Alguém para quem
vol.1
poemas ou recados poéticos
editora Lêstrada Belém - Pará 2015
- Ficha Técnica -
Autor
Daniel Leite Jr
Editor
Alexandre Diniz
Capa Larissa Costa
Ilustrações Verena Leal Lucca Neves Kenji Ichihara Felipe Acácio Filipe Almeida Laíla Cardoso Henrique Montagne
- Fanzinado Escrevo este texto de última hora. Como quando você está com o fanzine quase pronto, faltando apenas dar mais um blá pra levar ao xerox. Aquele cheiro de tinta quente, o papel borrado, meio apagado, os signos gráficos desalinhados (ou pelo menos um pouco fora do eixo que se pretendia), que um fanzine bem bolado deve sair exatamente assim... Poesia combina com zines, pela pouca relevância no dito “mundo real”. Ambos, de certo modo, undergrounds. Mas devo dizer que toda poesia, mesmo a dos livros “tradicionais”, é underground e marginal, mesmo aquela com metro, rima e outros badulaques, afinal, quem lê poemas? Quem compra um livro de poesia? E, principalmente, quem é louco a ponto de ler, ler, ler pra escrever, escrever, escrever... sabendo que, no fim da aventura, não vai ser lido? Só os poetas, esses doidos. Portanto, os poetas, são todos marginais no sentido latu. Os poemas “de alguém para quem” nasceram nos fanzines de Daniel Leite, que ele reúne agora em livro, trazendo desses fanatics zines, editados em Belém ao longo de 2014, também as ilustrações. Este é o primeiro livro de Daniel, e ele começa bem, porque começa entorpecido nas experimentações e nas tentativas de traduzir o mundo por vezes rarefeito, por vezes pressuroso como o amor. Afinal, o que é a poesia senão um experimento dos sentidos / sentimentos, que se ligam ao encantamento, traduzido por meio do gesto escritural? Nos diz o poeta, pleno das indagações da juventude, “ir e vir / nas mandíbulas do tempo / de novo esse estranho / início e fim”, e diz ainda, “dias que continuam / na corrente esferográfica [...] e eu em mim / sempre voltava / falando sozinho / porque a mim / tinha muito a dizer.” Neste “de alguém para quem” Daniel, ao falar para si mesmo e para alguém, procura, na trilha da beat generation, um lugar onde despojar os mortos e alimentar as dores. É uma procura interessante, a que você encontrará neste livro de estreia. Mas toda procura, especialmente a da poesia, deve prescindir de pressa. Talvez por isso os poetas, em geral, escrevam livros, e não livro. Cada obra parece uma continuação, ou um novo começo totalmente desligado do anterior. E o melhor disso tudo é que a juventude sempre joga a favor e contra aquele que se compromete com essa procura. Paulo Vieira, São Paulo, maio, 2015
- Índice Fanzinado >>>>> a outra margem # a vida ávida # alfabeto de espelhos # algumas palavras ainda não habitam nossas bocas # de noite na cama não sinto a ventania da tua respiração trazer o pólen de novas histórias # espermatozoário do ócio # ex-isto estranho # folha em branco # lá dentro # margem úmida # o samba azul # o silêncio não fala sozinho # recado # te(x)to # wild to into >>>>> para tudo que me rasura # 1701 rosas no jardim vertical # ainda # anti-retrato # apólogo do estranho sem nome # biblioteca da solidão # com verso # depois que encontrei uma estrela no lixo descobri que nem tudo envelhece # entre retalhos, bugigangas e vícios # futuro esquecido # gestado antes do verbo # preciso só ir # tobikômu sou eu mesmo # todos os dias # é preciso morder os dentes
>>>>> acaso de várzea #abismos esquinas um passo para anything # alucinação minha versão # aqui e em algum lugar # atemporal # como um esboço # desassossego # dia de porto # a dor ainda manda carta # minicrônica da saudade # heterônimo # jornada do noctâmbulo # o paladar nunca esquece o sabor do orvalho # roteiro falido # sem filtro >>>>> qualquer cúmplice # alguém em mim # apenas não tenho nada # codinome # como você me ensinou # dentro do vazio suspenso # leitura silenciosa # let’s me say no Bar do Parque # lupa para coisas impossíveis # mais uma vez # meninxs com o copo na mão # ode para o gozo # passageiro solitário # qualquer fábula do agora # sobre vivência
a outra margem
- a vida รกvida de um lado ou de outro
nรฃo sei se sou
sรณ um
momento movimento
รก deriva
- alfabeto de espelhos o labirinto das tuas palavras no calor de cada verbo
mundo
a tua fala, o teu
no tato estrangeiro da lĂngua
o eco do espelho nas jornadas das tuas estĂłrias
- algumas palavras ainda não habitam nossas bocas foi em um pedaço de silêncio que o amor se desfez entre nós sem nenhuma palavra deixando o cinzeiro só com as cinzas do poema que você tragou e não soltou
- de noite na cama não sinto a ventania da tua respiração trazer o pólen de novas histórias -
queria adormecer ao seu lado escondido em qualquer canto de um mundo inventado por nós de nós us and ass
- espermatozoário do ócio eu sou o erro de duas pessoas que não se amavam sou aquele momento quente que entra e sai dos copos aproveitei a abertura daqueles corpos para escapar para versar para amar nínguem me viu no circo do sexo estavam vidrados no prazer mundano esquecendo cada vez mais de si e de mim mas eu estava lá e acolá pulando como estrelas no quadro negro e sendo o esperma do ócio
- ex-isto estranho se você perd-eu a lua esqueça tudo e flua em algum retalho de rua sem medo da vertigem
- folha em branco -
o maior poema ĂŠpico escrito pelo silĂŞncio
- lá dentro uma música que eu quer-ia te mostrar um cigano eco lá um cigarro acolá me conte histórias lamentos líquidos caliendares você guardou onde nada existe mas insiste a caminhar a navegar com o coração inteiro feito de palavras porque na sala clandestina fé é verbo.
- margem úmida foi na preamar do grande rio que respirava desejos entrelaçadas raízes no horizonte da memória que me fiz vivo pela primeira vez
havia o calor diário a promessa do sol caminho invisível onde arde a criação o mito do homem
o eco das horas nunca termina como a voz da solidão que não se adia
o cheiro do rio anunciava o barro do mundo
contornava a margem do corpo, alma e lama singrada por histórias plurais
a sedução das águas ilude o sofrimento do dia redesenha o silêncio a solidão as marés do mundo a face da trajetória da vida
na nudez das águas rios de esquecimento (re)composição do olhar cru do ramo nu da terra úmida desta alma orgânica
- o samba azul -
depois do último dia derramado as noites foram longas desabrochando frágeis presentes promessa de dor no vazio cansado
atrás da porta tudo virou segredo um samba azul
para eu beber minhas lágrimas no bar deserto onde o sol não nascerá para os copos secos que outros esqueceram com medo de chorar
não tenho caminhos para ir por isso vou voltar para o lugar onde te vivi e que sempre sabe me encontrar quando saio por aí para me procurar
- o silêncio não fala sozinho -
dias que continuam na corrente esferográfica a continuar sem fim e eu em mim sempre voltava falando sozinho porque a mim tinha muito a dizer sobre as palavras esquecidas por mim em alguma margem da insônia ou da vertigem desse poema silencioso que me habita
- recado no espelho o cortejo em que me perdi permanece o seu ritual na face do desejo atemporal no antigo quarto verde não me perdoo entre as pétalas esquecidas sobre o corpo da lembrança que o invulnerável silêncio penetra revela e afoga na cegueira da sua garganta
-te(x)toO tato do texto ĂŠ o teto de tudo
-wild to intomais uma selvagem vibra-ação b-eat habita e oferece como comida my only ass
para tudo que me rasura
- 1701 rosas no jardim vertical eu só ainda ex-isto aqui porque a flor nunca diz não para um lamento líquido
- ainda depois de alguns versos ágrafos outros inversos anônimos e algumas doses baratas
ainda não estou preparado para você ou para esse poema que nunca comecei
- anti-retrato andando nu nas esquinas da folha sinto o cheiro cru do suor da vivência invadir o poema na sarjeta da existência luz semi-aberta do ocaso porto de onde parto ecos e recados sem ter medo do pecado parêntese solitário de olhar intercalado verbos mastigados por pétalas e acasos semente submersa ruga e fuga na saliva inflamada do dialeto sufocado pela memória rabiscada no estrangeiro angustiado mistério alucinado atravessando a preamar do anti-retrato no silêncio deflorado
- apólogo do estranho sem nome -
isso não é uma profecia nem mesmo um sonho ou medo sincero de algo que me persegue desde a primeira vez que chorei atravessando a porta daquele também
talvez se confundam
frágil corpo
com algumas dores
não será uma esperança
mas mesmo elas não existem
com suas tolices
como essas palavras
sobre um dia final-mente
derramadas por esse eco
terminar a travessia com este corpo
também iludido
inventado
no tempo que ficou
pesado
lá e aqui
inútil para o futuro
na fábula que também não existe
- biblioteca da solidĂŁo -
silĂŞncio que guarda todas as palavras
- com verso refaรงo como servo meu inverso faรงo controverso
- depois que encontrei uma estrela no lixo descobri que nem tudo envelhece –
sem sentir eu cai um suspiro a lembrança de que a saudade sou eu escondido no silêncio sem roupa nem palavra na boca ou a ideologia ridícula dos meus aforismos vaidosos
- entre retalhos, bugigangas e vícios -
é na solidão da noite que tropeço em mim depois de um trago de silêncio e uma dose de vazio
-futuro esquecidoa ausência da palavra derrama o mundo no abismo do interminável gole escondido na garrafa sinto o desejo de lágrimas invadir minha boca amarga de palavras que não posso devolver rasgo minhas lembranças para fugir do que está naufragado em mim desisto das esquinas procuro o porto mais perto e espero o rio me encontrar
– gestado antes do verbo –
ainda não existe uma palavra para explicar o que aconteceu mas nossos olhos já entendem
- preciso só ir reencontrar o náufrago no labirinto de dentro caminhando nos gestos esquecendo a trilha porque voltar é desperdício sair da ilha impossível ninguém nasce de novo não há outro corpo só palavras escondidas que eu ainda reconhecia na pele que desistia de ser minha todo dia
- tobikômu sou eu mesmo -
o rio que há em mim
mudou alguém em mim
destino de quem em mim
-todos os dias -
deixei resĂduos de mim no chĂŁo de ontem pele e pelos rasurando o tempo que nunca foi nosso
- é preciso morder os dentes já desamarrotei algumas palavras pontos cegos do não dito mas mesmo assim escondi meus dentes dentro da caneta Bic no carrossel do que dizer olhos entregaram quereres de asfalto vírgulas de esquecimento vícios que me mantém vivo espelhos que trocam minha face tudo que em mim falava calado e ainda assim não disse tudo o que queria depois de tanta tinta derramada pelos poros talvez não seja possível sem ser uma legenda publicitária de poucos caracteres sem as características de alguma sombra minha só o fácil caminho até o produto inventado e embalado como parte de mim
acaso de vรกrzea
- abismos esquinas um passo para anythinga luz negra do dia revela novos indivíduos a cada pegada gole de cachaça muitas palavras no chão de asfalto movediço eu derramo the any side of me alguém algo para sustentar a existência uma história ou um poema a natureza esquecida a caminho do bueiro vegetal
- alucinação minha versão o equilíbrio no vazio é o maior dos excessos que a sanidade do gatekepper de um recipiente esquecido sem alma na lama inventa como verdade no new york times american dreams de um latino americano distraído
- aqui e em algum lugar a noite foi difícil de escalar vaguei de um lado a outro de mim disputando gotas de esquecimento com as moscas domésticas que como eu não conseguem mais voar na boca de outro caminho sem destino
trocamos olhares descrentes e renunciamos a fuga de mais uma verdade inventada para apreciar o silêncio que canta a qualquer um que como nós encontra-se perdido em algum lugar do corpo ou do copo
- como um esboço ir e vir nas mandĂbulas do tempo de novo esse estranho inĂcio e fim
- desassossego -
sĂł a palavra salva o tempo algum destino imposto na saĂda do porto
- dia de porto não há caminho líquido que volta é sempre um parêntesis-barco a somente ir esquecendo as horas as palavras o corpo muitos cigarros e copos na garrafa que na mesa nasceu em vários sós de algum eu com-part-ilhado no bar sem teto cheio de tato deixo um ato
- a dor ainda manda carta uma pálpebra intercalada guarda o eco de uma carta lágrimas negras belezas adormecidas in the world of the words no olhar cansado de um camarão esquecido na maré de um pensamento à deriva na vida naufragado mais uma vez lost in the soul
- minicrônica da saudade – a tarde desenhava silêncios com a nudez da tua ausência
- heterônimo alguém para quem quem sempre alguém nunca ninguém
- jornada do noctâmbulo -
o dia termina mais uma aridez para fazer o parto do sonho não esperado o lua recomeça mais uma vez o seu recital animal no bar perdido da capital as palavra acendem o desejo impossível que deserta no ser para o amor renascer sempre no horizonte do teatro diário
- o paladar nunca esquece o sabor do orvalho ver-te de verde ter-te na sede
-roteiro falidoeram rasuras cegas de um corpo sem nome deitado na rua movediça ainda maquiado com o sangue dos três tiros e o dos últimos suspiros do personagem final antes de fechar os seus espelhos voltar ao camarim e nunca mais para si o relógio mais uma vez distraído medindo o vazio não percebe o cheiro da pólvora acasalar com o silêncio que não consegue dormir
- sem filtro – só filmo-fumo hollywood
qualquer cĂşmplice
- alguém em mim – não sei o que sou não preciso saber ser ou não ser não é a questão existir não é uma opinião
- apenas não tenho nada -
o silêncio doente sentou na margem da calçada com os olhos mudos derramando seu lamento no seio de sonhos extintos, o tempo subia a ladeira como uma nostalgia bêbada na noite interrompida pela solidão que não se deixa ser traduzida, a dúvida abria as janelas para distribuir palavras aos náufragos que passam pelas ruas e eu monossilábico mal sabia se estava vivo ou se tudo era apenas a luz bastarda de um pensamento escondido ou um gozo perdido no hotel dos espelhos
-codinomeos olhos em orgasmo ejaculam sonhos cultivam poemas no silêncio despido pelo néctar entorpecido que cai lentamente do prepúcio da íris no precipício do clitóris evaporando o nome no sabor da saliva deixada no copo que alivia o corpo em agonia
- como você me ensinou quanto mais te tenho mas te perco ou é só distânsia
- dentro do vazio suspenso cada esquina carrega esquecimentos um passo um delírio subindo das valas trilhadas pelo odor de quem agora dorme por um instante suspenso no abismo sustentando o corpo na rotina do amanhã que por um instante ainda não existe no meu trivial caminho sem volta para o ninho que não me ensinou a dormir e acordar apago meu primeiro cigarro do dia derreto meus pensamentos no relógio cansado de repetir o mesmo tempo e de novo me desprendo por aí a cada pulsação nas reticências de um dia que nunca termina temporada sem fim que habita em mim
- leitura silenciosa todo dia a palavra está lá e aqui escutando os barulhinhos da nossa existência
- let’s me say no Bar do Parqueo rio caía do céu e ainda não descobri por que eu consegui ver algo teu entre os espelhos das gotas i just walking to the rain talking slow with my sou não perca as folhas que deixei esquecidas nos degraus do teu ser que eu de novo e sempre querer ver i just walking to the rain talking slow with my sou e com calma reler até os borrões rasurados no café que me quer depois de uma tarde só i just walking to the rain talking slow with my sou não tenho margem na carne nem santo rezando para parar esse amor que arde e me procura de quando em quando i just walking to the rain talking slow with my sou você ainda nem sentou na mesa comigo mas alguém em mim já te inventou e imagina um furo no futuro contigo i just walking to the rain talking slow
with my sou fugindo desse teto que no Bar do Parque não existe sinto teu tato dizer para mim que eu existo i just walking to the rain talking slow with my sou foram fluxos de palavras que nasceram nos olhos que não podiam fingir ver um sentimento que me escalava de pedir para alguém tentar me ser i just walking to the rain talking slow with my sou é que eu perdi o medo de dizer o que me habita sem impedir nenhum querer que a mulher em mim diz que é maravilhoso ver sentado no escuro dessa noite e para você com calma descrever mas i just walking to the rain talking slow with my sou a gain again me sou.
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- mais uma vez eu quero te encontrar perder e encontrar de novo na esquina da Paz te tocar uma vez mais porque eu nasci cigano e estou de cais em cais trocando algum tato no jogo da vida brincando sem dados despido na praรงa
- meninxs com o copo na mão – o amor é fruto das coisas etílicas um pedaço perdido no co(r)po uma geada quente com o sol da meia-noite na órbita da mesa cheia de vozes sentadas mas nenhuma é nossa não precisamos falar
e sinto
não havia palavra nos nós
o calor dizer
só olhos
talvez nós
que se apaixonavam em silêncio
não precisemos
não nós dois
trocar palavras
ainda não precisamos
são as mesmas
distrair alguma verdade
que temos
sem linguagem
para dar
para amar
um
acendo um lucky strike
a-o
vermelho
outro
- ode para o gozo -
lamb lambuza uza
- passageiro solitĂĄrio -
todos os que plantam sonhos serĂŁo sempre saudade
- qualquer fábula do agora por entre os barulhos da cidade escuto o silêncio dos cruzamentos as pessoas gemendo sonhos e medos feitos de tempo e coisas inventadas entro e saio de portas e certezas procurando amores desconhecidos no agudo vazio do que não disse para você ao meu lado na rua de uma cidade qualquer onde a boca mendiga nua um conto um canto de qualquer história
-sobre vivência-
no acolá da margem somos carne exposta
avesso canibal de desejo estrábico
pêndulo sem fio indo e vindo