O Corredor Ecológico nº 6

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O Corredor Ecológico Informativo do Centro de Ecologia da UFRGS e do Instituto Curicaca 1º Semestre - 2012 - Número 006 - Ano 6

Energia limpa? Nem sempre. Energia limpa é um conceito que vem sendo mal aplicado. Não se pode dizer, genericamente, que um tipo de energia é limpa e, assim, dar-lhe carta branca. É o que se faz hoje com a energia hidrelétrica e a eólica. Tudo depende dos danos ambientais e sociais causados, e estes podem ser graves conforme o local onde será instalado o empreendimento. Um parque eólico que degrada os últimos campos de dunas do Litoral do Rio Grande do Sul não tem nada de limpo, nem uma hidrelétrica que desmata o que sobrou das matas do Rio Pelotas e causa a extinção de várias espécies. Generalizações simplistas

visam alienar a sociedade e cooptá-la como avalista de tudo o que seja chamado de “limpo”. Para se ter uma ideia, a eficácia do resgate de fauna, procedimento exigido nos licenciamentos deste tipo de empreendimento, não teve sua eficácia comprovada – e é alvo de investigação entre pesquisadores da UFRGS. Leia mais na página 12

Saiba ainda

Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Pai-Querê, no Rio Pelotas, é discutido em quatro audiências públicas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Página 2

Parque de Itapeva vai ganhar Plano de Uso Público Instrumento regulamenta atividades turísticas, recreativas e educativas na área, trazendo retorno socioeconômico a partir da existência da Unidade de Conservação. Após anos de trabalhos e debates, processo de elaboração do Plano teve início em dezembro de 2011 com a contratação, pelo Defap, de uma empresa para realizá-lo.

Detalhes na página 6

Ponto de Vista

As áreas naturais do Procervo em busca Professor Baptista de investimentos

“Nunca fomos multidões, mas fizemos muito A história do naturalista que comprou terras com o intuito barulho e talvez de preservar a natureza. tenhamos ficado cansados” “Não se pode ficar Diretor de Mobilização da apenas olhando a Fundação SOS Mata Atlântica, biodiversidade ser Mario Mantovani reflete sobre o movimento ambientalista em destruída” tempos de redes sociais.

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Projeto que trabalha com o cervo do pantanal, animal seriamente ameaçado de extinção no RS, procura apoio financeiro para melhor desenvolver suas atividades. Estimativas científicas dão conta de que restam menos de 30 indivíduos da espécie no estado.

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Curicaca na web! Ambiente, cultura, políticas públicas, biodiversidade, áreas protegidas, desenvolvimento sustentável e muito mais! Acesse nosso conteúdo e confira notícias fresquinhas no site

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eDitorial Estamos próximos de mais um evento mundial para refletirmos sobre nossa condição e futuro no Planeta. Otimismo e ceticismo estarão postos na balança da Rio +20. Os governos não têm conseguido avançar na medida necessária, por serem incapazes de construir acordos que realmente controlem a voracidade corporativa sobre os recursos naturais e estabeleçam limites ao crescimento econômico e às aspirações de consumo. Sob constante pressão social, lentamente acabam cedendo a algumas demandas ambientais, como a criação de fundos verdes para sanear os erros que teimam em manter. Os eventos paralelos se sustentam como a grande esperança da sociedade. São oportunidades valiosas para trocas de experiências e manifestações políticas sem intermediários. Como as redes sociais, carregam também uma forte carga terapêutica de auto-ajuda, por supormos que estamos avançando enquanto a maioria das causas da doença permanece intangível. Não há dúvidas de que estamos cada vez mais alertas e sensíveis às informações

ambientais que recebemos, e em seguida chegará, por um ou outro motivo, a força que nos fará mudar de sentido e não apenas corrigir o rumo. Neste cenário que precisa de estímulos, associar reflexões globais

com ações locais em busca de uma sociedade verdadeiramente diferente continua sendo um importante meio de sustentação da luta. Nesta edição, O Corredor Ecológico trata de alguns temas e iniciativas de ecologia,

Usina Hidrelétrica de Pai-Querê em pauta

sociedade e cultura conduzidas na parceria entre o Instituto Curicaca e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em especial seu Centro de Ecologia. Mostramos estratégias de manejo sustentável do território que têm nas unidades de conservação da natureza, nos mosaicos de áreas protegidas e nos corredores ecológicos mecanismos especiais de planejamento e gestão colaborativos. Apresentamos formas de uso e conservação dos recursos da floresta que integram à proteção da biodiversidade e à valorização da sociodiversidade a necessária salvaguarda do patrimônio cultural. Num bate-papo entre técnicos envolvidos com a Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, discutimos esta metodologia inovadora e sensível de educação ambiental e patrimonial com quinze anos de experiências. Ainda, conectando as reflexões globais e as ações locais que definem o nosso rumo, trazemos o ponto de vista de uma grande ambientalista e mobilizador social brasileiro. Boa leitura!

Por que no meu jardim? Pablo Angulo

A polêmica que envolve o entorno da construção de hidrelétricas atinge também o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Há mais de 10 anos tenta-se licenciar a Usina Hidrelétrica de Pai-Querê, no rio Pelotas, no limite entre os dois estados. O empreendimento seria o quinto na bacia, causando um impacto ambiental acumulado que o torna inviável, como apontam universidades, especialistas e entidades ambientalistas. O projeto de Pai-Querê se sobrepõe a uma Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, considera prioritária para a conservação da biodiversidade pelo Ministério do Meio Ambiente. A última etapa do licenciamento é a das audiências públicas, momento de debate onde a sociedade pode conhecer o empreendimento e suas consequências e fazer ponderações acerca dos dados apresentados.

O Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, do qual o Curicaca faz parte, juntamente com entidades ambientalistas gaúchas, demandou uma audiência pública em Porto Alegre, além das já previstas para Bom Jesus (RS), Lages (SC) e São Joaquim (SC), que ficam no local do empreendimento. Elas ocorreram em março e abril. Em Porto Alegre houve ampla participação de pesquisadores, ONGs e representantes das comunidades afetadas. O debate extrapolou o local da construção da UHE, atingindo a sociedade civil e o meio científico. “A área de Pai-Querê é dotada de peculiaridades ecológicas de extrema importância, com espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Isso interessa não só aos moradores da região, mas a todo o estado gaúcho”, pondera Alexandre Krob, Coordenador Técnico do Curicaca.

expediente Editor: Alexandre Krob • Jornalista Responsável: Joyce Copstein Mtb 15053 • Reportagem: Leila Garcia, Sarah Motter e Joyce Copstein • Diagramação: Joyce Copstein e Júlia Pellizzari • Ilustrações: Patrícia Bohrer • Fotos: Acervo Curicaca, Rômulo Valim, Maurício Barbanti e Pablo Angulo • Tiragem: 5 mil exemplares • Circulação dirigida: Campi da UFRGS, Região Metropolitana, Campos de Cima da Serra e Litoral Norte do Rio Grande do Sul • O Corredor Ecológico tem distribuição gratuita. Instituto Curicaca Coordenador geral: Jan Mähler Jr. • Coordenador técnico: Alexandre Krob • Coordenadora de Educação Ambiental e Cultura: Patrícia Bohrer Rua Dona Eugênia, 1065/303 • CEP 90630-150 • Porto Alegre/RS 51. 3332.0489 • www.curicaca.org.br • curicaca@curicaca.org.br

Terra fértil, ar limpo e água pura para nossos habitantes - ambientalistas protestam contra a construção de uma usina termoelétrica em Pichidegua, região central do Chile. O Corredor Ecológico presenciou a manifestação no mês de janeiro, em frente ao Congresso Nacional do país.

APOIO FINANCEIRO Esta edição tem apoio das Pró-reitorias de Extensão e de Pesquisa da UFRGS e do Projeto de Conservação da Biodiversidade no Assentamento Filhos de Sepé - Viamão/RS. Ministério do Desenvolvimento Agrário


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A criação de um mosaico Iniciativa quer eliminar barreiras políticas, jurídicas e geográficas através da gestão coletiva de áreas protegias; processo conta com a participação de estudantes da UFRGS

As gotas de chuva que molham a serra gaúcha adentram a terra, percorrem cursos d’água e chegam à costa do estado. Há, na região nordeste do Rio Grande do Sul, uma interdependência complexa entre fauna, flora e elementos abióticos, como água e solo. Os seres humanos interagem com esse ecossistema há mais de quatro mil anos, utilizando os recursos naturais disponíveis e habitando o território, que no século XVIII abrigava rotas de tropeiros que subiam e desciam a serra. A região exerce ainda hoje importante função ecológica e abriga uma das maiores riquezas em termos de biodiversidade no sul do país. Para conservar este patrimônio natural, existem 27 áreas protegidas no local. Neste cenário, se coloca o desafio de como pensar uma gestão que englobe todas essas relações. Para o Instituto Curicaca, a resposta não é simples, mas é possível: o Mosaico Porta de Torres. Desde 2010, a ONG vem trabalhando na articulação entre 17 gestores de Unidades de Conservação, na busca de uma gestão territorial que ultrapasse barreiras políticas e geográficas por meio da administração coletiva das áreas. A proposta é não fragmentar o espaço que, social e ecologicamente, se constitui como um todo complexo. Assim se cria a possibilidade de uma maior eficácia nos objetivos das áreas protegidas e na gestão sustentável do território onde se localizam. A região do Mosaico é composta por restingas, mata paludosa, floresta ombrófila densa, floresta ombrófila mista e campos de Cima da Serra. Ela também possui áreas agrícolas e urbanas com forte interação, englobando ainda reservas indígenas e territórios quilombolas. O doutor em

Ecologia pela UFRGS e coordenador geral do Curicaca, Jan Mähler Jr., destaca que “o bom planejamento e funcionamento do mosaico possibilitaria redução de custos, melhor articulação entre as UCs e ganho em conservação da natureza”. Para Paulo Grubler, gestor do Parque Estadual de Itapeva, a gestão integrada fortalece uma identidade regional voltada à preservação e à conservação e uso sustentável dos recursos naturais. No Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, lei nº 9.985/2000, cap. IV art. 26, “quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”.

O que já foi feito

Uma das maiores dificuldades para a implantação do Mosaico é apontada por Grubler: segundo ele, falta nivelamento no entendimento do conceito de gestão compartilhada. Assim, buscando estruturar a iniciativa entre gestores de áreas protegidas e representantes de órgãos públicos e da Universidade, o Curicaca organizou, em outubro de 2010, a I Oficina de

Criação do Mosaico Porta de Torres. Foram 14 participantes; entre eles, o biólogo Mähler Jr., que percebeu uma aceitação da ideia de implantação do mosaico como boa estratégia de gestão. A oficina teve frutos positivos, com avanços no entendimento da proposta e com a criação, por parte dos gestores, de duas redes de UCs, a Rede de Conservação dos Campos de Cima da Serra e a Rede de Conservação de Áreas Protegidas do Litoral Norte. Passos importantes, na visão de Grubler, para o almejado nivelamento. Coordenador técnico do Instituto Curicaca e facilitador da iniciativa, Alexandre Krob também vê a criação das duas redes em consonância com os objetivos de fortalecimento, articulação e troca de experiências do sistema de áreas protegidas que objetiva o Mosaico. Ressalta, no entanto, que essas figuras não o substituem, pois são formas de interação restritas às UCs, com caráter fortemente governamental. “O Mosaico irá buscar interação com outras áreas protegidas e outros setores, além de uma forma de gestão mais ampla”, argumenta.

A visão dos estudantes

Durante o processo, o Curicaca tem contado com a contribuição de estudantes da UFRGS, que realizam estágio supervisionado junto à ONG. Entre eles está a hoje bióloga Laura Heidtmann, que se trabalhou no Mosaico em 2011, após realizar uma busca, no site do Curicaca, sobre os projetos da organização e seus parceiros. “O Mosaico era ideal para aprender como funciona a conservação na prática”, conta. Participando de reuniões de conselho de UCs e audiências da

Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Laura foi percebendo que muitos aspectos ambientais são determinados por outros fatores. “Hoje tenho a percepção de que nem sempre a gestão se dá para o bem do meio ambiente como um todo; ela se dá, acima de tudo, para o bem do poder político de alguns”. A experiência também mostrou que a gestão integrada precisa de decisões conjuntas para que se encontrem soluções coletivas.

Perspectivas

Está marcada para junho de 2012 a II Oficina de Criação do Mosaico Porta de Torres, que terá a finalidade de consolidar objetivos já trabalhados, aprovar uma minuta de proposta de criação do mosaico, completar o conjunto de cartas de adesão que manifestem o interesse dos gestores das áreas protegidas em participar do proposta, discutir a formação do conselho e definir seu funcionamento executivo, além dos próximos passos. Até o momento, as UCs municipais já aderiram ao Mosaico, e há uma tendência de adesão da maioria das áreas protegidas federais e estaduais no processo protagonizado pelo Instituto Curicaca. A dinâmica deverá manter seu caráter aberto, inclusivo e adaptativo. Isso significa que as UCs cujos gestores se motivem a construir essa figura coletivamente poderão se agregar ao conjunto inicial que constituirá o mosaico. Neste processo, Mähler Jr. prevê um grande desafio. “Talvez o mais complicado seja que os órgãos públicos parecem não enxergar a importância de uma ferramenta como o mosaico. Se essa importância já foi reconhecida, falta maior agilidade na tomada de decisões para a sua criação”, desabafa.


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ENTREVISTA

Andreas Kindel, Patricia Bohrer e a Ação Cultural de Criação Faz quase 15 anos que o Instituto Curicaca deu início à Ação Cultural de Criação, metodologia de educação ambiental e patrimonial aplicada à época em Cambará do Sul. Hoje o projeto é mantido em parceria com o Centro de Ecologia da UFRGS e já passou pelo litoral norte do estado e pela região metropolitana de Porto Alegre. O foco é integrar as comunidades aos espaços naturais e culturais de sua região, buscando sensibilizar para o significado desses locais e fortalecendo a noção da interdependência entre natureza e cultura. Vivências no ambiente e a troca de idéias são peças-chave no processo, que motiva os participantes a permanecerem abertos a novas experiências e cria condições para a reflexão crítica e o cuidado com os bens difusos da comunidade. O processo reúne arte e ciência e se utiliza de jogos pedagógicos, painéis interativos, trilhas interpretativas e publicações especialmente projetadas para os temas geradores. Os locais onde ocorre também são escolhidos de acordo com o que será explorado (engenhos, alambiques, galpões rurais, mata, exposições e espetáculos interativos estão entre esses ambientes). A dinâmica é guiada pelos princípios de participação, ludicidade e interatividade, que visam gerar afeto, identidade e apropriação. Quer mais? O Corredor Ecológico foi conversar com dois dos principais responsáveis, hoje, pela Ação: o professor Andreas Kindel, parceiro pela UFRGS desde 2005, e a arte-educadora Patricia Bohrer, Coordenadora de Educação e Cultura do Instituto Curicaca e idealizadora da iniciativa. O Corredor Ecológico - O que há de inovador na Ação Cultural de Criação como metodologia de educação ambiental? Patricia – A Ação é um processo capaz de oportunizar condições de reflexão, diálogo e construção de sentido às pessoas, a partir da incorporação de diferentes iniciativas. Como metodologia de educação ambiental, é combinada à educação popular, valorizando a revitalização das culturas e o fortalecimento da expressão, identificação, afeto e auto-estima dos grupos envolvidos. Incorpora também elementos da Nova Museologia, construindo espaços lúdicos e interativos nas UCs, para explorar a sensibilidade, criatividade e emoção. São essas experiências estéticas de convivência, prazer e reflexão em conexão com a natureza que trazem a potencialidade criativa para dentro da Ação, que sempre se renova. Andreas – A ousadia está também em promover as atividades nos espaços que são os objetos da abordagem, que podem ser um ecossistema ou um espaço construído onde os envolvidos na interação educativa ficam expostos a um conjunto de estímulos capazes de influenciar seu comportamento. Essas experiências podem ser determinantes em atitudes futuras, como consumir ou

não determinado produto e apoiar ou não uma ação potencialmente degradante. O que motivou a criação e execução da Ação Cultural? Patricia – Em 1997, iniciamos a metodologia vinculada ao Projeto de Desenvolvimento Sustentável realizado na região dos Campos de Cima da Serra. Trabalhávamos a sustentabilidade da região com os adultos e fazíamos encontros regulares com as crianças. Ao final do projeto, dois anos depois, realizamos a revitalização de um espaço para ser o Centro Cultural da cidade. Ele foi inaugurado com uma exposição de fotografias de álbuns de famílias, feita a partir das fotografias antigas da comunidade, envolvendo oficinas e performances que resultaram numa experiência de fortalecimento da identidade local, do afeto e da apropriação. No início, era uma abordagem empírica, mas os resultados positivos levaram à primeira dissertação de mestrado que vinculou as experiências a uma ação cultural de criação. A partir daí foi possível compreender melhor seus princípios e estratégias, norteando também novas ações da ONG. Como ocorreu a parceria entre Curicaca e UFRGS? Que ganhos

surgiram dela? Patricia - Em 2002, somamos esforços com a Universidade para a criação do Parque Estadual de Itapeva e, em 2005, instalamos ali a Ação Cultural de Criação “Saberes e Fazeres da Mata Atlântica: Restinga de Itapeva”. O vínculo auxiliou na definição dos objetivos dessa nova etapa da Ação, focada na conscientização da comunidade residente nos corredores ecológicos e junto às UCs quanto à importância das áreas protegidas para a sustentabilidade local. Já na comunidade científica, buscávamos sensibilizar estudantes e pesquisadores para o reconhecimento dos saberes das comunidades, a fim de incorporá-los na produção acadêmica. Essa troca sempre foi muito rica e, com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, em 2006, criamos condições de mantermos estágios regulares na ONG, trazendo para dentro do Curicaca a participação estimulante e renovadora dos jovens estudantes. Andreas - A ação é uma oportunidade para os alunos experimentarem os desafios inerentes ao trabalho de educação ambiental num ambiente extremamente cooperativo e criativo, no qual há estímulo para o desenvolvimento de múltiplas habilidades. Entre elas, planejamento de materiais e processos educativos,

elaboração de instrumentos de avaliação e sistematização de resultados, redação de relatórios e produtos de difusão, organização da logística e captação de recursos. É uma oportunidade disputada pelos alunos, sempre havendo mais interessados que vagas. Temos ex-bolsistas, que, influenciados pela experiência, buscaram formação complementar no campo através de programas de mestrado. Além da formação de recursos humanos, a cooperação com uma ONG de grande inserção é uma oportunidade de reverter o investimento feito pela sociedade nas Universidades, divulgando os resultados das pesquisas e recebendo novas demandas e perguntas a serem respondidas. É uma troca. A Ação é definida como um “processo aberto de criação e de construção de sentidos para além do que é dado”. Por quê? Patricia – Não é um programa com objetivos rigidamente estabelecidos em todos seus aspectos. Importa que as pessoas possam construir suas relações e ações a partir de um universo de possibilidades iniciais. O termo “criação” significa o processo coletivo das relações das pessoas entre si e com os produtos culturais gerados, ampliando as oportunidades de diálogo, reflexão e significados.


5 Diz-se que é uma aposta, um campo elástico, onde se trabalha com situações emergentes e imprevisíveis, produzindo mudanças no próprio agente cultural. Uma dessas situações ocorreu durante a montagem da exposição Nossos Retratos, em Cambará do Sul: uma moradora local teve a idéia de descer de rapel pelo vão que une os três andares do prédio, declamando uma poesia de Fernando Pessoa na abertura da exposição. Este momento impensável foi incorporado como uma ação importante no processo, uma possibilidade criativa, do mesmo modo incorporamos danças circulares e muitos outros jogos e brincadeiras. Nesses anos de parceria, quais os principais resultados da Ação? Patricia – Ela tem ampliado as capacidades de conscientização e sensibilização, de valorização do meio ambiente e da cultura local. Faz com que as pessoas se reconheçam como parte do lugar onde vivem, aprendendo de forma contextualizada, e, assim, fiquem mais comprometidas com a transformação da realidade local. Percebe-se a diminuição da agressividade e o desenvolvimento de valores éticos e ecológicos, especialmente entre as crianças, além do fortalecimento de grupos de cooperação. As Trocas de Saberes incentivam a comunidade a valorizar seu patrimônio cultural e a usar de forma mais racional os recursos naturais. Já para a comunidade científica, representa um

processo de difusão e regeneração de conhecimento. Andreas - Destaco o reconhecimento das duas instituições como colaboradoras dos agentes locais, a formação de recursos humanos, a inibição de ações degradantes e o estímulo à replicação de ações educativas, junto à adoção de uma cultura de apoio a essas iniciativas em espaços da Universidade. Quais os sonhos ainda não alcançados pela Ação Cultural de Criação? Patricia – A busca de condições estruturais, de pessoas e recursos que garantam sua continuidade, o enraizamento local e a apropriação

a fixação, com remuneração justa, dos recursos humanos que se formam nessa experiência. A continuidade é fundamental para que os impactos sejam significativos e percebidos, e este é um sonho que continuamos perseguindo. Como se concretiza a troca entre os saberes das comunidades e o conhecimento produzido nas universidades? Patricia – Através dos encontros de Trocas de Saberes se dá o compartilhamento de experiências e conhecimento entre comunidade, técnicos e pesquisadores. Já abordamos temas como o artesanato tradicional com fibras naturais,

“Destaco o reconhecimento das duas instituições como colaboradoras dos agentes locais, a formação de recursos humanos, a inibição de ações degradantes e o estímulo à replicação ações educativas, junto à adoção a uma cultura de apoio a essas iniciativas em espaços da Universidade” completa pela comunidade. Em relação aos Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, seria necessário criar efetivamente as condições de salvaguarda desses bens, atuando nas condições sociais e materiais de transmissão e de reprodução que possibilitam a sua existência. Andreas – O grande desafio é o financiamento contínuo, que garanta

TIRINHAS INFANTIS

o Terno de Reis e o patrimônio arqueológico regional, entre outros que ajudam a dar visibilidade e são caros para a comunidade. O encontro realizado na Feira do Livro de Torres sobre artesanato tradicional com fibras teve divulgação na mídia, recebeu a participação da população local e gerou um significado muito positivo para o grupo de artesãs.

Luana Krob (argumento) e Patricia Bohrer (ilustrações)

Que desdobramentos têm sido gerados pelas reflexões provocadas pela experiência? Patricia – Depoimentos de pais e professores indicam mudanças de comportamento e valores nas crianças, que passaram a cobrar deles atitudes diferenciadas em relação à proteção dos animais, ao uso da água, à separação do lixo. Uma turma de adolescentes da escola Estadual Manuel João Machado, em Torres, se organizou contra a mineração e degradação do Morro de São Brás. Houve também iniciativas de professores para projetos de horta e horto escolar, entre outras. Andreas – Na Universidade foram realizados pelo menos dois mestrados sob minha orientação para responder a perguntas geradas durante a Ação. Um comparou as várias formas de cultivo ecológico de banana à prática convencional quanto à promoção da conectividade na paisagem. Outro buscou responder se o manejo tradicional da folha do butiá é sustentável do ponto de vista da sobrevivência e capacidade reprodutiva dos indivíduos manejados. Como a Ação contribuiu para a efetividade das Unidades de Conservação? Patricia – Na medida em que as pessoas envolvidas, crianças e adultos, se conscientizam quanto à importância desses locais. Isso acontece não somente com a informação e a reflexão crítica, o que poderia ocorrer em sala de aula, mas com a vivência, a sensibilização e o sentimento de fazerem parte desses locais e contribuírem direta e indiretamente para sua efetividade. Andreas – A Ação cria oportunidades para as comunidades locais conhecerem as UCs e reconhecerem seus benefícios. A partir daí é possível reduzir as pressões sobre o patrimônio protegido. Mensurar esse impacto é complexo, mas estudos demonstram que, ao serem catalisadoras das cooperações como as que envolvem nossas instituições, as UCs já estão resultando em grandes benefícios para as comunidades locais. Alguns exemplos são os esforços realizados para desenhar os corredores ecológicos conectando o Parque de Itapeva com áreas relevantes de remanescentes do seu entorno, incorporando este produto em políticas públicas de planejamento territorial. O reconhecimento dos corredores já é usado como elemento adicional no licenciamento de condomínios, hoje uma das grandes ameaças aos ecossistemas litorâneos.


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Integrando cultura e ambiente

Contratação do Plano de Uso Público do Parque Estadual de Itapeva traz novas perspectivas à Unidade de Conservação e à comunidade Uma das mais conhecidas Unidades de Conservação no litoral norte gaúcho, o Parque Estadual de Itapeva está prestes a se tornar exemplo da coexistência vantajosa entre comunidades locais e Unidades de Conservação (UCs). Depois de anos de trabalhos e debates, teve início em dezembro o processo de elaboração de seu Plano de Uso Público (PUP), instrumento que regulamenta atividades turísticas, recreativas e educativas na área, trazendo retorno socioeconômico a partir da sua existência. Demanda social e parte do processo de viabilização do uso de uma UC, o PUP tem o desafio de garantir a preservação das áreas naturais e a relação entre seus aspectos históricos, culturais e sociais. É um dos itens do Plano de Manejo de uma UC, documento que, no caso do Parque de Itapeva, foi apresentado em 2007, mas até hoje não contribuiu para o turismo na área. O PUP do Parque de Itapeva é tema permanente de seu Conselho Gestor, integrado pelo Curicaca. Reconhecida por sua beleza, a área hoje chamada de Parque de Itapeva guarda remanescentes característicos da Mata Atlântica, atrativos naturais que motivaram ocupações diversas ao longo do tempo. Os sinais deixados pelos grupos humanos que ali passaram dialogam com os ecossistemas que a área preserva. Coordenador técnico do Instituto Curicaca, Alexandre Krob revela que uma das metas do PUP deverá ser a de aproveitar todas as possibilidades culturais e naturais do Parque e seus arredores e destaca a disponibilidade de recursos humanos para este fim: “Ao longo de quase dez anos atuando com educação ambiental em Itapeva, encontramos muitas pessoas sensíveis ao Parque, dispostas a trabalhar por ele, que podem ter influência na opinião da sociedade”. Ele atenta para os benefícios sociais que irão decorrer da implantação do PUP, como o acesso palpável a recursos econômicos através de empregos, serviços e venda de produtos, e a aproximação entre comunidade e gestores, acabando com eventuais atritos. A estratégia terá por base o entendimento das relações das pessoas com o meio e a compreensão de suas práticas, sejam elas positivas ou negativas ao

ambiente. A partir de um diálogo respeitoso, será possível identificar o que deve ser mantido e o que, pelo grau de degradação ambiental, necessita ser revisto e adequado. “É preciso utilizar uma visão complexa e sistêmica, apoiada em conhecimentos ecológicos, culturais, sociais, econômicos e políticos”, lembra Krob. O objetivo é trazer benefício mútuo à UC e à comunidade.

Fortalecimento da identidade

Um dos principais elementos norteadores do processo, o fortalecimento da identidade local pode motivar a consciência crítica, que por sua vez será capaz de gerar o reconhecimento do patrimônio natural e dos locais de preservação como bens preciosos à comunidade. É o que acredita Patricia Bohrer, artista plástica e coordenadora de Educação Ambiental e Cultura do Curicaca. Depois de anos em contato direto com a população que vive no entorno do Parque, Patricia chegou à conclusão de que as relações entre natureza e cultura na região às vezes são tão sutis que se tornam difíceis de serem reconhecidas. Ela cita o exemplo do Terno de Reis, manifestação popular voltada ao ambiente rural e aos espaços íntimos de convívio entre as pessoas, mas que envolve a paisagem, o tempo e as sensações em seus ritos. “É possível perceber que em muitos momentos a natureza está presente, na produção da indumentária, na preparação da ceia, nas letras das canções, no movimento entre uma casa e outra em noite enluarada”, nota. Outras práticas tornam ainda mais evidente a necessidade de preservação da natureza como condição para sua continuidade, como as tafonas de farinha, método de produção artesanal influente no desenvolvimento econômico e cultural da região, e o artesanato realizado com fibras naturais. “São bens imateriais que poderiam ser indicados para compor o PUP, pois os saberes ligados a essas produções e a rede de significados que eles abrangem estão diretamente relacionados com a natureza e sua preservação”, avalia Patrícia.

Turismo e valorização cultural

Ao conciliar aspectos culturais e naturais, o

PUP permitirá potencializar atividades turísticas na região. A visitação às tafonas e a valorização da culinária local com base na farinha, por exemplo, podem ser aproveitados no ecoturismo. Há, ainda, os vestígios de ocupações passadas no local e nas proximidades, como salienta a historiadora e Mestre em Arqueologia Gislene Monticelli, que participou do mapeamento arqueológico da região realizado pelo Curicaca durante o projeto Microcorredores Ecológicos de Itapeva, em 2003. Ela cita o antigo caminho dos índios, que atravessa o centro histórico da cidade em direção a Itapeva e pode ser explorado juntamente com as histórias de incursões dos padres de Laguna para as primeiras tentativas de catequização dos índios da região. Relatos de viajantes, depoimentos de antigos moradores e registros das pesquisas arqueológicas realizadas ali desde o início do século XX também podem ser incluídos. Gislene destaca que a possibilidade de oferecer a visitação ao sítio arqueológico, seguindo recomendação internacional para que se incentive a educação patrimonial através de museus a céu aberto, é outra peculiaridade do Parque. “Ações que promovam a exploração turística sustentável da área são um modo de despertar um sentimento de pertencimento, ao valorizar a trajetória de diferentes etnias e seu patrimônio”, enfatiza. Hoje, excluindose alguns remanescentes, a maior parte do material arqueológico encontrado ali está depositada no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da PUCRS, em uma medida preventiva para evitar depredações. Contudo, a arqueóloga observa que a visitação e preservação do sítio arqueológico no Parque podem vir a receber estímulos do Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Enfatizar as inter-relações entre comunidade e produtos e serviços oferecidos pela natureza, acredita Patrícia, evidencia a contribuição do Parque para a salvaguarda da cultura local. Krob lamenta que ainda persista um jogo de interesses, visando dividir opiniões sobre as vantagens que a efetivação do Parque pode trazer. Espera-se que o Plano de Uso Público, a ser finalizado ainda em 2012, venha para garantir os interesses coletivos e a preservação da área.


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A regularização de uma Reserva Estadual Área da Reserva Biológica Estadual Mata Paludosa tem 11 lotes em processo de aquisição Rômulo Valim

Foram iniciados este ano os procedimentos de compra de terras para regularização fundiária da Reserva Biológica Estadual Mata Paludosa, unidade de conservação de proteção integral localizada em Itati, no litoral norte do estado. Verbas provenientes de medida compensatória foram destinadas à aquisição de 11 lotes particulares existentes dentro dos limites da Reserva, postos por seus proprietários à disposição do Estado. Destes, dois foram adquiridos em janeiro e outros cinco no mês de março, totalizando 58,4 hectares regularizados. Criada em 1998, a Reserva Biológica (Rebio) protege remanescentes de florestas de planície e encosta da Mata Atlântica e ocupa uma área de 113 hectares, constituída por 34 propriedades. Passando pela mesma realidade da maioria das UCs do país, o principal desafio para sua efetivação é a consolidação territorial por meio da delimitação e incorporação das terras ao patrimônio público. A regularização fundiária e indenização das terras é costumeiramente um processo lento, que passa pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e pela Secretaria da Administração e Recursos Humanos. As principais dificuldades estão na disponibilidade de verbas e avaliadores por parte das secretarias, na mobilização dos gestores das UCs e na vontade e documentação dos proprietários. Uma medida para estabelecer as diretrizes da Rebio Mata Paludosa e acelerar seu processo de regularização foi a criação, em 2010, de seu Conselho Consultivo, integrado pelo Instituto Curicaca e pela UFRGS. Técnico ambiental (e autor da foto que ilustra esta reportagem), Rômulo

Valim era gestor da Unidade na época e destacava esta ação como prioritária. Hoje atuando no Parque de Itapeva, ele afirma que “o objetivo ainda não foi alcançado, mas foram dados os primeiros passos para facilitar os demais, que serão a compra de todas as áreas e a integração entre UC e comunidade”. A regularização fundiária é a única maneira de eliminar possíveis conflitos com a comunidade do entorno, além de permitir a realização de ações de pesquisa, proteção, educação ambiental e erradicação de espécies exóticas invasoras. Na avaliação de Valim, além de promover a aproximação entre entidades chave no processo de regularização, como

a Fepam e os Trabalhadores Rurais de Terra de Areia, o Conselho pressionou e cobrou empenho das chefias do Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas em prol da causa. As propriedades foram adquiridas por meio de recursos oriundos do processo de licenciamento do Gasoduto Bolívia-Brasil, que passa por 14 municípios gaúchos. Em forma de compensação ambiental, o empreendimento destinou R$ 750 mil à UC, dos quais cerca de 315 mil foram utilizados para a estruturação da Rebio. O restante – que, corrigido para valores atuais, chega a R$ 520 mil – foi destinado exclusivamente à compra de terras. O destino está assegurado por depósito em juízo,

fruto de acordo firmado entre o Estado do Rio Grande do Sul e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A (TBG). É este montante que está tornando possível a regularização dos 11 lotes postos à venda. Em relação às demais 23 propriedades, o Conselho Consultivo da UC abriu processo administrativo junto à Câmara Estadual de Compensação Ambiental, visando obter mais recursos. A ideia é ter o valor disponível no momento em que os proprietários manifestarem interesse em vender suas áreas e apresentarem os documentos necessários para o Governo do Estado – condição essencial para que a transação ocorra.

Oficina discute manejo sustentável do pinhão orgânico Representantes de órgãos públicos do meio ambiente e extensão rural, agricultores, pesquisadores, universidade e ONGs, entre eles a UFRGS e o Instituto Curicaca, discutiram em Porto Alegre as diretrizes para o manejo sustentável do pinhão orgânico. O encontro, no final de março, fez parte do processo liderado pelo Instituto Amigos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (IARBMA) para definir uma normativa para a coleta e comercialização do produto. Estão incluídas ainda uma oficina no Paraná e outra em São Paulo. As ideias comuns serão reunidas em documento a ser enviado ao Ministério do Meio Ambiente. As propostas que não forem consenso nos três encontros serão apontadas, mas não como diretrizes.

Em Porto Alegre, preocupou a falta de informações sistematizadas sobre a ecologia do pinhão e sua interface com o manejo da espécie. Diversos estudos já foram realizados, mas falta convergência para que subsídiem uma normativa. A situação é ainda pior no âmbito dos conhecimentos tradicionais, e a metodologia e prazos definidos pelo edital do projeto não darão conta desta demanda. Assim, apontou-se a necessidade de sistematização dos estudos, da realização de mais pesquisas e da união destas aos conhecimentos tradicionais. O encontro possibilitou a rearticulação de atores públicos e privados que trabalham com o pinhão. Em parceria com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o Curicaca discutiu a inserção do tema

manejo sustentável de produtos não madeiráveis no Seminário Sul-Brasileiro de Floresta Sustentável. Também se definiu uma ação conjunta com a Emater para o melhor conhecimento da cadeia produtiva do pinhão através da coleta de informações pelos extensionistas que atuam nos municípios gaúchos com florestas de araucária. O uso sustentável do pinhão está diretamente ligado à conservação da floresta com araucárias, espécie ameaçada de extinção, e à salvaguarda do etnoconhecimento das populações associadas à floresta. A iniciativa está alinhada com as diretrizes de atuação do Instituto Curicaca, focadas na valorização da interdependência entre natureza e cultura.


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Espaço ecolegal

Conhecimento teórico colocado em prática Espaço de construção através de esforços multidisciplinares, o Instituto Curicaca é ambiente de formação e desenvolvimento de talentos e habilidades profissionais por meio dos estágios, um dos principais eixos da vida universitária. Em nossos 15 anos de vida, recebemos estudantes de áreas diversas, como biologia, geografia, ciências sociais, direito e jornalismo, entre bolsistas, voluntários e graduandos que realizam estágio supervisionado, em convênio com a UFRGS. São estudantes que vêm diariamente acrescentar um pouco de si ao diverso todo que é esta organização do terceiro setor. E que, esperamos, voltam diariamente para casa tendo acrescentado um pouco de nosso espírito às carreiras e condutas de vida. Ao longo desta trajetória, foram várias as sementes plantadas, muitas das quais desabrocharam em lindas flores e frutos espalhados por aí. Para contar esta história, o Corredor Ecológico colheu depoimentos entre estagiários que passaram por aqui, que você confere a seguir.

Julia Witt, bióloga: ampliando visões Julia estagiou na Curicaca de 2007 a 2009, quando cursava Biologia na UFRGS. Conheceu a ONG quando participava de outro projeto no Parque Estadual de Itapeva, e uniu-se a ela pela vontade de trabalhar com Educação Ambiental. Já deu aulas na rede municipal de ensino de Porto Alegre e hoje faz mestrado em , adivinhe só... Educação Ambiental (!), na FURG, em Rio Grande.

“Trabalhar no Curicaca contribuiu para ampliar minhas visões, entrar em contato com a comunidade, compartilhar experiências, aplicar o conhecimento que vinha adquirindo na universidade. Além disso, conhecer as pessoas da ONG, aprender em conjunto e trabalhar em equipe foi uma experiência maravilhosa. No trabalho com a Educação Ambiental, também pude desenvolver e aprimorar habilidades, como a questão da mediação. E, pelo fato de a experiência ter sido fora do ‘ambiente acadêmico’, me proporcionou vivências e aprendizagens que dificilmente eu teria se tivesse atuado somente junto à universidade”. Sofia Zank, bióloga: o caminho do bem Futura Doutora em Ecologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, a bióloga Sofia entrou em contato com o Instituto Curicaca através de seu orientador na graduação em Biologia pela UFRGS. “Tínhamos o interesse de realizar atividades de educação ambiental no Parque de Itapeva e ele comentou que o pessoal de uma ONG estava iniciando atividades no local”, conta. Ela estagiou por três anos na ONG – de 2003 a 2006, como voluntária e bolsista – e ainda trabalhou mais um ano na instituição, entre 2007 e 2008, como profissional. Ela diz que foi na Curicaca que aprendeu a dar os primeiros passos em direção ao “caminho do bem”.

“Foi um grande marco na minha vida, fica difícil explicar em poucas palavras. O tempo que passei na Curicaca foi a abertura para uma atuação mais complexa e prática em nossa sociedade. Foi a oportunidade de tentar aliar o conhecimento científico ao popular, de perceber a importância das artes em qualquer processo de aprendizagem, de vivenciar a construção coletiva de projetos e atividades. De descobrir as dificuldades envolvidas na manutenção de uma ONG, na gestão de pessoas, de recursos e ao mesmo tempo a alegria e união entre os participantes que nos tornavam uma família.”

Renata Caron Vieiro, bióloga professora: cooperação e carinho

e

Foi o Programa de Educação Ambiental e Cultura da Curicaca o responsável por atrair Renata à instituição. Nele, a então estudante de Biologia da UFRGS estagiou durante um ano e meio, entre 2007 e 2008. Realizava planejamentos, organização de material e agenda para as saídas de campo com a educação ambiental. Hoje professora em uma escola de Campo Bom, procura levar aos alunos alguns dos conceitos que aprendeu durante a experiência na organização. “Sempre quis ter experiência com a Educação Ambiental, e a Curicaca me

mostrou o que agora tento inserir em minhas aulas. O mais marcante foi o grupo de trabalho. Apesar dos problemas que surgem, a equipe sempre é muito unida e busca se ajudar no que é possível. É um ambiente de extrema cooperação e carinho.” Patrícia Kunt, bióloga: novas formas de sensibilizar A bióloga e futura Técnica em Meio Ambiente Patrícia Kunt estagiou durante um ano e meio com a Curicaca, como voluntária e dentro do projeto de Conservação da Natureza no Refúgio Banhado dos Pachecos (Viamão/RS), entre 2011 e 2012. Hoje, atua em uma empresa que realiza consultoria ambiental no setor de gerenciamento de resíduos e guarda na lembrança – e no currículo – a experiência na Instituição, da qual não se desligou.

“Foi ótimo. Trabalhei com pessoas de diversos cursos (agronomia, artes plásticas, jornalismo...) e também de diferentes ênfases dentro da biologia (especialistas em zoologia, microbiologia, botânica, educação ambiental, etc.). Esta experiência foi muito enriquecedora, tanto pela troca de conhecimentos e experiências quanto pela realização do trabalho em equipe. Este último foi um dos pontos onde percebi que tive uma grande evolução, pois no trabalho em equipe aprendi a compartilhar as dificuldades e buscar soluções em conjunto.” Joyce Copstein, jornalista: trabalhando no que acredita Joyce fez na Curicaca seu primeiro estágio em jornalismo fora da faculdade, entre 2007 e 2008. Durante o período, colaborou no desenvolvimento de diversas ferramentas de comunicação do Instituto, como releases, site, newsletter e este jornal que você está lendo agora, já em sua sexta edição. Hoje, ela se divide entre o emprego em uma rádio local e o trabalho voluntário na Curicaca, satisfeita em saber que a engrenagem da comunicação evoluiu e continua firme.

“Devo muito a este tempo, tanto que não desgrudei da ONG e aqui estou, produzindo este jornal. É fundamental ter uma atividade onde podemos empregar nossos esforços, conhecimentos e habilidades e saber que somos parte de uma mudança concreta, que estamos preparando uma sociedade mais viva e compreensiva para nossos filhos e para nós mesmos. Do ponto de vista pessoal, fiz muitos amigos, conheci lugares novos, cresci como ser humano e aprendi a colaborar para desenvolver.”


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Áreas naturais do Professor Baptista Estímulo à conservação, pesquisa e educação Foi nos anos 1970 que o professor Luís Baptista percebeu que precisaria tomar uma atitude para preservar as áreas naturais que conhecera nas saídas a campo durante a graduação em História Natural, concluída uma década antes. Impressionado com a riqueza biológica e a relevância ecológica daqueles remanescentes de Mata Atlântica – que, no Brasil, chegam hoje a meros 7% da formação original –, o biólogo já tinha em si o desejo de preservar. Vontade que teve o gatilho acionado pelo alerta de um colega: “Baptista, trata de comprar essas terras, porque estão derrubando”. Dito e feito: assim começa a história de duas importantes áreas no Litoral Norte gaúcho, destino certo de estudantes e pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Uma delas situa-se no município de Torres, junto à Estrada do Mar, e protege uma pequena área de butiazais da espécie Butia catarinensis, de distribuição restrita e ameaçada de extinção. A área foi incorporada ao Parque Estadual de Itapeva em 2002, mas ainda pertence ao Professor, que, como a maioria dos proprietários locais, aguarda a regularização fundiária por parte do Estado. A outra área fica a 12 km dali, em Dom Pedro de Alcântara, e é considerada cartão de visitas ambiental e espécie de pórtico natural do município. Conhecida na região como Mata da Cova Funda, abriga um dos últimos remanescentes de floresta ombrófila densa de terras baixas no estado, onde são feitos diversos estudos em ecologia, regeneração natural e fauna. Parte da propriedade constitui a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Professor Baptista, criada em 2008 com o auxílio do Instituto Curicaca (veja box ao lado). Além de assegurar que as áreas permaneceriam intactas e conservadas, o naturalista também queria garantir que outros estudantes e pesquisadores continuassem tendo a oportunidade de aprender e promover a conservação da vegetação e dos ecossistemas associados naqueles locais. “Assumi um papel que não é exclusivamente meu: é de todos”, lembra. Despertar o interesse alheio, não só em função dos serviços ambientais prestados por essas áreas, mas pela diversidade de informação, formas e aspectos da vida que estão ali pode parecer utópico, mas, para o Professor Baptista, a base de tudo está na compreensão.

O “Professor”

Orientador no Programa de Pós-Graduação em Botânica da UFRGS há quatro décadas, Luís Baptista é Doutor na mesma área. Tem contribuído desde a década de 70 para a definição e localização de áreas de Unidades de Conservação (UCs) no estado e ainda hoje segue na luta pela defesa e proteção dos diferentes biomas. Em 1994, participou da criação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA). Por essas e outras, Baptista é admirado por exalunos e colegas de profissão. “Toda a minha geração conhece seu envolvimento e empenho individual para proteger a natureza, e muitos que conviveram com ele em sala de aula o veem como exemplo”, destaca Andreas Kindel, biólogo e docente da

UFRGS. Este empenho é um dos maiores diferenciais do professor Baptista. “Já ouvi de várias pessoas que é importante minha atitude de comprar as áreas para manter sua integridade, mas essas pessoas não sentem que esse papel seja também delas”, reflete. “Não se pode ficar apenas olhando a biodiversidade ser destruída. A natureza é maravilhosa, e isso é motivo suficiente para preservá-la”, continua. Para ele, as pessoas também são responsáveis e devem se sentir assim, seja de forma individual ou coletiva, por meio de associações que promovam a compra e gestão de áreas pequenas, como as dele, que o Estado não consegue gerir. Neste processo, compreensão, respeito e estímulo por parte do Estado são conceitos chave para que as pessoas queiram preservar a beleza dos ecossistemas

Além de estudantes e pesquisadores oriundos das Universidades, o Instituto Curicaca também desenvolve projetos e atividades de educação ambiental na RPPN Mata do Professor Promoção do conhecimento

Todo semestre, estudantes e profissionais de biologia saem a campo para estar em contato direto com seus objetos de estudo em áreas naturais. Na Graduação da UFRGS, disciplinas como Botânica, Biologia da Conservação e Trabalho de Campo têm essa exigência. As áreas do professor Baptista são fonte permanente para pesquisa e promoção do conhecimento, como destaca o professor Andreas Kindel: “a Mata do Professor se tornou um importante local de visitação por alunos e professores de várias universidades gaúchas, e lá já foram desenvolvidas inúmeras atividades e dissertações”. Kindel revela ainda que, graças à sua biodiversidade e raridade, a área pôde propiciar a primeira experiência com mata atlântica a muitos botânicos profissionais do estado, além de ser local de registro de diversas espécies de plantas. Para o futuro, o Professor Baptista ainda nutre

muitas expectativas com relação ao uso da área para pesquisa cientifica, considerando sua capacidade de suporte. “Temos muito conhecimento sobre a botânica local. A fauna precisa ser mais estudada, mas aos poucos e devagar, porque o interesse é conservar”, argumenta o Professor. As histórias do Professor Baptista e do Instituto Curicaca se cruzam no início dos anos 2000, no âmbito da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. A aproximação se fortalece em 2006, quando surge a intenção de criar em conjunto uma RPPN na Mata do Professor, processo concluído em 2008. A relação continua através das atividades de educação ambiental realizadas na propriedade, dentro do Projeto Microcorredores Ecológicos de Itapeva, e do projeto Mosaico Porta de Torres (saiba mais na página 3), do qual fazem parte os fragmentos de Mata Atlântica que a RPPN possui. Em Torres, a pesquisa que Curicaca e Centro de Ecologia da UFRGS desenvolvem sobre ecologia dos butiazais e manejo de folhas do butiá, dentro do Programa de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais do Litoral Norte, inclui a área do professor Baptista. O local, que também está inserido no Projeto Microcorredores, já foi cenário para outras atividades de campo e educação ambiental, como o Curso de Formação de Educadores Ambientais, promovido em 2005 entre professores do município.


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Butiazais do litoral norte: rumo à conservação Publicação do plano de conservação é celebrada, mas ecossistema ainda corre risco de extinção catarinensis - são muitos, e, por este motivo, a abordagem do trabalho terá de ser complexa. Além das interações ecológicas com fauna e flora da região, existe uma cultura associada ao butiá, que permite a cerca de 30 famílias tirarem seu sustento por meio do artesanato com as folhas da palmeira. Krob aponta fatores fundamentais a serem pensados. Um deles, segundo o agrônomo, é a análise da normativa técnica feita para a samambaia-preta, que já passou por situação semelhante: “Esta normativa deve servir como parâmetro para que se averiguem as dificuldades que podem ser superadas para o cadastramento das pessoas que trabalham com a folha do butiá”. É que, apesar da normativa regular o manejo da samambaia desde 2006, ainda não há nenhum extrativista da planta cadastrado na Secretaria. Outro fator é o financeiro. “É necessário que sejam abertas as ‘caixas pretas’ dos fundos de meio ambiente do estado para que haja recursos para a execução desta e outras iniciativas relacionadas aos produtos não maderáveis”, lembra Krob. Hoje, são apenas 53 remanescentes de butiazais dispersos no litoral. A principal preocupação dos especialistas é de que, sozinho, o ecossistema não consiga se recuperar, pois o atual estado de fragmentação praticamente inviabiliza o fluxo gênico – ou seja, a troca genética entre a espécie – e o repovoamento natural, mesmo removidas as causas de degradação. Está aí, segundo Krob, a necessidade de implantação imediata do plano.

Serão necessárias 73 diferentes ações para garantir a sobrevivência do butiazal, importante ecossistema existente no litoral do Rio Grande do Sul ameaçado de extinção em todo o estado. É o que aponta o Plano de Conservação e Uso dos Butiazais no Litoral Norte Gaúcho, documento pronto para ser publicado depois de mais de oito anos de convívio e pesquisas na região. O trabalho contém ainda um diagnóstico da atual situação do butiazal e o planejamento para sua preservação e do patrimônio cultural imaterial a ele associado. A semente do Plano nasceu em 2003, quando Curicaca e o Centro de Ecologia da UFRGS iniciaram o programa de Conservação e Uso Sustentável de Butiazais no Litoral Norte gaúcho. Para colocá-lo em prática, diversos órgãos e instituições deverão se envolver. “Caso isso não ocorra, esse ecossistema estará extinto em menos de duas décadas na região entre a Lagoa dos Quadros e o rio Mampituba”, alerta Alexandre Krob, coordenador do Programa. Técnicos da Divisão de Licenciamento Florestal do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, já se comprometeram a estabelecer a melhor forma operacional para garantir o manejo das folhas de butiá por meio de uma normativa, que regulamenta como deve ser feita a extração da folha e também quem pode fazê-la. Os fatores envolvidos na realidade dos butiazais - onde predomina o Butia

Confira abaixo algumas das ações prioritárias apontadas no Plano. Acesse o arquivo completo em www.curicaca.org.br. Ações

Responsáveis

Elaborar e publicar normativa para o manejo sustentável e comercialização do artesanato com folhas Elaborar e implantar projeto de restauração para a área dos microcorredores ecológicos de Itapeva Promover junto ao Ministério do Meio Ambiente edital para a cadeia produtiva do butiazeiro

Defap, Curicaca Curicaca, Defap, MPE, FZB, Fepagro Sema, Curicaca, Ufrgs

Dar continuidade às pesquisas de manejo sustentável de folha e fruto dos butiazais

Ufrgs, Fepagro, Embrapa, Fzb

Incluir nos planos ambientais dos municípios os remanescentes como zona especial para conservação Publicar e distribuir o plano de uso e conservação dos butiazais Criar um GT de implantação do Plano de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais Realizar ações conjuntas de sensibilização de proprietários rurais e periurbanos para importância de conservação e uso sustentável dos remanescentes Publicar material informativo sobre a situação dos butiazais para ser distribuído na comunidade

Prefeituras municipais Curicaca, Ufrgs Curicaca Curicaca, Prefeituras municipais, Sindicatos, Emater e demais parceiros Emater, Curicaca, Ufrgs, Prefeituras municipais SindRural, Prefeituras municipais, Defap, Comando Ambiental da Brigada Militar

Cadastrar os proprietários das áreas com remanescentes mapeados Disponibilizar aos órgãos de controle e fiscalização o mapa dos remanescentes

Curicaca


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Ponto de Vista

O movimento ambientalista hoje* Por Mario Mantovani Diretor de Mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica

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os anos 80, o ambientalismo teve uma explosão de ONGs, e depois decaiu absurdamente. Chegou ao ponto de não ter mais capacidade de mobilização, ao contrário de outros movimentos como o da defesa dos animais e as questões de raça e gênero, que cresceram. Nunca fomos multidões, mas fizemos muito barulho e talvez tenhamos ficado cansados. Atraímos muitas pessoas apenas quando se trata de uma crise aguda e sabemos que a conscientização não é linear – tem seus momentos e picos e pode nascer de um susto, como a questão climática, ou se formar naturalmente. Nosso posicionamento contrário a tudo também pode ter motivado o

declínio das mobilizações. Éramos tidos como românticos e começamos a incomodar do ponto de vista econômico. Normalmente, um ambientalista quer impedir um empreendimento econômico gigantesco. Vamos ter que aprender a renovar e reinventar o jeito de falar com a sociedade. É importante estarmos atentos aos sinais. É isso que faz o movimento pensar. Precisamos transformá-los em ações concretas, como se fossem tijolos. Estamos construindo. Algumas vezes avançamos; outras, estamos cansados. Mas não se perde o projeto, a ideia de sociedade que queremos, e a cada momento vamos incorporando novas ferramentas. A internet é muito boa, mas pode acabar desmobilizando. Tem que sair à luta! Ficar na internet curtindo ou

compartilhando matérias não é o jeito de fazer mobilização. Na mobilização, você tem que ir à frente. Às vezes fico preocupado, quando vejo pessoas tão “quero salvar o mundo”, mas que não fazem coleta seletiva em casa. Se eu curto, mas não tenho práticas ambientais nem atenção ao meu consumo, realmente estou fazendo besteira. Você tem que colocar isso na sua comunidade, amigos, organização, sindicato ou clube. É como jogar pedra na água: os ciclos vão se ampliando. A internet já começou no ciclo longo, então não há como diminuir. Não existe a figura de quem começou. Eu conquistei meu cachorro, minha mãe e depois minha namorada. O cara às vezes consegue falar com o mundo, mas não fala com o cachorro dele. Você pode pensar globalmente,

mas deve ter uma ação local. Essa é a máxima para o movimento ambiental. * Texto redigido a partir de entrevista concedida ao Corredor Ecológico durante o Fórum Social Temático de 2012.

Procervo em busca de apoio financeiro José Maurício Barbanti

Iniciado em 2010, o Programa de Conservação do Cervo do Pantanal no Rio Grande do Sul (Procervo) está em busca de potenciais apoiadores para acelerar suas ações. Depois das oficinas e dos encontros técnicos realizados no último ano, estão sendo intensificadas atividades de campo para conhecer melhor a situação da população relictual, a última população da espécie existente na área. A primeira etapa de entrevistas com os moradores das proximidades do Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, onde foi registrada a maioria das ocorrências do mamífero, já foi concluídas. O Instituto Curicaca tem atuado como catalizador de cooperações para diagnosticar a situação dos últimos indivíduos da espécie no estado e propor medidas para sua conservação. Atualmente, conta com a parceria institucional de entidades como a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o Centro de Ecologia da UFRGS e o IBAMA. Porém, por ser uma iniciativa nova, ainda não possui suporte financeiro, o que resulta em uma baixa eficácia e no alargamento dos prazos definidos para o cumprimento das metas. Um problema, quando se trata da urgência de compreender e salvar uma espécie criticamente ameaçada no estado. Além de órgãos públicos, o Curicaca busca sensibilizar entidades privadas que se interessem no projeto para cumprir suas metas de responsabilidade ambiental. “O cervo é uma espécie importante e carismática, que funciona como guarda-chuva para serviços ambientais que dão qualidade de vida às comunidades. Investir nele é investir na proteção da água, no equilíbrio climático e na sustentabilidade”,

lembra Alexandre Krob, coordenador técnico do Curicaca. A atuação pela proteção do animal e pela conservação de seus ambientes em áreas não protegidas requer uma dedicação de médio e longo prazo que se fragiliza ao depender apenas de editais públicos para projetos, esporádicos e limitados. “É necessário um aporte contínuo para a reversão gradativa do quadro, e há empresas sérias e responsáveis que poderiam adotar essa espécie no Rio Grande do Sul”, complementa Krob. O Instituto Curicaca trabalha com recursos próprios e conta com a parceria de profissionais dedicados à conservação do meio ambiente enquanto procura por diferentes apoios financeiros. Apesar das dificuldades, o Procervo está em andamento e conta também com o apoio da população local. “O projeto vem se consolidando principalmente na visão das pessoas próximas, dos moradores do entorno do Refúgio e dos gestores que nos procuram para trazer novas informações sobre o cervo”, afirma Simone Ximenes, bióloga do Instituto Curicaca. As entrevistas realizadas nas comunidades ajudaram a identificar onde o cervo tem sido visto e como tem se comportado em diferentes ambientes, e também a ampliar o número de pessoas preocupadas com a sua conservação. Outra iniciativa em curso é o mapeamento da área para implantação de corredores ecológicos que possam permitir o deslocamento do cervo entre o Refúgio e outros remanescentes de seu habitat natural, o que estará associado à definição de metas emergenciais para evitar o desaparecimento da espécie.


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A vida depois das hidrelétricas Pesquisadores da UFRGS investigam a eficácia do resgate de fauna, procedimento obrigatório em qualquer empreendimento hidrelétrico A Eletrobrás divulgou em 2011 que 80% da energia elétrica consumida no Brasil é originada em usinas hidrelétricas (UHEs). Atualmente, mais de 900 delas funcionam em território nacional. Apesar da longa experiência do país nesse meio de geração de energia, há questionamentos em relação a um dos procedimentos indispensáveis para a construção de qualquer empreendimento hidrelétrico: o resgate de fauna, que ainda não teve sua eficácia comprovada.

Os animais perdem o habitat devido ao alagamento da área. Primeiro ocorre o resgate brando, quando os animais saem naturalmente. Em seguida, os demais são retirados através da intervenção humana. Pressupõe-se que a fauna seja afugentada no resgate brando, mas os monitoramentos não têm demonstrado que isso realmente aconteça. Os animais resgatados são reabilitados e soltos em áreas próximas à represa, mas os impactos desta soltura ainda não são conhecidos. Com anseio de investigar como funciona o procedimento, um grupo de alunos da UFRGS, coordenados pelo professor Andreas Kindel, criou em 2010 o projeto Resgate de Fauna em Empreendimentos Hidrelétricos, desenvolvido pelo Programa de Educação Tutorial (PET) do Instituto de Biociências da Universidade. Kindel, que é professor do Centro de Ecologia da UFRGS, explica a escolha do tema: “O conflito entre ambiente e produção de energia é um dos mais polêmicos atualmente, e o resgate é onde o biólogo atua mais

fortemente e um dos aspectos mais divulgados pela mídia para os leigos”. O PET tem o objetivo de promover o aperfeiçoamento dos documentos técnicos que orientam o regaste de fauna para as futuras instalações hidrelétricas do estado. Para isso, o próximo passo é a análise dos termos de referência sobre o resgate existentes no RS e em outros estados brasileiros. Com o levantamento desses dados, em maio será realizada uma oficina para formular um documento mais próximo à realidade do licenciamento, integrando pesquisadores e técnicos dos órgãos licenciadores e das empresas de consultoria. O objetivo é detalhar a metodologia, a fim de tentar padronizar a elaboração do diagnóstico feito para avaliar a viabilidade do empreendimento hidrelétrico. Também se pretende aperfeiçoar a metodologia de aplicação do resgate de fauna e do monitoramento dos animais após o procedimento, permitindo análises comparativas e integradas. O projeto conta também com a parceria do Instituto Curicaca desde outubro de 2011. A intenção é extrapolar os muros da universidade e atingir técnicos licenciadores dos empreendimentos hidrelétricos e empresas envolvidas. Para isso, o principal desafio é incorporar os resultados das discussões e pesquisas acadêmicas no termo de referência para o resgate de fauna. Neste sentido, a ONG traz a experiência em converter conhecimentos técnicos em mudanças nas políticas públicas, agregando mais força aos objetivos desse projeto. “É uma forma de garantir que perguntas relevantes serão feitas e as respostas, ao serem encontradas, resultarão em ações concretas”, ressalta Kindel.

Interesse dos alunos

A graduanda em biologia na UFRGS e participante do PET Paula Pinheiro explica que o que a interessou na iniciativa foi a possibilidade de conhecer o funcionamento dos órgãos ambientais. “Pude ver que o país tem espaço para crescer e melhorar suas opções energéticas, e que o sofrimento de toda a fauna e flora não se justifica pela geração de energia, já que temos outras fontes para optar. A fauna deve ser respeitada pura e simplesmente por seu direito de viver”, defende. Também graduanda em biologia,

Karine Costa diz que entrou no projeto por ver nele uma oportunidade para avaliar a efetividade dos métodos usados nos programas de resgate de fauna. “É importante refletir sobre, e avaliar a efetividade de métodos consolidados, pois muitas vezes eles são inadequados e pouco efetivos”, aponta.

Resultados e questionamentos A avaliação do grupo do PET é preocupante. A partir do estudo das hidrelétricas de 14 de Julho, Barra Grande, Castro Alves, Monjolinho e Monte Claro, no Rio Grande do Sul, constatou-se que os resgates de fauna não geraram informação de relevância para a tomada de decisão sobre futuros licenciamentos e também não mitigaram os impactos ambientais das construções. Em nenhum desses empreendimentos há conhecimento sobre o que acontece com a fauna resgatada após a soltura, nem o que ocorre com a fauna receptora ao entrar em contato com os animais resgatados. Um dos apontamentos da pesquisa

é que a execução do resgate de fauna sem estudo aprofundado, feito antes do procedimento, pode gerar novos impactos. Muitas vezes, animais são relocados em áreas que já não conseguem abrigar mais indivíduos, e isso gera disputa com a fauna receptora, desequilibrando as populações já estabelecidas. Já em relação ao processo de licenciamento, há a necessidade de saber se o diagnóstico para avaliar a viabilidade do empreendimento fornece informações relevantes à tomada de decisão. Uma das urgências apontadas pelos técnicos licenciadores é a do aperfeiçoamento dos termos de referência, sugerindo metodologias mais adequadas tanto para o diagnóstico quanto para o monitoramento. Às vezes fica difícil saber o que é prioritário, pois não se tem certeza sobre quais animais existem na região do empreendimento devido às insuficiências dos diagnósticos. A importância do estudo é evidente, e, segundo Kindel, não foi encontrado na literatura nacional e internacional nenhum trabalho dedicado especificamente ao tema. Questionamentos não faltam.


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