Belém 2017
Astronauta da palavra
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APRESENTAÇÃO A antologia “Astronauta da palavra” é resultado da oficina de “Escrita Criativa” ministrada pelo escritor, editor ejornalista Daniel Leite Jr pela Fundação Cultural do Pará na Casa da Linguagem em parceria com a Lêstrada no período de 18 de setembro até 06 de outubro de 2017 com carga horária de 30 horas.
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Prefácio A imersão por meio da palavra permite a invenção de si mesmo e do mundo ao redor. Uma folha, um universo inteiro de possibilidades. A antologia “Astronauta da palavra” é fruto das viagens que cada um fez por dentro de si mesmo. A união desses textos nessa coletânea é um ticket para o mundo que habita cada um dos escritores e escritoras que participam desse projeto Daniel Leite Jr
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FICHA TÉCNICA Editor: Daniel Leite Jr
Capa Ilustração: Evellyn Ingrid
Textos e projeto gráfico Adryelly Máyra / Aline Borges / Anna Silva (Kit-Cat) / Bruno Willian / Carlos Silva / Cleiton Lopes / Cristiano Bordallo / Douglas Dias / Emilly / Evellyn Ingrid / Geisy Alana/ Isabella Rodrigues / Isabela Cordovil / Iury Souza / Janaína Bandeira / Jean Pedrosa / Jeniffer Raiol / Jeniffer Calurinda/ Jessica Pantoja / João Victor / Julyene / Leonardo Penner / Lilian Carlen /Naomi Menna Barreto / Nil Trindade / Vitória Serrão
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SUMÁRIO Capítulo de Adrryely Máyra.........................6 Capítulo de Aline Borges...........................9 Capítulo Anna Silva (Kit-Cat).....................12 Capitulo Bruno Willian...........................17 Capítulo Carlos Silva.............................19 Capítulo Cleiton Lopes............................23 Capítulo Cristiano Bordallo.......................25 Capítulo Douglas Dias.............................28 Capítulo Emilly Martins..........................31 Capítulo Evellyn Ingrid..........................35 Capítulo Geisy Alana.............................39 Capítulo Isabella Rodrigues......................42 Capítulo Isabela Cordovil........................46 Capítulo Iury Souza...............................50 Capítulo Janaína Bandeira........................62 Capitulo Jean Pedrosa............................64 Capitulo Jenniffer Raiol.........................67 Capitulo Jenniffer Calurinda.....................69 Capitulo Jessica Pantoja.........................72 Capítulo João Victor..............................76 Capítulo Julyene.................................78 Capitulo Leo Penner...................,,,,,,......82 Capítulo Lilian Carlen............................87 Capítulo Naomi Menna Barreto......................91 Capítulo Nil Trindade.............................93 Capítulo Vitória Serrão...........................97
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Adryelly Máyra, 18 anos, nasceu em Belém do Pará “pensamentos sorridentes indo e vindo”
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A cada livro lido um universo descrito
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da natureza só tu podes me explicar como pode ser tão tua e natural no teu olhar
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Aline Borges, 34 anos, nasceu em Belém do Pará “vivi uma curiosa dentro dela”
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o som da chuva acalma a minha mente abarrotada
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preconceito esmaga a multidão sem compaixão
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Anna Silva [kit-cat], 16 anos, nasceu em Belém do Pará “palavras que se encaracolam com as ideias sem fim que brotam por dentro todo dia”
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Os sons da minha estrutura Um dia quase consegui ver as notas voando por cima da minha cabeça, quase senti o cheiro do som quando toquei em um atabaque. O que quero dizer é que o som visto de outra forma é muito mais que um simples barulho lançado no ar. As juntas de meu corpo estalam por causa dos anos que venho ganhando e o tempo de vida que venho deixando, sinto que estou começando a ficar surda por conta das caixas de som, por causa dos fones de ouvido, do tumulto sonoro que os carros fazem nas ruas. Meu nome parece ser chamado ao longe, me enganei, não era ninguém. Na minha cabeça estou dançando ao som dos gritos que escuto, interpretando as vozes que ditam palavras aleatórias. Comecei a correr na rua, estranho, senti o sangue escorrer por meu corpo até parecia o mar dentro de mim, minha respiração quebrava em com os batimentos do meu coração, uma voz começa a cantar ao fundo, meu estômago começou a falar para completar a orquestra corpórea. Parei e sentei num banco qualquer, nunca vai parar, meu corpo ainda soa sua canção se misturando com a do mundo que está em minha volta. Mas estou parando de escutar para ver e cheirar a canção. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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The first love “No ar várias peças de vidro ganhavam seus espaços e logo os deixavam Iam em uma única direção, a garota de cabelos curtos pretendia o acertar Suas ações não tinham nem um pingo de hesitação Mesmo que a fúria do homem fosse algo que ela não suportaria Ele era hábil, usava seus poderes para quebrar e ou desviar os objetos O rapaz dava passos firmes em direção à ela, seu olhar furioso amendrontava a menor Que vacilava andando para atrás, suas costas atingiram algo duro “Encurralada, não tem para onde ir” a voz dele carregava humor Oliver estava ofegante Ele podia lhe bater, acabar com ela ali mesmo. Por outro lado, não foi o que ele fez Aquela história era tão errada, namorar a própria prima Se apaixonar por alguém que ele disse que apenas treinaria Ele a beijou, e ela retribuiu FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Na mesma noite se fundiram, o calor se alastrava pelo quarto E escondia as origens frias de ambos Os lábios de um escorregava pela pele do outro Seus corpos em constante movimento” Ao longe algo soava, uma música chata que a garota de cabelos curtos fez questão de parar, o sol demonstrava sua presença deixando que seus raios surgissem por detrás dos prédios e a sua luz invadisse o quarto. Ela sentou-se na cama vendo que ao seu lado tinha apenas lençóis, seu pequeno sonho parecia real, o calor que se fazia nele, cobrindo ela e seu antigo amor. Porém o quarto estava frio como das outras vezes, ela não se incomodava, até achava reconfortante, mesmo sentindo saudades dele.
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A vela vai com o vento me levando para cami nhos distintos que não procuro saber, estou tentando ~~~~ me perder de você ~~~~~~~~~
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Bruno Willian, 16 anos, nasceu em Belém do Pará “sorriso abissal”
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Minha cidade Belém gosto de sentir teu cheiro tua cor e teu sabor
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Carlos Alberto, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “se expresse não se extresse”
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a educação que movimenta a população mas parece que ninguém presta atenção acordamos de manhã pegamos o busão vamos à escola quase caindo no chão cadeira, mesa, alimentação não tem porque o Governo colocar a educação como última opção
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Interpretando Por que este pré conceito quer dizer que só por eu ser negro não mereço o devido respeito na sociedade parceiro sou um humano honesto e você vem me tratar como resto negativo, não vou aceitar esse absurdo não vou me fingir de surdo sou parte desse mundo não sou nenhum bicho meu amigo não me trate como lixo cansei disso sou filho, sou povo sou como qualquer outro
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o bonde parte e você já deixa saudade
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Cleiton Lopes, 18 anos, nasceu em Belém do Pará “voe com suas próprias asas”
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procuro o amor em pessoas vazias e me encontro numa cidade com apenas poesias
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Cristiano Bordallo, 29 anos, nasceu em Belém do Pará “voou entre nós e deixou pedaços de tempo”
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Que rei é o meu? nunca foi o então presidente rei tão bem sucedido nunca rei de tamanha coroa de leais partidos, exército inflamado carregam bandeira, estandartes, brazões azuis e vermelhos em seus corações e gritos de guerra de cada lado anunciam bem alto o país consternado nunca se viu tal presidente ungido do povo, ungido da gente de todos os lados o rei coroado e todas as rosas coroam o seu lado futuro brilhante é o lado da gente sou eu que apoio, sou eu que decido venha a mim meu bravo regente que em nome da gente é tão aguerrido nunca se viu tanta heresia que em nome de um rei, que em nome de mim, enterra a democracia FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Tchau, Deodato! Quando morreu Deodato, o tempo pra mim parou. Continuou parado, enquanto, estivesse aberto seu caixão à minha frente naquele cortejo. Sua mulher me odiava e entre seus prantos fingidos vinham seus olhares rancorosos, querendo minha morte, querendo o meu velório no lugar dos pais dela. “Companheiros de cachaça deviam ser companheiros de caixão” ela me disse quando Deodato morreu. E desde lá, o tempo parou pra mim. Meus olhos mal piscavam, enquanto, pairavam pelo salão lotado, mas me cortou o coração ver a sua mãe, ela que me via como o velho amigo de infância de seu filho, Todas aquelas vozes de choro, voz de padre, falas de saudade, compadecidas: “Sinto muito!”. Seguiam pelo salão com algumas flores brancas cedidas pela capelinha onde se resava o rito fúnebre. Eu segui por toda a despedida com o tempo parado, incrédulo do que estava vivendo. Alí se foi meu amigo, alí se foi meu irmão, lá se foi Deodato e agora eu bebo sozinho, no tempo parado e de coração partido. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Douglas Dias, 23 anos, nasceu em Belém do Pará “fé é verbo”
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poesia não se entende se sente
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a vida carimbou só por estar lá marcou
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Emilly Martins, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “silêncio que conversa sobre desejos”
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Quem foi ou quem era?! Parecia coisa de filme, o funeral teve direito a roupas pretas e uma tarde chuvosa, pela primeira vez me senti em Hollywood. Eu conhecia muito bem o protagonista, podia enxergá-lo. A alma dele saiu do corpo, a minha alma saiu do corpo. Entre todos os rostos conhecidos, com certeza estava o do assassino por alí, eu tinha quase certeza. A origem da história, o que causou o problema. Estavam, também: a mulher amada, o melhor amigo, o pai ausente e o irmão deprimente, além de outras pessoas. Nos meus últimos momentos de vida, lembro de não estar bem com nenhum deles. Não entendia o porquê de tanta hiporcresia. A mulher chorava estendida no caixão, como se nunca tivesse me traído, o amigo dava tapinha nas costas dela como se os seus lábios nunca tivessem se tocado, ele chorava como se realmente fosse meu amigo. As pessoas abraçavam meu pai e ele chorava como se tivesse me amado de verdade um dia. Uma raiva súbita invadiu meu peito e eu queria tirá-lo dali e socá-lo até que seu rosto sangrasse. O irmão era aquilo que sempre foi, não mostrava sentimentos. Você pode estar se perguntando, porque eu não revelo o culpado. A verdade é que eu não sei, estou observando para lembrar o que aconteceu , acho que é por isso que ainda estou por aqui, talvez esse seja meu inferno após a morte. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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eu fingi tu fugiu nós erramos não amamos
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os dias eram cinzas eles me controlavam como marionete insetos chatos chamados adultos comeram meus sonhos pouco a pouco qual foi o sonho que a pequena garota sonhou?
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Evellyn Ingrid, 31 anos, nasceu em Belém do Pará “sangue cor de tinta”
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a ânsia por algo esperado faz tropeçar no inesperado
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momento inverso sorriso disperso tempo impresso
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Tempo notas eufóricas de um violão tapado
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Geisy Alana, 16 anos, nasceu em Belém do Pará “a timidez e a virtude do silêncio profundo”
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saudade aperta tristeza incomoda a dor que sufoca
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linda rosa rosa linda só brilha com a luz do dia
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Isabella Rodrigues, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “evoluir é uma palavra que eu ainda vou inventar”
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Secret Lover Com os olhos cegos da saudade com os olhos abertos da verdade quando i kiss her and she kiss my beck o seu nervosismo, me entregue a todos os nossos pensamentos enroscados encaracolados de algo nunca revelado
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Haiçaí saudade forte cheiro do norte
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Nó o ato de escrever me desata inteiro linha por linha o nó que apaga minha sina e minha rima presa em mim por entrelinhas nunca haverá uma vida em que eu não fosse minha
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Isabela Cordovil, 16 anos, nasceu em Belém do Pará “eu não queria escrever, mas acabei me escrevendo”
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Seu Carlos De tantos funerais, aquele de longe era o mais estranho. Eu conhecia seu Carlos, só o que não sabia era que ele era tão conhecido, se mês passado mesmo, foram só uns seis gatos pingados pro seu aniversário. O morto já estava em seu caixão, mas as pessoas pareciam estar à espera de outra pessoa, Aproximei-me do caixão e ouvi de ume loira: “Oh, seu Carlos está tão bonito, parece estar em paz”. Então, pude perceber que ele estava com uns números na camisa. O velório de seu Carlos habia sido patrocinado por um parente distante, que por acaso era político e precisava de votos para sua reeleição, por isso os números em sua roupa. Ouvi uns cochilos, de repente: “ele chegou!”, “vamos lá cumprimentá-lo!”. Então, vi um velho barrigudo acenando para todos. Não sabia se ria ou chorava por tamanha falta de noção da parte das pessoas que ali estavam. Seu Carlos não sabia a sorte que tinha por estar morto. Fiquei calado o funeral inteiro, afinal o que valeria a palavra de um simples coveiro?
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flutuar no igarapé traz gritar d’agua cala alma
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somos culpados apenas por existir então, por que não se permitir?
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Iury Souza, 22 anos, nasceu em Belém do Pará “há um tempo de tempo ser dentro de mim”
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Descasos mofados Então, repentinamente, minha língua decide sentir o alimento embolorado ao longo de toda a sua extensão, sem seguir aquele mapa de sabores que nos ensinam desde pequenos. Lembro da minha surpresa ao descobrir que a habilidade de sentir o doce, amargo, azedo e salgado não é fragmentada em diferentes partes da língua, mas viável em todas as partes do músculo. Por que nos fazem acreditar em algo arcaico, comprovadamente errado? Não sei ao certo como definir o gosto do mofo. Cada centímetro da minha adora brincar com os sabores tradicionais, mas a delícia do apodrecido é de difícil descrição: domina meu sistema bucal como o bafo de reclusão das florestas abandonadas, reina sobre minha mucosa como quando rouba a vida dos troncos com a intenção narcisista de exibição dos fungos sobre a morte biológica anunciada. A experiência é única; não esperava que o primeiro contato com uma nova literatura pudesse se tornar uma grande aula de FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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fisiologia lingual. Um presente de aniversário simples, comprado à vista por uma amiga que não sabia qual livro me presentear. Após sugestão minha, as dádivas: uma cópia de “Morangos Mofados” para mim, um exemplar de “Mrs. Dalloway” para ela. Engraçado o modo pelo qual supostamente eliminamos o mofo que habitava nossa recorrente falta de leitura: com poesia digitada em papel Pólen com letras adequadas aos míopes. Minha amiga ainda não conhece Clarissa Dalloway, lamentavelmente guardada em uma gaveta qualquer. Seu paladar permanece insípido, embora a morte dos fungos pareça já ter iniciado. “Morangos Mofados” me fez conhecer a famosa sensação do vazio, aquela facilmente relatada pelos adolescentes em 140 caracteres a partir de frases que nem são da real autoria de Caio. Um livro de contos cheio de poesia geracional. Uma leitura que representou um impactante ritual de conhecimento da solidão quase palpável do autor. Não esperava tal intensidade em uma primeira experiência, apesar de saber que seria apresentado a FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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um espelho, como todo livro de Abreu: um forte raio emissor de crueza e desespero, empenhado em atingir meu rosto de sono e indiferença. A triste conclusão de que o livro teria me ajudado bastante há pouco tempo, no auge das dúvidas sobre a necessidade da escrita na definição da minha essência. Os dias passaram; a vocação da palavra aparenta caminhar rumo a uma certeza, mas perdi tempo ao deixar a poesia em estado letárgico, sem despertador. Por que as pessoas abrem mão da leitura? Nem me refiro mais à poesia orgânica, especificamente. Falo do livro, impresso, PDF, e-book, o livro velho emprestado por duas semanas naqueles prédios de arquitetura antiga. Além disso, falo, sobretudo, dos olhos. Falo de pessoas cujos olhos se preocupam apenas em conceder audiência aos telejornais cheios de luzes e alienação, ou àqueles sites com milhões de comentários em um vídeo com uma bobagem qualquer. Afinal, não há por que buscar outras fontes de informação questionadora, não há por que ter conhecimento e sensibilidade de mundo. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Queria escapar da minha responsabilidade de viver fora da gestão do botão automático. Estava conformado em ver meus neurônios intactos. Fugia da poesia pela sensação desconfortável de perceber que o entusiasmo do movimento estava tão próximo. Não sei mensurar o quão chocante foi constatar que a leitura e a escrita são atos de coragem, de pessoas que choram sobre páginas, que vomitam sobre sílabas e que regurgitam pensamentos em desencontro. Mas não tenho tanta culpa assim, acredito. Fui fraterno com minha comunidade de irmãos humanos em inércia. Fui cristão. Caio Fernando Abreu e suas cestas com morangos mofados me apresentaram uma nova modalidade gastronômica: comida pútrida. O sabor do mofo transformou minha língua, anteriormente entregue à condição primitiva da padronização. Esse prato gourmet, apetitoso e convidativo, dominou o mofo do descaso que se tornava intrínseco ao meu sistema digestivo. A vida selvagem se concretizou, e um despertar se fez palavra. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Rouquidão Mais uma noite insone na vida do homem de voz quase inaudível. Mais uma possibilidade de bagunçar as colchas da cama dentre os resquícios sonoros que insistem em desgastar as cordas vocais de sua laringe. Selfie, o gatinho que desliza pela solidão do quarto, emite um miado alto e repentino, fazendo Jorge grunhir uma tímida risada. – Calma! Não tem inimigo nenhum aqui – diz Jorge. Não houve resposta. – Você quer alguma coisa? – pergunta Jorge ao gato. O quarto é dominado pelo silêncio do bichano. – Entendi – afirma o homem. Os olhos do gato engolem o rosto barbudo de seu dono, numa demonstração aparente de carinho e reverência felina. – Preciso do spray – reflete Jorge, num pensamento avulso. – Já volto, Selfie. Selfie sai do chão e deita na cama. Embrulha-se com o lençol do homem, inebriado por uma sinfonia de suor, pelos e fadiga. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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– Meu maior erro é não honrar meu nome. Por que não comprei um minhocário e chamei cada minhoca pelos nomes dos apóstolos, dos Sete Anões, daqueles loucos do filme do Harry Potter? – fala Jorge, lamurioso, enquanto caminha em direção à farmácia 24 horas. O relógio marca 3h. Jorge conhece a hora do demônio como ninguém. O diabo não é vermelho ou possui chifres: o diabo é devoto das noites em claro e não possui voz, coitado. – O que deseja, senhor? – pergunta o farmacêutico. – Neopiridin – responde Jorge, mecanicamente, mais uma vez nessa semana. – Aqui está. Basta levar ao caixa – informa o farmacêutico, também mecanicamente. – Obrigado. Bom trabalho – a despedida de Jorge é apenas uma promessa de retorno. “É o quinto Neopiridin comprado por ele em cinco dias”, “Talvez esteja fazendo uma boa ação”, “Tarefa difícil cuidar de tantos filhos!”, “Não consigo pensar em mais nada”. A praça está iluminada de um modo particularmente belo nessa madrugada. Sob o FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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luar, a praça abriga uma farmácia, um bar e um homem com uma pequena sacola nas mãos. O quinto Neopiridin da semana. Um bêbado no bar chama o rato de farmácia. – Fala, cara! – Desculpa, não te conheço – apressa-se Jorge. – Senta aí, bora tomar uma. – Preciso ir para casa – despede-se Jorge, decidido. – Essa é minha mulher. – Prazer, Violeta. A mulher parece tão bêbada quanto o marido, mas ainda sabe usar a norma culta em um nível aceitável. – Desculpa pelo Acácio, ele não tem noção. Jorge se descuida e deixa cair a sacola com o frasco de Neopiridin. – Quê que isso aí? – Para de ser chato! – Só um remédio – o homem se chateia por reduzir a importância do seu cálice de saúde. – Cerva? FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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– Não, obrigado – entedia-se Jorge. – Aí, cara! Vê uma pro Che Guevara aqui! “Que desgraça”, lamenta Jorge, impotente. – Essa desgraçada quer acabar tudo! – Sabes que eu estou certa. – Que merda, cala a boca! Violeta passa a conversar com Jorge. – O que você faria se fosse traído? – Nunca perdoaria uma traição. – E o que você faria se sua mulher insistisse na relação? – Não sei, só preciso tentar dormir. – Você tentaria dormir? – Talvez. – E a mulher? – Pediria pra tentar dormir também. Jorge retoma o papel de espectador da bizarrice. – Fui obrigada a estar aqui, agora. – Claro que não! – Ele não aceita que não tem mais volta. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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– A cerva esquentou. Outra, cara! – Tá vendo? Não sou obrigada. – Eu só quero que tudo volte a ser como antes. (num claro surto de norma gramatical) – Aquela vadia vai te acompanhar a partir de agora. – Nem lembro mais daquela puta! – Acabou seu show? Adeus! – Me dá um último beijo? Jorge sente pena do Neopiridin, exposto ao circo de horrores do bar iluminado pela lua. Ao voltar para casa, retira o remédio da sacola e o agrupa aos outros frascos, organizados com enorme empenho. – Oi, Selfie. Finalmente voltei – Jorge recepciona seu gatinho. Silêncio, mas olhos vidrados. – Tive uma madrugada longa – o homem está cansado, mas trata o gato com afeto. Jorge já não se arrepende de Selfie. Já não quer minhocas com nomes extravagantes.
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Selfie observa seu dono com atenção exemplar. Curiosamente, o gato não mia mais; decide imitar Jorge, com sua voz murmurosa. Jorge vira um frasco de Neopiridin em sua garganta. Parte do líquido verde escorre por entre seus lábios e cavanhaque, dando um aroma mentolado àqueles pelos cheios de histórias e experiências em términos de relacionamentos. O placebo é verde; o problema é cinza. Diante das paredes cinza do seu quarto, devidamente medicado e solitário, Jorge tenta dormir. Não possui voz; tem a voz mais sonora do mundo. Num último momento desperto, Jorge se despede de Selfie. – Toma cuidado por aí, Selfie. Ou melhor, – Toma cuidado por aí, Selfie.
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Monocromático o passar do tempo parece não ter medição cada dia rouba ponteiros para si e os faz propriedade do seu conteúdo dominado pela lentidão diante do cotidiano o tempo confronta o dia e o desafia com soberba a tartaruga e a lebre em conflito e assim seguem cada qual em seu ego esgotado pela conivência do relógio e as horas, impassíveis observam a vazia essência das rotinas essenciais
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Janaína Bandeira, 24 anos, nasceu em Belém do Pará “comunicar também é doar uma parte de si mesmo”
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Quanto universos cabem em ti? Quanto anosluz tem o teu pensamento? Quem sabe se me responderes eu possa encontrar a constelação a qual pertenço. Mas até lá...tantos olhares perdidos. Olhos abertos que não vêem. Mãos que tocam sem sentir. Braços que abraçam, bocas que metralham. Ei, calma! Vem cá, deixa eu te mostrar o valor da jornada. Abre teus olhos e percebe o fim do existir e o infinito do ser. Então seja! Te permite desvencilhar do medo e te deixa transbordar pelo desconhecido. Te permite conhecer aqueles universos da tua alma e quando o brilho das estrelas se refletir na profundeza do teu olhar, vais saber que ele não estará mais perdido.
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Jean Pedrosa, 39 anos, nasceu em Belém do Pará “todos querem se encontrar”
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Ato de escrever é falar com os dedos seus pensamentos
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uma nova lagoa o príncipe pula e o sapo voa
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Jeniffer Raiol, 18 anos, nasceu em Belém do Pará “rabisco para tentar me inventar”
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Formiga levanta recolhe teu grão pé no chão que o amanhã é sem previsão
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Jeniffer Calurinda, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “tentei me esconder das palavras, mas não consegui”
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O amor quando eu ouvi pela primeira vez sobre o amor logo meu assustei, eu tinha medo de amar sei lá antigamente a palavra amor era tão forte que eu tinha medo. mas queria amar hoje em dia eu sei o que é o verdadeiro amor mas eu nem quero ouvir falar é que a frase “eu te amo” sai tão facilmente da boca de qualquer pessoa que não há mais prazer em ouví-la um beijo qualquer um olhar qualquer um corpo qualquer vai logo escapolindo
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você é meu tempo e eu não tenho tempo pra você
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Jessica Pantoja, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “olhos que não fingem”
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Angústia como é difícil ficar acordada com dias de escuridão não conseguindo pisar no chão procurar ter o pé firme sentir a realidade os pesos da vida sem de maneira alguma precisar fugir talvez ausentar essa agonia repentina nos traga paz aquela que querendo ou não todos um dia terão
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o sol está cada vez mais quente cada vez mais estridente parece que somos fogueiras ambulantes procurando uma sombra de mangueira para esfriar até sair fumaça não sei se é porquê adoro demais a chuva tudo nela é perfeito um símbolo de renovação ajudando a limpar cada imperfeição
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Amor é o privilégio de uma palavra
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João Victor, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “vai e volta porque a vida é roda-viva”
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Soneto da angústia angustiante é não saber como escrever viver por viver, apenas existir mantendo as portas fechadas preso no pequeno armário embaixo da escada vivendo em meu bueiro particular que audácia da minha parte comentar espero que sejas surdo e cego para que não julgues meu inferno caraminholas na cabeça meu ócio foi decretado pego a guitarra e me mando pro espaço nunca terminarei o que já comecei mas sigo começando
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Julyene dos Santos Ferraz, 21 anos, nasceu em Belém do Pará “a escrita é mar que me toma a alma e a faz aflorar”
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Tudo é agora, pra já. Na medida em que fui percebendo a vida, vi e refleti sobre seus vários aspectos da existência, do mundo e dos porquês que carregamos a cada ano. Amontoamos perguntas que não sabemos se serão respondidas um dia, mas nos impulsiona a seguirmos em sua busca. Temos perguntas de várias formas e assuntos, desde o nosso nascimento tudo é desconhecido. Somos incentivados a busca por um mundo melhor, por uma sociedae mais saudável e justa, por igualdade, por amor de verdade, estamos sempre em busca dessa perfeição num futuro que ainda não existe. Existe só o agora e o passado, o já e o passado se foi e não voltará, mas a gente se esquece e vai vivendo a vida como se ela nunca fosse terminar. A busca nos move. Mas é preciso que adiemos pra amanhã essa procrastinação que nos paralisa, extasia e faz vermos a vida sempre nun constante futuro que não acontece, ou melhor, pode não acontecer. Somos seres perfeccionistas, queremos o perfeito que não somos e nunca seremos. Podemos ser uma versão melhorada de nós, mas nunca perfeitos, terminados, pois somos seres inacabados e nos fazemos a cada instante e nos desfazemos também. Somos em nosso íntimo confusos e preocupados. A busca nos busca por sermos seres de constante metamorfose. É bom mudar, ser diferente, isso é a vida: um constante refazer-se íntima e exteriormente, mudanças pequenas que causam alvoroço, porque somos um planeta em movimento. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Tempo me escapa às mãos como água
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cabelo enrolado sorriso de lado amor dobrado suspiro apertado atenção reduzida paixão na medida
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Leo Affonso Penner, 23 anos, nasceu em Belém do Pará “inventor de palavras caminhando pelas folhas em branco”
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luz se apaga tarde muito cedo essa dor me arde
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Mais um funeral. O último deles Todos estão juntos, todos de preto, chorando e falando bem do falecido. E este, apenas deitado no caixão, com os olhos fechados, como que de sono. Olhar para ele é estranho, pelo menos para mim. Bom deve ser estranho para qualquer um assistir seu próprio funeral. Não tenho certeza, ainda não conversei com ninguém que passou por isso. Eu consigo ver meu corpo, a sala, todas as pessoas e tudo ao mesmo tempo. Parece que estar morto deixa você ver as coisas de um jeito que não dava antes, como eles dizem nas sessões espiritas e todo esse hocos pocus de Hollywood. Tem gente aqui que não vai sentir tanto a minha falta. Como a Clarisse, uma namorada que eu tinha. Ela fica passando o lenço nos olhos e dizendo como que queria que eu estivesse aqui mas ela só veio para saber do testamento. Ela espera ganhar algo depois se mandar da cidade com o “primo” dela, pois sabia da fortuna da família e queria pegar algo para si e ainda espera. Ela veio descobrir que nem menciono ela no testamento. Maldita interesseira, bem que me avisaram sobre ela. E, também, o Tomaz, que sempre se disse meu amigo. Ele sempre teve inveja, só andava do meu lado pra ser popular. Desde o colegial, ele só se aproximou daquele garoto magrela de família abastada pra ter a mesma atenção que ele. E agora que se fora, ele não vai mais ter que viver em sua sombra. Ele pensa isso, enquanto, diz a todos FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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coisas maravilhosas ao meu respeito. Nem todos são assim. Alguns aqui realmente irão sentir a minha falta, por exemplo, Paula, minha irmã. Ela não está fazendo nenhum escândalo, ela nunca foi disso. Ela, simplesmente, fica perto do caixão, olhando para meu rosto inerte ,de expressão serena. Ela está sorrindo, mas é um sorriso triste. Ela está se lembrando de todos os momentos que passou com seu querido irmão. O irmão que cuidou dela depois que os pais morreram, que fez o que pode para garantir a felicidade dela, que preparou seu almoço todos os dias e que sempre a protegeu da melhor forma de conseguiu. Ela pensa como ele está sereno e em silêncio diz a ele que sentirá saudades, prometendo se cuidar e pedindo que ele faça o mesmo. Eu choraria se pudesse. Tem cerca de cem pessoas naquela sala e minha irmã está entre as vinte que, realmente, lamentam minha partida. Pode parecer pouco, mas esse amor deles, esse carinho que colocam em minha lembrança, vale pelo de vinte mil pessoas. Isso me enche de calor que os sentimentos frios daqueles falsos, interesseiros e sanguessugas não é capaz de afetar, de jeito nenhum. Sinto que está chegando a hora de eu ir, posso sentir isso no que resta de mim. Este é o momento em que devo me despedir daqueles que me amam. Sei que sofrem, mas eles seguirão com suas vidas e eu devo ir, mas esse carinho que eles transmitem é muito bom e, realmente, me faz perguntar se está mesmo na hora de partir. FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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Soneto Em meu peito aperta uma dor sinto meu coração em um abraço frio esse pesar que me segue onde eu for e em mim gera um grande vazio pode ser culpa ou solidão, dá na mesma sinto esse pendor me consumir sigo com essa dor indo à esma me pergunto se vou conseguir pessoas me perguntam se eu estou bem todos eles querem me ajudar mas em mesmo parece que vou me afogar não posso contar com ninguém eu me fecho então dentro de mim e em silêncio espero pelo meu fim
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Lilian Carlen, 24 anos, nasceu em Santa Maria no Pará “gosta de ouvir histórias pra reinventar o próprio mundo”
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essa vida é uma viagem que pena só estou de passagem
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Soneto há uma nota específica para cada acorde há um olhar para cada pessoa há um está para cada momento há uma tristeza para cada coração há uma folha para cada palavra há um universo há um mistério para cada passo há um silêncio no ar
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felicidade é algo da gente inconstante olhar transparente
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Naomi Menna Barreto de Vilhena, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “pássaros criados em gaiola acreditam que voar é uma doença”
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Som do medo ou quase um soneto não sei o que pensar sobre o amor minhas memórias fazem com que eu associe a dor mas quando tudo isso mudou? simplesmente se transformou? não sei o que falar ou por qual caminho andar só sei que cada vez mais quero do amor me afastar mas no fundo essa não é a história que queria contar quem nunca sonhou com um amor de suspirar? mas que atire a primeira pedra quem não tem medo de amar tudo perdeu o sentido no começo da vida acreditar que amor é tempo perdido? o que tem de errado comigo
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Nil Trindade, 24 anos, nasceu em Belém do Pará “mais amor menos ego”
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Ato de escrever é como a criação da gênesis uma pincelada na aquarela singela que mesmo com o passar do tempo ela permanecerá eterna
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Sobre o pré conceito Eles não para de me olhar, independente do caminho que eu siga, são vários olhares com pré conceitos. Mas ninguém, perguntou como tá a porra da minha vida. Quando eu seguia o padrão, alguns cheios de receio sorria debochadamente dizendo é preto, mas é trabalhador, confesso que várias vezes, mano, fechei o punho, mas digo: salve Dona Claudia, não abaixei o meu nível pela educação que a senhora passou, e no fim, sempre tive em mente que talento e humildade não são subdivididos por cor, minha labuta que travei até aqui foi pesada, tipo a que zumbi dos palmares travou. Eu nunca abaixei minha cabeça pra nenhum filho da puta opressor que me julgou com o velho clichê de que todo mundo odeia o cris, mas acredito que não sou eu nas todo preto quer só ter respeito e ser feliz. Mano, não vim pagar de coitado, só vim relatar um pouco do meu lamento, mostrar que piada sem graça disgraça e não é anedota e pra alguns mexe com os sentimentos, como no meu caso, moldaram minhas armas, encontrei força na fé da minha essência, numa beira trombei trombei com um moço de capa vermelha que me deu passe e um cumprimento dizendo: vai pra guerra meu filho, tu não tá sozinho, no caminho da fé não existe demanda que feche caminho, eu faço justiça e ai daquele que mexer com os meus filhos FUNDADÇÃO CULTURAL DO PARÁ - CASA DA LINGUAGEM - LÊSTRADA
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seguindo o ciclo da vida almas se conectam por algum laço ligações sem explicações somos vítimas do acaso
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Vitória Serrão, 17 anos, nasceu em Belém do Pará “desenho porque preciso, escrevo porque procuro o impossível”
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Ache-o onde estiver o amor próprio estará contigo
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O poder da arte sobre mim Eu tenho certeza, quase toda, de que em minhas veias corre tinta e não sangue, certeza de que fui feita em uma tela e não na cama. Por que? Bom, simplesmente, pelo fato de que eu vivo para isso. Tudo o que faço, até mesmo quando não quero, vira arte. -Mas o que é essa arte que tanto falas? A arte é tudo o que...eu não sei. Só sei que me sinto arte Um alguém que só consegue se expressar por desenhos, dança, cores, corpo, etc...
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no quebra-cabeça mundo somos peças perdidas
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