A etnografia multi-situada como percurso de imersão na práticas produtivas e discursivas do carimbó urbano Daniel da Rocha Leite Junior1 Resumo Este artigo tem a proposta de compreender as múltiplas redes de relação e formas do fazer cultural, a partir da etnografia multi-situada de Marcus (1995) em convergência com o conceito de interpretação das culturas de Geertz (1978) para observar quais signos foram ressignificados através das mudanças resultantes do carimbó produzido na região metropolitana de Belém-Pará, no âmbito discursivo e das práticas de produção, em contraponto aos elementos que compõem o carimbó patrimonializado ou pau e corda ou tradicional. Palavras-chave: carimbó – urbano – patrimonialização – etnografia multi-situada 1. Introdução. Investigar as manifestações da cultura popular, como o carimbó do Estado do Pará, é imergir num processo de dinamismo, onde encontraremos diversos agentes sociais e culturais em intercâmbio, transitando entre conceitos de oposição, agregação e inclusão dentro dos âmbitos das práticas de produção e discursivas que articulam interesses e sentidos por meio de fenômenos de sociabilidade que atualizam ou fazem a manutenção de uma experiência de tradição cultural e que promovem conflitos que se inter-relacionam com estruturas de produção da sociedade contemporânea. Para começar a imersão da pesquisa, é necessário pontuar o contexto da Amazônia como lugar a margem dos grandes centros culturais do Brasil, segundo aponta Paes Loureiro (2001) ao avaliar o reconhecimento da resistência cultural que o imaginário da identidade amazônico paraense ocupa no quadro da cultura nacional. “O isolamento que recobria a Amazônia com o manto do mistério, distância a intemporalidade, que a impedia de intercambiar seus bens culturais, contribuiu para que se acentuasse sobre ela uma visão folclorizante e primitivista”. (PAES LOUREIRO, 2001, pg. 55)
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Graduado em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade da Amazônia (Unama) com pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura pela Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, é mestrando no Programa de Pesquisa em de Pós-graduação em Comunicação , Cultura e Amazônia (PPGCom) da Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA).
Assinalo, também, outro apontamento segundo Castro (2013) sobre a folclorização da cultura amazônico paraense no séc. XX com relação ao enrijecimento das referências da identidade cultural, a partir de uma matriz icônica e vinculada a noção do conceito de caboclo que agrega elementos de fetichização e exotização ao ambiente amazônico dentro do imaginário brasileiro. Esse discurso é carregado por matrizes icônicas, ou seja, por referenciais de fácil e superficial identificação, normalmente associados a uma fetichização do espaço amazônico. (CASTRO, 2013, pg. 451)
É necessário pontuar que o processo de patrimonialização do carimbó aconteceu durante a produção de uma nova política nacional de cultura promovida pelo Ministério da Cultura (MinC), no caso específico no período de 2003 até 2007 na gestão de Gilberto Gil, no mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e durante essa gestão foi desenvolvido uma política nacional construída por meio do reconhecimento do caráter participativo da cultura. Desta forma, foi estimulada uma intensa circulação de representantes de manifestações culturais por todo território nacional, promovendo, portanto, um ambiente propício para o intercâmbio cultural, a partir de conferências, audiências públicas, reuniões, encontros, conselhos e outras formas de organização e gestão sociocultural que resultou em uma acentuada reconfiguração do contexto de militância cultural no Brasil no âmbito das manifestações da cultura popular. É importante ressaltar, segundo Alves (2011), que o Brasil neste período em concordância com as diretrizes discursivas desenvolvidas para a cultura popular na esfera internacional e adaptadas para o contexto brasileiro possibilitou que as manifestações culturais do país se distanciassem da característica de folclore para assumir um caráter participativo e, posteriormente, alcançassem o domínio de patrimônio imaterial por meio dos instrumentos de salvaguarda dessa nova política nacional que se instalava no território brasileiro. Nesse contexto, a noção de pertencimento sobre as manifestações culturais segundo Agier (2001) passa pela criação de novas retóricas identitários a partir do entrelaçamento entre a cultura e o lugar, portanto a pesquisa pede um olhar sobre a questão dos processos identitários, a partir do contexto da patrimonialização do carimbó nos últimos anos, pois é possível encontrar formatos de pertencimento da manifestação
cultural que expandem o conceito do fazer da expressão cultural quando pensamos a dissociação acarretada no intercâmbio entre lugar e cultural. Conforme interpretação, a partir do postulado na pesquisa do Dossiê Iphan Carimbó (2013), o carimbó tradicional ou pau e corda pode ser denominado, também, de carimbó patrimonializado. Sendo assim, ao olhar para o carimbó produzido na região metropolitana de Belém, também, denominado nessa pesquisa de carimbó urbano e desenvolvido a partir de pautas das urbanidades, ou seja, estimuladas por outras formas de sociabilidades, pelas políticas públicas, além do mercado da arte e da cultura, encontra-se um modo de fazer com características ao mesmo tempo convergentes e divergentes do carimbó patrimonializado. Após o exposto anteriormente, é perceptível o enquadramento do carimbó do Estado do Pará no contexto de uma manifestação cultural participativa mesmo antes do processo de patrimonialização que a manifestação atravessou no ano de 2014, porém ao olharmos para o carimbó produzido na região metropolitana de Belém-Pará, a partir da pesquisa para construção do Dossiê Iphan Carimbó (2013), encontramos transformações no processo de criação estética, dos fenômenos de sociabilidade e nas praticas produtivas e discursivas se comparada ao carimbó patrimonializado. 2. Apontamentos sobre a historiografia do carimbó. Para começar a jornada na historiografia do carimbó faz-se necessário definir apontamentos sobre o seu surgimento no território do Estado do Pará, até a sua consolidação como gênero musical símbolo da identidade cultural paraense no século XXI, segundo o Dossiê Iphan Carimbó (2013). O vocábulo carimbó, segundo Gabbay (2012) é uma herança da língua Tupi korimbó, que é a junção das prefixos curi (pau oco) e m’bo (furado) que origina a expressão “pau que produz som” e é, também, o nome dado ao tambor, o curimbó, utilizado para batucar o ritmo do carimbó e que, posteriormente, veio a ser o termo associado à manifestação cultural. Segundo as pesquisas de Salles e Salles (1969) e Gabbay (2012), definir um lugar de partida para o nascimento do carimbó suscita debates que invocam questões referentes aos processos de miscigenação, que aconteceram na cultura do Estado do Pará. Portanto, remontar os signos que formaram a identidade amazônico-paraense é
encontrar elementos de hibridização cultural por meio da influencia de povos indígenas, negros e europeus-ibéricos na construção da identidade sociocultural do Estado do Pará, como indica Salles (1969, pg 27): “dentro da Amazônia nada é, essencialmente, indígena, africano ou europeu”. Podemos analisar por meio das afirmações do inventário realizado pelo Dossiê Iphan Carimbó (2013) que um dos logradouros e povos preponderantes para o surgimento da manifestação cultural é a cidade de Marapanim, no litoral do Estado, a partir do povo indígena Tupinambá, porém é interessante observar que há documentos que apontam o carimbó como um invento de negros e escravos que ocupavam o território paraense no século XVII. Desta maneira, alguns estudos apontam para a influência indígena observada na dança em formato de roda e em alguns instrumentos de percussão como as maracas. No batuque (síncopes, antifonias e polirritmias), na aceleração do ritmo e no “molejo” da dança estaria a contribuição do negro. E, por fim, na dança em pares ou mesmo individualmente com gestos, palmas e estalar de dedos, além dos padrões melódicos, estaria à influência ibérica. Nesta figuração, passou a ser comum a associação do carimbó aos emblemas e ícones identitários de promoção cultural emanados discursivamente por seus defensores e praticantes. (DOSSIÊ IPHAN CARIMBÓ, 2013, pg. 14).
A análise sobre a historiografia do carimbó permitiu a visualizar a influência que foi mobilizada das culturas indígena, negra e europeu-ibérica que influenciaram sua criação, portanto, após essas percepções podemos afirmar, segundo Canclini (2003), que o carimbó é uma manifestação cultural híbrida, pois o encontro entre culturas que foram deslocadas para o território amazônico proporcionou um ambiente favorável para criação da manifestação cultural e, posteriormente, o desenvolvimento de outro modo de fazer carimbó nos espaços de urbanidade da região metropolitana de Belém, o que denominamos durante a pesquisa de carimbó urbano. O hibridismo das práticas culturais de três culturas distintas, como observado anteriormente sobre o DNA do carimbó, possibilitou a percepção sobre o deslocamento de símbolos culturais que foram adaptados ao contexto amazônico paraense, por meio da interação entre as subjetividades que resultaram em negociações culturais, a partir de processos de interculturalidade através de convergências e oposições entre tensões socioculturais estéticas. De um mundo multicultural – justaposição de etnias ou grupos em uma sociedade ou nação – passamos a outro, intercultural e globalizado [...] Em contrapartida, a interculturalidade remete à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações e trocas. Ambos os
termos implicam dois modos de produção do social: multiculturalidade supõe aceitação do heterogêneo; interculturalidade implica que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos (CANCLINI, 2009, pg. 17)
Podemos, a partir da informação citada anteriormente, entender o estímulo que a diáspora cultural, influenciada pelos processos de mestiçagem e hibridização, ofereceu aos povos da Amazônia, pois segundo Hall (1996) é preciso observar a identidade como uma produção que nunca se finaliza, afinal deve ser percebida como um processo estabelecido internamente e não de forma externa a sua apresentação. O conceito de interculturalidade segundo Hall (2003) e hibridização cultural conforme o percebido nas pesquisas de Canclini (2009) oferece base para o entendimento do surgimento e dos elementos que compõem a configuração do carimbó como manifestação cultural da identidade amazônico-paraense no âmbito sociocultural. A oralidade de comunidades tradicionais de regiões do território do Estado Pará caracteriza a expressão musical do carimbó pau e corda ou tradicional até a década de 70, quando surge o desdobramento do carimbó moderno dentro do mercado do long play (LP) na fonográfica brasileira, porém, antes de aprofundar a pesquisa para análise sobre o carimbó tradicional e moderno. Salles e Salles (1969) explicam que há segmentações de produção que são demográficas, ele fala sobre a existência do carimbó pastoril, alusão à produção de carimbozeiros da Ilha do Marajó2, a presença do carimbó rural, referente ao que é produzido na região do Baixo Amazonas3 e por último o carimbó praieiro do município de Marapanim e da ilha de Maiandeua na faixa litorânea da Zona do Salgado4. Nesse momento da análise, reacendemos o debate estimulado por Hall (1996) sobre as identidades culturais não estarem fixadas, apesar de serem provenientes de algum grupo de signos, e sim em continuado processo de negociação de deslocamentos socioculturais e estéticos quando encontramos variações da produção do carimbó pau e corda ou tradicional nos territórios do interior do Estado do Pará, antes 2
A Ilha de Marajó é uma ilha costeira do tipo fluviomarítima situada na Área de Proteção Ambiental do arquipélago do Marajó, no estado do Pará. 3 A Mesorregião do Baixo Amazonas é composta por municípios que fomentam a economia do Estado do Pará. São 13 cidades que compõem o território do Baixo Amazonas: Alenquer, Almeirim, Belterra, Curuá, Mojuí dos Campos, Faro, Juruti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Prainha, Santarém e Terra Santa. 4 A Zona do Salgado Paraense compreende as Reservas Extrativistas de Mãe Grande de Curuçá, São João da Ponta, Caeté-Taperaçu, Tracuateua, Araí Peroba, Gurupi-Piriá, Chocoaré-Mato Grosso e Soure no Estado do Pará.
mesmo de qualquer comentário sobre a existência do desdobramento moderno da manifestação cultural do carimbó. As identidades culturais provêm de alguma parte, têm histórias. Mas, como tudo o que é histórico sofrem alterações constantes. Longe de fixas eternamente em algum passado essencializado, estão sujeitas ao contínuo “jogo” da história, da cultura e do poder. As identidades, longe de estarem alicerçadas numa simples “recuperação” do passado, que espera para ser descoberto e que, quando o for, há de garantir nossa percepção de nós mesmos pela eternidade, são apenas os nomes que aplicamos a diferentes maneiras que nos posiciona, e pelas quais nos posicionamos, nas narrativas do passado (HALL, 1996, pg.69).
Após a exposição dos tipos de carimbó pau e corda ou tradicional, podemos perceber a partir do reconhecimento da espetacularização do carimbó dentro da indústria cultural de que há duas correntes carimbozeiras que foram consolidadas no imaginário popular com o passar do tempo, segundo Amaral (2004) e Gabbay (2012) com relação às estéticas distintas do carimbó pau e corda ou tradicional e do carimbó moderno ou estilizado respectivamente representadas nas trajetórias da produção musical durante a carreira de Mestre Verequete5 e Pinduca6. As duas correntes carimbozeiras foram responsáveis dentro da sua perspectiva de produção pela popularização da manifestação cultural do carimbó na indústria cultural, porém com atuações distintas de ambos no cenário mercadológico regional e nacional, instrumentações diversas e diferenças com relação ao conteúdo das composições. Porém, podemos afirmar que ambos defendiam o carimbó como manifestação cultural originária e característica da identidade cultural do Estado do Pará, apesar das variações estéticas e socioculturais produzidas. 3. A etnografia
multi-situada
em convergência
com a antropologia
interpretativa como percurso de imersão/observação. O presente artigo tem como proposição investigar o carimbó produzido na região metropolitana de Belém-Pará por meio de uma etnografia multi-situada a partir da proposta de Marcus (1995) em convergência com o pensamento de Geertz (1978) em relação a uma antropologia interpretativa para conseguir alcançar quais as 5
Augusto Gomes Rodrigues, também conhecido como Mestre Verequete, foi compositor e canto de carimbó pau e corda junto do grupo “O Uirapuru”, além de ter sido um dos primeiros a gravar a manifestação cultural no estilo long play (LP). 6 Aurino Quirino Gonçalves, conhecido como Pinduca. Tem 32 anos de carreira como cantor e compositor de carimbó com 25 discos gravados e que ajudou na popularização do carimbó no Brasil.
transformações resultantes do processo de patrimonialização da manifestação cultural do carimbó atravessou no início do séc. XXI através de uma analise no âmbito das práticas de produção e discursivas dentro da produção do carimbó em espaços urbanos da região metropolitana de Belém. A antropologia interpretativa de Geertz (1978) funcionará como uma bússola para guiar o reconhecimento da cultura como uma condição plural da atividade humana com o intuito de buscar compreender o que pode ser inferido sobre os relatos etnográficos e os dados coletados sobre a estrutura produtiva, discursiva e sociocultural do desdobramento do carimbó dentro dos espaços de urbanidade da capital paraense para que, desta maneira, possamos mobilizar um entendimento analítico dentre tantos possíveis sobre a manifestação urbana do carimbó. Tal visão de como a teoria funciona numa ciência interpretativa sugere que a diferença, relativa em qualquer caso, que surge nas ciências experimentais ou observacionais entre "descrição" e "explicação" aqui aparece como sendo, de forma ainda mais relativa, entre "inscrição" ("descrição densa") e "especificação" ("diagnose") — entre anotar o significado que as ações sociais particulares têm para s atores cujas ações elas são e afirmar, tão explicitamente quanto nos for possível, o que o conhecimento assim atingido demonstra sobre a sociedade na qual é encontrado e, além disso, sobre a vida social como tal. Nossa dupla tarefa é descobrir as estruturas conceptuais que informam os atos dos nossos sujeitos, o "dito" no discurso social, e construir um sistema de análise em cujos termos o que é genérico a essas estruturas, o que pertence a elas porque são o que são, se destacam contra outros determinantes do comportamento humano. (GEERTZ, 1978, pg. 19)
A etnografia multi-situada de Marcus (1995) nos auxiliará na construção de um mapa de possíveis referências bibliográficas, além da pesquisa de campo, para que possamos analisar a partir de uma imersão nas cadeias de produção, trajetórias de vida, fenômenos de sociabilidade e de uso de objetos, a partir dos fios que compõem o contexto sociocultural dentro da produção do carimbó em espaços urbanos e, dessa maneira, traçar justaposições e conjunções para estabelecer uma conexão ou associação entre os signos que abarcam as práticas de produção e discursivas da manifestação cultural do carimbó na região metropolitana de Belém. Nor is multi-sited ethnography merely a different kind of controlled comparison, long a part of anthropological practice, as it has also sometimes been understood, although it does represent a revival of comparative study in anthropology. Conventional controlled comparison in anthropology is indeed multi-sited, but it operates on a linear spatial plane, whether the context is a region, a broader culture area, or the world system comparisons are generated for homogeneously conceived
conceptual units (e.g. peoples, communities, locales), and such comparisons usually are developed from distinctly bounded periods or separate projects of fieldwork.(MARCUS, 1995, 102). Nesse contexto, as propostas de coleta de dados, citadas anteriormente, tais como a pesquisa de campo qualitativa terá como questões pertinentes as práticas discursivas e de produção a partir de entrevistas com carimbozeiros da região metropolitana de Belém sobre suas práticas de produção, tais como o ato de manguear e de se apresentar em casas de show ou espaços cultuais com o intuito de abrir o diálogo para alcançar um fluxo de convergência entre a análise interpretativa de signos culturais e de elementos de sociabilidade presente no carimbó urbano. Um dos paradigmas que essa pesquisa apontou quanto à imersão na coleta de dados foi à questão do posicionamento do pesquisador no processo, pois ao realizar algumas das entrevistas propostas me deparei com a intervenção do meu olhar como agente fazedor de cultura da manifestação do carimbó produzido em espaços urbanos de Belém, pois durante um ano e cinco meses, durante os anos de 2018 e 2019, atuei como produtor executivo e cultural do conjunto de carimbó Caruana e isso me permitiu um olhar mais imersivo sobre as práticas produtivas, haja vista que nesse período aprovamos quatro editais de políticas públicas do governo do Estado do Pará, assim como, também, lançamos em um teatro estaudal o primeiro produto musical em formato long play (LP) e distribuído nas plataformas de mainstreaming, além da participação em festivais e eventos culturais dos mais variados temas. Segundo Marcus (1995) para a efetivação de uma etnografia multi-situada é necessário elucidar as mudanças culturais e sociais em âmbitos locais, além do contexto da globalização, pois há dicotomias que emergem do embate desta relação local e global que mobilizam diversos níveis de intercâmbio de elementos globais e modernos com signos de culturais populares locais e tradicionais, portanto, há um trânsito cultural em fluxo que acontece, seja por meio de recursos tecnológicos e midiáticos quanto por meio de relações de sociabilidade que estimulam intersecções e ressonâncias entre os fenômenos das práticas produtivas e discursivas de uma manifestação da cultura popular de caráter participativo como o carimbó produzido na região metropolitana de Belém. The object of study is ultimately mobile and multiply situated, so any ethnography of such an object will have a comparative dimension that isintegral to it, in the form of juxtapositions of
phenomena that conventionally have appeared to be (or conceptually have been kept) "worlds apart." Comparison reenters the very act of ethnographic specification by a research design of juxtapositions in which the global is collapsed into and made an integral part of parallel, related local situations rather than something monolithic or external to them. This move toward comparison embedded in the multi-sited ethnography stimulates accounts of cultures composed in a landscape for which there is as yet no developed theoretical conception or descriptive model. .(MARCUS, 1995, 102). Além da perspectiva apontada anteriormente, também, foi realizado um levantamento de referências bibliográficas no âmbito audiovisual, jornalístico, discográfico e científicos sobre a temática do carimbó no âmbito das suas práticas produtivas e discursivas referente à produção do carimbó em todo território do Estado do Pará, além do foco naquele produzido na região metropolitana de Belém com o objetivo de encontrar apontamentos teóricos que possam guiar os questionamentos colocados durante o processo de construção de uma antropologia interpretativa dentro de uma etnografia multi-situada, segundo Geertz (1978) e Marcus (1995), que abarque os diferentes ângulos para olhar os objetos/sujeitos que estão em constante movimento respeitando o processo de construção de uma etnográfica multi-situada que proponha o rastreamento de um fazer interdisciplinar dentro da investigação. 4. A questão identitária do carimbó produzido na região metropolitana de Belem-Para. No ano de 2014 o carimbó foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e inscrito no Livro de Registro de Formas de Expressão, a partir do processo de registro da pesquisa referente ao Levantamento Preliminar e Identificação do Carimbó nas Mesorregiões Nordeste Paraense, Metropolitana de Belém e Marajó ocorrida durante os anos de 2008 e 2013 que gerou o Dossiê Iphan Carimbó e desta pesquisa realizada é importante ressaltar que o movimento de patrimonialização do carimbó foi feito a partir de visitas em 45 municípios entre a capital e o interior do Estado do Pará, em mais de 150 lugares e 415 entrevistas realizadas com carimbozeiros. O contexto de negociação cultural que o carimbó foi submetido por meio dos instrumentos de salvaguarda como os utilizados pelo Iphan no movimento de patrimonialização do carimbó mobiliza processos de ressignificação que são
estimulados pelos dispositivos de legitimação, assim como também, a partir de instrumentos de resistência da cultura popular dentro dos contextos de sociabilidade e das práticas de produção de uma manifestação cultural. Nesse momento da pesquisa, faz-se necessário relembrar que nas décadas de 40 e 50 havia uma política nacional de cultura associada ao Movimento Folclórico Brasileiro e tinha a intenção de fazer uma associação entre cultura popular, autenticidade e pureza com o objetivo de instrumentalizar as manifestações culturais para amparar a construção de uma unidade nacional da identidade cultural brasileira, porém no final do séc. XX e início do séc. XXI, segundo Alves (2011) entrou em circulação um pensamento de desconstrução desta práxis dentro do imaginário da população brasileira, a partir da valorização do caráter participativo da cultura. A cultura para o PNC/MinC deve ser pensada na sua dimensão simbólica, econômica e cidadã. Essas três dimensões aparecem de maneira combinada, tanto nas justificativas teóricas, quantos nos programas e ações desenvolvidos. [...] A dimensão simbólica decorre do imperativo que o MinC tem de valorizar e, por conseguinte, consolidar a identidade nacional. Por outro lado, a dimensão simbólica repousa no imperativo de criar as condições de fruição e experimentação cultural [...]A dimensão econômica traça interfaces estreitas com a dimensão simbólica, pode ser sintetizada a partir do entendimento de que a riqueza simbólica também deve ser acompanhada da possibilidade de criação de riqueza material para os criadores e realizadores culturais, através da geração de trabalho, emprego e [...]A dimensão cidadã trata da necessidade imperativa, segundo os gestores do sistema MinC, notadamente no âmbito da Secretaria de Cidadania Cultural, de acionar e cristalizar os direitos culturais no Brasil, estabelecidos desde a constituição de 1988. (ALVES, 2011, pg. 07).
O processo de patrimonialização do carimbó colocou o carimbó pau e corda ou tradicional como aquele que sustenta o discurso político entranhado no conceito de Patrimônio Imaterial, criando dessa forma uma categoria de carimbó patrimonializado que se opõem as outras formas de saber/fazer carimbó pelo Pará, seja na capital ou no interior do Estado. Após o que foi citado anteriormente em convergência com o consumo de produtos musicais de conjuntos de carimbó da região metropolitana de Belém como Cobra Venenosa, Caruana, Lauvaite Penoso, Batucada Misteriosa e Estrela do Norte, além de entrevistas com carimbozeiros, é possível afirmar que dentro da prática discursiva dos carimbozeiros há um posicionamento de valorização do saber/fazer do carimbó por meio de atuações que valorizam o caráter participativo da cultura popular
em contraponto ao caráter folclorizante, consolidado no início e meio do séc. XX, que os carimbozeiros discursivamente estão cada vez mais se afastando. Seguindo a pesquisa a partir da proposta de Marcus (1995) sobre a perspectiva de uma etnografia multi-situada usarei como exemplo o grupo de carimbó Cobra Venenosa que surgiu em 2016 no distrito de Icoaraci e é um dos expoentes do movimento do carimbó produzido na região metropolitana de Belém para afirmar através dos conceitos de Geertz (1978) que o objeto observado luta pela valorização do carimbó pau e corda ou tradicional, entretanto com outros processos de produção, pois geram sociabilidades e produções que constroem desdobramentos estéticos e socioculturais por meio da intervenção mútua entre os espaços urbanos e o conjunto de carimbó Cobra Venenosa, haja vista que ambos sofrem atravessamentos. Um repertório de conceitos muito gerais, feitos-na-academia e sistemas de conceitos — "integração", "racionalização", "símbolo", "ideologia", "ethos", "revolução", "identidade", "metáfora", "estrutura", "ritual", "visão do mundo", "ator", "função", "sagrado" e, naturalmente, a própria "cultura" — se entrelaçam no corpo da etnografia de descrição minuciosa na esperança de tornar cientificamente eloquentes as simples ocorrências. O objetivo é tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas densamente entrelaçados; apoiar amplas afirmativas sobre o papel da cultura na construção da vida coletiva empenhando-as exatamente em especificações complexas. (GEERTZ, 1978, pg. 20)
No ano de 2019 o grupo de carimbó Cobra Venenosa lançou seu primeiro trabalho musical, um disco intitulado “Cobra Venenosa” que reúne oito faixas autorais e inéditas no cenário fonográfico do carimbó, além, de cinco canções extras, por meio de gravações realizadas ao vivo no ano de 2017. O nosso grupo faz referência essa ao carimbó pau e corda, um grupo jovem que surge formado por jovens das periferias [...] envolvidos em atividades de rua e dos processos vividos em Belém que tem haver com uma conjuntura nacional [...] a gente tinha essa visão que era necessário valorizar o carimbó pau e corda, não achávamos ele demodê, não achávamos que pro som ser contemporâneo entre aspas moderno, precisa de equipamentos eletrônicos [...] diferenciado do carimbó raiz, porém no instrumental se mantendo tradicional, com curimbó, banjos, maracas e efeitos orgânicos, sem o uso de bateria, baixo ou guitarra [...] (entrevista da Priscila Duque, compositora do Cobra Venenosa, no Programa Sem Censura Pará no dia 27.06.2019)
Sendo assim, a partir de uma análise do conteúdo das músicas, distribuição do disco, instrumentação, vivência em shows e rodas de carimbó na região metropolitana de Belém que o grupo participou com espetáculos, podemos tecer comentários sobre o grupo de carimbó Cobra Venenosa, pois observamos que as composições musicais tratam de temáticas que envolvem a esfera urbana a partir de
questões sociopolíticas que atravessam o mundo contemporâneo, além de usarem variações de material na construção dos instrumentos musicais como curimbó e banjo que são construídos por meio de processo de reciclagem de materiais próprios do ambiente urbano como, por exemplo: o curimbó criado a partir da reutilização de tubo de PVC ou no banjo feito de capacete de moto ou fundo de panela de pressão.
Dessa forma, é possível afirmar sobre o grupo de carimbó Cobra Venenosa que a matriz do carimbó patrimonializado, pau e corda ou tradicional sofreu uma alteração dos seus elementos através das canções e da instrumentação com a intenção dialogar com os elementos contemporâneos inseridos nos espaços urbanos em que o grupo está inserido ao produzir carimbó associado ao ativismo sociopolítico influenciado pelo contato com os processos das sociabilidades urbanas da região metropolitana de Belém, ao mesmo tempo, que defende a manutenção do carimbó como manifestação cultural tradicional. A partir do contexto, apresentado anteriormente, fica perceptível que ao longo do processo da pesquisa para a patrimonialização do carimbó que uma nova forma de atuação política dos fazedores de cultura ligada ao novo plano de políticas nacionais dos carimbozeiros a partir da Campanha do Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro que possibilitou intercâmbios proporcionados entre as diversas regiões em que o carimbó se faz presente como manifestação cultural, portanto uma forma de militância participativa se fez presente na construção do carimbó patrimonializado, diferentemente do carimbó folclorizado que foi reproduzido dentro da indústria cultural nacional e imposto pela sua reprodutibilidade midiática no rádio e na TV, além dos produtos culturais musicais como discos e CD’s. 5. Considerações finais sobre a questão identitária do carimbó urbano a partir de uma análise entográfica multi-situada A autonomia sociopolítica do carimbó levanta questões relacionadas às negociações socioculturais que uma manifestação cultural atravessa e é atravessada no processo de patrimonialização que ocorreu no início do séc. XXI a partir dos instrumentos de salvaguarda que estimularam o caráter participativo da cultura popular, construindo um ambiente favorável para novos modos de fazer o carimbó tanto no âmbito do significante quanto no do significado dentro do que envolve as práticas de produção e discursiva do carimbó produzido na região metropolitana de Belém.
A escolha pela construção de uma etnografia multi-situada a partir de Marcus (1995) em convergência com a antropologia interpretativa de Geertz (1978) permitiu uma imersão pontual sobre o que há de registro sobre o carimbó, tanto em outras pesquisas científicas como em produtos audiovisuais ou musicais, além de peças jornalísticas em confluência com momentos distintos na pesquisa de campo, seja por meio da realização de entrevistas ou em vivências a partir de produção executiva e cultural de conjunto de carimbó ou por participação em rodas ou eventos do cenário do carimbó da região metropolitana de Belém. Possibilitando, dessa forma, uma análise comparativa sobre o contexto das práticas produtivas do carimbó no final do séc. XX, assim como, também, sobre o posicionamento discursivo de afastamento do caráter folclorizente, após o processo de patrimonialização no início do séc. XXI. Multi-sited research is designed around chains, paths, threads, conjunctions, or juxtapositions of locations in which the ethnographer establishes some form of literal, physical presence, with an explicit, posited logic of association or connection among sites that in fact defines the argument of the ethnography. .(MARCUS, 1995, 102). As práticas de produção do carimbó urbano ou produzido na região metropolitana de Belém ressignificou elementos do carimbó patrimonializado ou pau e corda ou tradicional como observado no caso do uso de instrumentos de forma diferenciada tanto na instrumentação quanto na confecção, antes tronco de árvore e agora tubos de PVC. Assim como, também, a diferença na composição das letras, a partir de pautas sociais e culturais ao fazerem uso de temáticas cosmopolitas e contemporâneas e não mais tão-somente regionais que residem nos grandes centros urbanos do Brasil e do Mundo, resultado numa atuação de ativismo político por meio da manifestação cultural. O empreendimento de uma reflexão sistemática sobre os contextos em que a etnografia multi-situada é realizada coloca em ênfase pessoas e seus símbolos que ultrapassam
lugares
e
fronteiras
de
práticas
de
produção,
discursivas
e,
consequentemente, de sociabilidades que estabelecem conexões em várias escalas etnográficas dentro do emaranhado de redes superpostas de relações que compõem o fazer da manifestação cultural do carimbó em espaços urbanos da região metropolitana de Belém. 6. Referências Bibliográficas.
AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Revista Mana, Rio de Janeiro, v.7, 2001. ALVES, Elder. O lugar das culturas populares no sistema MinC: o sertão e a institucionalização das políticas culturais para as culturas populares. In: ALVES, Elder (org.) Políticas culturais para as culturas populares no Brasil contemporâneo. Maceió: EDUFAL, 2011. CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 1997. CASTRO, Fabio. A identidade denegada. Discutindo as representações e a autorepresentação dos caboclos da Amazônia. Revista de Antropologia. v. 56 nº 2. .São Paulo: USP, 2013. CARUANA,
Conjunto
de
Carimbó.
Fanpage
nas
redes
sociais.
Link:
https://www.facebook.com/ConjuntoCaruana/ COBRA VENENOSA, Grupo de Carimbó. Fanpage nas redes sociais. Link: https://www.instagram.com/carimbocobravenenosa/?hl=pt-br DUQUE, Priscila. Entrevista em nome do grupo Cobra Venenosa no dia 27.06 Programa
Sem
Censura
Pará.
TV
Cultura.
Belém-Pará,
2019.
Link:
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discografia.
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Mestre.
Canções
selecionadas
https://www.youtube.com/watch?v=vFHJRXlxOLo
da
sua
discografia.
Link: