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ALGARVE INFORMATIVO Revista semanal - 11 de julho, 2020
UMA DÉCADA DE BORIS CHIMP 504 «CINCO LÉSBICAS E UMA QUICHE» | «UMA MULHER SÓ» | «O MAPA E O TERRITÓRIO» ORQUESTRA DE JAZZ DO ALGARVE RECORDOU FRANK SINATRA | «CANAS 44» 1 ALGARVE INFORMATIVO #256
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26 - Uma década de Boris Chimp 504 a desbravar caminho na arte digital
54 - Orquestra de Jazz do Algarve recordou Frank Sinatra ALGARVE INFORMATIVO #256
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OPINIÃO 110 - Paulo Cunha 112 - Ana Isabel Soares 114 - Adília César 116 - Fábio Jesuíno 118 - João Ministro 122 - Nuno Campos Inácio 124 - Augusto Pessoa Lima 78 - «Cinco Lésbicas e uma Quiche»
100 - «Canas 44» 90 - «Uma mulher só»
40 - Imaculado Coração de Maria
16 - «O Mapa e o Território» 9
66 - «Explicações sobre o Jogo do Galo» em Lagoa ALGARVE INFORMATIVO #256
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Vítor Guerreiro, Graça Fonseca e Adriana Freire Nogueira
MINISTRA DA CULTURA FOI A SÃO BRÁS DE ALPORTEL CONHECER MAIS UMA EXPOSIÇÃO PROMOVIDA PELO MUSEU ZER0 Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina Ministra da Cultura, Graça Fonseca, deslocouse, no dia 3 de julho, a São Brás de Alportel, para a inauguração de mais uma exposição do ciclo «O mapa e o território», promovido pelo Museu Zer0 – Museu de Arte Digital, em parceria com a autarquia local, e que estará patente até final de setembro no Centro de Artes e ALGARVE INFORMATIVO #256
Ofícios. Uma visita oficial que contou também com a presença do Secretário de Estado para a Transição Digital, André Aragão Azevedo, e que começou pela Casa do Artesão. A comitiva ficou depois a conhecer «Repúblicas Minimais», com fotografias de Ruben Martins de Lucas, um promissor artista espanhol que nos faz refletir sobre o conceito de territórios e o sentido da existência. Seguiram-se duas instalações interativas de arte digital da 16
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A Ministra da Cultura, Graça Fonseca, durante a visita à Casa do Artesão, do Centro de Artes e Ofícios de São Brás de Alportel
responsabilidade do coletivo Boris Chimp504, constituído por Miguel Neto e Rodrigo Carvalho, que nos levam a viajar pelo espaço e pelos territórios de vivência quotidiana. No final da visita, Vítor Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, enalteceu a importância do Museu Zer0, aquele que será o primeiro museu de arte digital de Portugal, e elogiou Graça Fonseca pelo investimento que tem sido feito na educação através das artes. “Temos um
caminho longo para percorrer e estamos mais atrasados do que outros países europeus neste assunto, porque começamos mais tarde, mas o que interessa é que começamos e que estamos a fazer 19
um trabalho sólido. É fundamental levar às crianças e jovens a criação artística e a sensibilidade para as artes, pois estão muito focados em si, com pouca interação com os outros. Passam demasiado tempo sozinhos com as novas tecnologias que existem e é crucial que dediquem algum tempo a colocar em prática a sua criatividade e imaginação”, entende o edil são-brasense. Vítor Guerreiro lembrou ainda que o Agrupamento de Escolas José Belchior Viegas é parceiro do Museu Zer0 em vários projetos educativos e que São Brás de Alportel é um concelho que ALGARVE INFORMATIVO #256
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valoriza o seu património cultural. “Os
nossos artesãos vão transmitindo os seus saberes ancestrais às novas gerações para que estas tradições não se percam, para que continuem a fazer cultura com a nossa identidade e património genético. Por isso, também tenho que agradecer aos jovens artistas que têm a ousadia de aprender os antigos ofícios e depois introduzir inovação e o seu cunho pessoal”, destacou o presidente da Câmara Municipal, que confessou ainda ser fã de Graça Fonseca. “Tem valorizado a
nossa cultura e património e, acima de tudo, as nossas pessoas”, justificou. 21
Em nome do Instituto Lusíada de Cultura, associação cultural promotora do Museu Zer0 que está a nascer em Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira, falou João Correia Vargues, que recordou “o trabalho
que tem sido realizado com bastante calma e em rede com muita gente, muitos territórios e muitas nações”. “Mas o Museu não será somente o edifício, mas toda a região algarvia. A pouco e pouco vamos apresentando a arte digital e a sua ligação com a tecnologia e o envolvimento com o ensino é inquestionável. A formação de públicos é essencial ALGARVE INFORMATIVO #256
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e temos levado artistas às escolas para falar de arte digital com os alunos e professores, independentemente do ano escolar ou da disciplina. O que interessa é mostrar como a tecnologia e a arte se podem juntar”, frisou João Correia Vargues, acrescentando que esta missão já chegou, no último ano e meio, à maior parte dos 16 concelhos do Algarve e a cerca de 1.500 alunos. No uso da palavra, Graça Fonseca elogiou o trabalho desenvolvido pelo Município de São Brás de Alportel, “num
Centro de Artes e Ofícios onde o saber fazer, valioso património imaterial, patente na Casa do Artesão, convive, paredes meias, com a inovação da arte digital”. “Este é o rumo certo para a educação e para a cultura, num desafio que está a ser trilhado pelo 23
Plano Nacional das Artes, desenvolvido pelas áreas governativas da Cultura e da Educação e que tem como objetivo tornar as artes mais acessíveis aos cidadãos. O «saber fazer» português é algo que temos que preservar e transmitir para as novas gerações, até porque se trata de um ativo económico muito importante e que nos distingue a nível global”, afirmou a Ministra da Cultura. “As artes cruzam-se de uma forma natural e levam-nos a refletir sobre o território de uma maneira completamente diferente do que acontecia há 50 anos. A cultura é transversalidade e interceção e a arte faz-nos sempre pensar e confrontar sobre o mundo que nos rodeia”, reforçou . ALGARVE INFORMATIVO #256
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UMA DÉCADA DE BORIS CHIMP 504 A DESBRAVAR CAMINHO NA ARTE DIGITAL Texto: Daniel Pina | Fotografia: Nuno Barbosa e Jorge Ledo | Video: Nuno Barbosa ALGARVE INFORMATIVO #256
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arte digital, embora ainda não seja um produto de massas, também já não é algo que se assemelhe a um «bicho de sete cabeças» para a generalidade das pessoas, mas a realidade era bem distinta, em 2010, quando Miguel Neto e Rodrigo Carvalho se conheceram durante a frequência de um Mestrado em Artes Digitais, em Barcelona, e decidiram criar o projeto Boris Chimp 504. Na ocasião, o farense Miguel Neto já vivia em Barcelona há alguns anos, enquanto o portuense Rodrigo Carvalho residia em Madrid, sendo os dois únicos portugueses a frequentar aquela formação. Concluído o Mestrado, a dupla ainda trabalhou com outros colegas em alguns projetos, mas eles foram regressando aos seus países de origem, o que não diminuiu a vontade de Miguel e Rodrigo em criarem um espetáculo audiovisual que apostasse na relação entre o som e a imagem, como se fosse uma sessão de improviso, de produção no momento. Na época, Miguel Neto já tinha realizado outra formação de técnico de som e sound design e interessava-se bastante pela criação de música para cinema, teatro e outros espetáculos, numa onda imersiva e experimental, recorrendo às tecnologias digitais. Quanto a Rodrigo Carvalho, tinha formação em design gráfico e pretendia sair da sua zona de conforto, abraçar outras áreas que não dominasse, falar outras linguagens visuais. “No fundo, fomos os dois à
procura de algo mais naquilo que já ALGARVE INFORMATIVO #256
andávamos a estudar e a fazer profissionalmente”, recorda Miguel Neto. Som e imagem que não eram novidade nas discotecas e clubes da época, mas a ideia de Miguel e Rodrigo não consistia em estar um DJ a passar música e um VJ a mandar imagens reais, à laia de videoclips, para um ecrã gigante. “Isto nunca foi, nem
nunca será, o projeto de um produtor musical que cria temas e que depois pede a alguém para criar visuais que combinem com 28
aquele som. Usamos muita tecnologia e computadores, mas existe, no nosso espetáculo, uma componente humana muito forte. O Rodrigo está, no momento, a reagir ao meu som e eu estou a responder aos visuais que ele está a gerar em tempo real. Existe uma estrutura base, mas cada espetáculo é diferente, fruto da dinâmica daquele instante”, explica Miguel Neto, confessando que a passagem da teoria para a prática não foi nada fácil.
“Na verdade, o nosso primeiro espetáculo foi terrível, com muito 29
ruído à mistura e pessoas a saírem da sala”, conta, com um sorriso. “Na altura até pensávamos que essa reação se devia a estarmos a fazer algo de extremo. Obviamente que, agora, preferimos aquilo que fazemos do que o que produzíamos há 10 anos. São muitas horas dedicadas por cada um, em termos individuais, a investigar no seu sistema, mas também muito tempo a aprimorar o projeto em conjunto. E isso era mais simples no início, ALGARVE INFORMATIVO #256
quando vivíamos os dois em Barcelona. Quando ele regressou ao Porto e eu a Faro, já tínhamos desenvolvido uma dinâmica própria, já sabemos mais ou menos para onde é que cada um vai, mas reunimo-nos sempre antes dos festivais e atuações para afinar os pormenores”. Vender um espetáculo diferente do normal também não foi demasiado complicado em Barcelona, cidade onde a arte digital já se manifestava com alguma intensidade, mas a dupla começou por pequenas associações com pouco público e foi subindo patamares de forma gradual
e consistente. “Suponho que temos
uma qualidade razoável e, de há uns anos a esta parte, já não somos nós que andamos à procura de atuações, são os promotores de eventos e programadores culturais que nos contatam, porque estão interessados no nosso espetáculo ou nas nossas instalações. Em termos internacionais temos uma agência que nos ajuda nesse campo, em Portugal tratamos nós disso, e a maior parte do nosso trabalho resulta de convites de terceiros”, refere, satisfeito. Espetáculos que giram em torno do
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Boris, um cosmonauta perdido no espaço que é a personagem das várias histórias imaginadas por Miguel e Rodrigo.
“Estamos a recorrer à ficção científica como um tipo de poesia do futuro, imaginando outros mundos, ou como é vamos ser, enquanto espécie, daqui a anos, décadas, séculos ou milénios. Quem vai assistir aos nossos espetáculos ou instalações tem sempre uma história, um enredo, que pode seguir, que serve de input para começar a nossa viagem. Mas, como os visuais são bastante abstratos, acontece frequentemente as pessoas relatarem-nos histórias muito diferentes daquelas que nós tínhamos imaginado. O que queremos é criar experiências 31
multissensoriais imersivas e que as pessoas saiam dali um bocado diferente de quando chegarem”, sublinha o entrevistado. E se Rodrigo Carvalho cria a componente visual naquele instante, também Miguel Neto está a produzir música no momento, rodeado de vários instrumentos analógicos e digitais e computadores. “É um momento de
criação musical e visual que, embora exista uma preparação prévia, é sempre diferente. Há, por exemplo, um software que utiliza imagens estáticas que ganham vida consoante o input que recebem, que, neste caso, é o meu som. Haverá sequências parecidas, mas nunca iguais”, garante, esclarecendo que esta ALGARVE INFORMATIVO #256
improvisação nunca poderá ser como nas jam sessions de jazz, em que os músicos «viajam» frequentemente para fora do alinhamento preparado pelo coletivo. “O
nosso objetivo, nos espetáculos e nas instalações, é que som e imagem sejam vistos como uma única entidade. E, ultimamente, preferimos espaços fechados como auditórios ou cineteatros, porque permitem uma imersão maior dos espetadores do que no exterior, onde há outros fatores que os podem distrair”. Entretanto, engana-se quem pensar que são apenas as novas gerações que aderem a estas criações de arte digital, com os mais idosos a ficarem até ao final do espetáculo, mesmo que,
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por vezes, não percebam bem o que está a acontecer.
ENTRE ESPETÁCULOS E INSTALAÇÕES Uma década depois do surgimento dos Boris Chimp 504, Miguel Neto não tem dúvidas de que os visuais estão hoje muito mais trabalhados, com mais conteúdo e dinâmica, o mesmo acontecendo com o som, que deixou de ser tão duro ou mecânico.
“Verifica-se, neste momento, uma enorme fluidez entre ambos que não tem a ver apenas com a mudança de um software para outro, mas com o nosso conhecimento geral e com os
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melhoramentos que estamos sempre a introduzir no projeto”, analisa, à conversa num café no Largo da Pontinha, na capital algarvia. “A nossa
época alta é a segunda metade do Verão e o Outono, com vários espetáculos e instalações por mês. As atuações acontecem principalmente em festivais de arte digital um pouco por toda a Europa, mas em Portugal também já começam a existir alguns do género. Nas instalações, estamos agora no Centro de Artes e Ofícios de São Brás de Alportel, no seguimento de um convite do Museu Zer0. Podemos sempre adaptar o nosso trabalho às propostas e desafios que nos lançam”, assume o farense. Por falar em festivais internacionais, como estão cotados os Boris Chimp 504 33
além-fronteiras, questionamos.
“Curiosamente, o projeto, durante muito tempo, foi associado a Barcelona, por ter começado lá. Aliás, o primeiro concerto internacional que tivemos foi, em 2010/2011, em Portugal, num festival na zona de Lisboa. Só mais tarde é que se começou a pensar no Boris Chimp 504 como sendo português”, conta Miguel Neto, relatando um episódio sucedido, em 2017, no Festival Sonar, de Barcelona. “Encontrei-me sem
querer, numa fila para almoçar, com alguém ligado à noite de Lisboa, estávamos a conversar e disse-me que não sabia que os Boris Chimp 504 eram portugueses. Tomei isso como um elogio porque, infelizmente, ainda há quem pense que só lá fora é que se fazem coisas de ALGARVE INFORMATIVO #256
qualidade. Já somos conhecidos no mundo da arte digital, mas, no Algarve, provavelmente associam mais o Miguel Neto ao meu trabalho de dj, que nem sequer tem a ver com música eletrónica, ou por organizar concertos de música improvisada”. Ao longo da conversa, Miguel Neto vai falando frequentemente de instalações, uma faceta dos Boris Chimp 504 que não estava nos planos iniciais da dupla. “No
princípio estávamos focados no conceito de jam audiovisual, a nossa primeira instalação foi feita em 2013, num festival em Barcelona em que tínhamos ido apresentar o nosso espetáculo. Desde então, há anos em que fazemos mais instalações, outros em que temos mais espetáculos, mas estamos sempre ativos nas duas frentes”,
têm a ver com o espaço, estamos sempre atentos às novidades da NASA e da Agência Espacial Europeia, e depois misturamos informação factual com ficção científica para contarmos a nossa própria história. Queremos que as pessoas se teletransportem para um imaginário diferente do palpável do Planeta Terra”. Mas as próprias instalações assumem diversos contornos e implicam um trabalho e gozo diferentes, consoante o local ou evento onde decorrem, reconhece Miguel Neto. “A maior
indica o entrevistado, lembrando que os Boris Chimp 504 estrearam um novo espetáculo em 2019, depois de três anos em digressão com o seu antecessor. No que toca às instalações, Miguel Neto e Rodrigo Carvalho possuem várias séries que se vão adaptando a contextos diferentes, como é o caso de «Future Sound of São Brás de Alportel» e «Non Human Device», patentes no Centro de Artes e Ofícios. “Há algumas que
vamos repescando, noutras ocasiões, apetece-nos fazer algo completamente novo. Nos espetáculos, por exemplo, baseamo-nos muito nas notícias que ALGARVE INFORMATIVO #256
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parte das nossas instalações acontecem em festivais, que duram normalmente três dias, e nós queremos sempre estar lá o tempo todo. Ao princípio para ver se está tudo a funcionar conforme planeado, depois, para assistir à reação das pessoas. Tu fazes algo a pensar no que pode vir a acontecer e depois, na prática, assistimos a coisas que não podíamos ter calculado. Isso ajuda-nos a perceber o que podemos melhorar naquela própria instalação, mas também a ter ideias para outras instalações”,
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relata o farense. “O «Future Sound»
foi criado para uma edição do Festival Som Riscado, em Loulé, e percebemos que podia ser transportado para outras realidades, e assim aconteceu com Águeda, Santarém, Aveiro e agora São Brás de Alportel. O «Non Humam Device 2», para nós, já é quase uma instalação vintage, a última vez que a apresentamos foi em 2015, mas foi escolhida pelo Museu Zer0 por ter a ver com o território desconhecido”.
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ARTE DIGITAL VEIO PARA FICAR Desconhecido é também o coronavírus que aflige todo o planeta, mas que não veio alterar muito o processo criativo dos Boris Chimp 504, uma vez que já estavam habituados a trabalhar à distância, um em Faro, outro no Porto. “Ambos temos
outros interesses profissionais para além deste projeto, o que nos obriga a organizar bem o tempo quando estamos a preparar um espetáculo ou instalação. Começar uma instalação do zero requer mais tempo e intensidade, nos espetáculos, o mais difícil é decidir quando damos um por terminado e partimos para outro conceito. Chegamos a um momento em que queremos fazer coisas diferentes, em que precisamos desse risco de abraçarmos algo que não controlamos na plenitude, como acontece com um espetáculo que já estás a apresentar há três anos”, comenta Miguel Neto. “O nosso dia-adia é feito de muitos telefonemas e videochamadas, de enviar documentos e ficheiros visuais e de som de um lado para o outro para experimentarmos na nossa casa o que o outro fez na sua casa. Foi muito importante, no início do projeto, estarmos no mesmo sítio físico para consolidarmos métodos de trabalhos. Nos últimos sete anos, eu estou em Faro, o Rodrigo no ALGARVE INFORMATIVO #256
Porto, há alturas em que vou ao norte fazer outras coisas e encontramo-nos, noutras situações, é o Rodrigo que viaja até ao Algarve, ou reunimo-nos a meio do caminho. Quando estávamos a preparar agora a instalação de São Brás de Alportel, aproveitamos para trabalhar também o próximo espetáculo”. Espetáculos que vão acontecer, por exemplo, já no dia 13 de julho, às 21h30, em https://www.criatech.pt/, no âmbito do «Criatech» de Aveiro, um evento que exibe peças artísticas criadas para ambientes digitais, utilizando-os também para talks, performances e experiências que podem ser usufruídas em plataformas digitais; e depois, a 26 de agosto, às 22h, nos claustros da Igreja do Carmo, em Tavira, numa produção do Museu Zer0. A arte digital está na moda e isso satisfaz bastante Miguel Neto, mesmo que tal possa trazer mais players para o mercado.
“Não pensamos em adversários ou concorrentes, há sempre muita gente a criar e aprendemos todos uns com os outros. A arte digital está mais no mainstream, mas há vários níveis de arte digital. Para algumas pessoas, se calhar, meter fotos no Instagram é arte digital. Para mim, pode-se falar em arte quando estás a utilizar tecnologia e processos digitais, mas não me sinto no 36
direito de considerar se aquilo que faço é arte digital ou não. Cabe a terceiros avaliar a qualidade do que fazemos e, felizmente, os Boris Chimp 504 têm visto o seu trabalho ser reconhecido”, diz o entrevistado, aproveitando para enaltecer o facto do primeiro museu de arte digital de Portugal se vir a instalar no Algarve, em Santa Catarina de Conceição do Bispo, no concelho de Tavira. “Vai ser
importante para colocar no mapa uma região que é conhecida sobretudo pelo sol e praia e na qual os governos investem pouco na vertente do conhecimento, das novas tecnologias. De repente, vamos ter um museu que podia perfeitamente ter ido para Lisboa, Porto ou Braga. O visual está em 37
todo o lado e muitos músicos e bandas também já querem ter essa componente nos seus espetáculos. Depois, há toda a questão da interatividade com as obras de arte, mas também podemos ter, dentro da arte digital, instalações não interativas. Em qualquer dos casos, tudo isso é muito diferente de se olhar para um quadro pendurado numa parede”, compara Miguel Neto, que deixa ainda um aviso. “Se não há uma ideia
interessante por detrás, não é a tecnologia que vai salvar o conceito. Sem sumo, não há computador topo de gama ou software de última geração que cria algo apelativo” . ALGARVE INFORMATIVO #256
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ALTURA HONROU A SUA PADROEIRA Texto: Daniel Pina | Fotografia: Município de Castro Marim s alturenses receberam nas suas casas, no dia 5 de julho, a sua padroeira, por ocasião da Procissão em Honra do Imaculado Coração de Maria. As ruas, janelas e pequenos altares decoraram-se a rigor, com a procissão a levar uma mensagem de fé que traduziu o sentimento de união, de pertença e de comunidade de Altura. Face ao contexto de pandemia que se vive, a paróquia local decidiu levar a Nossa Senhora a toda a freguesia, desde ALGARVE INFORMATIVO #256
as ruas da frente mar, até ao Montinho da Aroeira. A missa campal contou com forte participação da população, num rigoroso contexto de medidas de higiene, tendo acontecido igualmente um emocionante momento musical pela voz de Nádia Catarro, acompanhada à guitarra por André Ramos, com «Avé Maria», de Fernando Pessoa. A Procissão em Honra do Imaculado Coração de Maria foi uma organização da Paróquia de Altura, Irmandade do Coração de Maria e Junta de Freguesia de Altura, com a colaboração da Câmara Municipal de Castro Marim . 40
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ORQUESTRA DE JAZZ DO ALGARVE REGRESSOU AOS PALCOS COM OS CLÁSSICOS DE FRANK SINATRA Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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m resultado do desconfinamento e da passagem do Estado de Emergência para Calamidade e, posteriormente, de Alerta, a atividade cultural vai tentando retomar, das últimas semanas, a sua normalidade. E, no dia 4 de julho, assistiu-se, no TEMPO – Teatro Municipal de Portimão, à rentrée de 2020 da Orquestra de Jazz do Algarve, com a estrutura liderada pelo maestro e trompetista Hugo Alves a lançar o desafio ao mais importante crooner português da atualidade, Kiko Pereira, para interpretar ALGARVE INFORMATIVO #256
o maior crooner de todos os tempos, Frank Sinatra. O repertório dispensava muitas apresentações, com temas incontornáveis como «Fly With Me» e «It Was a Very Good Year», entre muitos outros, que nos acompanharam ao longo de todo o Séc. XX e que, seguramente, ainda perdurarão por muito tempo. Uma noite bem passada, em total cumprimento das regras ditadas pela Direção-Geral de Saúde, em que, por momentos, se podia simplesmente fechar os olhos e apreciar a excelente música . 56
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EXPOSIÇÃO EM LAGOA DESVENDA SEGREDOS DO JOGO DO GALO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Centro Cultural Convento de S. José, em Lagoa, é palco, até 24 de julho, da exposição «Explicações sobre o Jogo do Galo», de Alexandra Dias. O trabalho visa apresentar e desvendar alguns enigmas associados a este jogo mundial que, em Portugal, dá pelo nome de «Jogo do Galo», sendo que a forma como foi batizado é precisamente um dos enigmas que se poderá decifrar ao visitar a exposição. A mostra está patente na Sala ALGARVE INFORMATIVO #256
Manuel Gamboa e pode ser visitada, de segunda a sexta-feira, das 10h às 13h e das 14h às 18h e, aos sábados, das 14h às 18h. Recorde-se que o Centro Cultural Convento de S. José está aberto ao público, de acordo com as normas indicadas pela Direção-Geral de Saúde no combate à disseminação da Covid19, cumprindo todas as diretrizes de segurança e distanciamento, promovendo desta forma uma visita segura à exposição . 66
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CINCO LÉSBICAS ANDARAM À SOLTA NO TEATRO DAS FIGURAS Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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Yellow Star Company de Paulo Sousa Costa levou a cena, a 13 de outubro de 2018, no Teatro das Figuras, em Faro, «Cinco Lésbicas e uma Quiche», uma divertida comédia que tem no elenco, claro está, cinco mulheres, mais concretamente Melânia Gomes, Joana Câncio, Leonor Seixas, Paula Neves e Mafalda Teixeira. O texto original de Evan Linder & Andrew Hobgood tem encenação de Paulo Sousa Costa e é, de facto, um pagode, pelo que não foi de estranhar a lotação esgotada que a maior sala de espetáculos do concelho de Faro registou nesta noite de chuva e vento, mercê da passagem do Furacão Leslie por Portugal. «Cinco Lésbicas e uma Quiche» faz-nos recuar aos Estados Unidos de 1956, em plena Guerra Fria, com o perigo iminente de um ataque nuclear vindo das hostes soviéticas. Uma comunidade, no meio da América, realiza o Encontro Anual de Quiches da Susan B. Anthony Society, as Irmãs Gertrudes. O seu lema principal é: «Sem carne, sem homens, somos felizes!» e, apesar de serem todas, ou quase todas, lésbicas, o assunto é tabu. O cenário acaba por mudar quando, isoladas num bunker improvisado, fruto de um alerta de ataque nuclear, as cinco mulheres começam a confessar-se, melhor dizendo, a «sair do armário», em catadupa. Uma delas admite, porém, estar grávida e, depois de muitos gritos e histerias, chegam à conclusão de que, caso nasça um filho, caberia às cinco a dura tarefa de repovoar o planeta Terra após o holocausto nuclear. As revelações foram surpreendentes até ao fim do espetáculo e o resultado foi uma noite plena de boadisposição . ALGARVE INFORMATIVO #256
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TEATRO LETHES RIU COM AS DESVENTURAS DE «UMA MULHER SÓ» Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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Teatro Lethes proporcionou uma excelente noite de boa-disposição, no dia 23 de novembro, com a peça «Uma Mulher Só» do Teatro das Beiras. O texto original de Franca Rame e Dario Fo foi encenado por Luís Vicente, diretor da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve e magistralmente interpretado por Antónia Terrinha e coloca-nos numa sala muito cor-de-rosa de uma casa escura, onde uma mulher solitária está sossegadamente a desempenhar a rotineira tarefa doméstica de passar a roupa a ferro. As luzes de palco acendem-se e ela passa… e passa… e passa a roupa, com a música do gira-discos, do radiogravador e da televisão bem altas, porque precisa de muita música para não pensar em suicidar-se. Ou talvez para não ouvir os chamamentos do cunhado, que teve um acidente e está acamado num dos quartos da residência. Ou talvez para não ouvir a choradeira do filho de poucos meses, deitado noutro quarto. E talvez para não pensar nas amarguras da vida de uma mulher que o marido tem trancada em casa, depois de ter descoberto que ela o enganara com um homem 15 anos mais novo a quem contratara para lhe ensinar inglês. De repente, a personagem apercebe-se que, no prédio em frente, num apartamento que até então estava desabitado, se instalou uma nova inquilina. Num estalar de dedos tudo se altera, a mulher deixa de estar só, começa ALGARVE INFORMATIVO #256
a conversar desalmadamente com a perfeita desconhecida que num instante se torna na sua confidente e conselheira. Um solilóquio no qual, na opinião dos autores do texto, se evidencia a relação homem/mulher, 92
agora e no antes, uma questão de antropofagia. “Diz Unamuno que o
homem não pode viver senão de fome. A mais viva expressão de amor é «eu comia-te». Só que hoje já 93
não comemos as carnes, comemos as almas. É desta matéria, na sua abrangência real e metafórica, que fala o espetáculo”, explicou Luís Vicente . ALGARVE INFORMATIVO #256
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«CANAS 44» VEIO A LOULÉ QUESTIONAR O VAZIO Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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oi a cena, no dia 30 de novembro de 2018, no Cine-Teatro Louletano, a peça «Canas 44», da companhia Amarelo Silvestre, em mais um capítulo do ciclo Estórias Silenciosas. “Quando as pessoas
desaparecem, o que é que fica nos lugares?”, é a pergunta que coloca o encenador Victor Hugo Pontes e à qual as atrizes Leonor Keil e Rafaela Santos respondem … ou tentam responder. Em «Canas 44» há uma personagem que chega e há uma personagem que parte. Uma quer construir uma vida nova e a outra quer partir para ganhar mundo. Em comum têm o mesmo lugar, Canas
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de Senhorim, que, por nunca ser mencionada diretamente, acabe por simbolizar todos os lugares. Têm ainda em comum o número 44, a sua idade.
“A partir destes elementos constrói-se um universo autoficcional que especula sobre pessoas, lugares, ruas que já não existem ou que estão em vias de desaparecimento, numa constante enumeração dessa memorabilia, como um movimento contínuo entre utopia e catástrofe, como se ressuscitar os mortos fosse uma forma de inscrevê-los na História”, esclareceu o encenador .
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OPINIÃO Aos Pais Paulo Cunha (Professor) medida que o tempo, esse maravilhoso escultor, vai passando por nós, vamo-nos dando conta da nossa inevitável finitude. Tendo perdido o contacto físico com os meus progenitores e o único irmão demasiado cedo, com mágoa, vou assistindo à triste partida do mundo dos vivos dos pais de alguns amigos e, cada vez que tal acontece, revejo-me na sua perda.
e os gestos certos para fugir aos «lugares comuns» proferidos após o falecimento dos progenitores de amigos que sempre viveram com os pais no coração.
Mesmo sabendo que tal irá acontecer, mas não o desejando, ninguém está preparado para levar à terra quem o transformou em semente e, em terreno lavrado, o ajudou a florescer. A dor provocada pela perda de alguém que, para além dos genes, nos legou a educação que nos moldou para a vida é indescritível, custando qualificar e quantificar. É um sofrimento que se agudiza em silêncio, aqui e ali interrompido pelo som do soluçar entre as lágrimas derramadas. É um pesar solitário que nos devolve ao passado, tal o desejo do reencontro impossível.
Tal como algumas pessoas que conheceram os meus pais os veem nalgumas das minhas ações, também eu, por vezes, sinto o mesmo em relação a amigos que já perderam os seus pais. É, afinal de contas, uma herança que habita em nós e nos relembra da sua existência sempre que dela necessitamos.
À
Por mais que se queira e se tente ajudar, a perda gera uma série de sentimentos penosos. Por isso, torna-se angustiante ter de encontrar as palavras ALGARVE INFORMATIVO #256
Sei, por experiência própria, que depois de nos deixarem, com o passar dos anos, os pais visitam-nos cada vez mais, em pensamentos e ações. Tendo partido do espaço físico que ocuparam, instalam-se em nós e connosco partilham emoções muito físicas.
Tendo tentado ser um filho sempre presente e disponível, olho para o passado com saudade e não com mágoa. A mágoa que alguns sentem por não terem devolvido aos seus pais, em vida, todo o carinho, dedicação e amor com que foram criados. Consequentemente, depois de serem pais, muitos aproximam-se - tardiamente - de quem, em vida, não recebeu o 110
reconhecimento devido e merecido. São os tais que, com constantes evocações após a morte, expiam o afastamento e o abandono com que votaram os pais em vida.
história de quem nos construiu descobrimos pistas para construir a nossa história. Infelizmente, para muitos, é preciso perder para querer encontrar!
Quantos, ao olharem-se ao espelho, ao proferirem determinadas frases e ao executarem determinados atos, não se reveem nos seus pais? Pais que, já cá não estando, vivem presente e intensamente em nós, tal a forma como exerceram a paternidade. Sempre que deles falamos com quem não os conheceu, renascem e, através das suas estórias, ganham vida na história de quem as ouve.
Ter os pais vivos e poder usufruir da sua companhia, amor e sabedoria é um bem precioso e incalculável. Será preciso perdê-los para valorizá-los? Defendo, piamente, que não! Para que depois da sua partida se instalem definitiva e eternamente na nossa mente e nos nossos corações, basta, em vida, usufruir do bem-estar resultante do natural amor entre pais e filhos. Foi, é e continuará a ser o meu caso! E que bem que me sinto, sabendo que, em cada gesto, tenho comigo a mãe Lourdes e o pai Duarte a guiarem-me. Porque, afinal de contas, só morre quem já não é lembrado, nem louvado! .
Soubesse eu, enquanto os tive comigo, que hoje não teria a oportunidade de lhes perguntar tanto sobre tanto, na altura certa ter-lhes-ia dado maior atenção, questionando-os muito mais sobre a nossa vida familiar. Também na 111
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OPINIÃO Do Reboliço #92 Ana Isabel Soares (Professora) Perdida sabe tudo sobre operações de salvamento. Ladina e rápida, aprendeu no próprio dia em que a salvaram de se lhe acabar em curto o destino, mais curto que a cauda que já levava, quando a ouviram ganir, pequena, de dentro de um saco de lixo, e lhe deram vida. Salvamento e gratidão são as patas traseiras da Perdida: as da frente são meiguice e medo – o lombo é determinação e pelos olhos tudo isto se exibe. A existência da cadelinha restringe-se, porque ela assim escolhe, ao quintal e à entrada da cozinha (mais chegada talvez ao lume, nalgum dia de frio apertado, mas não é de dar grande ousadia). O portão que dá para a rua tem uma porta quase sempre aberta, por onde entra quem vem falar aos de casa, por onde ela olha para a rua, e por onde passa para fora só se acompanhar um dos donos, e não mais do que até à curva. (Para que quer mais mundo um ser que, assim que nasceu, viu, em pouco menos de uma semana de vida, tudo o que de importante neste se mostra?). Não viaja porque não precisa. É que, além de não sentir o impulso de sair, além de saber que toda a segurança e o carinho encontra naquela casa, naquele quintal, ALGARVE INFORMATIVO #256
por ali há o mundo inteiro: há todas as cores, todos os cheiros, os cantos novos todos os dias, vasos de flores e árvores de fruto, galinhas e pedras, tratores, bicicletas e outros motores, vozes por cima do muro, andorinhas no céu grande, andorinhas debaixo da telha do casão, voos rasantes, sombra de buganvílias, terra molhada se chove, prato de comida, água limpa – o universo completo para escolher onde dormir. Como poderiam, pois, faltar os gatos num mostruário assim de mundo? Há gatos, claro está. Não são da casa, andam de passagem: a Perdida ladra uns latidos se pressente algum, mas fica mais tempo é calada, muito parada a olhar enquanto os vê alcançar de um salto o cimo do muro do quintal, meneando a elegância até ao telhado e daí para o desinteressante vazio; ou então pararem no lugar preciso do meio da taipa, cientes do enquadramento visual, a exibir a higiene infinita e o desprezo por tudo o que para além deles existe. Aprecia a cena, a Perdida: no mais, devolve-lhes o indiferente existir. Mas só o faz porque conheceu já a diferença, a atenção: duma vez, veio parar ao quintal da Perdida um mini-gato, coisa trazida pelo dono da casa, que não deixara que se finasse ao nascer: sem mãe à vista, só olhos e miado, pô-lo ao pé da cadela e pediu-lhe 112
Foto: Vasco Célio
a ela que tratasse do bicho. Não era que tivesse crias suas a Perdida, que alguma vez as tivesse tido: mas, sendo fêmea e sendo salva, o homem sabia que ela entendia tudo sobre operações de salvamento. Nos dias que se seguiram, e até que o bichano ganhasse força nas pernas para, desingrato, abalar para a travessia dos muros e o conhecer do mundo, o pasmo das gentes que atravessavam o quintal era ver a cadelinha, encostada ao cimento do 113
chão, meio deitada, oferecer as tetas todas ao gato, que sorvia o misterioso deleite como quem, sôfrego, sem quase dar tempo a engolir, tanto que se viam cair algumas gotas desperdiçadas, levasse pão à boca. * Ver os textos “Do Reboliço” #33 e #34. ** Reboliço é o nome de um cão que o meu avô Xico teve, no Moinho Grande. Escrevo a partir desse olhar canino.
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OPINIÃO O Futuro é Hoje Adília César (Escritora) Reinventarmos juntos o mundo que compartilhamos. António Guterres, 25-06-2020 frase de António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, é um desejo simbólico e universal que vem de um passado remoto, desde que os primeiros povos deram voz às suas reivindicações por um mundo melhor, mais justo e, em pleno século XXI, também mais sustentável. Estamos todos de acordo que a ambição desmedida e arrogante dos humanos tem implicado uma relação injusta, catastrófica e quase unilateral com os recursos naturais. A Natureza tem sido a nossa escrava e poderá ser, em última instância, a nossa perdição. A evolução científica, médica, industrial e bélica assenta numa lógica superlativa e consumista: mais, melhor, vertiginosa. Já estamos a pagar caro pelos nossos sonhos exacerbados de progresso inglório, há muito tempo. Juntos, habitamos um planeta maravilhoso, esta dádiva redonda de ser azul e verde. Conquistámos territórios, fechámos fronteiras e inventámos a ALGARVE INFORMATIVO #256
Pátria, com idioma e bandeira. Mas não ficámos por aqui. Construímos casas e pontes, canalizámos água potável, acendemos lâmpadas, curámos doenças. Mas não ficámos por aqui. Fomos à lua, lançámos bombas atómicas, clonámos seres vivos. Mas não ficámos por aqui. Assinámos tratados, abrimos fronteiras, acolhemos refugiados. Mas não ficámos por aqui. E o que parece nunca deixar de existir é a constante assimetria dos povos de todo o mundo no acesso a direitos fundamentais de sobrevivência da própria espécie: os ricos e os pobres, o desperdício global de recursos e a fome de tudo, o aumento do desemprego e a incapacidade de nos protegermos uns aos outros. A saúde, a educação, a cultura e a sustentabilidade do planeta e de todos os seus habitantes continuam em risco. Várias pandemias já se abateram sobre o mundo. A Covid-19 é a última, é mais uma. Que aprendemos com as pandemias que acreditámos terem sido vencidas? Quase nada, porque temos ânsia de voltar a sentir essa «doença da 114
normalidade» a que nos habituámos; não vemos que o mundo está em permanente mudança e que tudo o que acontece de bom ou de mau serve para nos dar pistas para salvarmos o futuro. Não é possível continuar a cometer os mesmos erros numa tentativa vã de voltarmos a ter a vida que antes vivíamos, porque isso seria um processo de recriação dos sistemas que fizeram piorar todas as crises. As consequências negativas estão à vista, mesmo que todos os dias nos digam, politicamente, que “a situação está controlada”. O futuro é hoje, porque o amanhã ainda não existe. É hoje que temos de orquestrar as mudanças necessárias e deixá-las como legado de uma vida digna para os nossos filhos e netos. Viver com a máscara cirúrgica colocada sobre a máscara facial da fatalidade é um desconforto menor comparado com a crise ambiental e económica à escala global. Esta última grande crise, por ser planetária, é tão infecciosa como o novo coronavírus que não distingue nem homens, mulheres ou crianças, nem novos ou velhos, nem ricos ou pobres, nem bons ou maus, e desenfreadamente se abate sobre qualquer um. O vírus invisível e poderoso é a criatura mais justa que existe porque através dos seus dons perniciosos de infecção, doença, morte e consequentes desequilíbrios na vida em sociedade, veio mostrar-nos uma verdade límpida como a água da nascente: afinal, somos todos iguais nos direitos a usufruir e nos deveres a cumprir; somos todos capazes de uma maior justiça na relação com os outros, na esperança, na solidariedade 115
para com os mais vulneráveis. É na sustentabilidade, na inclusão e na igualdade que as «novas» políticas têm que assentar para salvaguardar a Vida nas suas variadas vertentes sociais, económicas, culturais, espirituais: em suma, a Justiça para Todos. O futuro é hoje, porque amanhã já não estaremos aqui. Enquanto arquitectos da vida sabemos que “nenhuma árvore ou pedra arrancada à natureza nos é restituída” (Siza Vieira) e que qualquer mal que causemos mata uma parcela da nossa humanidade. E se o tempo pandémico durar muito, esse é precisamente o tempo que precisamos para nos empenharmos na construção de um mundo diferente, salvando apenas o que ainda vale a pena. Do pensamento à acção, somos todos responsáveis . ALGARVE INFORMATIVO #256
OPINIÃO 5 ideias para vender mais online Fábio Jesuíno (Empresário) ender online nunca fez tanto sentido como agora, uma oportunidade para muitos negócios se expandirem e chegarem a mais clientes, mas é cada vez mais uma tarefa desafiante. Com base na minha experiência de mais de 16 anos na área do marketing digital, reuni algumas ideias para aumentar as vendas online de uma forma sustentável e contínua. Proposta de valor Ter uma boa proposta de valor é dos fatores mais importantes para todos os negócios, principalmente quando vendemos online, onde o nosso alcance é mais elevado e existe uma maior importância de nos destacarmos da concorrência. Para encontrar a nossa proposta de valor, devemos descobrir o que nos diferencia e o que nos torna únicos, saber o que a concorrência faz para serem diferentes e saber qual é o nosso público-alvo. A proposta de valor é o pretexto pelo qual o possível cliente deve optar pelo seu produto ou serviço e não pelo do concorrente. ALGARVE INFORMATIVO #256
Anúncios Investir em anúncios online é importante para rapidamente vender mais online, principalmente no Google e redes sociais. Nos anúncios do Google e nas principais redes sociais, devido à diminuição da concorrência, muitas empresas estão a reduzir os investimentos e mesmo a cancelar. Na minha opinião, quem pensar diferente vai ter uma grande oportunidade e com valores mais baixos conseguir grandes resultados. Blog Ter um blog agregado à sua loja online vai permitir alcançar um bom posicionamento nos motores de busca e captar a atenção mais facilmente. Os conteúdos são essenciais para as marcas construírem progressivamente um relacionamento de confiança com o seu público alvo e dessa forma conquistarem a preferência, principalmente no momento atual, com a procura de conteúdos online a aumentar. É sempre importante a implementação de uma estratégia focada no mercado alvo, porque nem todos os conteúdos que se criam são relevantes para obtenção de 116
bons resultados em termos de posicionamento nos motores de busca, redes sociais e na credibilidade do negócio. Fotografias profissionais Uma loja online com imagens profissionais é essencial para o seu sucesso. Possuir fotografias de alta qualidade dos produtos ou serviços disponíveis online é dos fatores decisivos para aumentar a probabilidade de compra. Por esse motivo, recomendo sempre a contratação de fotógrafos profissionais para executarem este tipo de trabalho. SEO Ter uma loja online bem posicionada nos resultados orgânicos nos motores de busca é essencial para aumentar o número e qualidade dos visitantes e a taxa de conversão. É um trabalho que leva algum tempo para alcançar os 117
resultados desejados, mas são sempre muito positivos. Estas são algumas ideias que recomendo para qualquer tipo de loja online vender mais .
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OPINIÃO A Bola de Neve João Ministro (Engenheiro do Ambiente e Empresário) bola de neve rola. Desliza devagar encosta abaixo. Lentamente vai crescendo, ao sorver tudo o que pelo caminho apanha. As condições são propícias à sua engorda. Qual maré negra a invadir as praias. Esta bola esmaga toda uma região. No caminho que vai trilhando deixa um lastro de feridas profundas. Desemprego, falências e dívidas. Incertezas e desespero. Abandono, certamente. No Algarve não há neve, mas esta bola é bem real. Uma metáfora da nossa actual situação. Infelizmente. Os efeitos da pandemia que se vão acumulando na região atingem o nosso imaginário na figura de uma simples bola de neve. Tal como nos desenhos animados que tantas vezes vimos na televisão. Nesses filmes tinha piada. Na realidade em que vivemos nem por isso. As consequências directas da covid-19 inundaram as nossas vidas numa rotina diária de contabilização dos infectados e dos mortos. Um mórbido relato que ancorou no nosso quotidiano ao ponto de quase não darmos por ele. Os efeitos indirectos, esses, vamos sentindo, com maior ou menor grau de intensidade. ALGARVE INFORMATIVO #256
Depende onde nos situamos face ao trajecto da bola de neve. A recente inclusão de Portugal na lista dos países inseguros a viajar por parte da Inglaterra é disso um bom exemplo. Uma consequência indirecta do vírus que por sua vez resultará em muitas outras na actividade turística da região. O tal efeito cumulativo da bola de neve. Como travá-la? Ou desfazê-la? De um ponto de vista meramente físico, uma bola de neve apenas se desfaz quando o piso por onde se desloca muda de características, não permitindo o avolumar da mesma e agindo para a sua decomposição. Ou seja, quando o ambiente físico onde progride muda. E esta é a questão central. Prevenir os efeitos destrutivos de situações desta natureza apenas se consegue actuando previamente a montante, na base e essência ou no cerne da questão. Se queremos evitar futuras tragédias como a que estamos a viver hoje no Algarve, ao nível da indústria turística, temos de adaptá-la e mudá-la. Torná-la mais resiliente. E temos para isso de pensá-la. E isso, infelizmente, não está a acontecer como deveria. Ainda que recorrentemente vários cidadãos, agentes e estudiosos 118
alertem para a necessidade de repensar o modelo do turismo em vigor na região, o facto é que o paradigma instalado é, no essencial, o mesmo de há várias décadas: uma enorme dependência pelo segmento «Sol e Praia», do mercado britânico, das viagens e da oferta «low cost», do imobiliário, e um desprezo disfarçado pela cultura, a natureza, as questões da sustentabilidade territorial e social. Surgem pequenos movimentos de mudança. Há que reconhecê-lo. Mas a sua insignificância é tal que mais não são do que pequenos rabiscos numa imagem turística fortemente construída e blindada em torno dos belos areais costeiros e do Verão. Se há algo a aproveitar da difícil situação em que vivemos é o da oportunidade criada. Este é o momento para mudanças e ajustes. Agora. E não quando tudo voltar a uma aparente normalidade. Normalidade essa que dificilmente voltará. Novas pandemias são dadas como certas, crises climáticas e 119
ambientais estão ao virar da esquina e apenas os destinos preparados irão ter sucesso. Temos de incorporar conhecimento técnico e científico nas decisões. Temos de planear regionalmente e depois ALGARVE INFORMATIVO #256
municipalmente. Temos de alicerçar as estratégias em temas de futuro (alterações climáticas, sustentabilidade, coesão territorial, qualificação, diferenciação...). E temos de prevenir, a
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todo o custo, a formação de «bolas de neve» que, ao se deslocarem, levam tudo por arrasto, como se o Algarve fosse uma ampla encosta cheia de neve. Não é. E cabe-nos provar isso .
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OPINIÃO Quo Vadis Algarve? Nuno Campos Inácio (Editor e Escritor) o fim de quatro meses de confinamento, o melhor que a região algarvia conseguiu obter do centralismo nacional, emanado a partir do macrocefalismo da antiga metrópole colonial, foi o anúncio do Ministro da Economia de que o Governo “está a preparar um programa específico de apoio ao Algarve”. Quatro meses depois de uma paralisação forçada, iniciada no preciso momento de lançamento da nova época turística, sendo do conhecimento geral que a esmagadora maioria dos estabelecimentos estavam encerrados desde Outubro de 2019; sabendo-se que as últimas poupanças tinham sido gastas nas obras de remodelação dos espaços de diversão nocturna e das unidades hoteleiras; quando as famílias se preparavam para retomar o trabalho e obter algumas poupanças para o próximo Inverno; tudo o que o Governo teve para dar à segunda região que mais cresceu a nível nacional, com um incremento de 2.000 milhões de euros em 2019 relativamente ao ano anterior, foi um anúncio… ALGARVE INFORMATIVO #256
A região algarvia tem uma realidade económica sem paralelo em nenhuma outra região do país, principalmente devido à forte sazonalidade, mas também por estar mais dependente da conjuntura internacional do que interna. Só na região algarvia é possível estabelecer contratos de arrendamento superiores a 3.000 euros mensais, com estabelecimento fechado metade do ano; o Algarve, os empresários algarvios, têm de facturar em quatro meses o suficiente para cobrir todas as despesas, pagar vencimentos e impostos e amealhar o suficiente para manter os negócios durante o Inverno. Mesmo com estas contingências, a região é contribuinte líquida para os cofres do Estado em 7.000 milhões de euros por ano, apesar de ser das regiões que menos investimento recebe do Estado. Ao contrário do resto do país, o Algarve não confinou durante três meses, terá, no mínimo, um longo inverno de dezoito meses. A região já estava em confinamento desde em Outubro e retomará essa situação dentro de três meses, isto quando a maioria dos estabelecimentos estão impedidos de funcionar, ou funcionam a menos de 50%, mantendo as mesmas despesas e tendo como única medida de 122
apoio o aumento do endividamento, com prazos de carência feitos à medida de Lisboa e incompatíveis com a realidade económica da região. Restaurantes, bares, pubs e discotecas, que empregam milhares de pessoas e pesam no momento da escolha do destino de férias, não podem abrir portas, mas mantêm todas as suas obrigações fiscais e contratuais. Pela primeira vez nas últimas décadas, o Algarve vê-se na necessidade de suplicar um apoio extraordinário, mas, para Lisboa, a região é uma das últimas prioridades, surgindo muito depois do Novo Banco, da TAP, ou da Efacec. Manter o modelo administrativo actual é um suicídio colectivo e esperar que uma inversão da conjuntura regional venha de Lisboa ou de Bruxelas não é mais do que entrar voluntariamente nos cuidados paliativos. A definição do futuro do Algarve, do caminho a seguir, terá de ser feito na região e a partir da região, unindo sinergias entre empresários, trabalhadores, movimentos associativos e autarquias, que conhecem a realidade regional, sabem que projectos inovadores devem ser apoiados e projectados e que obras e infraestruturas são necessárias para que 123
consigamos ganhar escala e uma estabilidade económica que contribua para combater os impactos da sazonalidade. Enquanto dependermos dos outros, seremos sempre dependentes dos outros . ALGARVE INFORMATIVO #256
OPINIÃO Os nomes das comidas Augusto Pessoa Lima (Cozinheiro, Consultor e Formador) averá necessidade de dar nome às comidas? De as chamarmos pelos nomes de batizado? Faz todo o sentido, com eles pretende-se homenagear, valorizar ou afirmar, nomes, datas, ideias, registando-os para a posteridade e possibilitar de serem feitos ou recriados por outros, sem que se lhes tire a genuinidade da criação, e possamos, ainda de memórias, ou com expectativa, aguardar o que nos irá ser colocado de frente, para ser apreciado, devorado, mordido, entre gemidos de prazer e goles de um bom vinho. Vejamos: Não seria o mesmo comer – massa com carne e – lasanha de carne. A primeira poderia ser uma massa qualquer, cozinhada de qualquer maneira e com qualquer tipo de carne ou de corte, que não criaria dúvida alguma a quem a fosse comer. Já comer a segunda obrigaria a que fosse utilizada na sua confecção uma massa (fresca ou desidratada), plana, larga, em fitas, rectângulos ou quadrados, cozida e entremeada de carne moída cozinhada em molho de tomate e bechamel ou molho branco (de introdução recente), talvez com queijo, originalmente ALGARVE INFORMATIVO #256
confecionada numa lasanum romana, ou grega lasanon. O mesmo aconteceria se, em vez de uma sopa à Portimonense, me dessem uma à Montanheira, de Estoi, como se uma fosse outra, e não tivessem pais diferentes, mesmo sendo da mesma família, a das sopas, gigantesca e dispersa por todo o mundo. Apesar de poderem parecer iguais ou mesmo semelhantes por gente mais distraída, quando perto uma da outra se pode ver que não são filhas do mesmo pai nem da mesma mãe. A primeira não leva carnes, nem massa e nem couves e é muito mais grossa e escura também. Imaginem alguém chamar de Risotto, um Malandrinho? Uma ofensa sem tamanho para o nosso carolino. Poder até podem, e até há quem roube assim levianamente a identidade, mas seriam, no mínimo, chamados de bobos ou de cegos pelos seus criadores ou mesmo insultados com vernáculos menos abonatórios. O segundo, em nada inferior ao primeiro, em estudos e pós graduações e com currículo invejoso, é natural das lezírias do Sado, Tejo e Mondego e o nosso mais que tudo, não fossemos nós o maior consumidor europeu de arroz. Com refogado no início, cozinhado a meio-gás, apresenta124
se solto, envolto em caldo gomoso, abundante, podendo albergar o feijão, ou o tomate ou qualquer outra cousa que lá queiramos juntar, tal como o primeiro que não dispensa o Vialone, excelente em amilose, ou um Carnaroli ou ainda o Arbóreo, únicos e igualmente autóctones de Itália, que se inicia com refugado de cebola, refrescado de vinho e depois de caldo alimentado, sofregamente, para terminar com manteiga e queijo, também único, talvez um Parmigiano-Reggiano, um Grana Padano ou ainda um Pecorino Romano, igualmente nativos de Itália. Há comidas que levam os nomes dos seus inspiradores como o francês Châteaubriant, a italiana Margherita, o inglês Wellington, ou o russo Stroganoff e outras que levam os nomes dos seus autores como o Brás, o Bulhão Pato, e o Zé do Pipo e o Abade de Prisco, que aqui usaram da alcunha por que eram conhecidos. Outras comidas há que têm nomes cómicos ou graciosos como os Brasileiros Pé de moleque, Cueca virada, e os Portugueses Prego, Bifana e Peixinhos da horta ou ainda os doces conventuais como a Sericaia, as Barrigas e as Gargantas de freira, o Tecolameco e ainda os de inspiração religiosa como os Celestes de santa clara ou as Súplicas,
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Nem todos os cozinheiros autores batizam as suas criações, mas outros há que fazem questão, como eu, de lhes dar nome próprio, como se de filhos se tratassem, como a minha Neblina do Norte – peito de pato confitado/migas de couve e passas/molho e orvalho de Vinho do Porto, ou o Xelb (antigo nome árabe de Silves), numa homenagem à sua laranja – Laranja/amêndoa torrada/figo seco/azeite/hortelã/canela, o Harune (antigo nome árabe de Faro – Papas duras de milho/requeijão de cabra algarvia/azeite/mel/cominho, os Sabores Árabes – Batata doce/figo seco/cebola/alho/azeite/alecrim, ou ainda Laura, uma homenagem à minha Mãe – Torta de farinha de milho, amendoim e caril/recheio de camarão, leite de coco e coentro ALGARVE INFORMATIVO #256
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DIRETOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina (danielpina@sapo.pt) CPJ 3924 Telefone: 919 266 930 EDITOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil SEDE DA REDAÇÃO: Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil Email: algarveinformativo@sapo.pt Web: www.algarveinformativo.blogspot.pt PROPRIETÁRIO: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Contribuinte N.º 211192279 Registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o nº 126782 PERIODICIDADE: Semanal CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Daniel Pina FOTO DE CAPA: Julien Chazeaubenit A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista regional generalista, pluralista, independente e vocacionada para a divulgação das boas práticas e histórias positivas que têm lugar na região do Algarve. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista independente de quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou culturais, defendendo esse espírito de independência também em relação aos seus próprios anunciantes e colaboradores. A ALGARVE INFORMATIVO promove o acesso livre dos seus leitores à informação e defende ativamente a liberdade de expressão. A ALGARVE INFORMATIVO defende igualmente as causas da cidadania, das liberdades fundamentais e da democracia, de um ambiente saudável e sustentável, da língua portuguesa, do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade, concedendo voz a todas as correntes, nunca perdendo nem renunciando à capacidade de crítica. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelos princípios da deontologia dos jornalistas e da ética profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. ALGARVE INFORMATIVO #256
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