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ALGARVE INFORMATIVO 13 de novembro, 2021
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«A RATOEIRA» | RÉGIS VINCENT | FRANCISCO AMARAL | «LOOP» | «SEGUNDA 2» ALGARVE INFORMATIVO #315 «SPIN & SHOT» | FESTIVAL DE MÚSICA SACRA DE LAGOA | CONCHEIRO DO CASTELEJO
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112 - Festival de Música Sacra em Lagoa
62 - «Um gajo nunca mais é a mesma coisa» da ACTA no Teatro Lethes
98 - Festival MOCHILA 36 - Régis Vincent expõe na 289
26 - Francisco Amaral 14 - Investigadores da Universidade do Algarve em Vila do Bispo
OPINIÃO
48 - «A Ratoeira» ALGARVE INFORMATIVO #315
120 - Ana Isabel Soares 122 - Adília César 124 - João Soares 8
78 - «Segunda 2» da Companhia Paulo Ribeiro no Cineteatro Louletano
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INVESTIGADORES DA UNIVERSIDADE DO ALGARVE REGRESSARAM AO CONCHEIRO DO CASTELEJO, EM VILA DO BISPO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina concelho de Vila do Bispo continua a ser pródigo em trabalhos arqueológicos e, de 18 a 29 de novembro, uma equipa do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB) da Universidade do Algarve regressou, no âmbito do projeto «SEArch» financiado pela União Europeia, ao pré-histórico concheiro do Castelejo em Vila do Bispo, local onde se foram depositando, ao ALGARVE INFORMATIVO #315
longo de milénios, diversas camadas de conchas, desde mexilhões e lapas a búzios e burriés. E o objetivo da equipa liderada por Carlos Simões (que incluía ainda Helena Reis, Patrícia Monteiro e Rui Oliveira) era tentar descobrir mais sobre a exploração dos recursos costeiros na transição do Mesolítico para o Neolítico. “Pretendemos
compreender melhor o processo de neolitização, ou seja, da chegada de novas tecnologias como a cerâmica, a pedra polida e a agricultura, às zonas de costa. 14
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Para tal, procuramos estas acumulações de conchas nos locais de habitat das populações costeiras e este é um dos maiores da costa sudoeste, da costa vicentina”, explica o investigador. Nesta zona perto da Praia do Castelejo já tinha estado uma equipa do Museu de Arqueologia de Setúbal, entre 1985 e 1989, com escavações bastante extensas a revelarem várias estruturas habitacionais associadas aos caçadores recolectores do Período Mesolítico, mas também de povoações sedentárias já do Período Neolítico. “Achámos que era
interessante revisitar o Castelejo, não para fazer uma grande escavação em área, porque essa informação já conhecemos, mas para testar novas metodologias que a arqueologia tem vindo a desenvolver nos últimos anos, e 17
assim irmos mais à escala microscópica para conhecer como é que se formavam este tipo de sítios e quais eram as dinâmicas das populações que os construíram. Eram só lixeiras? Viviam aqui de forma mais ou menos permanente? Houve períodos de abandono? São questões interessantes porque, durante a transição social do Mesolítico para o Neolítico, também se deu uma sedentarização dos grupos humanos”, conta Carlos Simões. A par do Castelejo, a visita ao concelho de Vila do Bispo contemplou igualmente mais duas semanas de trabalho na Rocha das Gaivotas, Armação Nova, junto ao Cabo de São Vicente, num projeto de dois anos que vai a meio. “No primeiro ano ALGARVE INFORMATIVO #315
estivemos a preparar as campanhas e a analisar amostras que já existiam, no segundo ano vamos analisar os dados destas duas escavações”, indica o entrevistado, acrescentando que, normalmente, se sai das escavações com mais perguntas do que quando se chega. “Vamos estudar
em laboratório todos estes materiais que estamos aqui a recolher sistematicamente nos perfis estratigráficos, onde se vislumbram as camadas sobrepostas das várias ocupações, para perceber se existem acontecimentos mais discretos que possam indicar as diversas fases de ocupação do sítio. Tudo coisas que temos que ver à escala microscópica”, declara o investigador, acrescentando que a análise destes sedimentos em concreto é realizada através da geoarqueologia. “É isso que ALGARVE INFORMATIVO #315
nos vai permitir afinar interpretações que, muitas delas, podem já ter sido avançadas, mas que agora poderemos conhecer com mais detalhes”. Claro que revisitar sítios arqueológicos que se encontram no meio da natureza, sujeitos aos fenómenos atmosféricos e à passagem de humanos e animais, encerra desafios específicos e, neste caso concreto, o concheiro do Castelejo estava praticamente coberto por um canavial que teve que ser desmatado e limpo. “Víamos os testemunhos do
concheiro, mas não correspondiam propriamente às superfícies direitas e verticais que terão sido deixadas pelas escavações dos anos 80 do século passado. Tivemos que voltar a regularizar dois perfis antes de recolher as amostras, numa 18
abordagem muito localizada e focada em zonas bastante concretas. A conservação destes sítios é sempre um desafio, até mesmo para se salvaguardar o máximo de informação possível para o futuro”, entende Carlos Simões. Desafiante é, igualmente, a profissão de arqueólogo numa altura em que provavelmente já não existirão mais monumentos pré-históricos para se descobrir por esse globo fora, o que não significa que já se conheça tudo sobre a passagem do ser humano pela Terra.
“Dentro da própria arqueologia estamos sempre a encontrar novas maneiras e ferramentas para nos ajudar a analisar artefactos e evidências mais antigas. Claro que
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estas acumulações de conchas não são visualmente impactantes, mas é importante que a sociedade se conheça a si própria. E é fundamental que as conclusões que venhamos a tirar deste trabalho cheguem depois às populações, para saberem mais sobre aqueles que habitaram este território há milhares de anos atrás”, aponta Carlos Simões. “O que recolhemos aqui é depois devolvido à população, através da publicação de textos científicos para o meio académico, mas há que preservar a memória e o património arqueológico, que se pode converter num recurso económico importante desde que haja visão
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para tal. E temos que enquadrar estas descobertas na história da Humanidade de uma forma que faça sentido e que seja apelativa para as novas gerações. No fundo, cada sítio arqueológico é uma peça de um puzzle que está sempre a mudar, conforme novas descobertas são feitas e novas tecnologias se vão aplicando, desde a biologia e a genética até às ferramentas que nos permitem conceber modelos a três dimensões”.
APOSTA FORTE NO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO A atenção ao património arqueológico de Vila do Bispo tem sido, de facto, bastante evidente ao longo da última década, depois de muitos investigadores terem reconhecido a importância dos seus recursos naturais e culturais no contexto global. “Numa fase inicial começaram
a contar uma história direcionada sobretudo para a classe cientista, em artigos, teses e congressos. Mas há também uma vertente mais pública e social da arqueologia que nos cabe a todos e, quando as autarquias possuem arqueólogos nos seus quadros, conseguem traduzir para a comunidade local, com uma linguagem mais apropriada às populações e às várias faixas etárias, todo esse trabalho que foi feito pelos investigadores”, comenta Ricardo Soares, o arqueólogo municipal de Vila do Bispo. 21
Câmara Municipal de Vila do Bispo que assinou, em 2014, um protocolo de colaboração com a Universidade do Algarve, que já explorava este território do ponto de vista arqueológico, e assim avançaram os trabalhos numa jazida paleolítica em Vale de Boi e num sítio lusitano-romano na Boca do Rio, entre outros importantes locais. “Em
simultâneo, a autarquia produziu uma carta arqueológica do próprio concelho, terrestre e subaquática, e é de todo este manancial de informação que se constrói depois uma narrativa que conta a história da evolução do território em termos humanos. Cada investigador explora um período de tempo e depois há que montar o puzzle”, descreve Ricardo Soares. “Muita informação foi produzida pela arqueologia ao longo das décadas que não foi trabalhada do ponto de vista social e torna-se essencial compor um quadro coerente e, depois, dar-lhe visibilidade museológica, a pensar na população local e nos turistas”. Ricardo Soares recorda também que, após a assinatura do protocolo de colaboração com a Universidade do Algarve, foi criado um Centro de Acolhimento à Investigação em Budens que tem captado e acolhido diversos grupos de investigadores portugueses e estrangeiros, como é o caso da equipa liderada por Carlos Simões. “Tudo isto
faz parte de uma estratégia que ALGARVE INFORMATIVO #315
começou no património existente no território e na capacidade que os investigadores tiveram para o reconhecer, e que depois foi cimentada pela vontade da autarquia em devolver este conhecimento à comunidade, à população local, a quem nos visita, à humanidade”, salienta o arqueólogo municipal, destacando ainda a importância da sociedade civil aderir, com entusiasmo, a este processo. “As coisas só ganham
crédito se forem participativas, se nascerem no diálogo, e é isso que a Câmara Municipal de Vila do Bispo tenta fazer. O património tem tido uma grande atenção sobretudo enquanto recurso turístico, mas é muito mais do que isso, é uma herança coletiva que recebemos e que temos a enorme responsabilidade de transmitir às gerações futuras. As crianças são ALGARVE INFORMATIVO #315
uma faixa etária que está sedenta de informação, daí termos uma atividade de enriquecimento curricular nas escolas, designada «Conhecimento do Património Local», em que visitam escavações e participam nos processos de restauro. Percebem como é que uma simples pedrinha ganha depois uma grande importância num museu e temos crianças que levaram para a escola lucernas romanas e pequenos machados de fibrolito que encontraram nos terrenos da família e que vão enriquecer as vitrines do museu”, conta Ricardo Soares, com um sorriso.
“Tiveram a coragem de abrir mão destes objetos que possuíam no seu relicário pessoal e que agora fazem parte do relicário comunitário. É isto que é o património” . 22
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FRANCISCO AMARAL CONFIANTE NUM FUTURO RISONHO PARA CASTRO MARIM Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina ode-se dizer que «à terceira foi de vez» e Francisco Amaral saiu das Eleições Autárquicas de 26 de setembro com maioria absoluta na Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Castro Marim, para além do PSD ter conquistado também todas as Juntas de Freguesia deste concelho de baixa densidade do sotavento. “O povo de
muito grande ao votar massivamente nesta lista. Foi um resultado histórico, ainda para mais porque, nos últimos oito anos, nunca tinha tido maioria absoluta na Assembleia Municipal, órgão que serviu bastantes vezes de entrave ao exercício deste executivo”, recorda
Castro Marim reconheceu o trabalho que temos desenvolvido e atribuiu-nos uma responsabilidade
A vitória estrondosa vai permitir, então, à equipa de Francisco Amaral trabalhar, durante os próximos quatro
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o médico de profissão.
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anos, sem qualquer obstáculo ou bloqueio, o que não significa que a tarefa seja fácil, até porque “há que
recuperar o tempo que se perdeu nos outros mandatos”. “Temos que levar água potável a todas as casas deste concelho, já que, apesar do esforço que fizemos para isso acontecer em mais de 30 povoações, a cobertura ainda não é total. Mas também é preciso renovar a rede de água e saneamento na sede do concelho, que tem mais de 70 anos de existência e todos os dias rompe. Infelizmente, os fundos comunitários já não estão focados nessa área, mas teremos que arranjar uma solução para Castro Marim e Altura”, frisa o entrevistado, antes de falar de uma preocupação partilhada por todos os autarcas portugueses, a habitação. “Castro
Marim é dos concelhos de Portugal com mais casas de segunda habitação, mas primeira habitação para os jovens não existe, daí termos que arranjar loteamentos para autoconstrução e construção a custos controlados”, aponta. Para esse fim está a ser desenvolvida a Estratégia Local de Habitação, condição essencial para depois a autarquia poder concorrer ao programa governamental «1.º Direito», mas a verdade é que a edilidade já há vários anos que vem ajudando as famílias mais carenciadas a pagar as rendas de casa, a par de outros 27
importantes apoios sociais. “Quero
rever o Regulamento da Ação Social porque sou confrontado, diariamente, com situações «do arco da velha». Ainda há poucos dias veio cá uma pessoa quase completamente cega e que está à espera de uma consulta de oftalmologia há dois anos. E depois provavelmente terá que aguardar mais uma série de anos por uma operação às cataratas. É horrível”, desabafa. De volta à habitação, Francisco Amaral indica que a Câmara Municipal possui terrenos em Castro Marim, mas também nas freguesias do Azinhal e de Odeleite, aptos para receber loteamentos, assim se juntando o útil ao agradável, ou seja, arranjar mais casas e, em simultâneo, combater-se a desertificação. “Em Alcoutim
construi casas nas aldeias mais recônditas, como Vaqueiros, Giões e Pereiro, e a experiência resultou em pleno. É preferível, e desejável, viver numa casa desafogada e com quintal, na freguesia de Azinhal, que fica a escassos 10 minutos de Vila Real de Santo António, do que encafuado num apartamento em Vila Real de Santo António. Tenho a certeza que, se os jovens casais tiverem essa opção, vão aderir em peso”, afirma, lembrando que a pandemia por covid-19 veio igualmente reforçar as mais-valias de se viver fora ALGARVE INFORMATIVO #315
dos grandes centros urbanos. “Estive
num convívio, num domingo à tarde, na Choça Queimada, um monte onde uma vintena de idosos ainda vive em perfeita comunidade, com fortes laços de amizade. Todos se ajudam uns aos outros, numa convivência saudável que já não se observa em muitos sítios”. Castro Marim está a conhecer, igualmente, um crescimento económico assinalável fruto de alguns empreendimentos turísticos cujos projetos foram finalmente desbloqueados, daí ser ainda mais urgente a questão da habitação, porque não vale a pena criar postos de trabalho se não existirem depois casas para acolher os funcionários. “Vejo com
bons olhos o futuro de Castro Marim e as receitas do Município vão aumentar substancialmente graças aos novos empreendimentos que estiveram encalhados dezenas de anos, como sejam a Verdelago, Retur, Almada d’Ouro e Quinta do Vale, a par de eco hotéis que estão em construção. E esse desafogo económico vai-nos permitir investir na habitação. Ouço constantemente os governos falar no combate à desertificação, mas, na hora da verdade, não se faz nada. Por exemplo, devia existir uma política governamental para levar a rede de telemóvel e internet a todo o interior do país, pois esse é um fator decisivo para a fixação dos ALGARVE INFORMATIVO #315
jovens casais”, avisa Francisco Amaral. “Já tenho reuniões marcadas com as várias operadoras de telecomunicações para tentarmos ultrapassar esse obstáculo, uma situação que já foi resolvida nas Furnazinhas graças a um acordo com a Altice”.
TURISMO NÃO PODE SER O ÚNICO CAMINHO O turismo está a crescer a olhos vistos em Castro Marim, mas o presidente de câmara salienta que esta pandemia veio realçar ainda mais os perigos de um território depender de uma única atividade económica, ainda para mais de um setor bastante sensível a fenómenos externos. “A
monocultura é sempre perigosa, convém trabalharmos em várias áreas. Veja-se o recente exemplo da cannabis medicinal, uma exploração que já emprega dezenas de pessoas no nosso concelho e que vai ter uma indústria transformadora em Vila Real de Santo António. Castro Marim é um dos poucos concelhos do país sem um parque empresarial, estamos a desenvolver o projeto para a construção de um e, ao mesmo tempo, ajudamos empresas a criarem os seus próprios espaços. Com os parques de autocaravanismo sucede o 28
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mesmo, existe neste momento um privado e já temos um espaço reservado para construir outro em Altura”, adianta Francisco Amaral. Entretanto, depois da ciclovia que liga Castro Marim a Vila Real de Santo António, estão igualmente adjudicados outros projetos da mesma natureza, porque, para além da vertente turística, o médico de profissão quer toda a gente a praticar exercício físico. “E
queremos requalificar a avenida principal de Altura, intervenção que contará com financiamento da Verdelago, uma das contrapartidas oferecidas para se avançar com o empreendimento, a par da construção de um pavilhão desportivo em Altura”, revela o entrevistado, pelo que as perspetivas para o futuro são, de facto, risonhas. Mas mais população residente significa também maior atenção à educação e saúde. “A partir de janeiro
de 2022 essas competências vão passar para as Câmaras Municipais, existe um relacionamento diário com o Agrupamento de Escolas de ALGARVE INFORMATIVO #315
Castro Marim e temos ido ao encontro das suas necessidades. Por outro lado, possuímos uma Unidade Móvel de Saúde com médicos e enfermeiros que percorre todo o concelho e que, 30
de algum modo, complementa o serviço prestado pelo Centro de Saúde, mas não podemos ficar indiferentes a um problema que os governos não resolvem, as listas de espera, e não apenas na 31
oftalmologia”, dispara Francisco Amaral. “É desumano aguardar-se anos por uma consulta ou cirurgia de
ortopedia, andar-se anos com uma hérnia abdominal ou discal. É algo que acarreta um sofrimento enorme, até para adultos jovens, ALGARVE INFORMATIVO #315
que estão de baixa, que tomam sistematicamente medicamentos para lhes aliviar as dores e que, por sua vez, lhes prejudicam o coração e o estômago”.
concluído no início de 2022 e que será mais um contributo importante para se combater o despovoamento e desertificação de Odeleite”.
Com a sua habitual frontalidade, o entrevistado lamenta que se olhe para os presidentes de câmara “como
A subida das receitas de IMT e IMI no curto prazo vão, então, trazer maior tranquilidade orçamental ao executivo liderado por Francisco Amaral, que não esconde a pena de não ter tido maioria absoluta logo no seu primeiro mandato à frente dos destinos de Castro Marim.
empreiteiros para realizar as pequenas obras nas escolas e centros de saúde, ao invés de se avançar com uma descentralização como deve ser”. “Os hospitais, lares e unidades de cuidados continuados estão cheios, as pessoas não têm condições para ter os pais em casa porque trabalham, e os idosos acabam por viver sozinhos e isolados. As câmaras municipais não são insensíveis, tentam ajudar no que podem, mas há áreas que são da competência do poder central. Contudo, se não fossem as autarquias, o que era feito da solidariedade social? E da cultura”, questiona Francisco Amaral, irritado. Menos dores de cabeça existem, pelos vistos, no panorama desportivo, com Castro Marim a dar cartas, por exemplo, no futsal algarvio e, quando o Centro de Atividades Náuticas da Barragem de Odeleite se tornar uma realidade, a aposta seguinte será a canoagem. “Foi
outro projeto que esteve em risco de não se concretizar quando não tivemos maioria absoluta na Câmara Municipal, mas está a avançar e estou convencido que estará ALGARVE INFORMATIVO #315
“Fomos obstaculizados em muitas iniciativas e obras, mas o povo reconheceu o nosso valor e deunos uma maioria substantiva que nos vai permitir trabalhar sem problemas nestes quatro anos. Claro que, depois, há coisas que estão fora das nossas mãos, como a requalificação da EN 125, da linha férrea chegar a Espanha através da Ponte Internacional do Guadiana – onde também poderia existir uma ciclovia –, de termos acesso a telemóvel e internet em todo o concelho. O Algarve precisa de uma postura reivindicativa permanente, porque os algarvios merecem maior respeito da parte do poder central, seja ele qual for. A região contribui imenso para a economia portuguesa, contudo, não se verifica uma reciprocidade de investimento no nosso território”. 32
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RÉGIS VINCENT EXPÕE «CICLOS & REPETIÇÕES» NA ASSOCIAÇÃO 289 Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina stá patente, até 4 de dezembro, na Associação 289, em Faro, a exposição «Ciclos & Repetições», de Régis Vincent, na qual se pode observar o percurso e as transformações das formas no processo criativo deste artista francês que tirou Ciências Sociais e Humanas no Liceu de Faro e, depois, a Licenciatura em Artes Visuais na Universidade do Algarve. “Uma forma orgânica sobressai nesse processo, repetindo-se continuamente sobre si própria, perpetuando-se ao longo das ALGARVE INFORMATIVO #315
diversas revisitações que o artista vai fazendo, explorando repetida e obsessivamente as possibilidades de a representar, numa vontade renovada de explorar, criar e recomeçar de novo. Nessa exploração obsessiva, como num exercício semi-inconsciente, as linhas vão-se transformando em formas, as formas vão adquirindo a materialidade de objetos e os objetos voltam a ser linhas, levando o artista a não procurar algo exato, mas realizando, sim, um exercício de procura da forma, em repetição, criando ciclos”, pode ler-se no texto que acompanha a exposição. 36
Com 32 anos de idade, Régis Vincent abraçou a carreira artística em 2014, embora esta não seja a sua atividade profissional. Aliás, desde os 16 anos que trabalha a full time, pelo que nunca teve disponibilidade para se dedicar à arte a tempo inteiro, embora, como diz, “o
mais. Não é fácil ser artista – e isso já é normal que aconteça – mas, quando temos paixão e objetivos bem definidos, conseguimos seguir em frente”,
meu pensamento está sempre para aí virado”. “Já houve exposições em que não fui à inauguração por acontecer em horário laboral, mas é o meu emprego diário que me permite fazer as experiências de que necessito em termos artísticos e que exigem muito material. Quando vamos fazer 10, 20, 30, 40 experiências, não podemos usar sempre a mesma folha ou a mesma tela, temos que comprar mais e
É o emprego do dia-a-dia, relacionado com o ramo turístico, que alimenta então financeiramente a arte de Régis Vincent, que confessa não se conseguir concentrar totalmente no trabalho quando não vai ao seu atelier, situado na sede da Associação 289, “para
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refere o entrevistado.
deitar cá para fora as ideias que tenho na cabeça”. “Não poder vir para o atelier sempre que as ideias surgem é uma limitação, tenho que guardá-las num ALGARVE INFORMATIVO #315
caderninho para não as esquecer até ao fim-de-semana”, admite, com um sorriso, enquanto percorríamos a exposição «Ciclos & Repetições», onde se observa uma multiplicidade de técnicas e materiais utilizados. “A minha maneira
de trabalhar é precisamente procurar métodos e técnicas diferentes para expor a mesma ideia. Estas esculturas são, para mim, uma criação a três dimensões da repetição das linhas das pinturas. Tenho mesmo que tentar coisas novas até descobrir a melhor maneira de realizar aquilo que eu imaginei”, admite. Neste processo nem sempre tudo corre como tinha pensado, mas isso não significa que descarte trabalhos, que ALGARVE INFORMATIVO #315
deite desenhos ou pinturas para o lixo, esclarece prontamente. “As
esculturas conceptualizei logo na minha mente, sabia que materiais ia utilizar, depois, pintei primeiro com uma tinta brilhante, não gostei e passei para este mate. Nestas pinturas nos plásticos, os cavaletes não estavam na ideia original. Já esta tela grande ia ser 100 por cento mate e só o círculo é que tinha brilhantes. É uma tinta mate concebida por mim, com pigmentos que normalmente são para cimento, a reação na tela foi diferente do que nas esculturas e tive que lhe dar um acabamento em verniz que lhe deu este brilho um bocado acetinado. Às vezes 38
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controlo o resultado final, outras vezes deixo o material falar por si, porque ele tem sempre razão”, descreve, acrescentando que esta falta de controlo não constitui uma dor-decabeça. “É algo que faz parte do
processo, porque as repetições são completamente inconscientes. Posso controlar a cor, o tamanho e alguns aspetos, mas o resultado final vai depender sempre de um movimento mais inconsciente do que consciente. Ao usar técnicas diferentes, por vezes submeto-me ao resultado, não tento forçar as coisas para acontecerem exatamente como as tinha delineado na minha cabeça”, assume. Muitos resultados inesperados integram, assim, as exposições, outros acabam por dar origem a outras peças, porque Régis Vincent gosta de reutilizar as suas criações. O problema, depois, é transmitir este conceito para o público.
“As impressões, por exemplo, são feitas com um material originalmente pensado para tinta de carimbo, mas eu utilizei aguarelas. Há quem olhe para elas e visualize TAC’s, outros pensam que são aqueles testes das manchas, outros acham que são autorretratos. O nosso cérebro obriga-nos a associar padrões a imagens que já conhecemos e algumas pessoas veem caras, para mim são círculos mais ovais”,
igualmente, que o seu trabalho não é propriamente comercial. “Já vendi
peças, não muitas, porque não sinto necessidade de o fazer. Por isso é que tenho aqui esculturas que ninguém compraria para ter em casa, do mesmo modo que ninguém ia comprar 63 desenhos para pregar na parede de casa. Nesta exposição quis mostrar o
comenta o artista, reconhecendo, ALGARVE INFORMATIVO #315
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que tenho feito desde 2014, várias facetas das minhas experiências e os seus resultados. Apesar de ser um artista que utiliza diferentes materiais, prefiro a pintura, mas aqui só tenho duas telas. É óbvio que não conseguimos viver da arte, mas era bom podermos viver dos nossos sonhos, mesmo não sendo 41
todos uns Cristianos Ronaldos a jogar à bola”. Régis Vincent é um bom exemplo de uma geração de artistas que cresceu perfeitamente conscientes das dificuldades que iam ter pela frente para pagar as contas ao fim do mês, no entanto, e apesar disso, muitos optam por seguir caminhos mais experimentalistas, «fora da caixa», do ALGARVE INFORMATIVO #315
que criar obras facilmente vendáveis.
“Penso que os novos artistas compreendem que não vão começar a vender arte assim que começam a pintar, a desenhar ou a esculpir. Por isso, para nós faz sentido podermos experimentar à nossa vontade, ao invés de nos formatarmos a ideologias que vão ser comercializáveis. No meu caso, foi a minha mãe que me introduziu nas artes e, como fui eu que paguei os meus sustos, tive total liberdade para escolher a licenciatura que quis”, conta o entrevistado. “Se formos ao Facebook ou ao Instagram encontramos dezenas de páginas de pessoas que fazem arte para vender, por encomenda, mas ALGARVE INFORMATIVO #315
depois há aqueles que querem ganhar o seu próprio espaço na arte. E nunca foi fácil criar nome neste meio, daí optarmos por materiais e abordagens diferentes do habitual”, prossegue Régis Vincent. Experimentar, experimentar, experimentar, tem sido o caminho eleito pelo artista desde 2014 e assim continuará a ser a sua linguagem, porque ainda há muito por explorar, acredita. “Quero fazer peças mais
volumosas, coisas a pensar em espaços diferentes, tudo depende das oportunidades que surgirem. Sei que não vou conseguir concretizar tudo aquilo que imaginei, mas vou esforçar-me 42
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para chegar o mais perto possível desses 100 por cento”, assegura, reconhecendo que não ser artista a tempo inteiro e o facto de viver no Algarve são dois obstáculos com que terá que conviver no seu dia-a-dia. “Os
jovens artistas não têm as suas «pernas cortadas» no Algarve, mas não existe um grande espaço em que possamos apresentar o nosso trabalho, embora a 289 faça aquilo que pode, nomeadamente com a «Project Room», para dar a ALGARVE INFORMATIVO #315
conhecer novos talentos. Quando somos um artista consagrado, é fácil vivermos e trabalharmos no Algarve e continuarmos a expor e a vender sem problemas. Os mais jovens, se calhar, têm que ir para Lisboa ou Porto à procura das suas oportunidades, mas, felizmente, estão a aparecer na região associações como a 289, a LAC ou a Amarelarte, que vão abrindo algumas portas”, conclui Régis Vincent .
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MISTÉRIO DE AGATHA CHRISTIE ESGOTOU AUDITÓRIO CARLOS DO CARMO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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Auditório Carlos do Carmo, em Lagoa, esgotou por completo no dia 6 de novembro para assistir à peça de teatro «A Ratoeira», que conta com a participação do consagrado ator português Ruy de Carvalho, a par de Daniel Cerca Santos, Elsa Galvão, Filipe Crawford, Henrique Carvalho, Luís Pacheco, Sara Cecília e Teresa Coelho. «The Mousetrap», de Agatha Christie, conta a história de um grupo de desconhecidos que está preso numa pensão durante uma tempestade de neve e um deles é um assassino. Os suspeitos incluem o casal recém-casado que explora ALGARVE INFORMATIVO #315
a pensão sem ter qualquer experiência em gestão hoteleira e as dúvidas nas suas mentes quase que arruínam um casamento que até à data era perfeito. Outros são solteirões com um passado curioso, como um arquiteto com o nome de outro famoso arquiteto que parece melhor preparado para ser um chef, um major aposentado do exército, um estrangeiro estranho que diz que o seu carro avariou numa estrada ali perto, e uma jurista que torna a vida miserável para todos, queixando-se de tudo e mais alguma coisa. Entretanto, surge um polícia, que chega de esquis, através da tempestade, para avisar de que todos estão em perigo e, pouco depois, a jurista é morta . 50
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NOVA COPRODUÇÃO DA ACTA RECORDA GUERRA DO ULTRAMAR Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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epois de ter estreado, em outubro, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, «Um gajo nunca mais é a mesma coisa», coproduzido pela Companhia de Teatro de Almada e pela ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve, vai estar em cena, até 21 de novembro, no Teatro Lethes, em Faro. Com texto e encenação de Rodrigo Francisco e interpretação de Afonso de Portugal, João Farraia, Luís Vicente, Pedro Walter e Lara Mesquita, a peça centra-se na guerra colonial portuguesa que decorreu entre 1961 e 1974, em Angola, Moçambique e na Guiné Bissau. “É uma ALGARVE INFORMATIVO #315
parte da história recente de Portugal muito pouco abordada nas salas de aula das gerações nascidas após o 25 de Abril de 1974 e, apesar de ter marcado uma geração inteira, este conflito manteve-se até há bem pouco tempo afastado dos palcos portugueses. No entanto, quiçá por via da proliferação dos estudos pós-coloniais surgidos nos meios universitários, esta guerra tem vindo a constituir o tema de alguns espetáculos de teatro documental surgidos nos últimos cinco anos”, explica o dramaturgo. 64
Segundo Rodrigo Francisco, vários criadores nascidos nas décadas de 70 e 80 têm-se confrontado com a participação de Portugal num conflito que, aos olhos dos dias atuais, “não pode deixar de
parecer justo para os povos africanos que combatiam pela autodeterminação, e injusto para aqueles que lutavam pela manutenção de um império colonial anacrónico”. “Porém, quando se ouvem os testemunhos dos soldados que combateram, a realidade reveste-se de matizes que estão para além da dicotomia Bem/Mal com que frequentemente se encara esta guerra: poucas vezes
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se aborda o nosso passado recente tendo em conta o contexto geopolítico da época, assim como a realidade social do país”, indica o encenador. «Um gajo nunca mais é a mesma coisa» dá, por isso, voz aos rapazes que foram mandados para África para combater outros rapazes, e que agora entram na fase derradeira das suas vidas.
“Apesar de se basear em relatos reais, é ficção e, como tal, poderá mais livremente interpelar a História e contribuir para a compreensão de um tempo difícil de imaginar para aqueles que já nasceram em liberdade”, sublinha Rodrigo Francisco .
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COMPANHIA PAULO RIBEIRO TROUXE A SUA NOVA CRIAÇÃO AO CINETEATRO LOULETANO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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s 25 anos da Companhia Paulo Ribeiro, celebrados em 2020, foram o mote para «Segunda 2», a nova criação do coreógrafo e fundador da companhia, com o contexto pandémico que todos atravessámos a ditar que a peça só tomasse forma e chegasse ao público em 2021, mantendo ALGARVE INFORMATIVO #315
na sua essência a força do tempo destes já 26 anos de existência. E assim foi o espetáculo a cena, no dia 5 de novembro, no Cineteatro Louletano, protagonizado pelos bailarinos Ana Moreno, Catarina Keil, Margarida Belo Costa, Pedro Matias, Sara Garcia e Valter Fernandes e com textos de Isabel Nogueira e do próprio Paulo Ribeiro. «Segunda 2» remete-nos para a primeira peça produzida pela 80
ultrapassa”, explica Paulo Ribeiro, adiantando que “«Segunda 2»
parece-me ser a lógica continuação de um projeto que é obrigatoriamente de autor e que surge do imperativo de voltarmos todos a uma suposta normalidade”. “Um trabalho individual com o foco no coletivo”, acrescenta o coreógrafo. Inspirada nos tempos que vivemos, mas também nas memórias convocadas para o presente, a coreografia desta peça explora o espaço da falha como parte do processo,
Companhia Paulo Ribeiro, mas num contexto e num mundo diferentes. “De
sábado a segunda passou um fim de semana e um quarto de século. Foi belo, foi intenso e, sobretudo, permitiu tornar sonhos em realidade. O momento atual obriga a algum balanço. Às vezes, à força de fazer, há um olhar que se pode perder num tempo que nos 81
“mas aqui a falha em si é uma aliada e não uma adversária”, explica Paulo Ribeiro. “Não olhamos para a falha como obstrução, assim como não olhamos para todos os sonhos desfeitos, os impasses que teimam em ser condição de vida, as dinâmicas culturais, tantas vezes inconclusivas, a tentativa vã de fixar e construir. Em palco, e na plateia, a dança será motivo de reencontro, de recuperação do tempo perdido e de celebração da vida”, garante o coreógrafo . ALGARVE INFORMATIVO #315
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«SPIN & SHOT» E «LO DO ESTOJO PARA A M
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OOP» SALTARAM MOCHILA
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina e João Catarino
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aro é palco, por estes dias, do MOCHILA, festival de teatro para crianças e jovens organizado pela companhia LAMA Teatro e que incluiu, a 6 e 7 de novembro, dois espetáculos de grupos de teatro juvenil da capital algarvia que integraram o ESTOJO – Laboratório Pedagógico do LAMA Teatro. Assim, o Auditório do Instituto Português do Desporto e Juventude recebeu, no sábado, «Spin & Shot», do Grupo de Leitores, que abordou rituais mundanos e quotidianos que a/fundam relacionamentos. “O que é que a
maioria das pessoas (não) fazem? Parar, olhar, avançar. Jogar com a ALGARVE INFORMATIVO #315
poesia e comunicar como uma rotunda. Dos adolescentes, para todos os que sentem. À vida, aos amores e às divergências”, disseram os encenadores e dramaturgos Erica Viegas e Manuel Neiva sobre esta peça criada e interpretada por Beatriz Rêgo, Henrique Manso, Jamila Mendes, Jonas Ajami e Margarida Nair. No domingo, também no Auditório do IPDJ, foi a vez de ir a cena «Loop», do Grupo Panápaná, coordenado por Carol Teixeira, Diego Medeiros e Raquel Ançã. “Desde o nascimento que
somos condicionados por fatores externos que nos encaminham a vida, ações e reações, tudo alheio às nossas vontades, que por si só 100
também crescem condicionadas por esses mesmos fatores. Mas, se nos revoltarmos contra o suposto? Contra o comum? Contra o condicionado? Pode a vida seguir caminhos diferentes, livrar-se de uma rotina pré-estabelecida? Ou de uma maneira ou de outra, o condicionamento vai sempre existir
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porque no fundo, a vida não pode existir sem regras”, questionam Neise Encarnação e Noah Duro, responsáveis pela encenação. Quanto à interpretação, esteve a cargo de Eva Reis-Pinto, Joana Brás, Joana Lourenço, Lia Silva, Madalena Ferreira, Maria Fernandes, Mariana Ferreira, Miguel Domingos e Neise Encarnação .
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FESTIVAL DE MÚSICA SACRA DE LAGOA ANIMOU OUTUBRO E PROSSEGUE EM NOVEMBRO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Ideias do Levante
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primeira edição do Festival de Música Sacra de Lagoa, uma organização da associação cultural Ideias do Levante e do Município de Lagoa, arrancou no dia 3 de outubro com uma apresentação online e com um concerto presencial no dia 10, num mês que contou com mais três espetáculos em que o público preencheu a lotação das igrejas onde decorreram, sendo os músicos alvo de inúmeros elogios e constantemente ovacionados. No dia 17 de outubro, a Igreja de S. Francisco de Assis, no Parchal, recebeu Salomé Matias (flauta-transversal) e Tiago Santos (clarinete) com o seu «Da paixão à viagem», composto por andamentos e excertos de oratórias, cantatas, óperas e ALGARVE INFORMATIVO #315
outras obras sacras de compositores como Johann Sebastian Bach, Wolfgang Amadeus Mozart, Grabiel Fauré, Jules Massenet, Georg Friedrich Händel, entre outros. No dia 24 foi a vez da Igreja Matriz de Lagoa, ou Igreja de Nossa Senhora da Luz, acolher o Quinteto Sull'a Corda e a sua viagem musical «de Napoli a Leipzig». Rebecca Christopherson (Violino 1), Adelina Marques (Violino 2), Elisabete Martins (Viola), Bárbara Santos (Violoncelo) e Bruno Vitor (Contrabaixo) interpretaram obras de Giovanni Battista Pergolesi, Johann Sebastian Bach, entre outros. O projeto musical «Dell'Acqua», formado por Carla Pontes (soprano), Grace Borgan (flauta-transversal) e Cristiana Silva (piano), apresentou «Lux aeterna», no dia 31 de outubro, na 114
Igreja de Nossa Senhora da Encarnação, em Porches, onde foram interpretadas obras de Johann Sebastian Bach, Wolfgang Amadeus Mozart, Antonio Lucio Vivaldi, Giovanni Battista Pergolesi, entre outros. O festival prosseguiu no dia 7 de novembro, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Ferragudo, com «O Virtuosismo e as suas facetas», da responsabilidade de Nestor Díaz (trombone) e Jeferson de Mello (piano). No dia 14 de novembro, pelas 17h, a Igreja de São Tiago, em Estômbar, será palco de «Trindade», interpretado por Michele Tomaz (soprano), Luísa Vaz Pinto (mezzosoprano) e Francisco Brazão
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(barítono). Segue-se, a 21 de novembro, pelas 17h, na capela do Centro Cultural Convento S. José, em Lagoa, «Celebração Divina», com a interpretação de Rebecca Christopherson (violino) e Svetlana Bakushina (piano). Finalmente, no dia 28 de novembro, também pelas 17h, a Ermida de Nossa Senhora da Encarnação, em Carvoeiro, recebe «Canticum Sacrum» com Carla Pontes (soprano), Francisco Brazão (barítono) e Cristiana Silva (piano), reunindo várias árias e duetos de Pergolesi, Bach e Handel e temas espirituais afroamericanos .
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OPINIÃO Trigésima quinta tabuinha Kontingenz / Contingência Ana Isabel Soares (Professora universitária) "Os rios não decidem as suas pontes / Nem os moinhos decidem o vento / Os ramos não decidem os seus ninhos". Daniel Faria, O Livro do Joaquim (1ª ed, Quasi, 2007; 2ª ed, Assírio & Alvim, 2019).
uisera uma pessoa dominar os dias, sentar-se a uma mesa, muito direita, respirar fundo e distribuir vontades, certezas, caminhos. Abrem-se os olhos a cada manhã, acorda-se e calça-se as botas. Hoje será assim, pensa quem se abeira da luz, mãos fincadas no extremo de uma enxerga, os pés regressados à horizontalidade, na aproximação ao prumo perpendicular das pernas. É o corpo que nos manda repetir os gestos e esperar que suceda aquilo que se espera. Mas um corpo é uma massa no universo e regem-no tantos outros volumes, tantas outras linhas, tanto cruzamento de horas, de massas, vontades. Agora abri uma torneira e a água não quis sair, é o que há: um corpo líquido que não corre, um efluente recusado ou em recesso.
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Chega-se à rua, cheira-se o vento e antes nos chega a humidade do que a seca, a lua mudou e o mundo continua a girar. Um homem adormece e, um dia, dispensa-se de acordar. Outro desperta para a urgência de uma frase: perde horas a folhear os livros que não abrira, páginas de versos sublinhados em que deixou de se rever. Uma criança adormeceu em saúde e sossego e acordou no sobressalto da febre: debaixo do desalinho de cada fio de cabelo, no corpo morno, sussurra palavras indistintas – é a voz baixa de outros seres que não estão ali, alucinações, delírios, e fica o dia diferente, outro do que se antecipara. A cabeça das pessoas – a cabeça dos pais, de quem o vigia, imagina causas, traços inconsúteis entre o que vai sucedendo, foi a piscina, o frio do entardecer, fraco agasalho, e esquece-se a inexistência de fios, que nada está ligado a nada e há apenas quebras, movimentos soltos dentro de uma esfera de gases e pó. 120
Foto: Vasco Célio
(Anda-se uma vida inteira em contrariedades e lamenta-se que o destino torça os destinos. Em que erro se cai... Fosse cada hora como se imagina o ideal, e quereríamos outra, uma diferente, coisa distinta. Diria o filósofo Denis Diderot, pela voz de uma das suas personagens, o sobrinho de 121
Rameau – que isso seria “diablement triste”, diabolicamente triste. Que diabo de vida seria, se ela seguisse o límpido traçado que quotidianamente lhe antepomos) .
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OPINIÃO Notas Contemporâneas [25] Adília César (Escritora) Trocadas estas cortesias não se entrava logo secamente nas ideias ou nos factos: se o livro era de versos, o poeta, tendo o leitor ao seu lado, balançava o incensador e fazia uma invocação aos deuses como nos degraus de um santuário; se era tratado, moral ou história, havia no limiar do capítulo I, para que o escritor e o leitor repousassem, um pórtico de considerações gerais, dispostas com simetria à maneira de colunas de puro mármore, onde se enrolavam, em festões, flores de linguagem, viçosas ou meio murchas. Eça de Queirós (1845-1900), in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma) PRINCÍPIO de uma obra nem sempre se exibe no Capítulo I. É preciso insistir no prefácio robusto, no texto glorioso, no discurso musculado; o prefácio explicitará, sem qualquer sombra de dúvida, os excelentes meandros literários que o autor tão bem conseguiu esconder nas frases e até nos espaços entre as palavras, e que serão revelados pelas varinhas mágicas do prefaciador. * SE O PREFACIADOR é também um leitor, rendemo-nos aos detalhados elogios do seu discurso introdutório. Afinal, ele já viu o que nós ainda não vimos. Ou não… vendo bem, entre um prefaciador e um autor há frequentes trocas de galhardetes, digo, ALGARVE INFORMATIVO #315
troca de cortesias. Por isso, muitas vezes, o Prefácio destina-se apenas ao autor e de nada serve para os outros eventuais leitores. * NAS APRESENTAÇÕES de livros acontece com frequência ouvirmos o apresentador ler o prefácio que redigiu para aquela obra. A pompa e circunstância dessa leitura envolve-se numa atmosfera de pseudo-templo sagrado, com cheiro a mofo e cores desbotadas. E aquelas considerações gerais que cabem em qualquer livro que pertença ao mesmo género, tipo «minuta» ou «modelo», fazem cair por terra a solenidade do evento, à medida que o experiente apresentador vai replicando de evento em evento. Ficam os sorrisos amarelos a pairar nos versos, nos tratados, nas histórias. 122
* LONGE vai o tempo em que eu participava nas apresentações públicas de livros: cada acto inauguratório de uma obra excedia em qualidade, na opinião do respectivo apresentador, qualquer outra obra que tivesse sido apresentada anteriormente. Num determinado evento que recordo com amargura, fiquei atordoada, de súbito, pelo sentimento de «inundação por excesso de qualidade» cultivado pelos presentes convidados para falar sobre a obra em causa – um péssimo livro de poesia – e foi preciso ganhar coragem para construir uma barragem e impedir o afogamento da mente, assim como uma espécie de arquitectura emocional ao serviço da minha educação literária. * AS FLORES nascem timidamente, florescem viçosas, mas murcharão, inevitavelmente. Até as flores da linguagem passarão pelo processo de deterioração que atribui e retira qualidade à obra literária. Cada livro é uma flor viva e não permanece 123
inalterado no tempo. Pelo contrário. O livro, estando à mercê dos seus leitores, será sempre o que estes disserem sobre aquele. É preciso devolver à literatura a simplicidade da escrita (do autor) e da desejável leitura (do leitor), ultrapassando o prefácio demagógico e a apresentação tendenciosa. Um escreve e o outro lê. O que sobra para alimentar a Biblioteca do Tempo? . ALGARVE INFORMATIVO #315
OPINIÃO Memórias do polvo 3 João Soares (Arquiteto e professor universitário) ueridas e queridos leitores, À terceira crónica, sinto-me obrigado a fazer uma confissão: não sei nada sobre polvos. Não o digo para me desculpar de alguma imprecisão – e haverá muitas – já feitas, e outras a chegar. Digo-o para deixar avisado quem lê, mas anuncio-o, sobretudo, para tentar explicar que o que me levou a inventar as «memórias do polvo» foi o querer sobre o bicho mais saber. Mas nem era só bem isso – do bicho: era também o tentar perceber essa coisa fascinante de uma criatura que tanto faz coisas com as pernas, como com as cabeças (é cabeça no singular, mas tem mais do que um cérebro, não é?). Nesse fazer de maneiras diferentes, não está ali o corpo à espera que lhe comande a cabeça as ações: faz, entretanto. Não há cá moralismos da cabeça querer uma coisa e ter o corpo que pagar as favas. O corpo quer: o corpo faz. A cabeça que faça o mesmo, que o corpo não lhe pede satisfações. Para além desta ideia de formas de autonomia a conviverem, a ideia de superior autonomia que é um ser-se que o é, sem ter que ter as fadigas existencialistas, é verdadeiramente ALGARVE INFORMATIVO #315
invejável. É como que uma anatómica condição heteronímica. Para além do mais, para além de todas as acrobacias que consegue o cefalópode articular dentro dos quase infinitos e altamente plásticos limites do seu corpo, também pinta – pinta-se (muda de cor), como se se autotatuasse, mas sai também de si próprio, exprimindo-se pela sua arte estritamente black and white. Não é o único animal a sair de si, a exprimir-se para fora – o lama também possui a sua admirável arte e elegância no cuspir. Os macacos atiram pedrinhas, e o escaravelho faz bolas com fezes de outrem. Mas os «desenhos» que o polvo faz, para alguns, poderão ser grafemas de uma linguagem por decifrar. Essa ideia é absolutamente admirável! – Se se sabe que os golfinhos e as baleias falam, e que até há gatos artistas, porque não haveriam os polvos de escrever – poesia, já agora. Em «Humano», Luxúria Canibal conta deste sair de si próprio: “(...) era como se eu fosse maior do que o que sou – como se estivesse todo dentro de algo mais pequeno do que eu – dentro e fora em simultâneo, porque ao mesmo tempo que cabia lá dentro era maior do que aquilo em que cabia – uma espécie de ilusão física – de anulação do volume – ou de inibição do impossível – uma abstracção indizível”. (Pelo meio ouvia-se, em fundo, uma 124
polvo para o jornal Corriere della Sera, que depois compilou numa publicação com um título deveras bonito: Ci sono luoghi al mondo dove più che le regole è importante la gentileza. Acho que dá para perceber, mas traduzo: “Existem lugares no mundo onde, mais do que as regras, é importante a gentileza”. Este título, por si só, merece já um Urra! Ele é, em si, uma tese, uma proposta, uma ideia a que se sample de Burroughs a lamuriar arritmicamente: “Why can’t you just get physical like a human?”). (Até podia ser uma pergunta a fazer-se, debaixo de água, a um polvo. William Burroughs numa paisagem mediterrânica... é uma imagem muito estranha...). E se se experimentasse formular a pergunta ao contrário, “Why can’t you just get physical like an animal?”, perguntando-se assim a um humano? À medida que venho, então, construindo a minha pequena sabedoria privada sobre o polvo, vou encontrando autores – desde os autores que são autoridade na matéria (como Peter Godfrey-Smith, que escreve Other Minds. The Octopus and the Evolution of Intelligent Life), aos autores amadores – como é o caso de Carlo Rovelli (evocado nas crónicas anteriores). Rovelli escreve uma brevíssima crónica sobre o 125
quererá aderir. De resto, do meu ponto de vista, esta enunciação é uma espécie de prova da minha teoria privada sobre a arquitetura (que me permito convosco partilhar e que relembro que também me levou / trouxe ao polvo): A boa arquitetura é pequena, é baixinha. Estar-se num espaço apertado, condicionado, convida ao cuidado, à atenção pelo outro, à cortesia – como estratégia de deslocação no espaço. Formulei esta teoria passeando entre as piscinas das marés, de Siza, em Leça da Palmeira e um micro café no mercado de Santa Clara, à Feira da Ladra, em Lisboa. No primeiro lugar, para se entrar tem que se baixar a cabeça – é o corpo que o diz, antes ainda da razão. E a sensação do corpo de verão quase nu, a vaguear entre o betão grosso – pedra antiga inventada – faz aumentar o cuidado. Faz mesmo parecer dever-se ter atenção com a ALGARVE INFORMATIVO #315
aspereza gentil da parede, para a não fazer raspar no dourado da pele. No café pequeno da Ladra, é tão minúsculo o espaço para pedir e ser-se atendido que não se consegue, sequer, dar o golpe, passar à frente, levantar a voz. É só esperar um bocadinho que quem está à frente seja atendido, e depois disso, que faça o caminho de regresso para sair. Só então podemos ganhar o espaço para a nossa vez. Enfim, não sei no que pensava Rovelli – se calhar, lembrou-se deste título depois de passar num sábado de manhã na Feira da Ladra, enquanto turista qualquer. (Não sei se terá cá estado Rovelli, mas nunca ouvi falar de nenhum italiano que não tivesse nunca vindo a Lisboa passear!). Então, a certa altura diz o autor assim: “O que nos fascina na complexidade intelectual ‘polpesca’ não é apenas a semelhança connosco: é, sobretudo, a diferença. A estrutura neuronal dos polvos é diferente da nossa: em vez de se concentrar num cérebro, é articulada através de todo o corpo do animal, compreendidos os seus tentáculos, e difusa por baixo de toda superfície do corpo” (p. 78). E continua logo a seguir (mas pareceume ter de separar a frase): “Tentáculos separados do corpo continuam a possuir a capacidade complexa de processar informações”. ... Pois esta parte não conseguimos nós, de todo, fazer... A não ser naquela situação, arrepiantemente descrita do, também arrepiante, ato que o Senhor Guillotine se lembrou de inventar (em nome da higiene). Nessa «experiência», ALGARVE INFORMATIVO #315
salvo seja, quando rolam cabeças guilhotinadas, elas podem ainda, por instantes, ver, com os olhos que têm, o próprio corpo, de si descolado! (Mas acho que esta não conta, porque a experiência continua a ficar do lado da cabeça, com o seu correspondente cérebro lá dentro, e o corpo, mais ou menos ali à espera). Este tinha sido, na verdade, o «lado» por onde tinha vindo a começar a assomar-se o meu interesse pelo polvo (antes ainda de o saber, claro!). Era esta questão do cérebro e do corpo. Quer dizer, de querer confirmar – mas dispensando as formalidades anatómicas e os procedimentos académicos – esta intuição de que talvez não fosse assim tão claro, e que nós (humanas e humanos) afinal não tivéssemos apenas uma só coisa a mandar na maneira de agirmos e de sermos. Que seriam duas coisas é já sabido: o coração tem razões que a própria razão desconhece – e essa era uma. Mas eu queria – e continuo a querer – acreditar que a mão tem razões que a própria razão desconhece, e assim para o pé, para a barriga, a omoplata... até para o rabo! (Estou a pensar naquela cena fabulosa de um filme de Emir Kusturica em que uma delicada senhora realiza a incrível performance de sacar de uma tábua um prego com essa outra parte traseira). O filme da história da tábua e do prego era Gato preto, Gato branco – ainda os animais a ensinarem-nos a olhar melhor para o mundo. Desculpem os constantes desvios e parênteses, mas não consigo resistir: agora que apareceu aqui o Kusturica não posso não falar de outra cena ainda! Em boa verdade, só sobre esse senhor daria 126
para ir escrevendo crónicas durante tempos e tempos. Há um porco grandalhão, que vai aparecendo ao longo do filme dos gatos, a comer bocados da carroçaria enferrujada de um carro quase do seu tamanho (!) – um Trabant P50, parece ser. (Como não trago fotografia para acompanhar a memória, podem ir espreitar o festim do engraçado animal a refastelar-se: https://www.youtube.com/watch?v=R_0E ao5ENI8). Aparece a dar as primeiras dentadas no início, depois aparece com aquilo um pouco mais comido lá para a frente, e o carro vai desaparecendo... Será que o realizador contratou um daqueles bichos que são estrelas de cinema, como a Lassie? Um porco amestrado (seria mais barato?). Ou seria o ataque ao carro uma iniciativa do próprio porco que viria, serendipticamente, a entrar no clube dos animais estrelados? Falo do porco porque houve uma parte da história da descida a Porto di su trigo com os meninos, que relatei da última vez que nos cruzamos aqui, que tinha ficado por contar. A certa altura, parecia já tanta coisa nessa história que não dava para fazer caber mais. Mas havia mais, e era justamente um resto de um carro enferrujado, que já nem era carro, já nem era carroçaria – se bem que, no início, nas primeiras vezes que o tinha visto (ainda nem Martino nem Francesco eram criaturas físicas a caminhar sobre a terra, levantando pó), havia ainda ali uns bons bocados de deliciosa carroçaria. O suficiente para dar a entender que seria a carcaça adiada de um Fiat 127. 127
O porco do filme haveria de chamar-lhe um figo! (se não estiverem familiarizados com a expressão, quer dizer achar que uma coisa é uma delícia). Hoje já pouco mais sobra do que um raso resto do chassi, semienterrado, já sem carroçaria. E nem dá para perceber se foi a cor da terra a começar a dar o tom ao alaranjado apagado do ferro, se seria a ferrugem a ser pó que foi pigmentando a terra por baixo e à volta. Se se lembrarem ainda do passeio até ao mar, havia aquela parte a seguir à crista de pó branco, e antes de entrar no emaranhado grande de zimbro empoeirado?, era mesmo aí, antes de entrar nessa gruta de ramos, que estava o insólito vestígio. O carro foi lá parar, literalmente, porque não conseguia seguir mais, porque lhe era fisicamente impossível. Mas o caminho que fez até onde agora jaz é hoje tão fino, tão estreito, que é também fisicamente impossível que o tenha atravessado! É um mistério. (Acho que era importante este desvio. Há como que uma geminação Sérvia-Itália; Trabant-Fiat; porco-polvo. Ou talvez não). O zimbral, há que dizê-lo, para além de oferecer essa incrível experiência espacial de deixar-se atravessar, em forma de corredor-gruta-fresca, possui uma outra, saborosa virtude!: está carregado de supremas pseudo-bagas! Esses pequenos «frutos», sendo, digamos assim, venenosos – ou, pelo menos, não sendo aconselháveis à ingestão por estômago humano –, são deliciosamente resinosos e, postos, muitos (umas dez a doze bagas ALGARVE INFORMATIVO #315
esmagadas) no fundo de um copo de vidro, com o som e o peso musical de cubos de água gelada a rodar na mão, fazem um gin tonic indescritível!, que delicia, estonteia e distribui uma fresca ligeireza nos fins de tarde na varanda da casa, no momento mágico dos por-de-sóis que parecem um canal televisivo que passa compactos de séries. Fa-bu-lo-so! Nunca consegui reparar muito bem nas proporções de gin e de água tónica (para o fazer da argamassa chama-se o «traço» – não sei se na cozinha ou no bar se diz da mesma maneira), portanto creio que as partes de gin serão sempre muito, muito mais abundantes! E será essa a verdadeira razão do sucesso do gin do «portoghese»! – tudo o resto são histórias a picantear esse éter tramontino… Afinal havia ainda razões para voltar a Porto su Trigo. E etílicas também! Agora que escrevo isso, e fazê-lo leva-me a pensar, há outras razões e histórias ainda – vão aparecendo muitas, mesmo muitíssimas começam a aparecer! – será que toda esta história do polvo, o seu sentido de ter começado é, afinal, o de ir buscar este novelo de histórias das tantas subidas e descidas à pequena praia de rochas? Sem outras elucubrações mentais e corporais, até mesmo sem arquitetura? Talvez sim. Apesar de instalada a dúvida, vou procurar recentrar o assunto.
elas próprias, do que o próprio cérebro apetrechado com o seu pensamento. Seria como que uma regionalização, mas do corpo: assumir que cada parte saberá melhor de alguns assuntos que conhece com maior intimidade – uma intimidade física, do toque e do cheiro – do que o cérebro, em toda a sua hierarquicamente superior centralidade! (algumas coisas saberia o corpo como fazer, não todas – o cérebro dará sempre jeito para o governo do todo). Não esqueço que o sítio de onde espreito para o mundo é uma fresta de janela na disciplina da Arquitetura. Por isso, olho para o fundo do mar e lembrome. Por exemplo, de uma tarde numa obra, de uma vez em que o mestre Júlio, carpinteiro da Patã (Faro) se saiu com esta: “Olho de mestre é régua”, como admiração da minha acuidade olhando para uma parede ligeiramente fora de prumo. Essa expressão tornou-se, para mim, um leitmotiv de, mais ou menos, tudo. Essa sabedoria sob forma de expressão idiomática confirma que o olho (mas podia ser o ouvido, que é, de resto, onde está um nível de bolha de ar) sabe dar-nos indicações sobre a verticalidade e a horizontalidade. Depois da autoridade do mestre Júlio, vim conhecendo outras autoridades, como Ingold ou Sennet (vindos um pouco das filosofias e das antropologias), ou ainda uma figura mais conhecida dos arquitetos, como o finlandês Juhani Pallasmaa, que fala dos «olhos da pele». Mas isso ficará para uma próxima crónica ainda .
O que move estas minhas inquietações é esta ideia de que haja partes do nosso corpo que saibam «pensar» melhor, por ALGARVE INFORMATIVO #315
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DIRETOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina (danielpina@sapo.pt) CPJ 3924 Telefone: 919 266 930 EDITOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil SEDE DA REDAÇÃO: Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil Email: algarveinformativo@sapo.pt Web: www.algarveinformativo.blogspot.pt PROPRIETÁRIO: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Contribuinte N.º 211192279 Registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o nº 126782 PERIODICIDADE: Semanal CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Daniel Pina FOTO DE CAPA: Daniel Pina A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista regional generalista, pluralista, independente e vocacionada para a divulgação das boas práticas e histórias positivas que têm lugar na região do Algarve. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista independente de quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou culturais, defendendo esse espírito de independência também em relação aos seus próprios anunciantes e colaboradores. A ALGARVE INFORMATIVO promove o acesso livre dos seus leitores à informação e defende ativamente a liberdade de expressão. A ALGARVE INFORMATIVO defende igualmente as causas da cidadania, das liberdades fundamentais e da democracia, de um ambiente saudável e sustentável, da língua portuguesa, do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade, concedendo voz a todas as correntes, nunca perdendo nem renunciando à capacidade de crítica. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelos princípios da deontologia dos jornalistas e da ética profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. ALGARVE INFORMATIVO #315
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