REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #449

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ALGARVE INFORMATIVO

DIOGO PIÇARRA

ÍNDICE

Junta de Freguesia de Boliqueime

tem nova casa (pág. 16)

Dia de Silves (pág. 28)

Mostra do Doce Conventual em Lagoa (pág. 40)

Feira do Mar em Sagres (pág. 54)

Feira da Dieta Mediterrânica em Tavira (pág. 70)

Diogo Piçarra em Lagoa (pág. 92)

Festa do Banho 29 em Lagos - Parte II (pág. 110)

OPINIÃO

Mirian Tavares (pág. 120)

Fábio Jesuíno (pág. 122)

Alexandra Rodrigues Gonçalves (pág. 124)

Dora Gago (pág. 128)

Sílvia Quinteiro (pág. 130)

Boliqueime inaugurou novo edifício da Junta de Freguesia e Espaço Cidadão

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina oliqueime esteve em festa, no dia 6 de setembro, com a inauguração do novo edifício da Junta de Freguesia, no qual passa a existir igualmente o Espaço Cidadão, tendo sido descerradas também as Placas

Toponímicas do Caminho José Cardoso Coelho, na Maritenda, e do Jardim Filipe Barriga, na Avenida Prof. Dr. Cavaco Silva, e a Placa Evocativa da obra de recuperação dos poços e fontanários da freguesia nos Poços do Aroal.

Já depois do sol-posto, defronte do novo edifício, Nelson Brazão destacou precisamente a justa homenagem prestada a dois antigos presidentes desta Junta pelos serviços prestados em prol da Freguesia de Boliqueime. “Um viveu a sua vida política nos tempos atribulados do fim da ditadura e início da democracia e o outro os tempos da jovem democracia. Os dois tiveram papéis importantes para além de serem presidentes de Junta, pois desempenharam

cargos associativos, desenvolveram o comércio e estavam sempre disponíveis para colaborar e ajudar quem necessitase dos seus préstimos. Com esta homenagem perpetuamos as suas memórias pelo tempo”, declarou o atual presidente da Junta de Freguesia de Boliqueime.

O autarca realçou ainda a recuperação de 16 poços e de 4 fontanários, sítios de muitas histórias neste território, mas lamentou tratar-se de um processo moroso e bastante complicado. “É necessário simplificar estes processos, que algumas vezes nos levaram ao desespero e a sentirmos pouca vontade de nos voltarmos a candidatar a outros

apoios”, desabafou Nelson Brazão. “Mas com perseverança e persistência conseguimos concluir o processo e atribuíram-nos o apoio e, modéstia à parte, ficou uma linda obra da qual o município e a freguesia se podem orgulhar. Pretendemos criar uma rota dos poços, para que, quem ainda não os conhece, possa apreciar muitas paisagens deslumbrantes que esta freguesia pode oferecer a quem nos visitar”, revelou.

No que toca ao Espaço Cidadão, era uma pretensão e desejo deste executivo de há muito tempo, tendo o processo sido iniciado em 2018, “mas vários entraves foram adiando a sua implementação”. “Primeiro, era o

antigo edifício sede dos serviços que não tinha as condições necessárias para a sua implementação, principalmente a nível da acessibilidade. Tendo em conta este impasse, surgiu a possibilidade de se adquirir esta loja, o novo edifício dos serviços da Junta de Freguesia. Junto com o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Loulé de então, Pedro Pimpão, conseguiu-se adquirir o espaço, arrancando depois as outras fases: projeto, concursos, a obra, mobiliário e informatização do espaço. Como em tudo, contratempos atrás de contratempos”, relatou Nelson Brazão. “Mas como nada se faz sem

dificuldades, tudo se resolveu e os serviços vão estar abertos, ao serviço das pessoas, pois é para isso que os autarcas são eleitos e trabalham”

O Espaço Cidadão possui imensas valências e, graças a ele, os boliqueimenses pouparão 24 quilómetros de deslocação até à sede de concelho para tratar da renovação da Carta de Condução e do Cartão de Cidadão, ou para a emissão de Registos Criminais, entre outros serviços disponíveis. “O novo edifício tem como a sua grande mais-valia a acessibilidade. Lembro-me perfeitamente de um dia estar a entrar na antiga sede da Junta, e estava uma pessoa de mobilidade reduzida a ser

atendida na rua, num dia de vento e chuva. Uma situação desprestigiante para os serviços públicos e que me levou a procurar uma nova solução, pois estes devem dar o exemplo no atendimento e ainda mais nas acessibilidades às pessoas com dificuldades de locomoção”, declarou o autarca, lembrando que, em perfeita sintonia de executivos, Município e Freguesia, muitas obras têm sido feitas em Boliqueime, desde pavimentações e colocação da rede de águas e esgotos em

vários sítios da freguesia, à criação do Parque Público de Merendas da Maritenda e do Jardim Filipe Barriga e várias requalificações nas escolas da freguesia. Estão também a decorrer diversos projetos para a requalificação da Avenida Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva, Rua Jorge Manuel Dias Coelho, Estrada da Estação, Campo de Futebol, rede de águas e esgotos da ER125.

Num dia que era de festa, Nelson Brazão falou ainda em obras pelas quais esta futura vila anseia, a começar por um Posto da GNR. “Somos uma

freguesia atravessada por várias redes viárias nacionais e regionais, linha de comboio com estação, a população, segundo os registos, ascende a 6 mil habitantes, no Verão cerca de 10 mil. Para que se assegure a segurança de bens e pessoas, esta é uma necessidade com alguma urgência”, evidenciou, falando também de um espaço multiusos para se efetuarem eventos quando o tempo está desfavorável, assim como da conclusão da rede de águas e esgotos nos sítios onde ainda não existe, como

Ribeiro, Campina, Vale da Vaca, Cerro Alcaria, Arroteia, Estrela Montes, Camacha, entre outros. “Uma zona industrial trará desenvolvimento a múltiplos níveis e será importantíssima para a economia local e criação de postos de trabalho. Precisamos de habitação a custos acessíveis e controlados, pois a juventude tem imensas dificuldade em se fixar e as zonas previstas de construção do PDM estão a preços proibitivos e impossíveis em relação aos rendimentos auferidos. Gostaríamos de ter também um Balcão do Munícipe que permitisse à nossa população tratar de pedidos de contador de água, licenciamentos, pagamentos de faturas e outros”

Relativamente às obras inauguradas neste 6 de setembro, realizaram-se com o enorme apoio monetário, cerca de meio milhão de euros, que o Município de Loulé atribuiu a Boliqueime, através de contratos interadministrativos, “pois pelos meios próprios da Junta não seriam possíveis”, garantiu Nelson Brazão, indicando que outras intervenções já estão em agenda, contando com a aprovação do executivo da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de Loulé. “Assim continuaremos a trabalhar para os nossos Fregueses e asseguraremos o futuro da nossa terra”, concluiu.

Silves festejou o Dia do Município com homenagens e concerto dos «Tais Quais»

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina ara assinalar a data que marca a conquista da cidade de Silves, 3 de setembro de 1189, por Dom Sancho I, Rei de Portugal, aos mouros, o Município de Silves preparou três dias de celebrações recheados de arte, distinções de mérito e concertos. O corolário do programa aconteceu na noite do Dia do Município, no Castelo de Silves, com a cerimónia das Distinções de Mérito Municipal que registou também as

comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. “Passados 1.139 anos sobre essa data, outra grande conquista assinalou a História do nosso país –o 25 de Abril – e meio século se passou desde o derrube do regime fascista e a instauração da democracia. A Revolução dos Cravos abriu novos caminhos e condições para um país mais justo e solidário, fazendo da participação cívica e da justiça

social um dos grandes objetivos programáticos”, começou por dizer Rosa Palma, presidente da Câmara Municipal de Silves, acrescentando que “comemorar este marco e lutar por uma sociedade mais justa e solidária, combater a pobreza, os baixos salários e as desigualdades, continua a ser um dos desígnios por cumprir no presente, tendo como referência os valores humanistas e o espírito libertador do 25 de abril de 1974”.

Nesta data especial, a Autarquia de Silves voltou a atribuir distinções de mérito municipal a personalidades e instituições que, por atos ou serviços

considerados importantes, relevantes ou excecionais, contribuíram para prestigiar, dignificar e engrandecer o nome do concelho, honrando a sua história e promovendo, simultaneamente, o seu desenvolvimento. Mas Rosa Palma lembrou também que, “nos dias de hoje, marcados pelas ameaças à Democracia, mais do que nunca torna-se fundamental a defesa da Constituição e dos amplos direitos económicos, sociais, políticos e culturais que ela consagra”.

Nesse sentido, para Rosa Palma afigurase primordial a defesa do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública, o direito universal à habitação, assim como a defesa do sistema público da segurança

social e da autonomia do Poder Local Democrático. “É necessário e vital o cumprimento do Estado Social por parte de quem nos governa. E neste Dia do Município pretendemos enaltecer as notáveis conquistas daqueles que tão orgulhosamente se têm destacado e feito deste um concelho ainda melhor, e valorizar quem, individual ou coletivamente, tem sentido e abraçado Silves e, através do seu contributo, feito parte deste crescimento, desta conquista e desta projeção, nas mais diversas áreas. Feitos que são, sem sombra de dúvida, fruto da determinação, do sacrifício e do trabalho, mas também

reveladores do empenho, da capacidade de luta e de resiliência que os silvenses possuem para ultrapassar cada uma das adversidades e ser cada vez melhores, levando e elevando o concelho de Silves no panorama regional, nacional e internacional”.

Endereçando uma palavra especial aos homenageados, Rosa Palma considerou que “o sucesso da nossa história é o resultado das ações, trabalho e dedicação de cada um de nós, do movimento coletivo transformador, no sentido da justiça e do progresso sociais”. “O envolvimento de todos é crucial para que possamos, juntos, superar os desafios, ultrapassar as

adversidades, e continuar a elevar o concelho ao nível de excelência que almejamos. Conto com o empenho de todos para que prossigamos, unidos, na valorização constante do serviço público, resolvendo os problemas das populações e do território, rumo à construção de um futuro onde verdadeiramente as pessoas

contem; celebrando e defendendo todas as conquistas; inspirando e motivando, com entusiasmo, as realizações que ainda estão por vir, tendo sempre presente o desenvolvimento integrado do concelho de Silves”, finalizou a presidente da Câmara Municipal de Silves.

Relativamente às distinções, foi atribuído o Prémio Resistência

Antifascista a José Paulo Matias, José Viola e Vítor Neto; o Prémio Poder Local foi para Mário Godinho e Rui de Morais, este último a título póstumo; o Prémio Defesa do Serviço Nacional de Saúde foi concedido à ULS Algarve, ao Centro de Saúde de Silves e a todas as extensões de saúde do concelho, designadamente, de Alcantarilha, Armação de Pêra, Pêra, São Bartolomeu de Messines, São Marcos da Serra, Tunes, Algoz; André Boto recebeu o Prémio Arte e Fotografia; o Prémio Artes Plásticas foi para Mário Rita; o Prémio Música Jovem Revelação para o acordeonista Miguel Coelho; e o Prémio

Património e Intervenção Cívica foi atribuído, a título póstumo, a Manuel Ramos.

O encerramento das celebrações ficou a cargo do projeto «Tais Quais», constituído por grandes nomes da música portuguesa como João Gil, Vicente Palma, Tim, Celina da Piedade, Vitorino, Paulo Ribeiro, Sebastião Santos e Jorge Serafim, que subiram ao palco do Castelo de Silves para um concerto memorável onde imperaram a amizade, a paixão pela música e a simplicidade dos sons e canções que trazem o Alentejo na alma. O resultado foi uma viagem musical fascinante e inspiradora que muito

Centro Cultural Convento de S. José acolheu 20.ª Mostra do Doce Conventual de Lagoa

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

Centro Cultural Convento de São José e áreas circundantes, em Lagoa, acolheu, entre 29 de agosto e 1 de setembro, a 20.ª Mostra do Doce Conventual, uma organização do Município de Lagoa que proporcionou aos visitantes a prova de bolos, doces, compotas, mel ou bebidas clássicas como

a aguardente de medronho, e muito mais, num ambiente conventual fielmente recriado. O evento contou igualmente com momentos de animação, entretenimento e cultura, a música dos Virgem Suta, Eneida Marta, Filipa Sousa e La Plante Mutante, a par de showcookings e ateliers de doçaria para crianças. Contou ainda, à semelhança dos anos anteriores, com a exposição temática Açúcar Encantado por Ana Remígio.

II Feira do Mar animou Sagres

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina agres acolheu, de 6 a 8 de setembro, a segunda edição da Feira do Mar, evento organizado pela

M.A.R. – Maresia Associação Recreativa com o apoio da Câmara Municipal de Vila do Bispo e que contemplou diversas atividades que homenagearam a ligação ao oceano.

No interior do recinto (por cima da praia da Mareta), a programação foi vasta e variada, incluindo debates enriquecedores sobre temas marítimos,

Em palco a animação musical foi constante, começando com Djs a partir das 19h30, em sunset party, e depois com artistas de renome, como os Iris e o Dj Tobyone na sexta, no sábado um grande espetáculo com tributo a Ivete Sangalo e depois os Boca Doce, e, no domingo, a

banda Quem é o Bob?, um tributo a Bob Marley. Ainda no domingo, das 14h às 20h, a TVI transmitiu em direto a partir da Feira do Mar o seu programa «Somos Portugal». De realçar também a limpeza de praia e mar que aconteceu no dia 6, na

Baleeira, a competição da Taça de Portugal de Pesca Submarina no sábado e, no domingo, a Prova de Natação em águas abertas, a GLOBAL OCEAN SAGRES 2024.

X Feira da Dieta Mediterrânica levou milhares de pessoas a Tavira

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Feira da Dieta Mediterrânica regressou a Tavira, entre 5 e 8 de setembro, com um programa que reflete o trabalho de colaboração desenvolvido pela comissão organizadora e que envolve entidades como a CCDR Algarve, a Região de Turismo do Algarve, a Universidade do Algarve, a Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve – polos de Faro e Vila Real de Santo António, a Associação In Loco, a Fundação INATEL e a TaviraVerde.

À semelhança de anos anteriores, o evento incluiu a participação de países, instituições nacionais e regionais, representantes e manifestações dos patrimónios imateriais reconhecidos pela UNESCO, expositores de artesanato e produtos tradicionais, além de mostras botânicas e de sementes. Houve também demonstrações gastronómicas e música mediterrânica com concertos ao vivo de intérpretes de Espanha, França, Itália, Marrocos, Macedónia, entre outros países. Música portuguesa, danças tradicionais, artes performativas, exposições e visitas voltaram, assim, a integrar um vasto programa multicultural e realizaram-se igualmente diversos

seminários, nomeadamente, no dia 5 de setembro, sobre a «Importância da Sustentabilidade e Saúde dos Solos», no Centro de Experimentação Agrária de Tavira.

A colaboração da Fundação INATEL foi uma das novidades desta edição, cuja programação teve lugar no palco da antiga lota, onde a música portuguesa marcou presença, logo no dia 5 de setembro, com «Cara de Espelho», projeto que reúne seis ilustres figuras da música portuguesa. Na mesma noite, no Palco do Castelo, o cantor espanhol de flamenco cigano, Duquende, prestou homenagem a Paco de Lucía, enquanto que, na Praça da República, na noite inaugural da Feira, atuou o pai do rock português, o cantor Rui Veloso. A noite acabou, no Jardim do Coreto, com um

baile tradicional pelas mãos dos portugueses «Balsol».

Na sexta-feira, dia 6, Júlio Pereira, músico e instrumentista do cavaquinho, apresentou-se no Palco INATEL, ao passo que, no Palco do Castelo, estiveram os italianos «Kalàscima», um grupo que mistura a antiga música de dança ritual tradicional de Taranta (Salento, sul da Itália) com influências como Balkan, Klezmer, irlandesa e música eletrónica. Na Praça da República foi é a vez do projeto pop português «Amália Hoje» com Sónia Tavares, e, no Jardim do Coreto, houve «Trigo Migo» de Itália.

No dia 7 de setembro, no Palco INATEL, apreciou-se a música tradicional portuguesa com a «Brigada Vítor Jara», no Palco do Castelo atuaram os marroquinos «Tarwa N-Tiniri», na Praça

da República brilhou a fadista Sara Correia e, no Jardim do Coreto, o público desfrutou da performance do grupo francês «Le Bal l´Ephémère». A finalizar, no domingo, dia 8, no Jardim do Coreto dançou-se com os espanhóis Vegetal Jam; José Manuel David apresentou «Cantar A Eito» no Palco INATEL; no Palco do Castelo o público ficou a conhecer os «Kočani Orkestar» da Macedónia, com influências das Balcãs e ritmos turcos; e, na Praça da República, o português Fernando Daniel fechou o ciclo de concertos do palco principal.

Viajar pelos sabores mediterrânicos foi possível em qualquer um dos restaurantes instalados na Praça da Convivialidade, junto ao Castelo da cidade, e nos 18 restaurantes do concelho

que prepararam menus mediterrânicos. A Feira integrou, igualmente, várias manifestações inscritas no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, como os Caretos de Podence, o Fado, o Cante Alentejano e o Teatro Dom Roberto.

Para o público infantojuvenil houve espetáculos educativos, jogos tradicionais e oficinas ambientais no Largo Dona Ana, no largo em frente ao Palácio da Galeria, na Casa André Pilarte, na Biblioteca Municipal Álvaro de Campos e nalguns stands institucionais patentes na Feira. Jogos do Helder, Museu do Brincar, Companhias Chão D’Oliva, Teatro Joaquim, Rui Sousa Marionetas, Universo Paralelo e as entidades locais Rotinas Selvagens, Praça

dos Livros Livres e a Associação Semente de Alfarroba integraram a programação para os mais jovens. Também o Museu da Marioneta voltou a marcar presença, assegurando diversas oficinas e atividades para os mais pequenos.

No Museu Municipal de Tavira, em horário alargado, encontraram-se patentes as exposições «Dieta Mediterrânica – Património Cultural Milenar», «Balsa, Cidade Romana» (Palácio da Galeria), «Tavira Islâmica», «Do Barro à Roda: A Cerâmica da Rua das Olarias» (Núcleo Islâmico) e «25 de Abril de 1974, Quinta-feira», de Alfredo Cunha (Quartel da Atalaia). Ainda na Ermida de São Roque, promovida pelo Museu Zer0, foi possível visitar a instalação «A Onda» dos asturianos Estúdio Rotor, que conjugam a utilização do sal, com módulos de luz programada e gerada pelo movimento das ondas do mar.

DIOGO PIÇARRA EM GRANDE NO FERIADO MUNICIPAL DE LAGOA

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

Câmara Municipal de Lagoa promoveu, em parceria com outras entidades do concelho, um programa com diversas atividades de caráter religioso e cultural em honra da sua padroeira, Nossa Senhora da Luz, bem como para assinalar o Feriado Municipal, a 8 de setembro. E foi precisamente nesse dia que Diogo Piçarra encerrou as festividades com «chave-de-ouro», com um grandioso concerto no largo do Auditório Carlos do Carmo que encantou os fãs do conhecido músico e cantor farense.

Os espetáculos de Diogo Piçarra no Algarve têm, de facto, um sabor especial, com o regresso a casa do artista e dos músicos que o acompanham na estrada há largos anos (Filipe Cabeçadas, Miguel Santos e Francisco Aragão) a permitir o convívio com os familiares e amigos e a fazer as delícias dos conterrâneos deste jovem que começou a dar nas vistas, em 2012, quando venceu o programa da SIC «Ídolos». Desde então, os discos de sucesso de Diogo Piçarra têm sido uns atrás dos outros, sempre com lotações esgotadas nos recintos fechados e molduras humanas impressionantes nos espaços ao ar livre, como foi o caso do concerto do dia 8 de setembro em Lagoa, inserido na Tour SNTMNTL.

LAGOS MANTEVE A FESTA DO BANHO

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

MANTEVE VIVA BANHO 29 (II)

Festa do Banho 29, uma das mais queridas tradições de Lagos e do Algarve, voltou a acontecer, no dia 29 de agosto, em simultâneo na cidade de Lagos e na Praia da Luz, com destaque para o concurso de fatos de banho promovido pela autarquia local.

Diz o folclore que o banho de mar de 29 de agosto espanta demónios e vale por 29 banhos. Com origens incertas e ancestrais, esta tradição algarvia tem

perdurado até aos dias de hoje, aproveitando-se o banho purificante para uma celebração em locais emblemáticos do concelho – Cais da Solaria e Jardim da Constituição e Praia da Luz. Em colaboração com a ACRAL, regressaram à cidade de Lagos os concursos de trajes de banho tradicional, nas vertentes «Tradição e Comunidade» e «Moda e Inovação», sendo que, no segundo caso, os prémios monetários eram de 1.500, 1.000 e 500 euros para os 1.º, 2.º e 3.º lugares, respetivamente. Aqui fica o registo fotográfico da vertente «Moda e Inovação».

Do filho

Mirian Tavares (Professora)

esde que o filho nasceu, fico me perguntando: como ser uma boa mãe?

Vou por aqui? Vou por ali? Digo mais sim, ou se calhar mais não?

Quando o filho começou a sair com os amigos, que viviam perto, eu ficava com o coração nas mãos. Sabia que isso não era saudável, mas ficava sempre com o coração nas mãos (se ele ao menos esperasse pelos 35, pensava eu – mal sabia que, bem antes disso, ele ganharia mundo). Lá ia ele com a bicicleta e eu a olhar cá de cima, da varanda. E ele, quando me via, desesperado, fazia sinais para que eu saísse de cena. Coitado, algumas mães achavam normal os filhos estarem horas na rua sem se preocupar com o que andavam a fazer. Eu era a única que ia buscar o meu a horas certas todas as noites, que o proibia, terminantemente, de andar de trotinete, patins, skate ou o que fosse, no meio da rua. Só no passeio. E quando eu estivesse a ver. Pensava eu se não estava a ser uma mãe horrível. Ser mãe, principalmente quando somos mães solteiras, é um trabalho muito delicado. Não há um manual infalível. Costumava ler uns livros, de um grupo de psicólogos ingleses, “como lidar com seu filho de 1 ano, de 2 anos” ..., mas há sempre momentos em que nenhum manual nos pode socorrer. É tanto o medo de errar que, ainda hoje, há momentos em que me sinto paralisada. Um dia, estava em casa de uns amigos e o filho não saía de cima de

mim. Eu disse: meu filho, olha que já cortamos o cordão umbilical! E ele: eu sei, mas o cordão juntifical não! Este não se corta nunca e quando eu for ao Brasil, sozinho, o cordão passa a ter quilómetros! Quando fores ter comigo, ele volta a encolher! Mal sabia ele que um dia iria viver para o Brasil e que essa distância seria diária. A maternidade continua, para mim, uma aprendizagem. Sobretudo uma aprendizagem de algo, às vezes, tão difícil: receber e dar amor. Um amor incondicional e que vai aumentando com o passar dos anos. E os anos voam sem darmos por isso. E sem darmos por isso aprendemos a dar tanto e a receber tanto. Bem sei que, um dia, ele vai querer cortar este tal cordão juntifical. Disse-lhe isso uma vez e ele, do alto dos seus então 10 anos, discordou e completou: mãe, adoro-te tanto que não saberia viver sem ti. E eu: também te adoro, mas deixa passar uns anitos que falamos sobre esta questão. Pode ser que um dia o filho queira me ver pelas costas. Mas ele sabe que, mesmo sem qualquer cordão, estamos sempre conectados. Porque por mais que dê voltas, ele é um grande filho da mãe. E é também uma pessoa incrível que continua a crescer e a aprender. Mas no fundo de mim, ainda ressoa uma canção do Vinícius de Moraes e do Toquinho, (de que faço aqui uma ligeira adaptação):

Menininho do meu coração

Eu só quero você a três palmos do chão

Menininho não cresça mais não

Fique pequenininho na minha canção (...)

Foto: Isa Mestre

O turismo digital em Portugal: Um sucesso viral com desafios reais

Fábio Jesuíno (Empresário)

os últimos anos, o turismo em Portugal tem registado um crescimento exponencial, alcançando sucessivos recordes e consolidando-se como um dos principais motores da economia nacional, frequentemente impulsionado pelos meios digitais.

Portugal continua a ser destacado em publicações internacionais como um destino de eleição, graças às suas características únicas e experiências diversificadas. Este reconhecimento é amplificado por uma estratégia de comunicação digital eficaz, implementada pelos diferentes agentes do sector, que tem gerado um impacto global e atraído públicos variados de todo o mundo.

No entanto, o crescimento acelerado do turismo tem começado a revelar sinais de saturação, especialmente devido à insuficiência de algumas infraestruturas para acomodar o número crescente de visitantes. O aeroporto de Lisboa, em particular, tem sido apontado como um dos pontos mais críticos nesse contexto. Este impacto é também evidente no espaço digital, uma vez que as

experiências positivas e negativas dos turistas são amplamente partilhadas nas redes sociais, contribuindo para moldar a reputação do país como destino turístico.

A promoção do turismo em Portugal deve ser amplamente democratizada, com especial enfoque nas zonas do interior, onde o turismo assume um papel essencial como motor de desenvolvimento económico e social. Nessas regiões, o turismo, não só dinamiza a economia local, como também combate a desertificação, incentivando a fixação de novas pessoas e a revitalização das comunidades.

Atualmente, a concentração de turistas nas principais cidades, como Lisboa e Porto, resulta numa saturação frequente, com locais centrais e museus muitas vezes sobrelotados, o que compromete a qualidade da experiência turística. No entanto, Portugal é um país de uma riqueza incomparável, com histórias e experiências únicas por descobrir, de norte a sul, incluindo as suas ilhas. Este é um país que merece ser explorado em toda a sua diversidade, e para tal, é crucial promover uma maior dispersão dos visitantes por todo o território.

Num mundo cada vez mais global e digital, onde a informação circula a uma

velocidade impressionante, os turistas estão mais informados e motivados para descobrir destinos menos explorados, partilhando as suas vivências nos meios digitais. Portugal possui todas as características para se afirmar como um dos principais destinos turísticos do mundo: um povo acolhedor, segurança reconhecida internacionalmente, uma

história rica e autêntica, e regiões com um enorme potencial de crescimento.

A democratização do turismo em Portugal não só beneficia as áreas menos visitadas, como também oferece aos turistas uma experiência mais autêntica e diversificada, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país como um todo.

Nem tudo é dias de sol*

Alexandra Rodrigues Gonçalves (Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da UAlg)

poesia diz de uma forma muito subtil e inteligente, aquilo que o comum mortal muitas vezes pensa. Diz-nos assim Alberto Caeiro no poema Infelicidade:

(…) Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a infelicidade com a felicidade

Naturalmente, como quem não estranha

Que haja montanhas e planícies

E que haja rochedos e erva...

O rochedo e a erva não faltam por todo o Algarve, mas sabemos que o sol não brilha todos os dias, nem da mesma forma. Sabemos também que não chega apenas chover e pedir para que chova, mas que temos de criar condições –infraestruturas – para reter e reciclar a água e também os resíduos que em períodos turísticos se multiplicam em quantidade produzida. Sabemos da resiliência destes Marafados que a Sul da Serra do Caldeirão habitam, mas nem sempre as suas capacidades de luta e sobrevivência em situações adversas, são reconhecidas e compreendidas de forma alargada e adequada.

Neste fim de férias, voltamos à normalidade e olhamos para trás a pensar no que mudou e no que melhorou. Por seu lado, a atividade política reacende-se e centra-se na discussão de como se irá votar o Orçamento de Estado, e no que cada partido já disse e desdisse sobre o assunto. A ameaça de novas eleições veiculada por alguns é acompanhada pela crença de outros que não haverá coragem para fazer cair o Governo, e que o povo não deseja este custo adicional para as suas vidas.

O sol não nos chega

O que nos preocupa? Numa reflexão estratégica sobre desenvolvimento regional do nosso território o sol não nos chega, ainda que na sua relação com a atividade económica e social principal da região represente tanto. Dos tópicos que irei referir a Saúde e a Água ficarão de fora, ainda que sejam os mais preocupantes para um desenvolvimento equilibrado e sustentável da região, e da sua comunidade residente, mas merecerão uma reflexão oportuna e profunda, em face da agenda política anunciada, e em curso.

O Algarve tem uma identidade única no conjunto do país. Todos sabem onde se situa e quais as suas principais

características, mas os que vivem diariamente neste «lugar ao sol» reconhecem a manutenção de grandes fragilidades ad aeternum, gerando, por vezes, uma revolta silenciosa, que se manifesta no sentido de voto ou em manifestações esporádicas sem consequência. Perdemo-nos com o acessório e sentimos que as campanhas políticas são muitas vezes promessas vãs.

Senão vejamos, alguns tópicos que gostava de destacar:

1. Acessibilidade, mobilidade e transportes – o que dizer da acessibilidade intrarregional; interregional e internacional? Metrobus, eletrificação da linha, renovação do material circulante, abolição de

portagens, obras de requalificação da N12, entre outros. As mobilidades suaves têm de ganhar outra força no planeamento das cidades, pois o número de automóveis devido à falta de transportes públicos adequados e a falta de respostas alternativas têm conduzido a outros problemas de congestionamento das cidades e de falta de estacionamento, que podiam ser menorizados com o uso de velocípedes e outros transportes mais amigos do ambiente. A falta de financiamento e de consideração nos fundos europeus do transporte ferroviário e da previsão de ligação com o corredor ibérico existente tornam-nos uma região crescentemente periférica (rede transeuropeia).

2. Turismo: a diversificação do turismo e o eterno esbatimento da sazonalidade requer um esforço conjunto do sector público e do sector privado, e sobretudo necessita de uma concertação sobre infraestruturas prioritárias e investimentos necessários; esta estratégia não é só do Turismo do Algarve, nem da discussão em torno do alojamento local que tem sido protagonizada por algumas associações. O turismo inclui muitos subsectores. A definição de uma nova estratégia nacional tem de partir das regiões e nunca de uma política construída de baixo para cima. A discussão sobre os fatores negativos do turismo acontece por falta de planeamento e porque os números que são utilizados na comunicação não são os mais adequados. A taxa turística precisa de uma reanálise e a possibilidade de consignação e reconhecimento como despesa/investimento plurianual das

receitas recolhidas. O atual modelo de governança das entidades regionais de turismo está desadequado e necessita ser revisto, sob pena de existir apenas com uma função de empregador.

3. Cultura – não se compreende de forma alguma que existam monumentos em estado de abandono total e até fechados quando são monumentos nacionais. Advoga-se a importância do património e da cultura, mas a título de exemplo, mantem-se a Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe, na Raposeira (Vila do Bispo), um dos símbolos associados ao período Henriquino, um Monumento Nacional fechado, depois de ter sido objeto até de investimento com fundos comunitários. A Ermida foi transferida pelo anterior Governo para o Património Cultural, IP, quando estava sob gestão da extinta Direção Regional de Cultura e agora está fechada desde então. À data alguns organismos argumentaram com a incapacidade regional para fazer a sua boa gestão. E agora está fechada? Por outro lado, temos um fervilhar de eventos a que chamam cultura em todos os municípios e que no Verão ganham um aumento extraordinário, mas depois não há concertação, não há programação qualificada, nem uma visão partilhada que nos ajude no processo de alteração do paradigma turístico-cultural, que reforce a nossa identidade e contribua para a construção de um Algarve com atratividade todo o ano. Verifica-se alguma programação em rede, mas pontual e baseada em projetos isolados de alguns municípios.

4. Educação – nesta dimensão o problema diz respeito à falta de professores, ao custo da habitação e aos resultados do ensino. Utilizamos aqui educação no conceito alargado de inclusão dos diferentes níveis do ensino. A falta de recursos humanos, mas também técnicos e tecnológicos é transversal ao país, todavia, sabemos que temos um custo de vida que está determinado por uma procura turística elevada, a que acresce a questão identificada do primeiro ponto da mobilidade, tornando-se muito difícil morar e trabalhar em cidades ou lugares diferentes sem possuir viatura própria. Mas os dias que passam têm esgotado o tempo de antena sobre estas questões, pelo que, colocaria aqui como investimento estratégico essencial a oferta qualificada do ensino superior profissional que carece de crescimento e para isso de novas infraestruturas. Por um lado, a fixação de mais jovens e por outro a oportunidade de qualificação, e profissionalização da sua formação com sucesso são essenciais numa região em que a taxa de alunos que prossegue para estudos superiores fica aquém dos valores nacionais e europeus. Na região, a taxa de escolarização no ensino superior é de 25,4%, muito abaixo dos 42,8% do país. Neste ponto, o esforço de reforço das qualificações, no âmbito da formação superior, está espelhado no Programa Regional ALGARVE 2030 que incluiu uma fatia significativa da dotação no Fundo Social Europeu, cerca de 10 Milhões de Euros, para apoiar Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), todavia, carecemos de programas de sensibilização para a importância desta oferta, junto das famílias e dos

profissionais do sector educativo, assim como, de infraestruturas de base.

Estes tópicos, e a reflexão associada, não se esgota nestas linhas. Contudo, acreditamos que a coesão territorial é essencial para que não se promovam sentimentos negativos entre territórios, comunidades e grupos. O Algarve sabe que há esforços a ser desenvolvidos e que algumas destas questões levarão muito tempo para reverter em relação a políticas erradas de muitos anos. Todavia, precisamos que falem connosco, e sobretudo que se torne evidente a disponibilidade e a vontade para definir conjuntamente os caminhos que podem tornar-nos uma região sustentável, e em convergência com os níveis de desenvolvimento de outras regiões do país, mas sobretudo é necessário convencer esta comunidade que o futuro vai ser melhor.

Esta crónica reflete uma opinião e um estado de espírito de quem trabalha sempre em prole da defesa do bem comum. A terra que amamos e que nos viu nascer merecerá sempre a nossa defesa e reivindicação, independentemente dos cargos a desempenhar, das funções a prosseguir, e do espaço a ocupar. O bem-comum tem de continuar a ser reivindicado e há mesmo muito por fazer. Resignar-nos com o estado atual não acontecerá e a evolução faz-se sempre com conhecimento e aprendizagem.

* Parte do poema de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), Infelicidade, do «O Guardador de Rebanhos», 1914.

Entre os videojogos e a pré-história

Dora Gago (Professora)

té ao momento, desde muito cedo, sempre encontrei refúgio na literatura, tanto na leitura, como na escrita, mas recordo-me de me ter prendido apenas em dois videojogos. A primeira vez foi ainda no final do século passado, talvez em 1998 ou 1999, enquanto escrevia a minha tese de mestrado sobre as representações das cidades em ruínas nas obras de Pierre Loti, Julien Gracq e H.P. Lovecraft. E as cidades de Lovecraft eram claustrofóbicas, amaldiçoadas, opressivas… o tipo de espaço de onde queremos fugir seja para onde for. Nessa altura, surgiu-me no computador, não me recordo muito bem como, um jogo protagonizado por um personagem préhistórico, um boneco flinstónico, munido de uma moca com a qual enfrenta o mundo, defendendo-se de tartarugas gigantes, tigres, saltando precipícios, atravessando minas. Aquela figura com a qual eu viajava por múltiplos desafios resgatava-me da secura do trabalho académico, da claustrofobia aterradora lovecraftiana, das dificuldades que tinha em entender, na altura, aqueles romances em inglês. Evocava, no fundo, a minha origem num território ainda marcado por arcaísmos do barrocal algarvio. Um reencontro num espelho distorcido, daqueles que nos fazem rir da nossa imagem.

O segundo jogo, percebi mais tarde, veio na linha do primeiro. Entrou na minha vida no início de 2013, quando já leccionava na Universidade de Macau e comprei o meu primeiro IPAD, ferramenta útil para o trabalho de investigação e de peregrinação por bibliotecas em várias partes do mundo. Foi assim que a Smurfville, a terra das minhas amadas criaturinhas azuis da infância entrou na minha vida, pela mão de uma jovem colega do meu departamento. Nessa terra dos estrunfes plantava-se de tudo – a agricultura que me fora tão familiar, desde cedo, sobretudo nos Verões da minha infância e adolescência, cuja dureza conhecia de cor, sem romantismo, surgia-me agora à distância de um clique, vestida de toda a rapidez e facilitismo. Por isso, durante as enfadonhas reuniões dos conselhos académicos da universidade, aproveitei, não raras vezes, para plantar morangos, mirtilos, framboesas, tomates, tudo pronto a colher em minutos. E será esta a grande fraude incutida pelo reino digital a quem nunca teve contacto com a realidade: tudo é fácil, imediato, nada exige, trabalho, nem sacrifício, nem o suor que brota do corpo em esforço debaixo do sol, nem calos nas mãos, muito menos dores nas costas, como uma serena auto-estrada, onde se avança ao sabor dos cliques e dos caprichos, tendo como perigoso contraponto o

inteiro desabar perante as menores dificuldades.

Agora, os jogos que prendem e viciam os nossos jovens nada têm a ver com ruralidades passadas, nem pré-história. Pelo que entendo, lutam contra vilões, Reis do gelo, Prisioneiros do Fogo, ilhas atacadas, tudo marcado por violência, muitas mortes, pois há muitas vidas para

gastar, como se a vida fosse descartável, em vez de preciosa. E eu tento entender, em vão, de que modo estes reinos paralelos os sequestram. O que buscam aí? De onde querem fugir? Que fogos e gelos habitam as suas vidas, povoadas de ecrãs, futilidades, desatenções? Será um outro espelho distorcido do seu presente projectado na longa teia de incertezas do futuro?

O monstro

ivemos num país extraordinário. Um país habitado por gente incrível. Vejase o caso dos nossos jovens. O sucesso escolar é impressionante. Ninguém reprova até concluir o ensino básico. Fantásticos. Mais fantástico ainda é que o fazem mesmo quando mal sabem ler e escrever. É obra! Quem conseguiu tal feito não teme o secundário. Lá vão eles. Preparadíssimos para daí a três anos entrarem na universidade. Seja como for, dê por onde der, nem que os pais tenham de montar uma tenda à porta do ministério ou tomar medidas mais drásticas contra algum energúmeno que se mostre um entrave a estes planos. O secundário é despachado num instantinho.

Os exames nacionais são uma maçada, mas nada que impeça estas jovens promessas de seguirem os seus sonhos. Se não forem os deles são os dos pais, que vai dar à mesma coisa. Entrar na universidade é a meta! Arranjado um 10 sempre se há de entrar em algum lado. Curso? Universidade? É indiferente. As quintas-feiras à noite são como o sol, quando nascem são para todos. E são fundamentais. Aliás, são frequentemente o único momento da semana em que os estudantes se encontram. Ah, a vida académica! As praxes, os arraiais, as

tunas, os trajes… Depois há o resto, mas não interessa. E, mais uma vez, sem saberem bem como, lá chega o dia de receberem o diploma. Mais uma festa, uma grande alegria para a família. Orgulho dos seus paizinhos, dos avós, dos padrinhos! Abençoam-se as pastas. Valha-nos a fé! Só não sabem bem o que fazer depois. É muito difícil explicar tudo o que aprenderam. O mercado de trabalho não está preparado para tamanha excelência.

Não é raro os licenciados concluírem que são demasiado jovens para trabalhar. Seguir para mestrado é uma opção. Na verdade, quanto mais tiverem possibilidade de pagar, mais adequada é. Até já os há concentradinhos, tipo sumo: caríssimos, mas fazem-se num instante. A seleção é rigorosa. Ninguém fica de fora. As taxas de sucesso altíssimas. Toda a gente leva o canudo que pagou. Afinal, isto é um país de gente séria, não andamos aqui a enganar ninguém. Mais um ano de convívio e chega o momento de apresentar o trabalho final. As teses são um primor! Aquelas capas, as cores dos gráficos, a qualidade do papel. Curtinhas. Cada frase é um parágrafo. O conteúdo é levezinho. Não se pode cansar o leitor. Dá gosto! Há más línguas que dizem o contrário. Gente que não se atualizou, que é muito antiga. Bafienta. Gente que emana energia negativa. Esses ficam de fora dos júris. Só atrapalham!

Não se pense que é fácil nem rápido pôr em andamento um sistema de atribuição de graus e diplomas tão perfeito. Andámos décadas a afinar esta máquina, mas estamos finalmente a ver os resultados. Doutores e engenheiros capazes de pensar fora da caixa: a agente de viagens que marca o transfer para o aeroporto errado, permitindo ao cliente um passeio extra; a gestora que, com o atestado de óbito na mão, pede a assinatura do cliente, dando-lhe uma oportunidade única de ressuscitar; os engenheiros que, contrariamente ao que me garantiam há tempos, conseguem

que a água suba, e logo nas rotundas, tornando a condução mais emocionante; a bancária que pede para aguardar pelo colega que foi almoçar porque é homem e tem mais jeito para «aquelas coisas», oferecendo uma pausa para confraternização e um olhar refrescante sobre o papel da mulher no mundo do trabalho.

Pequenos e quase inofensivos exemplos dos belíssimos resultados do labor de toda uma nação. Sim, de toda. Ninguém fica de fora. Todos participámos e continuamos a participar nesta construção: pais, professores, políticos. Todos nós temos desempenhado na perfeição o nosso papel.

O monstro está aí. Fomos nós que o criámos. Teremos de conviver com as consequências dos nossos atos por muitos, muitos anos e fazer figas para que não nos apanhem numa mesa de operações, a 10 km de altitude ou numa qualquer outra situação em que as nossas vidas dependam dos conhecimentos e competência dos nossos diplomados.

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