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A EDUCAÇÃO É UM INVESTIMENTO CONTRACICLO
ANA RITA BESSA,
DEPUTADA DO CDS-PP CDS-PP MEMBER OF PARLIAMENT
EDUCATION IS A COUNTER-CYCLICAL INVESTMENT
Há 17 anos, numa “outra” Revista Prémio, fui nomeada como um dos “80 líderes empresariais com futuro”. O desígnio foi excessivo, mas a nomeação explicar-se-ia por um conjunto de fatores: uma família que acredita no trabalho e mérito – e que acreditou em mim –, uma boa escola, uma boa universidade, empregos reputáveis e por isso, uma expectativa elevada. Destes fatores, vários não foram escolhas, mas antes dados da minha vida – e creio partilhar este contexto com muitos leitores “desta” Revista Prémio. Só que estes não são os pontos de partida da maioria das pessoas. Ainda assim, numa sociedade democrática e madura não deveria ser possível a todos aspirar a um horizonte de melhoria? Estaremos a fazer para que assim seja? Estas são questões que me inquietam e que, de alguma forma, me trouxeram ao exercício da Política. A verdade é que há uma reprodução intergeracional da pobreza. Em Portugal a pobreza herda-se e, desde cedo, não estamos a recuperar equidade.
A taxa de pobreza infantil é persistentemente mais elevada do que a taxa global
Um estudo recente1 demonstrou a natureza estrutural do fenómeno da pobreza, identificando que as pessoas que crescem num contexto de privação vêem limitadas as suas oportunidades futuras. De entre estes, os agregados com crianças são aqueles em 1 7 years ago, in “another” Prémio magazine, I was nominated as one of the “80 business leaders for the future”. The title may have been excessive but the nomination would be explained by a set of factors: a family that believed in work and merit – and who believed in me –, a good school, a good university, reputable employment and thus high levels of expectation. Of these factors, various were not choices but rather given facts of my life – and I believe that I share this context with many readers of “this” edition of Prémio. However, these are not the points of departure for the majority of people. Furthermore, in a democratic and mature society, should it not be possible for everybody to aspire to better horizons? Are we acting to make this happen? These are questions that do bother me and that, to a greater or lesser extent, got me involved in the exercise of politics. In fact, there is the inter-generational reproduction of poverty. In Portugal, poverty gets handed down and, from a very early age, we are not able to restore equity.
The child poverty rate is persistently higher than the global rate
A recent study1 demonstrated the structural nature of poverty related phenomena, identifying how people who grow up in a context of material shortcomings perceive limitations on their own future opportunities. Among these, households with children are those
que a taxa e pobreza é mais elevada, especialmente em famílias monoparentais ou com três ou mais crianças. Os dados disponibilizados pelo INE2 mostram que, em 2019, de entre as crianças com menos de 12 anos: – Cerca de 25,8% vivem numa casa em que o telhado deixa passar água, as paredes e o chão têm infiltrações graves; – Quase 13% não tem a casa adequadamente aquecida e 9,2% não tem luz suficiente; – 15,5% vivem em alojamentos sobrelotados; – 6,5% vivem em ambientes de crime ou violência e quase 13% em sítios com sujidade ou problemas ambientais; – 9% não fazem refeições completas e saudáveis e 3% sentem fome e não comem porque as famílias não têm dinheiro.
A educação deveria quebrar os ciclos de pobreza
Há vários estudos3 que mostram que a escola não está a anular as desigualdades de partida e, em alguns casos, permite até que aumente o fosso entre alunos – presente e futuro. Destaco alguns dados: – O número de alunos no ensino básico com 2 ou 3 anos de desvio face ao ano escolar adequado é elevado e cresce longitudinalmente, ou seja, o insucesso vai-se acumulando; – Dos alunos que frequentam o ensino secundário regular, 73% estão na idade ideal de frequência deste nível de ensino, mas no caso dos cursos profissionais essa percentagem cai para 28,3%; – A maior percentagem de alunos que beneficia de Acção Social Escolar frequenta percursos alternativos entre o 5º e o 9º ano e cursos profissionais no ensino secundário, o que indicia uma correlação entre contextos socioeconómicos desfavorecidos e insucesso escolar; – A diferença de desempenho no PISA entre alunos afluentes e desfavorecidos é de 95 pontos – a média portuguesa é de 492 pontos; – Dos alunos provenientes de contextos desfavorecidos, independentemente do seu ‘score’, 40% não se permite aspirar a frequentar o ensino superior – o que acontece apenas com 7% dos outros alunos. Dito de forma clara: o sistema educativo não está a vencer o determinismo social. E será razoável admitir que tudo isto se agravou com a crise pandémica, porque as desigualdades no acesso e produtividade do ensino a distância pesaram mais sobre quem menos tinha. registering the highest rates of poverty, especially single parent families or those with three or more children. The data made available by the INE2 show that for children aged under twelve, in 2019: – Around 25.8% live in a house with a roof that leaks and/or with walls and floors experiencing serious damp infiltrations; – Almost 13% do not have appropriate heating 9.2% have inappropriate levels of lighting; – 15.5% live in overcrowded housing; – 6.5% live in environments of crime or violence and almost 13% in places dealing with pollution or other environmental problems; – 9% do not get complete and healthy meals and 3% experience hunger and do not eat because their families cannot afford it.
Education should break the cycles of poverty
There are various studies3 that demonstrate how schooling is not reversing the inequalities encountered at the outset and, in some case, even allows for the gap between students – present and future – to widen. I would highlight some figures: – The number of students in the primary system two or three years behind their peers rises and grows longitudinally, thus, failure tends to accumulate; – Of the students who attend regular secondary schools, 73% are at the appropriate age for their respective level of education but in the case of professional education programs, that percentage falls away to 28.3%; – The largest percentage of students who benefit from Schools Social Action Programs attend alternative programs between the 5th and 9th year of schooling and professional courses during secondary schooling, which indicates a correlation between disadvantaged socioeconomic contexts and a lack of academic achievement; – The average difference in the PISA performance between affluent and disadvantaged students is 95 points – the Portuguese average is 492 points; – Of the students arriving from disadvantaged contexts, irrespective of their ‘scores’, 40% do not aspire to attend higher education – which occurs only in 7% of other students. To express this clearly and simply: the education system is not overcoming social determinism. It would also be reasonable to assume that this situation also worsened over the course of the pandemic as inequalities in access to and the productivity of distance learning weigh most on those who had least.
1 “POBREZA EM PORTUGAL – TRAJETOS E QUOTIDIANOS”, FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS. 2 INQUÉRITO ÀS CONDIÇÕES DE VIDA E DO RENDIMENTO (ICOR) IN “CRIANÇAS EM PORTUGAL E ENSINO A DISTÂNCIA: UM RETRATO” (MARIANA ESTEVES PEDRO FREITAS; MIGUEL HERDADE; BRUNO P. CARVALHO; SUSANA PERALTA). 3 IN “THE STATE OF EDUCATION 2019” FROM THE NATIONAL COUNCIL OF EDUCATION AND THE “NACIONAL PISA REPORT 2018”, IAVE/OECD. 1 “POVERTY IN PORTUGAL – TRAJECTORIES AND DAILY REALITIES”, FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS. 2 ICOR – INQUIRY INTO THE CONDITIONS OF LIFE AND INCOME IN “CHILDREN IN PORTUGAL AND REMOTE LEARNING: A PORTRAIT” (MARIANA ESTEVES PEDRO FREITAS; MIGUEL HERDADE; BRUNO P. CARVALHO; SUSANA PERALTA). 3 REAL CASES AS TOLD BY MENTORS ON THE “TEACH FOR PORTUGAL” PROGRAM.
Mudar para que tudo não fique na mesma
A verdade é que há investimento na escola, mas há desinvestimento nas crianças. São muitas as histórias contadas por quem anda no terreno4, como a do: – “João”, com 16 anos ainda está no 6º ano. Com o pai desaparecido e a mãe encarcerada, vive com a avó, doente e sem a literacia que viabilizasse a comunicação por plataformas informáticas. Ao fim de 1 mês de aulas ‘online’, já o “João” tinha chumbado por faltas; – “Maria”, aluna de etnia cigana, que viu negado o vale para compra de livros escolares porque a professora achou que “não valia a pena”; – “Pedro”, com mutismo seletivo, não falou desde o início do ano letivo, porque na primária os professores falavam de forma muito agressiva e ele só sabia ficar calado no seu silêncio. A isto ao Diretor de Turma respondeu “eu não posso mudar a minha maneira de falar!”. Não são alunos fáceis. São mesmo muito difíceis. Por isso estão em turmas “guetizadas”, replicando os bairros em que vivem. Muitos crescem sinalizados pelas autoridades e rapidamente descobrem que podem ser os heróis-anti-heróis, reincidindo na delinquência. A justiça é inimiga tal como a escola é inimiga. Só, talvez, se alguém acreditar que o João, ou a Maria ou o Pedro, podem ter uma história diferente, isso venha a acontecer. Se as escolas puderem contratar os professores certos para estes alunos, se as comunidades – incluindo o poder local – forem envolvidas no desenho de soluções locais e duradouras, em vez de “projetos” sem continuidade, se os alunos forem ouvidos e as suas crenças, mal assimiladas, forem desafiadas e reordenadas. Acredito profundamente que a Educação é o meio para a equidade que permitirá que, um dia, um João, uma Maria ou um Pedro sejam não só nomeados como efetivamente se tornem num dos “80 líderes do futuro”. l
Change so that everything does not remain the same
The fact remains that while there is investment going into schools, there is a lack of investment in children. There are a great deal of stories told by those with experience in the field4, such as: – “João”, aged 16 and still in 6th grade. With his father missing and his mother imprisoned, he lived with his grandmother, sick and without the literacy to undertake communication via IT platforms. At the end of one month of online classes, “João” had already failed due to absences; – “Maria”, a student from a Roma background, who saw her book voucher for the acquisition of school books turned down because her teacher thought it “was not worth it”; – “Pedro”, experiencing selective mutism, has not talked since the beginning of the academic year because in primary school the teachers talked in a very aggressive fashion and he only knew how to remain stuck in his silence. To this, his Class Teacher responded: “I cannot change my way of talking!”. They are not easy students. They are often extremely difficult students. Thus, they end up in “ghettoised” classes, replicating the neighbourhoods that they live in. Many grow up identified by the authorities and rapidly discover that they can be hero-antiheroes, repeating their acts of delinquency. Justice becomes the enemy just as school is the enemy. However, perhaps were somebody to believe that João, or Maria or Pedro might live a different story, this might come to happen. If schools were able to contract the right teachers for their students, if the communities – including the local authorities – were involved in the design of local and long lasting solutions instead of “projects” that lack continuity, if students got listened to, their beliefs, poorly assimilated, might be challenged and restructured. I profoundly believe that education represents the means by which equity might one day ensure that a João, a Maria or a Pedro might not only one day be nominated but actually become one of the “80 leaders of the future”. l
4 CASOS REAIS CONTADOS PELOS MENTORES DO “TEACH FOR PORTUGAL”. 4 REAL CASES AS TOLD BY MENTORS ON THE “TEACH FOR PORTUGAL” PROGRAM.