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ALGARVE INFORMATIVO Revista semanal - 11 de abril, 2020

MAURO AMARAL TEM NOVO DISCO

«HOJE NÃO HÁ TEATRO» | FESTIVAL DANÇARTE FESTA DAS TOCHAS FLORIDAS DE SÃO BRÁS DE ALPORTEL 1 ALGARVE INFORMATIVO #243 LAMA RECORDOU «NOVO_TÍTULO PROVISÓRIO» | LUM LANÇA SINGLE


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52 - Festival Danรงarte

8 - Mauro Amaral tem novo disco ALGARVE INFORMATIVO #243

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OPINIÃO 108 - Paulo Bernardo 110 - Mirian Tavares 112 - Ana Isabel Soares 114 - Alexandra Rodrigues Gonçalves 118 - Vera Casaca 120 - João Ministro 124 - Nuno Campos Inácio

86 - «Hoje não há teatro» d’GORDA

34 - Festa das Tochas Floridas

98 - LUM lança mais um single de «Zero»

76 - CBMR ajuda na luta conta a Covid-19 5

20 - «Novo_Título Provisório» ALGARVE INFORMATIVO #243


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DEPOIS DE «SOMOS», MAURO AMARAL APRESENTA UM GRANDIOSO «ATOS ALEATÓRIOS DE GENTILEZA» Texto: Daniel Pina | Fotografia: Eduardo Pinto

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15 de dezembro de 2016, Mauro Amaral lançava o EP «Somos», o primeiro registo a solo de um artista com largos anos de carreira, sobretudo no reggae . A estreia ocorria após seis anos de afastamento da música, período durante o qual esteve mais dedicado à sua outra faceta artística, a de cineasta. Para desenferrujar, ia tocando covers, mas os originais sempre fizeram parte da sua vida. “A grande

diferença é que, agora, estou sozinho”, explicava na altura. Três anos e picos depois está finalizado e quase a ir para o mercado «Atos aleatórios de gentileza», o primeiro álbum de longa duração de Mauro Amaral e que o Algarve Informativo já teve o privilégio de ouvir. E, de facto, é um registo de tremenda qualidade que demonstra, na perfeição, as múltiplas influências musicais do entrevistado. Um disco que começou a ser «cozinhado» há ano e meio, com calma, sem pressas, até porque, desta feita, não estava sozinho em estúdio, mas com uma banda nova, constituída por Nuno Filhó, Ricardo Coelho, Sónia Cabrita e Mariana Rosa. Músicos de eleição que já conhecia, na sua maioria, mas com os quais nunca tinha trabalhado. Gravado nos estúdios da Mentecapta Produções Áudio, de Francisco Aragão e Miguel Santos, e Zipmix de Tó Viegas, o disco tem produção de Nuno Filhó, esse mesmo que andou anos a fio na estrada com os «Entre-Aspas», “que fez um ALGARVE INFORMATIVO #243

trabalho extraordinário de gestão da equipa e dos tempos”, e é um misto de temas novos e de algumas canções de «Somos» que foram revisitadas e recriadas em formato banda. “A sonoridade evoluiu

bastante, o que é natural, porque cada um dos membros da banda trouxe as suas próprias influências e houve total 10


liberdade de expressão durante o processo criativo. Todos deram o seu tempero”, explica Mauro Amaral, admitindo que «Somos» se tratou de um “exercício de autonomia”. “Nunca

tinha pensado na música em termos individuais, mas o meu caminho levou-me, na época, a esse destino e foi um momento importante para perceber quem sou, para um 11

estabelecimento de identidade artística. Contudo, a estratégia era depois haver um desenvolvimento para banda”. O baixista e guitarrista Nuno Filhó foi o primeiro a entrar para o barco, porque já trabalham juntos há vários anos noutros projetos, e depois seguiuse o teclista Ricardo Coelho, que fez ALGARVE INFORMATIVO #243


parte da primeira banda de Mauro Amaral, há coisa de 20 anos. A estes juntaram-se a baterista Sónia Cabrita e a guitarrista Mariana Rosa, para que Mauro pudesse assumir mais a vertente de vocalista, de frontman. Mas Mauro Amaral não esquece o «sexto» elemento da banda, Francisco Aragão, que já tinha sido determinante na produção de «Somos». “É um músico

extraordinário, foi supergeneroso comigo e deu-me todo o espaço do mundo para eu ir descobrindo as minhas coisas”, recorda. Rock, pop, reggae, jazz, tudo muito bem misturado num verdadeiro cocktail de sonoridades, assim se pode descrever «Atos aleatórios de gentileza», porque Mauro Amaral também não se consegue circunscrever apenas a um estilo.

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“Comecei no punk-hardcore, depois fui para a world music, reggae, etno, folk, agora estou a tender para o jazz. O Filhó é mais rock, a Sónia rock/jazz, o Ricardo é jazz e clássico e a Mariana é rock com umas pitadas de reggae. Com todas estas influências é natural que a maneira de tocar as músicas se fosse modificando. O disco é um «caldo» de culturas e essa é precisamente a minha ideia de música, uma linguagem universal em que temos que dar o que cada tema pede. Quando me perguntam para categorizar o que faço, tenho grandes dificuldades em fazê-lo. Aliás, o público e os

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especialistas é que devem atribuir esses rótulos”, entende Mauro Amaral. Uma multiculturalidade que advém da longa experiência do entrevistado, que também nunca se preocupou muito com modas ou com os sons que estão ou não na berra. “Normalmente trabalho

por surtos criativos. Fico algum tempo sem compor e, de repente, tenho momentos em que produzo imenso. E parto sempre da letra, que já tem métrica, ritmo, intensidade e emoção. Após estudar o que essa letra me dá, aparece a música”, descreve o algarvio, acrescentando que a primeira aproximação musical à letra costuma ser básica, natural, simples e direta.

“Depois, tento fugir ao máximo a esse óbvio, de acordo com a minha 13

identidade própria, que não se insere em nenhum dos rótulos tradicionais porque eu também não pretendo ser catalogado. Escrevo, faço produção e programação de espetáculos, trabalho de vídeo, acima de tudo sou um comunicador”.

PRÓXIMOS DISCOS TERÃO UMA LINGUAGEM MAIS DURA O resultado de todo este profundo processo é «Atos aleatórios de gentileza», um disco que, sem dúvida, não é mais do mesmo, mas único. O que não significa que vá ter uma vida fácil, que tenha sucesso garantido, disso tem plena consciência Mauro ALGARVE INFORMATIVO #243


Amaral. “Do Algarve para o

panorama nacional só saíram os «Entre-Aspas, e os Íris, que também tiveram um impacto bastante interessante. O Diogo Piçarra e a Áurea já foram criados em Lisboa, portanto, são quatro casos de sucesso em toda a história da música algarvia. A viabilidade profissional de tocar originais a partir do Algarve para o resto do país, embora seja mais fácil do que alguma vez foi, ainda é muito complicada, o que nos obriga a apostar noutras vertentes para alcançarmos uma sustentabilidade económica”, confirma. Preocupações do dia-a-dia que depois influenciam o processo criativo, que se notam em «Atos aleatórios de gentileza», um disco que contempla todo o crescimento musical de Mauro Amaral e que encerra, no seu âmago, “uma

mensagem de esperança, falando de histórias de superação com uma energia romântica e positiva, com algum realismo e bastante sonho à mistura”. “Eu escrevo para um recetor individual, em cada música é como se estivesse a falar com uma pessoa específica. E, depois de fechar o disco, já escrevi muitas letras, fruto de uma excelente tensão criativa que me obrigou a mandar imensas coisas para fora de mim. Provavelmente já tenho material para mais um ou dois ALGARVE INFORMATIVO #243

álbuns, que serão diferentes, porque estou numa linguagem que, embora continue a ser romântica e mantenha a sua esperança e foco positivo, agora tem uma carga um bocado mais dura. Neste momento, parece-me mais necessária uma ativação que vai para além da positividade”, revela o entrevistado. Seja como for, «Atos aleatórios de gentileza» está fechado e Mauro Amaral garante que foi fundamental 14


para que a referida mudança de estado de espírito acontecesse. “Nunca tinha

feito um álbum com banda e a intensidade do trabalho de estúdio e a responsabilidade de concluir os temas deram-me um foco mais apurado que possibilitou uma nova linguagem. Estou absolutamente satisfeito com este disco, onde estão letras com mais de 10 ou 15 anos e que continuam atualíssimas. Parece até que algumas foram escritas para este tempo que 15

vivemos. Se estudarmos um pouco a história da Humanidade percebemos que, se calhar, em termos civilizacionais, de empatia humana e de responsabilidade biológica, não estamos agora tão diferentes do que há dois ou três mil anos”, desabafa. “A ideia de estudar as palavras, os conceitos, as relações e a história prende-se com a minha vontade de ser profundo naquilo que escrevo. O meu desejo é que as pessoas, cada ALGARVE INFORMATIVO #243


vez que ouvem as minhas músicas, descubram coisas diferentes. As letras possuem várias camadas e significados que têm a ver com muitas situações que vivi e autores que conheci e tento fugir do óbvio, apesar de, por vezes, ele seja necessário para nos libertarmos de cargas filosóficas e interpretativas”, considera Mauro Amaral. Escrito na Bordeira, gravado na Galvana, «Atos aleatórios de gentileza», acreditem, vale mesmo a pena escutar e há vários temas, entre os quais «Respiro» e «Fado da Linha», que num instante pensávamos serem da autoria de qualquer artista de topo nacional. Mas não, saíram da cabeça de Mauro Amaral e seus comparsas, daí não se compreenderem as dificuldades que ainda persistem para os artistas algarvios darem o salto. “Estamos com

muita esperança de que a música fale por si, mas, claro, vamos precisar de uma estratégia muito inteligente de promoção e comparável às que os maiores de Portugal fazem, ainda que sem os mesmos recursos financeiros e os lobbies das grandes produtoras. Também só atingimos esta qualidade graças a uma equipa extraordinária e equilibrada, com imensa inteligência e experiência em ação. O Filhó conheceu Portugal inteiro com os «Entre-Aspas» e depois trabalhou com as principais agências. O Xico, cada vez que eu entrava no estúdio, parecia-me que ALGARVE INFORMATIVO #243

tinha mais um metro de altura, em termos de qualidade e sabedoria. O Ricardo Coelho é um pianista incrível e um estudioso do clássico e do rock dos anos 70, a Sónia é uma excelente baterista, a Mariana uma grande guitarrista”, enaltece Mauro Amaral. Por tudo isto, «Atos aleatórios de 16


gentileza» é cinco estrelas, ainda mais louvável quando se trata do primeiro exercício prático desta equipa, pelo que é natural que os próximos sejam ainda melhores. E o mesmo se pode esperar das atuações ao vivo, porque, como Mauro diz, “somos todos bichos de palco”.

“Vão acontecer momentos mágicos nos espetáculos. Estávamos todos em pulgas para apresentar ao vivo o 17

disco, o que foi adiado por causa da pandemia que atravessamos, agora andamos a roer as unhas com a expetativa. Interessa-nos, acima de tudo, que o público se dilua na nossa energia musical. Não somos estrelas que estamos num altar, queremos transmitir emoções” . ALGARVE INFORMATIVO #243


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LAMA RECORDOU «NOVO_TÍTULO PROVISÓRIO» Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

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semelhança de todas as outras estruturas artísticas de Portugal, o LAMA Teatro, sediado em Faro, foi forçado a adiar a sua programação em virtude das medidas de contenção impostas devido ao surto de Covid-19. Num momento para repensar o futuro, há que olhar também para o passado, pelo que a entidade, que conta já com uma década de existência, convidou os espectadores a descobrir ou a redescobrir, online, «Novo_Título Provisório», criado, em 2015, por João de Brito e Yola Pinto e que o Algarve Informativo teve oportunidade de assistir, nos dias 7 e 8 de novembro de 2016, no Cineteatro Louletano.

À

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Com dezenas de crianças sentadas em pleno palco, o corpo humano é o centro desta exploração de memórias das diversas partes que o constituem, do novo que, de repente, deixa de ser novo, das dicotomias clássico/contemporâneo, objeto renovado/objeto transformado, natural/adquirido. 50 minutos percorridos num ritmo frenético, intercalado por breves pausas, um jogo de luzes bem conseguido, imagens de vídeo num painel de ecrãs, música e sons a acompanharem os textos, mas também os momentos de reflexão, motivando igualmente a participação natural dos jovens espetadores. 22


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João de Brito colaborava, desde 2010, com o Serviço Educativo da Culturgest – Fundação Caixa Geral de Depósitos e, quando surgiu a hipótese de voltar a trabalhar com a encenadora Yola Pinto, abraçou de imediato o novo desafio, dando assim resposta à vontade de fazer um espetáculo mais físico, com um lado de dança mais saliente do que o do teatro. “Nos primeiros e-mails em

que conversamos sobre o projeto, o assunto era sempre «Novo», que se tornou o título provisório. Começamos a esmiuçar os caminhos a seguir e escolhemos precisamente o conceito do «novo», de ser volátil, de rapidamente desaparecer, de

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deixar de ser «novo» ao fim de cinco segundos. Não pensamos em conceber um produto especificamente direcionado para crianças e tem sido muito bem recebido por pessoas de todas as idades, porque fazemos sessões para escolas, mas também para famílias”, contou o ator. O objetivo é que os espetadores regressem a casa e se questionem sobre a forma como podem ser melhores, que não consumam o mundo apenas da maneira como ele lhes é apresentado, prossegue João de Brito nas explicações, confessando que a

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tarefa nem sempre é fácil quando não existe um texto dramático previamente concebido. “Quando se faz uma

criação de raiz, é mais fácil levantar cenas do que colá-las, do que ter um fio condutor, porque o espetáculo não pode ser demasiado abstrato. Por isso, tiramos o tapete aos espetadores, mas damos-lhe logo um bocadinho para ganhar solidez. Aqui, começamos com uma pessoa que nasce, que vai desabrochando, mostrando um membro, depois outro, começa a andar enquanto descobre o próprio corpo, diz as primeiras palavras e frases, que são logo de questionamento”, descreve. Uma narrativa que inclui pormenores reais da existência de João de Brito, como 25

as suas peripécias de jogador de basquetebol, baixinho, que tinha que descobrir truques para ultrapassar os adversários mais altos do que ele. Outros, porém, são totalmente inventados, como o simples beber de um gole de água que o transforma num super-herói, ideias, jogos de imaginação que se foram perdendo nas novas gerações, sempre agarrados aos telemóveis, gadgets e consolas de última geração. “No meu tempo,

com paus fazíamos um arco e flechas, um carro, uma pista de comboios, e queremos que os miúdos não percam essa sua veia imaginativa”, frisa. “O mundo evolui, eu próprio tenho um telemóvel e computador sofisticado, mas há que haver um ALGARVE INFORMATIVO #243


equilíbrio e quase sempre a culpa de isso não acontecer é dos pais. Não têm tempo ou paciência para os filhos, distribuem umas playstation e eles ficam entretidos”. Quem também não quer perder muito tempo a imaginar enredos e situações são os adultos, o público, que, na ótica de João de Brito, querem a papinha toda feita. “Estão habituados às

narrativas lineares, às histórias fáceis de seguir, porque querem estar na sua zona de conforto. O problema é que passem esses traços para os miúdos, o que é mau, porque os jovens têm tanta criatividade, conseguem ver coisas que não nos passam pela cabeça”,

confortável a trabalhar mesmo em cima do público jovem. “Não

acredito em espetáculos de massas para crianças. Em Lisboa, faz-se muito bom teatro para a infância em alguns serviços educativos, do CCB, da Culturgest, do Teatro Maria Matos ou do São Luís, e costumam ser atuações para uma ou duas turmas, no máximo 90 ou 100 pessoas. Preferimos partir para vários espetáculos, do que trazê-las todas ao mesmo tempo, porque estão mais próximas dos atores, distraem-se menos e a mensagem passa melhor”, entende o entrevistado.

observa o ator, garantindo sentir-se ALGARVE INFORMATIVO #243

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NÃO É IMPOSSÍVEL SER ATOR NO ALGARVE, MAS É BASTANTE DIFÍCIL Ator de formação, João de Brito teve que se adaptar a este teatro mais físico, de movimentos constantes, desenfreados, frenéticos, onde os gestos falam, por vezes, mais alto do que as palavras, mas o trajeto tem sido bemsucedido, com textos mais ou menos dramáticos, mais ou menos lineares.

“Como é óbvio, não tenho a técnica de bailarino, não fiz esse caminho, mas possuo alguma fisicalidade. Eu tinha uma grande vontade de fazer um solo de dança e a Yola Pinto entendeu que, com as minhas características de ator, eu conseguia

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chegar aos sítios que ela desejava. Isto é um espetáculo físico com um ator a dançar, sem pretensões de ser bailarino, desenhado por uma coreógrafa”, salientou, na ocasião, o farense. Mais complicado foi conter as expressões, a mímica de João de Brito, admite, com um sorriso, sabendo-se que, no bailado, normalmente os protagonistas assumem uma postura mais sóbria, austera, séria. “É algo

que está intrínseco em mim e que gera algumas «lutas» com a Yola, que quer que eu coloque menos expressão em certos momentos, mas gerou-se um casamento profissional muito feliz entre nós dois. Funcionamos bastante bem

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a trabalhar e nem precisamos falar muito”, garante. “Ela aproveita o melhor que eu tenho desse lado mais teatral, lima outras partes e já estamos a pensar noutro projeto, mas com os dois em palco”, adianta.

três, vá, duas e meia, e mesmo nelas o dinheiro é limitado e não permite ter muita gente efetiva. A solução é fazer espetáculos com menos pessoas, mas isso acontece em qualquer sítio”, aponta.

Projetos que são mais fáceis de montar em Lisboa, o que levou João de Brito a trocar Faro pela capital em 2004, perseguindo assim o sonho de ser ator profissional. As dificuldades, porém, não são exclusivas do Algarve. “Isto de

abandonar o seio familiar, os amigos, começar tudo do zero numa cidade bem maior, não é fácil. No Algarve, não é impossível ser ator, mas é bastante difícil. Há duas companhias profissionais na região, ALGARVE INFORMATIVO #243

A diferença é que, em Lisboa, há uma maior variedade de opções para os atores, tais como a televisão, publicidade, locuções, dar aulas de expressão dramática ou corporal, algo que não se verifica noutros pontos do país. “Há muita gente que se safa a

dar aulas, mas é complicado, de tal modo que alguns amigos e conhecidos equacionam ir para cidades onde, efetivamente, a 28


concorrência é maior, mas também existem mais oportunidades”, relata, esclarecendo que nunca cortou o cordão umbilical com o seu Algarve. “Em 2010,

criei o LAMA e tento fazer digressões o mais amplas possível, da mesma maneira que tento que os outros projetos em que participo também venham ao Algarve”. A sobrevivência do artista, neste caso, do ator, é então estar envolvido em vários projetos em simultâneo, até porque a moda dos espetáculos pagos com as receitas de bilheteira não resulta, nem garante paz de alma a quem neles participa. “Mesmo espetáculos para

massas e com muitas caras conhecidas no elenco não são

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sinónimo de sucesso. Às vezes, fazemos espetáculos para 20 pessoas, cada um paga cinco euros, depois, há ainda uns quantos que pedem convites, não dá para viver assim. Sinto que o Algarve cresceu nesse aspeto e as câmaras municipais estão a voltar a apoiar as associações”, dizia João de Brito em 2016. “Percebem que a cultura faz um distrito, uma região e um país. Depois, há companhias profissionais que são associações sem fins lucrativos, portanto, não concordo muito com essa distinção entre teatro amador e profissional. No LAMA, ganho ao projeto, não tenho um

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ordenado fixo, mas trabalhamos como profissionais”. Uma mudança de mentalidade que se deve, na opinião de João de Brito, à crise financeira que atingiu Portugal e que obrigou as autarquias a olharem mais para a prata da casa. Apesar disso, o conselho é o mesmo de sempre: as pessoas têm que saber mesmo o que querem fazer nas suas vidas. “Há fases

duras, de menos trabalho, depois aparece tudo ao mesmo tempo. O que conta é o percurso, não apenas o produto final e não há resultados rápidos no teatro. Há um ou outro ALGARVE INFORMATIVO #243

que tem sucesso mais depressa, ligado à televisão, por participar numa novela, mas isso são as exceções à regra”, afiança o entrevistado. “Alguns amigos dizem que sou maluco por estar em todas as frentes, mas tem que ser mesmo assim, porque só vivo disto e não tenho pais ricos. Quando estamos numa fase menos boa, é pensar nas nossas origens, de onde viemos, até onde já chegamos, e isso ajudanos a não desistir” .

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“EM 2021 TEREMOS A MAIOR FESTA DAS TOCHAS FLORIDAS DE SEMPRE”, ACREDITA VÍTOR GUERREIRO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina ALGARVE INFORMATIVO #243

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e entre as manifestações religiosas que animam o Domingo de Páscoa no Algarve, nenhuma tem tanto colorido e alegria como a Festa das Tochas Floridas, em São Brás de Alportel, que este ano foi, infelizmente, cancelada devido à pandemia do Covid-19. Um evento que atrai ao coração da Serra do Caldeirão milhares de turistas estrangeiros provenientes de vários pontos da Europa e do outro lado do Atlântico, para além de muitos emigrantes são-brasenses que regressavam habitualmente às origens nesta emblemática festa do seu concelho. Por isso, o Largo da Igreja Matriz depressa fica repleto de pessoas, a grande parte de máquinas fotográficas em punho para captar os homens com as

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suas tochas floridas, o percurso florido de um quilómetro que percorre as principais ruas da vila, as colchas penduradas das janelas e varandas. São, de facto, imagens de rara beleza que aqui recordamos, mas assistir à Festa das Tochas Floridas é um cocktail para todos os sentidos: as cores e o movimento para a visão; o cheiro das flores para o olfato; os cânticos para a audição; o sentir a textura das folhas para o tato; o degustar dos doces regionais, medronho, gastronomia serrana, para o paladar. E os turistas, de sorriso nos lábios e olhos brilhantes ao longo do percurso, deixam-se encantar com a traça genuína dos sãobrasenses e interagem com as gentes locais, perguntam a que se deve esta procissão, por que motivo só participam homens, o que significam as

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tochas, por que razão umas são mais elaboradas do que outras. E, claro, pedem-lhes, sem pudor ou vergonha, para fazer pose para a fotografia, para depois mostrarem aos amigos e familiares dos seus países de origem. Este ano, contudo, restam-nos as memórias, porque a Festa das Tochas Floridas não se realiza devido à covid-19.

“Acho que, em São Brás de Alportel, nunca alguém imaginou que pudesse acontecer um Domingo de Páscoa sem esta festa. Aliás, não há memória de que a nossa Procissão da Aleluia não tivesse saído para a rua nesta data especial. É uma realidade que ainda temos muita dificuldade em assimilar, mas 37

sabemos que, neste momento, valores mais altos se levantam. Está em causa a nossa sobrevivência”, refere Vítor Guerreiro, que desde miúdo participa na festa-maior deste concelho. Uma festa que tem ganho, no passado recente, um tremendo mediatismo junto dos turistas estrangeiros, mas que toca fundo no coração dos sãobrasenses, reconhece o edil. “Vai ser

estranho este não revermos os nossos amigos e familiares, porque São Brás de Alportel, na Páscoa, acolhe os filhos desta terra que estão espalhados por todo o mundo. E, para além deste saudável e querido reencontro, é sempre um orgulho mostrarmos ALGARVE INFORMATIVO #243


aos visitantes esta nossa festa, em cuja organização e preparação se envolve toda a comunidade. Andamos durante a semana a apanhar as flores para as passadeiras, que depois são processadas na Sexta-Feira Santa e no sábado. Na madrugada de domingo fazemos as passadeiras, uma rotina a que estamos habituados desde pequeninos”, descreve. Um ritual em que Vítor Guerreiro participa desde criança, depois com a filha mais velha, com as raparigas a participarem com a catequese, mais tarde ALGARVE INFORMATIVO #243

com o filho mais novo, que também já canta a «Aleluia». Algo que é vivido por todas as famílias de São Brás e em que as grandes estrelas são os homens sãobrasenses, que criam as suas tochas, mais ou menos elaboradas, para depois as empunharem orgulhosamente ao longo da procissão. “Há tochas que

concorrem aos prémios e que são autênticas obras-de-arte, outras mais simples e tradicionais, como aquela que eu faço sempre. Apanho as flores no sábado e, no domingo de manhã, depois de prepararmos as passadeiras nas ruas, faço a tocha com a minha mãe. Às 10 da manhã estamos 38


Acácio Martins e Vítor Guerreiro

todos prontos junto à Igreja Matriz, de fato e gravata e com a garrafinha de medronho que alguns homens levam para ajudar a afinar a voz. É um sentimento de pertença muito forte”, assume o presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel. Como nada disso será possível este ano, a autarquia lançou um desafio à população, o de ir para a janela, às 11h30, cantar a «Aleluia», com as suas tochas.

“Temos a colaboração do prior da paróquia, que vai celebrar a missa, na igreja, à porta fechada, que será transmitida em direto, a partir das 10h30, no Facebook e Instagram da Autarquia”, adianta Vítor Guerreiro, acreditando que a presente situação vai 39

acabar por reforçar a paixão dos sãobrasenses pela sua Festa das Tochas Floridas. “Se Deus quiser, em 2021,

vamos ter a maior festa de sempre. Tenho recebido imensos telefonemas de conterrâneos que se encontram em vários pontos do mundo, solidários com esta situação, a darem força ao executivo da Câmara Municipal, a garantirem que, no próximo ano, estarão cá todos em peso”. E o orgulho de São Brás de Alportel neste evento está bem patente no repto que foi lançado pelo executivo liderado por Vítor Guerreiro a um artista da terra para a construção de três figuras humanas, que representam ALGARVE INFORMATIVO #243


três gerações, de tocha florida em punho, para serem colocadas na via pública da vila. “Queremos preservar no

tempo, todos os dias do ano, este nosso património imaterial, uma riqueza muito grande, uma tradição com centenas de anos. Uma Procissão de Aleluia que se manteve durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial, esta é, sem dúvida, a primeira vez que não vai acontecer”, lamenta. “Quando não temos algo é quando a valorizamos mais. No nosso dia-a-dia vivemos controlados pelo relógio e, agora de repente, já não é necessário relógio, não andamos a correr, somos obrigados a ficar em casa, e há coisas que considerávamos ALGARVE INFORMATIVO #243

importantes e que, afinal de contas, não têm importância nenhuma”, desabafa o autarca. “O fundamental é a saúde e a amizade, vivermos estes momentos que nos identificam enquanto comunidade. E sinto um orgulho enorme pelos sãobrasenses, uma gratidão imensa, pela forma como se têm adaptado a estes dias difíceis e pelo modo como têm sido solidários com quem está mais isolado, com quem mais necessita. Os sãobrasenses estão de parabéns e vamos festejar este ano a Procissão da Aleluia à janela, porque estarmos em casa é a forma mais rápida de voltarmos a 40


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estar todos juntos, em comunidade, para vencermos esta crise de saúde pública, mas também a crise económica e social que se vai seguir”.

UMA TRADIÇÃO COM ORIGEM INCERTA Tradição, gastronomia, artesanato, tudo costuma estar em perfeita comunhão neste Domingo de Páscoa, mas a «festa» começa, conforme referido por Vítor Guerreiro, com muitos dias de antecedência, com a preparação dos moldes para colocar nas ruas, a organização dos vários grupos de voluntários e funcionários da autarquia, a apanha das flores e sua consequente preparação, pois há que tirar as pétalas e 43

cortar a verdura. Depois, de madrugada, costumam encontrar-se todos junto à igreja para montar as passadeiras de flores, numa árdua tarefa que atesta o tremendo amor de todos à festa e à terra. Uma tradição que remonta aos primeiros anos do século XVII, época em que os algarvios começaram a realizar a Procissão de Aleluia, na manhã do Domingo de Páscoa, com um forte frenesim religioso. Nessa altura, as confrarias, constituídas unicamente por homens, eram obrigadas a levar uma tocha acesa ou luminária e opas vestidas. Com o passar dos anos, a escassez de cera levou à sua substituição por paus pintados e ornamentados com flores, no cimo do qual se colocava, então, ALGARVE INFORMATIVO #243


uma pequena vela. Uma característica que se manteve, contudo, foi a de apenas os homens erguerem as tochas na frente da procissão, isto porque as irmandades, onde estavam as mulheres, seguiam atrás. As confrarias viriam a desaparecer mais tarde, mas a procissão das «Tochas Floridas» manteve-se, com outra alteração de fundo: os hinos, responsos e o Aleluia em honra da Ressurreição do Senhor deixaram de ser entoados por coros e passaram a ser proferidos unicamente pelo povo, devido à falta de clero e de cantores. Há, contudo, outra história por detrás desta manifestação. Segundo reza a história, a 25 de julho de 1596, deu-se a invasão da cidade de Faro e seus arredores pelas tropas do Duque de Essex, após este ter infligido uma penosa ALGARVE INFORMATIVO #243

derrota à esquadra de Filipe II, na Baía de Cádis. Depois de saquearem e incendiarem toda a cidade, os britânicos tiveram conhecimento de que a povoação de São Brás era rica e importante e para lá marcharam, tendo apanhado os seus habitantes completamente desprevenidos. As tropas não ficaram, todavia, completamente satisfeitas com os roubos e mortes que provocaram e decidiram lançar fogo à igreja, o que foi a gota de água para alguns rapazes solteiros que, munidos de machados rústicos, chucos alfaias agrícolas, conseguiram pôr os invasores em fuga. Logo de seguida, enfeitaram as armas improvisadas com flores para comemorar e assim nasceu, de acordo com alguns, a Festa das Tochas Floridas de São Brás de Alportel . 44


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PORQUE A DANÇA FAZ PARTE DAS NOSSAS VIDAS… Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

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e 4 a 7 de abril, o Teatro das Figuras, em Faro, ia ser palco do 17.º Dançarte, um concurso organizado anualmente, desde 2004, pela Associação Beliaev Centro Cultural e destinado a jovens bailarinos de escolas nacionais e estrangeiras, com idades compreendidas entre os 8 e os 25 anos, que competem em dança clássica, dança contemporânea, dança de caráter, dança jazz, hip-hop e sapateado. Desde 2016, o Dançarte integra também um concurso de coreografia, destinado a coreógrafos contemporâneos. E largas dezenas de jovens bailarinos e seus professores estavam já preparados para rumar à capital algarvia por ocasião das férias letivas da Páscoa, planos que caíram por terra por causa da pandemia mundial que se vive. Os objetivos da organização passam por dar aos agentes deste veículo cultural – alunos de dança, professores de dança e coreógrafos – a possibilidade de demonstrarem o seu nível de desempenho nesta área, através da promoção e divulgação do ensino e da aprendizagem de dança, favorecendo a troca de experiências entre escolas, alunos e professores, assim como promover o desenvolvimento cultural e artístico dos jovens e contribuir para a formação de novos públicos. Para tal, acontecem concursos de Solistas, Duetos/Trios e Grupos e de Coreografia, nas vertentes Juvenil e Júnior, mas decorrem igualmente várias masters classes e audições para prestigiadas companhias e escolas de dança, que ALGARVE INFORMATIVO #243

oferecem todos os anos apetecíveis bolsas de estudo para os próximos anos letivos. E são imagens de todo 54


este glamour, talento e juventude que aqui recordamos nas páginas do Algarve Informativo, enquanto a vida não retoma 55

a sua normalidade e não podemos assistir a um belo espetáculo de dança ao vivo . ALGARVE INFORMATIVO #243


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CBMR AJUDA NA LUTA CONTRA A COVID-19 Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

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Centro de Investigação em Biomedicina da Universidade do Algarve está a dar um contributo fundamental na luta contra a pandemia Covid-19 na região, ao realizar nos seus laboratórios os testes de despistagem, em regime de voluntariado. Num momento de viragem ALGARVE INFORMATIVO #243

da sociedade moderna como a conhecemos, recordamos a entrevista que o diretor do CBMR, Clévio Nóbrega, deu à Revista Algarve Informativo, em janeiro de 2019. Um CBMR que, dizia pouco depois de ter assumido as novas funções, se pretendia mais dinâmico e ativo e que fosse um centro de investigação de excelência em Portugal, mas tal não significava que houvesse uma rutura 78


nossos objetivos”, referiu Clévio Nóbrega, em início de conversa no seu gabinete, no Campus das Gambelas da academia algarvia. Excelência que é fundamental na ciência moderna, pois os centros de investigação concorrem uns com os outros à escala global, uma realidade a que o CBMR está bem habituado, confirmava o entrevistado. “Já não se

faz investigação no nosso «cantinho», seja ele grande ou pequeno, porque competimos para publicar, para arranjar financiamento, para termos colaborações, para termos bons alunos e boas ideias. Não existe um mercado português, mas sim um mercado mundial, é nesse panorama que estamos inseridos”, assegurou, admitindo que não é fácil «lutar» de igual para igual com os centros de investigação de Lisboa, Porto ou Coimbra. “Mas volto

com o passado, até porque, na hora da verdade, se estava a falar dos mesmos investigadores. “Queremos tirar

partido do bom que temos para nos tornarmos ainda melhores. É um desafio pessoal gigante porque também dou aulas e tenho os meus próprios projetos de investigação, mas sou uma pessoa positiva e acredito que vamos alcançar os 79

a enfatizar que somos realmente bons e prova disso é que, na última proposta de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), conseguimos conquistar sete projetos. Isso é excelente para um centro da nossa dimensão”, considerou Clévio Nóbrega. “Somos um centro pequeno de uma universidade que é periférica no nosso país, mas isso não nos limita, aliás, até pode ser uma mais-valia, pois estamos todos mais unidos e ALGARVE INFORMATIVO #243


focados num objetivo mais comum”. Não se faz investigação sem financiamento e arranjar apoios financeiros é um problema transversal a todos os centros, revelou Clévio Nóbrega, ainda mais porque os fundos nacionais são muito limitados. “Se houver uma

crise, e oxalá que não, a ciência é sempre uma das primeiras matérias onde se corta. A solução é ir buscar financiamento à União Europeia e aos Estados Unidos, um aspeto em que o CBMR se vai focar mais”, assumiu o diretor. Mais financiamento gera uma maior capacidade para atrair melhores alunos e investigadores e, depois, tudo se torna mais fácil. E os fundos, claro, não precisam vir apenas do setor público. “Existe uma grande

necessidade das empresas de biotecnologia para realizar tarefas específicas e, para isso, precisam de subcontratar. Hoje em dia, tirando as principais farmacêuticas, ninguém tem grandes laboratórios, fazem outsourcing. Nós possuímos os equipamentos e a massa crítica, temos é que nos saber «vender» melhor, o que gera mais receitas, mas também, a longo prazo, mais publicações científicas e direitos em patentes, que são bastante importantes para as universidades”. Prestações de serviços que o CBMR até já vinha fazendo no passado recente, nomeadamente a empresas do Reino ALGARVE INFORMATIVO #243

Unido e França, mas a direção liderada por Clévio Nóbrega pretendia reforçar essa valência, por via da criação de um portfolio de serviços que possam oferecer a nível nacional e internacional. O problema é que toda essa componente de marketing é, passe a redundância, um problema para os cientistas, mais habituados que estão a investigar e a fazer descobertas do que propriamente a promover os seus serviços. “De facto, é algo que

implica um grande investimento em termos de tempo, mas precisamos fazer quase uma digressão nacional como os artistas. O nosso biotério, por exemplo, tem custos relativamente mais reduzidos do que os outros existentes em Portugal e, se assim o pretendermos, podemos prestar serviços para outras entidades. É um trabalho que não vai dar frutos daqui a um ano, talvez daqui a três ou cinco anos, mas tem que começar a ser feito e de forma consistente”.

ALGARVE TEM TRUNFOS PARA ATRAIR INVESTIGADORES E ALUNOS Muda a liderança, mas, conforme dito logo no início da conversa, não há uma rutura com o passado, de modo que o CBMR vai continuar a ter como 80


principais áreas de atuação a oncologia, investigação no cérebro, desenvolvimento e biomoléculas. O que não quer dizer que, como visão científica de médio e longo prazo, o centro não se venha a focar mais numa delas, nem que seja momentaneamente. “Num ciclo de

financiamento, de um, três ou cinco anos, é normal para um centro dar prioridade a uma determinada área, porque faz mais sentido investir nela, ou porque há mais recursos disponíveis para ela, ou porque ela está mais na moda. No que toca aos

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recursos humanos, faz mais sentido contratarmos pessoas para as áreas que já desenvolvemos, porque um centro tem que se especializar. Agora, há sempre oportunidade para se criarem novas linhas de investigação, não nos podemos fechar hermeticamente nas áreas que definimos a priori. A ciência é muito dinâmica e devemos estar atentos às novas tendências”, afirmou Clévio Nóbrega.

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CBMR que contava na época com 40 membros integrados, aos quais se iriam somar mais investigadores auxiliares, na sequência dos projetos que seriam financiados pela FCT durante os próximos anos. “Vamos contratar

investigadores auxiliares já com uma certa experiência pós-doutoral que serão integrados nos projetos e áreas de atuação do Centro e que nos darão, certamente, uma nova vitalidade. Estou muito esperançado que eles venham contribuir para esta maior dinamização que se pretende para o CBMR”, admitia o especialista em neurociências. “A ideia é tentarmos atrair pessoas de fora do Algarve, aliás, estes concursos são internacionais. Serão pessoas que vêm de outros centros, porque acreditam no CBMR e querem vir para cá desenvolver a sua investigação. Com mais estes projetos, a intenção é igualmente captar mais alunos de Doutoramento, uma das grandes batalhas da Universidade do Algarve, pois estamos com rácios relativamente mais baixos do que as outras academias”. Havia, portanto, boas perspetivas de crescimento, restava saber se o CBMR estaria preparado, fisicamente, para tal. E Clévio Nóbrega confessou que esse era, de facto, um constrangimento, ainda mais depois da vinda da Escola Superior de ALGARVE INFORMATIVO #243

Saúde da Universidade do Algarve para o Campus das Gambelas. “Os espaços

que temos são novos e ótimos, mas estão subdimensionados, mesmo para a dimensão atual do CBMR. Uma das prioridades desta nova direção é conseguirmos, 82


junto da Reitoria, mais espaços, porque não podemos estar limitados pela questão física. Nas atuais condições será praticamente impossível acomodar mais sete investigadores auxiliares e mais cinco ou seis alunos de 83

Doutoramento que virão por arrasto”, antevia o entrevistado. “Mas tenho a convicção de que a Reitoria será sensível às nossas necessidades e que nos ajudará dentro do que lhe é possível,

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porque a gestão dos espaços é sempre complicada”. Perante as dificuldades referidas, a que se somavam, no passado recente, as dores de cabeça para se arranjar alojamento na capital algarvia, a solução para se atrair novos investigadores e alunos de Doutoramento é ter uma ciência excelente. “Os investigadores

vão para os sítios onde têm oportunidade de construir a sua carreira, independentemente de todas as condicionantes. A habitação já era um problema quando eu vim para o Algarve e tem-se agudizado mais nos últimos anos, mas temos mais-valias que, se calhar, mais nenhuma região do país possui e que importam para a qualidade de vida das pessoas. O que é preciso entender é que a investigação feita nos centros tem de ser, de facto, de qualidade superior, tudo o resto se ultrapassa”, acredita Clévio Nóbrega. No entanto, essa imagem de excelência não pode ser alcançada à custa de pressas, de se ir por atalhos, de se avançar com excessiva velocidade. O Diretor do CBMR esclarece, porém, que a ciência, hoje, não pode demorar tanto tempo a produzir resultados como há 15 ou 20 anos. “Se demorarmos cinco ou

seis anos a escrever um artigo científico, já saíram 30 ou 40 relacionados com aquilo que estamos a fazer”, avisa, com um ALGARVE INFORMATIVO #243

sorriso. “Apesar disso, a ciência é

mais lenta do que outros processos e queremos lançar as bases para almejarmos ser um centro de excelência. Os investigadores do CBMR são realmente bons, mas acho que faltou uma visão para se construir as fundações para um centro forte a longo prazo. Pensou-se no imediato, nos ciclos de financiamento, que são fundamentais, mas não se pensou no que queremos para o Centro daqui a 10 anos”, lamentava o entrevistado. “Nós temos esta visão mais utópica e bonita da ciência do que desejamos alcançar daqui a uma década, que é importante, mas também temos os problemas do dia-a-dia para resolver, há que gerir os recursos humanos e financeiros. Sabemos que o trabalho é árduo, a confiança é muita, mas gostaríamos que a região reconhecesse mais o nosso papel. O CBMR tem sido fundamental para o sucesso do curso de Medicina da Universidade do Algarve, é uma parte integrante do novo Centro Académico de Investigação e Formação Biomédica do Algarve, ou ABC – Algarve Biomedical Center, e queremos continuar a contribuir para o crescimento do Algarve” . 84


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AFINAL, ROMEU E JULIETA ERAM DE OLHÃO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

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inda no rescaldo dos festejos do Dia Mundial do Teatro, recordamos mais um êxito do grupo olhanense «A Gorda», a peça «Hoje Não Há Teatro II». O enredo sintetiza a saga «Bailarinas e Pezinhes de Xumbe», no qual um pretenso encenador procura sem sucesso levar à cena histórias da literatura tradicional, conhecidas de todos, tentando convencer o público de que são escritas por si com base em factos verídicos passados em Olhão. Encenador que, recorde-se, no primeiro capítulo de «Hoje Não Há Teatro» era o varredor da sala de teatro. Na altura, chegado o dia da estreia, tudo falha e, na iminência de não haver espetáculo, o funcionário desenvolve um estratagema para ludibriar o público. Face ao sucesso inesperado, o varredor de lixo decidiu evoluir e, depois de tirar um curso rápido na internet, comprar um lenço e um cachimbo, regressou aos palcos para levar a cena a conhecida história de Romeu e Julieta. O problema é que, de novo na data de estreia, com a sala cheia de espetadores, tudo volta a correr mal. Primeiro falta o narrador, depois são os protagonistas principais que decidem não aparecer e, num desespero completo, o encenador decide transformar a estreia da peça num casting para escolher as personagens. Um casting em que aparece, sem aviso prévio, a mãe do encenador, bem como a filha da produtora e suas amigas, que têm à força que fazer parte da peça, e até um romeno com, alegadamente, formação do famoso teatro russo. Ingredientes mais que suficientes para garantir uma sessão muito bem disposta, mas também educativa, pois ficou-se a saber que Romeu e Julieta, e também o Rei de Marrocos, afinal de contas, eram todos de Olhão . ALGARVE INFORMATIVO #243

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LUM LANÇA «PRIMEIRO AMOR», MAIS UM ÊXITO DE «ZERO» Texto: Daniel Pina| Fotografia: Ruben Caeiro

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UM lançou, no final de março, o videoclip de «Primeiro Amor», e isso serviu de mote para recordarmos a entrevista dada, há precisamente um ano, à Revista Algarve Informativo. Porque primeiro foi «Mil Cores», em 2013, depois «Atmosfera», em 2015, e eis que chegava, a 8 de março de 2019, «Zero», do farense João Lum, que agora é apenas LUM, porque, ao iniciar uma nova fase da sua vida artística, quase como que a começar outra vez do zero, quer romper um pouco com o passado.

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“Andei os últimos três anos à procura de novas sonoridades, a tentar reencontrar-me como artista e como pessoa, a trabalhar com outras pessoas diferentes, e uma

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das primeiras mudanças foi apostar na marca «LUM». É uma evolução natural, mas também um recomeço”, justificou, à conversa nos Boxmusic Studios, em Faro, há precisamente um ano. Para trás ficaram dois discos, o primeiro bem conseguido, o segundo um pouco menos, na opinião do entrevistado, quiçá por ter tentado ir por caminhos que, na época, ainda não estavam bem cimentados. “A

eletrónica está muito mais assumida em «Zero», embora continue a ser acompanhado ao vivo por uma banda. É um disco com refrões fáceis de cantar, com melodias simples, procurei ser

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mais direto na minha escrita”, descreveu o seu pop-eletrónico, um estilo que está muito na moda e que encanta as novas gerações.

“Como é natural, não estou indiferente às tendências, mas tento sempre incutir a minha sonoridade naquilo que componho. Estes 11 temas continuam a ser o LUM”, garante. Um disco que demorou mais tempo a finalizar do que os seus dois antecessores porque LUM está mais experiente, sabe melhor o que quer, quis rodear-se das pessoas certas e tem consciência, acima de tudo, que a pressa é uma conhecida inimiga da perfeição. “As

pessoas não têm ideia do tempo que demora a fazer uma música de três, quatro, cinco minutos, ainda mais quando somos perfecionistas como eu. O problema é que, às vezes, usamos floreados a mais. A minha formação é de música clássica, gosto de ouvir coisas mais compostas, mas a verdade é que, hoje, a música consome-se a uma velocidade estonteante nas plataformas digitais. As novas gerações não 101

metem um CD a correr na aparelhagem, não se sentam no sofá a ouvir com atenção, não folheiam o booklet”, analisa o entrevistado. Neste cenário, ou a música capta a atenção logo no primeiro minuto, ou o ALGARVE INFORMATIVO #243


ouvinte carrega no next e está o assunto resolvido. Por isso, LUM tentou arranjar uma solução de compromisso, compor temas com qualidade, ao seu estilo e agrado, mas que também fossem chamativas, que prendessem, e isso, como se adivinha, é um processo demorado. “A simplicidade,

curiosamente, consegue ser bastante complexa”, diz, com um sorriso. Quanto à temática de «Zero», é o amor, muito amor, mas abordado de uma forma distinta do que nos outros discos.

“A linguagem e mensagem estão completamente diferentes em relação a 2015, até canções que escrevi há um ano agora parecemme desatualizadas. Está tudo a mudar constantemente”, reconheceu, acrescentando que, na parte das letras, continua a contar com a colaboração de Nuno Soares, mas outros nomes ajudaram na conceção de «Zero». O pop eletrónico é o que está na moda, mas também é o estilo com que LUM mais se identifica atualmente, assegura, porque ser honesto é um dos segredos mais importantes para se ter sucesso.

“Há dias em que venho para o estúdio, não para criar, mas apenas para ouvir e descobrir outras coisas que me acabam por influenciar, mas sempre fui verdadeiro comigo próprio. Sei que preciso utilizar este ou aquele som que se está a usar bastante agora, mas tenho que me sentir bem com o que componho. E há músicas que até funcionavam bem num álbum, mas não me via a ALGARVE INFORMATIVO #243

cantá-las ao vivo. Não ando aqui a forçar uma personagem diferente do João do dia-a-dia”, salienta o farense. E o certo é que o single «Perfeita» entrou de rompante para o top de vendas do iTunes e a canção «Não Voltes Mais» faz parte da banda sonora da novela «Alma e Coração» da SIC. “Nada acontece por acaso, as

coisas surgem porque há trabalho, empenho e verdade. Uma das mudanças mais significativas nestes últimos anos é ter um novo agenciamento, uma estrutura que me ajuda a alavancar o projeto, a entrar na televisão, a ter contrato com a Sony Music. São vários ingredientes que se juntaram, mas não estou à espera de megas tournées de 70 espetáculos num ano. Apenas quero que o maior número de pessoas ouça as minhas músicas e tocar ao vivo o máximo de vezes possível”. A aposta da Sony Music em «Zero» e o novo agenciamento foram, então, duas mais-valias enormes em relação a «Mil Cores» e «Atmosfera», duas edições de autor de João Lum que tiveram mais dificuldade em atravessar as fronteiras de Faro e do Algarve. “Fazer três ou

quatro espetáculos durante o Verão é muito pouco para um músico, já para não falar da banda que nos acompanha. Neste disco apontamos as baterias para as televisões e rádios nacionais, tudo 102


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o resto vem por acréscimo. A edição de autor é engraçada, e pode cair em graça, mas é muito difícil ter-se sucesso com ela no atual panorama musical”, admitia. O ano de 2019 foi, de facto, pródigo em novos projetos musicais nascidos em Faro, exemplos de Teresa Aleixo ou Mundopardo, entre outros, com LUM a ser um dos mais experientes no ramo, com um terceiro disco no mercado. Qualidade não falta, está visto, mas poucos artistas conseguem dar o salto para o patamar nacional, outros discos nem sequer saem da gaveta, uma realidade que não é fácil de encaixar. “São demasiadas condicionantes”, concorda o entrevistado, com um encolher de ombros. “Às vezes as

editoras até gostam do nosso trabalho, mas não pegam nele porque têm outros artistas em que precisam apostar naquele momento. Dizem-nos para tentar daqui a um ano ou dois, pode ser que haja uma oportunidade, que saiam de cena outros artistas. Quando temos um manager que nem precisa marcar reuniões, que faz um telefonema e as portas abrem-se, tudo é mais simples”, confessa. Grava-se o disco em estúdio, produz-se o CD físico, mete-se à venda nas lojas e nas plataformas digitais, mas engane-se quem pensa que o trabalho está feito. “O

promoção, mesmo sem saber se vai ter retorno. Há malta que leva uma vida inteira a mandar tiros no escuro e nunca tem a sorte de acertar no alvo. Depois, gasta-se milhares de euros a fazer um videoclip e não se contrata alguém para tratar da imagem, para gerir as redes sociais, para enviar notas de imprensa para as rádios, jornais e revistas. Ter 20 mil visualizações no You Tube não chega para vender espetáculos”, avisa, defendendo a necessidade de uma estrutura profissional para que tudo flua no mesmo sentido. No caminho certo seguiu «Zero», as vendas nas plataformas digitais são animadoras, passava todos os dias na televisão, pelo que as expetativas eram boas. “Já temos muitos concertos

marcados, mesmo não sendo aquele estrondo que bate logo lá em cima e é uma bomba. Acima de tudo, é preciso ter uma grande paixão e acreditar naquilo que se faz, e ter pessoas que também acreditem no nosso trabalho”, considera LUM, sem esconder o desejo de ir rapidamente para a estrada. “É

para tocar ao vivo que existimos. Temos um grande espetáculo preparado para os espaços ao ar livre, depois do Verão vamos pensar nos auditórios, com temas dos três discos”, finaliza .

músico tem que estar continuamente a investir na 105

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OPINIÃO E os Velhos, Senhor Paulo Bernardo (Empresário) uando era criança, a palavra idosa ou idoso não existia no meu Algarve Interior, apenas havia velha ou velho. Velhos esses que, na maioria, não deviam de ter mais do que a idade que eu tenho hoje, a esperança de vida era curta, graças a não existir muita coisa. Naquela altura, alguém ir ao médico, especialmente para um homem, era um ato de fraqueza. As mulheres iam mais facilmente, sempre as mulheres como fator de mudança, por irem ao médico mais cedo sempre viviam mais. No pós-25 de Abril, as casas do povo começaram a ter um médico para atender a população e aí os Velhos foram ganhando confiança. Depois surgiu o famoso médico da caixa e hoje já é um hábito mais que comum. Já se ouvem pouco aquelas frases trocadas no café entre duas minis e um medronho: “O meu pai foi a primeira vez ao médico com sessenta e cinco anos, olha não valeu de nada morreu dois meses depois, melhor lá não ter ido”; ou “Foi ao médico, a doença desenvolveu-se ALGARVE INFORMATIVO #243

logo, melhor não ter mexido”. Frases que eu ouvia da boca dos Velhos, as pessoas mais sábias para mim e também as que tinham paciência de aturar as minhas perguntas, contarem-me histórias e ouvirem as minhas histórias, para além de me darem um doce magnífico que aprendi a chamar de «Burro Carregado», ou seja, era uma fatia de pão, com azeite e sobre o azeite uma farta camada de açúcar amarelo. Três produtos raros na infância dos Velhos, pão, azeite e açúcar. E porquê falar agora dos Velhos? Para quê tanta explicação. Falo dos velhos porque, com o andar dos tempos, passamos de velhos, para terceira idade e idosos. Pegando na definição da Organização Mundial da Saúde, idoso é todo o indivíduo com 60 anos ou mais, contudo, há que considerar que a idade cronológica não é um marcador preciso para as alterações que acompanham o envelhecimento. Afinal, a palavra idoso surge para disfarçar a palavra envelhecimento, ou seja, velho. Fica mais politicamente correto ser idoso. Mas porquê eu falar de idosos, devia falar mais normalmente do Covid-19. Mas foi o Covid-19 que me fez pensar nos 108


idosos que não deixam de ser tratados como velhos. Entrei na página da Segurança Social, procurado entender o apoio à família, a chamada assistência à família, fiquei surpreendido pela positiva, pois, quer pais, quer avôs, têm o privilégio de poder dar assistência aos seus filhos ou netos sem perder rendimentos. Essa procura levou-me a procurar se os filhos ou netos poderiam dar assistência aos avôs. Qual não foi o meu espanto que, poder podem, mas já são faltas não remuneradas, ou seja, quem trata uma

criança é remunerado, quem trata um idoso já não é remunerado. Assim, os idosos continuam abandonados e a ser tratados como velhos. Bem vemos que, afinal, o idoso não passou de uma forma mais bonita de dizer velhos. Espero que, após a passagem do Covid-19 se olhe para quem tratou dos filhos e dos netos, para que possam ser tratados pelos mesmo sem ninguém ser penalizado. Pois eles são os principais transmissores de histórias e experiência. Uma Santa Páscoa Para Todos .

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OPINIÃO Eu sou um grande mentiroso, disse Fellini Mirian Tavares (Professora) “A vida é uma combinação de magia e esparguete”. Federico Fellini cinema sempre foi, para mim, uma paixão. Lembro-me da primeira vez que os manos me levaram a ver um filme, tinha uns 2 anos. E se a memória não me falha, foi no Cinema Moderno e o filme era Snoopy volte para casa. Mas a memória pode sempre nos trair ou nós podemos traí-la, escolher, dentre tantas, aquelas que queremos que permaneçam, as que dividimos, divulgamos. As que contam muito de nós, mesmo que sejam mentiras ou meia-verdades. Era por isso que Fellini dizia ser um grande mentiroso: inventou uma biografia credível que se tornou palpável em cada filme, composto de memórias – verdadeiras ou falsas. De verdades ou de mentiras. Ele disse que fugiu com um circo, quando era ainda um menino. E que foi gerado numa viagem de comboio. Ambas são mentiras, mas não interessa, pois afinal, a sua cinematografia foi ALGARVE INFORMATIVO #243

construída sobre ele mesmo, que é composto de memórias, umas criadas e outras quase verdadeiras. Porque é disto que se faz a boa ficção. Quando escrevo o que vivi, reinvento a minha história e é uma forma de negociar com a memória, de dizer-lhe que dela, só guardo o que me apetece, mesmo que nas noites mal dormidas, os pedaços que deixo de lado me venham visitar. A primeira vez que fui a uma psiquiatra ele me disse algo que parecia óbvio: não podemos deixar o passado tomar conta de nós. Não se pode negá-lo, mas podese fazer opções que negam o seu peso no nosso presente. E foi por isso que procurei uma psiquiatra – lembrava-me dum livro sobre o Federico Garcia Lorca em que ele dizia que tinha sido uma criança «abandónica», não abandonada, pois a mãe esteve sempre lá. Mas era depressiva e fechava-se no seu universo próprio em que o filho apenas pairava, mas não tinha propriamente um lugar. Tive depressão pós-parto e não queria um filho abandónico, queria estar bem e 110


inteira para o gesto mais duro, mais difícil e mais gratificante do universo – criar uma pessoa. Mas o que a psiquiatra me disse, já fazia parte de mim, do meu passado busquei sempre guardar os momentos mais doces, e foram tantos como os banhos de chuva que tomávamos, as brincadeiras na casa dos avós que viviam ao nosso pé, o sabor das mangas, ainda verdes, que o outro avô trazia da fazenda, a primeira vez que li um livro. Aprendi a ler porque queria muito ler um poema do Casimiro de Abreu que estava publicado numa coleção de capa dura, lombadas vermelhas e letras douradas: O Mundo da criança. Pedia a todos que mo lessem, vezes sem conta. E aprendi então a ler, sozinha, os versos que diziam: Ai que saudade que tenho, da minha infância querida… Tinha eu 3 anos e nem devia saber o que era saudade. Mas a imagem de um miúdo sob uma árvore e a cadência do poema, seu tom nostálgico, embalavam-me e nunca o esqueci. Ou se calhar nada disso é verdade e, como Fellini, sou uma grande mentirosa. Mas seja como for, 111

Foto: Victor Azevedo

acredito que a vida é o que fazemos com ela hoje. E o passado é um lugar que devemos visitar com precaução e com um mapa que nos indique onde devemos parar para seguirmos em frente . ALGARVE INFORMATIVO #243


OPINIÃO Do Reboliço #79 Ana Isabel Soares (Professora) ram dois cães, mas o Reboliço só vira um. Havia dias que observava, manhã cedo – quando lhe abriam a portada e ficava a transparência do vidro a impedir-lhe o instinto –, de orelhas que não se podiam esticar mais e um tremelicar do coto da cauda, uma minúscula lebre. Saltava lá adiante, junto à rede, passada a figueira grande e a moita de papoilas (onde se escondia nos passeios curtos que dava, e para onde com mais curiosidade ficava a olhar o Reboliço), da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, e naquilo andava, inocente a instigar o bicho dentro da casa. E era que não apenas lhe remexia o instinto que qualquer cão tem de perseguir e apanhar lebres – juntava a essa caçadora inquietação outra, talvez de maior gravidade, ou, pelo menos, de responsabilidade maior, a de guardador. Atrás da lebrezinha, todas as manhãs visitavam o monte, rigorosa e insolentemente, dois ou três cães do monte vizinho. Os humanos habitantes daqueles dois montes sempre se deram bem: companheiros, entreajudavam-se se havia uma ou outra tarefa de peso, ofereciam-se das respetivas hortas, partilhavam o que houvesse a partilhar. Vizinhanças de verdadeiro compadrio, que tinham acompanhado o crescer da moçada de cada um dos lados. Agora os cães era outra conversa: este couto é meu, este couto é teu, não havia cá partilhas, ajudas, confusões, nem bom-dia-compadres. Por isso, ALGARVE INFORMATIVO #243

enquanto lhe não abriam a porta da rua e se contentava em vê-la da vidraça, o Reboliço agitava-se todo por não poder exercer duas das principais razões do seu existir: uma que tinha mais reprimida, por não lhe ser necessária (o alimento que comia era-lhe servido de bandeja – gamela, mas luxo na mesma); a outra, na verdade dispensável junto ao moinho, dado o serviço do cão da rua, o grande que era o de guarda, mas essencial cá em baixo na e em redor da casa. Poucas vezes se lhe ouvia um latido, e era naquelas ocasiões: apareciam os perros, corriam para o lugar da lebre, caudas no ar e focinhos pelo chão a farejar, e o Reboliço avisava para dentro. “Olha-os, aí andam eles atrás da lebrinha – o canito já os topou”, ouvia dizer ao ainda estremunhado, mas já divertido moleiro. Certa manhã enevoada, caíam doces – era abril – os restos da nuvem única em que estava feito o céu, estava já a porta aberta para deixar entrar a aragem e o canto dos pássaros, e o Reboliço no sossego do poial a apreciar, abrigado, a Primavera, passou, vindo do lado da estrada como se fosse flecha que de lá atirassem, um grande cão cinzento, com manchinhas brancas mal pintalgadas e um ar ao mesmo tempo de desnorte e decisão (era o tamanho, pensou o Reboliço, que lhe dava a audácia). Do seu lugar de atalaia, livre para correr atrás do invasor, mas preso pelo temor de uma interrogação, o Reboliço ao mesmo tempo decidia que o bicho andava ao cheiro da lebre, mas desnorteava-lhe não reconhecer 112


Foto: Vasco Célio

de entre os do monte vizinho aquele, em particular, cão. Ficou a observar-lhe os movimentos (a lebre, nesse dia, ainda ou já não se deixara ver), a medo, mas acabou por se encher de coragem e avançar para cumprir o serviço que dele se esperava. Saiu da casa e rodeou o jardim na direção da nespereira e da árvore do sabugueiro, para não ir a direito, mas de surpresa, e latiu. O outro, nem meia – ligou foi a um ladrar forte, que gelou o Reboliço, porque vinha de perto: mas era do lado de lá da rede, soava do meio da seara. Teve de se pôr nas patas de trás para ver além das pedras junto à vedação, e percebeu um cão igualzinho ao atarantado que tinha ali nos seus domínios. Parado entre o trigo verde, o corpo apontava para a 113

estrada grande, para Sul, enquanto o focinho girava para o monte do Reboliço, para o irmão, ou companheiro, o que fosse, que se perdera e penava para achar um buraco naquele obstáculo. A desorientação durou poucos segundos: sobreveio-lhe o sentido da viagem que o muro metálico quase interrompia, o bicho recuou três passos e o Reboliço viu retesar-se a tal flecha que impelira o estranho rua do seu monte adentro: as patas de trás ainda roçaram o metal, mas já lá ia – e à frente dele o outro, abrindo um rego no meio das espigas . * Reboliço é o nome de um cão que o meu avô Xico teve, no Moinho Grande. É a partir do seu olhar que aqui escrevo. ALGARVE INFORMATIVO #243


OPINIÃO Safe, Safe, Safe… Survive, Survive, Survive Alexandra Rodrigues Gonçalves (Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve) ivemos a calamidade. Estamos em desintoxicação do estilo de vida moderna. Temos a vida condicionada. O Covid-19 chegou depressa e colocou em causa tudo o que tínhamos como certo. As previsões económicas eram as melhores em relação ao fecho do ano de 2019. A Europa vivia momentos de equilíbrio financeiro, ainda que, com perspectivas de algum abrandamento. O Turismo assumia-se para o nosso país como uma força motriz da economia. Nos últimos dias, o Turismo a nível nacional e internacional tem estado no centro de alguns webminars, em que as previsões de quebra mais pessimistas apontam para uma redução do Produto Interno Bruto de 9 por cento e as mais animadoras, no intervalo mais elevado, falam de 3,5 por cento (isto sem falar de outras visões catastróficas). Sabemos muito pouco sobre o que vai acontecer, mas temos alguma noção que vai ser um ano violentíssimo em termos dos impactos gerados no emprego, nas empresas, nas famílias e que estas ALGARVE INFORMATIVO #243

gerações nunca viveram nada semelhante. No Turismo, temos já alguns estudos que apontam que os padrões de viagem vão mudar. Outros acreditam que não será tanto assim e que no médio, longo termo, tudo regressará. Acredito que o comportamento das pessoas irá mudar e nos primeiros tempos evitarão tudo o que tenha muitas pessoas ou grandes aglomerados. As consultoras internacionais avançam que o problema maior será da falta de confiança inicial que afastará pelo menos por um ano, os mercados de longo curso. A insistência no mercado interno (nacional) numa primeira fase e numa segunda fase nos mercados vizinhos e de proximidade parece-nos uma análise adequada. Todavia, esta é uma questão que para Portugal é ainda mais preocupante, pois o impacto nas famílias desta calamidade vai ser enorme e a sua capacidade económica vai ser bastante retraída. Saúde, Segurança e Turismo Nas noções elementares de gestão e planeamento de destinos, espaços e equipamentos, a segurança é uma questão central. Na literatura da área os dois conceitos que em Português se unem 114


sob a mesma palavra – segurança – dividem-se em «safety» e «security». No primeiro conceito enquadram-se os acidentes ou incidentes aleatórios indesejados que acontecem como resultado de uma ou mais coincidências, 115

enquanto o conceito de «security» inclui a protecção contra incidentes programados que acontecem devido a um resultado de ato deliberado e planeado. As ameaças de terrorismo ou de actos com intervenção humana ganharam, neste segundo caso, ALGARVE INFORMATIVO #243


especial relevância de 2001 em diante, com os atentados às torres gémeas. Agora chegou a vez, por via deste evento drástico da «pandemia», de se renovar o conceito de «safety», que irá marcar a vida futura globalmente. A nossa segurança e a nossa saúde serão assuntos prioritários de todas as agendas. O sítio da internet da Organização Mundial de Saúde (OMS) inicia uma das suas páginas com a afirmação: “A saúde de todos os povos é fundamental para o alcance da paz e da segurança, e depende da maior cooperação de indivíduos e Estados. Pandemias, emergências na saúde e sistemas de saúde fracos não só custam vidas, mas representam enormes riscos para a economia global e a segurança de hoje. Além disso, a cobertura universal em saúde e a segurança em saúde são dois lados da mesma moeda: o melhor acesso aos cuidados de saúde e os sistemas de saúde reforçados fornecem uma forte defesa contra ameaças emergentes, sejam elas naturais ou feitas pelo homem”. Ninguém terá hoje coragem de colocar em causa a importância do que aqui se transmite e as consequências representam a perda de vidas humanas. A OMS tem uma longa relação com a saúde e a segurança e desde sempre que reconhece que, "[a] saúde de todos os povos é fundamental para o alcance da paz e da segurança e depende da mais completa cooperação de indivíduos e Estados” (https://www.who.int/healthsecurity/en/). Estas afirmações passam a ser vistas de outra forma, perante as evidências.

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A agência especializada do Turismo para as Nações Unidas espera que as chegadas internacionais de turistas decresçam 20 a 30 por cento a nível mundial em comparação com 2019, ou seja, menos 300 a 400 mil milhões de dólares americanos de receitas. A Organização Mundial do Turismo já criou um Comité Global de Combate à crise no Turismo e está a trabalhar com a Organização Mundial de Saúde. A nível nacional vão-se conhecendo as propostas do Governo em termos de política nacional e sectorial. Algumas medidas parecem não ter enquadramento na realidade do tecido empresarial e apontam-nas como insuficientes. A procura está zeros neste momento, e as micro e pequenas empresas quase todas de portas fechadas e sem qualquer rendimento. Mundialmente, as pequenas e médias empresas representam 80 por cento dos fornecedores de serviços em Turismo. Pensemos nas empresas de animação turística, na restauração, no alojamento local nos táxis e em tantos outros prestadores de serviços complementares ao Turismo. Estamos assim na fase de «sobrevivência» que ainda se prolongará por algum tempo e em que a segurança passou a ter um novo significado, determinando e moldando toda a nossa forma de viver. A mitigação dos impactos e o planeamento da recuperação tem de ser imediata e no caso do Algarve requer concertação regional. A nossa resiliência habitual vai prevalecer . 116


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OPINIÃO «Sara», a Imperdível Série Portuguesa Vera Casaca (Argumentista e Realizadora de Cinema) á tinha ouvido falar desta série, mas não estava mesmo à espera que «Sara» fosse tão especial. Esta série vai ressoar ou ressuou em particular com todas as pessoas que trabalham na área do audiovisual. Mas não é exclusivamente do agrado deste grupo, pois, como descrito no site da RTP, «Sara» é uma “sátira ao meio audiovisual português e, em particular, ao mundo da televisão”, mas as críticas mordazes são deliciosamente divertidas e farão qualquer espetador rir-se. A personagem Sara é interpretada por Beatriz Batarda – um peso pesado do cinema. Batarda é praticamente uma menina prodígio do cinema que ainda no início da sua carreira trabalhou com realizadores como Manoel de Oliveira e Margarida Cardoso. Sara é uma atriz que se encontra mais uma vez no processo de filmagens de um filme «de autor» português, mas desta vez não consegue chorar. O realizador pede que, na cena, Sara se imagine figurativamente “como um corvo sem asas”, e lança-se numa série ALGARVE INFORMATIVO #243

de metáforas incompreensíveis para que esta chore. Com tamanha pressão, a atriz explode, e decide sair do set depois de um espetáculo histérico perante toda a equipa de filmagens. Assim, Sara entra numa jornada de reflexão sobre o seu percurso profissional e sobre as suas emoções. A enredo secundário é pesado e traz veracidade à personagem. Sara tem um pai numa cadeira de rodas e é responsável por cuidar das suas necessidades. Mais tarde (spoiler!), descobrimos que o pai se encontra neste estado por culpa de Sara, ou melhor, Sara culpa-se a si mesma. Pontuada com estes elementos mais penosos, é aqui que a série «Sara» vinga, pois não há comédia sem tragédia. Desde os egos dos atores, o aproveitamento das suas vidas pessoais pelas revistas cor de rosa para os aumentos dos «shares» nacionais, ao ridículo de colocarem à martelada produtos e marcas comerciais para publicidade nos episódios das novelas, esta série é um retrato muito interessante deste estranho mundo. Mas calma, as novelas são tão ridicularizadas como o grande «cinema português» que parece muitas vezes não 118


sair do dramalhão depressivo ou do estilo «À la Oliveira». Na série fazem-se algumas observações que nos fazem reflectir… As novelas não são boas? São um género inferior ao cinema? É que pelo menos as pessoas veem-nas, enquanto ninguém põe os pés nos cinemas para ver filmes portugueses… A ideia original partiu de Bruno Nogueira, ator/comediante com uma grande bagagem. A ideia foi desenvolvida com outros autores e depois realizada por Marco Martins – que revelou um outro lado enquanto realizador num género diferente. E sem dúvida que alguns elementos da série retratam vivências experienciadas por Beatriz Batarda. Fica aqui a recomendação para quem ainda não viu, prometo que não se vai 119

arrepender. Está disponível de forma gratuita na RTPplay e está a passar na RTP2 . ALGARVE INFORMATIVO #243


OPINIÃO Palavra-chave: «Resiliência» João Ministro (Engenheiro do Ambiente e Empresário) chegada da epidemia trouxe com ela um vasto espectro de danos económicos que começam a revelar-se muito sérios. Demasiado. Ninguém sairá incólume desta crise, seja porque viu alguém conhecido adoecer (ou, infelizmente, a falecer), porque mudou radicalmente o estilo de vida – mesmo que temporariamente – ou porque viu o seu negócio ser fortemente afectado. No Algarve, apesar dos números da epidemia serem actualmente mais baixos comparativamente aos de outras regiões, a economia vai ser tanto ou mais afectada do que nessas demais zonas do país. E o Turismo será claramente o sector mais atingido. É um dado adquirido, tanto aqui, como em todo mundo. O fenómeno é global e repercute-se da mesma maneira. As entidades governamentais, conscientes disso, rapidamente avançaram com pacotes de ajudas para as famílias e empresários. E bem. Mas, como diz o ditado popular, «a procissão ainda vai no adro» e vamos ver como sairemos desta avalanche. Os números que vão surgindo da parte de diversos organismos internacionais, consultores e ALGARVE INFORMATIVO #243

empresários revelam bem o impacto que o Covid-19 está a ter no turismo: companhias aéreas à beira da falência (ex. British Airways suspendeu 36 mil postos de trabalho; a Lufthansa considera encerrar Germanwings; Transavia suspendeu toda a sua actividade; TAP só voa para Açores e Madeira, etc.), hotéis fechados praticamente a 100 por cento, sem data ainda para reabrir; operadores turísticos internacionais a cancelarem, suspenderem e adiarem milhares e milhares de programas, afectando fortemente toda a cadeia de valor a montante (restauração, animação turística ou transportes). O cenário que se vislumbra, a curto prazo, é quase catastrófico. Porém, sabemos que o turismo é resiliente e que irá voltar. Mas quando e como? Esta é a questão que muitos pagariam para saber, mas que infelizmente não é possível ter resposta. Mas sabemos algumas coisas: que o turismo interno será o primeiro a recuperar; que a hotelaria, de entre os vários sectores desta industria, será aquele que mais rapidamente verá a sua actividade emergir (mesmo que lentamente); que após a quarentena, as pessoas sentirão ansia e necessidade de deslocar-se e contactar com espaços naturais, ambientalmente saudáveis e puros; ou que o turismo internacional 120


levará bastante mais tempo a regressar ao destino, face a todas as vicissitudes desta pandemia. Sabemos também – e isto é fundamental perceber – que o turismo em si, vai sofrer mudanças comportamentais. Haverá mais receio em voar; as preocupações com segurança e higiene serão maiores; os destinos de massas irão ser encarados com maior desconfiança; as questões de sustentabilidade e protecção ambiental vão estar no topo das preocupações dos turistas; e, ainda neste capítulo, a indústria dos transportes aéreos terá de reajustar-se: mais pessoas optarão por reduzir a sua pegada carbónica e deixarão de viajar tanto de avião, haverão menos rotas aéreas e os voos serão, no futuro próximo, mais caros. Tudo isto tem de estar bem presente na discussão e nas estratégias que 121

venham a ser implementadas na região em torno do desenvolvimento do turismo e de todo o território em si. ALGARVE INFORMATIVO #243


No entretanto, teremos de ser resilientes. E muito. Especialmente – e aqui uma palavra de alento para os colegas de profissão a operar no Algarve – para a animação e operação turística. Estes são, por ventura, os agentes que mais sofrerão com a crise provocada pelo coronavírus no turismo. Especialmente aqueles que, como eu, trabalham quase em exclusivo com mercado internacional. O regresso à normalidade que conhecíamos levará bastante tempo. Até lá teremos de ser capazes de nos reinventar, readaptar,

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reajustar e imprimir mudanças nas nossas estruturas que nos permitam preservar a actividade e o nosso preciso capital humano face aos meses vindouros de «deserto» que se avizinham. O Turismo de Natureza será dos primeiros segmentos a recuperar e vai ter, certamente, maior procura no futuro. Os indicadores e as opiniões assim o prevêem. Sejamos, assim, resilientes, criativos e colaborativos no sentido de ultrapassar esta difícil fase. O Turismo precisa de nós e nós dele .

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OPINIÃO A Peste que criou o mundo Nuno Campos Inácio (Escritor e Editor) “Portugal esteve em todo o mundo. Só há um lugar em que Portugal não esteve: na Europa”. Agostinho da Silva pensamento de Agostinho da Silva, que na minha perspectiva mantém-se correcto, tem uma razão histórica: Portugal e os Reinos Ibéricos nunca foram aceites como europeus, nem nunca se sentiram europeus. Na antiguidade, o território ibérico era visto como o fim-domundo e como finisterra permaneceu, até que portugueses e espanhóis, açoitados pela peste e abandonados pela Europa, souberam tirar proveito da sua localização estratégica e desvendaram novos mundos ao mundo. A descoberta de um mundo novo deu, provisoriamente, uma nova centralidade ibérica à Europa, rapidamente desviada para os países do Norte, mais populosos e com mercados maiores. Aproveitando o comércio, a Europa rapidamente se apoderou de novos territórios e iniciou guerras, ataques e invasões à Península Ibérica. Apoiou a independência de colónias portuguesas e espanholas, ao mesmo tempo que iam ampliando os seus impérios.

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Em finais do Século XX, a Europa decidiu que era chegada a hora de olhar para os países ibéricos como europeus de facto. No entanto, essa benevolência nunca foi genuína. O que separa a Península Ibérica da Europa não é apenas a barreira física dos Pirenéus, é toda uma forma de ser e de estar, natural para nós e incompreensível para os outros, criada pelo acumular de séculos de isolamento e conflito. Jamais nos tornaríamos europeus em duas ou três gerações; jamais seríamos recebidos como europeus em duas ou três gerações. Três décadas depois, a divisão entre «nós» e «os outros» já não consegue ser mascarada. A Europa do Norte não consegue ultrapassar o estigma de ter sido o Mediterrâneo o berço da modernidade europeia; da mesma forma que os países do Sul não conseguem deixar de olhar para a Holanda como os genuínos herdeiros das tendas bancárias judias do Renascimento, para quem toda a solidariedade tem inerente um retorno acrescido de juros. A União Europeia idealizada a partir de uma manta de retalhos demonstrou que nunca foi mais do que isso: um acumular de retalhos, de unicidades, de interesses próprios. E essa divisão é ainda mais 124


evidente relativamente aos povos ibéricos. Quando a pandemia de Covid19 terminar e o povo de cada uma das unicidades tiver liberdade de manifestação, a União Europeia será posta em causa, não pelos líderes e políticos dos vários países, mas pela população que despertou consciências. Os custos que a Europa nos exige para que sejamos europeus está a deixar de compensar o termos abdicado de uma cidadania global, de uma entidade multicultural e multiétnica. Como no Século XV, uma pandemia obrigará a Península Ibérica a procurar novos rumos e eles estão onde sempre estiveram: na essência ibérica, nas duas línguas ibéricas, na cultura ibérica. O futuro de Portugal e de Espanha passa necessariamente pela criação de uma nova comunidade ibérica, não confinada aos dois países, mas a todas as comunidades de língua portuguesa e castelhana do mundo. Essa é uma comunidade com 31 países e mais de 750 milhões de habitantes, com ligações históricas privilegiadas com grandes potências como os países da América do Norte, China, Índia, Rússia, Japão e os estados que compõem a Commonwealth. Sem paternalismos, sem estigmas e sem arrogâncias, usando apenas a influência das teias de ligação criadas ao longo de cinco séculos, a Península Ibérica poderá vir a retomar o seu estatuto de «quase Europa», de jangada de pedra, que se agiganta quando se faz ao mar e se minimiza quando é amarrada à terra. Começamos com Agostinho da Silva e poderemos concluir com esse mesmo pensador, de origens algarvias:

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“Do retângulo da Europa passámos para algo totalmente diferente. Agora, Portugal é todo o território de língua portuguesa. Os brasileiros poderão chamar-lhe Brasil e os moçambicanos poderão chamar-lhe Moçambique. É uma Pátria estendida a todos os homens, aquilo que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora, é essa a Pátria de todos nós". Esta nova caminhada que se avizinha será mais fácil se unir a essência ibérica. ALGARVE INFORMATIVO #243


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DIRETOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina (danielpina@sapo.pt) CPJ 3924 Telefone: 919 266 930 EDITOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil SEDE DA REDAÇÃO: Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil Email: algarveinformativo@sapo.pt Web: www.algarveinformativo.blogspot.pt PROPRIETÁRIO: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Contribuinte N.º 211192279 Registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o nº 126782 PERIODICIDADE: Semanal CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Daniel Pina FOTO DE CAPA: Hugo Ferreira Poeira A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista regional generalista, pluralista, independente e vocacionada para a divulgação das boas práticas e histórias positivas que têm lugar na região do Algarve. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista independente de quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou culturais, defendendo esse espírito de independência também em relação aos seus próprios anunciantes e colaboradores. A ALGARVE INFORMATIVO promove o acesso livre dos seus leitores à informação e defende ativamente a liberdade de expressão. A ALGARVE INFORMATIVO defende igualmente as causas da cidadania, das liberdades fundamentais e da democracia, de um ambiente saudável e sustentável, da língua portuguesa, do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade, concedendo voz a todas as correntes, nunca perdendo nem renunciando à capacidade de crítica. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelos princípios da deontologia dos jornalistas e da ética profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. ALGARVE INFORMATIVO #243

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