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ALGARVE INFORMATIVO 23 de dezembro, 2023
«HOMO SACER» ABORDA ANTICIGANISMO BRANCO 1 ALGARVIANA ULTRA TRAIL 2023 | «BARBO, SALVAR GAIA RUMO A YOD» | CRISTINA ALGARVE INFORMATIVO #416 PRESÉPIO DE VRSA | «O MISANTROPO» | CENTRO INTERPRETATIVO DO SALVA-VIDAS DE ALVOR
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ÍNDICE Centro Interpretativo do Salva-vidas de Alvor (pág. 18) ALUT - Algarviana Ultra Trail 2023 (pág. 30) Presépio de Vila Real de Santo António (pág. 42) «Barbo, salvar Gaia rumo a Yod» no Teatro Lethes (pág. 60) «Homo Sacer» no Cineteatro Louletano (pág. 78) «O Misantropo» no Teatro Municipal de Portimão (pág. 92) Cristina Branco no Auditório Carlos do Carmo (pág. 108)
OPINIÃO Mirian Tavares (pág. 120) Júlio Ferreira (pág. 122) Sílvia Quinteiro (pág. 126) Dora Gago (pág. 128)
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Centro Interpretativo do Salvavidas de Alvor inaugurado no âmbito do Dia da Cidade de Portimão Texto: Daniel Pina| Fotografia: Filipe da Palma derradeiro capítulo das comemorações do Dia da Cidade de Portimão aconteceu, a 16 de dezembro, com a inauguração do Centro Interpretativo do Salva-vidas de Alvor, ALGARVE INFORMATIVO #416
antecedido pelo espetáculo de teatro comunitário «Ao sabor da Sorte e do destino», que foi acompanhado por centenas de pessoas da comunidade local, mas também por muitos visitantes e turistas. A performance envolveu principalmente pessoas do concelho, sob a direção artística de Raquel Belchior e com a produção da Ordem do O – 16
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Associação Cultural, em colaboração com o Centro Comunitário de Alvor e com a Freguesia de Alvor. O percurso de teatro de rua emocionou e interpelou os atores e o público, tendo o final da peça culminado com a saída do Salva-vidas «Alvor», embarcação de grande importância para os pescadores da terra desde que entrou em funcionamento no ano de 1933, tendo beneficiado recentemente de profunda recuperação, por iniciativa do Município de Portimão. Já o novo equipamento cultural resulta das obras de reabilitação do edifício emblemático da Estação do Instituto de Socorros a Náufragos de Alvor e é um projeto da Câmara Municipal de Portimão, através do seu ALGARVE INFORMATIVO #416
Museu, com a colaboração da Junta de Freguesia de Alvor, Com a presença da Presidente do Município de Portimão, Isilda Gomes, do Presidente da Freguesia de Alvor, Ivo Carvalho, do Vice-presidente do Município Álvaro Bila, da Vereadora Teresa Mendes e do Vereador José Cardoso, bem como de outros membros do executivo camarário, e ainda na presença do representante da Defesa Nacional, Capitão de Mar e Guerra Lopes de Figueiredo, Comandante da Zona Marítima do Sul, a cerimónia incluiu o descerramento da placa que fica assim gravada na pedra e perpetuada na memória da comunidade alvoreira. As palavras do presidente da Freguesia de 18
Alvor, Ivo Carvalho, bem como a intervenção da Presidente da edilidade, Isilda Gomes, destacaram-se pelos diversos agradecimentos, designadamente à comunidade local, à Freguesia de Alvor, e à Divisão de Museus e Património, entre outros entidades e individualidades. De seguida, houve lugar à visita ao novo espaço museológico, com o acompanhamento técnico da chefe da Divisão de Museus e Património, Isabel Soares, após o que foi servido um beberete no espaço da antiga Lota, que também foi inaugurada, após uma
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intervenção de conservação e restauro, em março deste ano. O dia recheado de emoções terminou com fado, património nacional e local, interpretado por João Leote, fadista portimonense de reconhecido mérito. O Centro Interpretativo do Salva-vidas de Alvor contou com o apoio do CRESC Algarve 2020 – Programa Operacional Regional do Algarve, através do PADRE – Plano de Ação de Desenvolvimento de Recursos Endógenos, tendo um investimento aprovado de 312 mil e 800 euros, com a comparticipação do FEDER na ordem dos 218 mil e 960 euros .
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Algarviana Ultra Trail 2023 foi um sucesso desportivo e continua a romper fronteiras Texto: Daniel Pina| Fotografia: Associação Algarve Trail Running ais de 308 quilómetros depois da partida, a 30 de novembro, de Alcoutim, Nuno Guimarães, do EDV-Viana Trail, foi o grande vencedor do ALUT – Algarviana Ultra Trail 2023, com a francesa Claire Bannwarth a ser a primeira mulher e a obter o segundo lugar da classificação geral. ALGARVE INFORMATIVO #416
Nuno Guimarães esteve desde o início na frente da corrida, sempre acompanhado por outros atletas, mas, após a base de vida de Silves, seguiu isolado e totalmente destacado até ao final. O atleta do EDV-Viana Trail foi recebido em apoteose já dentro da Fortaleza de Sagres numa emoção partilhada por atletas e organização ao ter cruzado a meta com um tempo de 42 horas e 51 minutos. Nuno Guimarães chegou ainda com força para brincar com 30
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as dificuldades e descrever este desafio que lhe acrescentou ao palmarés uma vitória na prova mais longa que já concluiu: “Comecei a correr há
poucos anos e preparei-me em especial para esta prova e agora sei que o ALUT não se explica, sente-se”. No sector masculino, o pódio fechou com o italiano Luca Papi com 47h18min em segundo lugar e António Pinto em terceiro lugar com 48h29min. Claire Bannwarth começou tímida, mas sem esconder que era candidata à vitória do Algarviana Ultra Trail. A francesa, que em novembro fez mais de 1.200 quilómetros em provas treinos, imprimiu na segunda noite um ritmo alucinante, fixando o recorde do melhor tempo feminino de sempre com 44 horas e 33 minutos, e tornou-se no primeiro atleta a vencer o ALUT nos dois sentidos, de Sagres para Alcoutim em 2022 e de ALGARVE INFORMATIVO #416
Alcoutim para Sagres em 2023. Seria preciso esperar quase mais 16 horas para fechar o top 3 feminino, que, além de Claire Bannwarth, incluiu ainda a experiente Isabel Moleiro, da SS CGD, com o tempo de 59h46min, e Marta Abrantes, da Runners do Demo, que concluiu este desafio em 61h09min. Na modalidade por estafetas, a equipa VASP, constituída por Miguel Nunes, João Veríssimo, Igor Santos e Paulo Silva, foi a grande vencedora, somando 39h07m; seguida pela Trail Runner de Portimão, que terminou em 42h26m; e a Algarviana Team, na terceira posição, com o tempo de 46h06m. Partiram de Alcoutim 87 atletas, dos cerca de 100 inscritos, tendo chegado a Sagres, dentro do tempo regulamentar de 72 horas, 52 atletas, entre os quais 10 mulheres, um recorde na categoria feminina a concluir o ALUT; e dois totalistas, Filipe Conceição e José 32
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Simões. “Estes números revelam
que são cada vez mais os atletas, nacionais e internacionais, a incluir o Algarviana Ultra Trail no seu calendário, elegendo, muitas vezes, a prova para se estrearem numa distância tão desafiante. São também cada vez mais os acompanhantes, equipas de apoio e curiosos a juntarem-se ao evento, cumprindo-se o propósito de o ALUT ser o cartão-de-visita para o interior do Algarve. Ano após ano o envolvimento das autarquias, juntas de freguesia, comunidades locais e patrocinadores é maior, contribuindo para a afirmação do evento no panorama do turismo desportivo e de natureza”, analisou Bruno Rodrigues, em nome da ATR – Associação Algarve Trail Running, entidade organizadora do evento. ALGARVE INFORMATIVO #416
O ALUT – Algarviana Ultra Trail é um evento lúdico/desportivo pedestre em natureza que se desenvolve na sua quase totalidade na Via Algarviana. Em 2023 realizou-se a sua sexta edição entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro, organizado pela ATR – Associação Algarve Trail Running com o apoio da RTA – Região de Turismo do Algarve, da ANA – Aeroportos de Portugal, da Visacar, da Associação Almargem, dos vários municípios onde a Via Algarviana cruza e de diversos parceiros locais. Na sua primeira edição, em 2017, contou com cerca de 60 atletas, que percorreram os 300 quilómetros do percurso, com aproximadamente 7 mil metros de desnível positivo acumulado, a solo e em estafetas de dois, três e quatro elementos. O vencedor dessa primeira edição foi João Oliveira, ultramaratonista do Chaves Run Team – Associação Desportiva Dragões de Chaves, que precisou de apenas 43 horas para concluir 34
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o percurso que tinha 72 horas de tempo limite previsto para a sua conclusão.
pela francesa Claire Bannwarth, segunda da geral, com o tempo de 47h35m13s.
Melhorando o seu recorde em 2018, João Oliveira só haveria de ser batido em 2019, por Paul Giblin, que estabeleceu uma nova melhor marca para o percurso de Alcoutim a Sagres, com 38 horas e 6 minutos. Em 2022, foi Rui Sequeira o primeiro a vencer um percurso no sentido inverso, estabelecendo o recorde em 47h17m23s, que este ano foi destronado por Dinis Ribeiro, que fixou a melhor marca em 45h31m20s. Teríamos de esperar até 2018 para a primeira mulher terminar o percurso, com a francesa Sylvie Mathis a fixar o melhor tempo feminino em 60h30m. No ano seguinte venceu Patrícia Carvalho e no ano passado Carla André estabeleceu o melhor tempo feminino do percurso, que se fez no sentido inverso, ao vencer em 59h34m55s, marca essa batida este ano
A Via Algarviana, cuja gestão e manutenção é da responsabilidade da Associação Almargem, é uma Grande Rota Pedestre (GR13) que liga Alcoutim ao Cabo de São Vicente. Os cerca de 300 quilómetros do itinerário da GR13, na sua maioria instalados na Serra Algarvia, atravessam nove concelhos do Algarve, designadamente, Alcoutim, Castro Marim, Tavira, São Brás de Alportel, Loulé, Silves, Monchique, Lagos e Vila do Bispo. Com o objetivo de promover os territórios de baixa densidade e de ampliar a oferta turística da região, a Via Algarviana aproxima-se de locais de interesse natural e cultural, bem como de serviços de alojamento e restauração, dinamizando a economia local do interior algarvio .
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Maior presépio do país está de regresso a Vila Real de Santo António Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina tradição volta a cumprir-se e o maior presépio do país regressou a Vila Real de Santo António no dia 1 de dezembro, contando, em 2023, com 5 mil e 800 peças. Na sua 21.ª edição, o Presépio Gigante atinge a marca dos 240 metros quadrados, ocupando toda a área do Centro Cultural António Aleixo, com milhares de figuras, muitas feitas de raiz pelos seus autores. Como vem sendo habitual, a lista de materiais utilizados na sua construção é extensa e incorpora mais de 20 toneladas de areia, 4 ALGARVE INFORMATIVO #416
toneladas de pó de pedra, 3 mil quilos de cortiça e centenas de adereços. Para dar vida a esta iniciativa, foram necessários mais de 40 dias e 2 mil 500 horas de trabalho, embora os preparativos já tenham começado há vários meses. As cerca de cem peças animadas e motorizadas, os lagos e a iluminação constituem «o segredo» do evento e são a sua marca diferenciadora. Tudo isto assenta numa complexa base de suporte onde estão instalados os vários quilómetros de cabos que permitem dar vida a esta obra de arte e garantem, por exemplo, a circulação da água, a iluminação das casas e os efeitos cénicos. 42
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TEATRO LETHES ACOLHEU RUMO A YOD» DO TEATRO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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«BARBO, SALVAR GAIA O ESTÚDIO FONTENOVA
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arbo, salvar Gaia rumo a Yod» é um texto original escrito para o Teatro Estúdio Fontenova, de Armando Nascimento, motivado pelo conto de ficção científica «Barbo», de Natália Correia, publicado em 1968. “A
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extrema pertinência desta narrativa distópica da autora desafiou-nos à criação deste espetáculo. A emergência climática que vivemos, acompanhada pela crise de recursos vitais que sustentem a população humana, a disfunção das sociedades e a ameaça bélica de destruição à escala planetária, bem como a interrogação acerca ALGARVE INFORMATIVO #416
de civilizações inteligentes algures no cosmos, são realidades dos nossos dias”, comenta Armando Nascimento. Nesta peça que foi a cena, no Teatro Lethes, em Faro, no dia 2 de dezembro, Barbo é a pessoa escolhida para empreender uma viagem espacial ao encontro do planeta Yod, no coração da galáxia, habitado por uma cultura tecnologicamente mais avançada do que a humana, os yodetas, com os quais espera Barbo colher ensinamentos para combater a situação ambiental terrestre, que coloca em risco a sobrevivência humana na Terra. Com encenação de José Maria Dias, a interpretação esteve a cargo de Clara Passarinho, Fábio Nóbrega Vaz, Graziela Dias, João M. Mota e Patrícia Paixão . 62
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«HOMO SACER» REFLETIU EM LOULÉ SOBRE O ANTICIGANISMO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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Festival Contrapeso regres sou a Loulé para a sua terceira edição, de 30 de novembro a 3 de dezembro, com um programa de teatro, jazz, cruzamentos disciplinares e várias ações de mediação, como workshops e masterclasses, abrangendo diferentes públicos e temáticas, desde a emigração contada pelo prisma de quatro clowns, à eutanásia ou à ciganofobia, passando pelo revisitar de nomes incontornáveis do jazz mundial à criação de música original a partir de poesia. «Gerações» é o tema do Festival Contrapeso 2023, organizado pela Mákina de Cena, que este ano programou sete espetáculos e duas formações em seis espaços de Loulé (Cineteatro Louletano, Auditório do Solar da Música Nova, Casa da Mákina, Tempo das Artes, Palácio Gama Lobo e Conservatório de Música de Loulé), reunindo artistas portugueses consagrados e emergentes. A programação deste ano do Festival ALGARVE INFORMATIVO #416
Contrapeso terminou com o espetáculo «Homo Sacer», a nova criação da companhia Bestiário que tem a sua génese na lei romana para designar aquele/a que nunca teve ou deixou de ter identidade e, desta forma, entrega o seu fatum aos Deuses: um Édipo que, depois de arrancar os olhos, vagueia à mercê de qualquer, um soldado romano que, em batalha, no desiderato da vitória, lança-se a território inimigo porque a probabilidade de voltar é diminuta, as/os Calon que, em época de transição para a sociedade industrial, eram listadas/os e perseguidas/os com o epíteto de terem aversão ao trabalho. Tendo como referência o livro «Homo Sacer e os ciganos» de Roswitha Scholz, Maria Gil, atriz e ativista, alia-se a Teresa V. Vaz numa reflexão sobre o anticiganismo, com tanto de antropológico quanto político. A criação e interpretação está a cargo de Afonso Viriato, Helena Caldeira, Kali Musa, Maria Gil, Miguel Ponte, Teresa Manjua e Vasco Lello, com curadoria teórica e apoio dramatúrgico de Silvia Rodríguez Maeso e espaço sonoro de Nuno Preto e Samuel Martins Coelho . 80
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TEATRO NACIONAL D. MARIA II LEVOU «O MISANTROPO» A PORTIMÃO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Filipe Ferreira
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projeto «Odisseia Nacional» do Teatro Nacional D. Maria II marcou em Portimão o encerramento dos Outonos de Teatro 2023, que terminou em grande, no dia 2 de dezembro, no TEMPO – Teatro Municipal de Portimão, com «O Misantropo», por Hugo van der Ding e Martim Sousa Tavares a partir do clássico de Molière, expoente da dramaturgia mundial, escrito em 1666.
ainda não está pronto. Há um grupo de atores, juntos por misteriosas e diversas razões, com os nervos à flor da pele, dispostos a muito – ou a tudo – mesmo antes de se ouvirem as pancadas de Molière. Há um homem que tem aversão aos seres humanos, que não gosta da convivência social, que é melancólico, insociável, misantrópico, mocho, bufo. Há, acima de tudo, o desejo fervoroso de frequentar a corte e agradar o monarca. Com encenação de Mónica Garnel, a peça foi interpretada por Ana Guiomar, Inês Vaz, Joana Bernardo, João Vicente, José Neves, Manuel Coelho, Manuel Moreira e Mário Coelho .
É noite de estreia e «O Misantropo», de Molière, vai ser representado pela primeira vez em Portugal perante o Rei e toda a corte, sendo que o espetáculo ALGARVE INFORMATIVO #416
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CRISTINA BRANCO RECEBID DO CARMO EM LAGOA COM Texto: Ricardo Coelho| Fotografia: Ricardo Coelho
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DA NO AUDITÓRIO CARLOS MPLETAMENTE ESGOTADO
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Auditório Carlos do Carmo, em Lagoa, encheu-se de público, no dia 1 de dezembro, para receber o concerto de apresentação do novo álbum de Cristina Branco, «Mãe». Neste espetáculo em que a plateia se dividia entre portugueses e estrangeiros, Cristina Branco contou com um talentoso trio de músicos com quem tem dividido os discos e os palcos ao longo dos anos – Bernardo Couto na guitarra portuguesa, Luís Figueiredo no piano e Bernardo Moreira no contrabaixo – parceiros que contribuem para a sonoridade rica e envolvente deste projeto. ALGARVE INFORMATIVO #416
Num ambiente intimista e quente, entre momentos de conversa e temas do novo álbum, mas também alguns emblemáticos da cantora, ouviram-se entre muitos outros «Fria Claridade», «Rio de Nuvens», «Liberdade», «Senhora do Mar Redondo», «Trago Fado», «Não Há Só Tangos em Paris», «Rosita», «Promessas», «Água e Mel», «Meu Amor é Marinheiro», «Noite Apressada», «Alfonsina y el Mar» e «Sete Pedaços de Vento». Cristina Branco regressou, desta forma, ao Algarve onde é sempre tão bem recebida, sendo notória a expressão de alegria e emoção perante a sala cheia onde se respeitavam os momentos de silêncio e os aplausos entoavam bem alto. 110
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Bogotá, Lima, Santiago do Chile, Buenos Aires e Rio de Janeiro foram as últimas paragens da digressão «Mãe», que tem levado Cristina Branco um pouco por todo o mundo. Os concertos, no âmbito do Festival Fado, revelaram-se um absoluto sucesso com plateias esgotadas, rendidas à intensidade emocional e habilidade técnica de Cristina Branco. A nível internacional, e ao longo de 2024, estão ainda previstas atuações na Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Espanha, Omã e Panamá, entre outros países. A 2 de fevereiro, Cristina Branco atua no Centro Cultural de Belém, a convite do Museu do Fado, e, no dia 3 de fevereiro, subirá ao palco do mítico Theatro Circo em Braga.
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Editado a 22 de setembro de 2023, o 18.º álbum de originais de Cristina Branco movimenta-se na solenidade que envolve o fado, na magia que se encontra quando se mergulha na música, mas também na emoção que as palavras traduzem, nas respirações das suas vírgulas, na intensidade dos seus silêncios. O arranque, assinalado com a primeira amostra do disco, «Senhora do Mar Redondo», é disto exemplo perfeito, um diálogo a quatro vozes, onde as palavras de Lídia Jorge são interpretadas como se de um manto de libertação se tratassem. Em «Mãe», Cristina Branco tem o Fado Tradicional como ponto de partida e de homenagem .
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Do Natal Mirian Tavares (Professora) Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. João Cabral de Melo Neto alava com a prima sobre essa mania do cancelamento. Querem mesmo cancelar o Natal, ou pelo menos este Natal com pinheiros e um velhote simpático de barbas – não tem a ver connosco, dizem. Mas o que tem a ver connosco? Tenho muito medo dessas ideias de pureza, de busca radical de uma ancestralidade única, de uma matriz definidora. Somos vastos, acolhemos em nós multidões. Somos resultado de muitas misturas – algumas desnecessárias e violentas, outras frutos do acaso, do amor entre pessoas, ou mesmo do ódio. Mas eis que estamos aqui – impuros, imperfeitos, autênticos vira-latas ou gatos sem raça definida. Mas continuamos à procura de uma resposta sobre nós e, para muitas pessoas, ela só será encontrada quando se expurgar tudo aquilo que não nos agrada, que nos envergonha para chegar a um rótulo: sou isso. E como tal, só ALGARVE INFORMATIVO #416
posso gostar daquilo. Esquecem-se que o Natal é a celebração da diversidade, do encontro, em terra estrangeira, de estrangeiros, de refugiados. De culturas que estavam antes de nós e que também nos compuseram. Pode-se dizer, e com toda razão, que a ideia de Natal foi desvirtuada, que o Pai Natal, ou Papai Noel, são invenções espúrias e que nos tornamos vítimas do consumismo desenfreado. É verdade. Mas o Natal é aquilo que quisermos fazer dele e é ainda a celebração do solstício de inverno, da passagem para algo que cheira a novo e que se aproxima. Um ano, no calendário ocidental, um Ano Novo que promete maravilhas. Um novo ciclo, novas oportunidades. Inclusivamente de se repensar o Natal, o consumismo exagerado, a perda do sentido mais profundo desta celebração – o encontro. Encontrarmo-nos uns com os outros e connosco mesmos. Celebrar, mesmo que em meio à guerra, às guerras, em meio a um mundo que parece desmantelar-se. É 120
Foto: Vasco Célio
importante manter um ritual de boa-fé. Cada um usa os enfeites que mais gostar, não há um Natal único. É um ritual importado, como tantos outros, mas que abraçamos porque precisamos, mesmo que por uma noite, acreditar que ainda é possível continuar a acreditar. Com ou sem pinheiros, com o menino Jesus ou com o Pai Natal, celebremos. Estamos vivos e isso é muito bom . 121
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#Deusnocomando Júlio Ferreira (Inconformado encartado) lgures no Algarve, numa garagem, um «Airbnb» de última hora. Porque os hotéis estão todos esgotados nesta altura… Zé – Ai, ai… que eu vou desmaiar. Aquilo é o quê? É a cabeça? Ai, ai, pai do menino, que vou desmaiar. Preciso de água com açúcar… Maria – Oh Homem, tu não me desmaies. És mesmo fraquinho. Mas porque é que me mandaram casar com um carpinteiro? Não podia ter sido um enfermeiro, ou melhor… um médico? Sempre a mesma espelunca, mau cheiro dos animais. Vá lá… desta vez, em vez de uma manjedoura, conseguiste arranjar uma caixa de fruta do Pingo Doce. Já passaram 2023 anos e nem um berço? Homens… Zé – Tinha um negócio, uma casa aberta ao público, um carpinteiro respeitado… e eis-me aqui a servir de parteiro… vá, agora é que é! Força, força Maria (diz ele revirando os olhos com repetidos vómitos) está quase… Já está, Maria! Maria – O que estás para aí a dizer? Quem dera a muitos estar na tua situação. Queres ver que agora é mau ser santo!... Aí, Zé, é mesmo bonito o nosso... o meu filho. Zé – Eu sei que o outro está em todo o lado, mas vou criá-lo como se fosse meu. ALGARVE INFORMATIVO #416
Que remédio tenho eu? Agora juro-te, se aqueles três me aparecerem aqui outra vez com a porcaria da Mirra e do incenso, atiço-lhes os cães de louça e são corridos. Maria – Por falar em animais. O miúdo era capaz de gostar de ter um cão ou um gato. Zé – O quê? Não quero animais lá em casa! Que peça ao seu paizinho (respondeu agastado). Maria – Fixe, fixe, era todos os três magros trazerem ouro. Arruma lá as coisas que não devem tardar! Zé – Já enviei mensagem por WhatsApp e a nossa localização para Gaspar, Baltasar e Belchior. Eles estão com dificuldades em estacionar. Desencantei este jovem, que é um anjo. Até comprou este traje no «Auchan» com luzes LED e umas asas e até me ajudou a criar um evento nas redes sociais a anunciar o nascimento do menino. No «X» consegui um burro aos ciganos. A Vaca desta vez não consegui a tempo e horas, mas arranjei estes dois cães de louça que fazem bem o papel. Quem também não pode estar presente hoje, foram os pastores, tinham o jantar de Natal da empresa. Mas já chegou o Lucas que não para de escrever e tirar fotos e comerciantes, motoristas de Uber e aquelas duas meninas que trabalham ali na esquina. Assim vestidas devem ter frio, tadinhas. Queres mais? Muito fiz eu… Maria – Não fizeste mais do que a tua obrigação. Ele é filho do Senhor (diz, já 122
exaltada)! Ainda me lembro com se fosse hoje do SMS do Gabriel a dizer “Maria, vais ser mãe do filho de Deus!”. Sabes como é difícil nos dias de hoje desencantar uma virgem. Devias estar contente com a sorte que tiveste. Temos de aproveitar esta onda de sorte e comprar umas raspadinhas. Quem sabe? Zé – Caramba Maria, estás sempre a mandar-me abaixo, Maria, quando eu fui o único a acreditar nessa história de um tal Gabriel (responde cabisbaixo). 123
De repente, a música «All i want for Christmas» de Mariah Carey ecoa noa ar, seguida da voz poderosa e celestial do Arcanjo Gabriel, o anunciador por excelência das revelações divinas: – Então Zé, tudo bem? Parabéns pelo menino! Zé – De onde vem esta voz? Gabriel – Sou eu, o Arcanjo Gabriel. Aquele que enviou o SMS a Maria! Zé – Claro, só faltavas tu. O Goucha dos céus. Ou gostas mais de… Cristina Ferreira? LOL. Gabriel – Bolinha baixa que eu sou um anjo e sei artes marciais. Mando-te um golpe parto-te todo. Já vi que não é a melhor altura. Volto depois… Zé – Acho bem! Apareces quando queres, só tens garganta! Mudando de conversa… Oh Maria, aquele meu amigo do «Facebook? trouxe uma sande de presunto para o menino, já que não temos vaca para tirar leite. Maria – Estás parvo? Carne? Zé – Tu queres ver que não presta? Está estragado? Se o Pai dele quisesse que ele fosse vegetariano ou vegan, não havia presunto, ainda por cima… tão saboroso. Deixa estar, como eu. Já estou com uma larica… E nisto começa uma discussão que só é interrompida pela chegada da vizinha Ciboria, que soube pela publicação no Instagram que o menino já tinha nascido… ALGARVE INFORMATIVO #416
Ciboria – Vi nos «Instagram» que o seu filho já nasceu! Maria – Olá vizinha, sim, quatro quilos, cento e oitenta gramas – responde, orgulhosa, Maria. Ciboria – Que querido, fofo e… brilhante! O meu Judas nasceu com quatro e novecentos. Maria – Ah, foi? Veja bem que o meu assim que nasceu, transformou o meu leite em vinho. Ciboria – Isso não é nada! O meu Judas disse as primeiras palavras a troco de umas moedas de prata. Maria – Ah, foi? O meu menino é filho de Deus. Agora pense. O ambiente fica um pouco estranho e a vizinha regressa a casa. Nisto, chegam os padrinhos Gaspar, Baltasar e Belchior, usufruindo de uma promoção de sete dias e oito noites, em regime de meia pensão. Zé – Bem-vindos! Trazem prendas ou vêm só comer e beber à pala? – pergunta José, em tom brincalhão. Estou a brincar, Môces, hoje é que vão ser elas… Têm de ir à bomba de gasolina comprar uns pães com torresmos, chouriços para assar e uns chocolatinhos que estou a precisar de açúcar no sangue. Gaspar – Zé, meu velho pirata, estás sempre na mesma. Já não nos víamos há um ano pá! Zé – Também eu tinha imensas saudades vossas. Até me vêm as lágrimas aos olhos. Gaspar – Trazemos prendas sim! Baltazar – Conta-lhe a novidade, pá… Baltazar – Este ano só trouxemos ouro, achamos que com esta crise… Agora deixa-nos adorar esse rapazola, tirar ALGARVE INFORMATIVO #416
fotos e começar a faturar como «influencer» digital. Maria – Que disparate, agora vamos utilizar a imagem do menino Jesus para fazer dinheiro, enfim... Zé – Cheira-me que se não fizeres, outros farão (arregalando os olhos, enquanto dá uma valente dentada na sande de presunto). Enfim... vá, agora vou ligar ao João para agendar o batizo do menino. Gaspar, Baltasar e Belchior espero bem que tenham feito a primeira comunhão e Crisma, senão temos de ir pedir ao padre de Lagoa que em Portimão não temos hipótese. É sempre nesta altura do ano que inevitavelmente percebo que vivo num presépio povoado de figurinhas de barro, pintadas toscamente, que desempenham ano após ano os mesmos papéis. As figurinhas são sempre as mesmas, dispostas nos mesmos sítios e fazem sempre a mesma coisa, ou seja, nada, envolvendo um menino acabado de nascer. Mas desde há muito que a estrela deste menino, começou a brilhar cada vez menos, em detrimento de um idoso anafado de barba branca. Dizem que o menino oferece a vida eterna, mas a bebida gaseificada (com gelo e uma rodela de limão) oferece a sensação de viver, o que acaba por ser mais ou menos a mesma coisa, com uma larga vantagem para a bebida. Mas continua subjacente a tudo isto, aquela expectativa que nenhuma das figurinhas, nem nós…entende. Aquela expectativa profunda de mudança e de melhoria para a vida de todos, gerada pelo nascimento da criança de cabelos loiros. Feliz Natal a todos! . 124
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Ruas de Faro Sílvia Quinteiro (Professora) praz-me caminhar pela cidade. Conhecê-la a pé. Rua a rua, beco a beco. Ter a certeza de que nenhum recanto está fora do meu alcance. Agrada-me sobretudo fazê-lo nas noites quase desertas de inverno. Observo cada pessoa: o andar, o semblante, os meneios. Tento adivinhálos. Uma mulher pesada executa uma acrobacia extraordinária: equilibra nas mãos sacos de compras, carteira e chaves, enquanto com uma perna tenta abrir a porta do prédio, e com o cotovelo evitar que esta se feche. Entra. O cabelo ralo completamente desgrenhado. A mala cai. Apanha-a antes de chegar ao chão. A família aguarda no sofá que venha pôr o jantar na mesa. Deve ser a luz acesa no 3.º andar. Na rua, uma rapariga franzina passeia um cão velho, enfiado num fatinho de xadrez vermelho e verde. Olhar fixo no telemóvel. Não vê ao seu lado o homem de meia idade que atira uma pasta para o banco de trás do carro enquanto afrouxa a gravata. Termina um dia de trabalho. Para casa, finalmente. Aqui e ali, pequenos grupos de homens vagueiam. São emigrantes: nem jantar, nem cão, nem carro… nada nem ninguém os espera esta noite. Deambulam entre um dia de trabalho e outro.
evidencia-se a sobreabundância de coisas. Semáforos, postes, baldes de lixo, parquímetros. Aqui uma muralha, um arco, ali um busto, adiante um obelisco, mais umas pequenas estátuas, mesmo ao lado. Na calçada, acumulam-se ferros e cabos que em breve iluminarão o Natal. Pilaretes ao longo dos passeios. Sinalética. Publicidade. Não há espaços vazios. Olho para a rua que se abre à minha frente e vejo a casa da minha avó. A calçada é uma passadeira de flores de pedra estendida ao longo de um corredor que conduz ao coração do lar. Bibelots. Loiças finas e cristais, cães de loiça, gatinhos dourados com a patinha a abanar; jarras com flores plásticas que tresandam a petróleo; budas; santinhos e um Cristo crucificado. Por baixo, os inevitáveis naperões; toalhas e toalhinhas: em crochet, bordados a ponto cruz, a ponto cheio, debruados com pontas de renda (porque as noites de inverno são longas). Linhos amarelecidos do enxoval da mãe ao lado de algodões estampados com imagens de sardinhas e a legenda: «Portugal». Os mesmos que estão pendurados na loja de souvenirs. Fabricados em Taywan, seguramente, tal como a vaca que assoma na porta mais adiante. Sorrio ao imaginar o que diria a empregada da minha avó se lhe chamasse a atenção para este caos. É uma mulher com imensa fúria de limpar.
Na cidade quase despida de pessoas, ALGARVE INFORMATIVO #416
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Não percebe o porquê de se guardar tanta coisa que não serve para nada: – Se fosse meu, jogava metade para o lixo e deixava a casa num brinquinho. A avó apressa-se a lembrar-lhe que não é dela e que ali tudo lhe faz falta: – São as minhas coisas. As minhas lembranças. Da minha falecida irmã, só me resta essa terrina. A empregada mal ouve. Limpa o pó e sacode. Deita disfarçadamente para o lixo um pequeno elefante que já só tem uma presa atarraxada. – A casa ficou demasiado grande para mim. Se não fossem as coisas… – desabafa a avó. Fala dos jantares de Natal, ali, naquela mesa. Do filho a brincar junto à lareira com um comboio que os avós paternos lhe ofereceram. Da cunhada que viveu em Sidney e lhe trouxe o coala de peluche que está no 127
sofá. – Também já lá está, coitada. – Diz num suspiro. Fala como se falar pudesse recuperar todos os momentos, todas as memórias que aqueles objetos lhe trazem. Como se a jovem empregada pudesse compreender. Mas não compreende, nem ouve. Tem muito que fazer. Limpa. Limpa obcecadamente, como quem tem uma missão a cumprir. Fecha-se sobre si e o seu corpo cresce. Agiganta-se até ter a seus pés a cidade. Pernas musculadas, quase grotescas. A mulher já não limpa a casa. Varre as ruas, dá brilho aos prédios, aspira o jardim, muda a água à doca, lava o teatro. E enquanto a mão direita sacode o pó para o lado dos cerros, onde se acumula, a esquerda deixa cair um ou outro bibelot da cidade no fundo da Ria… Continuo a caminhar. À saída da cidade, as luzes ainda desligadas dão-me as «Boas Festas». Retribuo os votos e prossigo . ALGARVE INFORMATIVO #416
Leituras: lentes para ver o mundo Dora Gago (Professora) e uma certa fobia à leitura que cada vez vou notando mais, já falei em vários textos. E isto independentemente de se dizer que acaba por ser ler muito nas redes sociais e nos telemóveis ou até nas legendas dos filmes. Aliás, sobre a questão, uma das coisas que me chocou foi, há já uns bons anos, talvez mais de quinze, alguns alunos de uma turma de nono ano me terem confidenciado que nunca viam filmes nem séries que não fossem faladas em português. Perante a minha estranheza, explicaram: não eram capazes de ler as legendas. Hoje, todos os sinais evidenciam que esta situação só piorou. Se antes eram as «letras em movimento» que causavam problemas, hoje são mesmo as estáticas. Sim, estão paradinhas no papel ou no ecrã, mas não as conseguem ler nem entender e os resultados dos últimos testes PISA espelham este facto, independentemente do significado que possam ter. A dificuldade de se responder a um questionário sem copiar de um texto frases do primeiro parágrafo para a primeira questão, do segundo para a segunda e assim sucessivamente é um dos sintomas mais gritantes. Tudo o que implica pensar, sintetizar, relacionar, interpretar, fica sem resposta aceitável. E isto é tão mais grave quando vivemos ALGARVE INFORMATIVO #416
num tempo em que toda a informação está disponível, sendo de fácil acesso. Um tempo cativo das garras das notícias falsas, do sensacionalismo, da manipulação constante, de iminentes retrocessos no que toca a valores fundamentais da democracia, das liberdades individuais, já para não se falar do uso acrítico, preguiçoso, do Chat GPT. Neste contexto, o essencial é aprender a seleccionar, a entender, a separar o trigo do joio, a reflectir para distinguir entre a verdade e as meras especulações. Não é possível fazer isto quando nunca se leu um livro, ou muito poucos se leram. Há uma formação de base, elementar, uma bagagem que cada individuo tem de adquirir sozinho, uma pequena mala de ferramentas, de onde poderá extrair as lentes com as quais vai interpretando o que lê. E essa é uma caminhada individual, embora deva ser motivada, impulsionada pelo ambiente familiar, pela escola, pelo grupo de amigos. Contudo, ninguém pode ler, pensar, nem interpretar por nós. É esse percurso que nos distingue das máquinas. E as instituições de ensino fazem isso? Muito dificilmente o farão, apesar do Plano Nacional de Leitura, do Plano Nacional das Artes e afins, com professores votados ao desprezo, desrespeitados, amarrados nas garras de uma feroz, inacreditável burocracia, de baixos salários, também eles impedidos de ler e de reflectir. Não basta a existência de 128
planos que ficam bem nas estatísticas, nas notícias e noutros sítios. É preciso que existam condições para os executar em pleno. E, no meio deste marasmo, além de alguns clubes de leitura, existentes em algumas escolas, do esforço de alguns professores e bibliotecas, importa saudar dois projectos realizados em Escolas Básicas e Secundárias, delineados como oásis num deserto: «A voz que damos aos livros», coordenado pela Professora Conceição Brandão, cujo objectivo é promover a leitura, tendo contado com a presença de diversos escritores, como foi 129
o caso de Lídia Jorge, na Escola Secundária de Lousada; e «Nós temos Voz», desenvolvido pela Professora Margarida Figueiredo da Escola Básica e Secundária de Viatodos, em Barcelos, que visa dar voz aos alunos da escola, estabelecendo ligações com a comunidade, valorizando igualmente a leitura, o sentido estético e crítico. E, por último, importa afirmar que a leitura é o precioso baú de onde podemos desenterrar as lentes para vermos o mundo. Sem ela, tudo será redutor, ilusório . ALGARVE INFORMATIVO #416
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