ÍNDICE
Prémio Nacional Literário João de Deus (pág. 24)
Taça de Portugal de BMX em Quarteira (pág. 32)
Xutos & Pontapés e Resistência brilharam no «Rock in EC» (pág. 42)
Companhia Portuguesa de Bailado
Contemporâneo no Teatro Lethes (pág. 62)
«A Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança»
no Cineteatro Louletano (pág. 76)
Edmundo Inácio do Teatro Municipal de Portimão (pág. 90)
«Histórias que o rio nos traz» no Museu Municipal de Portimão (pág. 100)
OPINIÃO
Paulo Cunha (pág. 112)
Mirian Tavares (pág. 114)
Ana Isabel Soares (pág. 116)
Fábio Jesuíno (pág. 118)
Nuno Campos Inácio (pág. 120)
Carlos Manso (pág. 124)
Dora Gago (pág. 126)
Sílvia Quinteiro (pág. 128)
«O Segredo da Lagoa Escura», de Nuno
Matos Valente, venceu
2.º Prémio Nacional Literário João de Deus
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
obra «O Segredo da Lagoa Escura», do escritor Nuno Matos Valente, foi a grande vencedora da segunda edição do Prémio Nacional Literário João de Deus, desta feita dedicada à literatura infantil e
juvenil. A iniciativa bienal é promovida pelo Município de Silves e pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo «Terras do Arade», tendo o prémio de 10 mil euros sido entregue, no dia 8 de março, no Auditório Francisco Vargas Mogo (Caixa de Crédito Agrícola Terras do Arade – São Bartolomeu de Messines), numa cerimónia que contou ainda com a
participação dos alunos da escola E. B. 2,3 João de Deus e da Orquestra Orff do Jardim Escola João de Deus de São Bartolomeu de Messines. “Para além de honrar a memória de João de Deus, esta cerimónia é também, ela própria, um tributo à produção e criação literária em língua portuguesa, daí estar duplamente satisfeita neste Dia Municipal João de Deus, instituído pelo Município de Silves há quatro anos”, referiu a edil Rosa Palma. “O género infantojuvenil de João de Deus foi a força mágica da sua poesia de alma infantil e das suas fábulas, e que permitiu abrir a muitas crianças no século XIX, não só o horizonte, mas também o caminho para a sensibilidade, para
o fascínio, para o sonho e beleza, e para o poder das palavras e da narrativa. Ler é o poder, não apenas pela capacidade de comunicação, mas também pela importância que tem na formação da nossa essência enquanto cidadãos com espírito crítico e criativo; enquanto leitores, enquanto pensadores, ensinando novos modos de ver o mundo, de viver, de pensar, de criar; elevando a outro patamar o papel dos educadores e dos escritores, fundindo a sua missão de ensinar e promover o gosto pela leitura”, salientou a presidente da Câmara Municipal de Silves.
Nuno Matos Valente recebeu o prémio nesta cerimónia integrada nas comemorações do 194.º aniversário do poeta e pedagogo, em São Bartolomeu de Messines, terra natal de João de Deus. Do seu percurso literário, destaque para o seu envolvimento, na qualidade de autor de manuais escolares, desde 2009; e para a publicação da coleção juvenil «A Ordem do Poço do Inferno» (de 2012 a 2016) e do livro infantil «Os Guardiões do Planeta» (2020), ambos recomendados pelo Plano Nacional de Leitura. Escreveu, ainda, o «Bestiário Tradicional Português – As Criaturas Fantásticas do Imaginário Popular» (2016) e, em 2019, foi-lhe atribuída uma Bolsa de Criação Literária pela Direção Geral dos Arquivos, dos Livros e das Bibliotecas (DGLAB –Ministério da Cultura), da qual resultou a obra ora premiada.
Neste romance, editado em maio de 2023 pela Bertrand Editora, e construído a partir de uma lenda que apontava para uma provável ligação da Lagoa Escura da Serra da Estrela com a costa ocidental portuguesa, o autor, baseado em acontecimentos do século XIX e personagens reais da História de Portugal, recupera o imaginário fantástico da época e faz o retrato de um final de século onde “a possibilidade de descoberta era ilimitada e a fronteira do desconhecido ficava, tantas vezes, ainda ao pé da porta”. “Estes prémios são, em primeiro lugar, uma forma de aumentar a independência dos autores em relação ao mercado e às suas leis. A seleção que fazemos enquanto leitores dos livros que decidimos comprar e ler é influenciada em boa parte pelas campanhas e estratégias de marketing das editoras, e essas, principalmente as grandes, apostam naturalmente em nomes conhecidos que geram procura e vendas. Acontece que nem sempre o mais conhecido é o melhor, mas é sempre o mais vendido”, apontou, na ocasião, Nuno Matos Valente.
De acordo com o escritor, não existe, necessariamente, uma relação entre a qualidade e o trabalho e o seu sucesso comercial. “Aliás, a busca do sucesso comercial é feita muitas vezes com o sacrifício dessa mesma
qualidade. É por isso que, se confiarmos exclusivamente nos mercados para regular o meio editorial e para selecionar os títulos que estão mais disponíveis para os leitores, corremos o risco de deixar de cultivar potenciais talentos menos conhecidos, e é esse o papel importante que as bolsas e prémios atribuídos por entidades publicas tem, apesar da incompreensão que muitas vezes geram”, frisou Nuno Matos Valente, acrescentando que a divulgação destes prémios nos meios de comunicação social “ajuda a que os livros vencedores furem o caos informativo e comercial que ofusca os criadores menos ruidosos”.
O 2.º Prémio Nacional Literário João de Deus pretendeu impulsionar e reconhecer os escritores que tenham desenvolvido a sua carreira literária no âmbito do livro para crianças e jovens. Luísa Ducla Soares (uma das mais relevantes escritoras portuguesas na área da Literatura Infantil), Ana Maria Magalhães (escritora de livros infantojuvenis há mais de 30 anos, entre os quais a coleção «Uma Aventura»), e Rui Marques Veloso (antigo professor adjunto da Escola Superior de Educação de Coimbra, investigador no domínio da Literatura Infantil e fundador da Associação para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil) foram os elementos do júri aos quais coube a difícil tarefa de avaliar as 104 obras candidatas a este prémio. Entre as finalistas encontravamse mais quatro obras dignas de destaque, nomeadamente: «Chegou o Dia», de Maria João Viegas; «O Avô Minguante»,
de Daniela Leitão; «Carta aos Líderes do Mundo», de Maria Inês de Almeida; e «O Duelo» de Inês Viegas de Oliveira.
Ao eleger a obra «O Segredo da Lagoa Escura», de Nuno Matos Valente, como a grande vencedora deste prémio, o júri declarou: “O autor pesquisou e recolheu dados em numerosas fontes (registadas na bibliografia consultada) no sentido de uma coerência textual indutora de dúvidas que alimentassem o trabalho de receção. A leitura de notícias e artigos da segunda metade do século XIX sustenta a criação imaginária de uma expedição científica para recolher provas de uma eventual ligação da lagoa ao mar da costa ocidental
portuguesa; e o potencial de mistério, que desafia a lógica racional e o espírito científico, conduz a uma sábia gestão da expectativa do leitor. Constata-se a construção de uma lógica interna que alimenta um texto vivo, coerente e desafiador. A qualidade literária do discurso mantém-se ao longo da narrativa, desafiando-nos e alimentando a pergunta – «E se fosse verdade?». Em suma, a originalidade do tema e a qualidade literária do texto justificam a escolha desta obra, por unanimidade do júri, para a atribuição do Prémio Nacional Literário João de Deus” .
Renato da Silva entra a ganhar na nova época de BMX
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo
enato da Silva (Team BMX Quarteira) impôs-se nas duas primeiras provas da Taça de Portugal de BMX, disputadas, nos dias 2 e 3 de fevereiro, na pista de Quarteira. O corredor algarvio teve como principal adversário na categoria superclass o colega de equipa Bernardo Rocha, que ficou em segundo lugar nos dois dias,
sendo que, no terceiro posto, colocaramse Francis Luiz (Clube Bicross de Portimão), no sábado, e Leonardo Carmo (Team BMX Quarteira), no domingo.
A principal categoria feminina, + 15 anos, teve um pódio igual nos dois dias de competição. Rita Xufre (Núcleo Bicross de Setúbal/Knowledge Inside) foi a melhor, seguida pela colega de equipa Leonor Carvalho e por Filipa Gonçalvez (Clube Bicross de Portimão). Entre os
homens com mais de 17 anos, o destaque vai para Martim Almeida (Clube Bicross de Portimão), vencedor nas etapas de sábado e de domingo. Francisco Sousa (Team BMX Quarteira) ganhou no sábado na categoria de sub-17, assumindo a dianteira na geral da Taça, apesar de a vitória no domingo ter sorrido a Sebastian Ellis (Clube Bicross de Portimão).
Joaquim Pino (Casa do Povo de Abrunheira) fez o pleno nas provas de sub-15 masculinas. Na mesma categoria, mas nas meninas, houve domínio repartido. Vitória no sábado para Íris Moaru (Clube Bicross de Portimão) e no domingo para Maria Pinto (Casa do Povo
de Abrunheira), comandante da Taça. Nas restantes categorias pontuáveis para a Taça de Portugal, os comandantes são a master feminina Alexandra Loureiro (Pinhalbike Team/Associação
Desportiva), Marco Amaral (Team BMX Quarteira) em cruisers 30/39 anos e Paulo Domingues (Casa do Povo de Abrunheira) em cruisers +40 anos. O Clube Bicross de Portimão saiu de Quarteira no topo da geral da Taça de Portugal por equipas.
A próxima jornada dupla da Taça de Portugal de BMX vai realizar-se em Coimbra, nos dias 4 e 5 de maio .
XUTOS & PONTAPÉS BRILHARAM NO «ROCK
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
PONTAPÉS E RESISTÊNCIA «ROCK IN EC»
ealizou-se, no dia 17 de fevereiro, a 10.ª Gala da EC Travel, a maior da história desta DMC –Destination Management Company com sede em Olhão. O evento teve lugar no Hotel Nau Salgados Palace, em Albufeira, e foi um verdadeiro tributo ao rock, sob a chancela «Rock in EC».
O evento dinamizado pelo empresário
Eliseu Correia já se tornou uma referência no panorama turístico nacional, tanto pelos numerosos convidados especiais do trade que reúne, como pelas atrações musicais responsáveis pela animação ao longo da noite, e 2024 não fugiu à regra, com o público a ter o privilégio de desfrutar das atuações das bandas Resistência e Xutos & Pontapés, e dos talentosos DJ’s Zé Black e Miax. Entre os concertos dos Resistência e Xutos & Pontapés, os cerca de 300 convidados
cantaram em uníssono «We are the Champions», música dos Queen que é um género de hino da EC Travel e que acompanha o tradicional apagar das velas do bolo de aniversário. “Tivemos dois monstros da música nacional a partilhar o mesmo palco, num evento que já alcançou um enorme prestígio a nível nacional. A gala deste ano foi o maior investimento da empresa até à data, abrangendo áreas como o alinhamento musical, decoração, som, luzes e outras surpresas preparadas para o público presente”, referiu Eliseu Correia.
Foi, sem dúvida, uma noite que ficará para sempre na memória de todos os presentes, proporcionando momentos inesquecíveis para serem partilhados por muito tempo. Mas isso já é normal nas galas da EC Travel .
COMPANHIA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEO ENCANTOU
Texto:
Daniel Pina| Fotografia: Daniel PinaPORTUGUESA DE BAILADO ENCANTOU TEATRO LETHES (3)
Companhia
Portuguesa de Bailado
Contemporâneo encantou o público que praticamente esgotou o Teatro Lethes, em Faro, no dia 23 de fevereiro, com a apresentação de «Apperception Plotline», «Outono para Graça» e «Almada e Tudo!».
«Apperception Plotline», com coreografia de Margarida Belo Costa, música original de Nuno da Rocha e André Hencleeday e interpretada por Francisco Ferreira, Maria Mira, Ricardo Henriques, Rita Carpinteiro e Sara Casal, explora a interação entre o olhar e o ver, convidando à reflexão sobre o que nos
prende a atenção. «Outono para Graça», com coreografia de Vasco Wellenkamp ao sabor do «Adagietto da 5.ª Sinfonia» de Gustav Mahler, e interpretado por Maria Mira e Ricardo Henriques, é um comovente dueto originalmente criado para Graça Barroso, em 1976, revisitado em 2018 em homenagem à grande bailarina, o eterno amor de Vasco Wellenkamp. Finalmente, «Almada e Tudo!», com coreografia de Maria Mira, é inspirada no Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros, trazendo à vida as palavras de Mário Viegas.
As reportagens fotográficas de «Apperception Plotline» e «Outono para Graça» podem ser vistas nos números 424 e 425 da revista semanal do Algarve Informativo .
AO LUAR TEATRO APRESENTOU «A VIDA DO GRANDE MANCHA E DO GORDO
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
APRESENTOU D. QUIXOTE DE LA SANCHO PANÇA»
companhia Ao Luar Teatro levou à cena, no dia 25 de fevereiro, no Cineteatro Louletano, «A Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança», comédia do dramaturgo António José da Silva (o judeu), que nasceu no Rio de Janeiro a 8 de maio de 1705.
Preso, interrogado e torturado por diversas vezes pelas forças da inquisição, acusado de judaizar ou de se dedicar a praticas judaicas, declarado herege, apóstata, falso, António da Silva incorreu em pena de excomunhão maior e viu
confiscados todos os seus bens para o Fisco e Câmara Real. Tinha apenas 34 quando a inquisição o queimou publicamente numa praça de Lisboa, condenado em auto de fé. “Tinha o réu escrito comédias, conhecidas de todos, pois haviam sido representadas com aplausos em teatro público. Não conseguiram os inquisidores citar qualquer passagem contrária à fé ou à moral, em que pudessem fundamentar uma perseguição. Tratava-se pura e simplesmente de inutilizar um homem cujo talento teatral os incomodava”, refere a companhia louletana.
«A Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança» é um espetáculo divertido, dinâmico e musical, num registo de comicidade popular, com equívocos e enganos simples, ao jeito da Comédia Dell ‘Arte. A peça, que estreou em outubro de 1733 no Teatro do Bairro Alto, desfere críticas à famigerada Inquisição e também denuncia o sistema
político-social degradante que imperava em Portugal no século XVIII. Passados que estão 290 anos, a companhia Ao Luar Teatro leva para a estrada o D. Quixote que faz jus ao modelo, o romance de Cervantes, numa encenação de Rui Penas com interpretação de Carlos Costa, Célia Martins, Daniel Romeiro, Lúcia Custódio e Rui Penas .
EDMUNDO INÁCIO MUNICIPAL DE PORTIMÃO
Texto: Ricardo Coelho| Fotografia: Ricardo Coelho
ENCHEU TEATRO PORTIMÃO
dmundo Inácio subiu ao palco do TEMPO –Teatro Municipal de Portimão, no dia 2 de março, para apresentar o seu álbum de estreia «Vai-se Andando?». A passagem pela sua terra natal não podia ter corrido melhor, com a sala lotada de fãs, amigos e família a receber com euforia o jovem cantor que ficou conhecido pela sua participação no «The Voice» e no Festival da Canção.
Acompanhado por José Carmo (guitarra e cavaquinho), Miguel Urbano (teclas) e Hugo Mendes (baixo e bandolim), Edmundo apresentou a sua música que mistura influências portuguesas,
espanholas e do médio oriente, uma mescla de ritmos e melodias que vão do rock, alt-pop, eletrónica, tradicional e fado. Ouviram-se temas como «Minha Mãe», «Agora Vira», «Mulheres», «Josézito» e «Festa», e não faltaram interpretações de músicas do nosso cancioneiro popular nas majestosas versões a que o artista já nos habituou. O espetáculo contou também com a participação do fadista João Leote, do acordeonista Francisco Monteiro e do tocador de alaude Eduardo Ramos.
Foi, sem dúvida, uma noite marcante para o artista e para todos os que tiveram o privilégio de assistir a um grande espetáculo de uma das mais criativas revelações da música portuguesa .
EXPOSIÇÃO INOVADORA O ARRANQUE DAS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DA CIDADE
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
MARCOU COMEMORAÇÕES CIDADE DE PORTIMÃO
stá patente, no Museu de Portimão, a exposição «Histórias que o rio nos traz», que pretende mostrar ao grande público o resultado da investigação científica efetuada nas últimas décadas e que reuniu vários fragmentos do passado da cidade, revelando muitas histórias sobre o Arade, que desde a Antiguidade foi um ponto de acesso ao interior algarvio, devido às excelentes condições de porto de abrigo natural do seu estuário. Este facto levou Portimão, provável «Portus Hanibalis», «Portus Magnus» ou «Cilpis», a crescer em estreita ligação com o rio, inserindose numa extensa rede de intercâmbios comerciais e culturais.
O assoreamento progressivo do Arade condicionou a sua navegação, tendo sido necessário efetuar extensas dragagens que retiraram do leito do rio enormes
quantidades de sedimentos, posteriormente depositados nas praias, nos quais foram descobertos inúmeros vestígios do passado, testemunhos da ocupação desta região desde a préhistória até a atualidade. Esses testemunhos de outras eras foram recolhidos pelos membros da Associação Projecto Ipsiis, com quem o Museu de Portimão desenvolve, desde 2014 um inovador projeto de investigação, intitulado DETDA – Prospeção com detetores de metais nos depósitos de dragados do rio Arade e da ria de Alvor, merecendo destaque o relevante envolvimento e participação da sociedade civil neste processo.
Os trabalhos de investigação e salvaguarda do património efetuados nos últimos anos pelo Município de Portimão, através da Divisão de Museus e Património, resultaram nesta exposição que poderá ser vista na sala situada no piso 0 do Museu até 3 de novembro e que
permite a perceção do rio Arade como um repositório de património e a valorização dos vestígios dai provenientes enquanto reflexos materiais das vivências das populações que habitaram a região. A diversidade de relações interculturais e territoriais estabelecidas ao longo do tempo, suas dinâmicas e impacto no desenvolvimento
da sociedade, serão as temáticas desenvolvidas no âmbito desta mostra.
Desenhada para provocar sensações, a exposição propõe um jogo aos visitantes, apresentando peças cuja função é de difícil perceção, dando-lhes a oportunidade de adivinhar a sua funcionalidade, colocando várias
hipóteses à escolha. Através de objetos e ilustrações de ambientes, o visitante é levado pela corrente das histórias de atividades navais num porto aberto ao mundo, de defesa e de proteção do porto, da vida ribeirinha até às memórias sagradas do rio, sendo deste modo convidado a descobrir fragmentos de um passado que dá a conhecer as histórias que um rio nos traz. A comissão executiva deste projeto expositivo é composta pelo diretor científico do Museu, José Gameiro, e pelas diretoras do projeto DETDA, Vera Teixeira de Freitas e Isabel Soares. Devido ao acompanhamento tutelar efetuado ao projeto de investigação, bem como pelo conhecimento detido sobre a história transversal do rio Arade, participam na exposição, enquanto comissários científicos, investigadores de várias entidades, nomeadamente Cristóvão
Fonseca (Direção Geral de Património Cultural/Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática), Frederico Tatá (Unidade de Cultura da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve), Carlos Pereira (Universidade Complutense de Madrid), Pedro Barros (Centro de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – UNIARQ), Rui Parreira (Grupo de Amigos do Museu de Portimão), bem como André Teixeira (Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Socias e Humanas da Universidade Nova de Lisboa). Este projeto de exposição temporária conta com o apoio da Rede Portuguesa de Museus, na sequência de candidatura ao ProMuseus – Programa de Apoio a Museus, que para o efeito destinou 42 mil e 118,40 euros .
Colecionador de memórias Paulo Cunha (Professor)
ada um é como é… e eu sou assim: um colecionador de memórias. Memórias que me acompanham e, apesar de por vezes me provocarem alguma melancolia e angústia, proporcionam-me companhia, ajudam-me a projetar um rumo de vida e dão-me alento e ensejo para aproveitar tudo o que a vida tem para conceder.
Tenho alguns amigos de infância que me apontam alguma «memória de elefante» para eventos que ocorreram na nossa juventude. Não é verdade! Possuo apenas uma memória seletiva para determinadas situações de vida que, por causas diversas, continuam a acompanhar a minha existência. Acredito que tal aconteça também convosco. E ainda bem que assim é, pois, fazendo a analogia com as memórias de dados dos computadores, também nós precisamos de «apagar» as memórias que nada acrescentam ou beneficiam a nossa vida!
Como uso no «screen saver» do meu computador as fotos que lá guardo, invariavelmente me entram pela vista adentro momentos, locais e pessoas que me ajudam a intervalar o que estou a fazer com recordações que me dão fôlego para continuar. Alimentando-me também de memórias, sinto-me assim compelido a provocar situações que
venham mais tarde a constituir outras memórias.
Tão importantes para quem os realizou, produziu e compilou, os álbuns de fotos físicas, os diários ou cadernos de memórias, os vídeos, as caixas de memórias, os álbuns online e as variadas coleções, depois de perecermos constituirão para quem as herdar símbolos de memória afetiva que inevitavelmente, com o passar do tempo, se transformarão em lixo para os vindouros. Por isso, não estranho ao ver caixotes de lixo pejados de memórias físicas de uma vida. Quando para elas olho, fico a imaginar no investimento, dedicação e no tempo que as pessoas que as colecionaram investiram. Não há nada a fazer, as memórias só são valiosas para quem as sente, transformando-se num ápice em objetos amontoados numa qualquer loja de velharias.
Em vida, as memórias desempenham um papel fundamental ao moldar-nos o nosso futuro: ajudam-nos a aprender com experiências passadas, sejam elas positivas ou negativas; as nossas memórias formam-nos enquanto pessoas, permitindo-nos recordar as nossas conquistas, os desafios superados e as lições aprendidas, contribuindo assim para a nossa identidade e autoconhecimento; ao lembrarmos experiências passadas podemos antecipar possíveis resultados nas nossas
ações futuras; as memórias são a base de construção das histórias que contamos sobre nós mesmos, pois ao refletirmos sobre as nossas experiências passadas, criamos narrativas pessoais que dão significado à nossa vida e orientam as nossas aspirações e objetivos futuros.
Na qualidade de (também) colecionador de memórias musicais, quando penso que
quando deixar a vida terrena os meus herdeiros terão como legado milhares de discos e livros de música, lembro-me daquela amiga que andou a tentar que uma Biblioteca algarvia ficasse com os livros do pai, pois, por vários motivos, nenhum dos herdeiros os queriam. Não soube o destino dessa biblioteca familiar, mas tal evento fez-me perceber que o valor das coisas só existe se tiverem um propósito e forem usadas. Em vida, as memórias são essenciais para orientar as nossas escolhas, comportamentos e relacionamentos, moldando o nosso futuro de forma profunda e significativa.
Ao contrário das memórias feitas de matéria que podem ser transmitidas após a morte, as memórias guardadas em nós só terão significado e surtirão o efeito desejado se forem transmitidas e partilhadas em vida. Pudesse eu colecionar mais memórias transmitidas pelos meus pais. Quando estavam vivos não as valorizei, agora que queria transmiti-las aos meus filhos, já cá não estão. Em jeito de aviso aos colecionadores de memórias, como eu, aqui deixo o meu testemunho. Fazei dele bom proveito! .
Requiem
Mirian Tavares (Professora)
A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. Manoel de Barros
omo é duro falar da morte de alguém que amamos. Da saída súbita da vida de alguém que era sinónimo de vida, de alguém que, mesmo triste, avançava feroz sem se deixar abater. Alguém com sede de viver cada minuto com tamanha intensidade que todos, à sua volta, sentiam como se um terremoto os apanhasse de surpresa. A vida era uma festa infinita – entre almoços, jantares, abraços e despedidas. Num verão já distante, fui com o Paulo a Madrid. Estavam 40º à sombra e encontramos maneira de estarmos sempre frescos, leves e soltos, porque era isso que ele fazia – iluminava a vida dos amigos, daqueles que estavam ao seu lado. Tornava a vida mais leve. Quando o
conheci, trazia os cabelos verdes. Numa cidade provinciana, que ainda não tinha sido completamente invadida pelo novo, ele se destacava. Ele brilhava sempre e enfrentava com coragem os olhares atravessados, as indagações, o preconceito. Era fiel a si mesmo – uma força da natureza. E, como tal, deixou marcar profundas em cada um de nós que o amávamos, que, mesmo à distância, sentíamos a sua presença. Mesmo de longe, ele estava ali, com mensagens de amor e carinho.
É muito difícil dizer adeus a quem partiu demasiado cedo e inesperadamente. A alguém que partiu longe, sozinho, quando cada um de nós gostaria de estar ao seu lado, sempre, até ao fim. A apertar a sua mão e a dizer-lhe o quanto ele foi importante para nós. O quanto a sua vida
iluminou os nossos dias mais cinzentos. O quanto a sua ausência nos vai doer, mesmo que a sua presença permaneça bem guardada dentro de quem teve o privilégio de o conhecer e de partilhar com ele tardes de sol, viagens inusitadas, discotecas frenéticas e muitos abraços. Meu querido Paulo Jorge, não é fácil despedir-me de ti. Porque a tua presença
é muito necessária e a tua luz foi sempre um guia nos dias mais escuros. Nunca foste “apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora (…)”. Sempre foste muitos mais. E sempre quiseste muito da vida. A vida fica mais cinzenta sem ti .
Nonagésima quarta tabuinha: Por favor,
não me mexam na grelha
Ana Isabel Soares (Professora)ou pessoa de ouvir rádio – muito. Todos os dias, sempre que posso. À noite, adormeço com uma orelha encostada a um pequeno transístor que tem resistido a inúmeras quedas do colchão, raspando a parede e a madeira da cama: deixa cicatrizes, é parte da vida. A rádio é parte da minha vida, da vida de mim comigo mesma. O que me imagino integra vozes de muitas pessoas, a maior parte das quais nem sei o que parecem à vista, se são velhas ou novas (enfim, distingo vozes de criança; sei perceber, em grande parte dos casos, se quem fala é um homem ou uma mulher), altas, baixas, mais ou menos largas, se usam cabelo curto ou comprido, se são carecas, se estão bem de saúde ou adoentadas (se estiverem constipadas, ou com alergias, sim – maleitas que afetem a voz afetam a voz). Pelas vozes descobre-se muito sobre quem fala, mas a informação que se recolhe de ver uma pessoa não é a mesma que se reúne de ouvi-la. Na era da Internet, seria simples procurar pelas caras, pelos rostos da rádio – se jamais me senti levada a fazê-lo, isso pode querer dizer que não me é relevante mais daquelas pessoas do que ouvir-lhes as vozes, as inflexões, os tons, perceber se estão mais ou menos atentas, mais ou menos concentradas. Sobretudo, ouvi-
las; sei que de noite, por exemplo, ao adormecer, o volume do rádio está tão baixo que quase não as distingo – fico nada mais do que com a certeza de estarem ali, de que continuam a dar vida àquele fio ininterrupto da emissão. É uma mania como outra qualquer.
Ouço rádio há muitos anos, não saberia dizer quantos dos meus 53 já embalados. Talvez das primeiras ocasiões em que me recordo da consciência de ouvir rádio tivesse sido nas tardes de sábado que passei, no tempo do liceu, quando em casa dormiam a folga ou tinham saído e eu me instalava à mesa da cozinha, de aparelho aceso a ouvir o «Som da Frente» e a voz em forma de nuvem de trovoada de António Sérgio. Não: deve ter sido antes, em casa de uns tios, quando íamos de visita e nos abriam a porta para um corredor por onde serpenteavam, saídas de uma saleta no meio da casa, as risadas de pacote dos Parodiantes de Lisboa (“Os Parodiantes... vamos ouvir!”). Ou terá sido nas tabernas da aldeia da minha mãe, em que os sons mais ou menos indistintos da telefonia entre as vozes e os ruídos do lugar o compunham, integrando o ambiente, formavam o lugar como as paredes, o balcão ou os mosaicos do chão. Mas existe uma diferença entre ouvir um rádio que está para o lugar como a tinta da parede e ouvir uma voz que vem de um rádio só
para nós, que se nos dirige como se fôssemos o único ouvinte no mundo inteiro. Vozes como as de António Sérgio, ou a de Rafael Correia, a de João Paulo Guerra, ressoam-me ainda na memória (este último ainda vive, felizmente). São vozes masculinas, reparo agora, as que mais me prendem (há exceções, como a de Mónica Mendes).
Hoje, a rádio é para mim sobretudo o ritual dos dias e das horas: cada rubrica (quase sempre na Antena 1 de manhã e a
2 aos bocadinhos ao longo do dia, dentro do carro) marca um momento. Faço coincidir a mistura da água quase a ferver e do chá para o pequeno-almoço com o final dos minutos em que ouço o resumo da jornada desportiva (quase apenas futebolística) do dia anterior. Ao sábado de manhã já estava habituada a ouvir o «Gramofone» de João Carlos Calixto, programa de entrevistas a gente da música portuguesa sobretudo da segunda metade do século XX: das 9h às 10, sábados de manhã. Sábado passado, em vez dele, à hora do «Gramofone» ouviu-se a primeira hora do «Destacável», com uma voz a que ainda não me habituei (e estes habituar-me nada têm a ver com a qualidade dos radialistas; creio). Estranhei, mas enfim. No dia seguinte, domingo (que até foi de eleições), zanzava eu entre a cozinha e a sala, quando, depois do noticiário das 9h, comecei a ouvir a voz de Calixto e a segunda parte de uma entrevista – cuja primeira parte escutara no sábado da semana anterior – a Rita Pontes, filha de José da Ponte (responsável, por exemplo, por sucessos dos Salada de Fruta – quem se interessar, pode ouvir, talvez daqui a umas semanas, na RTP Play). Durante uns segundos tremi: sabia que era domingo, mas o meu ambiente sonoro pertencia aos sábados, e o meu cérebro, como se diz agora em adolescês, bugou: por favor, por favor, não me mexam na grelha de programas! .
Criptomoedas: o futuro da economia global já chegou
Fábio Jesuíno (Empresário)
economia global está em constante transformação e as criptomoedas surgem como uma força disruptiva com potencial para revolucionar o sistema monetário.
Em um mundo cada vez mais digitalizado, as criptomoedas e a tecnologia blockchain que as suporta emergem como inovações com potencial para revolucionar diversos aspectos da vida cotidiana.
A ascensão das criptomoedas desafia o sistema monetário tradicional, oferecendo alternativas descentralizadas e transparentes. A tecnologia blockchain, por sua vez, permite a criação de um sistema transparente e confiável para registrar e rastrear transações.
As criptomoedas e a tecnologia blockchain estão a ser cada vez mais integradas em várias áreas. Empresas e indivíduos estão a adotar criptomoedas como forma de pagamento por bens e serviços. Além disso, as Finanças Descentralizadas (DeFi) estão a emergir como alternativas descentralizadas aos serviços financeiros convencionais, abrangendo empréstimos, investimentos e seguros. Na distribuição, a blockchain é
utilizada para rastrear a origem e o destino de produtos, garantindo transparência e segurança.
O sucesso das moedas digitais ganhou recentemente um novo e significativo impulso. Pela primeira vez na história, um país, El Salvador, adotou o Bitcoin como moeda oficial, tornando-se a primeira e maior moeda digital descentralizada a alcançar esse marco.
Para além da iniciativa pioneira de El Salvador, o crescente interesse de instituições tradicionais também impulsiona o crescimento das criptomoedas. Grandes bancos como o Goldman Sachs têm realizado investimentos consideráveis em criptoativos nos últimos anos. Essa mudança de postura demonstra a crescente confiança no potencial das moedas digitais e abre caminho para uma maior adoção por parte do público em geral.
Outro fator que contribui para o sucesso das criptomoedas é a criação de ETFs baseados em Bitcoin. Esses fundos permitem que investidores tradicionais, sem conhecimento técnico específico, participem do mercado de criptomoedas de forma mais segura e acessível.
A combinação da iniciativa de El Salvador, do crescente interesse de instituições tradicionais e da criação de ETFs baseados em Bitcoin indica que as criptomoedas estão se consolidando como uma classe de ativos legítima e que, na minha opinião, vai revolucionar o sistema financeiro global .
Algarve: Uma nova realidade política
Nuno Campos Inácio (Editor e escritor)
uem acompanha os artigos que tenho escrito para esta revista sabe que não sou apoiante nem votante do Chega, tal como sabe que, pelo menos desde 2020, em cerca de uma dezena de crónicas, chamei a atenção para a eminência de um desastre eleitoral no Algarve para os partidos do denominado arco da governação, que, por uma questão prática, designarei de partidos tradicionais. Não fiz essa previsão por ter dons divinatórios, informação privilegiada, ou ser dotado de alguma capacidade extraordinária, mas tão-só porque a sociedade atual não está a viver nenhuma turbulência que já não tenha sido vivida no passado e sabemos pela experiência que o desagrado social impele sempre para o extremismo, de direita quando o mau estar social ocorre durante governações lideradas por partidos mais à esquerda; de esquerda quando os governos são mais à direita. No entanto, o que aconteceu no Algarve?
Olhando atentamente para os resultados eleitorais, verificamos duas realidades distintas e quase antagónicas: o número de votos nos partidos tradicionais manteve-se, com a tradicional movimentação que ocorre em todas as Eleições Legislativas, pelo que os
resultados do Algarve nesse eleitorado fixo, que vota em todas as eleições, manteve-se dentro do previsível; o que aconteceu foi a circunstância inédita de 40 mil pessoas que tradicionalmente não votam, decidirem sair de casa, a esmagadora maioria pela primeira vez, para expressar o seu mau estar social. E fizeram-no com estrondo, votando no Chega, o que não surpreende por estarmos num contexto de governação mais à esquerda; mas que poderia ter sido no BE, no Livre, ou na CDU, se o governo fosse de direita. Mas, o que levou estas 40 mil pessoas a saírem de casa pela primeira vez? Que eleitorado é este?
Basicamente, quem saiu de casa para votar pela primeira vez nestas eleições foram indivíduos da esfrangalhada classe média algarvia, para quem sempre foi indiferente se o Governo era do PS ou do PSD, porque tinham a sua vida organizada, não esperavam nada do Estado e tinham a ideia de que nunca precisariam do Estado para nada. Foram aqueles indivíduos que todos conhecemos que, sentados no café, apregoavam que «a culpa é vossa porque votaram neles. Eu nunca votei, por isso não tenho responsabilidade nenhuma!...».
A pandemia em 2020 alterou drasticamente a vida de milhares de famílias, dependentes de um sector
económico que paralisou, sem que a região tivesse sido alvo de uma atenção especial e diferenciadora que efetivamente evitasse o número de encerramentos, o desemprego generalizado não estatístico (de pequenos empresários), a destruição de agregados familiares por efeito de emigração forçada, a debandada dos filhos e netos de algarvios que foram para outras paragens. Alguns fizeram um esforço suplementar para manterem as suas atividades, ou tiveram a esperança de conseguirem retomar os empregos originais, mas foram surpreendidos por um aumento de uma imigração não qualificada, que fez estagnar ou retrair os vencimentos mensais, não sendo poucos
os casos de profissionais qualificados que antes da pandemia tinham um ordenado de 1.500 ou 2.000 euros e hoje não conseguem um trabalho onde ganhem mais de 1.000 euros. São as famílias que, depois de uma crise profunda e de uma drástica redução de rendimentos, estão enforcadas pela duplicação do preço das prestações da casa, que não podem vender porque não conseguem adquirir outra mais barata, rezando os inquilinos para que o contrato não seja rescindido, porque não encontrarão nenhum pardieiro para viver por menos do dobro do preço. São famílias que se desfizeram há anos, em que, para evitar conflitos, nem falavam em pensões de alimentos e que agora voltam a reviver pesadelos do
passado porque cada cêntimo se tornou indispensável para a economia doméstica. E a juntar a tudo isto são as promessas nunca cumpridos e as injustiças para com uma região contribuinte líquida há muitas décadas e completamente esquecida em termos de investimento, onde a única coisa que cresce e se desenvolve são as torres de betão, onde para se circular num caminho de cabras, onde até cresce erva, a que decidiram chamar autoestrada têm de pagar portagem; onde a oferta hospitalar de dois Hospitais de grande dimensão respondiam às necessidades básicas da população, que agora está confrontada com a existência de um meio hospital regional; a falta de transportes públicas e uma rede viária que pouco evoluiu da original da década de 1870; a continuação da dependência do turismo; a ausência de uma planificação para a região a 10 ou 20 anos; e, para golpe de misericórdia neste cenário dantesco, a ideia peregrina de aumentar a água às famílias que até já reduziram os banhos para pouparem, não a água, mas o custo da água.
A questão que temos agora para analisar é: «Esta será uma nova realidade eleitoral, ou foi um episódio esporádico?».
Dependerá, essencialmente, do Poder Central. Só há uma forma de acabar com o populismo e o mau estar social e essa forma é a resolução dos conflitos. Pareceme evidente que todos (à exceção do Chega) desejam retomar à estabilidade eleitoral inicial, ou seja, que a classe média possa voltar a olhar de forma indiferente para quem governa e que a organização política possa saber com o
que conta em cada eleição, até para segurança na projeção do futuro (que não tem sido feita). Para isso não é necessário a descoberta de nenhum filão de ouro, nem de petróleo no quintal, basta que durante meia dúzia de anos o Algarve não seja escravizado e uma parte dos rendimentos que aufere sejam usados como investimento regional, desde logo acabando com as portagens da Via do Infante e avançando com a construção do Hospital Central, mas também no arranjo da rede viária, na melhoria dos transportes, na recuperação do património histórico e cultural, na preservação da identidade, numa ligação entre barragens, na criação de uma rede de abastecimento de água aos campos através da reutilização da água tratada das ETAR’s e na criação de um plano económico que passe pelo incentivo à criação no Algarve de uma nova base económica complementar ao turismo, pelo cativar ao regresso da mão de obra algarvia de elevada qualidade que deixou de ter condições para viver na sua terra.
Se isto for feito, seguramente que o populismo (populismo e não extremismo) não vingará. Muita coisa poderia ter sido feita desde 2020 e não o foi, o que me faz prever que o Algarve continuará a ser a última colónia económica portuguesa. Nesse caso, de pouco adiantarão os insultos e os atestados de estupidez aos eleitores descontentes, porque esses voltarão a sair à rua, em Junho na Europeias para reforçar a posição de desagrado, nas autárquicas e nas várias Legislativas que entretanto forem acontecendo .
Gestão da Água: Uma Comédia Política
Carlos Manso (CEO da Infralobo, Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas)
uma terra não tão distante, onde as águas escasseavam mais rápido do que a velocidade de uma promessa política, surgia uma saga épica: a gestão da água em terras lusitanas. No meio de discursos inflamados e campanhas online, os políticos regionais, sob a égide da Associação dos Municípios da Região, apresentaram um plano tão infalível quanto um guarda-chuva feito de papel. Com financiamento público garantido pelo governo e fundos europeus, porque nada se faz sem fundos europeus, prometiam um oásis de água perene, enquanto ignoravam vozes que clamavam por soluções alternativas ou até complementares.
Mas, como toda boa comédia política, o enredo estava repleto de reviravoltas. Enquanto os líderes da Associação dos Municípios do Algarve se debatiam em discursos apaixonados, os indicadores desmentiam as suas promessas, com aumentos nos consumos e perdas na rede que teimavam em persistir, como um político em campanha eleitoral.
Quando a escassez de água finalmente se anunciou, agravando o nível de seca, os líderes regionais correram para o
telefone, ligando para os decisores políticos da Capital em busca de salvação. Imagino que, numa conversa cheia de desculpas e promessas vazias, culparam tudo e todos, menos a própria passividade e irresponsabilidade.
Enquanto isso, os poderes políticos da Capital, cientes da confusão que se desenrolava, decidem enviar três especialistas, como se de Messias se tratassem, para «resolver» a situação, enquanto se engendravam planos para culpar os consumidores do setor urbano e os produtores agrícolas pelos problemas.
Como um roteiro de comédia, a solução passava por aumentar tarifas e restringir ainda mais o acesso à água.
Enquanto as nuvens se acumulavam no céu, anunciando uma trégua temporária na crise, todos os envolvidos já planeavam os seus próximos movimentos políticos, como se as eleições fossem a verdadeira fonte de água da região.
Felizmente, esta história não passa de uma fábula política imaginária. Mas serve como um lembrete cómico e trágico do que pode acontecer quando a gestão da água se torna uma peça no tabuleiro político. Talvez seja hora de desligar o drama e ligar o senso comum. E falta
alguém que defenda o consumidor do setor urbano.
Pensem nisto, porque pode realmente acontecer um dia .
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.
Da crise da narração à tirania do vazio
Dora Gago (Professora)
leitura do último livro de Byung Chul Han, A crise da Narração, consubstanciou o que sinto como docente, regressada ao ensino, após mais de uma década a lecionar no ensino superior no estrangeiro, mais especificamente na Universidade de Macau. Acima de tudo, noto nos alunos uma autêntica incapacidade de ouvir, de escutar os outros, quer sejam colegas, professores ou até, imagino, pais. Nesta esteira, é o próprio Chul-Han que afirma o facto de estarmos a perder a capacidade de escutar com atenção e de narrar. E são precisamente as histórias que fomentam a empatia, estabelecendo vínculos, entretecendo os fios entre os membros de uma comunidade. Por conseguinte, a falta de empatia é gritante, conduzindo constantemente a situações de violência, quer nas escolas, quer na comunidade em geral – basta estarmos atentos às notícias.
Esta incapacidade de escutar, aliada a uma necessidade de falar, de se fazer ouvir, mesmo que seja para dizer disparates, frases desarticuladas reveladoras de uma incapacidade de argumentação, agrava-se de geração para geração. Se os mais velhos ainda são capazes de seguir séries, filmes, os mais novos ficam-se pelos clips, pelos vídeos
curtos, pelos tik toks, visto que ouvir ler uma história, a menos que seja brevíssima, tornou-se um esforço hercúleo, pois o cérebro está talhado para o imediatismo da imagem, para o deslizar de um dedo instaurador do único reino conhecido, que é o virtual – sobre a problemática da incapacidade de concentração, importa lermos A fábrica de cretinos digitais. Os perigos dos ecrãs para os nossos filhos, de Michel Desmurget.
Esta exposição e vício dos ecrãs desde tenra idade conduz a um completo exílio no universo digital, conducente ao corte de amarras com o real, com o mundo circundante. Por isso, as competências sociais diminuem, o convívio restringe-se, o narcisismo impera, porque o meu umbigo é maior do que o teu. A ideia de que a vida é um imenso tik tok, alimentado por influencers ocos, de vidas vazias, feitas de show off, tecidas na matéria volátil da aparência, prolifera.
Convertemo-nos em meros «caçadores de informação» (expressão também de Byung Chul Han), que nos assola, sem ser digerida, nem filtrada. Por isso, as notícias falsas, ao serviço de certas ideologias, manipulam, cada vez mais facilmente, conduzindo a indignações para as quais nem sequer se busca a justificação, o argumento sólido onde se enraízam.
No meio disto tudo, o papel da escola (cujo modelo já se revela obsoleto e desadequado aos desafios crescentes da sociedade) é limitado, até porque está algemada por uma insana carga burocrática, por regras que compactuam com todo este vazio, por metas de aprendizagem mirabolantes. Por conseguinte, é apontada ao professor a culpa de todo o insucesso que possa existir, já que deixou de se dever à falta de trabalho, de estudo, de concentração
dos alunos. Não, tudo é fruto da incompetência do docente, cujo papel é ser um malabarista do sucesso, sempre a balançar na corda bamba, preenchendo milhentos papéis, adaptando os instrumentos de avaliação até à exaustão para que o êxito dos alunos desponte, como erva daninha, entre as pedras da calçada.
Assim, na ausência da escuta, da leitura, na incapacidade de narrar, encontramonos cada vez mais prisioneiros da contingência temporal, afastados dos alicerces construtores da identidade, da memória, sem tempo, cativos da alucinação do quotidiano, resolvendo os nossos problemas. Todavia, viver é mais do que isso, pois: “quem se limita a resolver problemas não tem futuro. A narração é a única que abre o futuro ao permitir-nos albergar a esperança”
(Byung Chul Han). Por isso, perante o desencanto da casualidade, a tirania do vazio, importa escutar, ler, narrar, reinventar os dias, resgatar a magia e a esperança .
Ilustres e «ilustres»
Sílvia Quinteiro (Professora)
á coisas que guardamos num lugar de tal forma recôndito da nossa memória, que quase deixam de existir. Perdem-se na gaveta mais pequena e mais esconsa da nossa mente. E é incrível que, num segundo, as possamos recuperar. Vivas. Presentes. Impactantes.
Porque as guardámos assim, a sete chaves? Porque nos feriram? Porque não tiveram qualquer significado? Ou simplesmente porque não soubemos o que fazer com elas? Não naquele momento. Não naquele estádio da nossa vida e do mundo. E ainda assim, no momento certo, com o gatilho certo, irrompem como um vulcão. Escorrem como lava. Queimam-nos o corpo e a alma. Inquietam-nos. O que fazer? Partilhá-las? Soterrá-las definitivamente?
Num tempo que nos parece distante, mas que foi apenas há dois dias, os dicionários eram bastante mais pobres e limitados do que são hoje. Faltavam-lhes inúmeros vocábulos. Outros tinham um uso muito diferente do que agora lhes é dado. Nesse passado, a palavra «abuso», por exemplo, referia-se normalmente às mulheres e meninas. Elas abusavam. Das minissaias, dos decotes, da confiança que davam, das ruas por onde se atreviam a
passar, das horas a que por lá andavam… Nesse passado, não havia palavras para descrever um certo tipo de desconforto, nem a quem as dizer: Elas agora são piores que eles!
Nesse passado, que só hoje verbalizo, era normal as meninas serem tocadas pelas mãos dos colegas à entrada da escola, nas filas, nos corredores. Onde quer que os rapazes tivessem a oportunidade de o fazer. Suficientemente discretos para não haver problemas e suficientemente descarados para que se pudessem vangloriar junto dos seus pares. Repetiam os comportamentos dos mais velhos. Queixar-se? A quem? A resposta seria invariavelmente: “Não fosses para ao pé deles”, “São rapazes”. No limite, os rapazes ouviriam um “Vá, vá. Isso não se faz”. Já as descrições do formato das nádegas ou dos seios que despontavam, essas espalhavam-se por toda a escola com a respetiva culpabilização de quem “se deixava apalpar”.
Nesse passado, ficávamos a olhar para a forma como o corpo do professor de Religião e Moral roçava o da nossa colega. Como a mão do santo homem a confortava, deslizando do ombro pelas costas abaixo. E a sala a encolher. E o espaço a faltar. E o toque de saída que não acontecia. Víamos e esperávamos que ficasse ali. Que não nos viesse «ajudar» também. Mas não saberíamos
verter em palavras a situação. O senhor padre era uma pessoa importante e respeitada na cidade. Casou os paizinhos e batizou a menina. Um homem de Deus.
Nesse passado, o professor de Educação Física era de uma dedicação extrema. Dava generosamente, não uma, mas duas mãozinhas à aluna menos ágil. E as outras meninas olhavam e tratavam de ser lestas. Não se comentava. Como se dizia aquilo que estávamos a ver? A quem? Não sabíamos o que era. Tínhamos apenas uma certeza. A de que não queríamos aquelas mãos e aqueles olhos a percorrer o nosso corpo. A menina nunca disse nada. No lugar dela, nenhuma de nós o teria feito. Teríamos tido vergonha de sermos lentas e incapazes.
Há dias, passei numa rua e reparei na placa que evoca o nome de um destes homens. «Ilustre», lê-se na legenda. Não vou dizer que fiquei incrédula. Mas fiquei menina. Sem palavras para descrever o meu desconforto e o meu mal-estar. Será
que ninguém sabe? A escola? Os colegas? Os amigos? Será que a família tem uma ideia de quem foi verdadeiramente aquele homem? Teria filhas? Quantas miúdas terá «ajudado»?
Dissimulados. Especialistas em escolher as suas vítimas. Não se aproximavam de qualquer uma. A escolha recaía invariavelmente sobre as mais fracas, as mais desprotegidas, as mais tímidas… Os rapazitos seguiam o padrão. Primeiro as que já eram vítimas. Aquelas com quem ninguém se importaria e sem força anímica ou física para revidar.
Não advogo fogueiras em praça pública. Prefiro acreditar que ardem no sítio certo. Mas a placa…. o epíteto… E, por isso, numa tentativa de equilibrar a balança, decidi recuperar hoje a memória de alguém verdadeiramente ilustre. De um herói armado apenas com uma verticalidade de caráter rara. Um cavalheiro. Chamava-se Paulo o rapaz que em segundos vestia a pele de superherói e aparecia em defesa das meninas quando os outros, em matilha, as acossavam. Sem qualquer receio de ser posto em causa ou de fazer inimigos entre os machões. A morte, percebendo que ele não era daquele tempo, levou-o. Incógnito, mas verdadeiramente ilustre. E é o nome dele que leio quando por ali passo .
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