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ALGARVE INFORMATIVO Revista semanal - 2 de maio, 2020
JOÃO FERNANDES CONFIANTE NA RECUPERAÇÃO DO ALGARVE «BROTHER» | «CARTAS PARA ABRIL» | «IMPROVÁVEL» | «MARGEM» 1 ALGARVE INFORMATIVO #246 «GERAÇÃO FACEBOOK» | SAM THE KID, MUNDO SEGUNDO E NAPOLEÃO MIRA
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10 - João Fernandes
40 - «Margem» ALGARVE INFORMATIVO #246
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OPINIÃO 108 - Paulo Cunha 110 - Paulo Bernardo 112 - Mirian Tavares 114 - Adília César 118 - Ana Isabel Soares 120 - Fábio Jesuíno 122 - Luís Matos Martins 124 - Augusto Pessoa Lima
96 - «Geração Facebook»
70 - «Cartas para Abril»
84 - Sam the Kid, Mundo Segundo e Napoleão Mira
26 - «Brother» 5
58 - «Improvável» da ACTA ALGARVE INFORMATIVO #246
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“À SEMELHANÇA DO QUE SUCEDEU NOUTROS DESAFIOS, ENCONTRAREMOS RESPOSTAS E NOVAS SOLUÇÕES, ESTANDO TODOS JUNTOS NESTE PROCESSO”, AFIRMA JOÃO FERNANDES Com Portugal a preparar-se para tentar regressar à normalidade, a partir de maio, ainda que com muitas restrições e cuidados, estivemos à conversa com João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve e da Associação de Turismo do Algarve, para saber quais os efeitos do covid-19 sobre o principal motor da economia portuguesa. Da preservação de empresas e postos de trabalho à recuperação económica, do impacto da pandemia na imagem do destino aos Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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turismo é, sem dúvida, o grande motor da economia algarvia, mas não só, de todo o país, e foi também um dos setores mais afetados pela pandemia do covid-19 que chegou a Portugal no início de março. Um fenómeno com impactos em todas as realidades geográficas, pelo que o Algarve não poderia ficar a ele alheio, refere João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve e também da Associação de Turismo do Algarve, perfeitamente consciente do difícil ALGARVE INFORMATIVO #246
desafio que o território, suas gentes e empresas, tem pela frente. “Desde
final de fevereiro que se começaram a verificar cancelamentos de reservas para períodos futuros, uma situação que se acentuou em março. Isto quando o Algarve vinha a apresentar excelentes resultados em janeiro e fevereiro”, relata o entrevistado, recordando que, no acumulado, e de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatísticas, o Algarve estava a crescer 14,6 por cento em número de hóspedes em relação a período homólogo do ano transato. 12
por falta de procura”, descreve Os passos firmes dados para se continuar a atenuar a sazonalidade do turismo algarvio caíram, porém, por terra e, segundo a AHETA – Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, o primeiro trimestre já indicava uma perda de volume de negócios de 1,6 por cento. “Sabemos que o mês de
abril retrata uma realidade em que a oferta está praticamente fechada, à exceção de algum alojamento turístico que está a acolher profissionais de saúde, assim como idosos de lares que tiveram de ser realojados. Na restauração, também a maioria dos estabelecimentos está encerrada, embora alguns se tenham conseguido adaptar ao modelo de takeaway. As quatro marinas internacionais existentes no Algarve são portas para o mundo e não estão disponíveis as saídas de embarcações, de modo que as marítimo-turísticas estão sem atividade, apesar das marinas conservarem todas as suas funcionalidades do ponto de vista de reparações e do atendimento dos clientes, com as devidas cautelas sanitárias. Os golfes já estavam fechados, por precaução e por iniciativa própria, antes do segundo decretar do Estado de Emergência, que também ditou o encerrar dos parques de campismo. E as empresas de animação turística e agências também estão inativas 13
João Fernandes. Perante este cenário, a realidade que se avizinha é de uma retoma progressiva, com o Primeiro-Ministro António Costa a apelar a que, nas férias de Verão, se privilegia o território nacional. Do mesmo modo, o Comissário Europeu para o Mercado Interno também já expressou a esperança de que se possa viajar dentro da Europa neste Verão, que haja uma retoma da atividade das companhias aéreas. “A Secretária de
Estado do Turismo, o Ministro da Economia, o Turismo de Portugal, as Entidades Regionais e as Associações Profissionais estão a trabalhar num calendário de reabertura, para que essa progressividade se faça ao longo de maio e junho, por forma a garantir que estejam implementados os protocolos sanitários para cada atividade, assegurando, assim, a segurança dos profissionais, residentes e visitantes. E permitindo igualmente, não só o distanciamento social, como também a higienização e desinfeção dos espaços e equipamentos, assim com a responsabilidade individualidade e o uso de equipamentos de proteção individual”, declara João Fernandes.
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Estudam-se, portanto, “medidas concretas e razoáveis”, frisa o entrevistado, lembrando que o Algarve, múltiplas vezes considerado como Melhor Destino de Praia da Europa, tem a responsabilidade acrescida de estar na vanguarda em termos de garantia de segurança no usufruto dos seus espaços públicos e empreendimentos turísticos. E a verdade é que o Algarve, apesar de muitos vaticínios pessimistas, conseguiu lidar bem, no passado recente, com fenómenos como o Brexit, a falência de companhias aéreas ou a greve dos transportadores de matérias perigosas.
“Antes do referendo para o Brexit, ninguém acreditava que o Reino Unido iria sair da União Europeia. Antes das greves dos motoristas de matérias perigosas, no período da Páscoa e no meio de agosto, a maioria de nós desconhecia a relevância e a capacidade de parar o país de um subsetor. A maioria de nós não esperava a falência de mais de 30 companhias aéreas em dois anos. Mas sempre fomos capazes de juntar a capacidade que temos de ser metódicos e de planearmos, à aptidão de sermos rápidos a adaptarmo-nos a novas circunstâncias”, enaltece João Fernandes, considerando que para tal contribui a forma de estar dos portugueses e das organizações nacionais no seu todo. “É algo que agora tem
sido reconhecido internacionalmente, sermos capazes de implementar 15
rapidamente medidas e da própria população ter um comportamento que é difícil verificar-se em países que dizem ser mais organizados do que Portugal. Mas tudo isso é possível por possuirmos, por exemplo, uma estrutura de acolhimento turístico que é altamente qualificada, o que nos permitiu aplicar depressa planos de contingência”, sublinha. Assim sendo, João Fernandes mostrase confiante de que Portugal conseguirá também adotar protocolos sanitários nas diferentes atividades no período após o Plano de Emergência, um ativo que possibilitará, no seu entender, uma retoma com maior capacidade de atração de investimento. “As pessoas, quando
investem, querem fazê-lo num local seguro, que já demonstrou que é capaz de ultrapassar adversidades e manter a estabilidade. Num sítio onde as pessoas querem residir, estudar ou visitar de férias”, reforça. “Obviamente que não queremos o mal dos nossos concorrentes, porque são nossos vizinhos, são pessoas como nós, pelo que desejamos que tenham o melhor desempenho possível. É um facto que Portugal estava na moda, do ponto de vista turístico, mas também pela própria retoma económica que tínhamos em ALGARVE INFORMATIVO #246
curso, pela forma como lidamos com os estrangeiros residentes, pelo nosso posicionamento diplomático internacional. E soubemos capitalizar esses ativos, mesmo em tempos de crise. Aliás, até se nota um upgrade na forma como o mundo olha para Portugal, uma conquista de que todos os portugueses se devem orgulhar”.
MEDIDAS EXISTENTES SÃO PARA O PRIMEIRO CHOQUE Para que haja retoma é necessário que não se perca capacidade instalada, que não desapareçam empresas ou postos de trabalho, motivo pelo qual o Governo avançou rapidamente com um pacote de apoios ao Turismo, que, entretanto, foi reforçado e está já no terreno. João Fernandes aponta, todavia, que nenhum país do mundo estava preparado para o Covid-19, que não existia um guião de como atuar perante esta pandemia. Por essa razão, as medidas aplicadas em Portugal são semelhantes às adotadas pelos restantes países do velho continente, depois de aprovadas pela União Europeia. “Muita gente coloca
em causa o facto da maioria das iniciativas de apoio financeiro às empresas serem na modalidade de crédito, ao invés de subsídio nãoreembolsável, mas existem regras específicas para não se violarem as leis da concorrência. As primeiras medidas foram dirigidas à emergência da tesouraria das ALGARVE INFORMATIVO #246
empresas, que precisam de dinheiro em caixa para atenderem aos seus compromissos com fornecedores e trabalhadores; e medidas de manutenção da capacidade produtiva, dos postos de trabalho, mesmo não se sabendo quando e como se dará a retoma. Todos nós vaticinamos os próximos tempos, mas todos nós caminhamos com muita base de desconhecimento, e falo da Humanidade, não somente de Portugal”, manifesta o presidente da Região de Turismo do Algarve. Da primeira fase de apoios fizeram parte, igualmente, a flexibilização das responsabilidades fiscais e contributivas de empresas e trabalhadores, mas também das responsabilidades para com as instituições bancárias. As medidas foram evoluindo porque o conhecimento foi ele próprio evoluindo e João Fernandes considera que o governo português está a trilhar o caminho certo e que tem disponibilizado os recursos que consegue granjear junto da União Europeia. “Claro que há óbvias
necessidades das empresas de que o processo de transferência de apoios seja mais ágil. Na RTA criámos um Gabinete de Apoio ao Empresário para trabalhar com os microempresários, divulgando as medidas disponíveis, 16
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aconselhando, prestando consultadoria, para que optem pelas melhores soluções e que consigam descodificar algumas mensagens mais técnicas que outras organizações veiculam. E tem existido uma articulação permanente com a Segurança Social no que toca à questão do lay-off”, destaca João Fernandes. “O Turismo de Portugal avançou igualmente com uma Linha de Apoio à Tesouraria das Microempresas, que não tem como intermediárias as instituições financeiras, não tem juros e é apreciada com um sistema simplificado. A maioria dos critérios que as empresas precisam verificar para serem elegíveis são ALGARVE INFORMATIVO #246
reconhecidos apenas por uma declaração de honra dos preponentes, sendo verificados mais tarde, eventualmente até depois dos apoios já terem sido pagos. Entre a candidatura e o pagamento estão a decorrer prazos de cerca de nove dias”, frisa o entrevistado. A este Gabinete de Apoio da Região de Turismo do Algarve chegaram já mais de mil contatos, com mais de 500 candidaturas formalizadas e muitas empresas a serem ajudadas. Mas João Fernandes alerta que todas estas medidas se destinam a fazer frente ao primeiro choque, sendo necessárias, posteriormente, medidas específicas para a retoma, algo já confirmado pela própria Secretária de Estado do 18
Turismo. “Estamos todos a trabalhar
na retoma da confiança, porque não basta estarmos preparados para receber os visitantes e definirmos por decreto que terminou o Estado de Emergência, é preciso que haja procura para que o volume de negócios justifique os próprios negócios e a reativação da economia. Por um lado, estamos a conquistar essa confiança através da organização da oferta com certificações de segurança, protocolos sanitários e selos de qualidade; por outro lado, estamos a trabalhar com as companhias aéreas, operadores turísticos e mercados emissores, em conjunto com o Turismo de Portugal e a ANA Aeroportos, para os mercados externos, sabendo que, numa primeira fase, a procura será sobretudo proveniente do mercado nacional e, eventualmente, transfronteiriço. Não podemos, igualmente, negligenciar os nossos emigrantes, pelo que o mercado da saudade terá uma expressão expectável no Verão no Algarve”, antevê João Fernandes.
MANTER DISTANCIAMENTO SOCIAL NA PRAIA NÃO É FÍSICA QUÂNTICA O problema é que estamos perante uma «pescadinha de rabo na boca», porque as companhias aéreas só reativam as 19
ligações quando as reservas assim o justificarem, os hotéis também só abrirão portas quando o mesmo acontecer, mas os clientes, caso não haja ligações aéreas e unidades hoteleiras a funcionar, também não poderão efetuar as suas reservas. Mas o entrevistado adianta outras incertezas, como a reabertura das fronteiras dos países, qual as suas situações de saúde, quais as políticas públicas implementadas para assegurar as viagens, entre outras. “Estamos a
reunir toda essa informação, a trabalhá-la com o Turismo de Portugal e a ANA Aeroportos, para podermos montar as nossas campanhas com as agências de viagens internacionais e as companhias aéreas. Transportámos para o contato via online a própria visita ao território que habitualmente se faz numa Fam Trip, Press Trip ou B2B, e continuamos a fazer capacitação destes agentes com os instrumentos que possuímos para trabalhar à distância. E essa informação vai servir de base para as nossas apostas, para desatarmos essa «pescadinha de rabo na boca» que parece impossível de ultrapassar”, revela João Fernandes. “Há que preparar a oferta, estabelecer parcerias com os intermediários e desenvolver campanhas de marketing para atrair os visitantes. Não estamos sem comunicar, no entanto, hoje ALGARVE INFORMATIVO #246
não é possível, nem desejável, nem de bom-tom, apelar à visita a um território junto de países como a Espanha ou França, que estão a sofrer este tsunami na sua saúde”, acrescenta. Falar de Portugal de forma bastante elogiosa tem acontecido, felizmente, por iniciativa de muitos especialistas e órgãos de comunicação internacional, e tudo isso tem servido para beneficiar a imagem do país e da região. Mas como se vai processar esse reativar progressivo do turismo nacional, questionamos? Porque há situações como a lotação de estabelecimentos comerciais ou unidades hoteleiras que serão de mais fácil concretização, mas outras em que isso parece mais complexo, como o caso das praias ou eventos de animação. “Temos
estudado várias possibilidades para as diferentes atividades. As praias são o principal cartão-de-visita do Algarve, a motivação que leva muita gente a vir com as suas famílias para a região, sobretudo na época balnear. Somos a região com mais bandeiras-azuis de Portugal e com mais bandeiras de acessibilidade, o que significa que também temos concessionários mais preparados do que a maioria dos países para as questões de segurança e da higiene, para toda a matéria ambiental”, salienta João Fernandes. “Manter o distanciamento social numa praia, se formos razoáveis, não é física quântica. Repare que, hoje, os ALGARVE INFORMATIVO #246
toldos têm uma distância de metro e meio e precisam de ter dois metros, o que não é nada de irrealizável. Os apoios de praia têm serviço com balcão, mas também mesas e cadeiras para os clientes se sentarem e, eventualmente, poderão funcionar em regime de takeaway. Terá que haver, claro, um reforço da recolha do lixo, mas convém lembrar que o espaço de praia está especialmente preparado para uma desinfeção natural a cada ciclo. A radiação social tem uma capacidade de desinfeção natural, tanto na areia como na água”, explica o engenheiro do ambiente. Há que reforçar ainda a responsabilidade individual das pessoas, apesar do desempenho meritório dos portugueses até à data, e será necessário disponibilizar mais equipamentos de proteção individual, entre outros aspetos que a Região de Turismo do Algarve já está a preparar com os seus parceiros. Contudo, adivinha-se, igualmente, um Verão menos dinâmico em termos culturais, uma vez que muitas câmaras municipais têm estado a cancelar ou adiar os eventos que tradicionalmente organizam durante a época balnear.
“Não vamos ter um Verão semelhante aos anos anteriores porque, logo à partida, a procura não terá a mesma dimensão, pelo que também será mais fácil 20
manter o distanciamento social. Existirão provavelmente indicações específicas da Direção-Geral de Saúde quanto à dimensão dos eventos e se, até agora, elas foram mais restritivas, é possível que a dimensão dos eventos possa aumentar, desde que se garantam sempre as medidas de segurança, nomeadamente no que toca ao distanciamento social, desinfeção do espaço e equipamentos de proteção individual. Mas a criatividade dos portugueses
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também pode ser dirigida para a forma como podemos ter um espetáculo, assegurando todas estas condições”, acredita o entrevistado. A imagem internacional do Algarve e de Portugal não está a sair beliscada com a pandemia e há pacotes de apoios governamentais que têm sido ajustados à medida que se vai tendo mais informação no terreno, mas a verdade é que o Algarve vai ter três épocas baixas seguidas, pelo que se afigura difícil salvar todas as empresas e postos de trabalho da região. Assim
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sendo, quando teremos um Algarve igual ao do passado recente, perguntamos a João Fernandes.
“Não podemos ser, nem pessimistas, nem otimistas, porque, hoje, ninguém sabe exatamente o que se vai passar no futuro. Imagine que amanhã aparece um antiviral e que esta situação rapidamente encontra uma solução. Estaremos a falar de um cenário muito diferente daquele que hoje abordamos. Imagine que, de alguma forma, todos nós aprendemos a conviver com esta doença numa nova normalidade. Esta pandemia tem características muito específicas, mas a sociedade, no passado, já se organizou para conviver com outros riscos, encontrando soluções para a sua prevenção”, lembra o presidente da Região de Turismo de Algarve.
“Sabemos, sim, que o Algarve está bem posicionado e a nossa principal preocupação é atender a empresas e trabalhadores, em especial aos microempresários. Estamos cá para ajudar. À semelhança do que sucedeu noutros desafios, encontraremos respostas e novas soluções, estando todos juntos neste processo” . ALGARVE INFORMATIVO #246
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Dia Mundial da Danรงa
BROTHER DE Marco da Silva Ferreira Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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nserido no 4.º Festival «Encontros do DeVIR», o CineTeatro Louletano recebeu, no dia 25 de maio de 2018, o espetáculo de dança «Brother», da autoria de Marco da Silva Ferreira, uma das figuras mais reconhecidas da nova geração de criadores da dança contemporânea nacional. «Brother» é uma criação para sete intérpretes que estabelece uma relação de complementaridade com o anterior trabalho «Hu(r)mano». “Em ambos, o
foco é a dança existente em contexto de grupo, mas descolamse uma da outra nas referências temporais e no processo de composição. Se em «Hu(r)mano» se abstratiza e se formaliza a dança
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contemporânea urbana, em «Brother» olha-se para uma ancestralidade comum e procurase pontos de afinidade e similaridade que sobreviveram às passagens geracionais e que estão reminiscentes nos corpos e na dança que ainda hoje se desenvolve. O que procuramos juntos através da dança?”, questionou o produtor. O espetáculo compõe-se através do mimetismo constante entre os intérpretes que é gerador de movimento, comportamentos e padrões. “Desenvolve-se
vocabulário não-verbal que se regenera e se transforma ao longo do tempo através de
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compromissos ou desbloqueadores que individualmente cada um manifesta. Surgem e desvanecem pontes móveis entre o agora e o longínquo. À macro-escala, é uma reflexão sobre herança, memória, códigos, processo de aprendizagem e transmissão. «Brother» é também um incómodo («bother»), uma tentativa de pulsar comum, uma sensação de pertence e de afeto, um eco de forças externas e, no fundo, uma assumida fragilidade pela constatação de perda e finitude. Um pernoitar por este lugar que se faz fazendo”, explica.
Marco da Silva Ferreira e Assistência Artística de Mara Andrade, «Brother» foi interpretado por Anaísa Lopes, Cristina Planas Leitão, Duarte Valadares, Marco da Silva Ferreira, Vítor Fontes, Filipe Caldeira, Max Makowski. A Direção Técnica e Desenho de Luz foram de Wilma Moutinho, a Música de Rui Lima e Sérgio Martins, estando a Operação Técnica a cargo de Cláudia Valente e a Produção Executiva de Célia Machado. O espetáculo foi uma produção «Pensamento Avulso, associação de artes performativas» e uma coprodução do Teatro Municipal do Porto, São Luiz Teatro Municipal, Centre Choéographique National de Rillieux-la-Pape | Direction yuval Pick (FR) .
Com Direção Artística e Coreografia de 29
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80 ANOS DEPOIS DO LIVRO DE JORGE AMADO, VICTOR HUGO PONTES DEU A CONHECER OS NOVOS «CAPITÃES DA AREIA» Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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m 2019, «Margem» chegou ao Teatro das Figuras, em Faro, com a fasquia bem elevada, depois de ter conquistado o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores para a Melhor Coreografia de 2018. Mas, verdade seja dita, as expetativas já costumam ser altas quando ALGARVE INFORMATIVO #246
falamos de espetáculos de Victor Hugo Pontes e, para não variar, ninguém ficou defraudado naquela noite de 27 de abril. «Margem» tem como inspiração o romance de Jorge Amado «Capitães da Areia», que retrata um grupo de crianças e adolescentes abandonados e que vivem nas ruas de São Salvador da 42
produziu o texto, num projeto que partiu de um trabalho realizado “junto
de jovens que foram privados do ensino, alimentação, carinho, de um pai e de uma mãe, jovens que partiram em défice ou que se viram em défice por razões que muitas vezes lhes são alheias”. Segundo revelou Victor Hugo Pontes, o desafio foi lançado por Madalena Wallenstein, programadora da Fábrica das Artes do Centro Cultural de Belém, para que incidisse sobre as “pobrezas contemporâneas”, mas o coreógrafo depressa constatou que os «capitães da areia» do século XXI não estavam nas ruas, mas sim em instituições. “Trabalhei
Baía, no Brasil, roubando para comer e dormindo num «trapiche», onde apenas de preocupam em sobreviver um dia de cada vez. Oito décadas depois da publicação do livro, Victor Hugo Pontes quis questionar quem são os novos «capitães da areia», inspirando-se na realidade social de jovens que vivem nas margens. Para tal contou com a colaboração de Joana Craveiro que 43
diretamente com a Casa Pia e o Instituto Profissional do Terço, fiz vários workshops e entrevistei muitas crianças e adolescentes que estão institucionalizados, uns sem pai nem mãe, outros que se encontram ali por outras vicissitudes. Eu e a Joana fomos construindo o texto e desde o princípio do projeto que entendi que fazia todo o sentido trabalhar depois com adolescentes no espetáculo”, contou Victor Hugo Pontes. Intérpretes adolescentes e em grande quantidade, sendo que, em cada espetáculo, para além dos 12 elementos fixos do elenco, são integradas mais oito a 10 crianças locais que passam por ALGARVE INFORMATIVO #246
uma figuração especial. “São os «mini
capitães» que ajudam a dar uma maior escala à história, porque eram mais de 100 adolescentes a viver nos «trapiches» do Jorge Amado e que cuidavam uns dos outros”, indicou o coreógrafo, acrescendo que em «Margem» se fala de tudo sem quaisquer tabus ou hesitações, ALGARVE INFORMATIVO #246
motivo pelo qual os espetadores normalmente saem bastante comovidos da sala. “São jovens a
falar diretamente dos seus problemas reais, e não adultos a fazerem de conta que são adolescentes. O livro «Capitães da Areia» serve de sustentação ao enredo, mas depois são inseridos 44
os testemunhos das crianças institucionalizadas e histórias dos próprios intérpretes, que contribuem com o seu ponto de vista sobre situações que estão a viver ou das quais estão a falar”, sublinhou o entrevistado. Fala-se, por isso, sem pudores, de 45
religião, amor, sexo, família e morte, do dia mais feliz de cada um, dos seus maiores receios, do próprio sentimento de se dormir, pela primeira vez, com um completo desconhecido. “A
autenticidade e veracidade são a grande força do «Margem» e trabalhamos de forma muito profissional com estes jovens, ALGARVE INFORMATIVO #246
bastantes horas por dia, para se atingir este resultado. Tive com eles a mesma exigência que tenho com intérpretes profissionais e as limitações foram sendo ultrapassadas. Grande parte deles são estudantes de dança ou teatro, portanto, têm alguma ligação às artes. Os outros, com o decorrer do tempo, foram apanhando o ritmo”, refere. O resultado deste rigor, exigência e profissionalismo está à vista, «Margem» é um espetáculo com uma dinâmica tremenda, com uma carga emocional bastante pesada, e a crítica não tardou a render-se ao novo sucesso de Victor Hugo Pontes. “O projeto ganhou uma
proporção maior do que ALGARVE INFORMATIVO #246
poderíamos alguma vez ter imaginado e depressa verificamos que não era um espetáculo apenas para adolescentes, mas para públicos de todas as idades. É incrível ver a reação nos adolescentes, mas também nos pais”, reconheceu, lembrando que «Margem» constou na lista dos 10 melhores espetáculos de 2018 do jornal «Público» e foi considerado o segundo melhor da lista e o melhor português.
“Pensei que não dariam a mesma atenção ao «Margem» do que a outro tipo de espetáculos, mas felizmente tivemos os olhos certos colocados em nós, o que fez com que fosse também nomeado para os prémios da SPA”, prosseguiu. 46
A vitória foi uma surpresa para Victor Hugo Pontes, porque os outros dois finalistas para melhor coreografia eram Clara Andermatt e Tânia Carvalho com a Companhia Nacional de Bailado. “De
repente, a «Margem» esteve no centro e esse era o nosso grande objetivo. Os temas que abordamos ganharam o protagonismo que merecem e deixaram de estar na margem das atenções. Eles tentam fazer uma revolução e, embora não sejam 12 adolescentes sozinhos que a conseguem concretizar, podem convocar outros, e outros, e outros, e vão-se mudando as coisas devagar”, afirmou, confessando que não sabe o que o futuro ditará para «Margem». “O texto foi editado em 47
livro aquando da reposição este do espetáculo no CCB e gostávamos que continuasse a circular, mas estes jovens estão numa fase da vida em que não lhes posso exigir que continuem comigo e, acima de tudo, desejo o melhor para eles. Alguns estão a concluir o 12.º ano e quero muito que vão estudar para fora. Vou ter que perceber se o espetáculo ainda fará sentido com outros intérpretes, mas, para já, temos datas marcadas por mais um ano”, apontou Victor Hugo Pontes. E a verdade é que «Margem» continuou em cena ao longo de 2019 com grande sucesso . ALGARVE INFORMATIVO #246
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UM ENCONTRO IMPROVÁVEL ENTRE TORTURADOR E TORTURADO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina 59
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streou, no dia 25 de abril de 2019, precisamente 45 anos depois da Revolução dos Cravos, no Teatro Lethes, em Faro, a 76.ª produção da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve, de seu nome «Improvável», que colocava pela primeira vez juntos em palco Luís Vicente e Pedro Monteiro, o primeiro um torturador da ALGARVE INFORMATIVO #246
PIDE, o segundo um torturado pela PIDE. A peça descreve o reencontro improvável de dois homens que antes se haviam cruzado num momento e numa circunstância bastante particulares das suas vidas, em lados opostos de uma mesa de ferro durante os interrogatórios, e de uma cela escura em que um prisioneiro era 60
poder instalado que até tinha algumas tendências comunistas. Pedro foi torturado, Luís torturou e, numa primeira parte, a peça é marcada por dois monólogos interiores em que as personagens, quase às escuras no palco, falam de si, da sua vida passada e presente. Depois, num novo cenário proporciona-se o reencontro entre extorturador e ex-torturado, entre exPIDE e ex-preso político, e dá-se o embate das suas distintas realidades atuais, com a ação a decorrer poucos dias antes dos 45 anos do 25 de Abril de 1974. O ex-torturado padece de cancro e caminha para o final da sua vida. O ex-torturador anda à procura de redenção, de expiação para os pecados cometidos ao serviço do Estado Novo. E assim fica a assistência presa à cadeira, à espera de saber qual o desenlace de «Improvável», que vai estar em cena até 12 de maio, no Teatro Lethes.
observado diligentemente pelo seu carcereiro. Eram na época dois jovens e conheceram-se na tristemente célebre Rua António Maria Cardoso, a sede da famigerada PIDE/DGS. Pedro Monteiro interpreta um prisioneiro político, uma estrela na faculdade pelos seus discursos inflamatórios de contestação ao Estado Novo que depressa ficou sob o radar da PIDE. Luís Vicente é o seu algoz, curiosamente filho de um agente do 61
Na génese de «Improvável» está um texto original de José Martins que deverá ser publicado em breve, com Dramaturgia e Encenação a cargo de Luís Vicente, numa peça que incorpora ainda testemunhos em vídeo de antigos agentes da PIDE e antigos presos políticos. Em comum, curiosamente, traços semelhantes. Os antigos torturados parecem não guardar rancor a quem lhes infligiu tamanho sofrimento, preferiram passar por cima desse episódio marcante e seguir em frente com as suas vidas. Já para os antigos torturadores, seguir em frente não se afigurou tão fácil, pesalhes a consciência. Dá que pensar… . ALGARVE INFORMATIVO #246
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«CARTAS PARA ABRIL» DE ROSA VIEIRA GUEDES COLOCARAM NOVA GERAÇÃO A PENSAR SOBRE A GUERRA COLONIAL Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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Gimnásio Clube de Faro acolheu, no dia 1 de maio de 2019, a apresentação de «Cartas para Abril», uma leitura encenada de textos originais de Rosa Vieira Guedes levada a cabo pelo «Grupo ALGARVE INFORMATIVO #246
de Leitores» e apoiada pelo Instituto Português do Desporto e da Juventude, em colaboração com o Agrupamento de Escolas Tomás Cabreira. A iniciativa partiu de um grupo informal de jovens liderado por Erica Viegas e Samuel Sequeira, exestudantes do curso profissional de Artes do Espetáculo – Interpretação da 72
Escola Secundária Tomás Cabreira, que tem como objetivos promover o conhecimento de textos literários e teatrais, e favorecer o desenvolvimento das capacidades de reflexão e de pensamento crítico, bem como de competências profissionais, nomeadamente a autonomia e a colaboração, pelo envolvimento ativo e responsável em projetos no âmbito teatral. À dupla de ex-alunos juntou-se o professor Manuel Neiva na direção artística e a interpretação coube aos estudantes Andra Tolamei, Beatriz Ruivo, Bruna Rodrigues, Catarina Reis, Constança Melo, Daniel Encarnação, Daniela Lopes, Diana Correia, Filipe Palma, Gabriel Antunes, Gonçalo Cabrita, Gonçalo Pedrosa, Inês Pedro, Irina Pedrosa, Isabelle Noran, Isaura Peres, Jimi Linden, Pamela Correa, Patrícia Cabrita, 73
Sava Manojlovic, Sofia Bento e Vera Lopes. Depois, a leitura encenada percorreu os vários espaços da sede da centenária associação farense, terminando no salão principal, em cuja primeira fila se encontrava, de olhos brilhantes, a autora. “O conjunto das
cartas ficou escrito há cinco anos e o Luís Campião já tinha feito um espetáculo com estes textos. Fazem parte de um projeto adiado no qual pretendo realizar algo mais profundo sobre a Guerra Colonial e têm a ver com memórias minhas – porque vivi em Moçambique e vim para Portugal nas vésperas do 25 de Abril, com oito anos – e de outras pessoas que conheci”, indicou Rosa Vieira Guedes.
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A vontade de preservar histórias e sentimentos marcantes deu origem a estas «Cartas para Abril», que foram desta feita a cena por iniciativa de Manuel Neiva, Erica Viegas e Samuel Sequeira. “O
desafio foi como é que se pega num conjunto de leitores e se consegue vesti-los com estas palavras e com o próprio espaço. Não foi nossa intenção criar um espetáculo no sentido de luz, som e interpretação de personagens. Tentamos limpar tudo isso e criar locais onde os intérpretes pudessem simplesmente ler estas cartas, havendo esta noção mais performativa do «eu no espaço» e do «eu com esta data e texto»”, explicou Manuel Neiva. ALGARVE INFORMATIVO #246
Em cena estiveram vários estudantes que, por um lado, já não cresceram com o hábito de escrever cartas, por outro, não conviveram com a dura realidade da Guerra Colonial, nem sequer ouviram falar dela no seio da sua família, porque quem passou por ela prefere não abordar o assunto, deixá-lo sossegado no passado. Mas a verdade é que, tanto os alunos de Luís Campião na primeira encenação, como agora os alunos de Manuel Neiva, reagiram bem à situação. “Para já são
cartas pequenas, porque, na minha cabeça, quando escrevi os textos, eles tinham que caber nos aerogramas. São curtas o suficiente para eles as acompanharem, mesmo tendo coisas que lhes são estranhas, 74
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como expressões que faziam parte do vocabulário da época. Mas a intenção está lá e eles percebem a mensagem, o sentimento e a emoção por detrás das palavras”, observou Rosa Vieira Guedes. E, segundo Manuel Neiva, foram trabalhadas duas dimensões que envolviam a memória que os alunos tinham das histórias que os pais lhes contavam do pré-74, mas também do que se construiu após 74. “As cartas
trazem todas essas informações e percebemos que, afinal, o que existia antes ainda continua a acontecer depois e o que estava depois era o desejo anterior. É uma travessia no tempo que também acontece no Gimnásio Clube de Faro, um dos espaços onde, na época, havia conversas de 77
resistência na classe média”, esclareceu o docente e encenador. Entretanto, o leitor atento depressa encontra paralelismos entre a realidade vivida aquando da Guerra Colonial e após a chegada a Portugal de milhares de retornados, com o que se passa no Século XXI, agora com os refugiados e, antes disso, com os imigrantes.
“Naquela altura as pessoas queixavam-se que os problemas da droga eram o resultado da vinda dos retornados, quando, antes disso, já existiam imensos sítios em Lisboa onde se podia comprar droga. Assustadoramente, parece que persiste esta tendência das pessoas culparem sempre aqueles que vêm de fora pelos problemas ALGARVE INFORMATIVO #246
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que encontram no dia-a-dia”, lamentou Rosa Vieira Guedes. “A última carta tem a ver com uma empregada que não sabe ler nem escrever, uma menina de 11 anos que é abusada pelo senhor doutor, pelo patrão. A maior parte da população portuguesa era pobre e vivia amarfanhada, humilhada e violentada uma vida inteira, mas tentavam compor as coisas, diziam que estava tudo bem e que eram muito felizes”, recordou a autora. Uma menina que, nesta encenação, passa a ser um rapaz, não em 1973, mas nos tempos atuais, “mas que continua
sem saber ler nem escrever e a estar numa relação duvidosa com os
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doutores, os superiores”, declarou Manuel Neiva, uma adaptação que deixou encantada Rosa Vieira Guedes, confessou a própria após terminado o espetáculo. “A Revolução do 25 de
Abril faz parte dos programas curriculares desde o oitavo ano, só que os jovens não contatam com esta visão particular que tem a ver com afetos e sentimentos. Acho que os nossos alunos não têm noção de que Portugal era uma miséria, um país cinzento, triste e feio cheio de pessoas com medo, que a maior parte delas não tinha casa-de-banho nem luz elétrica”, reforçou a professora, preocupada .
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CINETEATRO LOULETANO FOI AO RUBRO COM SAM THE KID, MUNDO SEGUNDO E NAPOLEÃO MIRA Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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Cineteatro Louletano recebeu, no dia 24 de abril de 2019, um concerto único e especial que colocou em palco Sam The Kid (com Mundo Segundo) e o pai Napoleão Mira. O objetivo foi juntar, nas comemorações dos 45 anos da Revolução dos Cravos, poetas de gerações diferentes para fazer uma crítica à realidade social, falando de temas como habitação, educação, economia, religião, convívio/conflito entre grupos ou violência, como é apanágio dos universos do hip-hop e de uma cultura de ALGARVE INFORMATIVO #246
intervenção musical centrada na figura do cantautor, que floresceu precisamente durante o período ditatorial e se prolongou para lá do 25 de Abril de 1974. Quanto à parceria entre Sam The Kid e Mundo Segundo, já vem de longe, tanto no palco como nos estúdios, existindo entre os dois uma história longa de dedicação à causa das rimas e das batidas. E na calha está um álbum feito a duas vozes e quatro mãos, do qual já são conhecidos quatro temas, que promete ficar para a história do hip hop nacional. Mundo Segundo é a figura de proa do grupo «Dealema», um dos mais 86
empenhados membros do movimento que se espalhou de Sul para Norte e responsável por, entre outros sucessos, «Alvorada da Alma». Sam The Kid mantém-se insuperável na arte das rimas, facto bem atestado por «Entre(tanto)» de 1999 ou «Sobre(tudo)» de 2002. Já Napoleão Mira fundou, dirigiu e colaborou em várias revistas e jornais e, no campo musical, assinou «Pratica(mente)» e «Slides — Retratos da Cidade Branca» para o aclamado disco «Pratica(mente)» do filho, Sam The Kid. Também com este criou e interpretou, para o primeiro Festival Silêncio!, o espetáculo «Palavras Nossas».
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O alentejano tem colaborado em vários trabalhos discográficos, nomeadamente com Dino & The Soulmotion, Orelha Negra, Sir Scratch e o projeto «Hip Hop Pessoa». Publicou diversos livros, entre eles crónicas, relatos de viagens, romances. Nos últimos anos criou, quer com o coletivo Reflect (Pedro Pinto/Kimahera) quer, mais recentemente, com o projeto «Grafonola Voadora» (com Luís Galrito e João Espada), vários formatos em torno da spoken word e dos seus cruzamentos com a poesia cantada e a música instrumental .
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TEATRO EM CASTRO MARIM DEU A CONHECER OS AMORES E DESAMORES DA GERAÇÃO FACEBOOK Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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m 2019, no âmbito das comemorações do 25 de Abril, a Biblioteca Municipal de Castro Marim foi palco, no dia 23 de abril, de três sessões da peça de teatro juvenil «Geração Facebook», duas direcionadas para os alunos das escolas do concelho e uma terceira, à noite, para o público geral, que esgotou a sala. Criada e encenada por Miguel Dias, do elenco fazem parte os atores Sara Barradas, Rodrigo Paganelli e Inês Morais, rostos que estamos habituados a ver em várias novelas da televisão portuguesa, e Flávio Gil, ator e encenador de revistas no Parque Mayer e que, apesar de jovem, já conta com participações em inúmeras peças de teatro. A «Geração Facebook» trouxe-nos um retrato dos jovens atuais, personificados ALGARVE INFORMATIVO #246
por Pedro, Raquel, Santiago e Pipa. Pedro é o típico «pintarolas», moço bonito e engatatão que coleciona namoradas e rapidamente as descarta, mas que diz ter descoberto o amor da sua vida através do Tinder, conhecida rede social de encontros amorosos. O problema é que o alvo da sua paixão, a «Sofia», afinal de contas é Santiago, um nerd com algumas tendências taradas que criou um perfil falso nessa rede social para «estudar» o comportamento da nova geração no mundo virtual. Quando descobre a verdade, Pedro fica desconsolado, terrivelmente deprimido. A amiga Raquel, que os outros dizem ser lésbica, tenta consolálo, mas Pedro, ao interpretar mal o gesto, mete na cabeça que está apaixonado por Raquel, fazendo uma aposta com ela de que começam a 98
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namorar antes do final do ano. No meio disto tudo está Pipa, a tradicional loira burra, ou menos inteligente, para ser politicamente correto, que dá constantes pontapés na gramática e que está convencida que mantém conversas regulares com Cristiano Ronaldo no Facebook. Facebook que é um ator secundário, mas omnipresente, na peça, com os jovens constantemente a trocarem mensagens e conversarem entre si através da maior rede social dos tempos modernos, mesmo quando estão sentados à mesma mesa de café. E é disso que a peça trata. O que desejam os jovens do século XXI? Quais os seus sonhos? O que são e o que procuram ser? Em palco estiveram quatro jovens muito diferentes, com diálogos sem tabus nem preconceitos, e o resultado final foi uma boadisposição permanente ao retratarem cenas do dia-adia, sem nunca perderem uma oportunidade para deixarem alguns avisos àqueles que vivem, com demasiada intensidade, as suas relações virtuais . ALGARVE INFORMATIVO #246
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OPINIÃO Não há vírus que mate a arte Paulo Cunha (Professor) a atual situação de crise instalada, propícia a uma certa instabilidade política e social, o papel a desempenhar pela Cultura é, a meu ver, mais relevante do que nunca. A arte e as interações sociais a ela ligadas têm um enorme papel na construção da nossa identidade e na nossa constante transformação enquanto seres biopsicossociais e singulares. Numa sociedade democrática, as comunidades culturalmente mais evoluídas e que prezam uma vida cultural intensa e rica são mais exigentes com o poder vigente, mais participativas na vida pública e democrática e, sobretudo, têm uma maior consciência do sentimento identitário de pertença cultural, alcançando por isso uma maior e melhor coesão social. Os países nórdicos são bons exemplos do que referi, onde os investimentos na Educação e na Cultura são desígnios nacionais que não merecem grandes divergências e muito menos inúteis desentendimentos partidários. A Cultura não é considerada relevante no mundo das Finanças e da Economia, uma vez que o retorno económico desse tipo de investimento é considerado pouco significativo. A, infelizmente, conhecida frase que consta na peça de teatro ALGARVE INFORMATIVO #246
«Schlageter» (a peça mais bem-sucedida do teatro nazi), escrita por Hanns Johst, "Sempre que me vêm falar de Cultura... retiro a patilha de segurança da minha (pistola) Browning", embora não seja proferida em voz alta, é, por certo, pensada por alguns decisores institucionais e privados. A Cultura, enquanto aquisição de conhecimento, de fruição estética e intelectual e de entretenimento e diversão, é sem qualquer sombra de dúvida, a melhor ferramenta dos cidadãos, individual e coletivamente esclarecidos, para a promoção do uso pleno das suas faculdades intelectuais, sociais e políticas. Após a II Guerra Mundial, numa Alemanha destroçada por um conflito desastroso para toda a Europa, uma das prioridades estabelecidas na reconstrução daquele país, além dos hospitais e das escolas (por razões óbvias), foram os teatros, as bibliotecas e as salas de concertos. Esta medida foi tomada no pressuposto que recuperar a vida cultural da Alemanha era tarefa para, pelo menos, duas gerações. Apesar da crise, não havia tempo a perder, era preciso recomeçar quanto antes a restaurar os hábitos de Cultura. A Orquestra Filarmónica de Berlim, com mais de cem anos de atividade artística, após ter sobrevivido às 108
várias guerras em que a Alemanha se envolveu, é disso um exemplo. Hoje, muitos artistas, obreiros da Cultura, condenados a um confinamento involuntário que lhes roubou o seu habitual ganha-pão, em casa, através das 109
redes sociais, continuam a presentear-nos com o seu labor e criatividade. Espero sinceramente - que, passada a tormenta, a memória não seja curta, pois o entretenimento e a fruição de muitos são a sobrevivência de quem agora nos ajuda a fazer esquecer as agruras que nos apoquentam. Porque a arte quer-se viva e ALGARVE INFORMATIVO #246
OPINIÃO Os barbeiros Paulo Bernardo (Empresário) m dos grandes problemas da Pandemia é a falta de barbeiros, anda toda a gente ou com um cabelo enorme ou com um corte tipo militar, feito por alguém de casa. Também é uma chatice não poder ir ao restaurante do costume, comer os carapaus alimados. E aquele pequeno momento em que se toma um café na esplanada com os amigos a meio da manhã.
quantidade de requisitos, que lhes aumentam os custos e diminuem os lucros. São empresas com dois a cinco colaboradores que podem ter usado o lay-off, mas não deixaram de ter que pagar os vencimentos até receber do estado.
A pandemia é mesmo uma chatice, o que vale é que estou em casa e existem umas plataformas muito interessantes para se poder trabalhar. Vejo este tipo de discurso em muita gente. Esquecendo que o encerramento de muitos espaços foi obrigatório e outros por opção.
Boa pergunta, mas não sei responder, só sei que esta pequena economia é fundamental, pois é de proximidade, serve muitas vezes os mais frágeis, é genuína e querido pelo turismo, todavia, não tem sido respeitada, nem olhada por ninguém. Não sei quantos não vão abrir, não sei quantos não vão ser rentáveis, mas gostava de ver medidas simples para os apoiar.
Em breve vão abrir os espaços que acima falei, outros até já abriram, contudo, não ouço falar em apoios para estes pequenos espaços, que basicamente são empresas familiares que não tiveram qualquer ajuda até hoje. Sei que a Pandemia é grave, no entanto, não se pode pedir a pequenos empresários que vivem do que faturam diariamente, que cumpram uma ALGARVE INFORMATIVO #246
Vamos imaginar um café com seis ou sete mesas que vai passar a ter metade, pois tem que reduzir o número de clientes. Vamos imaginar um restaurante com 20 mesas que passa a ter dez. Como vamos rentabilizar o negócio?
Gostava de ver uma cópia do que a Alemanha fez, que deu dinheiro direto aos pequenos negócios. Não vale a pena falar em empréstimos, temos sim que manter esta gente viva, não podemos deixar soltos à lei do mercado, porque a lei está alterada, menos clientes, menor horário de funcionamento, menos tudo. 110
Mas necessitamos que os empresários estejam abertos, pois os seus serviços fazem falta, dão emprego, pagam impostos e mantêm o país vivo. E os barbeiros, só por marcação, não me apercebi de limitações, pois alguns são bem pequenos. Não sei como vai ser. Contudo, existe uma coisa que sei, que necessitamos todos de ter cuidado, mas também precisamos de sair, de voltar à vida normal, de apanhar ar, de se misturar, possivelmente de se contaminar.
a grande economia, que vai levar fortunas mais uma vez a todos nós, e nunca olhamos para quem mantém o país vivo, que muitas vezes faz de tudo para manter Portugal vivo, onde as grandes empresas nem tem motivação para chegar. E o que se dá a estes que arriscam tudo para manter uma economia de proximidade viva? Nada. Que abram os barbeiros, mas que não os deixem abandonados, pois eu necessito de cortar o cabelo. A pandemia é uma chatice… .
Pandemia versus economia não joga bem, no entanto, olhamos sempre para 111
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OPINIÃO Há um texto que me reclama Mirian Tavares (Professora) Tudo depende de como vemos as coisas e não de como elas são. Carl Gustav Jung á comecei a escrevê-lo, fiz centenas de tentativas, sentei-me diante do ecrã em branco e só meu saiu um título e pouco mais que duas frases. A angústia do papel, ou do ecrã, em branco raramente me acomete. As palavras costumam sair quando me sento e uma frase, uma ideia, uma imagem despoleta um fluxo de palavras. Mas este texto não me sai. E há imagens, há ideias, há um título, há um princípio. Falta-me o meio e o fim. Queria conseguir escrever sobre uma exposição que está suspensa, ou em suspensão, como tudo o resto, neste tempo de confinamento. Uma exposição que vi e que me causou um grande impacto pela sua sutileza, pela maneira como o artista organizou, no espaço, objetos díspares e, ao mesmo tempo, semelhantes. Objetos mais ou menos densos, objetos que parecem não ocupar espaço. O que é uma contradição ou um paradoxo – um objeto ocupa espaço e este era o título do texto que está em suspenso, como a exposição. ALGARVE INFORMATIVO #246
A imagem do convite, um desenho abstrato, em tons de terra. Círculos raiados como se um objeto contundente tivesse ferido a sua perfeita circularidade, maculado a forma pura. Na exposição descubro que esta imagem, um desenho, não está lá, como objeto palpável, mas sim como pura visualidade: o dispositivo utilizado pelo artista para nos mostrar este e mais um conjunto de desenhos, é um projetor de slides e o desenho foi realizado sobre a própria película, uma imagem diminuta hiperdimensionada pela projeção. Trabalho laborioso e artesanal, pensando o artesanato como um gesto manual de criação em que as ferramentas são manejadas pelas mãos do criador. Imagens abstratas que aludem à ideia junguiana dos arquétipos – que estiveram sempre lá, desde que somos História e memória, e que permanecem em nós, nas nossas estruturas sociais e íntimas. Nos nossos gestos quotidianos, como uma almamater de tudo o que fazemos e somos. Entramos na sala e ali permanecemos, quase hipnotizados, pela sucessão, pelo 112
deslizar das imagens que se fixam e que passam num fluxo ininterrupto. A sala é precedida por outra que apresenta uma obra suspensa que nos convida, ou nos obriga a circular à sua volta (mais uma vez os círculos). O corpo é cúmplice desta apreciação e o sentido, e a direção, mudam a visibilidade, e a Foto: Victor Azevedo compreensão/apree nsão deste trabalho: telas impressas em serigrafia, cada uma contendo uma palavra que forma, no final, uma frase que resume, no fundo, o processo de criação deste artista: o autor é uma hipótese improvável, tudo é revisitação. (Confesso que fiz o círculo no sentido contrário e a frase continuou a fazer sentido para mim). A ideia de revisitação, de apropriação, de cópia. A exposição se chama, nem a propósito, «Todos nós nascemos originais e morremos cópias». É a assunção do papel do artista como alguém que descobre, e revela, os objetos, para o mundo. A sua criação é um gesto de constante reinvenção, porque o espírito dos objetos já estava lá, no princípio, quando nos tornamos história e memória. Há uma peça, em particular, que me fascina: um velho projetor de slides que projeta, na parede nua, uma 113
imagem única, colorida, abstrata, geométrica. Parece uma peça de Op Art. E quando ouvi o artista contar que encontrou aquela imagem ao restaurar o velho projetor, consigo perceber que o aparente desencontro das peças é isso mesmo – aparente. Tudo o que lá está segue um fio condutor que nos leva, e nos retira, do universo palpável dos objetos, que ocupam espaço, para o dos objetos que ocupam tempo. Tempo que precisamos para percorrer a exposição e para ver e rever cada peça e perceber a história que elas nos contam. O artista, Miguel Cheta, pediu-me para escrever um texto. E este texto me reclama há algum tempo. Mas está em suspensão. À espera de ser encontrado e de surgir, em forma de palavras, num ecrã ou num papel . ALGARVE INFORMATIVO #246
OPINIÃO Laos Deo Adília César (Escritora) O estado em que vivemos, é o verdadeiro apocalipse: o apocalipse estável. Karl Krauss, Janeiro de 1917 imprensa e o Estado de Emergência decretado pelo governo conseguiram fechar-me em casa e, actualmente, a única filosofia de vida que professo é a do confinamento. Pensando convictamente que estaria a proceder da melhor maneira, dei por mim a ressentir-me de uma outra espécie de maleita: a da obediência ao jugo do poder do Estado e da imprensa. A imprensa tem exercitado a sua função informativa, formativa e deformativa de modo controlador, coercivo e intimidante, plagiando a interioridade emocional dos Cidadãos – os indivíduos portadores da doença do Medo – e influenciando estados do espírito colectivo: amedrontar e comover, para controlar e fazer obedecer. O poder central e o poder regional andam de mãos dadas: na minha rua, diariamente, uma viatura do município dissemina no autofalante a seguinte mensagem aos seus munícipes: - Mantenha a distância de segurança. Proteja-se a si e aos seus, fique em casa. ALGARVE INFORMATIVO #246
Aguarde com a distância de segurança pela sua vez no atendimento. Seja responsável. Juntos, vamos parar o Coronavírus. Mensagem do Município de Faro. A epidemia causada pelo coronavírus chegou e veio para ficar nos «últimos dias da humanidade» (ainda Karl Krauss), tendo em conta que vivemos uma nova pandemia, a tal “catástrofe permanente” evidenciada por Walter Benjamin – pois não são todos os dias os últimos dias da humanidade? Na nossa tragédia, tal como na de Krauss em «Os Últimos Dias da Humanidade», quase não existe desenvolvimento dramático. Nas notícias incessantemente difundidas, ou melhor dizendo, na única notícia difundida – a pandemia Covid 19 – assiste-se a uma vaga progressão dos acontecimentos a ela relativos, mas na verdade somos apenas coagidos a obedecer aos aspectos principais da «cura»: o distanciamento social que destrói o afecto humano, a avidez pelos números de infectados e de mortos que nos amedronta, a destruição do tecido empresarial que implica uma quase total dependência económica do Estado, a vigilância exacerbada das autoridades 114
que impede a deslocação normal dos cidadãos, a não ser em caso de absoluta necessidade; e tudo isto imposto por decreto-lei. Como não obedecer, se o 115
que está em causa é a saúde pública e qualquer desvio à norma é um elo acusatório e vergonhoso da conduta humana? Não há como negar que todo o ALGARVE INFORMATIVO #246
acto humano pode implicar consequências desumanas e em épocas históricas de peste está sempre ligada a uma noção inequívoca de poluição moral, de sujidade e conspurcação da alma. O poeta Rimbaud escreveu: «O ar e o mundo já são demandados. A vida.» Também o psicanalista Wilhelm Reich corroborou a ideia de ar humano contaminado: “Existe uma energia orgânica mortal. Ela está na atmosfera”, e se a tese proposta por Paulo Varela Gomes (1981) fizer todo o sentido em 2020 ou em qualquer época, como na Idade Média ou no Antigo Regime? Ele sugere que se ponha de parte a questão biológica da epidemia e da infecção, admitindo que são os organismos sociais humanos que a contraem e se contaminam. A epidemia seria um fenómeno ideológico e político e pertenceria ao Estado e aos seus Aparelhos. Nesta análise, o editor e psicanalista Vasco Santos sintetiza o fenómeno, em forma de alerta: “O que é dito é que a Peste, quer na Idade Média quer no Antigo Regime, foi uma doença das formas de dominação de classe, dos aparelhos de Estado e das ideologias. Tal como no passado, o coronavírus, um vírus afinal modesto e tímido, serve para impor a ordem, higienizar o corpo e a cidade e relativizar o contrato social. Ele permite controlar, vigiar e punir. O coronavírus intensifica a biopolítica e o niilismo, a máscara e a assepsia. Trata-se de um vírus, ou melhor, de uma estratégia higienista, antipsicanalítica pela acentuada diminuição da empatia, pela distância social legitimada e pela perda da poesia do real quotidiano. Esta política espectacular acentua a ideologia ALGARVE INFORMATIVO #246
da saúde (por falência da ideia de salvação) e forclui a morte, esse tabu excelentíssimo de agora. Desinfectamos magicamente as mãos porque somos contra a morte”. Não está tudo dito, mas é um excelente ponto de partida para uma urgente reflexão nesta semana em que recordámos o 25 de abril e o 1º de maio como marcos de Liberdade na sociedade portuguesa; é também um momento bastante oportuno para reler a ficção «1984» de George Orwell, uma distopia muito bem conseguida sobre as tendências totalitárias das sociedades do século XXI. Krauss é, decididamente, o «mestre da indignação», conforme referiu Elias Canetti num ensaio que a ele dedicou. Indignemo-nos também, ainda que sem grandes dramas. Mas não nos fiquemos pela rama dos acontecimentos. As ciências médicas tiveram avanços tremendos no que diz respeito ao controlo de doenças e no aumento da esperança de vida das pessoas. Pensámos que a Demagogia – a Peste, a Praga, a Epidemia – tinha sido erradicada, mas aí a temos, de novo, avassaladora e destrutiva dos nossos princípios básicos, do nosso livre arbítrio. E volto a Krauss, nas palavras de Vasco Santos: “pois tudo o que não foi destruído pela peste, sê-loá pela imprensa” . Ao toque de clarim do primeiro Estado de Emergência senti-me afundar num pântano, mas ao fim do terceiro consegui agarrar alguns ramos fortes do pensamento de diversas personalidades que aqui tentei sintetizar. E juro que não morrerei ainda hoje. Laos Deo
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OPINIÃO Do Reboliço #82 Ana Isabel Soares (Professora) e manhã, a medonha trovoada transformou-se numa aguinha mansa. Os regos que corriam mostraram só um luzir pouco das pedras da calçada, o barro dos vasos rebrilhou de vermelho, as gotas dos beirais penderam, engordaram devagar e resistiram à queda. Já era de tarde quando parou de um todo e saiu o sol detrás das nuvens ainda foscas: como ele, o Reboliço saiu do Moinho Grande e foi patinhar estrada fresca abaixo, ver o verde, ver as cores. A planície só de longe é plana: dentro dela, sobe-se e desce-se, formam-se colinas. Tudo em miniatura, mas as formas da terra toda existem ali. As formigas, por exemplo, são exemplares construtoras de Cracatoas, Himalaias, outras cordilheiras. O Reboliço passa ao lado dos formigueiros, com cuidado a ver onde põe as patinhas, para não dar cabo de nenhum, e parece-lhe que a qualquer momento verá sair deles um jorro de lava, fogo e pedras, cobrir-selhes os topos com neve, ou aterrar entre eles o módulo de exploração lunar. Nas covas que o caminho tem, sulcos que os tratores deixam quando passam para lavrar ou adubar as terras, aparecem Tanganicas, profundezas insondáveis em que se geram todos os monstros do ALGARVE INFORMATIVO #246
universo. Há as paisagens completas na planície, essa é que é a verdade. Por isso o bicho vai de turista. Com o mesmo bilhete de entrada, ganha os panoramas e visita os jardins zoológicos. O animal que mais intriga o Reboliço é um escaravelho. Tem o corpo estreito e comprido, aos anéis de casca preta que se articulam desde a cabeça até à ponta da cauda, já só um ferrão de nada. Atravessa o caminho quase sempre de um lado ao outro, raramente o segue na longitudinal. Olhando para ele uma e outra vez, o Reboliço descobriu que anda à procura de alimento. Passou a odiá-lo quando descobriu que era esse ser bestial que apagava as luzes das cores que se abriam depois das chuvas nos talos médios dos maios, os lírios ou irises: o escaravelho feio agarra-se com as suas patas a esses caules, trepa por eles até ao começo da flor, morde com a boca disforme uma pétala, que sorve enquanto transforma em papa, depois outra, outra ainda, todas!, faz sumir as pétalas todas de cada uma das flores mais bonitas que a terra deita quando a água se vai, e, saciado, deixa-se cair até ao chão e procura a vítima seguinte para decapitar. O Reboliço revolta-se e volta-se para o caminho da casa. Chega ainda irado, a pensar na injustiça que faz do mundo o lugar da beleza e o lugar da fealdade; no 118
Foto: Vasco Célio
fim da caminhada longa, que de novo fez a evitar pisar as construções das formigas, amalha-se perto do lume que o moleiro acabou de acender, fecha os olhos e compreende que, assim como a planície contém montanhas, vive no 119
belo o que é feio, o perfeito habita o terror . * Reboliço é o nome de um cão que o meu avô Xico teve, no Moinho Grande. É a partir do seu olhar que aqui escrevo. ALGARVE INFORMATIVO #246
OPINIÃO As lives vieram para ficar Fábio Jesuíno (Empresário) as últimas semanas houve um grande crescimento das lives, transmissões de vídeo em direto nas redes sociais, virou moda em todo o mundo. As lives estão presentes nas principais redes sociais e em várias plataformas online há vários anos, tinham algum sucesso entre os adolescentes, mas, devido ao isolamento social provocado pelo covid19, tiveram um grande impulso na generalidade dos públicos. Os vídeos em direto multiplicam-se pelas redes sociais, tornando-se comum haver lives a qualquer hora do dia, com os mais diversos objetivos, desde a partilha de conhecimentos, publicidade de serviços, entretenimento e espetáculos ao vivo de música. Em Portugal, as lives de maior sucesso estão relacionadas com o entretenimento, promovidas principalmente por influenciadores digitais, comediantes, atores, apresentadores de televisão, onde se destaca o «Como é que o Bicho Mexe», momentos de conversas com vários convidados da autoria do comediante Bruno Nogueira, que acontece de segunda a sexta no seu Instagram (@corpodormente) ao final ALGARVE INFORMATIVO #246
da noite, apresentando audiências de mais de 70 mil pessoas em simultâneo. No Brasil, as lives bateram recordes de audiência, onde o principal fator impulsionador são os concertos, os famosos shows online, principalmente de artistas de estilo sertanejo, onde se destacou a última live solidária do cantor Luan Santana, que aconteceu no passado domingo e teve a duração de oito horas e uma audiência de mais de 1,6 milhões de pessoas em simultâneo e vista por mais de 15 milhões no final. Outros sucessos comuns um pouco por todo o mundo, são as transmissões em direto de partilhas de conhecimentos dos mais diversos assuntos, muitos profissionais utilizam as lives para partilhar conteúdos gratuitos e ajudar outras pessoas, aproveitando para promover os seus negócios. As lives vieram para ficar neste mundo novo cheios de desafios, são sem dúvida uma oportunidade a ter em conta para a divulgação de uma marca, por via de patrocínio de uma live ou por iniciativa própria .
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OPINIÃO As cidades que dão que falar Luís Matos Martins (Empresário e Docente Universitário) ichard Florida, teórico norteamericano que dedica parte da sua carreira profissional ao estudo da economia urbana, definiu três T’s como sendo a chave do desenvolvimento económico das cidades ou regiões: Tecnologia, Talento e Tolerância. Tecnologia, como chave para o desenvolvimento da investigação e produtos tecnológicos que possam apoiar uma atitude de valorização e diversidade local, dando a possibilidade de integrarmos modos alternativos de viver. Talento, com o propósito de atrair e desenvolver o potencial de cada pessoa, através da implementação e expansão de indústrias criativas e de perspetivas globais para os negócios. Por último, mas não menos importante, a Tolerância, refletindo a capacidade de lidar com as adversidades do processo criativo e de inovação nas economias locais. Como resultado desta reflexão, e num sentido de partilha com todo o ecossistema empreendedor e empresarial, venho sugerir mais dois T’s que considero serem essenciais para o ALGARVE INFORMATIVO #246
desenvolvimento dos territórios. A Transformação deverá fazer parte de todo este processo criativo. O empreendedor é um agente de mudança que, com a sua forma inconformada de olhar o mundo, deverá assumir como sua missão a transformação dos territórios, desenvolvendo soluções inovadoras para as necessidades da sua comunidade local. E Tenacidade, como competência inerente a todo este processo de desenvolvimento dos territórios. A tenacidade explica, no fundo, a capacidade dos empreendedores em reagir positivamente à mudança, demonstrando perseverança e resiliência em todo o processo de adaptação a novas realidades. Identifico-me com Richard Florida, quando diz que “o lugar onde se escolhe habitar é a decisão mais importante que se pode tomar”. O cidadão que escolhe viver num determinado local, seja por motivações pessoais ou profissionais, fá-lo por sentir que nesse território tem espaço para crescer, inovar e criar. Face à realidade portuguesa, onde se observou um crescimento da economia de 2,2% em 2019, contrariando as estimativas referentes a esse ano, observo uma maior tenacidade por 122
parte de todos os empreendedores, corporativos, sociais e institucionais, que, tirando proveito dos seus talentos, contribuíram para a transformação dos seus territórios, colocando-os na crista da onda da economia nacional. Neste momento, em que a situação atual de emergência mundial vem desafiar estes agentes de mudança para a sobrevivência dos seus negócios, a tolerância (à frustração, às dificuldades, ou às barreiras comunicacionais e físicas) revela-se a maior capacidade para enfrentar esta fase. Não tardará a podermos observar um novo crescimento da economia nacional. O ecossistema empreendedor e empresarial tem-se reinventado todos os dias, tomando o uso da tecnologia 123
como um motor de aceleração dos seus negócios. Também empreendedores institucionais se têm reinventado, ao criarem respostas sociais a partir das suas casas, não permitindo a queda das economias locais e contribuindo, todos os dias, para a continuidade da vida e da sociedade, dentro das condições essenciais de higiene e segurança. Acredito que o ecossistema empreendedor e empresarial português se tem evidenciado pela sua tenacidade e pela capacidade de transformarem e valorizarem a diversidade dos seus territórios. Vamos continuar a fazer a diferença! . ALGARVE INFORMATIVO #246
OPINIÃO Reabrir, aprendendo Augusto Pessoa Lima (Cozinheiro, Consultor e Formador) esde sempre que a comida foi servida fora de casa, quase sempre sem higiene, em estalagens e albergues, com tudo e mais alguma coisa no ar, onde apenas a sorte, a robustez do indivíduo e a quantidade de álcool ditava o tempo de vida. Mas, num espaço erguido com o destino de a elogiar, descrita em ementas de babar, servida por profissionais de sala e confeccionada por uma equipa de cozinheiros, tal só aconteceu, segundo registos, em 1786, pela mão do primeiro restaurador, o francês Antoine Beauvilliers, que se iniciou como moço de cozinha até ascender a chefe de cozinha da casa real. Os restaurantes, a partir dessa data, perpetuaram ser os templos da gula, onde a comida sempre exerceu, tal como agora, o papel principal, seja ela servida com mais ou menos requinte, e em ambiente mais ou menos sofisticado. As modas vieram e foram-se, mas houve um assunto que sempre evolui, o da Higiene, como forma de fidelizar clientes, através da confiança que a prática da mesma exerce em quem frequenta os restaurantes, e, por sua ALGARVE INFORMATIVO #246
vez, a confiança que os compradores, como os restauradores, adquirem às empresas produtoras. O HACCP e o SGSA - Sistemas de Gestão da Segurança Alimentar, trouxeram conforto, mas, com eles, também o desconforto da desconfiança, apesar dos selos entregues e supervisão exigida, isto pela quase sempre imposição sem adequação e, muito pior, verificação sem seriedade. Se as Boas Práticas - normas de higiene, saúde e segurança aplicadas ao sector da restauração fossem prática comum, pouco mais seria necessário de obrigatório do que o distanciamento e o bom senso, para que os restaurantes, nesta nova pandemia, permanecessem abertos e sem antecipar um ambiente de laboratório, desprovido de partilha, sensualidade e conforto, características dos restaurantes fine dining, nem a mínima confiança necessária em espaços menos elitistas, mas carregados de simbolismos, como as tascas, casas de pasto ou restaurantes singelos. Os equipamentos de proteção individual são, por si só, proteção do outro, também. As máscaras deveriam ser sempre obrigatórias em locais onde quem serve comida o faz numa situação de se encontrar «em cima dela» e em espaços de «comida a peso/bufetes». 124
Nestes casos, nunca deveriam ser os clientes a fazer o serviço dos empregados de mesa. Toda a gente sabe que em casa fazemos o que queremos, no trabalho, não. A máscara deveria ser obrigatória em quem mostra sinais de gripe comum, e em qualquer tipo de trabalho partilhado ou não com outros manipuladores de alimentos. É sabido que retira do rosto o sorriso de quem serve, agravado pelo facto de os olhos nem sempre o conseguirem substituir. Medir a febre de quem trabalha, deveria ser desnecessário se o funcionário, altruísta o fizesse, o empregador o entendesse e o sistema não descontasse o tempo de trabalho. Aferir a temperatura do cliente pareceme completamente descabido. Os clientes, entrando de máscara posta, vão sempre ter de a tirar na hora de comer. Onde a vão colocar? O distanciamento, a higiene e a máscara são os cavaleiros da segurança nesta guerra onde o inimigo não se vê. Os restauradores vão ter que reformular as ementas, os espaços, especializar-se ainda mais em iguarias únicas, em dois turnos de serviço (que não acredito no imediato venha a acontecer), em reduzir 125
custos (não tem que ser com despedimento de funcionários). Acredito que as energias vão passar a ser cada vez mais policiadas em termos de consumo e os exageros obliterados. Os restaurantes estão, para o turismo, como a gastronomia para a valorização do património e mereciam uma prática de impostos menos asfixiante. Isso, e as leis e regras, atempadamente balizadas por departamentos de crise, e não impostas sem o parecer técnico de quem na prática vive tudo isto de forma séria, honesta e comprometida com a marca da nação ao peito, e as mãos no coração. Saudações gastronómicas . ALGARVE INFORMATIVO #246
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