A Mente Zen-escritos de um mestre de espada a um mestre zen e outras estórias

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Título A Mente Zen Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada e outras estórias Título Original The Unfettered Mind

Writings of the Zen Master to the Sword Master

Tradução e Coordenação Eduardo Amarante e Dulce Leal Abalada Revisão Isabel Nunes Grafismo, Paginação e Arte final Div'Almeida Atelier Gráfico www.divalmeida.com Design da capa Div'Almeida Atelier Gráfico www.divalmeida.com Impressão e Acabamento Espaço Gráfico, Lda. www.espacografico.pt Distribuição CESODILIVROS Grupo Coimbra Editora, SA comercial.cbr@cesodilivros.pt 1ª edição

Abril 2011

ISBN 978-989-8447-14-2 Depósito Legal nº 324884/11 ©Apeiron Edições Reservados todos os direitos de reprodução, total ou parcial, por qualquer meio, seja mecânico, electrónico ou fotográfico sem a prévia autorização do editor.

Projecto Apeiron, Lda. www.projectoapeiron.blogspot.com apeiron.edicoes@gmail.com Portimão Algarve


Takuan Soho

A MENTE

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A Mente Zen Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada e outras estórias

ÍNDICE Prefácio

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Parte I O MISTÉRIO DO CAMINHO ZEN (Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada) - CAPÍTULO I O Registo misterioso da Sabedoria Imóvel (de Takuan Soho para Yagyu Munenori) 1. A aflição de permanecer na ignorância 2. A sabedoria imóvel de todos os Budas 3. O intervalo onde nem um fio de cabelo cabe 4. A acção da faísca e da pedra 5. Onde colocar a Mente 6. A Mente Recta e a Mente Confusa 7. A Mente da Mente Existente e a Mente da Não-Mente 8. Lança o cantil à água, empurra-o para baixo e ele vai girar 9. Engendrar a Mente sem ponto de permanência 10. Procura a Mente perdida 11. Atira uma bola na correnteza e ela não vai parar 12. Corta o que liga o Antes e o Depois 13. A água chamusca o céu de fogo lavando as nuvens

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- CAPÍTULO II O Som Claro das Jóias (de Takuan Soho)

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- CAPÍTULO III Anais da Espada Taia (de Takuan Soho para Yagyu Munenori)

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Parte II ENSINAMENTOS PRÁTICOS DAS ESTÓRIAS ZEN A Estrada Lamacenta Um Simples Ensinamento O Certo e o Errado A Hora de Morrer Uma Chávena de Chá Nas Mãos do Destino A Atenção A Focalização A Meditação e os Macacos O Maior Desejo A Essência A Natureza e a Mente Zen (inclui Koan) O Aperfeiçoamento Ser Homem ou Ser Mulher O que é a Mente? (inclui Koan) Sobre a Perfeição Não Ouso Dizer A Analogia da Carroça O Tao e o Mundo A Capacidade de Discernir O Efémero O Problema

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A Mente Zen Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada e outras estórias

PREFÁCIO

A Mente Zen – Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada poderia levar-nos, imediatamente, a uma pergunta: – O que é o Zen e o que é que ensina? Um Mestre Zen responderia: – O Zen nada ensina. Todo e qualquer ensinamento que exista no Zen vem da nossa própria mente. Somos nós que nos ensinamos a nós próprios. O Zen apenas indica o caminho. Nada há no Zen que se assemelhe a uma doutrina, a um dogma ou mesmo a uma filosofia. A utilidade do Zen consiste, fundamentalmente, em esvaziar o intelecto de toda a maya (ilusão) nele acumulada, para dar lugar ao Real, ao Imperecível. O Zen não pode ser transmitido por palavras. Daí todas as respostas dadas pelos Mestres serem desconcertantes. A Verdade surge numa mente apaziguada, vazia, liberta de preconceitos, por impacto, sem o filtro dualista do intelecto. Exemplo da transmissão da mais elevada Sabedoria foi o sermão dado por Buda aos seus discípulos, próximo de um lago no Monte Gridhrakuta. Enquanto os discípulos se reuniam ali para ouvi-Lo, Buda contemplou um lótus dourado que florescia na água lamacenta. Segurou a planta por inteiro – flor, caule e raiz – e elevou-a bem alto para que todos os devotos a vissem. Ficou assim por bastante tempo, sem dizer nada, perante uma assistência perplexa. De repente, o seu discípulo Mahakashyapa sorriu. Ele entendeu! O que é que entendeu? Qual a mensagem que o Senhor Buda passou para Mahakashyapa? Sabemos que a raiz, o caule e a flor do Lótus representam os três mundos: Submundo, Terra e Céu. Quereria Siddartha Gautama, o Buda, dizer que alcançou o domínio sobre as três dimensões, as três esferas, os três mundos? Ou estaria a indicar a base (raiz), coluna (caule) e a coroa (flor) do Lótus de Mil Pétalas do sistema Chakra Yoga e que, ao erguer a

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planta, estava a recomendar aquela disciplina. Ou estaria a anunciar o Senhor Maitreya, o Nascido do Lótus, segurando o Lótus, o próximo Buddha? Seja como for, daquele dia em diante, Mahakashyapa foi o sucessor de Buda. No Zen só temos a certeza de uma coisa: que a Iluminação toma-se de assalto. Não depende do desejo e ainda menos do intelecto. Estes últimos são obstáculos que, enquanto não forem superados, impedirão a conquista da Libertação. O Mestre Lao Zi ensinou-nos que a ponte para o Nirvana não é feita de frases, ao escrever: “O Tao do qual se pode falar não é o Tao sobre o qual queremos falar.” Assim pois, O Buda falou… em silêncio. Talvez tenha dito: 1 “Da lama de Samsara o Lótus cresce puro e imaculado. Transcende a consciência do ego! Sê uno com a flor!” Para ouvir a voz do silêncio há que remover o caos da mente e encontrar a quietude dentro de nós. Estes escritos de um Mestre Zen a um Mestre da Espada, que compõem a presente obra, reportam-nos para a íntima relação que os japoneses estabeleceram entre a espada e o espírito, sendo que a espada se destaca como um instrumento de vida e de morte, de pureza e de honra. E é, precisamente, à casta dos samurais, empunhando numa mão a espada e na outra a verdade espiritual, que o Japão deve a maior parte dos seus valores atemporais. O autor, Takuan Soho, nasceu em 1573 na aldeia de Izushi, província de Tajima, no seio de uma família de samurais. Aos 14 anos de idade ingressou na escola Rinzai do Budismo Zen. E apenas com 35 anos – facto sem precedentes – tornou-se abade de Daitokuji, o grande templo Zen de Kyoto. Destacou-se como mestre Zen, calígrafo, pintor, poeta, jardineiro e mestre do chá. A sua obra escrita é prodigiosa e, 1

A Roda dos Renascimentos.

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ainda hoje, revela-se uma fonte de inspiração para o povo japonês. A sua vida pode ser resumida nesta sua frase: “Se seguires o mundo presente, darás costas ao Caminho; se não quiseres dar costas ao Caminho, não sigas o mundo.” Conta-se que Takuan Soho procurou incutir o espírito Zen em todos os aspectos da vida que lhe despertavam a atenção, tais como a poesia, a caligrafia, a jardinagem, as artes em geral… nelas incluindo a arte da espada. Ao viver nos derradeiros dias da violenta guerra feudal que culminou na batalha de Sekigahara, em 1600, Takuan conviveu de perto não apenas com a paz que acompanhavam o artista e o mestre de chá, mas também com as contendas que marcavam a vida dos guerreiros. Entre estes havia o seu amigo Yagyu 2 Munenori, mestre de duas gerações de xoguns , através do qual Takuan se dirigiu aos guerreiros da sua época. Dos três textos incluídos nesta edição, dois foram escritos em forma de epístolas:  Fudochishinmyoroku, “O Registo Misterioso da Sabedoria Imóvel”, escrito para Yagyu Munenori;  E Taiaki, “Anais da Espada Taia”, escrito para Munenori ou talvez para Ano Tadaaki, chefe da escola de esgrima Itto e também instrutor oficial da família e da corte do xogum. No seu conjunto, os três textos são dirigidos à casta dos samurais, e todos eles procuram unir o espírito do Zen ao espírito da espada. Os conselhos dados compreendem os aspectos práticos, técnicos e filosóficos do conflito. Em linhas gerais, e sob o ponto de vista individual, pode dizer-se que Fudochishinmyoroku trata não apenas da técnica, mas do modo pelo qual o eu se relaciona com o Eu (Ínti2 O termo shogun (em japonês “comandante do exército”), em português xogum, foi um título e distinção militar usado antigamente no Japão e era concedido directamente pelo Imperador.

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mo) durante o conflito, e como o indivíduo pode vir a ser um todo unificado; Taiaki, por outro lado, tem por intuito abordar os aspectos mais psicológicos do relacionamento entre o Eu e o Outro; entre os dois, Reiroshu, “O Som Claro das Jóias”, refere-se à natureza fundamental do ser humano: de como um samurai – ou, aliás, qualquer pessoa – pode conhecer a diferença entre a justiça e o egoísmo e compreender a questão básica de como e quando morrer. Os três textos fazem com que o indivíduo se volte para o conhecimento de si próprio e, assim, para a arte de viver. A esgrima, como mera expressão de uma técnica, e o Zen meditativo já existiam há séculos no Japão. O Zen estabelecera-se firmemente nos finais do século XII. Com Takuan ambos chegaram a uma verdadeira união, e os seus escritos e opiniões sobre a espada tiveram uma influência extraordinária no rumo que a arte japonesa da esgrima tomou desde então até aos dias de hoje. Ao assinalar a união entre o Zen e a espada, a obra de Takuan teve uma profunda influência entre os grandes mestres do século XVI, entre os quais Miyamoto Musashi. Para Takuan, o fim do Caminho não era a morte e a extinção, mas a Iluminação e a salvação. Momentos antes de morrer, Takuan escreveu o ideograma chinês Yume (“sonho”), pousou o pincel sobre a mesa e expirou. Eduardo Amarante Director Editorial

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Antes de entendermos o Zen, as montanhas e os rios são montanhas e rios; Ao esforçarmo-nos para entender o Zen, as montanhas e os rios deixam de ser montanhas e rios; Quando, finalmente entendemos o Zen, as montanhas e os rios voltam a ser montanhas e rios.





A Mente Zen Escritos de um Mestre Zen a um Mestre de Espada e outras estórias

CAPÍTULO I

O REGISTO MISTERIOSO DA SABEDORIA IMÓVEL (Fudochishinmyoroku) – de Takuan Soho para Yagyu Munenori – 1. A aflição de permanecer na ignorância O termo ignorância significa ausência de Iluminação, isto é, a ilusão. Lugar de repouso significa o lugar onde a mente se fixa. Diz-se que na prática do Budismo existem 52 estágios e, de entre eles, o lugar onde a mente se fixa é chamado o ponto de permanência. Permanecer significa fixar-se, e este termo indica que a mente está presa por algum tipo de matéria, de qualquer tipo. Na arte marcial quando percebes que a espada vem sobre ti e pensares enfrentá-la, a tua mente fixar-se-á na espada na posição em que está, então os teus movimentos perder-se-ão e tu serás atingido pelo teu oponente. É isso que significa fixar-se. Quando vires a espada na tua direcção, se a tua mente não for aplacada por ela e não te ajustares ao ritmo da espada que avança; se não pensares em abater o oponente e eliminares em ti todo o pensamento ou julgamento; se, no instante em que vires o golpe da espada, a tua mente não estiver minimamente aquietada e avançares e arrancares do

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