REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #386

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«NA SUBSTÂNCIA DO TEMPO»

DA COMPANHIA PORTUGUESA DE BAILADO CONTEMPORÂNEO

1 ALGARVE INFORMATIVO #386 ALGARVE INFORMATIVO 6 de maio, 2023 #386 MINISTRA ANA ABRUNHOSA EM TAVIRA | IX OPTO EM ALBUFEIRA | A GAROTA NÃO E LUCA ARGEL BALCÃO DA INCLUSÃO E CENTRO DE COMPETÊNCIAS DO ENVELHECIMENTO ATIVO EM LOULÉ «A HORA EM QUE NÃO SABÍAMOS NADA UNS DOS OUTROS» | «BRASA DOIRADA»

ÍNDICE

Loulé vai ter Balcão da Inclusão (pág. 20)

Ministra da Coesão Territorial em Tavira (pág. 26)

IEFP abriu Centro de Competências do Envelhecimento Ativo em Loulé (pág. 34)

IX OPTO em Albufeira (pág. 44)

«A hora em que não sabíamos nada uns dos outros» da Companhia Olga Roriz estreou no Cineteatro Louletano (pág. 56)

«Na Substância do Tempo» da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo em Lagoa (pág. 74)

A Garota Não e Luca Argel no Cineteatro Louletano (pág. 94)

«Brasa Doirada» no Teatro Municipal de Portimão (pág. 104)

OPINIÃO

Mirian Tavares (pág. 114)

Ana Isabel Soares (pág. 116)

Dora Gago (pág. 118)

Alexandra Rodrigues Gonçalves (pág. 120)

João Ministro (pág. 122)

Loulé vai ter Balcão da Inclusão para que “ninguém fique para trás”

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Município de Loulé e o Instituto Nacional para a Reabilitação celebraram, no dia 28 de abril, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, um protocolo com vista à criação de um Balcão da Inclusão no concelho, numa sessão presidida por

Este Balcão constitui uma porta de entrada especializada para as pessoas com deficiência ou incapacidade e suas famílias, mas também para o público em geral que procura informação nestas matérias. Inclui informação global e integrada sobre os direitos, benefícios e recursos existentes para estas pessoas e

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Ana Sofia Antunes, Secretária de Estado para a Inclusão.

funcionará em articulação com a rede social concelhia, disponibilizando informações sobre prestações e respostas sociais (lares residenciais, centros de atividades ocupacionais, centros de reabilitação, etc.), emprego e formação profissional, produtos de apoio/ajudas técnicas, benefícios fiscais, acessibilidades e transportes, saúde, intervenção precoce e educação, apoiando os utentes na procura das soluções mais adequadas à sua situação concreta. Também as situações relacionadas com a existência de potencial discriminação são dos temas mais procurados para quem acede a este serviço nos balcões já existentes no país, como adiantou Ana Sofia Antunes.

Em Loulé, o Balcão da Inclusão funcionará como serviço itinerante e poderá ser agendado através do contacto telefónico disponibilizado para o efeito. A criação deste equipamento é mais um passo para a melhoria das condições de vida das pessoas com deficiência/incapacidade e das suas famílias através da promoção da igualdade de oportunidades e da plena participação social e económica, inserindo-se nas políticas que têm sido implementadas pela Câmara Municipal de Loulé para tornar o concelho num território mais inclusivo e coeso.

A rede de Balcões da Inclusão começou a ser criada em 2016 e, atualmente, são já 116 as estruturas existentes em todo o

país, tendo sido responsáveis por muitos milhares de atendimentos realizados.

“Estamos a crescer devagarinho, mas de forma consistente e conseguimos demonstrar que esta foi uma aposta certa e concertada”, disse Ana Sofia Antunes, que já esteve em Loulé noutros momentos ligados a intervenções na área da inclusão, motivo pelo qual saudou a Autarquia. “É um município que vai a todas no que concerne ao empenho em projetos e candidaturas e ao acolher, de forma pioneira, diversas iniciativas, nomeadamente ao nível da acessibilidade física, com obra física feita com muito impacto na qualidade de vida das pessoas com deficiência ou com

algum tipo de condicionamento na mobilidade e dos mais idosos”, destacou a Secretária de Estado para a Inclusão.

Como não poderia deixar de ser, Vítor Aleixo acolheu de braços abertos mais esta iniciativa de carácter social. “Queremos ser cada vez mais um concelho inclusivo que não deixa ninguém para trás. Sabemos que há ainda muito para fazer neste capítulo da inclusão das pessoas, e das pessoas com deficiência ainda mais”, admitiu o Presidente da Câmara Municipal de Loulé, que realçou igualmente a iniciativa do presidente da Assembleia Municipal de Loulé que permitiu normalizar a implementação da língua gestual em iniciativas promovidas pela Autarquia .

Ministra da Coesão Territorial veio a Tavira ver aplicação dos fundos europeus no concelho

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, realizou uma visita de trabalho ao concelho de Tavira, no dia 2 de maio, acompanhada pelo Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, José Apolinário, e pela presidente da Câmara Municipal de Tavira, Ana Paula Martins, para conhecer, in loco, as obras que estão a decorrer no Centro Municipal

de Meios Aéreos de Cachopo, integrado no projeto CILIFO, bem como no Cineteatro António Pinheiro e na Igreja de Santa Maria, no âmbito do CRESC Algarve 2020

A criação de um espaço definitivo para colocação de efetivos em permanência em Cachopo é considerada muito importante para a governante, “uma vez que deixamos de ter um calendário previsível para a ocorrência de incêndios e sem o apoio dos fundos comunitários

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seria impossível para as autarquias construir estas infraestruturas de elevada qualidade, certificadas e com todas as condições para os profissionais” “Estamos no segundo dia de maio e temos grande parte do país em elevado risco de incêndio, algo que já sucedeu em abril. Com as alterações climáticas diluíram-se as fronteiras entre os períodos de elevado e baixo risco de incêndio, de modo que estas infraestruturas devem existir permanentemente”, reforça Ana Abrunhosa.

O Centro Municipal de Meios Aéreos já funcionava em Cachopo de modo provisório, mas agora, fruto de uma candidatura transfronteiriça prontamente

abraçada pelo Município de Tavira, deu um passo em frente com o grande objetivo, confirmou Ana Paula Martins, de ter um helicóptero colocado em permanência no concelho. “É fundamental criar condições condignas para todos os elementos que aqui estão instalados de 15 de maio a 15 de outubro e proporcionar-lhe todos os meios necessários para darem uma resposta imediata a qualquer ocorrência. E essa resposta será sempre mais eficaz com um helicóptero em permanência, porque estamos a 40 quilómetros de Tavira e os bombeiros demoram uma hora meia, quase duas horas, a chegarem cá”, justifica a presidente da Câmara Municipal de Tavira,

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adiantando que a pista deverá estar disponível já a 1 de junho.

Na cidade de Tavira, a remodelação e requalificação do Cineteatro António Pinheiro dotará o equipamento com uma capacidade máxima de 590 lugares, dos quais 368 serão sentados. Enquanto sala de espetáculos, estará vocacionado para a apresentação de teatro, dança, música, cinema, mas também como sala de congressos e workshops, tornando-o num edifício polivalente. A intervenção no edifício é bastante profunda, alterando-o e dotando-o das condições, infraestruturas e compartimentações necessárias ao seu perfeito funcionamento e ao desenvolvimento das atividades artísticas e polivalentes previstas. O Município de Tavira pretende apostar numa diferenciação ao nível da oferta cultural, concretizando ações de âmbito cultural que vão promover o

turismo, combater a sazonalidade e potenciar o aumento do número de visitantes ao concelho.

Recorde-se que o edifício, antes da intervenção, encontrava-se fechado e obsoleto, pelo que se irá resolver igualmente um ponto crítico negativo do ponto de vista estético funcional da cidade. Para além disso, ficará completa a rede regional de salas de espetáculo/auditórios, uma vez que Tavira é o único concelho algarvio com mais de 10 mil habitantes que não dispõe de um ponto de rede desta natureza. “A obra começou em 2018, teve uma

arqueológicas, depois sofreu mais atrasos por causa da pandemia e da guerra. A entrega de materiais também não tem sido fácil e verificaram-se alguns problemas

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paragem por questões

de falta de mão-de-obra, mas está próxima da conclusão. Depois segue-se a parte dos equipamentos, cujo procedimento está a aguardar o visto do Tribunal de Contas”, indicou Ana Paula Martins, falando num investimento total que estará perto dos sete milhões de euros, só de obra.

A edil tavirense aproveitou a ocasião para explicar que a «torre negra» que causou alguma polémica não resulta de uma opção estética do arquiteto ou da autarquia. “É uma caixa de palco necessária para acomodar toda a mecânica de cena e sem a qual o Cineteatro não poderia receber 70 por cento dos espetáculos que atualmente se realizam em

Portugal, desde o teatro à

da

à opera, até novo circo”, descreve, lembrando ainda que toda esta empreitada teve uma componente muito forte de reabilitação e reforço da estrutura. “É um projeto muito feliz, mas percebo que algumas pessoas ainda não pensem da mesma maneira, porque Tavira não é uma cidade de prédio altos e predominam as cores mais claras”

A requalificação da Igreja de Santa Maria do Castelo estava já sinalizada pela Direção Regional de Cultura do Algarve e incide sobretudo ao nível dos retábulos, pinturas e estatuária, tendo sofrido também atrasos devido à pandemia, uma vez que as técnicas de restauro não são oriundas de Portugal e as fronteiras

dança,
música

estiveram encerradas durante aquele período. O imóvel é um Monumento Nacional e a sua preservação é absolutamente fundamental, não apenas pelo seu valor patrimonial/cultural, como também religioso, já que é apenas um dos únicos dois templos existente na região algarvia que fazem parte integrante da Rota dos Templos Marianos; como ainda histórico, por estar intrinsecamente ligado à história de Tavira, albergando os restos mortais dos sete cavaleiros e D. Paio Peres Correia, o conquistador de Tavira aos Mouros.

No final da visita de trabalho, Ana Abrunhosa era uma governante feliz e prontamente felicitou a Autarquia de Tavira e a CCDR Algarve pelo bom aproveitamento e aplicação dos fundos comunitários nestas três obras. “Tavira vai assim oferecendo uma vida de

maior qualidade a quem aqui reside e trabalha, mas também para todos aqueles que a visitam. Dos nossos autarcas espero sempre que nos transmitam o que está a correr bem, assim como as suas preocupações. Encontramonos, por exemplo, num momento em que estamos a alterar as regras do licenciamento dos edifícios e foi para mim bastante importante perceber como é que isso influencia o trabalho de quem está no terreno”, indicou a Ministra da Coesão Territorial. “Tavira é maravilhosa e, com estas obras, as pessoas vêm cá, não só pela praia e sol, mas pela sua cultura e história, assim como pela gastronomia” .

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Instituto do Emprego e Formação Profissional abriu Centro de Competências do Envelhecimento Ativo em Loulé

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

Instituto de Emprego e Formação

Profissional inaugurou, no dia 27 de abril, o Centro de Competências do Envelhecimento Ativo (CCEA), que vai funcionar em instalações

provisórias localizadas no Ninho de Empresas de Loulé. Um Centro que tem como objetivos promover a formação em prestação de cuidados aos idosos; valorizar os recursos humanos envolvidos na prestação de cuidados aos idosos, no sentido de qualificar e requalificar os trabalhadores; e investir na formação e capacitação para a prestação

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diferenciada de cuidados com respostas formativas inovadoras, dotando os ativos de competências para respostas mais eficazes face às necessidades do envelhecimento ativo na da sociedade portuguesa.

As ações promovidas pelo Centro de Competências do Envelhecimento Ativo são dirigidas aos candidatos a emprego em áreas profissionais que se enquadrem no âmbito das suas atribuições, incluindo os que se encontrem em situação de desemprego, através da frequência de formação profissional que potencie o (re)ingresso rápido e de qualidade no mercado de trabalho. Destinam-se também aos trabalhadores das entidades envolvidas na prestação de cuidados a idosos, aos cuidadores informais de idosos e às entidades que promovam a

criação e/ou desenvolvimento de projetos neste âmbito.

O Centro de Competências do Envelhecimento Ativo foi inaugurado na sequência do protocolo assinado entre o Instituto do Emprego e da Formação Profissional e as instituições académicas dos Centros de Referência de Envelhecimento Ativo com reconhecimento europeu que integram a Rede Portuguesa de Envelhecimento Saudável e Ativo (RePEnSA), nomeadamente, a Universidade da Beira Interior (UBI), a Associação de Desenvolvimento do Centro de Investigação e Formação Biomédica do Algarve (AD-ABC) e o Instituto da Segurança Social. E o Centro tem contado com o estreito apoio da Câmara Municipal de Loulé desde a sua fase de

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projeto, tendo esta inclusive cedido um terreno para a construção do seu futuro edifício.

A cerimónia de inauguração contou com a presença da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, acompanhada pelo Secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, e pela Secretária de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes. E foi Miguel Fontes que lembrou que “as alterações demográficas verificadas ao longo das últimas décadas, com o aumento da esperança média de vida, trazem novos desafios ao país e impõem respostas que passam por uma estratégia de formação profissional nesta área”

“A quantidade de pessoas que hoje

carecem de respostas sociais em tudo o que está ligado ao envelhecimento é por demais evidente. Temos aqui também um desafio ao nível destes recursos humanos que são cada vez mais numerosos e mais necessários”, disse o Secretário de Estado do Trabalho.

Para Ana Mendes Godinho, o Centro de Competências do Envelhecimento Ativo é a “pedra filosofal” que tem por objetivo “capacitar atuais cuidadores do setor social e preparar novos trabalhadores, associando conhecimento a respostas inovadoras aos desafios do envelhecimento ativo e saudável, nas suas várias

dimensões”.

trabalhadores e esta estrutura resulta da capacidade que houve de mobilização de recursos do PRR”, adiantou a governante, sublinhando que o equipamento se inscreve na geração dos novos centros que estão a ser criados por via deste plano e que assentam em três grandes objetivos em matéria de formação profissional: envelhecimento ativo, transição digital e transição energética.

valorização

Por via desta iniciativa pretende-se tornar o setor mais atrativo, não só para quem nele trabalha, mas também para quem possa vir a ser recrutado. Todavia, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e

Segurança Social acredita que outros fatores serão decisivos para canalizar recursos humanos para esta área. “É evidente que os salários têm que ser valorizados, mas essa valorização passa também pelo ponto de vista da própria identidade dos trabalhadores com as organizações, pela capacidade de conciliação da vida pessoal com a vida profissional e pela própria contratação”, disse.

De referir que o Centro de Competências do Envelhecimento Ativo será de gestão protocolada e, para além do IEFP, conta com mais dois parceiros de primeira linha na sua criação, designadamente, o Instituto da Segurança Social e o ABC – Algarve

“A pandemia veio mostrar que é preciso investir naquilo que faz a diferença na
destes

Biomedical Center. Nesse sentido, Isabel Palmeirim, antiga diretora da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve, foi anunciada como presidente do conselho de administração, ao passo que Nuno Marques, antigo responsável do ABC, será o seu Diretor Executivo. Por nomeação da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e do Ministro da Saúde, o médico e docente irá também desempenhar as funções de coordenador nacional do Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável.

Prevê-se, entretanto, que a partir do segundo semestre do ano possam estar a funcionar os primeiros módulos

formativos e o Secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, acredita que serão centenas os formandos que, até ao final de 2023, poderão beneficiar de uma oferta formativa neste Centro. Uma estrutura formativa que traz também uma relevância enquanto elemento de coesão territorial até porque havia até agora um desequilíbrio no país nesta matéria, com um pendor a Norte e não a favor do Sul, e só agora o Algarve passa a ter um centro como existe nas restantes regiões. Por isso, o autarca Vítor Aleixo enalteceu o facto de o Governo ter decidido implantar o Centro “fora das macrocefalias de Lisboa e Porto”.

“Estando localizado no Algarve,

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em Loulé, é revelador de que algo está a mudar no país”, sublinhou o presidente da Câmara Municipal de Loulé, que recordou alguns projetos que têm sido determinantes para que Loulé seja já um “ecossistema vocacionado para esta nova política do envelhecimento ativo”

Desde logo por ser neste concelho, na aldeia de Alte, que está situado o Observatório Nacional do Envelhecimento, inaugurado em março de 2022, precisamente pela Ministra Ana Mendes Godinho, e que constitui um elemento importante para o apoio à decisão política. Mas também os dois projetos que nascem da parceria entre a Autarquia e o ABC – Algarve Biomedical Center, mais concretamente, em Loulé, o edifício para investigação científica em áreas médicas e biociências, cuja

empreitada aguarda o concurso público internacional em preparação; e, em Vilamoura, o Centro Active Life, que tem já o seu projeto de arquitetura concluído. E também neste dia o Município de Loulé celebrou um protocolo com o IEFP tendo em visto a cedência de um terreno com 2 mil e 500 metros quadrados, na cidade de Loulé, junto à Avenida Parque das Cidades, onde será construído o edifício que irá albergar de forma definitiva o Centro de Competências do Envelhecimento Ativo.

A cerimónia inaugural contou ainda com a dinamização da mesa-redonda

«Capacitar para cuidar mais e melhor», na qual especialistas ligados ao setor puderam expor as suas ideias e preocupações sobre os cuidados aos idosos e os desafios do envelhecimento ativo .

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IX OPTO – Fórum de Educação e Formação do Algarve registou 10

mil e 500 visitantes

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina edição de 2023 do OPTO – Fórum de Educação e Formação do Algarve, a nona do seu historial, recebeu 10 mil e 500 visitantes vindos de Lisboa, Grândola, Faro, Lagos, Loulé, Portimão e Silves, para além do universo de Albufeira, entre jovens, professores, pais e encarregados de educação. De 26 a 28 de abril, os jovens tiveram a

oportunidade de recolher informação e aconselhamento privilegiado por parte das 76 instituições participantes, a par das diversas experiências proporcionadas pelas 134 atividades apresentadas. Foi também possível assistir a diversas demonstrações culinárias e apreciar iguarias de várias partes do mundo.

O IX OPTO começou numa tenda colocada no exterior do Pavilhão Municipal de Albufeira com o visionamento do vídeo de balanço da

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edição de 2022. Na ocasião, o presidente da Câmara Municipal de Albufeira, José Carlos Rolo, deu as boas-vindas a todas as entidades presentes, com destaque para os parceiros do OPTO, bem como ao presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, José Apolinário, ao Reitor da Universidade do Algarve, Paulo Águas, e aos elementos da GNR, PSP e Bombeiros Voluntários de Albufeira, qualificando a participação das forças de segurança e socorro como “ativos muito importantes para a organização do evento”. O edil realçou que “o OPTO tem vindo a afirmar-se ano após ano como o mais importante evento de educação e formação a sul do Tejo e isto deve-se muito aos expositores, às suas competências e capacidade para

captarem o interesse dos jovens pelos planos curriculares e de formação de cada instituição, mas também pelas demonstrações de cozinha, cocktails, estética, entre outras áreas”. “É uma espécie de formação informal que ajuda os jovens a refletirem sobre todas as questões associadas a um percurso de vida a nível académico ou profissional”, descreveu o autarca, considerando que “nem todos têm que optar por uma carreira académica, podem enveredar por um curso profissional ou pelo empreendedorismo”. “O OPTO é uma excelente ferramenta para dar competências aos jovens que

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são o futuro da nossa comunidade e do país”, concluiu José Carlos Rolo.

Cristiano Cabrita, vice-presidente da Câmara Municipal de Albufeira, responsável pelo pelouro da Juventude e Empreendedorismo, deixou uma mensagem de apreço a todos os jovens que visitaram o Fórum. “É extraordinário ver a adesão que este fórum tem, verificar que de ano para ano continua a crescer. Trata-se de um evento importante e necessário, não só para os jovens, como para os encarregados de educação, que têm aqui uma primeira plataforma

de esclarecimento sobre aquilo que é o futuro dos seus filhos”, declarou, afirmando que “a nossa estratégia para os jovens do concelho tem sido desde sempre uma prioridade e a prova disso é a quantidade de ações que temos desenvolvido em colaboração com o Gabinete da Juventude (GAJ), para valorizar o talento juvenil”

Paralelamente à oferta educativa e formativa, o programa incluiu a realização de palestras, workshops, apresentação de experiências, demonstrações culinárias, de cavalaria e cinotécnicas, momentos musicais, teatro,

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dança, um espaço de aconselhamento de alunos e encarregados de educação (pelos psicólogos da rede Macramé), a realização do XII Concurso Inter Escolas de Cocktails, um desfile de Moda, um debate sobre liberdade de expressão e muita animação no interior e no exterior

do recinto. Dos 76 expositores, 17 pertenciam à área do Ensino Secundário e Profissional, 18 à vertente do Ensino Superior, 11 do âmbito das Línguas, Mobility e Study Abroad, sendo que os restantes enquadraram-se em outras entidades, como a DECO, Marinha,

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Exército, GNR, PSP, Tropas Paraquedistas, Bombeiros, Proteção Civil, Conservatório de Albufeira, Centro de Ciência Viva, APAV, entre outras.

O OPTO é uma organização conjunta do Município de Albufeira, Direção-Geral dos

Estabelecimentos Escolares, Direção de Serviços da Região do Algarve (DGEstE) e Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), contando também com a colaboração dos três

Agrupamentos Escolares do concelho .

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NOVA CRIAÇÃO DA COMPANHIA

OLGA RORIZ ESTREOU NO CINETEATRO LOULETANO

NO DIA MUNDIAL DA DANÇA

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

o dramaturgo austríaco Peter Handke, «A hora em que não sabíamos nada uns dos outros», de 1992, é uma peça originalmente composta por 450 membros do elenco, caminhando numa praça representada como uma cidade. “O detonador da peça foi uma tarde de vários anos atrás. Tinha passado o dia inteiro numa pequena praça em Muggia, perto de Trieste. Sentei-me no terraço de um café e vi a vida a passar. Entrei num verdadeiro estado de observação, talvez isto tenha sido ajudado um pouco pelo vinho. Cada pequena coisa tornou-se

significativa (sem ser simbólica). Os procedimentos mais minúsculos pareciam significativos do mundo”, considerou, na altura, Peter Handke.

O seu objetivo seria criar um dia na vida de uma praça seguindo um conjunto de direções de palco. Em vez de copiar ações diretamente do guião e transpor para palco a realidade, quer-se desenvolver outro tipo de reflexão e construção. E assim surgiu, três décadas depois, a nova criação da conceituada Companhia Olga Roriz, que teve estreia nacional, a 29 de abril, Dia Mundial da Dança, no Cineteatro Louletano. “Interessa-nos questionar, 31 anos passados da criação desta peça, o que mudou no mundo. Parece-nos que este título nos quer dizer agora muito

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mais. Que o que sabemos uns dos outros e de nós próprios é um poço cada vez mais escuro e que é urgente abrir canais à transformação, à criação da utopia”, entende a coreógrafa Olga Roriz.

Assim sendo, em «A hora em que não sabíamos nada uns dos outros», cerca de 500 figuras típicas e atípicas vão desfilar na praça imaginada por Olga Roriz para uma nova coreografia que estreou em Loulé e que terá digressão por 13 cidades portuguesas. “Os personagens são de diversas profissões ou figuras do quotidiano, como o varredor, o empregado da pastelaria, o louco, a noiva, o atleta, as beldades, o

agente secreto, o sem-abrigo”, diz Olga Roriz sobre esta coprodução do Cineteatro Louletano, São Luiz Teatro Municipal, Teatro Nacional S. João e Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão que tem como intérpretes António Bollaño, Dinis Duarte, Leonor Alecrim Marta Jardim, Marta Lobato Faria, Roge Costa e Yonel Serrano. A apresentação em Loulé contou ainda com a participação de Alexandre Ferreira, Diogo Alves, Dorneles Bueno da Silva, Elsa Santos, Filipa Duarte, Helena Contreiras, Joana Barata Gonçalves, Luana Monteiro, Lúcia Bueno da Silva, Mafalda Graça, Maria Vicente, Maria Revez, Moravia Rojas Chavez, Paula Marques, Rúben Ribeiro, Tatjana Manojlović, Tiago M. C. de Sousa, Tomás Fernandes e Vanda Drago, em resultado da residência artística que aconteceu ao longo do mês de abril .

COMPANHIA PORTUGUESA DE BAILADO CONTEMPORÂNEO LEVOU «NA SUBSTÂNCIA DO

TEMPO» A LAGOA

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

o Dia Mundial da Dança, 29 de abril, o Auditório Carlos do Carmo recebeu a Companhia Portuguesa de Bailado

Contemporâneo, de Vasco Wellenkamp, com o fantástico espetáculo «Na Substância do Tempo», composto pelas peças «Em Redor da Suspensão», de Vasco Wellenkmap e Miguel Ramalho, «Outono para Graça» e «Requiem» de Vasco Wellenkamp. “Na obra que criei em conjunto com Miguel Ramalho, inspirado na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, comecei por incutir no processo criativo o sentimento que a sua poesia me

instiga, incitando os bailarinos a espantarem-se e a deixar que a sensação vivida no interior das nossas condições ontológicas irradie imagens em movimento que, entretecidas com as leis da gravitação interna dos passos de dança, surjam como substância transfigurada. E, sendo cada passo a sequência lenta ou acelerada do passo anterior, é no encadeamento de todos eles que a obra se edifica, se amplia e ganha vida própria. Esse é o momento em que a técnica de dança, estando lá, se dilui na maquinaria do corpo e na força dos músculos para dar passagem à emoção

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inicialmente incutida”, descreve Vasco Wellenkamp.

«Na Substância do Tempo» é, por isso, o momento em que o discurso coreográfico se assume como metáfora. “Imaginemos a figura frágil que baila em redor da suspensão; um grupo de gente angustiada e cingida dentro de um feixe mínimo de luz; o voo que atravessa o espaço com o ímpeto de um salto; o personagem que desliza até ao chão por uma rampa imaginária; aquele que abraça para falar de amor, ou que, num gesto de

abandono e desalento, se deixa simplesmente cair. Saint-Exupéry

disse, um dia, dos homens, ‘(...) Só são homens aqueles que o cântico ou o poema ou a oração

alindaram, aqueles que se acham construídos no interior (...)’. Foi por aqui que caminhámos ao coreografar esta obra: viver no interior das nossas condições de artistas o eco da poesia de Sophia, e deixar que ela se construa e alinde no mundo visível dos corpos que dançam”, acrescenta o coreógrafo.

25 DE ABRIL FESTEJADO NO

CINETEATRO LOULETANO COM

A GAROTA NÃO E LUCA ARGEL

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Jorge Gomes
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s Comemorações do 25 de Abril em Loulé assistiram, na noite de 24 de abril, a um espetáculo especial que nasceu de um desafio lançado pelo Cineteatro Louletano a partir da música «Países que ninguém invade», de «A Garota Não» e Luca Argel, que surgiu quando os dois artistas se cruzaram em palco numa homenagem a Chico Buarque.

A Garota Não canta a intervenção através de uma doce reflexão sobre os tempos que vivemos. Uma viagem social, política, de quem luta com o coração e dá corpo, alma e voz a um projeto

absolutamente único. Em 2022 lançou «2 de abril», considerado pela crítica como um dos melhores álbuns nacionais do ano, numa homenagem ao bairro homónimo onde cresceu, em Setúbal. O álbum, segundo a própria, é “temperado com vontade, comoção, repulsa, cansaço e aquela dose de angústia de onde se arrancam os temas mais doridos... e depois serenidade... e depois alegria... e, no fim disto tudo, uma grande gratidão”. Neste concerto especial subiram ao palco do Cineteatro Louletano Cátia Mazari Oliveira (Voz e Guitarra), Sérgio Mendes (Guitarras), Diogo Sousa (Bateria) e Luca Argel (Voz e Guitarra) .

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BRASA DOIRADA DERAM

CONCERTO COMEMORATIVO

DO 25 DE ABRIL NO TEATRO

MUNICIPAL DE PORTIMÃO

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Ricardo Coelho

Municipal de Portimão

recebeu, no dia 24 de abril, o concerto

comemorativo dos 49 anos sobre a Revolução dos Cravos, protagonizado pelos Brasa Doirada, um grupo de música tradicional portuguesa assente no Cante. A banda nasceu em 2015 e, apesar dos seus elementos serem todos residentes no Algarve, ao longo dos tempos tem assumido o papel de «embaixadores» da música alentejana.

O projeto foi o fruto de uma bonita amizade entre Daniel Cordeiro (Cavaquinho Português), Nelson Law (Guitarra), Nuno Higino (Bandolim) e

Pedro Dias (Voz principal e coro) em que o Cante estava sempre presente nos momentos de convívio. Esse gosto, associado a diversos instrumentos de cordas, levou à criação dos Brasa Doirada, nome oriundo de uma moda alentejana.

Desde então, os Brasa Doirada procuram, com uma musicalidade própria, reinventar o Cante, sem nunca ferir as suas origens, assim como inovar e trazer novas sonoridades e formas de apresentação. Para além da componente musical, apresentam momentos de humor que tornam os seus espetáculos únicos e completos, direcionados para toda a família e adequados para todas as faixas etárias, conforme se constatou neste concerto especial no TEMPO .

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TEMPO – Teatro

Mirian Tavares (Professora)

ueria escrever sobre coisas fofinhas. Gatos, por exemplo. Se bem que os gatos nem sempre são fofinhos. Os meus, muitas vezes, apetece-me mandálos, só com bilhete de ida, para o campo. Já me esqueci da porta do apartamento aberta e nem assim as criaturas se animaram a pegar suas mochilas e fazer uma viagem pela Europa do Leste, ou quem sabe, apanhar o Expresso do Oriente ou visitar os seus parentes na Turquia. Ficam em casa a dormir o dia inteiro e a vadiar pela noite adentro. Dentro de casa, claro. Mas até são fofinhos. A Camille e o Goya são muito conversadores, falam o tempo todo, reclamam, chateiam e depois adormecem sobre as minhas pernas, barriga ou parte do corpo que lhes apeteça, depende da minha posição na cama ou no sofá. A Frida e o Basquiat são mais calados, discretos. Mas isso não os impede de vir cedinho, antes das 7h da manhã, reclamar o patê que já se faz tarde nas suas barriguinhas. Mas não é sobre gatos que vou falar/escrever. Nem mesmo sobre quando eles são fofinhos e fazem coisas instagramáveis. Vou, uma vez mais, falar sobre a insanidade a que estamos submetidos nas universidades, dominados, subjugados, submersos em plataformas, relatórios, reuniões sobre plataformas e relatórios sobre reuniões. Tinha uma bem-

intencionada lista de coisas para fazer durante esta semana. Não fiz nada da lista, mas fiz imensa coisa, entretanto. Parte das coisas que fiz resumiu-se a preencher tabelas excel e fazer relatórios. O que me toma imenso tempo. Porque não domino o excel, porque tenho de rever várias vezes tudo antes de passar para pdf, porque tenho de ler relatórios para preencher dados que nem sempre fazem grande sentido ou, de forma clara, traduzem a atividade que efetivamente fazemos ao longo de um ano letivo. Porque somos escravos de plataformas que foram criadas, pasmem, para facilitar a nossa vida e promover um bom fluxo de documentos. Porque quando aprendemos finalmente a lidar com alguma bendita plataforma, ela é atualizada, ou trocada por outra, e recomeçamos, como Sísifo, a subir e descer ladeira com um grande calhau às costas. Fala-se tanto de IA, de Chat GPT, e o que eu queria era que, de facto, a IA entrasse na nossa vida para resolver a burocracia que nos emperra. Queria um bicho qualquer, artificial ou natural, que me deixasse riscar as coisas que tenho à espera na minha lista de coisas a fazer e que não se fazem porque tenho de fazer relatórios sobre elas, sobre o porquê de fazê-las, sobre a sua finalidade. Mesmo que elas, as coisas mesmas, fiquem à espera na lista. Fico a pensar se os inúteis dos meus gatos não me podiam ajudar. Nem que fosse a comer os relatórios, a hackear os sistemas, ou a deitar abaixo as plataformas .

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Das plataformas, relatórios e outras inutilidades
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Foto: Vasco Célio

Septuagésima sexta tabuinha - Pelota Ana

Isabel Soares (Professora)

or estes dias, revejo o meu amigo Isaías Fanlo, com quem divido cumplicidades literárias, profissionais e emocionais há vinte e dois anos – faz agora em maio. Conhecemo-nos no sul da Itália, na bela cidade de Lecce, por obra e graça de um francês chamado François (que já se foi deste mundo e, se houver justiça, há de estar a divertir-se e a descobrir coisas encantadoras no outro), e nunca mais nos largámos. Escrevemo-nos muito, sobretudo antes de se imporem as redes sociais e os afazeres académicos que eu e ele também temos em comum. De súbito, sinto saudade dessas trocas de palavras e recordo um dos tópicos que mais nos revelaram um ao outro: o modo como entendemos o nosso mundo como lugar atravessado por seres especiais. Entre muita gente que tem passado pelas nossas vidas, passaram – mais pela dele que pela minha, na verdade – pessoas felinas. Tendemos a dar aos felinos uma espécie particular de atenção: de acordo com o estereótipo, inversamente proporcional à atenção que os felinos dispensam aos humanos. Mas com os gatos do Isaías não tem sido assim. Quando se lhe foi a Sasha, a mão dele escreveu em castelhano as palavras de outra gata, a Misha, e eu passei-as para língua portuguesa (num belo texto que foi publicado numa igualmente desaparecida revista e de igual boa

memória, a Em Cena, pelos idos de 2004). Mais tarde foi a Pelota que abalou e o Isaías que escreveu, de voz própria (e agora traduzo, que ainda faltava essa passagem), sobre a despedida. Os animais não humanos são personagens que nos fazem seres tão mais completos.

“NÃO ERA APENAS UM GATO, ERA A PELOTA”

Quando nos deixa um animal com quem partilhámos um pouco da nossa vida, ouvimos por vezes dizer a pessoas que, talvez com boas intenções, fazem comentários como “mas era apenas um gato”, “antes isso do que ter-te morrido um familiar”, ou “menos problemas”. Bem, este tipo de frases é de uma crueldade extrema. Pelota não era “apenas um gato”. Tinha um nome próprio e uma maneira de ser. Foi uma entidade completa, única e maravilhosa, com quem tive a sorte de conviver durante mais de catorze anos e que deixou uma marca indelével na minha vida, alguém que esteve a meu lado de maneira incondicional quando passei por uma depressão; que subia para cima do sofá, ou da cama, onde quer que eu estivesse, para me dar carinho, para ronronar ao pé de mim e para me dizer que estava ali, que estava tudo bem; um ser que me vinha buscar quando eu estava a escrever no escritório e me tocava no braço com uma patinha, pedindo que lhe fizesse festas na cabeça

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(e juro que, quando o fazia, a sua expressão parecia um sorriso). Alguém com quem dividi iogurtes (ficava doida), quilómetros de viagens ao Empordà ou ao Delta do Ebro quando era mais pequenina, livros, filmes, cada um de nós desfrutando à sua maneira (ela, por exemplo, ronronava alto quando eu lhe lia livros ou recitava poemas). Alguém que dependia de mim quando veio cá para casa, cachorrinha de poucos meses, e que dependeu de mim nestas últimas semanas, quando tive de lhe dar comida à boca seis vezes por dia, esperando que voltasse a comer sozinha. Por quem tive de cancelar viagens e alterar planos, e voltaria a fazê-lo uma e outra vez, porque, quando a Pelota vinha ter comigo, a olhar para mim desse modo tão seu, os olhos semicerrados, e se punha a ronronar, estava a oferecer-me uma coisa belíssima e incondicional: a confiança, o carinho mais absoluto. E jamais, jamais deixou de fazer isso. Que gratidão, que constância havia no amor da minha gata! É claro que me morreu uma pessoa da família, não me envergonha admiti-lo, mesmo se de uma família felina, e não penso que a dor diminua por Pelota não ser humana. Vai levar tempo e custar-me muitas lágrimas acostumar-me a não voltar a vê-la nunca mais. A incorporá-la como parte viva de mim e da minha história sem que me doa. Escreveu o meu querido Jaime, numas páginas inesquecíveis sobre a morte do seu companheiro felino, Mr. O’Donnell:

“Os gatos são talvez entidades demasiado metafísicas para precisarem de acreditar na ideia de um além”(1). A Pelota era em si mesma um princípio e um fim, era a vida inteira e foi também o ponto final. Adormeceu com a cabecinha apoiada na palma da minha mão, sem sofrer. Dizendo-me, como sempre, que estava tudo bem. Dizendo-me obrigada, dizendo-me até sempre. E sem ela a minha vida não voltará a ser a mesma. Numa das últimas fotografias que fiz de Misha e Pelota juntas, como se sabia cuidada e protegida, Pelota é a que está a sorrir. E Misha olha para mim agora, como que a observar-me enquanto escrevo isto: como se me dissesse “não te preocupes, eu ainda estou aqui, eu estou contigo, como sempre” .

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Isaías Fanlo, setembro de 2018 (1) Jaime Manrique, Latin Moon in Manhattan (2003) Foto: Vasco Célio

experiência de uma década a ensinar língua e literatura portuguesa na Universidade de Macau permitiu-me o acesso a novas dimensões, problemáticas e desafios colocados pela aquisição de uma língua estrangeira tão outra e distinta, como é o caso do português na Ásia. Mas, acima de tudo, é profundamente gratificante sentir como uma parte de nós, como essa parte da matéria que enforma aquilo que somos, que nos concede substância e voz ao pensamento, como é o caso da nossa língua, pode germinar e crescer em falantes nativos de países, línguas e culturas tão distantes. Além disso, importa referir como, para além da esfera utilitária, de um passaporte para um emprego desejado, de um sentido prático que nunca pode ser ignorado, vi desenhar-se, através da sua aprendizagem, novas pontes, conducentes a universos íntimos. Aliás, o dramaturgo britânico Arnold Wesker afirmou que “a língua é uma ponte que permite atravessar com segurança de um lugar para o outro”. Será, pois, a experiência de uma dessas travessias que gostaria de partilhar em seguida.

O episódio que conto aqui aconteceu no 34.º Concurso de Eloquência em Língua Portuguesa da Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto, no Japão, cujo júri integrei antes do início da pandemia. Primeiramente, importa explicar que estes concursos são competições comuns em

Universidades da Ásia, cujo objectivo é que os alunos elaborem e profiram, de forma o mais eloquente possível, um breve discurso, normalmente de cerca de cinco a oito minutos, a propósito de um tema – que pode ser de escolha livre ou fornecido antecipadamente de acordo com regulamento estabelecido. Deste modo, treinam não apenas a proficiência linguística numa língua estrangeira, mas também a capacidade argumentativa e de persuasão. Os discursos são avaliados por um júri que premeia as melhores prestações, de acordo com critérios rigorosamente estipulados.

Todo o ambiente da competição decorreu envolto numa grande solenidade, os concorrentes provinham de várias universidades do Japão onde se estuda português e muitos dos discursos proferidos foram verdadeiramente marcantes como nítidas cartografias de emoções. Um deles, intitulado «o beijinho», constituía um ensaio sobre a interculturalidade, as diferenças, as tentativas de entendimento, de integração e relacionamento, o abismo que separa japoneses e portugueses nessa matéria. Centrava-se numa experiência de intercâmbio vivenciada pela aluna em Lisboa, marcada pelo choque inicial de ver as pessoas, nomeadamente, da família que a acolhera, cumprimentarem-se com beijos, algo altamente improvável no Japão, onde as saudações se reduzem frequentemente a uma cordial vénia, sem que haja lugar para o toque, para a proximidade física. E, neste ponto, saliento que me refiro a um mundo pré-covídico, quando as manifestações de afecto ainda ocupavam o seu devido lugar.

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Português, a língua dos afectos Dora Gago (Professora)

Mas, o mais interessante também, foi, no final desse discurso, o facto de a estudante enfatizar como o «beijinho» se havia tornado importante para ela, antes de deixar Lisboa, como ultrapassada a barreira da aversão e do estranhamento, lhe permitiu uma nova forma de se relacionar com os outros, uma aprendizagem mais aprofundada de uma cultura, a leitura de um abecedário de afectos e de pontes até aí desconhecidos para ela. Porém, a expressão e, de certo modo, catarse de sentimentos não se ficou por aí.

A língua portuguesa conferiu também voz aos traumas, à dor recordada, perante as perdas motivadas por uma catástrofe natural: o terramoto de Tohoku, que atingiu 9.1 na escala de Ritcher e foi um dos mais fortes a assolar o Japão em 2011, tendo deixado um rasto estimado de cerca 29 mil vítimas. Essas vítimas tinham nome, vidas, identidades, algumas eram familiares daqueles estudantes que as evocaram, homenagearam, deixando transparecer o amor e a saudade, como se, em português,

encontrassem o alfabeto certo para esse desfolhar de sentimentos. E nesse desvelar de mundos interiores calados, contidos, escamoteados, que pareciam de súbito, jorrar, transpostos nas sílabas de uma língua distante tecida de emoções, houve também espaço para as palavras de amor nunca ditas a um pai já falecido, com quem a relação fora distante, problemática.

No final, a questão impôs-se: o que tem a língua portuguesa de especial para a converter em veículo privilegiado a fazer falar assim o coração? Terá isso a ver com um certo temperamento afectuoso atribuído, de forma estereotipada, aos falantes de português dos mais variados quadrantes e continentes? Com efeito, após o final da competição, numa conversa informal, os concorrentes afirmaram que jamais seriam capazes de exprimir aqueles sentimentos e emoções na sua língua materna. Os motivos? As respostas eram vagas, não sabiam. Talvez por pudor, por respeito a convenções, por múltiplas razões ou quem sabe até, por nenhuma que nos pudesse ser explicada naquele momento. E se a língua estrangeira fosse outra? A resposta era que também não, tinha de ser em português...

No fim, entregues os prémios, cumpridas as formalidades, permaneceu a emocionada partilha entre nós, falantes nativos de português (neste caso específico, de Portugal e do Brasil), membros daquele júri, por sentirmos a nossa língua a habitar, a enformar, a dar voz a sentimentos silenciados, a ser ponte, porta e janela para a expansão de mundos secretos, a despertarem muito além da casca das aparências, a ser o delicado fio de seda que une a identidade e a alteridade. E, sobretudo, a aproximar, a irmanar, além de todas as fronteiras e geografias .

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a matriz religiosa judaico-cristã, Adão e Eva cometeram o primeiro pecado, o original.

A falha humana faz parte da nossa génese, e está presente em todos e cada um, sendo que alguns estão mais expostos e quando falham é mais visível, e difícil de corrigir. Vivemos um momento particularmente complexo no país e na sociedade. Com muitas incertezas e uma insegurança que conduz os indivíduos e as instituições a um dia-adia demasiado intenso. A procura do erro e da imperfeição é denunciada a cada momento.

Por outro lado, a glória e a conquista enaltecidas e ambicionadas, dependem crescentemente de materialidades objetivadas que nos conduzem por processos egocêntricos de afirmação, que comprometem valores de Humanidade, de solidariedade, de espírito de missão e de bem-estar público. Uma balança que se revela muito difícil de equilibrar entre percursos de vida individuais e coletivos.

Os mitos de outrora foram derrubados e Zeus – Deus todo-poderoso – vive na imaginação de alguns, mas não é humano. A perturbação diária que nos incomoda em casa, nos ecrãs, nos

telefones, nos jornais, nas rádios… são relatos da forte imperfeição humana, que nos levam a duvidar da nossa própria natureza e contribuem para um clima de elevada instabilidade e descrença no amanhã. Por outro lado, as mensagens internacionais, externas à nossa realidade, proporcionam outras narrativas de terror, de massacre, de inflação, de desemprego, que desafiam as mentes mais suscetíveis, angustiando e provocando uma ansiedade geral.

Todavia, esta é a história da Humanidade, continuar a lutar contra a imperfeição, procurar a felicidade individual e coletiva, acreditar que aquilo que assistimos são atos isolados que merecerão retificação e condenação. A transgressão a que assistimos de pessoas e de instituições, detém um custo demasiado elevado e ajuda no fortalecimento de narrativas de revolta, de frustração e de agressividade que não procuramos.

A liberdade e a democracia têm um trajeto de altos e baixos, mas prosseguem o seu caminho. A Torre de Babel hoje é o mito de conseguir explicar o que não tem explicação. Cremos que o que agora foi evitado, mais cedo ou mais tarde se revelará como incontornável. As forças estão a ser medidas. Pouco interessa quem foi o pecador, mas sim o

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O pecado original Alexandra Rodrigues Gonçalves (Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da UAlg )

pecado cometido e a ação perante o mesmo.

O que nos importa é que exista pensamento e ação credível, e isenta de ideias feitas. Tal como José Saramago reconhecia na sua obra, o ser humano tem de ser consciente que a sua ação afeta toda uma comunidade e que as suas escolhas determinam as vidas de outros. Todos contam na procura do bem comum, sendo que, por vezes, é a maioria que decide. Importa contribuir para que as gerações dos nossos filhos possam crescer em segurança e liberdade. O que nos motiva é pensar estrategicamente nas fraquezas que temos, e em como podem tornar-se forças. Os valores de consumismo, do ter, em vez de ser, desafiam os limites da

esperança e da regeneração que se espera.

Não interessa o radicalismo de algumas vozes ou a convicção inabalável de outros. Estamos perante um momento de oportunidade para dar a volta aquilo que queremos ser e em que acreditamos.

Citando um dos meus pensadores de eleição, José Tolentino de Mendonça: “Há sempre caminhos, há sempre soluções, há sempre possibilidades”. Aguardemos com a serenidade possível, contribuindo da melhor forma para uma nova luz.

P.S. este é um texto com pouco factos explícitos que procura apenas e tão só apelar à reflexão .

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Os açudes da confusão João Ministro (Engenheiro do Ambiente e empresário)

êm vindo a público notícias sobre a remoção de açudes, ao abrigo de um programa europeu designado «Open Rivers»1 ou «Rios Livres», com o objectivo de libertar os mesmos de barreiras obsoletas, restaurar o livre fluxo de águas e fomentar a biodiversidade. Dois projectos estão em curso em Portugal, um em Alviela e outro em Alcoutim, na Ribeira de Odeleite (açude dos Galaxes). A iniciativa internacional parte de um grupo de investigadores que durante vários anos identificou milhares de pequenas barragens que impedem a livre circulação de água e, por consequente, a livre movimentação de fauna piscícola, constituindo uma forte ameaça à conservação da mesma. Nada a dizer, apenas enaltecer a iniciativa. Contudo, está a gerar-se alguma incredulidade sobre estas notícias, especialmente nos meios rurais (e com toda a razão), pois aquilo que foi dado como uma sólida verdade ao longo de séculos para apoiar a vida rural no interior – a preservação de pequenos açudes nas ribeiras – está agora sob ameaça de uma visão europeia, do norte, onde água é algo que não lhes falta. Ao tentar perceber o que está em causa, verifico que há uma confusão de conceitos que pode, efectivamente, levar a uma interpretação errada sobre o que

se entende por «estruturas obsoletas» e, consequentemente, a alguma revolta por parte de quem sempre viveu no interior e viu as ribeiras fluírem, os peixes a movimentarem-se, mesmo com açudes ali instalados.

Vamos a algumas notas:

O projecto «Open Rivers» centra-se muito no conceito de barragens. Ora, barragens não são o mesmo de açudes. E entre a designação de «açude» há vários tipos, consoante o método de construção, dimensão e até funcionalidade. Uma grande parte do que temos nas pequenas ribeiras do interior algarvio são açudes de pequena dimensão, construídos em pedra, com rampas desniveladas a jusante, nalguns casos com escoadeiras e conectados a levadas até. Serviam (e servem) para reter água – tal como todas as represas –sobretudo para uso na agricultura e na canalização de água para o funcionamento de engenhos de moinhos de água ou azenhas.

Alguns destes açudes são seculares e estão de tal forma integrados no meio que são hoje pólos de biodiversidade e a razão da subsistência de vida animal e vegetal e determinadas regiões do interior. Veja-se, como exemplo, o caso da ribeira da Fonte da Benémola, em Querença. Alguém imagina sequer a

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possibilidade de se removerem dali os açudes existentes? Era o fim daquela área protegida….

Os antigos, como referem os habitantes da serra, sabiam o que faziam quando instalavam estas estruturas. E, de tal forma o sabiam, que sempre houve peixes a subir as ribeiras, como bem o comprovam.

E, por fim, misturar realidades geográficas como a do Centro e Norte da Europa, com o Sul Mediterrânico e suas regiões serranas, como o interior do Algarve, é como tentar juntar água a azeite. Não é possível. Vivemos realidades totalmente diferentes, tanto ao nível climático, dos regimes pluviosidade e da abundância de água. Aplicar a mesma bitola metodológica é um erro. E não auscultar as comunidades

locais e o conhecimento popular ancestral ainda mais.

Não quero com isto dizer que não existam as tais «estruturas obsoletas» que mais não fazem do que impedir o regular funcionamento dos rios e impedir a sua renaturalização. Mas sejamos claros: barragens são uma coisa, cujos impactos ambientais são graves e de evitar, e açudes, como os acima descritos, são outra. E pensar na sua remoção pode ser um grave erro para a vida animal e vegetal no interior algarvio, bem como para a subsistência da pouca actividade rural ali existente.

Seria bom, por isso, clarificar conceitos e explicar o que se pretende. Caso contrário, o resultado pode ser pior do que o pretendido .

1 https://openrivers.eu

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