesa viu um discípulo de Giraudoux, foi buscar o enredo do seu primitivo Casamento de Alcestes, na lenda grega, aproveitando uma das últimas terial, escreveu uma peça encantadora, leve, espirituosa, fantasista, a que misturou alguns anacronismos verdadeiramente deliciosos, como sátira – não se sabe aos homens, se aos deuses. Profundamente francesa, em sua essência, As férias de Apolo constitue (sic) um espetáculo de sabor néo-clássico adaptado a uma técnica teatral moderna, cuja movimentação somente se ressente da extensão de certos diálogos, bem dignos de impiedosos

cortes. Sobre a escolha desse original para o lançamento do teatro Universitário bem se poderia repetir, como o crítico Audiat: “Como é simpática a mocidade quando não é pesada e presunçosa!” [...] Diga-se, aliás, que apesar disso, Hélio Feijó nos deu uma impressiva gamos assim. Há, no seu trabalho, um traço de discreta beleza, realçada pela harmonia de duas côres predominantes – o cinzento e o sou em belo efeito decorativo.

Após tanta “celeuma” levantada, com a peça “classicomo uma vulgarissima chanchada”, conforme lembrou na Folha da Manhã – Vespertina (31 de maio de

Teatro Universitário de Pernambuco

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após a estreia, dando “importantes cortes, bem como alterando o cenario”. A ação foi saudada como pioneira no estado, segundo aquele mesmo jornal: Esse gesto de compreensão dos universitarios pernambucanos foi tambem um passo revolucionario no sentido de uma melhor colaboração entre atores, criticos e publicos, pois é com essa atitude construtiva que poderemos caminhar para um melhor teatro em Pernambuco.

A montagem, depois de três aparições no Teatro de nos centros educativos operários do Recife, pelo menos este era o desejo da equipe expresso nos jornais, assim como uma ida a João Pessoa. A partir do dia 2 de junho de 1948, como já vinha divulgando bem como o jornalista Luiz Beltrão, da Folha da Manhã, que escreveu três longos artigos sobre o Teatro Popular e a inadequação de grandes peças do teatro universal destinadas às massas, ao povo, numa crítica severa à circulação de A Casa de Rosmer), o Teatro do Estudante de Pernambuco também passou a circular pelos subúrbios com a peça de Ibsen, indo inicialmente ao Cine-Rivolí, cedido gratuitamente pelo seu proprietário. A defesa de Hermilo Borba Filho continuava na certeza clara de o povo é capaz de compreender as obras de arte, desde que seja honestamente orientado. Claramente partidário às ações do Teatro do Estudante de Pernambuco, o crítico J. B, Júlio Barbosa, levar Ibsen aos subúrbios. Escreveu, então, para o Diario de Pernambuco (4 de junho de 1948): O Teatro do Estudante de Pernambuco iniciou, ante-ontem, em Casa Amarela, a sua jornada catequetica pelos suburbios, sob o patrocinio da D. D. C., dando cumprimento ao programa que se traçara, de levar o teatro ao povo. A peça foi a Casa de Rosmer, de Ibsen, cujo nome abaixo do titulo dispensaria quaisquer comentarios. O T. E. P. apresentou cam os choques de idéias politicas, através de enraizados preconceitos de tradição e de familia, com idéias novas, de novas concepções;

das transformações sociais, embora lhe sendo exterior o tema politico. Antitese do reitor Kroll, que representa aqueles que não querem ver nas aspirações de melhoria social do o pastor Rosmer sintetiza na pureza de suas idéias a justa condição de vida, desejada por todos: um mundo melhor onde os homens sejam homens realmente e, como tais, recebam o tratamento correspondente. O quadro que Ibsen apresenta neste particular não tem, todavia, aquele carater de desintegração violenta, que se preconiza nos dias de hoje. E’ dado a entender de modo bem claro, que só a compreensão, estribada no amor, poderá resolver o problema. E isto é mostrado rapidamente, pois o interesse do autor não é debater o assunto e dele ocupar-se por comno conjunto. Apenas Milton Persivo, cuja voz um tanto fraca e dada a ausencia de acustica no cinema e tambem traido pelo barulho da chuva torrencial que caia no momento, não permitiu que se lhe ouvisse o articular das palavras, aliás de grande efeito na parte que lhe cabia. Genivaldo Wanderley, José Prestes, Ana traram á altura da peça pela perfeita assimilação dos personagens que viveram[.] Pode-se dizer que os tipos criados por Ibsen encondesejada, trabalhados pela capacidade tecnica de Hermilio (sic) Borba Filho. [...] Vamos destacar o exito retumbante (sim, retumbante; não ha outro adjetivo) do Teatro do Estudante em seu primeiro contacto direto com o povo, na disseminação da arte, através do bom teatro. O Cine Rivolí, cujo proprietario o cedeu gentilmente, sem nenhuma recompensa, se encheu de gente dos morros de Casa Amarela; de operarios, de gente humilde, que jamais teria tido oportunidade de assistir a semelhante espetaculo.

Naquele mesmo dia 2 de junho de 1948, no Teatro de Santa Isabel, o Teatro de Amadores e o Teatro Universitário homenagearam o encenador Adacto Filho, antes dele voltar para o Rio de Janeiro. O programa constou da apresentação do último ato de As Férias de Apolo


Escola de Maridos

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Folha da Manhã – Vespertina -

se apresentam ou desejam apresentar-se com eternas pensões de dona Estela

(depois de explicado ao público todo o enredo da récita derradeira de Escola de Maridos. O discurso de zido no Diario da Noite

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muitos anos não teriam aprendido;

-


E, de fato, novas perspectivas foram abertas para determinados grupos teatrais naquele período, mas principalmente pela questão da subvenção.Ao Grupo Infantil de Comédias, liderado por Waldemar Mendonça, por exemplo, foi prometido receber um de fato. Independente desta terrível situação, atento ao movimento cênico daquele momento e à imporOliveira registrou em sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (13 de junho de 1948): O teatro amadorista em Pernambuco já se temente, pelas suas realizações e pelos seus propósitos, que nos é grato observar a atenção que vem despertando, por parte dos poderes públicos – seja o Serviço Nacional de Teatro subvencionando o Teatro de Amadores e o Teatro do Estudante, seja a Câmara de Vereadores auxiliando o Teatro Infantil, de Valdemar de Mendonça, seja o Ministério do Trabalho amparando o Teatro dos Bancários. Continuemos nesse programa, de modo a interessar os governos em nossa tarefa. Dinheiro é alicerce. Pelo alicerce é que se começa. E sem êle a casa cái.

Comemorando seu sétimo aniversário, o Grupo Infantil de Comédias tinha apresentado, exatamente na data da festa, 21 de maio de 1948, no Cine-Teatro Olinda, A Madrasta, original de Amélia Rodrigues, com versos de Waldemar Mendonça e música de Lourival Santa Clara. No elenco, Isabel Barbosa, Nize Rocha,Valderez Pessoa, Marly Rocha, Zito Vieira, Lourdinha Oliveira e Iveraldo Silva. O crítico J. B., no Diario de Pernambuco (25 de maio de 1948), reconheceu a importância do trabalho: Numa cidade como esta, em que fazer teatro ta de elementos capazes, como de recursos, manter um grupo teatral constitue (sic) heroicidade, sobretudo em se tratando de conjunto infantil. Todavia, bem ou mal, Waldemar Mendonça vai levando o seu grupo, á custa de zer teatro infantil no Recife. E assim já se pas-

Isabel Barbosa

Lourdinha Oliveira

saram sete anos. Resta apenas que prossiga no seu apostolado, despertando nas crianças o gosto pela arte, ou descobrindo valores reelencos e conseguir grandes cartazes.

Em junho, foi a vez do Grupo Infantil de Comédias levar à cena, naquele mesmo palco do bairro do Feitosa, a peça em dois atos e seis quadros O Nascimento de São João Batista, adaptação de Waldemar Mendonça e padre Hipólito Pedrosa, com música de Lourival Santa Clara. No elenco, as crianças Isabel Barbosa, Nize Rocha,Valderez Pessoa, Marly Rocha, Zito Vieira, Manoel Ferreira, Dirceu Pessoa, Lourdinha Oliveira e Inalda Ferreira. Em ambos os trabalhos, além de Waldemar Mendonça assinando a direção artística e Lourival Santa Clara a direção musical, constavam na equipe Gerson Vieira como ponto, Lídio Guimarães Magalhães no controle de som e o pintor João Pimen-


Uma Mulher Inteligente, de Valdemar de Oliveira, em festival do próprio diretor do conjunto. No elenco, Clotilde Avanzi, Gilvan Barbosa, Jeruza de Melo, Lúcio Rocha, Hélio Barbosa, Amália de Sousa e Claudecy Cordeiro. “No mesmo programa, o referido conjunto amadorista lançará uma novidade, no teatro do teatro: é o trailer teatral. Será apresentado um trailer da peça O louco da aldeia, a ser encenada brevemente”, registrou o Diario da Noite (29 de maio de 1948).

Zito Vieira

tel a cargo do cenário. Nos ingressos cobrados, as crianças pagavam metade do valor dos adultos. Para julho, em homenagem à professora Cristina Pessoa de Carvalho, diretora do Externato 6 de Março, foi apresentada Uma Vida Inglória, peça de João Baudel Pessoa. No elenco, Zito Vieira, Marly Rocha, Milton Miranda, Isabel Barbosa, Dirceu Pessoa, Lourdinha Oliveira,Valderez Pessoa, Nadeje Albuquerque e Nize Rocha. mento a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior, com “teatro ligeiro, teatro do povo, mas teatro sadio”, segundo sua divulgação, e o Conjunto Teatral Estudantil, com direção de Sizenando Pavão, no Teatro

Em novembro, foi a vez da peça Eram Irmãos, baseada no romance de Perez Escrich, Manuscrito Materno, adaptado por Gilvan Barbosa, com sessão também no Teatro da Sagrada Família, em Tejipió, e no Salão Paroquial Pio X, em Casa Forte. Já o Teatro dos Comerciários chegou a ocupar um palco ao ar livre na Vila dos Comerciários, enquanto o Teatro dos Bancários, tendo à frente Hermógenes Viana, só conseguiu levar em agosto, para a cidade do Paulista, A Gota d’Água, texto do próprio Hermógenes Viana, como um espetáculo gratuito voltado para operários sindicalizados, cumprindo o prometido ao Ministério do Trabalho pela subvenção concedida naquele ano. No interior, o Grupo Teatral Amadores de Catende, dirigido por Jaime de Albuquerque, apresentava-se no Cine-Teatro Guarany, enquanto na cidade de Angelim um grupo de amadores locais movimentava-se. Também existia o Cine-Teatro Diogo Braga, em Vitória de Santo Antão, com seiscentos lugares e reforma

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Auspiciosa a estréia, ontem, de Fu-Manchu, no Santa Isabel. Auspiciosa porque o teatro estava repleto e porque o espetáculo verdadeiramente agradou. Fu-Manchu é insinuante, fala com mescla de português e espanhol perfeitamente compreensível, e suas mágicas – em verdade tôdas conhecidas – são limpas. É artista notável no gênero. E não se trata dum simples indivíduo a trabalhar. É uma companhia, com uma dezena de raparigas que, às vêzes, aparecem em bailados, com parcimônia de vestes, o que provoca assovios canalhas da molecagem que, infelizmente, por ter dinheiro para comprar ingresso, frequenta teatro destinado a gente educada. Foi a nota única dissonante do espetáculo: o comparecimento da molecagem que não sabe ou não pode conter-se. Para os que apreciam o gênero, qualquer que seja a idade, à temporada da companhia Fu-Manchu está previsto grande êxito.

acontecida neste período. Por sua vez, divulgando-se como “O espetaculo mais original do mundo”, o mágico Fu-Manchú, conhecido do cinema, trouxe para o Teatro de Santa Isabel, a partir de 4 de junho de 1948, a sua Companhia de Mágicas e Maravilhas. Uma multidão foi prestigiá-lo durante longa temporada de vinte e duas sessões, com até três récitas por dia. A revista mágico-humorista O Dragão de Fogo foi um dos destaques. O crítico M., no Jornal do Commercio (5 de junho de 1948), repreendeu a plateia da estreia:

Fu-Manchú

A partir de 22 de junho, após vitoriosas turnês pelas principais capitais do Brasil, a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior passou o ocupar o Teatro de Santa Isabel por um mês, na “temporada da gargalhada”, como divulgava nos anúncios de jornal. No total, foram vinte e sete sessões realizadas, sempre às 20h30 ou em vesperal, de apenas textos nacionais, graças ao patrocínio do Serviço Nacional de Teatro, do Ministério da Educação. No elenco, além do ator-empresário e de sua esposa, Lenita Lopes, novos elementos como Alberto Perez, Íris Delmar, Jeová Rios, Carmen Silva, Aníbal Fróes, Lina Soares, Carlos

Alberto Perez


Danilo, Nestor Ferreira, Mário Brandão, José Bustorfe e os veteranos Lourdes Monteiro, Elpídio Câmara, Osvaldo Barreto, Hamilta Rodrigues, Luiz Carneiro, Elisa Mattos e Augusta Moreira. Em uma entrevista ao crítico J. B., do Diario de Pernambuco (17 de junho de 1948), Barreto Júnior revelou: “Vim fazer uma temporada de riso no Recife; todo o mundo vai rir durante os trinta dias de minha estada aqui. Não se chorará no Recife, enquanto eu estiver por aqui. Não faço teatro para arrancar lagrimas de ninguem e não assusto a platéia com ataques histericos e nem com gritos lancinantes. Faço rir, somente rir, porque o mundo é uma gargalhada. Nada de choro baixo, nem alto”.

Estrearam com Bombonzinho, de Viriato Correia, peça que chegou a fazer oito sessões de casa cheia e teve sucesso comprovado pelo mesmo J. B., o crítico Júlio Barbosa, no Diario de Pernambuco (23 de junho de 1948), que ainda fez questão de registrar um escrito de Barreto Júnior que deu o que falar: Boa casa, sobretudo levando-se em conta as chuvas torrenciais, que desabaram. Mais uma prova da popularidade do ator conterraneo. A premiére da Companhia Nacional de Comedias contou com a presença do governa-

dor Barbosa Lima e familia; do secretario João Roma e familia; e do prefeito Morais Rego e familia. No genero de teatro para rir, a peça agradou a quantos foram ao Santa Isabel. E por falar em teatro para rir, na pagina de dentro do programa distribuido à entrada, ha umas “explicações” de Barreto, sob o titulo de “Peço a Palavra”, de que extraimos os seguintes trechos: “Durante o periodo de doze anos que faço teatro no Brasil, poderia, como artista ou

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emprezario (sic), dedicar-me ao teatro classico, ao educacional, ao instrutivo e até mesmo ao catequista de conversão – que ainda não existe entre nós, mas que poderia haver, como a gagueira... Assim, preferi este genero: um teatro alegre, divertido, próprio para rir.Teatro de saude e para pessoas de saude. Os cidadãos que se sintam bem vendo um artista sufocado, tossindo, banhado em lagrimas; a prima-dona com ataques histericos; muita gente morrendo; quem deseje ver tais cenas não venha ao meu teatro. Não quero educar porque não desejo exibir teatro para quem não tem educação. Não quero instruir porque os meus artistas não têm o complexo professoral. O que me proponho é divertir. Somente divertir. Nada de

lagrimas, de cenas histericas, porque no meu elenco não ha quem se sinta bem fazendo cenas funebres. O publico é que me dá coragem, faltar esse apoio então compreenderei que devo me dedicar a outro gênero”.

Nacional de Comédias Barreto Júnior: Acontece Que Eu Sou Ladrão, de Dias Gomes, O Simpático Jeremias, de Gastão Tojeiro, Os Maridos Atacam de Madrugada, de Paulo Orlando, e Sonho de Noiva, de Edgar Proença. Pena que Barreto Júnior precisou levar uma bronca de Hermilo Borba Filho sobre o que havia escrito no programa de sua peça de estreia, com o assunto de-

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para rir. É uma teoria falsa e completamente desmoralizada. Gostaria que você houvesse visto o espetaculo do Teatro do Estudante, no Cine-Rivoli, em Casa Amarela, quando foi apresentada a peça de Ibsen A casa de Rosmer, para mais de mil e quinhentas pessoas. Lá, ao lado dos doutores, dos de bem, dos comerciantes, dos estudantes, havía gente dos morros, sapateiros, engraxates homes (sic) e

vidamente esclarecido na Folha da Manhã – Vespertina (26 de junho de 1948): E’ uma coisa muito perigosa isso de dizer que o publico não aceita obras de arte, que é incapaz de sentir outra coisa que não seja a peça

a peça debaixo de um silencio de nave de igrenais de atos indicavam que estavam gostando. Não sei se chegaram a compreender aquela densidade psicologica do dramaturgo norueguês – o que seria exigir demais a um publico habituado ao seu teatro – mas o drama de do e louvado nas centenas de opiniões escritas e depositadas na urna, á saida. Agora vem você querendo negar essa verdade. Acho que em tudo isso há um erro de origem. Se nunca demos bom teatro ao publico, anestesiando-o com peças ligeiras, como poderemos saber se êle gosta ou não do teatro sério? Os estudantiva: que o publico gosta do bom teatro. Estou de acôrdo em que você faça o teatro para rir.

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Ele é tão necessario quanto o outro, o orientado no sentido da Arte com A grande.Tem que existir como existe a musica ligeira, mas você está errado quando supõe que o Teatro maior é todo êle para “cidadãos que se sintam bem vendo um artista sufocado, tossindo, banhado em lagrimas; a prima-dona com ataques histéricos; muita gente morrendo...” etc. Isso não é teatro, Barreto, é gran-guinol ou coisa que o valha. E pode ser teatro, desde que apresentado em têrmos de arte. E’ muito facil destruir o Teatro como você faz, usando palavras que não densidade dramatica. Da mesma maneira poderia ser destruido o teatro ligeiro, com essa mesma leviandade, mas não é isso o que se deseja. Os dois podem existir, mas o que não se pode negar é que a Arte é qualquer coisa mais do que simples distração. O seu maior êrro, porém, é quando supõe que Teatro é educação. Nada disso. E’ arte simplesmente. E daí o seu maior insulto:“Não quero educar porque não desejo exibir teatro para quem não tem educação”. Sem comentários...

No começo de julho, comissionado pelo Governo do Estado de Pernambuco, Valdemar de Oliveira, como presidente da Sociedade de Cultura Musical, diretor do Teatro de Santa Isabel e diretor do Teatro de Amadores, seguiu em viagem de mais de dois meses pela Europa,“observando o seu desenvolvimento artístico e as últimas conquistas da técnica teatral”, assegurou o Diario da Noite (1 de julho de 1948). Mas antes, lançou o oitavo número da revista Contraponto. No Recife, no dia 3 de julho de 1948, a Rádio Jornal do Commercio foi inaugurada sob o slogan “Pernambuco Falando Para o Mundo”. Como o estado era o terceiro de maior índice de mortalidade infantil, atrás apenas do Maranhão e de Alagoas, este último o campeão de tão triste realidade, a empresa decidiu promover, já em agosto, uma Festa Infantil para meninos e meninas desamparados,“no parque que circunda o edifício dos seus transmissores”, de acordo com o Jornal do Commercio (14 de agosto de 1948). Como parte principal do programa, um espetáculo de mamulengo, além da distribuição de brindes, como garrafas de Coca-Cola – uma das patrocinadoras – e um “farto lunch”. Pouco depois, passou a integrar a Campanha de Natal das Crianças Pobres dos Centros Educativos Operários,

lançada pelo Serviço Social Contra o Mocambo, assim como a P.R.A.-8. As duas rádios assumiram toda a publicidade e milhares de doações foram conseguidas. Se o mês de julho ainda viu diversos recitais e concertos de música e vesperais literárias, a partir do dia 21 a Companhia Viviani-Lyson Gaster ocupou o Teatro de Santa Isabel em temporada até 15 de agosto, com trinta e uma sessões de dez peças, nove nacionais e uma estrangeira: Não Há Sogra Igual à Minha (recordista com sete apresentações), Dinheiro, Pra Que Te Quero?, Que Importa Que a Mula Manque?, A Gilda do


Gaspar direção musical de Ostronoff,“o louco do teclado”), Somos Sêres Humanos, Sonata ao Luar, Da Vida Nada Se Leva, Coração Materno, La Cumparcita (em matinée estudantil) e A Vida Se Reconstrói. Dois dias depois, foi a vez de chegar a companhia Mesquitinha e Seus Artistas, que apresentou até o dia 7 de setembro de 1948 vinte e três récitas, com trabalhos cômicos como O Pai de Minha Filha, de Henrique Fernandes, e O Garçom de Casamento (os recordistas com quatro sessões cada), além de Uma Vez Na Vida, Rodrigues, o Extranumerário, O Folgado, Sindicato dos Mendigos, O Amigo Salvador, Cabeleireiro de Senhoras, Herdeiro na Hora H e O Biriba, sendo apenas uma obra estrangeira. Hermilo Borba Filho, aparentemente avesso ao “teatro ligeiro”, desmentiu essa possibilidade e ainda escreveu um artigo sob o titulo “Muito bem, Mesquitinha”, para a Folha da Manhã – Vespertina (20 de agosto de 1948):

Muito bem pelo excelente teatro ligeiro que está fazendo. [...] Vai-se ao teatro assistir O , o riso sai à vontade e não ser feito. Dessa forma o teatro ligeiro é uma necessidade. [...] Serve para fazer esquecer êsses dias de agitação que vão passando. Serve para fazer ver que nem tudo na vida são lágrimas. E serve, sobretudo, para desmasca-

Estou certo de que assim agindo, você terá casas sempre cheias.

Mesquitinha, inclusive, causou confusões em sua temporada, com a imprensa denunciando que ele mandou entulhar cadeiras-extras em algumas das sessões, prejudicando a visão de muitos espectadores que compraram poltronas numeradas; e ainda foi chamado de


Ainda no dia 16 de agosto de 1948, única brecha entre duas companhias visitantes, o Teatro UniverAmadores”, conforme o batizou Hermilo Borba Filho na Folha da Manhã – Vespertina (16 de agosto de 1948), estreou É Proibido Suicidar-se Na Primavera, de Alejandro Casona, sob direção de Walter de Oliveira, trabalho que ganhou nova sessão somente no dia 30 de agosto – aqui com parte da renda para a Socieda-

Mesquitinha

“intolerante” por Hermilo Borba Filho, que achou um absurdo ele ter proibido a entrada de um cronista teatral que fez restrições às suas peças, mandando, inclusive, isolar as cadeiras cativas à imprensa, direito reconhecido pela Prefeitura Municipal, independente de quem aluga a casa de espetáculos. “Se todos os atores que por aqui passarem se insurgirem dessa maneira contra a critica, aonde vabos (sic) parar?”, perguntou em sua coluna Fora de Cena, na Folha da Manhã – Vespertina (30 de agosto de 1948). Mas Mesquitinha não levou adiante sua intenção, e até participou de uma mesa redonda promovida pelo Teatro do Estudante de Pernambuco e a Diretoria de Documentação e Cultura, no Teatro de Santa Isabel, como uma sabatina sobre o teatro nacional.

de auxiliar na conclusão do Pavilhão de Câncer do Hospital de Santo Amaro, na mesma “cruzada social” do Teatro de Amadores –, devido à ocupação do Teatro de Santa Isabel, totalizando, posteriormente, seis apresentações até dezembro, uma delas para participantes do I Congresso Nacional de Estudantes de Direito e congressistas da Campanha do Ginasiano Pobre.

Alejandro Casona


“Parte da montagem foi cedida pelo Teatro de Amaao pintor Mario Nunes”, lembrou a Folha da Manhã – Vespertina (30 de agosto de 1948). No elenco, Hélcio Pires, Salomé Mendonça,Tereza Farias, Edissa Bancovsky, Clênio Wanderley, Reinaldo Rosa Borges de Oliveira, Margarida Cardoso, Sebastião Vasconcelos e Oscar Cunha Barreto. Hermilo Borba Filho, no-

vamente, pôde lançar seus “reparos” ao trabalho do TUP. Eis o que escreveu em sua coluna Fora de Cena, na Folha da Manhã – Vespertina (18 de agosto de 1948) sobre É Proibido Suicidar-se Na Primavera: A peça, sem ser a melhor do dramaturgo espanhol, diverte em certas cenas, pelo arrôjo da fantasia e chega ao patético em outras, quando sentimentos mais ou menos melodramáticas (sic) despontam. Se nada adianta na dramaturgia moderna, tôda ela tendendo para a valorização dos eternos valores humanos, pelo menos não cái no banal das comédias sem consequêno trabalho de Reinaldo de Oliveira (Fernando) e Salomé Mendonça (Cora Yako), a cena dos táculo. Os outros, se bem que esforçados, ainda estão representando com recursos emprestados, a maioria gritando as situações dramáticas, numa concepção falsa do que venha a ser “clima do drama”. Não se faz dramaticidade gritando, principalmente quando não há contrôle de voz e as falas, por isso, saem esganiçadas. Dessa vez os universitários foram comandados pelo sr. Valter de Oliveira, um dos bons atores do Teatro de Amadores, que imprimiu á peça uma movimentação interessante, aproveitando mesmo bem certas cenas, mas falhando em outras. O principal defeito do novo diretor foi

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Desde julho, então, o Teatro de Amadores teve “férias forçadas”, não só pela falta de palco, mas por conta de uma viagem de Valdemar de Oliveira à Europa. É curioso registrar que, de junho a julho, muitos novos conjuntos foram aparecendo nos noticiários da imprensa, no entanto, alguns nunca chegaram a estrear. Como parece ter sido o caso do Teatrinho, que Luiz Maranhão prometeu lançar após ensaios seguidos há meses com a peça Rua Alegre, 12, de Marques Rebelo, dirigida em parceria com Carlos Pousada (nome artístico de Ubirajara Mendes); ou mesmo o Teatro Mauricéia, o Teatro Experimental do Recife (surgindo Walter de Oliveira somente em 1949), e o Grupo Dramático Israelita, imprimir demasiadamente a sua personalidaeste último prometido com As Mulheres Não Quede nos atores de que dispôs. Considero isso rem Alma, peça de Paulo Magalhães, sob orientação um perigo, pois despersonaliza o intérprete, tornando-o um marionete, á maneira do que de Ficar Machman com colaboração de Genivaldo Gordon Craig pretendia fazer. Certos gestos, Wanderley. E ainda houve divulgação de atividades do principalmente nas cenas violentas, são típicos Teatro dos Comerciários pelos subúrbios e a volta dos papéis já encarnados pelo Valter. A tradu- do Teatro Pernambucano, de Elpídio Câmara, e do tora pecou quando transportou a ação da peça Grupo Cênico Samuel Campelo (este, ao que parece, para o Brasil e quando – culpa da tradutora ou continuou inativo em 1948). ato, transformando-o naqueles gritos apopléticos de João (Oscar Cunha Barreto). Outro êrro: o corte de um personagem, aliás muito bem, O pai da outra Alice. Se faço êsses reparos é na certeza de que contribuo, um pouco, para corrigir falhas naturais, tão comuns em todos os espetáculos. Creio que estou ajudando e que não vou ser tão mal interpretado como rios com Valter de Oliveira, melhoraram, conseguindo dar um passo á frente, deixando bem para trás aquela desastrosa experiência com As férias de Apolo.

Elpídio Câmara

É Proibido Suicidar-se Na Primavera

406



o Conjunto Cênico Estudantil, com sessões no Teatro Paroquial do Barro. Já o Teatro do Estudante de Pernambuco anunciou o lançamento de sua Barraca para o dia 11 de setembro de 1948, no Parque 13 de Maio, um teatro que deveria ser ambulante, inspirado em iniciativa do espanhol Federico García Lorca, como

(s. d.), 1948 marcou o ano de inauguração do Deparórgão da Secretaria de Educação e Cultura de Per-

Viegas de Medeiros. Tanto que uma de suas colabo-

o tradicional Teatro de Santa Isabel, mas a mesma só

Novembro também marcou a estreia do Grupo Cênico Estudantil com o drama Inveja, de Jomar Austregésilo, sob direção de Vieira Filho, seguido da revista de bolso Música Em Vários Tempos, com um conjunto regional participando. Já o mês de dezembro viu a retomada do Grupo Teatral de Amadores (antigo Corpo Cênico 15 de Julho), departamento teatral do Atlético Clube de Amadores, ensaiando A Carta, peça de Aristóteles Soares, sob direção do jornalista Jaques Gonçalves, mas a estreia só aconteceu em abril de 1949. Ainda segundo o pesquisador Marco Camarotti no artigo “História do Teatro Para Crianças em Pernambuco”

Aristóteles Soares

daquela instituição, na qual revelou-se como autora de Retalhos Coloridos, Panorama do Brasil, No País do Sonho (todas de 1948) e Nossos Avós Contaram... (1952), todas dirigidas por ela no Teatro de Santa Isabel. Desde sua criação, o DECA manteve um Serviço de Teatro Escolar com peças interpretadas por crianças,


colégios recrutados, inclusive enveredando pelas linbras. Com dezenas de peças encenadas por artistas como Maria José Campos Lima, Beatriz Ferreira e Walter de Oliveira, o grupo manteve-se ativo até para acompanhar a trajetória da obra que é um marO Casaco Encantado, lançamento da carioca Lúcia Be-

país, já com atores adultos no elenco, pela companhia Os Artistas Unidos, sob direção de Graça Mello –

Flora May

Henriette Morineau

No elenco, além dos próprios diretores, estavam Amtro, Nilson Penna, Jacy Campos, Nieta Junqueira, Lucile

criações do ator Nilson Penna. O curioso é que esta avant-première à meia noite, somente para artistas, intelectuais e jornalistas. Elogiada pela imprensa e pelo público, O Casaco Encantado conseguiu se manter em cartaz por mais de quatro meses, no Teatro Ginástico, com grande sucesso comercial na tro sessões diárias, às 14, 16, 18 e 20 horas.

Marta Castro

ca para o gênero sem o caráter didático tão presente aclamada como “revelação de literatura cênica” pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais, que ain-


Nilson Penna. No ano seguinte, ainda por este seu sucessos como Simbita e o Dragão, Branca de Neve e , conquistou o Prêmio Arthur Azevedo, concedido pela Academia Brasileira de Letras na categoria teatro. Em março de 1949 a peça O Casaco Encantado porada no Teatro de Santa Isabel, como única opção

Lúcia Benedetti

para crianças dentro do repertório da companhia Os Artistas Unidos, com montagens adultas em maioria.

atro do Estudante de Pernambuco optaram por preparar uma montagem com bonecos para atingir pessoas de todas as idades. Segundo o pesquisador Luiz Maurício Carvalheira no livro Por Um Teatro do Povo e da Terra – Hermilo Borba Filho e o Teatro do Estudante de Pernambuco Haja Pau Capiba e cenários, bonecos e “mise em scène” assinados por Aloísio Magalhães, Ariano Suassuna e o titiriteiro popular Cheiroso. A estreia aconteceu no dia 18 de setembro, no lançamento da Barraca, projeto do -

Parque 13 de Maio. O evento de inauguração reuniu público estimado em três mil pessoas, com presença especial do escritor Paschoal Carlos Magno, posteriormente participando de uma sabatina teatral.

Ariano Suassuna

Para aquela noite de estreia, o programa apresentado constava de um espetáculo em dois atos, sendo a primeira parte a peça de mamulengo Haja Pau, baseada numa lenda nordestina, com música de Capiba. Ainda no livro Por UmTeatro do Povo e daTerra – Hermilo Borba Filho e o Teatro do Estudante de Pernambuco (1986,

Os bonecos representavam num pequeno palco, colocado no centro da Barraca, e eram manipulados por Maria Tereza Leal, Epitácio


Inauguração de A Barraca, com Paschoal Carlos Magno ao canto

Gadelha, Dulce Cavalcanti e Gilberto Borba, que trabalhavam sob a direção de Aloísio Magalhães, responsável por este “Departamento de Bonecos” do TEP.

crítico J. B., Paschoal Carlos Magno, convidado especial a vir assistir à estreia da Barraca, não se furtou a fazer reparos e críticas elogiosas aos espetáculos lá apresentados:

Seguiram-se números musicais e declamações, inclusive poemas de Lorca, ainda na primeira parte do ato variado. No segundo e último momento foi representado o texto adulto Cantam as Harpas de Sião, de Ariano Suassuna, dirigido por Hermilo Borba Filho,

A peça em um ato Cantam as harpas do (sic) Sião do sr. Ariano Suassuna revela um ator (sic). Sabe, com inteligencia, apresentar personagens desnovelando uma historia no seu dialogo, que é rico de vocabulario e substancia poetica. Obteria maior rendimento teatral se quizesse (sic) cortar determinadas falas, que, se valem como efeito verbal, perturbam a unidade do todo, tornando-o aqui e ali monotono. Creio que o sr. Ariano Suassuna andou errado quando prolonga a ação utilizando-se de meios exteriores, como aquele quando o desertor pede a Maria que reze e continue

de luz de Salustiano Gomes Lins, e José Laurênio de Melo como ponto. No elenco, Edson Nery da Fonseca, Ana Canen, Luiz Espíndola, José Guimarães Sobrinho e Genivaldo Wanderley. Num longo artigo especialmente escrito para o Diario de Pernambuco (22 de setembro de 1948), para a coluna Teatro, a convite do

Cantam as Harpas de Sião

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a falar, deblaterando os fazedores de guerras, coisa já por ela anunciada anteriormente. O ato perde em força, intensidade dramatica, dai em diante. Seria mais acertado que os dois, sentimental, se dessem as mãos e saissem lentamente de cena, partindo para a grande viagem, de rumo desconhecido, que os aguardava lá fóra, com soldados á espera, de tambores rufando. Cantam as harpas do (sic) Sião enfraquece-se com a pirotecnica sonora do herói e as lamentações de Maria, desde que, não havendo outros recursos para a fuga, a não ser aqueles da morte pelo martirio, insiste o sr. Suassuna em obrigá-los a falar, repetindo-se e pior do que isso, repetindo as situações. Essas falhas são perdoaveis no trabalho de um estreante, que se mostra dono de imenso talento e que se quizer (sic), com estudo, perseverança, poderá brevemente ocupar um lugar dos mais amplos entre nossos primeiros dramaturgos. A peça serviu para estreia da Barraca do Teatro do Estudante de Pernambuco. Neste palco improvisado, o sr. Hermilo Borba Filho, como diretor, criou um milagre: o de ampliar a cena, com efeitos luminosos. Surpreendente o bom gosto do sr. Hermilo Borba Filho não só na distribuição de luzes como no inteligente uso de cortinas e do elemento decorativo profunda da vela permanente acesa no quarto do morto, como que alumiando o prisioneiro invisivel. Ana Canen é uma atriz de futuro. Tem tudo para ocupar, caso o deseje, posição mascara, sensibilidade. Os srs. José Guimarães Sobrinho e Luiz Espindola desincumbiram-se com discrição e acerto. Mas que belo ator há no sr. Genivaldo Vanderlei (sic)! Dono de uma voz rica de gradações, sabe comunicar a emoção de seu personagem. [...] Esse quase menino que é Genivaldo Vanderlei (sic) me deu uma impressão igual a recebida na noite de estréa de Hamlet, assistindo a interpretação de Sergio Cardoso. Como Anunciador, o sr. Edson Nery da Fonseca soube dizer poesia sem enfado, naturalmente, valorizando-a pelo seu conteudo sem acentuar esta ou aquela tambem responsavel pelos cenários, o recomendam como um artista de sensibilidade.

Neste mesmo artigo, Paschoal Carlos Magno reportou-se à primeira parte do programa, quando foi apresentada a peça de bonecos Haja Pau, de José de Morais Pinho, com música de Capiba, num pequeno palco colocado ao centro do palco da Barraca. Continuou ele: Os bonecos povoaram os três curtos átos de graça, que o texto bem feito soube condensar. Não só as crianças, mas tambem os adultos divertiram-se com essa peça que bem podia ser para atores de verdade quanto para atores de carne e osso. Louve-se tambem a mão silenciosa e anonima do estudante sr. Salustiano Gomes Lins que, provando a versatilidade do brasileiro, iluminou a Barraca do Teatro do Estudante de Pernambuco, com um conhecimento de tecnica no assunto, como se esse estudante de medicina, ocupado em problemas de psiquiatria, fosse um importado de teatros alemães ou russos, onde a luz é um dos principais, senão o principal elemento da representação. Louve-se tambem os estudantes Maria Tereza Leal e Epitacio Gadelha que articulam os bonecos de Haja pau, com precisão, sublinhando o que dizem com movimentos de imenso efeito comico. Louve-se sobretudo o espírito desse grupo de moços, liderado pelo sr. Hermilo Borba Filho, que levantaram, com auxilio do governador Barbosa Lima Sobrinho e da Base Naval do Recife a barraca da praça treze de Maio e a vestiram com cenarios, luzes, sua emoção interpretativa. E não fatigados de serem operarios como carpinteiros, serradores, eletricistas, interpretes, encontrei-os antes e depois dos espetaculos de sabado limpando os adereços, varrendo o chão. Moços como esses, capazes de tanto homens que nos governam, como o prefeito Morais Rego, que lhes negou um auxílio de vinte e quatro mil cruzeiros para doar, dias depois, somas muitas vezes maiores do que essa a batedores de bola.

No Diario de Pernambuco, o crítico J. B. foi enfático: nor duvida: a repetição do espetaculo, no domingo, 412


bém se reportou à iniciativa do Teatro do Estudante e, mais uma vez, fez questão de reforçar que não era um inimigo das ações da estudantada, ainda que descrente dos seus resultados na prática. Eis o que relatou no Jornal do Commercio (23 de setembro de 1948): dante anunciou o seu propósito de percorrer as feiras, as praças dos arrabaldes, os pátios de fábricas, etc., representando sôbre caminhões, descri de que levasse avante o seu plano e escrevi um A propósito... em que, embora descrente, lhes desejava, da praia de onde os via ganhar o mar alto, boa viagem. Tenho, ainda, entre meus papéis, essa cronica, que foi considerada, desde logo, como uma atitude de hostilidade para com o grupo que se iniciava empolgado por tantos entusiasmos. Sucedeu o que eu previ: o caminhão nunca veio a furo e, certamente, não virá mais. Sucedeu-o, porém, a “barraca” há dias inaugurada e isso já é outra te espero que ela resolva os muitos problemas que têm entravado a marcha do Teatro do Estudante na consecução do seu programa de teatro para o povo. Já não haverá, agora, será transportada daqui para ali, com relativa facilidade, e nós vamos ter, em consequência, um teatro ambulante que é fator ponderável na difusão do teatro entre as camadas mais pobres da população. [...] Disse-o, e repito: louvo em todos os tons essa iniciativa, em-

bora ainda um tanto cético quanto aos seus resultados práticos. [...] Um teatro ambulante substitue (sic) dezenas de teatros que quiséssemos construir por todo o Recife. E’ uma solução que comporta outras. Merece, pois, ser amparado para que a gente pobre tenha à porta de sua casa nos subúrbios, por assim dizer à la minute, o teatro que não tem tido. Esperemos que agora se dupliquem as fôrças uma vez lhes digo, com a maior sinceridade: boa viagem.

Novas sessões aconteceram nos dias 9 e 10 de outubro de 1948, ainda na Barraca. Utilizando a carroceria de caminhões, o mesmo programa foi levado, posteriormente, a diversos subúrbios da capital pernambucana – como no núcleo do SESI de Santo Amaro, no Núcleo do SESI da Mangueira e na Destilaria do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife – e cidades do interior como Catende, que pôde apreciar ainda A Casa de Rosmer. O convite partiu da Usina de Catende e daquela Prefeitura Municipal. Entre outros lugares, Haja Pau ainda foi apresentado no Largo de Casa Forte e no Colégio Anchieta. O texto da peça, inclusive, foi publicado na íntegra no jornal Folha da Manhã, em 15 de agosto de 1948, na capa da 2ª Secção. Interessante foi o comentário que Hermilo Borba Filho fez em sua coluna Fora de Cena, na Folha da Manhã – Vespertina (6 de agosto de 1948), sobre a possível vinda ao Recife do Teatro de Bonecos do

Departamento de Bonecos do TEP

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Instituto Pestalozzi, citando, ainda, uma iniciativa particular de um amigo teatrólogo que lhe chamou a atenção:

Hermilo Borba Filho escreveu um outro comentário na Folha da Manhã – Vespertina (16 de dezembro de 1948) sobre a dramaturgia a ser revelada:

Aqui mesmo já existe uma tentativa bem inte-

Pelopidas Soares, de Catende, aparece, pela primeira vez, em cena, com a sua O galo capeta, baseado numa lenda nordestina. Não será exagero dizer-se que ele possue (sic) boas qualidades, principalmente manejando uma historia tão de sabor regional quanto esta que escreveu, onde a credulidade da gente do

ás funções que o teatrólogo Berguedoff Elliot oferece em sua residência a (sic) criançada da vizinhança, lá em Casa Amarela, apresentando peças curtas, de preferência musicadas, lançando mão de efeitos de luz, de cenários apropriados, de tudo quanto possa deslumbrar as crianças. Começou pela necessidade – disse-me êle – de desviar a atenção da sua substitutivo[.] E dessas reuniões domésticas, o Berguedoff fazendo tudo, já se estendeu pelos conhecidos e vizinhos. Dia de sábado a sala de curiosas e interessadas no espetáculo. Está, assim, Berguedoff Elliot, prestando um servição ao bom gôsto artistico da futura-gente-grande. É um exemplo digno de imitação. [...] Para gente grande e para gente pequena Os (sic) bonecos são uma necessidade.

Antes da pretensa estreia do segundo espetáculo preparado pelo Departamento de Bonecos do TEP, que reunia três peças curtas e inéditas de autores pernambucanos com sessão agendada na Escola Industrial da Encruzilhada, no domingo, 19 de dezembro de 1948, para uma plateia de sócios contribuintes do grupo,

conjugal. A outra peça – Mãe da lua, de José autor de Haja pau, que se deveria especializar em peças para bonecos, pois ele possui a justa dose para esse genro (sic) de espetaculos. Continuando a minha tentativa de teatralizar as assombrações do nordeste, iniciada com o Auto da mula de padre, apresentarei A cabra cabriola, com musica de Capiba, onde procurei caricaturar o bicho que come menino, aligeirando a lenda, tornando-a quase uma farsa. Cumprimos, com esse espetaculo de sabado, a promessa de aproveitar os assuntos do povo, valorizando-os e fazendo-os voltar ao meio de onde se originaram.

lhães, luz de Salustiano Gomes Lins, bonecos de Cheiroso e, tomando parte na representação,“fazendo as vozes dos bonecos”, Ariano Suassuna, Gilberto

Departamento de Bonecos do TEP


nunca aconteceu. Tanto que, pouco depois, com a ida de Aloísio Magalhães ao Rio de Janeiro por um bom tempo, o Departamento de Bonecos do TEP, que estava sob sua coordenação, foi desativado. Em 1952, os três textos ganharam nova montagem pelo grupo, agora somente com atores no palco. Coincidência ou não, pouco após a estreia da primeira experiência de bonecos pelo TEP, ainda em 1948 chegou ao Recife o Teatro de Marionetes, do Rio de Janeiro, sob orientação de Eros Martim Gonçalves, Maria Helena Amaral e Silvia Watson. A curta temporada, patrocinada pela Diretoria de Documentação e Cultura, deveria acontecer no Círculo Católico, mas acabou transferida para a Escola Industrial da Encruzilhada.

Departamento de Bonecos do TEP

Freire Borba, Alaíde Portugal, Ana Canen, Genivaldo Wanderley, Epitácio Gadelha, José Guimarães Sobrinho, Gilvan Barbosa, Gastão de Holanda, Fernando Maranhão e Francisco Sepúlveda. A questão é que a apresentação foi adiada para janeiro, devido Aloísio Magalhães encontrar-se adoentado, conforme notícia no Diario de Pernambuco (17 de dezembro de 1949), na coluna Teatro, mas, ao que tudo indica, esta estreia

Além dos espetáculos para adultos, as crianças também tiveram sessões dedicadas a elas, com a encenação de , de Gil Vicente, além de números variados, com canções e danças populares nhecido por sua paixão pela plasticidade, o pernambugrafo e bonequeiro cuja formação aconteceu na Inglaterra, onde estagiou na Companhia Old Vic, há muitos anos estava radicado no Rio de Janeiro. É ele quem a montagem de A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, um dos grandes sucessos do Teatro de Amadores de Pernambuco, cuja estreia aconteceu no dia 7 de dezembro de 1948, no Teatro de Santa Isabel,

Teatro de Marionetes, do Rio de Janeiro

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aproveitando sua estada com o Teatro de Marionetes no Recife. A direção era de Valdemar de Oliveira. Em 1955, Eros Martim Gonçalves foi um dos fundadores da Escola de Teatro da Universidade da Bahia. A Casa de Bernarda Alba chamou muita atenção também porque, pela primeira vez, o elenco era totalmente feminino, composto por quatorze senhoras e senhorinhas da sociedade, o que para Valdemar de Oliveira traduz a destruição do preconceito teatral na cidade. Atuavam Margarida Cardoso, Maria do Carmo Regueira Costa, Laís Macedo, Nacy Pereira de Luna, Nina Salazar, Esmeraldina H. Cavalcanti, Júlia Gomes da Silva, Carminha Carvalho, Bebé Salazar, Edésia Bancovsky, Bibi Nogueira, Vicentina Freitas do Amaral, Geninha Sá da Rosa Borges como Adélia, e Diná Rosa Borges de Oliveira como Bernarda. A música foi composta pelo maestro Felipe Caparrós, com sugestões de Leitão de Barros, e a tradução da obra foi feita por Maria Rosa Ribeiro. Valdemar de Olivei-

ra assinou a direção geral da montagem, Aníbal Mota era o “eletricista”, Francisco Miranda o contrarregra, José Barros e João Alves os maquinistas, e Abelardo Cavalcanti continuou como ponto. Esta foi a segunda encenação de um texto de Lorca no Recife, pois em 31 de janeiro de 1947 o Teatro do Estudante de Pernambuco já havia estreado A Sapateira Prodigiosa, sob a direção de Hermilo Borba Filho, no Auditório da Escola Técnica do Recife. A Casa de Bernarda Alba, até hoje considerada a maior prova artística do Teatro de Amadores, resultou no mais completo sucesso, com renda voltada à Campanha Pró-Infância. A repercussão positiva foi tanta, que até mesmo um crítico rigoroso com as montagens do grupo, como Júlio Barbosa, registrou no Diario de Pernambuco (8 de dezembro de 1948): Sem medo de cometer uma injustiça, pode-se tigo conjunto amadorista do Recife.Tremendo

A Casa de Bernarda Alba

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turadas pelo desejo mais natural do mundo, a peça revela uma faceta ainda desconhecida do publico brasileiro na vasta obra do poeta espanhol, que Franco mandou assassinar. Nenhum homem em cena; mas nada obstante, do ultimo ato, todos os homens estão mais

exagerado e sem nome, a personagem que dá pensamentos que se relacionam com o sexo oposto, sobretudo guiada por um orgulho de familia e de casta, que é a sua maior preocupação. E leva seus rebentos, mulheres tanto quanto ela propria, ao desespero inominavel de uma reclusão forçada, que concorre de maneira espetacular para o tragico desfecho mais impressionante do enredo, magistralmente vivida pela sra. Geninha Sá. Um belo trabalho, o desempenho dessas senhoras e senhoritas, que compõem o elenco, visto do conjunto. Empolgante a peça de Lorca, somente agora conhecida no Brasil. [...] Os cenarios, admiraveis, bem como todos os accessorios,

que integraram a representação de ontem. Assisti, realmente, a um bonito espetáculo do Teatro de Amadores.

Como nota divertida, vale reproduzir o que Valdemar de Oliveira publicou no Boletim Teatral de Contraponto (abril de 1949, s. p.) sob o título “Mentalidade”: “Frase de um inimigo encapuzado do Teatro de Amadores, ao fechar-se o velário sobre a última cena de A casa de Bernarda Alba, na noite de sua estréia: – Estou triste! Foi um belo espetáculo!”. Comentários ácidos à parte, Hermilo Borba Filho, outro entusiasta da montagem, escreveu mais detalhadamente sobre o trabalho de interpretação da peça, entre outros detalhes, para a Folha da Manhã (9 de dezembro de 1948): Numa má tradução de Maria Rosa Ribeiro, o Teatro de Amadores de Pernambuco deu-nos, ontem, ante-ontem, uma boa montagem e interpretação da última das peças de Lorca, escrita pouco tempo antes de seu fuzilamento, “drama da virgindade”, descendendo em linha reta da mais pura tradição do “drama de hon-

e a poesia estão aqui, sem duvida alguma, muito acima da substancia humana encerrada no personagem. [...] O que perde em humanidade, Bernarda Alba ganha como representação de uma raça. A protagonista da obra de Lorca não é outra coisa que uma representação de Castelha. Castelha, como Bernarda, quis

A Casa de Bernarda Alba

417


o momento a honra acima da vida. [...] A atmosfera que faltou nos dois primeiros atos, transmitindo-se mais pelas palavras do poeta do que propriamente por um “clima”, talvez pela luminosidade excessiva do “interior”, foi, completamente atingida no terceiro ato, quase perfeito como intenção e representação, valendo ressaltar, sem restrição de qualquer cenário idealizado por Eros Gonçalves e a intérpretes, sem desejar analizar (sic) os demais, quero salientar o acêrto com que se houveram Margarida Cardoso (“Poncia”), sensivelmente melhorada, agora com uma direção inteligente: Carminha Carvalho (“Augústias”), de grande verdade artística quando deixa transparecer o recalque da solteirona; Geninha Rosa Borges (“Adélia”), ótima na explosão do terceiro ato, sem dramaticidade exagerada e, sobretudo, com um grande poder de convicção, isto provindo talvez da crença da intérprete no personagem que ennarda”), dona de uma sensibilidade artística raras vezes presente em interpretes, transbordante, o que talvez a tenha conduzido a dizer as palavras com muita violência, com muita exuberancia de gestos. Pessoalmente preferiria que o domínio de Bernarda sôbre força moral, pela violência concentrada, de que pelas explosões. Isto, entretanto, não

Federico García Lorca

desmerece, absolutamente, o trabalho da num desenho de tipo, perfeitamente dentro da justeza psicológica, o que nada altera a conduta do personagem, valendo como uma concepção do diretor, a quem de justiça deve-se reconhecer honestidade de propositos na transmissão do ambiente, da ação e dos valores poéticos de Garcia Lorca. Reservo um lugar especial á Vicentina Freitas do Amaral (“Maria Josefa”), ao desempenhar-se ram. Desde Oriente e Ocidente, de Maugham, que Vicentina Freitas do Amaral não havia tido oportunidade de conquistar a plateia da maneira como o fez, ganhando justamente aquela salva de palmas na cena do terceiro ato. O limite entre a demência e o ridiculo é quase nenhum e aí reside o vigor da interprete, não se levando em conta a risada de meia duzia de ignorantes que deve ser considerada uma homenagem e não uma desfeita a essa amadora. Lorca, meu irmão, garanto-te que continuas vivo, com a tua poesia e o teu teatro. Não há prova melhor do que a representação que assisti, ante-ontem, da tua Casa de Bernarda Alba.

Defendendo sua atriz e esposa, Diná Rosa Borges de Oliveira, Valdemar de Oliveira escreveu para o Jornal do Commercio (16 de dezembro de 1948):

A Casa de Bernarda Alba

Na composição do tipo de Bernarda, que uns acharam por demais envelhecida, outros por demais violenta, é preciso lembrar que os seus 60 anos são os de uma mulher duramente vivida, mulher-homem da casa, a que os espanhóis chamam de “mujer solariega” em que a crueldade tem lentamente comido o coração,

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e os desgostos, fundamente cavado o rosto. Quanto à ênfase e à violência de suas apóstrofes, é absolutamente impossível esquecer que ali não se traça um tipo de mulher anglo-saxã. O temperamento medieval é exuberante, derramado, selvagem. Espanhóis e italianos falam alto, gesticulam, movem-se, deblateram, sendo, nômica, de atitudes agrestes, de falar imperativo, de explosões sentimentais.

Aquela questão das risadas do público numa obra tão trágica incomodou a meio mundo de gente, mas a cronista Flora Machman tentou esclarecer o ocorrido em um de seus escritos para a Folha da Manhã – Edição Vespertina (10 de dezembro de 1948): Peça forte, de situações brutais, por vezes, A Casa de Bernarda Alba, de Garcia Lorca, [...]

A Casa de Bernarda Alba

provocou, nas passagens mais violentas e dramáticas – como a da fala de Maria Josefa, a louca, admiravelmente interpretada por Vicentina do Amaral e quando das frequentes disputas entre as irmãs, apaixonadas pelo mesmo homem – gostosas rosadas do elegante público que acorreu ao Santa Isabel para apreciar, de perto, as qualidades artísticas de senhorinhas da nossa melhor sociedade. Que não se diga que foi a plebe das torrinhas, provavelmente mais pobre e mais inculta do que os felizardos das poltronas, que riu, quando Adélia (sic) por Geninha Sá da Rosa Borges, dá vasão (sic) a seus impulsos recalcados.“Meu corpo é meu e hei de dá-lo a quem quiser!” Riu toda a gente. [...] Achar graça, porém, em A Casa de Bernarda Alba, onde se debatem personagens estranhas e profundamente trágicas, é fenômeno digno de estudo. Pode se gostar ou não da peça, sentir ou não o torvelinho daquelas almas que a tirania de uma mãe tentava dominar. É verdade que a tragédia, por mais paradoxal que isto seja, tem seu lado cômico, ridículo. Seria risível a ânsia daquelas mulheres, em êxtase pelo simples ouvir o canto dos trabalhadores do campo, se não fosse tão cruel, tão humano.

Com as quatro sessões de A Casa de Bernarda Alba, o Teatro de Amadores chegou ao auge de sua qualidade artística desde 1941, prestigiado pelo público e quase por unidade pela crítica de então. No total, o grupo liderado por Valdemar de Oliveira promoveu cinco novos trabalhos em 1948, com vinte e oito récitas. Já o Grupo Cênico do Colégio Marista organizou uma homenagem aos ex-alunos da instituição de ensino e a seus familiares, no dia 8 de dezembro de 1948, com o drama O Pequeno Volantin, no Salão-Teatro dos Maristas. No dia 11, foi a vez do Grêmio Recifense de Comédias, que obedecia a orientação artística do ator, autor e cantor Jomar Austregésilo, estrear no “teatrinho íntimo” da rua Castro Alves, no bairro da Encruzilhada, a alta comédia de Silvino Lopes, Ladra. No elenco, Jomar Austregésilo, Alcides Barata, Romero Cunha, Jomira Austregésilo e Terezinha Vieira. A apresentação fez homenagem ao senhor José Vieira, sócio benemérito do Conjunto Teatral Castro Alves, colaborador e defensor do teatro naquele subúrbio.


Faço Qualquer Gênero. Sururú Em Família

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Diario de Pernambuco (21 de dezembro de 1948): -

Waldemar Mendonça

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Ladra -

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Tudo Isso é Brasil publicou no Diario de Pernambuco (24 de dezembro

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Harmonias e Vibrações Recompensa de Um

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Sacrifício Papai Noel -

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Olegário Fialho

Oliveira, Olegário Fialho, Zito Vieira, Dirceu Pessoa, Marly Rocha, Valderez Pessoa, Heraldo do Monte e com um ato variado reunindo vários artistas da equipe, como Inalda Ferreira e o garoto tenor Milton Miranda. Pena que, até aquele momento, a subvenção prometida pela Prefeitura do Recife ainda não havia sido liberada. Ainda há registro de uma outra montagem para crianTudo é Brasil, revista infantil de autoria da professora Maria Augusta Pessoa Ribeiro, com alunos do Grupo Escolar Amaurí de Medeiros, já vista naquele palco também no ano anterior, além de dezenas de outras festas de arte musical, concertos avulsos e audições escolares. de Oliveira não poupou quase ninguém em sua coluna no Diario da Noite (22 de janeiro de 1949):

promete aparecer em grande forma. Convenhamos em quão mal servidos fomos, nesse particular, no ano passado. Mário Brasini e Milton Carneiro nos trouxeram um bom teatro, sem dúvida, honestamente apresentado. Tinha, porém, ainda, algum açúcar-candi e o vago cheiro que sentimos em livros de velhas edições. Velhas de ontem – e, até, velhas de...

Barreto Júnior

hoje. O resto foi o mau teatro de Barreto Júnior, o teatro comercial de Mesquitinha e o teatro-passatempo de Viviani. Merecíamos muito mais, dadas aas exigências crescentes de nossa platéia, que vem sendo muito trabalhada pelos grupos amadoristas.

Na revista Contraponto (abril de 1949), numa matéria sobre “O movimento do Santa Isabel, em 1948”,Valdemar de Oliveira fez a seguinte constatação: Muito movimentado esteve oTeatro Santa dizer que abriu suas portas 293 vezes, assinalando-se o comparecimento, à sua platéia, de cêrca de 132 mil pessoas. [...] Todos nós sabemos, porém, que o Santa Isabel não se faz somente para teatro e música de elevada categoria. Essas coisas às vezes se misturam muito nal de contas, nada têm a ver com os verdagria, grupo formado por artistas do rádio e do cinema, tendo à frente o humorista Badú; de um Congresso de Cantadores às formaturas de faculdades e colégios; de um Congresso de Tuberculose às conferências de Hermes Lima pode continuar, o Recife, com um só teatro?


S

e 1949 já foi um ano especial para o teatro pernambucano, 1949 trouxe ainda maiores conquistas pelo aumento de espetáculos que chegaram à cena, incluindo lançamento de muitos novos grupos e o retorno de outros inativos. Paralelo ao crescimento da atividade teatral, o cinema ganhava em disparada conquistando prensa – -

cipalmente aos astros e estrelas de Hollywood. Para se ter uma ideia da sua importância como principal diversão naquele momento, podia-se frequentar vinte e sete salas de cinema no Recife em 1949 (Art-Palácio, Atlântico, Areias, Boa Vista, Casa Amarela, Duarte Coelho, Eldorado,

esporádicos ao teatro. Eis o porquê Valdemar de Oliveira continuava a reclamar

do ano, pela comemoração do centenário em maio de 1950.


-

escolha desse original, Hermilo Borba Filho reclamou em sua coluna Fora de Cena, no jornal Folha da Manhã – Vespertina -

em apresentar-nos uma verdadeira “peça de Zigbieniev Ziembinski

Zigbieniev Ziembinski para preparar três novas montagens, um sonho acalento há anos. Se os irmãos João e Raul Valença retomaram as apresentações do seu

da [A] Sombra, de Dario Nicodemi, um teatro tadores de casas de espetaculos do principio verdadeira arte dramatica. E’ uma pena.

tro dos Bancários reentrou em cena com A Sombra, peça italiana de Dario Nicodemi, dando espetáculos -


Jornal do Commercio peça ‘velha’ tivesse tido um outro tratamento, no setor da interpretação sentida e vivida, não se teria dito, -

proprios eixos de um passado digno. Depois los e senti o maior prazer em elogiá-lo. Estou

A Casa -

do Estudante). Desejando votos de melhores resul-

de Bernarda Alba

a continuar colaborando com uma “critica honesta,

do na coluna Artes e Artistas, de Valdemar de Oliveira, no Diario da Noite

A propósito..., no Jornal do Commercio Diario de Pernambuco

veira dirige, tem a função de um teatro-escola. Forma atores, autores, diretores. Honra um Estado. É um seminário de cultura semmaiores triunfos de sua jornada com A casa de Bernarda Alba

Esta coluna não está – como pensam algumas -

bom caminho através de uma critica, se por um lado severa e até causticante, por outro sincera e cheia dos melhores propositos. Esse grupo tinha um passado a defender. Ganhei um bocado de inimigos; em torno de minha pessoa e de meu nome se criou uma aureola menor importancia – mas o grupo retomou o

Pernambuco, fez os cenários, extraordinariapela criação da atmosfera, a unidade do desempenho.

estava preparado para montar Otelo, de Shakes-

em sua coluna no Diario da Noite reentrará com um novo espetáculo de bonecos – e essa modalidade cênica deve continuar a ser cultiva-


espetáculo reunindo as três peças O Galo Capeta, Mãe da Lua e A Cabra Cabriola, talvez nunca tenha

Folha da Manhã – Edição Vespertina somente com atores no palco, sob direção de Genionde apresentou, em fevereiro, Quem Será o Palhaço?, e, em março, Ao Cair da Tarde Céu do Meu Brasil ainda foi vista no

Dever de Cristão Céu do Meu Brasil, original de Waldemar -

matinée infantil

Valderez Pessoa

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vre, foram cumprir uma curta e vitoriosa temporada

Uma Vez Na Vida, de José WanO Folgado, Herdeiro na Hora “H” e O Biriba zaga, e Sindicato dos Maridos Bastos, entre outras comédias.

tre outras, A Princesa das Czardas treia, O Conde de Luxemburgo, A Viúva Alegre, Frasquita, Eva, A Mazurca Azul, A Jurity, Cabocla Bonita, O Ébrio, Casta Suzana Boletim Teatral de Contraponto abril por Valdemar de Oliveira como complemento à revista Contraponto

outras más, a começar pelas d’O ébrio nhia não trazia uma soubrette – e essa era sua

-


Salesianos, este prevendo somente a montagem de

Até que, numa segunda-feira de pauta livre no Teatro de Santa Isabel, dia 21 de fevereiro, Elpídio Câmara realizou mais um dos seus festivais artísticos, desta vez com a peça Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo, tendo contado com a colaboração de Lourdes Monteiro junto a vários artistas da Companhia de Operetas dos Irmãos Celestinos que se encontravam no Recife, Norma Geraldy, Pedro Celestino, Adail Viana, Perpétuo Silva e Roberto Mauro. Segundo sua divulgação da época, Elpídio Câmara foi o primeiro ator do “Norte” a dar vida à personagem principal daquela peça. O crítico O. C., Otávio Cavalcanti, iniciando suas escritas no jornal Folha da Manhã – EdiçãoVespertina (22 de fevereiro de 1949), deu atenção à montagem:

primeira falha. O repertório, por sua vez, era o de vinte e trinta anos passados. Igualmente velas, as marcas, as “bexigadas” e o jôgo dramático. A temporada deu prejuízo, agravado pela época de Carnaval, em que atuou.

Se o Conjunto Teatral Estudantil acabou afastado do Teatro Paroquial do Barro, sem perspectiva de nova montagem por enquanto, nos dias 6 e 12 de fevereiro o Conjunto Teatral Castro Alves representou a comédia Cupido é o Culpado, de Jomar Austregésilo, no “teatrinho” da rua Castro Alves, no bairro da Encruzilhada. A presidência do grupo estava sob o comando do também ator Alderico Freitas. Já a 20 de fevereiro de 1949 o Teatro Mauricéia deu o ar da graça no Salão da Sagrada Família de Tejipió, com a comédia Senhorita Vitamina, de Bastos Tigre, sob direção de J. Orlando Lessa e André Chaves, com renda para as obras da matriz local. No elenco, Benoni Ferraz,Tâmara Matos, Arlindo Lira e Cláudio Silva, entre outros. E foram anunciados dois novos conjuntos pela direção de Gilvan Barbosa, o Ars-Artis, sob direção do estudante Gilvan Barbosa, e o Teatro dos

Otávio Cavalcanti

Alcançou bom êxito o festival de Elpidio Camara, realizado, ontem no santa Isabel como estava anunciado. Exito tanto de representação teatral, como de bilheteria, pois o teatro estava repleto. Foi muito justo assim acontecesse porque o popular ator conterraneo bem o merece, por odos os motivos: ator pobre, mas consagrado em virtude da sua honestidade com que encara os papeis e do critério no sei desempenho. Sabe como faze-lo. [...] Em o “mendigo milionário” Elpidio esteve completo nas suas atitudes; tanto melhor nos momentos dos papeis, em cujos quadros sua transição era impecavel.


Ainda em fevereiro, nos dias 9 e 10, no Centro Educativo Operário de Água Fria, e 12 e 13, no Centro Educativo Operário da Várzea, o departamento artístico Dever de Cristo, de Otacílio Emídio, com renda voltada à construção do Abrigo à Velhice Bezerra de Menezes. Também em curta temporada no Recife, ocupando a avenida Cruz Cabugá antes de seguir para a Venezuela, o Spadoni Real Circus, “grande companhia zoológica e de variedades”, atraiu bom público aos seus “programas morais, recreativos e instrutivos”, como divulgava nos anúncios de jornal. E ganhando cada

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vez mais popularidade tanto com adultos e crianças, a Radio Jornal do Commercio vinha destacando-se com seus programas de auditório, levando atrações como o cantor “cow-boy” Bob Nelson e Cuquita Carbalho, a “Mulher de Fogo”. Presentes e prêmios em dinheiro eram distribuídos em programas como Vale Tudo, Está Na Hora e Sala de Espera. Prometido pelo ator, diretor e empresário Barreto Júnior para os próximos meses, o Teatro de Emergência Almare estava para ser inaugurado no início da avenidível do senhor Adelmar da Costa Carvalho, cônsul do Paraguai, do comendador Jaime Santos, que cedeu o terreno, e da Prefeitura do Recife, que abriu mão dos impostos. A possibilidade de se ter um teatro de qualidade duvidosa no Recife atormentava Valdemar de Oliveira desde o início do ano, que escreveu em sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (16 de fevereiro de 1949), preocupado com esse “fomentar o cultivo das formas inferiores do teatro, facilitar o ressurgimento da chanchada, levar ao povo o mau teatro, já agonizante por tôda a parte”. Clamou ele ao senhor Adelmar da Costa Carvalho para “brindar ao Recife com um teatro de verdade, não só à altura material da cidade, mas, á altura do seu progresso artístico”. Hermilo Borba Filho, por sua vez, mostrou-se favorável à iniciativa de Barreto Júnior de apresentar espetáculos “para um público menos exigente”, conforme escreveu na Folha da Manhã – Vespertina (3 de fevereiro de 1949). Claramente de caráter popular, a inauguração do Teatro de Emergência Almare só aconteceu em outubro.

Adelmar da Costa Carvalho

Até que chegou ao Recife, com excursão patrocinada pelo Serviço Nacional de Teatro e Ministério da Educação e Saúde, para curta temporada no Teatro de Santa Isabel, a partir de 5 de março e até 3 de abril de 1949, a elogiada companhia Os Artistas Unidos – “Isso é um presente do céu”, escreveu Valdemar de Oliveira no Diario da Noite (22 de janeiro de 1949) –, como uma das companhias teatrais mais importantes do país, encabeçada pela atriz e diretora francesa Henriette Morineau. No repertório de “alta qualidade artística”,

Henriette Morineau


lembrou ainda Valdemar de Oliveira, montagens adultas como Frenesi, de Charles de Peyret-Chappuis, O Pecado Original, de Jean Cocteau, A Governanta, de Jacques Deval, Só Nós Três, de Sydney Howard, Uma Rua Chamada Pecado, de Tennessee Williams, e Elizabeth de Inglaterra, de André Josset, além de uma peça para crianças, O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti. Esta teve matinais a partir do dia 6 de março, sempre aos domingos, às 10 horas, até 3 de abril (neste momento, a garota Marília Pêra integrava o elenco). A imprensa registrou que a capital pernambucana foi a primeira cidade do “Norte” do país a ser visitada pela companhia Os Artistas Unidos, equipe que lançou o

É claro que a repercussão deste “espetáculo dedicado à petizada” foi das melhores possíveis e reforçou que o teatro para crianças poderia ser encarado como nais, algo que já estava perto de acontecer no Recife. Em maio, por exemplo, há registros nos jornais de dois interpretando para crianças, mas que provavelmente não chegaram a acontecer: um pela coordenação da professora Máxima Correia Lima, e o outro o Teatro de Brinquedo, composto por jovens residentes no bairro da Boa Vista (não confundir com o Teatro de além de Barreto Júnior ter anunciado que seu elenco iria também apresentar peças para crianças quando o Teatro de Emergência estivesse inaugurado.Vale refor-

tava as declarações de Barreto Júnior, como, porexemplo, o fez mais uma vez em sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio A balela de que o público o que quer é rir, porque a vida já é muito cheia de aborrecimentos e de angústias – está caindo totalmente por terra, diante do retumbante êxito de Henriette Morineau, no Santa Isabel. Para falar a verdade, já havia caído, há muito tempo. [...] A nossa platéia está sabendo o que é verdadeiramente teatro. Está discernindo, está discutindo, tem consciência perfeita do que ouve e do que vê. Sobretudo, reconhece, hoje, que chanchada não é teatro: é caricatura de teatro. [...] A bobagem de que a fábrica de gargalhadas é o melhor teatro e que as platéias não querem outro, está sendo desmentida, no curo de uma campanha em que todos nos temos empenhado sem esmorecimentos.

Por sinal, no Boletim Teatral de Contraponto (abril de bre a tão aguardada presença d’Os Artistas Unidos no Recife: Uma grande temporada, de expressiva repercussão em nossa vida social e artística. A Morineau conquistou todas as simpatias da platéia, pois a ela se deve a homogeneidade do conjunto, à parte suas performances individuais. Repertório excelente [...] Com a Morineau, recolheram os melho-


res aplausos da temporada Flora May e Margarida Rey, Manoel Pera, Dary Reis, Jacy Campos e José Ceschiatti.

-

A Pedra no Lago, de Fernanda de Castro, prometida para estrear a 26 de maio de

e o coletivo desapareceu nas crônicas teatrais. Com uma “carta um pouco desencantada, mas assim teatro no Brasil”, escreveu ao amigo Paschoal Carlos

ca e no Diario de Pernambuco -

de ser palmatoria do mundo. Sente-se, o Tea-

Folha da Manhã – Edição Vespertina Medéia Édipo-Rei teve contato com uma tragédia grega.

Otelo

parceria com o Teatro do Estudante e a Diretoria

Édipo-Rei, trazida como proposta pelo pintor e cenógrafo Eros

-

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Fora de Cena,da

Vita, tendo como mecenas Miguel Vita, a ideia vingou. Em parceria com o Conselho Britânico, uma exposi-

Folha da Manhã – Edição Vespertina


1949): “falta de escolas dramáticas, ausência de casas de espetáculos, desinteresse dos poderes públicos”. Nada distante dos tempos de agora, hem? Naquele momento, Hermilo Borba Filho até divulgou que estaria lançando, em breve, o Teatro dos Três, comAndrade, com a peça Ana Christie, de Eugene O’Neill,

Lançando a obra queValdemar de Oliveira considerava “de extraordinária potência dramática” e “uma das mais belas peças do repertório universal”, o Teatro de Amadores estreou o primeiro trabalho tendo à frente “o eminente técnico de tour de force” Ziembinski, Nossa Cidade, do romancista e dramaturgo americano Thornton Wilder. A falta quase absoluta de cenários

menos de um mês depois desistiu da proposta em virtude do acúmulo de serviços que tinha.

tra, mas até mesmo as portas de fundo e as escadas

Ainda em abril, o ator Luiz Maranhão fez a conferência O Teatro e Suas Coisas na sede da Sociedade Amiabriu a série de palestras que “preparavam” o público a apreciar melhor a tragédia de Sófocles, Édipo-Rei, a co a partir de 11 de maio de 1949, no Teatro de Santa Hermilo Borba Filho foram os convidados seguintes Antunes, depois de estrear a peça A Carta, comédia de Aristóteles Soares, no dia 3 de abril de 1949, na sede do Atlético Clube de Amadores, na Estrada do no seu programa de divulgação teatral para aqueles que não podiam ir ao teatro. No elenco, Maria Leo-

Luiz Maranhão

Thornton Wilder


em caracol da arquitetura foram aproveitadas, componZiembinski ainda aboliu o ponto e não utilizou conOriental, o lançamento da peça se deu a 27 de abril, no Teatro de Santa Isabel, marcando a reentrada do grupo em 1949, no seu oitavo ano de existência, com nova trevista ao Diario de Pernambuco (22 de abril de 1949): Our Town é uma das mais bonitas peças que conheço e não poderia ter escolhido outra melhor para estreia da primeira temporada

tusiasmado com o que viu e escreveu seis longos Diario de Pernambuco (28 de abril de 1949), trouxe a seguinte impressão:

quanto qualquer outra no seu conteudo, plena de poesia e desse cotidiano que na vida real a gente não tem tempo de observar, Our Town é cem por cento revolucionaria na sua apresentação, primando pelo ineditismo nos -

força dramatica poucas vezes encontrada na Nossa Cidade é vida e

pela imaginação crie os cenarios que a peça não tem e possa senti-la, ou melhor, possa apreender a mensagem poetica que os atores


Hermilo Borba Filho, também compreendendo as diFolha da Manhã – Edição Vespertina de Nossa Cidade pelos amadores estava desempenhan-

mar de Oliveira (Dr. Gibbs) e Diná Rosa Borges de Oliveira (Sra. Gibbs), bem como da estreante Norma

sobre Nossa Cidade Diario de Pernambuco (3 de maio de 1949): mise-en-scene de Our Town os efeitos desejados, se apresentado pelos Nossa Cidade -

Nossa Cidade


-

assim, de rotina. Opera-se nele, digamos me-

-

Diario da Noite (12 de maio de Nossa Cidade

do no Diario da Noite (2 de maio de 1949), sobre o habitantes de Grover’s Corners, a alma da ci-

com o palco “sem o menor sinal de carpintarie, com as gambiarras à vista, tal como acontece nos ensaios”.

-

Tempo. O Tempo conta-lhe os passos, assiste à


sua cova e dormem, dormem, sempre acordados. Dormem na Eternidade. O primeiro ato é alegre, vivo, gracioso. O segundo comove, entristece. O terceiro faz pensar na transitoriedade efêmera da vida. O terceiro mergulha a assistência na Eternidade. O espectador sai e a cidade de Grover’s Corner, no Massachusetts, acompanha-o a casa, vive ainda dois, três dias com êle e depois somebem viva a funda pègada no Eterno que vive em tôdas as vidas.

Nossa Cidade chegou a fazer sessão com entrada franca para os acadêmicos que apresentassem a carteira

Nossa Cidade

suas alegrias, aos seus desgostos, aos seus sonhos. E nunca se altera na sua marcha, imperturbável, calmo, cruel. [...] O Tempo toma a cidade, apossa-se dos personagens logo que começa o espetáculo, empolga-os. Nunca mais os larga. E imprime-lhes a sua usura, a sua pátina, o seu desgaste. Gra-

único numa de suas vesperais de domingo. Valdemar

Alguns tentam fugir-lhe, outros agarram-se-lhe desesperados. E êle, impassível, facêto, marca uma pequenina ruga ao canto duma boca com o seu lápis de maquillage, polvilha de neve uma cabeleira revolta, destróe (sic) a academia dumas formas

fogo a que já se submeteu o Teatro de Amadores e a obra mais discutida de toda a sua história, inclusive com gente a abandonando após o primeiro ato. E concluiu em artigo no Jornal do Commercio (8 de maio de 1949): “Nossa Cidade é peça tão bela, tão alta, tão pura, que ainda não se disse dela tudo quanto se tem a dizer”. O maior opositor às “inovações” de Nossa Cidade foi Berguedof Elliot, que escreveu longo artigo para o Diario de Pernambuco (4 de maio de 1949):

no cemitério, tenta matá-los. Mas não consegue. Vivem, vivem sempre. Lá no alto da montanha, dominando a cidade, hirtos nas suas sepulturas, continuam a viver, falam, criticam, vigiam a cidade, com a mesma dedicação, com o mesmo cuidado com que o fez o guarda Warren, cá em baixo. Alguns sentem saudades, querem descer a encosta, mas voltam desiludidos, deitam-se de novo na

Não obstante minha indole progressista, sou infenso a aceitar passivamente, em materia de arte, tudo quanto se diz “novo” ou “moderno” pelo simples fato de ser “diferente” ou pretensamente “revolucionário”, se não traz em si uma contribuição capaz de substituir com vantagem qualquer idéia obsoleta ou formula decadente. [...] A ausencia de pano de boca,

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de um narrador que toma a seu cargo a descrição de quasi (sic) todo o desenvolvimento da peça. Outro não é o papel do chamado “diretor” que vem á boca de cena explicar ao publico a paisagem, o ambiente, em que se ação do “narrador”; ele chega ao extremo de descrever os tipos dos personagens, como se os interpretes não fossem capazes de vivê-los por si mesmo, convencendo o publico. Ora, a intervenção desse elemento estranho, em quasi (sic) todo o decurso da peça, pode ser tudo, menos teatro.Admito que sejam desprezados os cenarios. Mas, o ambiente, a atmosNossa Cidade

de cenarios, de pertences de cena, ou de qualquer outro material de carpintaria, constitue (sic) o aspecto pretensamente revolucionario da peça de Thornton Wildler (sic). Entretanto, tal forma de apresentação não constitue (sic) uma criação original do escritor norte-americano. De há muito que o construtivismo de Mayerhold a introduziu no teatro sovietico, com o intuito politico de desmoralizar a chamada mise-en-scene burguesa. [...] Entretanto, mesmo como forma revolucionaria de apresentação, Our Town distancia-se muito das caracteristicas do chamado teatro moderno. E’ fácil demonstrá-lo. Se o autor desprezou os cenarios e os pertences de cena, substituiu

deduzida da propria dialogação, como se faz facilmente no radiatro, mas, nunca explicada através de um narrador, que é positivamente uma excrescencia. [...] O recurso do narrador nada tem de revolucionario. Ao contrario, é uma prova de decadencia, pois mais parece uma regressão á parabase da velha comedia grega. Outras falhas podem ser apontadas na realização cênica de Our Town. Por exemplo, se são desnecessarios certos pertences de cena como chicaras (sic), pratos, talheres, etc. cuja “existência” deve ser entendida através dos gestos dos personagens, não sei por que estes usam realmente guarda-chuvas e acendem cigarros, tais elementos deveriam tambem ser apresentados simbolicamente. [...] E’ de justiça salientar o grande conteudo poetico de seu

Nossa Cidade

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“igrejinhas” ou “sociedades limitada de elogios mútuos” que proliferam em minha terra.

No livro TAP – Sua Cena & Sua Sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) (2011, p. 231 e 233.), de Antonio Edson Cadengue, encontra-se a resposta que Ziembinski deu àquelas críticas, sob o título “Perguntas, opiniões e respostas”, publicada no número 2 do Boletim Teatral de Contraponto (setembro de 1949):

Nossa Cidade

texto. Sob esse aspecto, ela nos oferece uma tessitura admiravel. Cumpre-me ainda reconhecer o desempenho honesto e inteligente que lhe deram os amadores, sob a direção de Ziembinsky (sic). [...] Sei que as objeções acima articuladas quanto à técnica de apresentação de Our Town poderão desagradar a muita gente. Vão dizer que sou retrogrado, superde boulevard, da peça bem feita, [...] Não sou candidato a ingressar em qualquer uma dessas

Os guarda-chuvas não devem ser imaginários, como são, por exemplo, as xícaras. Eu posso sair, numa peça como Our Town, fora da lógica comum, em busca de uma sensação estética. Tenho o direito de escolher os elementos de persuasão que me pareçam mais adequados. Ora, o guarda-chuva é uma expressão de tristeza, como a chuva. Para acentuar a angústia do enterro de Emily, esse pertence se impõe. Enquanto isso as xícaras não interessam como efeito estético. E a solução de arte é uma solução estética. [...] Também disse que o narrador, em Nossa Cidade é uma prova de decadência, pois mais parece uma regressão à parábase da comédia grega. Mesmo que assim fosse, tal coisa não poderia ser considerada como decadência, porque não é decadência voltar às fontes da tragédia grega. [...] Esse não “pinta” cenários; ele apenas emprenha a imaginação do espectador, para que este crie

Nossa Cidade

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o seu próprio ambiente. Isso é tudo quanto há de mais teatral.

Para Valdemar de Oliveira, conforme depoimento no Diario da Noite (25 de abril de 1949), na sua coluna Artes e Artistas, Ziembinski foi “o mestre ideal”. No segmento popular, o mês de maio também marcou o sucesso que a dupla de caipiras Alvarenga e Ranchinho fez no palco-auditório da Rádio Jornal do Commercio, sempre atraindo muita gente aos seus programas de auditório, assim como a exibição de um festival artístico infantil, no dia 1, às 15 horas, no palco do Teatro de Santa Isabel, com alunas do Edu-

Já a 9 de maio de 1949, no Teatro de Santa Isabel, reapareceu a Melpomene Pernambucana com a peça Sinos de Olinda, do escritor Mário Sette, espetáculo de Olinda, em homenagem ao governador Barbosa dante da Região, e ao prefeito do Recife. A montagem, já apresentada no Salão Pio X, em Olinda, era custeada por uma comissão de senhores liderados pelo prefeito daquela cidade, Manuel Regueira. A direção cênica Ataíde de Siqueira e Lafayete Lopes, e versos de Temístocles de Andrade. Na parte coral, a Schola Cantorum Santa Cecília, sob a direção de Edite Vaz. Uma Apoteose à Liberdade encerrou a programação. No elenco, Dinorá Silva, Ivonete Ramalho, Ruy Ratis, Clóvis Vieira,

Maurinéa Xavier, Carmelita Costa, Edson Barreto, Alaíde Rocha e Severino Ramalho.

Sófocles, Édipo-Rei Estudante no dia 12 de maio de 1949, no Teatro de Santa Isabel, original nunca representado no Brasil, sepeça foi proibida para menores de dezoito anos por ordem da Censura. Novas sessões aconteceram nos frequentar o teatro no horário noturno. No elenco, Genivaldo Wanderley no papel de Édipo, Gastão de Holanda como Tirésias, Ana Canen como Jocasta, e mais Clênio Wanderley, Luiz Espíndola, Maria Tere-

Governador Barbosa Lima Sobrinho

Mickel Sava Nicoloff, Rubem Guimarães, José Ajuricaba, Mauro Lauria, Abraão Gelfond, Lupércio Gomes, Gilberto Borba, Alaíde Portugal, Milton Persivo, Epitácio Gadelha, José Guimarães Sobrinho, Djanira Se-


Édipo-Rei

púlveda e Dulce Sepúlveda. A adaptação do coro foi feita por José Laurênio de Melo, com efeitos de luz de Salustiano Gomes Lins. O resultado: só elogiosas referências da crítica em artigos de Andrade Lima Filho, Otávio Morais,Aderbal Jurema,A. Mosca de Carvalho e Baltazar da Câmara, entre outros. Berguedof Elliot fez questão de escrever para o Diario de Pernambuco (15 de maio de 1949): O Teatro do Estudante ofereceu-nos uma bela versão da tragedia de Sófocles: Édipo-Rei. Geralmente, os espetaculos dessa natureza integralmente o original. Eros Gonçalves e Hermilo Borba Filho não correram esse risco, pois, conservando as linhas mestras da fabulação imaginada por Sófocles, nos deram uma tradução comprimida ou melhor concisa da tragedia, suprimindo certas partes meramente descritivas ou narrativas que tornariam o espetaculo demasiado monotono, com prejuizo da dinamica teatral. [...] Daí o grande merito da tradução encenada pelo Teatro do Estudante. Este conjunto, que nos proporcionou o melhor espetaculo de amadores de 1948, com A Casa de Rosmer, de fo. Foi uma tarefa arrojada que bem mereceu os aplausos calorosos da platéia. Prestou o Teatro do Estudante um relevante serviço à nossa cultura artistica, permitindo ao publico um conhecimento direto da tragedia

grega – essa creação (sic) genial do espirito helenico, até então conhecida, entre nós, através da leitura de fragmentos de textos mutilados ou de simples referencias de critica literaria. [...] Estas [as tragédias], entretanto, depuradas pelo crisol da critica historica, ainda nos parecem atuais no seu fundo moral e inexauriveis na sua essencia poetica. [...] Quanto ao desempenho só tenho motivos para felicitar [...] As falhas que poderiam ser apontadas, como, por exemplo, certa falta de sincronismo do côro, pouco desembaraço do jovem que fez o papel de Creonte, são absolutamente explicaveis. Otimos, o cenavelho pastor que mais parece um urso. Bons, alguns efeitos de luz. Encenando uma peça de montagem carissima, como Édipo-Rei, em Teatro do Estudante, dá uma demonstração evidente do idealismo fecundo que o inspira. E’ de esperar que o nosso publico saiba premiar esse idealismo.

Com ironia, Eros Gonçalves respondeu a alguns dos questionamentos no Diario de Pernambuco (18 de maio de 1949): Meu caro Berguedof Elliot: Pena que você não consultasse antes o oraculo de Delfos...A nossa versão de Édipo-Rei não foi “comprimiramente descritivas ou narrativas que torna-


pode ser encontrado nos livros que tratam do assunto. Muito obrigado pelas palavras elogiosas ao meu humilde trabalho.

Na Folha da Manhã (18 de maio de 1949), Andrade que era Édipo-Rei: cles, espelhada admiravelmente na composição da história incestuosa de Edipo e Jocasta, o Teatro do Estudante acaba de nos oferecer uma prova soberba. Nosso público teatral precisa de ir assistí-la. Precisa de ir aplaudir êsse esplêndido Genivaldo Vanderlei (sic) no papel do infeliz rei a quem, conforme o vilhosa Ana Canen, vivendo o drama terrível da desgraçada que foi, a um só tempo, mãe Édipo-Rei

riam o espetaculo demasiado monotono, com traduzido integralmente (o grifo é meu). Longe de nós a idéia de corrigir a Sófocles. Aliás Quanto ao traje do velho pastor, você veio de encontro á minha idéia. Sim, ele é realmente

audacia vitoriosa de Hermilo Borba Filho e Eros Gonçalves. Edipo-Rei não pode, não deve passar em branca nuvem. Seria um crime. Precisamos fazer barulho, um barulho danado em tôrno dessa peça.Aliás, isso já não é uma peça, é uma revolução.Vamos aderir.

Luiz Maranhão Filho dedicou dois artigos a Édipo-Rei. No primeiro deles, no Diario de Pernambuco (13 de maio de 1949), festejou:


Édipo-Rei

Quero apenas, em linhas gerais, falar do Édipo-Rei, que alizado em palcos brasileiros. Pela primeira vez em nosso país, uma obra milenar é representada com tão forte dose de teatralidade. [...] Foi um belissimo feito audacioso a um publico pouco educado artisticamente, mas de grande compreensão. E a prova disto está no silencio religioso, mantido durante duas horas de representação, sem intervalo.

Mesmo com tantos elogios e com a Diretoria de Documentação e Cultura encarregando-se de distribuir convites a estudantes e operários, a peça não teve um bom público. Como nota triste, faleceram naquele ano o escritor Filgueira Filho, natalense meio pernambucano, afastado dos bastidores teatrais, e Osvaldo Barreto, ator pernambucano ultimamente no elenco da Companhia Milton Carneiro, em São Paulo. Depois de muitos anos de paralisação, o Teatro Operário, do Serviço Social Contra o Mocambo, voltou à ativa preparando Gota Dágua, de Hermógenes Viana, sob direção de Elpídio Câmara e em comemoração

Édipo-Rei


tivos Operários do Recife (C. E. O.). O crítico L. M. F., Luiz Maranhão Filho, gostou do que viu e escreveu na coluna Teatro, do Diario de Pernambuco (17 de maio de 1949): “Realmente, não podiamos esperar um espetaculo grandioso, porque eram estreantes e sem nenhum conhecimento de teatro. Mas a peça agradou, pelo seu tema e pela representação”, fazendo elogios, inclusive, a um ator, mas sem revelar seu nome (Amaro Costa), estivador na vida cotidiana, que ele chamou de “diamante bruto”. Andrade Lima Filho, na Folha da Manhã (19 de maio de 1949), chamou a peça de “milagre cênico”. Ainda no elenco de atores Santos, Ascênio Dantas, Ibrantina Duarte, Sizenando Pavão, Anália dos Anjos e Luiz Nascimento. A peça circulou por outros espaços, indo, por exemplo, ao Centro Educativo Operário de Santo Amaro. Já o Teatro Operário do SESI, sob direção de Genivaldo Wanderley, foi parar no palco do SESI de Tejipió com a peça Heróis, de Bernard Shaw (apresentando o autor pela primeira vez no Recife), enquanto que no Cine Olinda, na cidade de Olinda, o Grupo Infantil de Comédias voltava à cena com O Canto do Sabiá, peça de Waldemar Mendonça, também diretor da montagem, e músicas de Lourival Santa Clara, em comemoração ao oitavo ano de sua existência. Naquele momento, se Mayerber de Carvalho estava preparando Onde a Poeira Encosta o Cisco, luxuosa revista que iria marcar a estreia de sua Companhia de Revistas, com Salomão Absalão, Alberto Brasileiro, Suzana Cléia e Nina Lamour, entre outros artistas do teatro junto a coristas, defendendo logo que não se tratava

Bernard Shaw

de um espetáculo apenas comercial, mas “uma critica e cenas serias também”, conforme relatou ao Diario de Pernambuco (27 de maio de 1949), Valdemar de Oliveira lançou o décimo número da elogiada revista Contraponto, publicação voltada à arte, e já anunciava Pais e Filhos, de Bernard Shaw, sob direção de Ziembinski, proposta que deu o que falar. Em uma série de entrevistas ao jornalista L. M. F., Barreto Júnior foi dando notícias sobre as obras do Teatro de Emergência Almare e fez defesa do teatro que praticava, alegando que recebia cartas, telegramas e telefonemas de admiradores pedindo para ele não abandonar o gênero alegre, mas prometeu jamais fazer isso. Complementou dizendo não entender porque chamam de chanchada as peças que provocam gargalhadas estrondosas na plateia. “Tenho visto muita peça que faz chorar, que na minha opinião, não

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bel. A montagem não foi bem recebida pelo crítico L. M. F., que não teve pudor em expor seu preconceito no Diario de Pernambuco (31 de maio de 1949):

elenco é motivada em parte pelo repertório. A comédia de Paulo Gonçalves não pode ser mente é compreendido pelos próprios promoniosos, não havendo propriamente representação, pois não havia vida. [...] o que vale ressaltar é o esforço do diretor Genivaldo Wanderley, cuja capacidade de trabalho todos conhecemos. Esse jovem que nos mostrou Bernard Shaw, pela primeira vez, com esse mesmo conjunto, procura arrancar o máximo dos atores do Sesi. Infelizmente, Genivaldo, não podemos dizer o mesmo do Teatro Operário. Nem sempre “plantando dá”. Depende do terreno.

Pais e Filhos

só apresentar em seu teatro “verdadeiras bombas chorar que vá para a porta do cemiterio. E tomem cuidado com os fantasmas”, brincou ao falar para o Diario de Pernambuco (29 de maio de 1949), encerrando a entrevista com um “é muito mais facil fazer chorar, do que fazer rir”, frase polêmica que incomodou a Valdemar de Oliveira. Genivaldo Wanderley ainda dirigiu naquele mês de maio outro trabalho com o elenco do Teatro Operário do SESI, As Mulheres Não Querem Almas, de Paulo Gonçalves, com duas sessões no Teatro de Santa Isa-

Após um breve desentendimento com a nova diretoria do Teatro dos Bancários, por ter esta prometido fazer um espetáculo de autor nacional com obra que não causasse nem sono nem prometa trazer nada de novo em matéria teatral, numa clara referência aos trabalhos do Teatro do Estudante e Teatro dos Amadores, começou o mês de junho e Valdemar de Oliveira já anunciou em sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (3 de junho de 1949) sobre sua nova estreia para o dia 3, no Teatro de Santa Isabel, Pais e Filhos, sátira do dramaturgo irlandês Bernard Shaw, com tradução de Guilherme de Figueiredo e direção de Ziembinski, desta vez com o grupo abordando um gênero nada habitual ao seu repertório, a comédia: Não é, de nenhum modo, a comicidade desbragada, solta, inconsequente, mas, o “hução do têrmo, não fôsse o autor esse terrível sarcasta, “demônio jovial”, como o chamou Genolino Amado – Shaw. Gênero, de fato, nem comum ao repertório do Teatro de Amadores, nem comum em nossos palcos, onde para fazer rir o público não se conhecem outros condimentos que não sejam os da chanchada. E’ muito possível que algum sujeito menos

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Pais e Filhos

ajuizado descubra, em Pais e Filhos, um parentesco, próximo ou remoto, com a comédia baixa que faz as delícias do grosso público. [...] Estou certo, porém, de que o espectador mais esclarecido sentirá, através das situações cômicas de Pais e Filhos, aquela formidável clava que o velho irlandês costuma brandir para abater a estupidez do século e a malvadeza dos homens.

Zélia Sena Caldas (estreante), Oscar Cunha Barreto e Salomé Mendonça. Ainda que o Jornal do Commercio (5 de junho de 1949) tenha lembrado que Pais e Filhos era “uma peça ligeira, viva, movimentada, sem grandes lances dramáticos” ou uma “sátira

e da comicidade própria do estilo do grande teatrólogo irlandês”, o trabalho, mesmo com ingressos esgotados a cada sessão, causou foi muita polêmica No elenco, Alfredo de Oliveira, Diná Rosa Borges entre os críticos da cidade. No Jornal do Commercio de Oliveira, Otávio Rosa Borges, Valdemar de Oli- (4 de junho de 1949), o crítico M. mostrou-se mais veira, Reinaldo de Oliveira, Fernando de Oliveira, entusiasmado com os intérpretes do que com o que viu em termos de dramaturgia: Nota-se alguma diferença na técnica do teatro. Talvez seja mesmo mais para ler que para representar. Monótona a princípio, meio séria meio jocosa, salpicada de conceitos e de sátiras, vai aos poucos agradando e prendendo a atenção. É crítica paralela à aristocracia e à burguesia que enriquece, cada uma a educar seus trabalho dos amadores, amadores que em mui-

Pais e Filhos

acostumados ao palco por outras peças, quer dos com que o público ainda não está familiarizado. Sente-se que há em Pernambuco uma escola dramática e que os alunos progridem, elevando-a e tornando-a respeitada.

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que não há diferença entre teatro para rir e teatro para chorar. Ambos são uma coisa só e o que vale é a qualidade artistica da obra, embora abordando qualquer assunto que se relacione com o pranto ou o riso. Andou bem o sr. Valdemar de Oliveira concordando com a escolha do sr. Ziembinski, pois os nossos de publico, a capacidade interpretativa na en-

Pais e Filhos

Na Folha da Manhã – Edição Vespertina (6 de junho de 1949), dois críticos escreveram sobre Pais e Filhos na coluna Fora de Cena. Hermilo Borba Filho abriu a resenha com elogios, inclusive fazendo referência às declarações de Barreto Júnior: O agrado com que a plateia recebeu a satira do autor irlandes veio demonstrar que as suas frases e situações atingiram o alvo, cheias como são de muita verve e bom humor. Aí está uma oportunidade para se dizer

eles não caia a acusação leviana de que são incapazes de outra coisa a não ser fazer chorar, desmentindo todos aqueles que consideram muito mais fácil fazer rir do que comover até ás lagrimas. Não há genero facil em arte dramatica, todos são difíceis e contêm uma mensagem que para ser transmitida precisa contar com a capacidade de interpretação dos atores. Bernard Shaw agradou ao publico que compareceu a Santa Isabel e agradou não só somente porque causou risos (no caso de Shaw, depois de rir a gente pensa), mas sobretudo porque se torna sempre agradavel a uma plateia ver ridicularisadas (sic) certas normas de existência, certos padrões de vida guras estandardizadas e que não são proprias apenas da sociedade inglesa, mas de todas as sociedades.

Em seguida, e a pedidos, o espaço foi aberto para José Laurênio de Melo pontuar suas opiniões sobre Bernard Shaw e sua escrita de “espiador do homem”:


Talvez o ponto de partida de Mr. Shaw nesta peça tenha sido o querer demonstrar a tiraanalise, cedem ás exigências dos primeiros, os quais nunca se dão por satisfeitos. Há a considerar, aqui, a fraqueza de carater dos pais, a disposição secreta que têm para ceder sempre. [...] Esses tipos de pais, serenissimos senhores de uma sociedade apodrecida, cujo sentido da realidade é recebido pela fossa do

Shaw de tudo isto? Mr. Shaw tira o corpo e enfaticamente avisa que é apenas um observador mordaz e um critico social. Ele não penaumentar a confusão. Além do mais, é conveque nunca lhe faltará material para fazer rir.

Mas foi o crítico L. M. F. quem criou mais polêmica sobre a montagem. Primeiro, expôs suas opinião sobre o que viu, no Diario de Pernambuco (4 de junho de 1949), elogiando: Foi o mais perfeito espetaculo para rir, embora com uma alta dose de satira e critica á sociedade inglesa. A casa do negociante Tarleton, fabricante de camisas e cuecas e grande benemérito que vive fundando bibliotecas populares, serve de cenario a esta notavel satira, saida do cerebro do velho teatralogo. Os pais

o negociante. [...] O publico ri das situações, mas depois, meditando bem, vê que estão rindo deles mesmos, que aquelas cenas são cotidianas, muito comuns nas sociedades aristocraticas. [...] Pais e Filhos do ridiculo da vida.

Em seguida, escreveu sobre os intérpretes, destacando cada um dos atores como Otávio Rosa Borges – “Esteve bem no papel, embora o tipo, por culpa do diretor, fosse um pouco caricato, com aquela cabeleira fóra do normal e feições de palhaço”, criticou minimamente no Diario de Pernambuco (5 de junho de 1949) –, mas não poupou elogios a todos os outros, Reinaldo de Oliveira, Diná Rosa Borges de Oliveira, Fernando de Oliveira, Oscar Cunha Barreto, Salomé Mendonça, Valdemar de Oliveira – o maior destaque – e Alfredo de Oliveira. A única exceção foi para o trabalho de Zélia Sena Caldas: “Revelação é que não foi. [...] E’ uma atriz mecânica, assemelha-se a uma cial em suas atitudes, toda vez que fala alto bate com a mão no braço da cadeira, imitando os gestos de Ziembinsky (sic)”. Esta pontuação incomodou a Valdemar de Oliveira e a Ziembinski, que foram à imprensa defender a jovem atriz, mas o pior problema ainda estava por vir, quando Luiz Maranhã Filho abriu espaço na coluna Teatro para uma entrevista com Barreto Júnior, no Diario de Pernambuco (12 de junho de 1949), e ele fez comparações do sucesso de público entre a “revolucionaria” Nossa Cidade, com suas inovações

Pais e Filhos

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herméticas, e a sátira de Pais e Filhos, onde “o publico gostou mais e aí temos um importante argumento a favor do teatro para rir”, comentou o empresário-ator. A resposta de Valdemar de Oliveira veio na sua coluna A propósito..., no Jornal do Commercio (12 de junho de 1949): Se é certo (e não é) que, em teatro, mais difícil é fazer rir do que chorar, o Teatro de Amadores enfrentou, com a encenação de Pais e Filhos, uma dura prova e dela saiu vencedora sabe que ele não seria capaz de escrever uma “fábrica de gargalhadas”. Embora Pais e Filhos possa fazer rir o público durante duas hoShaw, à condição de chanchadeiro, tão certo é que os espíritos mais avisados descobrirão, em suas falas, a veia sarcástica que dêle faz o mais irreverente dos escritores do nosso século. O Teatro de Amadores quebrou sua rotina, abordando um novo gênero em seu derramar lágrimas” (só os idiotas usam semelhante expressão, sem nada entender dos vem palmilhando lhe proporcionará o ensejo de revelar nossas possibilidades emocionais, decepcionando aqueles bôbos que costumavam restringir-lhe os méritos pelo fato de só se preocupar, o repertório escolhido, com os aspectos trágicos da realidade.

Luiz Maranhão Filho tentou explicar-se em outro artigo no Diario de Pernambuco (14 de junho de 1949):

A obrigação do critico teatral é informar ao público o que realmente viu nos espetaculos, pode de lado, motivos pessoais, fazendo uma critica honesta, sem ataques, apenas apontando os pontos falhos. Um critico não tem o direito de prejudicar espetaculos nem tambem fazer elogios a quem não merece, pois blicamos impressões de Barreto Junior, não balho de quem quer que fosse. [...] Barreto Junior apenas louvou a interpretação de Pais e Filhos como homem de teatro e não idiota. Ele não disse que a satira de Shaw era uma fabrica de gargalhadas, nem tão pouco, uma chanchada. Por pior que seja o espetaculo, no Recife, não recebe de certos criticos a denominação de “chanchada”, excetuando-se Barreto, mesmo encenando A Mulher sem Pecado, Amor, Carlota Joaquina e outras peças de real valor do teatro nacional. Se Barreto apresentar uma peça de Shaw, será chamado “o rei da chanchada”. Acho que isso não é critica teatral em parte alguma, nem mesmo em “nossa cidade”.

critas sobre Pais e Filhos, peça que chegou a seis récitas de casa cheia, o Grupo Teatral de Amadores, do Atlético, voltou a apresentar A Carta, de Aristóteles Soares, tar de Socorro (em novembro a peça foi ao município de Aliança), e o Teatro Universitário de Pernambuco promoveu o curso “Teoria e Prática do Teatro”, na Faculdade de Direito, com o encenador Ziembinski 448


A Indesejável

em doze aulas gratuitas. Já o Teatro dos Bancários voltou ao palco do Teatro de Santa Isabel no dia 16 de junho de 1949, com a peça A Indesejável, de Raimundo Magalhães Júnior, sob direção de Alderico Costa. Valdemar de Oliveira, no Jornal do Commercio (17 de junho de 1949), lembrou que tratava-se de “uma peça que melhora de ato a ato, mas, não chega a ser das melhores do autor”, no entanto, diante da renovação quase que completa do elenco do Teatro dos Bancários, saldou: “Espero poder elogiá-los, abertamente, em próximas representações, tão certo estou de que, entre todos aqueles que ontem se apresentaram, nenhum pode ser considerado uma negação para a cena”. No palco, atuaram Nair Leal,Teresa Vieira, Laura Vieira, Milza Rijo, Aury Neves, Adelton Brito, Benone Ferraz, José Barreto, Orlando Lessa e Beroaldo Guimarães. Com resenha na Folha da Manhã (18 de junho de 1949), o crítico O. C., Otávio Cavalcanti, também aprovou o que viu sem maiores alardes:

bancários escolheram uma das peças mais simples do autor; sem grande esfôrço de representação e sem grande consequência; é o que se pode chamar de comédia leve, mais adequada para teatro de principiantes, pois não contem pesados jogos de cena, nem de banal, de um jovem médico que se vê em apuros, pela intriga feita por uma das suas enfermeiras que dêle se apaixonou.

E enquanto Hermilo Borba Filho concluía o seu Curso de História do Teatro que vinha realizando a quatro sábados, sob os auspícios da Diretoria de Documentação e Cultura, no auditório da Discoteca Pública, anunciou-se o surgimento do Teatro de Revistas de Pernambuco, prometendo estrear com Basta Ser Boa..., peça do jornalista Geraldo Seabra, que abriu inscrição para compor o seu elenco feminino promovendo aulas de canto, dança e de representação. Júlio Amaral assinava a direção. Mais à frente, outra peça foi divulgada como estreia, Uma Pequena do Outro Mundo, de Luiz Maranhão Filho. Falou-se também na possível volta do Grupo Gente Nossa com velhos associados, mas esta também não aconteceu. Até que no dia 22 de junho de 1949 surgiu um novo conjunto teatral na capital pernambucana, o Teatro Experimental do Recife, com a peça A Tempestade, de Mário Brasini, dirigida por Isaac Gondim Filho. No elenco, só estreantes: Idalto Vidal, Artur Maciel, Esther Wolkoff e Antônio Carlos. Os cenários foram especialmente confeccionados por João Alves segundo as indicações do pintor Reinaldo Fonseca. O crítico Luiz Maranhão Filho, L. M. F., saudou a nova montagem através da coluna Teatro, do Diario de Pernambuco (23 de junho de 1949): Meu amigo Isaac Gondim Filho, você está de parabens, seu idealismo foi coroado de exito, com o aparecimento de mais um conjunto amadorista em nossos palcos. [...] Como diretor, você se saiu bem, apenas leves falhas, coisa


sobre a qualidade do que viu: “Contratem um bom ensaiador para lhes ensinar como se deve falar, conversar em cena. Sem uma providência dessa natureza continuarão declamando, cantando, tornando os diálogos insuportáveis [...]”. Naquele mesmo dia 22 de no Recife uma entidade de classe destinada a ampa-

um sindicato, tendo como presidente Luiz Maranhão, como secretário Ary Guimarães e como tesoureiro tempo.

Pernambucano, no dia 24 de junho de 1949, no Teatro Deus Lhe Pague..., alta comédia de Joracy Camargo, em substituição a S.O.S., do saudoso -

que acontece até com grandes ensaiadores. A representação da peça é uma prova de sua capacidade de trabalho e do talento de dirigir originais da qualidade de A Tempestade. Mas, apesar da homogeneidade do elenco, um elemento masculino se sobressaiu, sua interpretação é algo de notavel, sem favor algum. Artur Maciel, vivendo o debil mental Berto, tipo primeira vez com uma grande responsabilidade, elevou-se em A Tempestade, tornou-se revelação artistica. [...] Não pensem os leitores que o grupo apresenta apenas esse ator. Gondim Filho precisa ser visto por todos que apreciam a arte de representar, é necessario que ele repita o feito de ontem á noite, revelando novos atores para a cena brasileira.

O crítico A. T., Aristófanes Trindade, na Folha da Manhã (23 de junho de 1949), foi bem mais enfático

agora Luiz Maranhão, Lourdes Monteiro, Mayerber de Carvalho, Moura Júnior, Arlindo Dantas, Deusa Silva e Marisa Reis, numa homenagem ao secretário da Segurança Pública, João Roma. O crítico L. M. F., no Diario de Pernambuco espetaculo foi uma prova de que o conjunto está em condições de proporcionar espetaculos mensais, contribuindo para maior desenvolvimento do teatro em Pernambuco”. A peça voltou em setembro. Luiz Maranhão, por sinal, promoveu um festival artístico com Bombonzinho trinta anos de atividade. Lenita Lopes, Lourdes MonCéu de Meu Brasil Cordeiro, sempre seguidas de um ato variado.

Mario Salaberry estreou a 5 de julho de 1949, noTeatro Quando Elas Querem, de Robert Pleassant Kake, em tradução de Luiz Rocha e tendo no elenco, como divulgavam, “o maior comico nacional”, Palmeirim Silva, além de Lucy Lamour, Mário Salaberry, Jurema Magalhães, José Policena, Anita


Salaberry em Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo. Permaneceu no Recife até 4 de agosto. Sorrente, Carlos de Garcia e Elvy Dorly, entre outros. Ainda no repertório, O Perfume de Minha Mulher (integrando homenagem ao Clube Náutico Capibaribe), O Novo Mandamento, O Funcionário Letra J e Renúncia, estas últimas obras respectivamente de Palmeirim Silva e Renato Viana. Além de promover espetáculos a preço único e popular, a equipe ofereceu vesperais e soirées, e promoveu ainda um festival para o bilheteiro Lisboa Filho, que inclusive comercializava os ingressos antecipados no Depósito da Caxias, e convidou Elpídio Câmara para atuar junto a Mario

Durante o mês de julho, foi cogitada a ida da peça Édipo-Rei, do Teatro do Estudante de Pernambuco, para o Rio de Janeiro, mas a ideia não vingou. A excursão estava contando inicialmente com o “benaplacito do governador Barbosa Lima Sobrinho”, segundo o Diario de Pernambuco (27 de julho de 1949), mas este deu para trás mesmo com o grupo já tendo o Teatro Ginástico garantido, assim como a hospedagem na Casa do Estudante do Brasil. O não custeio das passagens aéreas fez a turma desistir da viagem. Já o Grêmio


Recifense de Comédias levou para o Centro Educativo Operário de Água Fria, no domingo 31 de julho, a peça Sururú em Família, de Jomar Austregésilo, em mais um festival do autor e ator pernambucano, com êxito de apresentações por vários bairros do Recife. Nesta mesma data, o Grupo Infantil de Comédias foi se apresentar no Centro Educativo Operário do Pina, com a peça Meu Sertão, peça regional do próprio diretor Waldemar Mendonça. No dia 11 de agosto de 1949, com renda em benefício da Sociedade Pernambucana de Combate à Tuberculose, o Teatro Univeristário de Pernambuco estreou um primeiro trabalho tendo à frente o diretor Ziembinski, Além do Horizonte, inclusive nos efeitos de luz e cenários, no Teatro de Santa Isabel, com novas sessões nos dias 21, 25 e 27, e recebeu elogios moderados.A ter o primeiro contato com a obra deste autor norte-americano, fez parte das comemorações da fundação dos cursos jurídicos no Brasil, bem como da própria Universidade do Recife. Foi divulgada como sendo a primeira montagem do texto no Brasil. No elenco, Reinaldo de Oliveira, Paulo Alcântara (Sebastião Vasconcelos em pseudônimo), Margarida Cardoso, Oscar Cunha Barreto, Rubem Wien, Edissa Bancovsky, Maria Bernardete, Miguel Coutinho (mais à frente substituído por Idalto Vidal) e Otávio Rosa Borges como ator convidado. O crítico L. M. F. pontuou qualidades e problemas no trabalho, por três artigos na coluna Teatro. Diario de Pernambuco (13 de agosto de 1942):

Peça que poderia tornar-se monotona num mau desempenho, uma vez que toda a sua beleza dramatica depende dos interpretes, Além do Horizonte contou com bons elementos, trabalhados por um bom ensaiador. Acredito – e comigo todos quanto assistiram ao espetaculo – que o rendimento artistico teria sido muito maior se o sr. Ziembinsky (sic) houvesse conseguido a homogeneidade do elenco, de modo a que cada um dos desempenhantes entrasse com o mesmo “quantum” interpretativo, para dar um quociente equilibrado e justo. Entreapreciando-se o espetáculo numa visão de conjunto, não se pode dizer que deixou muio sr. Otavio da Rosa Borges, que não esteve co não houvesse outros valores e que todos os desempenhantes tivessem comprometido os personagens, seu trabalho no André Mayo, ao lado do sr. Paulo Alcantara e do sr. Oscar Cunha Barreto, respectivamente no velho João e Pedro Mayo, teria salvo toda a representação.

No artigo seguinte para o Diario de Pernambuco (14 de agosto de 1949), Luiz Maranhã Filho colocou o cenário como o maior destaque de toda a montagem: Mesmo que no desempenho não houvesse valores apreciaveis (aqui, com licença de meu jovem amigo Oscar Cunha Barreto, cujo talento muito admiro, eu me repito) mesmo

Além do Horizonte


que a parte interpretativa fosse uma nulidade, os cenarios de Zgbiniew Ziembinsky (sic) salvariam tudo, porque sugerem tudo quanto a imaginação mais fertil poderia conceber. cia dos Mayo, são demasiadamente sugestivas e impressionantes. Se tivessemos no Recife uma Sociedade Pernambucana de Criticos Teatrais, obedecendo ao mesmo critrrio obsernão negaria meu voto a Ziembinsy (sic), como Lourival Silva

de abrir um concurso de dramaturgia para renovar o palestras sobre teatro junto aos grupos escolares da Comandos da Alegria, grupo surgido no ano passado e formado por estudantes de Medicina, reapareceu para indigentes da cidade, com apoio da Secretaria de Saú-

Leilão da Felicidade nico Samuel Capelo, coordenado por Lourival Silva, sob uma passagem de aniversário da sua fundação, desde


e Amaro Costa. A peça causou ótima impressão ao crítico Júlio Barbosa, que registrou sua surpresa no Diario de Pernambuco

quanto o a que assisti, ante-ontem, á noite, no tanta naturalidade como ao ver Leilão da Felicidade

arte, se portou em cima do palco, procurando do, em quem o amor ao teatro não tem nada

É incrível que algumas peças passassem devidamente

cípio do paulista, ao Cine-Municipal, com a peça Os Transviados a peça religiosa Dever de Cristão sentou no Teatro Paroquial do Barro, Trágico Fim de Semana

Um Yankee no Rio

com

pação do grupo regional Piratas da Melodia.

Diario da Noite

rua do Bom Sucesso, com peças como O Segredo do Sacerdote e O Divino Mestre

Esquina Perigosa análise psicológica e de sátira social, preparado cock-tail.

do por Ziembinski, a peça Esquina Perigosa -


uma sátira de esplêndido efeito, tirando o melhor rendimento do desfecho inesperado. [...] Tudo se desenvolve naturalmente e também naturalmente a linha do enredo volta ao carritel (sic), no epílogo da peça. [...] Os personagens se mostram novamente tranquilos, sorridentes, “normais”. E até honestos. A pequena e ingênua Betty já não precisará confessar que o neurótico Gordon, seu marido, “não lhe revelára (sic) o amor” e que porisso (sic) se entregára (sic) a Stanton. Gordon, por sua vez, pode deixar bem escondida a verdade de suas sórdidas relações homossexuais com o falecido Marty. Êste continuará tido como um sujeito que se suicidara por haver cometido um roubo, embora tenha sido assassinado por Olga, quando tentava despí-la para suas aberrações sexuais. Stanton, o verdadeiro ladrão, continuará impune. Frida e Roberto permanecerão representando um “casal feliz”, apesar das inclinações platônicas de Roberto por Betty e dos amores frustrados de Frida por Marty. Assim é a vida, longe da “esquina perigosa” da verdade. [...] Uma sátira magistral e – por que não dizê-lo? – otimamente vivida pelos Amadores, dentro duma homogeneidade de conjunto em que não há nomes a destacar. Direção excelente de Ziembinski, numa boa mise-em-scéne e com um cenário a rigor. Um espetáculo, em suma, que honra o alto nível a que já atingiu a arte cênica em Pernambuco. Os Amadores estão, mais uma vez, de parabens.

O crítico teatral O. C., Otávio Cavalcanti, foi outro que encantou-se com a montagem, ressaltando que as marcações de cena tornaram-se imperceptíveis ao público. Folha da Manhã (20 de setembro de 1949): Não se percebe um movimento, uma atitude dubia, de indecisão, pois as “deixas” dão entrada ás “falsas” (sic) no devido tempo, com aproveitamento dos ensaios. E’ admirável como, dentre sete atores em cêna, de um “teatro de amadores”, cada qual travestido

Esquina Perigosa

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de seu papel completamente diferente, se locomova com tanta espontaneidade, á tempo,

No Diario de Pernambuco (18 de setembro de 1949), Júlio Barbosa ressaltou somente pontos positivos da montagem: Priestley – essa é a impressão que dá ao espectador – toma a liberdade de brincar com a platéia, numa historia que começa, se interrompe, recomeça e termina pela mesma coisa, como um circulo vicioso. No entanto – e aí é que está seu merito – no momento exato em que adivinha que o publico vai chatear-se, a historia toma novos rumos, adquire coloridos diferentes, atingindo situações altamente dramaticas e fortes, capazes de eletrizar a platéia. A (sic) Esquina Perigosa é, em verdade, uma bonita peça, digna de ser vista, porque agrada, sobretudo num bom desempenho, com direção segura, como a de Ziembinsky (sic). [...] Um unico cenario, porém muito bem feito e bonito; marca das mais seguras; interpretação de conjunto boa; direção admiravel.

parte que lhe tocou; Bebé Salazar, na mesma situação; a sra. Diná Rosa Borges, repetiu, embora em escala menor, o exito alcançado em A Casa de Bernarda Alba; a sra. Carminha Carvalho [Carminha Brandão] superou as demais componentes do naipe feminino, sobretudo pela mascara, ou seja a maneira feliz como ma interior de Olga, de quem se encarregou; suas cenas mudas eram mais eloquentes do que as faladas; o sr. Adelmar Oliveira esteve

Voltando para assistir a peça numa segunda vez, J. B. resolveu escrever agora sobre os atores, na mesma coluna Teatro, do Diario de Pernambuco (20 de setembro de 1949): Margarida Cardoso esteve otima na “miss” Morgan, desincumbindo-se muito bem da

Esquina Perigosa

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Esquina Perigosa

de Teatro, Thiers Martins Moreira, os grupos amado-

otimo vivendo Roberto, que lhe foi entregue;

maior destaque naquele momento. Esquina Perigosa, Édipo-Rei, Além do Horizonte e Deus Lhe Pague

em teatro; o sr. José Maria Marques não poderia estrear de modo mais feliz; uma revela-

Esquina Perigosa Rosa Borges, senhor do papel, feliz em todos

Tarde

Diario da -

Teatro do Dérbi


humano, era “um dos mais sórdidos documentos em que se retrata a realidade de certas camadas de determinadas sociedades”:

suas esposas, pederastas que surgem exibindo os seus trágicos recalques, mulheres que vivem do culto ao sexo apontadas como joias que ornamentam um mundo de podridão e sujeira. Não somos moralistas, nem temos pretensões a aparecer como tais. Temos, enses moralistas, todos êles moralistas apenas soi disant, legítimos expoentes do catonismo, que é a mais pura expressão do farisaismo do tempo moderno. O Teatro de Amadores é um exemplo. Vive de pregar cristianismo e de arrotar humanismo. Diz ele próprio que é

e até certo ponto, é qualquer coisa parecida com uma barreira na defesa da moral e dos costumes da nossa gente. Pois é um conjunto assim “cristão” e assim moralista, cujo diretor anda condenando a torto e a direito os pecados do mundo em que vivemos, que se dá ao prazer de oferecer ao público um espetáculo degradação é mostrada a nú e exaltada. Legítimo catonismo, digno de quem anda metido Velho Mundo...

Aproveitando-se dessa questão sobre moralidade, o crítico L. M. F. quis polemizar ainda mais, mas não conseguiu. Ficou mesmo só com o alerta que fez no Diario de Pernambuco (17 de novembro de 1949): Evidentemente, a peça é imoral; aborda um tema livre, mostra uma sociedade corrompida

Esquina Perigosa

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sob todos os aspectos, mas tem uma grande mensagem artística. Não se pode proibir que um autor escreva sobre um tema qualquer, principalmente quando esse tema é encontrado na vida quotidiana, pois a sociedade é cheia de vícios e corruções. Esquina Perigosa é a vida, encarada pelo seu lado serio, despida de qualMas não é a isso que meu colega se refere, pois atualmente, no Rio, Palmeirim dedica-se ao genero livre, enscenando O Guarda da Alfandega. Chamam-no de cultor da imoralidaMas a Esquina Perigosa, na minha opiniao, genero livre, é enscenada por amadores, portanto a imoralidade deixa de ser impropria para ser considerada arte na verdadeira accepção da lismo, não pode deixar de ser no amadorismo. do da temporada de Henritte (sic) Morineau, com os Artistas Unidos, o Serviço de Censura Frenesi de proibido até dezoito anos. Não queremos discutir Esquina Perigosa não foi censurada como impropria, mesmo sem determinar a idade? Comparando os dois originais, o ultimo é muito mais livre, para não dizer, imoral. A revista Onde a Poeira Encosta o Cisco é para maiores de 18 anos, porque faz rir. A Esquina Perigosa é livre porque faz chorar. São certas condescendencias para nais. Os amadores são pessoas de familia, não nais tambem não o são? Será que a Esquina Perigosa é peça familiar?

Antes mesmo da estreia do Teatro do Dérbi, o empresário Barreto Júnior conseguiu inaugurar seu proavenida Dantas Barreto, “a preço de cinema”. Quanto

rapido, relampago. Que não enfada a não dá tempo a Folha da Manhã – Vespertina (17 de fevereiro de 1949). A festa de inauguração aconteceu no dia 14 de outubro de 1949 com Amor, sátira de Oduvaldo Vianna, a primeira peça da

Lenita Lopes

A obra, dirigida por Lenita Lopes, ganhou apreciação crítica do pseudônimo N., no Jornal Pequeno (19 de

público de sua terra. Os seus esforços no sentido de obter mais um tearto (sic) para a


anotar o reconhecimento da nossa gente ao incansavel ator pernambucano, com a grande culos da avenida Dantas Barreto. Dando inicio ás suas atividades no Almare Barreto Júnior vem apresentando Amor, de Oduvaldo Viana (sic), por por (sic) sinal uma escolha das mais to e gira em tôrno das diabruras de Cupido, fazendo das suas com um casal, em que a mulher é positivamente a mais ciumenta das mulheres. Lenita Lopes faz o principal papel feminino, no desempenho do qual esteve magconformado com os ciumes excessivos da sua respectiva cara metade. Barreto Júnior, impagavel como sempre, faz o irritadiço dr. Catão, altamente preocupado com os galicismos[.] Naná Montez interpreta em Amor u’a amiga do casal que apaixonada pelo dr.Artur, papel desempenhado por Joval Rios, quasi (sic) leva a melhor. Augusta Moreira faz a criada do casal, aliás com muita graça e naturalidade. Os outros papeis de menor importancia foram

to nos nossos palcos foi recebido com simpatia, José Bustorf, José Brasileiro (sic) e ou[Renée Leal, Leal Godoy e Waldeck Macedo], reporter e São Pedro [...] Assim, correspondeu plenamente á expectativa geral, a estréia de Barreto Júnior e sua companhia na nova casa de espetáculos do Recife.

Seguindo seu faro comercial, Barreto Júnior quis dar dia 23 de outubro de 1949, o Teatro de Brinquedo, para ocupar as manhãs dos domingos no seu teatro. A estreia se deu com “um espetáculo de variedades” contando com a participação do “professor Lima e seus cães amestrados, com números circenses; o Homem-Foca, malabarista internacional; Naná Montez, Gordurinha (humorista), Lenita Lopes, Barreto Junior e outros em cortinas cômicas e números de música”, segundo o Jornal do Commercio (19 de outubro de

opção de diversão para a meninada. No entanto, a iniciativa durou poucas semanas. Ainda a 9 de outubro, o departamento artístico do Guanabara Futebol be, A Vida Tem Três Andares, de Humberto Cunha, sob direção de André Chaves e J. Orlando Lessa.


No mês de outubro continuaram fazendo sucesso no auditório da Rádio Jornal do Commercio as Grandes Matinais Para a Garotada do Recife, que aconteciam aos domingos, com “presentes, premios, curiosidades!”, como ressaltavam os anúncios nos jornais. Os programas começavam às 9h30 e seguiam até o meio dia. Entre eles, Coisas Nossas, Bom Dia Para Você, Cresça e Apareça, Revista Alegre e Vamos Fazer o Passo. Posteriormente, matinées também aconteceram à tarde, reunindo centenas de crianças, estudantes e adultos neste auditório. Dos artistas convidados, destaque para o cantor Chucho Martinez, além de Linda Rodrigues, Ernesto Bonino e Humberto Simões e Seus Bonecos. Só como curiosidade cultural, vale lembrar que naquele ano virou “febre” entre a criançada ouvir a coleção de Discos Continental com histórias musicadas para crianças, como Branca de Neve e os Sete Anões, A Formiguinha e a Neve, Os Quatro Heróis, Chapeuzinho Vermelho e A História da Baratinha, todos propondo “divertimento e instrução”. A partir de 1 de novembro de 1949, o Baby Cinema, que já existia há dois anos, passou a funcionar no Edifício Sertã, sala 101, ainda no centro do Recife, aumentando para vinte e sete o número de salas ciacordo com o Jornal do Commercio (8 de novembro de 1949), lá eram exibidas “pequenas comédias, desenhos animados e shorts”, com projeções diárias das 13h30 às 17h30, às vezes com matinal das 9 às 12 horas, ainda sob o lema da exclusividade “somente para crianças”. As sessões contínuas aconteciam de hora em hora. Mas a ideia, infelizmente, não vingou. Foi ainda na data 1 de novembro, uma terça-feira, que

a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior apresentou, pela primeira vez no seu Teatro de Emergência Almare, a peça O Rei dos Maridos, de Eurico Silva, sob direção de Lenita Lopes, em dois horários,


às 17 horas, na “sessão Vermuth, a exemplo do que vem sendo feito em outras grandes cidades”, conforme registrou o Jornal do Commercio (1 de novembro de 1949), e às 20 horas. Estudantes pagavam metade do valor do ingresso. A temporada durou pouco mais de uma semana, como era de praxe. Já no dia 11 de novembro a mesma equipe estreou um outro trabalho do autor Eurico Silva, a sátira Acontece Que Eu Sou Baiano, divulgada como sendo “o espetáculo mais alegre do Brasil” e pela primeira vez subindo à cena no Recife após conseguir 260 representa-

ções consecutivas no Teatro Glória, no Rio de Janeiro. No elenco local, Barreto Júnior, Elvi Dorly, Augusta Moreira, Naná Montez, Mayerber de Carvalho, Luiz Maranhão, Waldeck Macedo, Levi Godoy, Renée Leal, José Bustorff e Joval Rios, dirigidos por Lenita Lopes. “Esta peça, cuja ação se desenvolve numa pensão, no Rio, é uma crítica aos costumes modernos, inclusive às novelas radiofônicas”, lembrou o Jornal do Commercio (12 de novembro). A 22 de novembro de 1949, uma terça-feira, foi a vez de lançar a comédia francesa romântica O Mundo é Uma Bola, de Mirabeau, em tradução de Isa Leal, também sob direção de Lenita

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Lopes. Os cenários eram de Nestor Ferreira e a conresponsável pela “maior propaganda de teatro que já a cargo da própria Lenita Lopes e de Barreto Júnior se fez, em todo o país”, segundo o Jornal do Commerjunto à Augusta Moreira, Naná Montez, Renée Leal, cio (1 de novembro de 1949), era o teatrólogo Joracy Joval Rios, Leal Godoy e Waldeck Macedo. O anúncio Camargo, acompanhado do compositor Heackel Tadivulgado nos jornais e rádios do Recife, dizia:“A peça vares e do cantor Edson Lopes, todos vindo sob o que está fazendo rir tôda a cidade, e que permaneceu patrocínio do Serviço Nacional de Teatro e da Camem cartaz durante um ano e seis meses consecutivos panha Nacional de Alfabetização de Adultos. Agendana comedie française”. A montagem, chamada de “joia do para o dia 4 de novembro de 1949, o espetáculo do teatro francês”, pelo crítico L. M. F., no Diario de Cidade Maravilhosa acabou não acontecendo no Teatro de Emergência Almare, sem qualquer satisfação Pernambuco semanas em cartaz no Teatro de Emergência Almare, ao público, mas houve palestras no Gabinete Portusendo que uma das sessões da temporada não acon- guês de Leitura e na sede da União dos Estudantes de teceu porque Barreto Júnior cedeu o horário para Pernambuco. É importante registrar que, desde o dia a estreia do violonista George Boulanger, enquanto 2 de outubro de 1949, a Melpomene Pernambucana que a peça O Rei dos Maridos era apresentada no Clu- fez vir à cena o seu Conjunto Teatral Infanto-Juvenil, estreando no Salão Pio X, em Olinda, com um ato be Internacional, logo após bingo-dançante.

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variado, seguido da peça Casamento de D. Baratinha, adaptada pelo tenente Peixoto de Castro, e encerrando com a apoteose Elogio ao Brasil, de Dermeval Lélis. No elenco, somente crianças. A peça, inclusive, ganhou reprise, indo também ao Centro Social Padre Déon, no bairro da Iputinga, no Recife. E ainda no dia 6, foi a vez do Grupo Infantil de Comédias levar ao palco do Centro Educativo Operário de Água Fria, Registro Civil de Nascimento e Quando Chega a Felicidade, dois originais do próprio diretor Waldemar Mendonça. Já no dia 7 de novembro de 1949, uma segunda-feira, aconteceu a estreia do Teatro Musicado, de Mayerber mente com a prometida revista de bolso em dois atos e vinte quadros, escrita e dirigida pelo próprio, Onde a Poeira Encosta o Cisco. O espetáculo, “coberto de falhas, salvando-se apenas os numeros de canto e dansa (sic) e pouquissimos quadros”, segundo o crítico L. M. F., no Diario de Pernambuco (9 de novembro de 1949), contou com a colaboração de vários artistas brasileiros, com destaque aos humoristas Salomão Absalão e Gordurinha, o tenor José Brasileiro, Otávio Santiago, Júlio Vieira, Naná Montez, Joval Rios e Mo- Almare, com a colaborarão de alguns elementos do Teatro Musicado em espetáculo proibido pela Censutoda a temporada. Seguindo a ideia de Barreto Júnior, ra para menores de dezoito anos, a peça voltou numa o Teatro Musicado também oferecia duas sessões, às segunda sessão. De 29 de outubro a 1 de novembro 17 e 20 horas. Após uma rápida passagem de exibição de 1949, o Teatro de Amadores visitou a cidade de da bailarina Luz Del Fuego no Teatro de Emergência Natal, a convite da Sociedade de Cultura Artística do 464


Rio Grande do Norte, levando as peças A Casa de Bernarda Alba, Capricho e Esquina Perigosa para o Teatro Carlos Gomes (atual Teatro Alberto Maranhão). Até que o Recife ganhou mais uma casa de espetáculos, o Teatro do Dérbi, que reabriu suas portas agora não mais como um auditório, tendo a estreia da peça Fim de Jornada, de Robert Sheriff, pelo Teatro Universitário de Pernambuco (TUP), sob direção de Ziembinski, no dia 12 de novembro de 1949. No elenco, Reinaldo de Oliveira, Paulo Alcântara, Hélcio Pires, Idalto Vidal, Valter Monteiro de Oliveira, Luiz Barbosa Lima, Aluísio Monteiro, Samuel Castro, Mauro de Almeida, Luiz Barreto e o próprio Ziembinski. Na noite seguinte, foi a vez do Teatro de Amadores se exibir, encenando, pela sétima vez, Esquina Perigosa, de Priestley. No elenco, Carminha Carvalho, Geninha Sá da Rosa Borges, Diná Rosa Borges de Oliveira, Bebé Salazar, José Maria Marques,Adhelmar de Oliveira e Otávio da Rosa Borges.A récita teve seu saldo aplicado na Escola Rotary, mantida pelo Rotary Clube do Recife. “Com isso, o Teatro de Amadores prossegue em seu progra(sic) dado”, registrou o Jornal do Commercio (13 de novembro de 1949). Valdemar de Oliveira festejou ainda mais o acontecimento nesta mesma edição do jornal: Mas, o que importa, ainda por hoje, é o novo Teatro com que o coronel Viriato de Medeiros brindou o Recife. Para isso, obteve, êle, uma colaboração valiosa: a da Prefeitura do Recife, que lhe traçou alguns projetos, que lhe ofereceu grande cópia de material, que consentiu em lhe ceder algumas peças do Santa Isabel. Essa colaboração representa mais um serviço prestado pelo prefeito Morais Rêgo às coisas de teatro, no Recife. Já disse, de público, e já Morais Rêgo têm sido, em sua gestão, o maior amigo do teatro, em Pernambuco. Ninguém me vê fazendo louvaminhas aos políticos do dia. Sinto-me, porisso (sic), muito à vontade para exaltar o seu interêsse por tudo quanto diga respeito ao teatro, em nossa terra. Êsse é o meu setor de trabalho; essa é a minha zona de ideal.Tenho, assim, de julgar, particularmente, os administradores, pelo apoio, pela solidariedade, pela cooperação que êles me prestam na realização dêsse trabalho e na conquista dêsse ideal.

Tudo o mais desce, para mim, a plano secundáevidência dos fatos, não sendo a menor o ter acompanhado a solicitude com que, desde o primeiro momento, o prefeito Morais Rêgo se Polícia Militar, problema de govêrno, problema aí está. E todos nós nos congratulamos pela poderes públicos, a cidade.

Prefeito Morais Rêgo

Curioso é notar um lembrete constante nos jornais, e mais uma vez publicado no Jornal do Commercio (13 de novembro de 1949): A peça decorre apenas com ligeiros intervalos, devendo terminar um pouco depois das 22 horas, razão porque haverá tôda a facilidade de transporte para o público. Numerosas são as linhas de omnibus, a citar Torre-Madalena, Prado, Casa Forte, etc., que passam nas proximidades do Teatro do Dérbi, que se situa

O crítico Júlio Barbosa, o “implacável” J. B., encantou-se com o viu em Fim de Jornada e soube escrever uma ode ao texto, à interpretação e ao encenador que cuidou de tudo, devidamente publicada na sua coluna Teatro, no Diario de Pernambuco (15 de novembro de 1949): Uma emoção nova me invadiu ao assistir á peça, que não considero maior do que E’ Proi-

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bido Suicidar-se na Primavera ou Alem do Horizonte. Senti uma nova emoção diante do que birem de suas tarefas no palco do Teatrinho do Derbi. Havia qualquer coisa de entusiasmo, de abnegação, de compromisso com a arte, antes não observada. A mensagem escrimuito transcendente – atinge o espectador em cheio. Chega ao objetivo plena de força. E isto graças unicamente aos interpretes, aos jovens interpretes do T. U. P., comandados – digamos – por um novo Ziembinsky (sic), que somente agora acerta os ponteiros de seu “relógio” com o elenco universitario. Já se disse, e com muito acerto, que teatro é representação; mesmo quando o original não corresponde á expectativa, a interpretação salva os interpretes. Foi isto que observei em Fim de Jornada. Isto e mais alguma coisa, pois não só a peça, em si, é um grande original, como e sobretudo os interpretes nos transmitem a mensagem inteirinha, com seu vasto conteudo de emoções.

co, assim como o diretor que ele contratou para vir ao Recife, Valdemar de Oliveira escreveu uma crítica inicial no Jornal do Commercio (17 de novembro de 1949) sobre a estreia do TUP, e rasgou elogios: O Teatro Universitário acaba de lançar à cena uma grande peça num belo desempenho. Eis um espetáculo que eu aconselho aos que gostam realmente de teatro, porque está bem posto, bem vestido, bem montado e bem representado. Com honestidade. Com ritmo e certamente, todos, mas, na sua aparente aridez, na sua dura atmosfera, não é difícil surpreender o traço de poesia que une aquelas vidas tão próximas da morte e as impregna, é Fim de jornada. O autor: Sheriff. O diretor: Ziembinski. Aliás, Ziembinski também se apresenta como ator – e sua interpretação é um monumento artístico. [...] O original de Sheriff tem pouca ação – mas, nada lhe falta em densidade dramática. Não podemos ver uma peça dessas com os mesmos olhos que

pomos numa, por exemplo, Esquina perigosa, bem mais convencional em sua trama do que Fim de jornada, que é um pungente quadro de guerra, onde há, permanentemente, sombrias e ameaçadoras nuvens, quando não terríveis tempestades desencadeadas.

Retomando o assunto em mais duas críticas, Valdemar de Oliveira esclareceu novamente no Jornal do Commercio (18 de novembro de 1949): O primeiro deslise (sic) a apontar na direção que Ziembinski deu a Fim de jornada, que o Tecamente, é o ter entregue o papel de Hibbert a Idalto Vidal, porque o seu tipo nos confunde. Sendo êle, em verdade, um covarde, e pretextando doença para escapar à tempestade iminente, qualquer de nós entende, ao contrário, que o Hibbert está, realmente, a necessitar de hospitalização, e isso não só pelo seu físico como pela acentuação que Idalto Vidal lhe imprime, ao expressar sua mentira. Eis uma falha que o Teatro Universitário veio encontrando, pelo caminho, à procura de intérpretes masculinos. Outro deslise (sic) é não haver aplicado o fazer Stanhope sair para o combate, depois de sua eloquente continência, diante do cadáver de Raleigh. [...] No mais, tudo muito bom, inclusive luz e som, principalmente som, que atuou com enorme poder de sugestão, sem sufocar as vozes e crescendo na medida justa.

Tratando ainda dos outros intérpretes, Valdemar de Oliveira concluiu sua enorme apreciação crítica sobre Fim de Jornada, do TUP, no Jornal do Commercio (19 de novembro de 1949): Na interpretação de Fim de jornada, que o Teatro Universitário montou e encenou, com agrado geral, no Teatro do Dérbi, ponho de lado, desde logo, Ziembinski. Êste é hors concours. [...] Vem logo atrás dêle, Paulo de (sic) Alcântara, fazendo o Stanhope. [...] Gráu dar. Se, por vêzes, gritasse menos, isto é, se dosasse melhor sua voz, tornando-a mais “de peito” do que “de garganta”, dava-lhe dez –

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pretendo, com isso, tecer critica de ataque no Teatro do Estudante, que, com A sapateira prodigiosa teria bordejado as margens onde deveriam – digamos assim – desembarcar todos os teatros de estudantes. Por êsse tempo, o Teatro do Estudante começava uma obra que me parecia bem norteada: queria ir ao povo e, pelos caminhos que lhe abria a farsa de Garcia Lorca, poderia chegar até êle, com relativa facilidade, não, aliás, com a “barraca”, que eu disse que nunca daria certo – e não deu. (Os que, naquele tempo, viam, em meu ceticismo quanto à malfadada barraca, uma forma de combater o Teatro do Estudante, estão hoje convencidos da verdade e, pois, dos bons propósitos que me animavam). Mas, o TEP se voltou para A casa de Rosmer e todos nós estavamos vendo a infelicidade da escolha, dentro, do programa a que inicialmente êles se propunham. Já com Édipo rei foi outra coisa; a tragédia grega tem outro conteúdo e nunca deveremos desdenhar que um conjunto teatral se abalance a montar originais de tão alta qualidade artística como êsse. Mas, se já tínhamos o Teatro do Estudante, visando a planos tes, por uma diretriz tamanhamente ortodoxa, mal não seria que o segundo grupo amado-

sem louvor, porque o louvor só merece, alí, o Ziembinski. Muito bom, também, calhando-lhe admiravelmente ao tipo de Raleigh, o Hélcio Pires. Gostei muito de suas cenas mudas, quando mais lhe preocupam o espírito as reações de Stanhope do que, mesmo, os azares da guerra, aos quais se lança com uma deliciosa ingenuidade a que Osborne opõe, sem pressão, piedosamente, sua longa experiência de fogo. Estreou o Luiz Alberto Barreto – e taria que não falasse tão silabadamente, num tom e num ritmo demasiado... nortista. [...] Outra boa interpretação foi a de Reinaldo de Oliveira, que fez Mason, o cozinheiro. Aqui e ali, acentuou em excesso o traço cômico. [...] Em papéis menores, todos os demais universitários concorreram para o equilíbrio do conjunto [...] Mas seria grave injustiça não citar os nomes de Samuel Castro, Mauro Lauria [de Almeida] e Aluísio [Monteiro] Oliveira, que me parecem vocações muito promissoras.

Hélcio Pires

Em outra resenha, publicada no Jornal do Commercio (24 de novembro de 1949), ele aproveitou, não só para criticar o TUP, mas principalmente o TEP, ambos por enveredarem por escolhas excessivamente “cultas” no teatro escolhido para levar à cena: O que eu teria imaginado para o Teatro Universitário, nem por sonhos poderia respirar na pesada atmosfera de uma Além do horizonte ou de uma Fim de jornada, peças que constituem, segundo meu modo de entender um teatro estudantil, formal contraindicação. Não

Édipo-Rei


rista estudantil se dedicasse a um teatro que, sem deixar de ser respeitável, permitisse, pelo menos, emoções de outra natureza, menos fortes e, nem por isso, menos artísticas. [...] O propósito “cultista” é que estraga certas iniciativas teatrais. Seria ótimo que o Teatro Universitário enveredasse por caminhos mais claros, mais simples – quase diria, menos pretensiosos.

Ocupando o Teatro do Dérbi dois dias depois desta crítica, o Teatro do Estudante de Pernambuco estreou no dia 26 de novembro de 1949, novamente com cobrança de ingressos, uma outra peça de Henrik Ibsen, Quando Despertarmos de Entre os Mortos, em tradução de Vidal de Oliveira, numa série de representações marcadas como as últimas daquele ano. O cenário e os mo cenógrafo de A Casa de Rosmer, com direção de Hermilo Borba Filho e “ilustração musical” de Capiba. No elenco, Maria Teresa Leal, Genivaldo Wanderley, Ana Canen, Clênio Wanderley, Dulce de Holanda Cavalcanti e Marco Aurélio Borba. Os espetáculos contavam, mais uma vez, com a “cooperação” (patrocínio) da Diretoria de Documentação e Cultura e da Fábrica

Quando Despertarmos de Entre os Mortos

Quando Despertarmos de Entre os Mortos

Fratelli Vita. Uma das sessões foi dedicada ao Serviço Social da Indústria (SESI), não havendo ingressos à venda.Valdemar de Oliveira escreveu para o Diario da Noite (29 de novembro de 1949): O original do dramaturgo norueguês vive mais pela palavra do que pela ação. [...] A orientação que o Teatro do Estudante imprimente, com a escolha de Quando despertarmos de entre os mortos, distanciando-o, cada vez mais, de qualquer outra forma teatral que não seja profundamente intelectualizada. Não há motivos para censura. Somente, não sei se será êsse o melhor caminho, numa campanha de catequese de um público naturalmente inclinado para as manifestações menos nobres da arte de representar. Tereza

Henrik Ibsen

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Leal fez uma estréia muito promissora. [...] Pareceu-me, ela, mais dentro do tipo do que as demais personagens. [...] Os dois outros principais personagens – Genivaldo Wanderlei (sic) e Ana Canen – já são nossos conhecidos. Suas possibilidades – e também suas Um grande elogio merece Aloísio Magalhães que idealizou o cenário, valorizado por alguns efeitos de luz – não todos, porque, nesse particular, nem tudo saiu a contento. Êsse cenámarca do ensaiador Hermilo Borba Filho, aqui e ali lutando com a falta de espaço e com a ausência de móveis.

Naquele mês, faziam sucesso as novelas transmitidas pela Rádio Jornal do Commercio, Tudo Por Um Amor e História de Um Fidalgo, duas obras de Raimundo Lopes, cada qual com meia hora de duração, sob direção de Joel Pontes, também um dos intérpretes elogiados. Ainda trabalhavam como radioatores June Sarita, Alberto Lopes, Amarílio Nicéias, Djalma Miranda, Alberto Lopes, Maria José e Geraldo Lopes. Já um outro programa, Vamos ao Teatro?, 19 horas, na mesma emissora, apresentava uma peça completa em vinte e cinco minutos de duração. Os Sonhos Também Renascem foi um dos trabalhos divulBonecos de Catende veio ao Recife, para sessão no Clube Internacional, com as peças O Boato, de Pelópidas Soares, Chapeuzinho Vermelho, adaptação de Wilmar Mayrinck, diretor do conjunto, e Haja Pau, de

José de Morais Pinho; e o Grupo Cênico do Centro Educativo Operário de Água Fria apresentou a comédia O Filho Não é Meu, no Centro Educativo Operário de Areias. A 1 de dezembro saiu o 110 número da revista Contraponto, periódico de arte e cultura sob a direção de Valdemar de Oliveira, ao mesmo tempo em que crescia a campanha pelo Natal das Crianças Pobres dos Centros Educativos Operários. E a partir do dia panhia Nacional de Comédias Barreto Júnior lançar O Marido No 5, de Paulo Magalhães, “uma bomba atômica de gargalhadas”, sempre atraindo ótimo público. No elenco, Barreto Júnior, Augusta Moreira, Joval Rios, Elvi Dorly,Waldeck Macedo, Renée Leal, Naná Montez, José Bustorff e Leal Godoy.


A direção era de Lenita Lopes, com cenários de Nestor Ferreira. O crítico Otpavio Cavalcanti sentenciou na Folha da Manhã – Edição Vespertina (7 de dezembro somente para rir, matando o tempo nesta epoca de verão”. Depois de quase dez meses de permanência no Recife, Ziembinski voltou ao Rio de Janeiro, mas antes viu uma homenagem preparada para ele no dia 8 de Macário, de nambuco, Capricho de Amadores, e Em Viagem, de Henriette Charasson, com a participação de elementos dos dois conjuntos. No elenco de Macário, Paulo Alcântara, Hélcio Pires e Salomé Mendonça; no elenco de Capricho, Geninha Sá da Rosa Borges,Valdemar de Oliveira e Diná Rosa

EmViagem, Ziembinski,Alderico Costa e Maria Bernadete. Além dessas três peças, fez parte da programação um dos solilóquios de Desejo interpretado pelo próprio Ziembinski. O mês de dezembro ainda marcou o surgimento das peças Papai Noel direção de Waldemar Mendonça, no Centro Educativo Operário do Cordeiro, e A Honra da Tia, pelo Grupo Cênico Samuel Campelo, resgatando obra deste


autor, no Cine Olinda, com os atores Wyenne Mary, Eugênia Gama, Nilson Silva, Antônio Guerra, L. Paz, J. Monteiro e Luiz Teixeira, todos sob a direção de Heronides Silva.

Nilson Silva

Mas quem encerrou muito bem o ano de 1949 foi a Companhia Nacional de Comédias Barreto Júnior com a peça história Carlota Joaquina, de Raimundo Magalhães Júnior, atraindo enchentes de público ao local, mesmo com os ingressos mais caros devido ao e até na data 31 de dezembro. A montagem adentrou com sucesso o ano de 1950. Nos principais papeis, Augusta Moreira como a protagonista, e Barreto Júnior no papel de D. João VI, “um trabalho inteiramente diferente de todos os seus trabalhos interpretativos”, lembrou o Diario de Pernambuco (27 de dezembro de 1949), além de Lenita Lopes (também diretora da proposta), Waldeck Macedo, Leal de Godoy, Luiz

Maranhão, Naná Montez, Heronides Silva, Hélio Lêdo, Mayerber de Carvalho, Renée Leal, José Bustorff, Joval Rios, Alcides Teixeira, Mary Barreto, Elvi Dorly, Oduvaldo Simões, Ademar Ribeiro e Mário Ferreira. O “guarda-roupa” foi assinado por José Costa, com painéis decorativos de Mário Nunes. O crítico C. Silveira, ainda no Diario de Pernambuco (27 de dezembro de 1949), pontuou elogios: Carlota Joaquina é uma peça a que não devem faltar os aplausos de quantos, gostem ou não gostem do teatro, se dedicam ás coisas do nosso passado, aos acontecimentos culminantes da regencia no Brasil. E’ um trabalho de pesquisa historica bem arranjado, recomendando-se ao publico pelo cunho evidente neste educativo que encerra. [...] Barreto Junior ofereceu um bom presente de Natal á platéia pernambucana. Seu trabalho está agradando, se bem que se afaste, um pouquinho, da verdadeira personalidade de Dom João VI. [...] O papel da sra. Lenita Lopes é digno dos mais justos elogios. Sua dição (sic) maravilhosa, nos poucos minutos em que aparece em cena, empresta ao seu trabalho muita vida, muito entusiasmo, muita dramaticidade.

Para o crítico J. B., a peça tinha exageros por demais. Foi que lembrou no Diario de Pernambuco (4 de janeiro de 1950): [João Banana] E’ assim que Carlota Joaquina chama D. João VI duas vezes seguidas, conforme a rubrica do autor da peça que Barreto Junior está encenando no Almare. Acho que

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Augusta Moreira vai além do que está escrito pela pena de Raimundo Magalhães Junior nessa peça historica em que se mostram fragmentos da vida intima dos principes regentes do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O autor, como se vê de seu trabalho, não se atém aos fatos historicos propriamente ditos; desce aos detalhes intimos, familiares, para mostrar que as castas nobres jamais deixaram e nunca deixarão de ser estritamente humanas, com todos os defeitos da especie; ás vezes até exageradamente ampliados pelas circunstancias que as rodeiam.

Atento ao movimento de teatro daquele ano, mesmo sem fazer qualquer referência aos trabalhos de Barreto Júnior, o maior “construtor” de teatros no Recife até hoje, e praticamente entrando no rol dos críticos que sonhavam na criação de uma associação que os

Édipo-Rei

congregasse, algo que vai acontecer em 1955 com o surgimento da ACTP – Associação dos Cronistas Teatrais de Pernambuco –, Júlio Barbosa não se furtou a listar (Nossa Cidade, Pais e Filhos, Esquina Perigosa, Édipo-Rei, Quando Despertarmos de Entre os Mortos, Além do Horizonte, Fim de Jornada, A Tempestade e A Indesejável) e escolher o melhor espetáculo de 1949 no Diario de Pernambuco (27 de dezembro de 1949): Édipo-Rei foi, em verdade, o maior, melhor e


sob todos os aspectos. Hermilo Borba Filho, com a ajuda decisiva de Eros Gonçalves, produziu um grande espetaculo, em cujo desempenho se destacou de maneira impressionante o jovem ator Genivaldo Wanderley, seguido muito de perto por Gastão de Holanda, que vestiu impecavelmente o cégo Tirésias.

Numa nova crônica, continuou a listar os melhores em sua ordem de preferência, inclusive sobre os intérpretes do ano, diretor e cenógrafo. Publicou no Diario de Pernambuco (30 de dezembro de 1949): No meu entender, o maior do ano foi o de Édipo-Rei, pelo Teatro do Estudante, seguido de Fim de Jornada, pelo Teatro Universitario, e Nossa Cidade, pelo Teatro de Amadores. Daria ainda o quarto lugar ao trabalho do T.A. P. em A (sic) Esquina Perigosa. [...] Quanto aos interpretes, o caso é mais complexo, porque houve realmente grandes interpretações. Mesmo assim, não tenho o menor receio em proclamar Genivaldo Wanderley o melhor. [...] O segundo e terceiro lugares daria, respectivamente, aos srs. Gastão de Holanda, por seu trabalho no cégo Tiresias, e Otavio Rosa Borges, por seu André, em Além do Horizonte. A melhor atriz do ano, segundo entendo, foi a sra. Diná da Rosa Borges por seu desempenho em Nossa Cidade e Esquina Perigosa.A sra. Carminha Carvalho merece a 2.a colocação devido á sua atuação segura – ali-

ás sempre assim – na peça de Priestley. Como revelação, faz jús a uma mensão (sic) honrosa co em Nossa Cidade, ao lado de Oscar Cunha Barreto e sob a direção de Ziembinsky (sic). Dos diretores de cena, diria que o melhor foi Hermilo Borba Filho, por causa do espetaculo de Édipo-Rei. E como cenarista. Eros Gonçalves, no mesmo espetaculo.Acho que neste cômputo Ziembinsky (sic) não deve entrar devido ao carater transitorio de sua permanencia entre nós. Se isto não vem ao caso, então teremos que dividir o primeiro lugar entre Hermilo e ele.Veja-se que estou dando palpite; mas se tivessemos uma sociedade de críticos teatrais, em linhas gerais este seria o meu voto.

Naquele momento, era intenso o trabalho de Valdemar de Oliveira e equipe para recolher dados sobre o Teatro de Santa Isabel, mexendo em seu acervo e preparando edições especiais da revista Contraponto. Aquela casa de espetáculos, prestes a completar cem anos, estava à espera de melhoramentos na reforma já iniciada, como foi citado por Valdemar de Oliveira no Boletim Teatral de Contraponto (abril de 1949, s. p.): Centro de tôda a vida musical e teatral do Recife, o santa Isabel continua a não dar para as encomendas, de onde a campanha em favor da construção de um novo teatro. Enquanto êsse movimento se alastra, angariando novos

Édipo-Rei


prosélitos, vai a velha casa de Vauthier se preparando para solenizar o seu primeiro centenário, em 1950. [...] Um funcionário especial foi posto á disposição da diretoria do Santa Isabel para a cópia, na Biblioteca Pública e de documentos relativos à história do Teatro. Esses documentos deverão ser publicados à época do centenário de que nos estamos ocupando. Aproveitando-se a presença, no Recife, de um técnico em iluminação teatral como é Ziembinski, está o Teatro Santa Isabel sendo provido de moderno aparelhamento elétrico, constante de baterias comelétrica, etc. – material êsse que tem feito imensa falta ao nosso melhor Teatro e que consta dos melhoramentos a ser introduzidos ali, por ocasião da passagem do seu 1.° centenário. Diante da impossibilidade de acabar totalmente com os bondes em volta do Teatro, tem-se cogitado da instalação de ar

refrigerado, naquela casa de espetáculo. As casas especialistas esperam, apenas, a planta do Teatro para pedir orçamento às matrizes, nos Estados-Unidos. A instalação de ar refrigerado atingiria, ao mesmo tempo, dois objetivos: o calor e o ruído que tanto perturbam a audição, no Santa Isabel.

No entanto, o ar-condicionado só foi instalado em 1977, com o Teatro de Santa Isabel, como sempre, reclamando atenção do poder público. Se ainda em 1949 aquela casa de espetáculos foi tombada pelo seu valor histórico pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a festa do seu centenário aconteceu gloriosa em 1950, com polêmicas, claro, e muita celebração. Mas esta é uma nova história mais à frente, num outro período que também não pode mais ser considerado de “um teatro quase esquecido”... Por isto a existência desta pesquisa e de outras futuras. Viva a nossa memória teatral pernambucana e brasileira! Até a próxima...

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