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FADO EM TAVIRA FILIPE DA PALMA MUSEU DO TRAJO DIA DE CASTRO MARIM

LÍDIA JORGE veio a Albufeira falar de Cultura, do Amor e de Angola 1

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A mesquinhez dos anti-heróis Daniel Pina - 10

O Algarve é mais Algarve aquém e além agosto! Paulo Cunha - 34

E se comemorássemos o Dia da Cidade?! José Graça - 36

Chegou o Verão, e então? Há Mar e Mar, há ir e não voltar! Augusto Lima - 38

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Lídia Jorge - 54

Castro Marim - 12

Filipe da Palma - 66

Museu do Trajo - 40 Concurso de Fado de Tavira - 24

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A mesquinhez dos anti-heróis Daniel Pina

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omecei a semana numa tertúlia com Lídia Jorge e houve uma consideração da conceituada escritora algarvia que caiu que nem ginja na semana que vivemos. Disse a autora que Portugal continua a ter uma estrutura cultural básica bastante arcaica, o que a torna vulnerável a ser colonizada, e assim se entende a famosa máxima «santos de casa não fazem milagres» e a famigerada noção de que aquilo que vem de fora é melhor do que aquilo que temos, de que os outros são melhores do que nós. Ainda durante o serão literário, Lídia Jorge considerou que esta falta de crença nas nossas capacidades, no nosso valor intrínseco, foi fruto das décadas de ditadura em que Portugal viveu mergulhado durante o Estado Novo, que esmagou a vontade dos portugueses, a sua autoconfiança. E, por isso, não acreditamos em nós. Pior ainda, sou obrigado a admitir que por vezes somos mesquinhos, rancorosos, invejosos. Como nos julgamos inferior aos outros, temos inveja dos feitos dos nossos vizinhos, seja daqueles que vivem do outro lado da rua, seja do outro lado da fronteira. Levamos a mal que eles tenham sucesso onde nós não conseguimos, umas vezes porque falhamos, outras vezes porque, simplesmente, nem sequer tentamos. E somos mesquinhos, rápidos a criticar, a usar da má-língua, a apontar defeitos aos outros, quando eles existem, mas também quando não existem. E esta semana tivemos um episódio que atesta na perfeição esse traço que se infiltrou na nossa personalidade no século XX e que teima em não desaparecer. De um lado a nossa figura desportiva principal, um atleta cujo valor é reconhecido em todo o planeta, com uns a considerá-lo o melhor do mundo naquilo que faz, outros a entender que é apenas o segundo melhor. Como se ser o segundo melhor do mundo já não fosse igualmente positivo para um cidadão dum pequeno país como Portugal. Do outro lado, um órgão de comunicação social que personifica e fomenta o pior que temos de nós, essa tal mesquinhez, inveja, rancor, um jornal, agora também canal de televisão, que se preocupa apenas em atirar pedras a figuras públicas, sem se preocupar se está a atingir a pessoa certa ou se há sequer motivo para atirar essa pedra. O que interessa é haver sangue, na primeira página do jornal ou abrir o noticiário do horário nobre.

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Infelizmente, Portugal tem a sua quota-parte de heróis, mas também de anti-heróis. Aqueles que continuarão sempre a defender que Cristiano Ronaldo não chega aos calcanhares de Leonel Messi. Aqueles que, por exemplo, diriam que Luís de Matos é uma cópia barata de David Copperfield. Aqueles que considerariam que Herman José é uma imitação rasca de Jerry Seinfeld. Raios, esses mesmos provavelmente diriam que Amália Rodrigues cantava mais ou menos, mas que a Adele é a Adele. Pessoas que, por muito bons que sejam os portugueses, encontram sempre algum estrangeiro que seja mil vezes melhor. Apesar de tudo, Portugal continua a produzir heróis todos os dias, uns mais mediáticos do que outros, mas excelentes nos seus ramos de atividade. Temos uma Sandra Correia, que já foi considerada a melhor empresária da Europa e que todos os anos ganha prémios com a sua PELCOR e a cortiça de São Brás de Alportel. Temos uma start-up criada por Ricardo Vice Santos, um jovem que desenvolveu o ROGER, uma aplicação já presente em milhões de smartphones e com um brilhante futuro pela frente nas novas tecnologias. Temos um milagre da ciência made in Hospital de São José, um bebé que nasceu saudável depois de ter estado em gestão com a mãe em morte cerebral durante 15 semanas. Uma história que parece um filme de Hollywood, alguma vez nos passaria pela cabeça que uma nova vida pudesse ser criada nestas condições? Mas aconteceu, e em Portugal. Estes casos, como não são tão mediáticos ou não suscitam as tais invejas e rancores, não geraram os seus anti-heróis, mas os nossos artistas de maior projeção estão sempre sujeitos a comparações sem sentido, motivadas apenas pela mesquinhez que ainda perdura em muitos portugueses. Uma postura que em nada motiva as novas gerações para se excederem, para serem os melhores naquilo que fazem, quando todos os dias têm que lutar contra a falta de investimento na Cultura, Educação e Ciência. Depois, admiram-se quando os melhores preferem emigrar, estes não por falta de oportunidades de trabalho em Portugal, mas por não verem o seu mérito reconhecido pelos seus conterrâneos .

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Castro Marim assinalou mais um Dia do Município Castro Marim festejou, no dia 24 de junho, o seu feriado municipal, com um programa marcado por música de qualidade, a distinção a personalidades, jovens em destaque e melhores alunos do concelho e a inauguração do Espaço EME e da exposição «Alm’Algarvia». Texto:

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Fotografia:

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s festejos do Dia Municipal de Castro Marim arrancaram logo no dia 23 de junho, com a inauguração, no mercado local, da exposição de trabalhos da Universidade do Tempo Livre Desfile «Atelier Arte & Património», e com a entrega de prémios do Concurso de Mastros Populares. A festa prosseguiu, a partir das 20h, com o grande Arraial de São João, na Praça 1.º de Maio. A manhã do feriado municipal, 24 de junho, começou com a habitual alvorada pela Banda Musical Castromarinense e o hastear da Bandeira no edifício dos Paços do Concelho. Às 10h foi celebrada uma missa solene na Igreja Matriz e, uma hora depois, tiveram início as cerimónias oficiais no Auditório da Biblioteca Municipal, com a realização da Sessão Solene, onde foram homenageados os melhores alunos de cada turma e os jovens talentos que se destacaram a nível nacional, no âmbito de concursos. Na ocasião, Francisco Amaral, presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, enalteceu as virtudes de um concelho que vai da ecológica Ribeira da Foupana às belas praias do litoral, e do concelho de Tavira ao formoso Rio

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Francisco Amaral, presidente da Câmara Municipal de Castro Marim

José Luís Afonso Domingos, presidente da Assembleia Municipal de Castro Marim

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Miguel Carvalho com José Luís Afonso Domingos

Filomena Sintra, vice-presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, com Elias Rodrigues Nunes

Guadiana. “Um município que deve orgulhar os seus filhos e os seus amigos e que tem tudo para nos encantar, além de uma gente boa e hospitaleira que sabe receber bem os visitantes”, afirmou o edil, aproveitando para fazer uma breve síntese das dificuldades sentidas e dos êxitos alcançados nestes quase três anos de mandato. E, nesse sentido, relembrou que, face à nova Lei das Finanças Locais, a Lei dos Compromissos e a crise que se instalou em Portugal, os municípios passaram, todos eles, por dificuldades até aqui nunca sentidas. “Os orçamentos reduziram-se, em média, para metade do seu valor, a concretização de obras dificultou-se e a colocação de novos funcionários camarários tornou-se praticamente impossível. Ouvindo os castromarinenses permanentemente, tendo sempre a porta aberta a cada um, inteirei-me das maiores dificuldades sentidas pela maioria da população”, frisou Francisco Amaral. O autarca destacou que as

Hugo Madeira com Nuno Pereira, vereador da Câmara Municipal de Castro Marim

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prioridades foram rapidamente definidas e que têm sido escrupulosamente cumpridas, referindo-se ao apoio às famílias com mais dificuldades e que foram atingidas pelo flagelo do desemprego, “que nos levou a fazer protocolos financiados pelo município com as instituições de solidariedade social e que permitiu a contratação de muitos desempregados através de programas ocupacionais”. “Por outro lado, face ao eminente desalojamento de várias famílias, apoiámos o pagamento do arrendamento habitacional”, acrescentou.

João Pereira com Carlos Nóbrega

No que concerne às obras, o executivo municipal deu prioridade à colocação de água domiciliária e potável Miguel Rodrigues Pereira com Francisco Amaral a mais de meia centena de das Pereiras e Alta Mora, e só povoações que ainda eram abastecidas descansaremos quando todos os por fontenários com água não potável munícipes tiverem água potável nas e que, nos meses Verão, praticamente suas casas”, salientou Francisco ficavam sem água. “Esta situação deve Amaral. envergonhar qualquer autarca em pleno século XXI numa Europa civilizada. Já resolvemos algumas O responsável recordou igualmente que o estado de muitas dessas situações, no Cerro do Enho, estradas e arruamentos do concelho Campeiros, Alcarias Grandes, Cabeço da Junqueira, Monte Novo, Nora é calamitoso e que nem sequer existiam projetos de pavimentação, Nova, Nora Velha, Casa Nova, Monte

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Vítor Neto, presidente do NERA, Francisco Amaral, presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, Ana de Freitas, vice-reitora da Universidade do Algarve, e Álvaro Araújo, do Instituto do Emprego e Formação Profissional, na cerimónia de inauguração do EME

cenário que foi sendo alterado no decorrer destes anos, nomeadamente na vila, aldeias e nas povoações maiores. “Concretizámos várias obras, a estrada dos Fortes, o Edifício Multifuncional de Empresas de Castro Marim, a Casa do Sal, a requalificação do Mercado de Castro Marim e de Altura, a pavimentação da estrada de acesso à Praia Verde e da Rua Dr. José Alves Moreira, em Castro Marim, os arruamentos na Foz de Odeleite, o acesso à Unidade de Cuidados Continuados do Azinhal, a instalação do cais acostável, a rotunda do cavaleiro medieval”, enumerou. E como o futuro e desenvolvimento de Castro Marim passa pelo turismo e todas as atividades que com ele se relacionam, ALGARVE INFORMATIVO #63

direta ou indiretamente, Francisco Amaral falou dos galardões Bandeira Azul, Praia Acessível e Qualidade de Ouro atribuídos às praias do concelho, mas também do clima, da gastronomia, da beleza natural, do artesanato, das salinas, da segurança, da paz, da história, da cultura e da hospitalidade dos castromarinenses. “Torna-se fundamental criar ciclovias e ligar a vila de Castro Marim a Vila Real de Santo António, à Praia Verde, à Altura, ao Monte Francisco, à Reserva Natural do Sapal e à Junqueira, e estamos a desenvolver esses projetos, que avançarão para obra mal haja financiamento. Por outro lado, o autocaravanismo selvagem que sempre se praticou irá ser disciplinado e rentabilizado com a 16


criação de dois parques, um em Altura e outro na vila de Castro Marim, cujos projetos estão em conclusão”, adiantou. Mais projetos estão a ser desenvolvidos, casos da Praia Fluvial de Odeleite, da Estalagem de Odeleite, da ampliação da Queijaria do Azinhal, da requalificação do Centro de Saúde do Azinhal, do Largo Paco de Lucia, no Monte Francisco, e do espaço envolvente à Casa do Sal, com parque de feira e outros equipamentos. “Estamos muito envolvidos e empenhados numa parceria com a associação Cegonha Branca e com a Santa Casa da Misericórdia na construção do Lar de Altura e do Lar para doentes com Alzheimer em Castro Marim”, prosseguiu, sublinhando igualmente que o apoio ao empreendedorismo e aos empresários tem sido um apanágio desta gestão autárquica, dando o exemplo do desbloquear do processo de ampliação do Hotel da Praia Verde, que está a funcionar, atualmente, com o dobro de quartos e de funcionários. A Saúde, Educação, Cultura e Desporto têm sido também devidamente desenvolvidas no concelho de Castro Marim, em estreita colaboração com as instituições e coletividades locais, o que leva Francisco Amaral a acreditar estar-se no bom caminho. “Cumprindo a democracia e respeitando cada um, estimulando a concórdia entre as pessoas, ouvindo todos e contando

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com a oposição que positivamente queira colaborar. Estamos a dar um contributo importante para que, apesar das dificuldades sentidas, possamos tornar o concelho de Castro Marim mais apetecível, com mais qualidade de vida e que orgulhe os seus filhos”, referiu Francisco Amaral, garantindo que não irá promover ou alimentar “guerras fratricidas que não levam a lugar nenhum, ou ódios politiqueiros que só consomem os seus protagonistas, sobrando pouco tempo para fazer algo de útil pelo desenvolvimento de Castro Marim”. “Os tempos são de dar as mãos e trabalhar com os que connosco quiserem colaborar, visando o

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Imagem da exposição «Alm’Algarvia», na Casa do Sal

interesse da maioria. Só assim sei trabalhar e sinto que a grande maioria da população está connosco. Esta caminhada está a ser possível com a participação ativa e sentida dos colaboradores do município, dos castromarinenses e dos amigos de Castro Marim”, finalizou.

Empreendedorismo e acordeão em destaque Concluída a Sessão Solene, seguiramse dois dos momentos altos destas comemorações: a inauguração do Edifício Multifuncional de Empresas (EME) de Castro Marim e a inauguração da exposição «Alm’Algarvia», na Casa do Sal, desenvolvida por uma equipa de

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trabalho do município, em estreita parceria com a Mito Algarvio. O EME, localizado no centro histórico da vila de Castro Marim, visa apoiar a constituição de empresas que pretendam iniciar ou dinamizar a sua atividade, tendo por objetivo a incrementação do tecido económico local. “O EME surgiu da conjugação da vontade de reabilitar um conjunto de prédios que aqui estavam devolutos com a necessidade de se criar um espaço multifuncional, mediante as fontes de financiamento disponíveis. Verbas para reabilitação não havia, para sedes de associações ou empresas também não, e foi feito, no âmbito do INTERREG, em 2008, uma candidatura com um projeto de

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João Pereira, presidente da Mito Algarvio, Francisco Amaral, Filomena Sintra e Alexandra Gonçalves, Diretora Regional da Cultura do Algarve

cooperação do qual fizeram parte um conjunto de entidades algarvias e espanholas”, recorda Filomena Sintra, falando de um investimento na ordem dos 700 mil euros, com a autarquia castromarinense a entrar com 25 por cento desse valor. A empreitada de requalificação acabou por se tornar uma construção de raiz com o intuito de ali surgir um polo incubador de empresas, onde ficará instalada igualmente a empresa municipal Novbaesuris. “Os demais gabinetes vão ser objeto de um concurso com um regulamento próprio e ficarão disponíveis para a instalação

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de microempresas que interessem ao concelho de Castro Marim. Queremos valorizar empresas do setor primário, por exemplo, ligadas ao sal e à agricultura, do setor secundário e, finalmente, do setor terciário. Estas, apesar de estarem em terceiro lugar da hierarquia, poderão ser escolhidas em primeiro lugar se tiverem um carater empreendedor, inovador e com um grande cunho de empregabilidade de jovens”, explicou a vicepresidente da Câmara Municipal de Castro Marim. No fundo, trata-se de uma start-up

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à escala do concelho de Castro Marim, mas que apoiará também empresas já existentes e que careçam de um espaço próprio para se puderem projetar. “Também vamos ter escritórios virtuais, isto é, há muitas empresas que não precisam de um espaço físico, mas necessitam de uma caixa de correio ou de e-mail, de alguém que lhe tire uma fotocópia ou receba uma encomenda, enfim, de uma sede social”, acrescentou Filomena Sintra, referindo ainda que o EME será gerido pela Novbaesuris. “E acreditamos que as empresas só precisarão estar aqui cinco anos e que, depois, se tudo correr bem, já terão pernas para andar noutro local. Isto significa que haverá sempre uma rotação de empresas neste espaço”. Já na Casa do Sal acompanhou-se a inauguração da exposição «Alm’Algarvia», que ficará patente até ao final de agosto, traz-nos a coleção particular de acordeões de Vítor Faleiro, fundador da Associação Mito Algarvio, com um enquadramento histórico, mundial, nacional e regional.

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Desenvolveram-se conteúdos, formularam-se pesquisas, filmaram-se 16 diferentes registos e estilos musicais, em todo o Algarve, concluindo-se assim uma exposição etnográfica e musicológica, inédita na região, inspirada numa coleção particular de 30 instrumentos. No mesmo âmbito, a presença da oficina do Mestre José Domingos Horta, que constrói, de raiz, este instrumento musical que exprime tão bem a «alm’algarvia». Ao final da tarde, decorreu a estreia do documentário «A Saberia na ponta dos dedos – o Mito do Acordeão Algarvio», na Biblioteca Municipal e o programa das comemorações do 24 de junho terminou no Revelim de Santo António, em Castro Marim, com dois grandes momentos musicais. O primeiro, pelas 21h, um concerto com o Duo «Amar Guitarra», um projeto de João Cuña e Luís Fialho, num deslumbrante diálogo entre as suas guitarras em vários temas, originais e de outros autores, e em diversos estilos musicais. O último, pelas 22h, foi o concerto de Jorge Fernando, um dos maiores músicos e produtores portugueses .

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Mickael Salgado, Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira, Virgílio Lança, presidente da Associação Cultural Fado com História e Otília Cardeira, presidente da Junta de Freguesia de Cachopo

Mickael Salgado venceu I Concurso de Fado de Tavira Integrado no programa cultural «Viva a Primavera» realizou-se, a 18 de junho, a final do I Concurso de Fado de Tavira, uma organização da Associação Cultural Fado com História com o apoio da autarquia local. Uma noite calorosa, no fabuloso cenário da Praça da Restauração, nas margens do Rio Gilão, e que consagrou Mickael Salgado como grande vencedor dum concurso que superou as expetativas e cuja continuidade já está assegurada. Texto: ALGARVE INFORMATIVO #63

Fotografia: 24


Mafalda Vasques, 2ª classificada, com Virgílio Lança, presidente da Associação Cultural Fado com História

Ana Tareco, 3ª classificada, com Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira

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nquanto uns acabavam de jantar e outros não despegavam os olhos da televisão para assistir ao empate entre as seleções de Portugal e da Áustria no Campeonato da Europa que se disputa em França, as bancadas montadas em plena Praça da República, em frente ao edifício da Câmara Municipal de Tavira, iam ficando preenchidas de residentes e turistas para acompanhar a final do I Concurso de Fado de Tavira. A iniciativa fazia parte do programa cultural «Viva a Primavera» dinamizado este ano pela primeira vez pela autarquia tavirense, em colaboração com as associações do concelho, daí que o concurso de fado tenha passado primeiro pelas seis freguesias deste município do sotavento algarvio para se apurarem os 13 finalistas que, na noite de 18 de junho, iam mostrar os seus dotes de fadista. Assim, por volta das 22h, fez-se silêncio que se ia cantar o fado, num espetáculo apresentado pelos também fadistas Pedro e Teresa Viola, que revelaram terem participado cerca de meia centena de concorrentes provenientes ALGARVE INFORMATIVO #63

Renato Néné

Elsa Jerónimo

Rui Baptista

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de todos os pontos de Portugal e com idades compreendidas entre os cinco e os 96 anos. E qualidade era de esperar, até porque do júri faziam parte cinco fadistas – Pedro Viola, Teresa Viola, Sara Gonçalves, Emanuela Furtado e Márcio Gonçalves, a que se juntavam a vereadora da Câmara Municipal de Tavira, Ana Paula Martins, e a vicepresidente da Associação Cultural Fado com História, Elisabete Coelho. Feitas as introduções, foi hora de atuarem os 13 concorrentes, designadamente Renato Néné, Elsa Jerónimo, Rui Baptista, Mickael Salgado, Mafalda Vasques, Carlos Filipe, Cecília Valentim, Cecílio Santos, João Limpo, Ana Rato, Luís Saturnino, Ana Tareco e Alcino Bom. Conhecidos os finalistas, e enquanto os elementos do júri somavam os pontos, cantaram Carlota Rodrigues, vencedora da vertente infantil do evento, bem como os jurados Emanuela Furtado, Márcio Gonçalves, Sara Gonçalves, Teresa Viola e Pedro Viola. Depois, foi tempo de preencher o pódio, com o triunfo a caber a Mickael Salgado, de Coimbra, Mafalda Vasques,

Mickael Salgado

Mafalda Vasques

Carlos Filipe

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de Beja, a ficar em 2.º lugar e Ana Tareco, também de Beja, a ocupar a 3ª posição. Os três vencedores receberam um prémio monetário no valor de 500, 200 e 150 euros, respetivamente, para além de serem contratados para seis espetáculos, um em cada freguesia do concelho de Tavira, durante este Verão.

Cecília Valentim

Tavira ao sabor da cultura Terminou em apoteoso uma noite repleta de emoções, com o Rio Gilão nas costas e um céu estrelado por cima do numeroso público e Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira, não escondia a satisfação face ao êxito da primeira edição deste concurso de fado. “Tivemos aqui uma moldura humana com mais de 1500 pessoas, o que atesta o sucesso deste espetáculo de grande nível. Foram mais de duas horas de hino ao nosso património, o fado, mas também Património Imaterial da Humanidade e Tavira demonstrou mais uma vez que sabe organizar grandes eventos e para

Cacílio Santos

João Limpo

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públicos diferentes”, frisou o edil, confirmando que, durante o Verão, haverá espetáculos praticamente todos os dias na Praça da República. “É a nossa forma de viver o Verão, aproveitando locais idílicos a céu aberto e os nossos fantásticos espaços arquitetónicos e tudo isso leva a que as pessoas adiram muito mais aos eventos”. E como estava prestes a terminar a primeira edição do programa cultural «Viva a Primavera», Jorge Botelho aproveitou para fazer um balanço extremamente positivo da iniciativa. “No início do ano já tínhamos preenchido o nosso calendário de Verão, que arranca com as Festas da Cidade, a 23/24 de junho, e quisemos dinamizar igualmente a Primavera, até 30 de junho, envolvendo as associações locais”, explica o autarca, acrescentando que o tecido associativo foi célere a aderir a este programa cultural e com sugestões bastante diversificadas, desde o jazz à dança, da arte contemporânea à poesia e música.

Ana Rato

Luís Saturnino

Foi nesse contexto que nasceu o I Concurso de Fado de Tavira, pelas mãos da Associação Cultural Fado com Ana Tareco

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História, com o sucesso que já se referiu, sendo agora o momento de avaliar todas as iniciativas. Há, contudo, já a certeza de que, em 2017, teremos nova edição do «Viva a Primavera», logo a partir de março e possivelmente com um reforço do orçamento, consoante a qualidade das propostas apresentadas e da própria situação financeira da autarquia na altura. “O dinheiro não é tudo, mas ajuda a enriquecer toda esta panóplia de eventos e afetaremos ao programa uma dotação financeira condigna. Para além de envolver a comunidade cultural do concelho, estas iniciativas atraem verdadeiramente públicos e é isso que pretendemos para combater a sazonalidade da região e do concelho”, salienta Jorge Botelho.

Alcino Bom

Carlota Rodrigues, vencedora da vertente infantil

Uma aposta claramente ganha, num processo que decorreu de forma horizontal e com o envolvimento das associações culturais de Tavira, indo assim ao encontro do desejo destas contribuírem com um programa feito por elas e assente na prata da casa. “Correu tudo muitíssimo bem, as associações estão bastante motivadas para continuam a trabalhar connosco e nós queremos ALGARVE INFORMATIVO #63

Emanuela Furtado

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programar em conjunto aquilo que é Tavira”, afirmou o presidente da Câmara Municipal, garantindo que a cultura é uma ferramenta essencial para dinamizar ainda mais o Algarve durante a época baixa. Certo é que Tavira não vai parar nos próximos meses, com junho a terminar ao sabor dos festejos do Dia da Cidade, com as encenações da Moura Encantada, os Arraiais de São João e o concerto de Miguel Araújo. “A partir de 1 de julho começam as «Cenas na Rua» e as feiras temáticas, entre elas a Feira de Caça e Pesca. Em agosto temos quatro concertos com o Rodrigo Leão, a Cuca Roseta, o António Zambujo e os «Deolinda» no Parque da Cidade. Prosseguimos com a Feira da Dieta Mediterrânica, de 1 a 4 de setembro, com um programa alusivo à época e uma grande manifestação cultural em honra do padrão da comunidade representativa da Dieta Mediterrânica. A finalizar o Verão temos a Semana da Juventude, para que os nossos jovens possam retomar as aulas em grande nível”, adiantou Jorge Botelho . 31

Márcio Gonçalves

Sara Gonçalves

Rita Viola, Teresa Viola e Pedro Viola

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O Algarve é mais Algarve aquém e além agosto! Paulo Cunha

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ntão e agora que toda a gente foi lá para «baixo» é que os senhores vêm cá para «cima»!?...”, é o comentário que recorrentemente oiço quando me perguntam de onde venho, sempre que em agosto deambulo com a família pelo Portugal profundo e desconhecido. E a resposta que damos é invariavelmente a mesma: “ Fugimos de tudo aquilo que nos fez precisar de ter férias!”. Não é necessariamente a profissão que nos coloca em estado de esgotamento, fadiga ou stress. Resultante de uma soma de fatores exógenos que nos condicionam o quotidiano, a nossa psique despoleta uma série de reações fisiológicas que nos levam a precisar de procurar refúgio em sítios em que a influência e a intervenção do homem são diminutas ou até inexistentes. Há mais de meio século a viver nesta província abençoada pelo melhor que a natureza poderia proporcionar, cedo percebi que uma simples saída para o campo ou para junto do mar operava um efeito calmante, regenerador e até terapêutico no que ao meu bem-estar concerne. Percebi também que afastar-me das pessoas e, consequentemente, da excessiva carga negativa que transportam e emanam podia ser benéfico para a minha saúde e a dos “meus”. Volvidos estes anos concluí que não estou só relativamente ao usufruto daquilo que o Algarve tem para oferecer: a sua natureza tal como sempre foi e continua a ser.

melhor que esta “ilha entalada entre Espanha, o Alentejo e o mar” nos tem para dar. Condicionados por um calendário escolar em que o mês de agosto se torna, na maioria dos casos, o mês de todas as férias, grande parte dos portugueses desce ao Algarve no mês em que, afinal de contas, o Algarve é menos Algarve. São as temperaturas excessivas; é a colonização linguística; são os preços inflacionados; são as filas intermináveis para tudo e mais alguma coisa; é a falta de paciência e de civismo em situações de grandes ajuntamentos; é a falta de espaço para estacionar; é a ocupação quase selvática da nossa zona de conforto na praia; é o uso indevido e desrespeitoso de algum património natural e edificado; é o abandono temporário duma forma de estar identitária em nome duma subserviência mercantilista, a todos os níveis bacoca e tacanha… enfim, razões mais do que suficientes para sair de cá (Algarve) no mês em que, pelo menos para mim, agosto não é a gosto. Saio, mas volto… Sempre! Até porque o “paraíso mora à nossa porta” grande parte do ano. Queiram e saibam os portugueses descobrilo na devida altura, coisa que muitos estrangeiros aposentados que por cá moram já há muito tempo fizeram, e sentirão na pele e no coração tudo aquilo que aqui escrevo. Pode parecer um cliché ou até um chavão publicitário já estafado, mas: “O Algarve é mais Algarve aquém e além agosto!” .

Um privilégio ao alcance dos autóctones que durante quase onze meses têm ao seu dispor o

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E se comemorássemos o Dia da Cidade?! José Graça

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á municípios que celebram o dia da cidade e vilas que comemoram o dia do município, outros deixam-se levar pelo calendário das festividades locais de caráter sazonal e acumulam as festas esquecendo o seu passado ou pouco fazendo para valorizar a sua história… No Algarve, na falta de uma data comemorativa da unidade regional, os dezasseis concelhos (ou será municípios?!) assinalam tais efemérides da mesma forma, alinhando as celebrações com as festas da Espiga (Loulé e Monchique) ou dos Santos Populares (particularmente do São João, como são os casos de Castro Marim e Tavira), numa tradição que remonta ao Estado Novo, ou comemorando as datas de elevação a cidade (13 de maio – Vila Real de Santo António, 7 de setembro - Faro e 11 de dezembro Portimão)… Albufeira comemora o seu feriado municipal no dia 20 de agosto, data que simboliza a entrega da Carta de Foral, em 1504, pelo rei D. Manuel I. Por outro lado, segundo José Varzeano, “Alcoutim até tem um feriado municipal sem data e sem qualquer significado!” Em Aljezur, a data escolhida recai nas ancestrais tradições dos povos locais, recriando o tradicional banho 29 na praia de Monte Clérigo ou noutra mais perto. Ainda acontece coisa parecida nas praias de Cacela ou de Lagos, mas sem tal honra institucional. Em Lagoa, celebram-se a 8 de setembro as festividades de Nossa Senhora da Luz. Mais a barlavento, em Vila do Bispo e Lagos, nos dias 22 de janeiro e 27 de outubro, o Dia do Município é celebrado em honra dos respetivos padroeiros, São Vicente e São Gonçalo de Lagos, que deu nome à nova freguesia urbana. Em plena invasão francesa, o movimento restaurador da soberania iniciou-se no dia do Corpo de Deus, em 16 de junho de 1808, tendo os olhanenses conseguido impor-se perante as forças napoleónicas. Também já lá vão uns aninhos, São Brás de Alportel continua a celebrar ou a elevação da freguesia a concelho (1 de junho de 1914), marcando a sua independência em relação a Faro! Em Silves, em 3 de setembro, continua a celebrar-se a tomada da então capital do reino do Algarve aos mouros, não obstante Al-Mut’amid e Ibn Ammar

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serem consideradas cada vez mais personagens incontornáveis da sua história. No primeiro quartel do século XIV, a vila de Tavira era considerada a maior urbe do Algarve, suplantando a cidade de Silves, devido ao crescimento económico e demográfico que apresentava, quando lhe é atribuído o primeiro foral. No terceiro volume da sua História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão considera-a mesmo como a terceira cidade dos reinos de Portugal e dos Algarves, apenas ultrapassada em dimensão e importância política por Lisboa e Coimbra. A então “Nobre e Leal Villa de Tavilla” foi elevada a cidade a 16 de março de 1520 por D. Manuel I, confirmada por carta régia de D. João III de 10 de novembro de 1525 (trasladado no 1.º Livro de Reforma dos Tomos da Câmara de 1733): "(…) fazemos a dita villa cidade e queremos e havemos por bem que daqui em diante se chame cidade e como tal gouva de todallas honrras graças mercês previlegios Liberdades e franquezas(…)". Segundo a carta régia de D. Manuel I, Tavira mereceu o novo estatuto graças ao “mayor crecimento e por ser considerada (…) huma das principaes Villas de nossos Reynos e munto Povoada de fidalgos, Cavalleiros e outra gente de Mericimento e que estão sempre aparelhados pêra nos servirem com armas homens cavallos Navios e como por todas estas Rezoeis de Couza Justa que a dita villa façamos o acreçentamento de honra (…)". Esta carta régia veio confirmar um estatuto que há muito se vivia em Tavira. A demonstrá-lo existe documentação no Arquivo da Misericórdia, datada de maio de 1513, onde Tavira já era designada como cidade. E, no futuro, que tal comemorarmos condignamente mesmo este verdadeiro Dia da Cidade?! . NOTA – Poderá consultar os artigos anteriores sobre estas e outras matérias no meu blogue (www.terradosol.blogspot.com) ou na página www.facebook.com/josegraca1966 (Membro do Secretariado Regional do PS-Algarve e da Assembleia Intermunicipal do Algarve)

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Chegou o Verão, e então? Há Mar e Mar, há ir e não voltar! Augusto Lima

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hegou o tão falado, almejado e efémero Verão, o tal que todos os anos obriga a novas, algumas, contratações, firmadas com acordo sazonal, alegando uma maior afluência de clientes, mantendo bem presente o papão da precariedade. Pintaram-se portas e paredes, comprou-se mais meia dúzia de cadeiras, investiu-se num armário frigorífico ou ainda se mandou fazer umas Cartas novas, mais modernas… Todos os anos, este ciclo se repete, de vontades e esperanças renovadas para alguns e a certeza de uma lancheira cheia de euros, livres de impostos, para outros. E todos os anos vejo gente boa, aficionados da Arte restaurativa com pegas de cara, a pé, destemidos, virem morrer na Praia do descontentamento, na arena sem plateia, sem as mesmas contrapartidas dos tubarões que abundam neste mar de oportunidades clandestinas.

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A crise trouxe o fecho de milhares de estruturas organizadas no leque da restauração. Se tenho algo a dizer? – Sim, tenho! Que lamento, mas que me agradou também. Nesse tempo como agora, eram e são demasiados os que vendem comida e bebida. Para quando um protocolo que obrigue a provar quem somos em matéria desta natureza. Restauração é sinónimo de saúde pública e como tal, deveria ser entregue apenas a quem prove que tem valor na prática dessa arte. Aconselho aqui que façam uso da reclamação em caso de incompetência ou outra situação aberrante. Reclamar é meio caminho andado para a autocrítica. Boas férias, comam bem e reclamem, pela vossa saúde! .

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Museu do Trajo de São Brás de Alportel Um museu especial e diferente dos outros As comemorações do Dia do Município de São Brás de Alportel incluíram uma visita ao Museu do Trajo, uma imponente residência familiar de outros tempos convertida, nos anos 80, em museu e que marca a diferença precisamente por ser diferente de todos os outros equipamentos culturais da mesma índole. Por isso, algumas semanas depois e com mais vagar, regressamos ao Museu do Trajo para conversarmos com o diretor Emanuel Sancho, que explicou a razão deste espaço constituir um caso de estudo internacional graças ao seu modelo de gestão e à dinâmica cultural que imprime nesta vila do interior algarvio. Texto:

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ouco faltava para as 10h quando Emanuel Sancho nos recebeu no Museu do Trajo de São Brás de Alportel, equipamento cultural que entrou em funcionamento em 1984 e que é pertença da Misericórdia de São Brás de Alportel. Outra diferença em relação aos seus congéneres é estar filiado na corrente da Museologia Social, que valoriza particularmente a relação dos museus com as suas comunidades, relegando para segundo plano a função turística mais privilegiada na chamada museologia convencional. "Por estarmos no interior do Algarve, numa zona menos turística, desenvolvemos bastante esta função social e somos intensamente utilizados pela comunidade local. No entanto, sendo um museu que representa a terra,

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também apresenta exposições com interesse turístico”, explica o diretor do Museu. Sobre a designação «Museu do Trajo», Emanuel Sancho entende que a museologia não deve ser repetitiva, até porque existem várias temáticas que podem ser exploradas de forma saudável. “Para além disso, temos a segunda melhor coleção de traje histórico do país, em quantidade e em qualidade”, salienta, aproveitando para recuar um pouco na história para que se perceba melhor o caminho trilhado até à atualidade. “O Museu começou a dar os primeiros passos, em 1982, pela mão do Padre José da Cunha Duarte, que começou a juntar esta coleção impressionante de vestuário antigo. Com o tempo, acabamos por

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Emanuel Sancho, diretor do Museu do Trajo de São Brás de Alportel

polarizar esse tema ao nível do Algarve e se há uma família em Lagos, ou Vila Real de Santo António, que tem algumas peças de roupa dos seus antepassados, há uma tendência para se pensar logo em nós como um bom local para entregar esses materiais”, indica, revelando que no Museu de São Brás de Alportel estão trajes étnicos de vários lugares do mundo, embora o grosso do acervo provenha da região algarvia. De referir igualmente que, quando se começaram a dar esses primeiros passos, o Museu do Trajo ainda não tinha casa própria, não existia enquanto espaço físico, situação que foi resolvida com o aproveitamento da residência de uma família rica da terra que faleceu sem deixar descendentes e 43

que deixou a propriedade à Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel. “Já na altura existia uma ideia bastante comum de que, num edifício antigo, fica bem é um museu, e assim aconteceu. Só o edifício principal tem 26 divisões e cerca de 500 metros quadrados e, em anexo, possui as casas agrícolas, as antigas cavalariças, os armazéns das ferramentas e alfaias agrícolas. Posteriormente, ainda construímos mais um edifício, de raiz, para fazer a conservação dos objetos em condições ideais”, conta Emanuel Sancho. Como se adivinha, nada aconteceu com um estalar de dedos, aliás, chegou a equacionar-se a demolição do edifício, que estava bastante ALGARVE INFORMATIVO #63


degradado, e tal não sucedeu apenas porque ali se instalou, entretanto, o Museu do Trajo. “É pela via da cultura e do património que, nestes 30 anos, tem sido possível angariar fundos e conquistar financiamentos para recuperar tudo isto”, salienta o entrevistado, confirmando que criar vida para um espaço tão amplo não ALGARVE INFORMATIVO #63

seria fácil se o museu se limitasse às atividades que lhe estão tradicionalmente associadas. “Há muitas iniciativas dinamizadas por voluntários que têm cabimento num museu, porque tratam da memória e do património, e que podem funcionar lado a lado com a vertente das exposições, onde os

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articulam de maneira muito harmónica para utilizar os vários espaços do Museu”, indica Emanuel Sancho. Outra diferença que se encontra no Museu do Trajo de São Brás de Alportel prende-se com os serviços educativos que estes equipamentos culturais prestam à comunidade, funcionando, neste caso concreto, quase como um laboratório de experiências. “Criamos um projeto especial para os alunos do 1.º ciclo, o «Mão na Mão – o Museu na Escola», para incutir nestas crianças uma relação muito próxima da escola com o museu durante quatro anos. Pelo menos uma vez por mês, uma turma visita o museu e faz aqui uma aula, com atividades integradas no currículo e no programa escolar. Ao fim de quatro anos, veja-se o número de vezes que aqui estiveram, a relação de grande afetividade que se estabelece entre as crianças e os funcionários”, descreve, assegurando que muitos destes jovens, depois de transitarem para outras escolas, continuam a recorrer ao museu para concretizar as suas ideias e projetos. objetos antigos estão no centro das atenções. Só para se ter uma ideia, o Museu do Trajo movimenta 30 organizações diferentes que aqui estão instaladas: três grupos de música popular, um clube de jazz, um clube de artes plásticas, um clube de fado, entre outras, umas associações formais, outras informais, que se

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Um museu totalmente sustentável Conforme já se percebeu, o Museu do Trajo de São Brás de Alportel não segue a matriz dos museus tradicionais, portanto, não

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é de espantar que o perfil do seu público também seja diferente do habitual. Deste modo, o turista que paga o seu bilhete, visita o espaço, vai embora e dificilmente regressa nos próximos tempos, é designado por «visitante», enquanto o cliente local é chamado de «utilizador» e é cinco vezes superior ao primeiro, porque vem assistir a um espetáculo ou participar num workshop, porque integra o clube de fotografia ou de teatro. “É mais uma característica que nos torna um museu especial e por isso estamos a ser estudados por vários investigadores da área da museologia”, revela, com uma ponta de orgulho. Fruto de toda esta dinâmica, gerir as contas do Museu do Trajo até nem é o bicho-de-sete-cabeças que se possa 47

imaginar, por também ser feito de uma forma bastante interessante. “Somos um conjunto de 30 entidades autónomas, por exemplo, as cotas da Associação dos Amigos do Museu, que tem cerca de 800 sócios, não revertem para o Museu. Existe um diálogo constante para que esta gente toda se entenda na partilha dos espaços e há uma intensa valorização dos recursos existentes. Não é necessário haver um equipamento de som para cada associação, a mesma sala desempenha funções diferentes em cada dia da semana e a cada hora do dia”, demonstra Emanuel Sancho, acrescentando ainda que o Museu já atingiu a sua sustentabilidade financeira, sendo que a Misericórdia suporta apenas os custos dos ordenados dos três funcionários e ALGARVE INFORMATIVO #63


Uma sala dedicada a César Correia, antigo árbitro internacional de futebol natural de São Brás de Alportel

das obras de conservação do edifício. “Tudo o que é investigação, exposições, publicações, é pago por recursos gerados pela Loja e Bar do Museu, pelo valor dos bilhetes e por receitas advindas de prestações de serviços a várias entidades, nomeadamente à Câmara Municipal”. Peça importante neste puzzle tem sido a Associação dos Amigos do Museu, cujos recursos são utilizados na melhoria das condições deste equipamento cultural, com os últimos investimentos a terem sido a compra de um piano de cauda e a instalação de ar condicionado em algumas salas, para além de pagarem o vencimento de uma funcionária. “Temos uma gestão extremamente horizontal onde o diretor não é um líder

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autoritário, mas sim um facilitador de relações”, afirma o entrevistado, um modelo inovador de gestão que é para ser aprofundado e melhorado continuamente. “E queremos que o Museu seja uma instituição central em São Brás de Alportel. Não temos as ambições comuns aos grandes museus, de alargar, expandir. Queremos, sim, melhorar a qualidade dos serviços que prestamos, que as pessoas frequentem cada vez mais o museu e tirem partido desta realidade e que o Museu seja um laboratório de onde possam sair coisas novas para a museologia em geral”. E porque foi inaugurada recentemente uma nova exposição no Museu do Trajo, não podíamos

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Imagens alusivas à participação dos são-brasenses na Primeira Guerra Mundial

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sair sem uma breve explicação do que se pode assistir nas várias salas desta casa especial, e que ainda é uma reminiscência das comemorações do centenário de existência do Município de São Brás de Alportel. “Participamos ativamente no programa de iniciativas e ficamos sem capacidade logística para montar a exposição que estava planeada para aquela altura. Isto levou a que esta mostra tenha demorado mais de dois anos a preparar e montar e reflete 30 anos de São Brás de Alportel, entre 1900 e 1930”, explica Emanuel Sancho sobre «As Engrenagens do Tempo», onde vários momentos são relatados nas diferentes salas. “O período foi marcado pelos últimos anos da Monarquia, pela implantação da República, pela Primeira Guerra Mundial, onde participaram 114 ALGARVE INFORMATIVO #63

jovens são-brasenses, e alguns ficaram lá. Passamos pela expansão dos anos 20 e acabamos no Estado Novo”, ilustra. Curiosamente, a própria população acabou por acompanhar a montagem da exposição e, em alguns casos, até participar ativamente nesse processo, já que o Museu manteve sempre as portas abertas ao longo desse período. “Trouxeram objetos que tinham em casa, fotografias de família, e o esqueleto da exposição foi evoluindo de forma bastante interessante. É um modelo diferente que provavelmente iremos repetir no futuro, para que as pessoas sintam que fazem parte da exposição, da história” . 50


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Lídia Jorge veio a Albufeira falar de Cultura, do Amor e de Angola O livro de contos «O Amor em Lobito Bay», da conceituada escritora algarvia Lídia Jorge, deu o pontapé de saída para o ciclo «Obra Aberta», tertúlia que teve lugar no dia 21 de junho, na Biblioteca Municipal de Albufeira. Uma noite de palavras soltas, sem filtro, onde a premiada autora falou de tudo um pouco, respondendo aos desafios que lhe foram colocados pela assistência e onde a cultura, o amor e Angola tiveram uma especial preponderância. Texto:

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Ciclo «Obra Aberta» arrancou, no dia 21 de junho, na Biblioteca Municipal de Albufeira com uma convidada de peso, precisamente a patrona deste equipamento cultural, a escritora Lídia Jorge, natural de Boliqueime e com fortes ligações ao concelho de Albufeira. Em cima da mesa estava a sua mais recente obra, o livro de contos «O Amor em Lobito Bay», o mote para uma entrevista informal conduzida por Luísa Monteiro e que contou com várias intervenções de «seguidores» da obra da convidada, desde o encenador Paulo Moreira, à escritora Josefa Lima, passando pelo especialista em política internacional, Cristiano Cabrita. A noite decorreu sem roteiro, sem um fio condutor demasiado rígido, e começou logo com Lídia Jorge a descrever as pessoas que, atualmente, gostam de cultura como uma espécie de clã, de grupo místico, à parte dos outros. “Poucas serão as pessoas que aqui estão presentes que eu não as possa chamar pelo nome e os serões literários deveriam ser assim, entre amigos, para nos entendermos, para falarmos uns com os outros”, afirmou a algarvia, ao mesmo tempo que reconhecia que a cultura básica do povo português ainda é muito primária. “Somos filhos e netos de pessoas que, na sua maioria, foram analfabetos. Não quer dizer com isso que não tenham sido curiosos, criativos, poetas, artistas, simplesmente, foram-no com os ALGARVE INFORMATIVO #63

Lídia Jorge : (…) Quando há uma crise num país, vai-se sempre ver o que dizem os escritores, os poetas, os artistas, porque eles aprenderam a estar isolados na opinião e são desempoeirados como falam. Dizem sem pensar que amanhã serão presos, ou que perderão o emprego (…)

instrumentos da sua própria inteligência, do seu próprio coração, faltando-lhes depois a base que a cultura formal fornece”, entende. Nesse sentido, Lídia Jorge defende que é preciso termos bastante paciência connosco próprios e assumir os nossos defeitos, para depois os tentarmos corrigir. “Não 56


nos conhecemos nem estimamos e um povo assim está apto a ser colonizado. Estamos sempre a pensar que aquilo que vem de fora tem mais valor e que alguém só presta se for reconhecido além-fronteiras”, sublinha, perante uma plateia atenta. “Há uma espécie de hiato entre aquele que cria cultura e aquele que consome cultura, temos que ser realistas. A facilidade da expansão da 57

comunicação hoje é imensa, mas oferece também o seu contraditório e a escola e a cultura promovida pelas autarquias desempenham um papel fundamental no caminho que estamos todos a percorrer”. Falando das escolas, e da educação artística, Lídia Jorge não julga que se estejam a criar artistas, ALGARVE INFORMATIVO #63


Lídia Jorge: (…) Quando os jovens passam as horas do serão a ver telenovelas, estão a perder o seu tempo de juventude. Não estão a adquirir arte, mas sim no entretenimento mais básico de todos, que é a repetição dos elementos da vida (…)

mas sim a sensibilizar pessoas para o valor da arte, o que é bastante diferente. “Se 15 ou 20 rapazes entrarem para uma turma de teatro, possivelmente eles não irão ser todos atores, mas ficam com essa experiência de pisar o palco, de perceber o que é um texto, de dizê-lo em voz alta, de compreender que há textos dramáticos que têm uma estrutura própria, que há perspetivas de personagens e da tensão que se gera entre elas. Essas pessoas podem vir a ser taxistas, médicos, enfermeiros, vendedores, proprietários de uma horta, mas não serão as mesmas pessoas, porque olharão para as questões culturais de uma outra forma”, assegura a escritora. Lídia Jorge não deixou, porém, de lançar uma crítica aos meios de comunicação

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pela forma como promovem, ou não, a cultura nacional e pelos programas em que apostam para ganhar audiências, dando o exemplo concreto do «Preço Certo». “É um programa intocável, mas eu olho para esse fenómeno e sinto uma profunda pena do meu país. Infelizmente, essa é a resposta que se dá a um país que tem uma estrutura cultural ainda muito arcaica e as pessoas, com uma grande simplicidade, sem vergonha nenhuma, expõem-se de toda a maneira”, observa, fazendo também uma clara distinção entre cinema e telenovela. “O cinema vive da elipse, daquilo que não é narrado, do que é apenas sugerido, do que não se diz, mas que se intui. É uma arte de uma grande subtileza. A telenovela é o arrastar daquilo que é previsível e daquilo que não faz falta. Quando os jovens passam as horas do serão a ver telenovelas, estão a perder o seu tempo de juventude. Não estão a adquirir arte, mas sim no entretenimento mais básico de todos, que é a repetição dos elementos da vida”, alerta. Ainda em torno da cultura, Lídia Jorge recorda que a literatura portuguesa imitou, no século XVI, os italianos, no século XVII copiou os espanhóis, no século XVIII seguiu os franceses e, no século XIX, baseou-se nos ingleses e alemães. “A fraca escola portuguesa permitiu que houvesse génios, mas não houvessem elites cultas. No século XX, aparecem pela primeira vez, na arquitetura, literatura, pintura e cinema, autores 59

portugueses que influenciam os outros povos. Cientificamente, os portugueses estavam no grau zero, eram apenas colaboradores e, de repente, no espaço de 20 anos, há uma capacidade dos jovens cientistas portugueses colaborarem com os grandes eventos e descobertas no exterior”, enaltece a patrona da Biblioteca Municipal de Albufeira.

Arte existe para nos inquietar e para ser um contrapoder Perante este cenário, Lídia Jorge realça que os artistas, sejam de que área forem, não são pessoas que pactuam com a realidade como elas lhes é apresentada e que os criadores não se acautelam, não buscam a estabilidade, não temem a mudança. “Não pensam na sua segurança, mas na coerência do que fazem. Quando há uma crise num país, vai-se sempre ver o que dizem os escritores, os poetas, os artistas, porque eles aprenderam a estar isolados na opinião e são desempoeirados como falam. Dizem sem pensar que amanhã serão presos, ou que perderão o emprego”, salienta. “A nossa missão é olhar para o mundo e alterá-lo, não aceitá-lo como ele é. É dizer a verdade. Por isso, a arte vai ter que continuar a ser um contrapoder, caso contrário, passará apenas a ser um enfeite de salões, paredes e ruas”, acrescenta. ALGARVE INFORMATIVO #63


Comparando a cultura e a religião, Lídia Jorge explica que ambas respondem à ideia de que nós não sabemos nada, de que podemos muito pouco ou quase nada, daí que andemos numa constante procura da totalidade, de algo que nos indique um caminho. “A diferença é que a religião nomeia essa totalidade e acredita nela, enquanto a cultura põe em causa essa mesma totalidade e perguntará sempre «para que é que eu nasci?», «por que é que as sociedades são assim?», «por que razão nascemos para a perenidade?», «qual é o sentido da nossa vida?». A cultura está permanentemente a questionar e, em geral, não cria livros de autoajuda”, distingue. “A arte vem para nos inquietar sobre o nosso próprio destino, mas dá uma

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companhia, pois pertencemos todos a um clube, todos fazemos as mesmas perguntas”, diz, com um sorriso. Colocando o olhar sobre «O Amor em Lobito Bay», trata-se de um conjunto de nove contos, escritos sem o novo acordo ortográfico, assunto que Lídia Jorge preferiu nem sequer abordar, sob pena da tertúlia se prolongar pela madrugada adentro. E, recuando aos seus primeiros passos como escritora, a convidada da noite lembra que, quando tinha os seus 18 anos, estava na moda o romance francês, um estilo que não lhe despertava grande entusiasmo. “Era muito interior, íntimo, sem o apelo às grandes questões do mundo, e eu vivia com as memórias da

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Lídia Jorge: (…) Às vezes pensamos que Portugal está mal em termos de liberdades, o que não é verdade, o nosso problema é que somos mórbidos na atuação (…)

infância desta terra. Quando era criança, a vida do campo era muito dura. Os funerais, os nascimentos, a gravidez das mulheres, os homicídios, as vinganças, os roubos, eram tudo coisas tenebrosas”, lembra Lídia Jorge, notando-se sinais de concordância de homens e mulheres da sua geração que estavam na plateia, provavelmente com as mesmas imagens bem marcadas nas suas memória. “Havia as eiras, onde cada agricultor tinha o chamado roleiro, punha lá os molhos de trigo e ficavase à espera que viesse uma máquina para debulhar aquilo. Era um período horrível, porque os camponeses colocavam a sua fortuna uns ao lado dos outros e existia uma forte 61

rivalidade entre as pessoas. O problema é que, quando chegavam aquelas máquinas, havia imensos incêndios”, recorda.

Angola está à beira de rebentar Com essas imagens em mente, Lídia Jorge queria escrever, mas não sabia que modelo utilizar, já que a literatura da época era

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Lídia Jorge: (…) acho que não existe um único português que esteja de acordo com o regime de Eduardo dos Santos. As pessoas podem não levantar a voz, mas acho que desprezam aquele regime (…) demasiadamente sofisticada para o seu gosto. “Era o programa psicológico da existência, mas eu pensava que a existência era algo que vinha da brutalidade da vida. De repente, descubro um livro do William Faulkner que me disse respeito, a história de dois prisioneiros que estavam numa colónia penal no Mississippi e que, devido a umas intempéries, são obrigados a sair para ir salvar pessoas”, indica a autora. “Percebi que, se pegasse naquilo que vivi, naquilo que sabia, nas relações entre os homens, não precisava imitar os franceses ou ingleses”. E porque se estava a falar de Lobito, a conversa assume um tom mais sério quando se abordam os valores democráticos, a liberdade política, os direitos humanos, tudo o que se passa em Angola, um estado considerado por analistas internacionais como «neo-patrimonial», que vive à custa do clientelismo e da corrupção, privilegiando poucos à custa dos ALGARVE INFORMATIVO #63

esforços de muitos. “É uma questão dolorosa e atual que nos deixa a todos perplexos, porque não sonhávamos que isto viesse a acontecer. Às vezes pensamos que Portugal está mal em termos de liberdades, o que não é verdade, o nosso problema é que somos mórbidos na atuação”, frisa Lídia Jorge, pegando mas palavras que lhe disse em tempos um escritor moçambicano, José Craveirinha: «Vocês querem que haja democracia em África, mas isso é um erro. As democracias só se alcançam depois de em África se passar por furiosas plutocracias e de elas se esgotarem». “Os países precisam passar por evoluções e existem, em muitas regiões de África, situações tribais promovidas a relações de Estado, com a agravante de que foram os europeus, no final do século XIX, início do século XX, que lhes desenharam os países e os exploraram, em graves posições coloniais, até há bem pouco tempo”, enfatiza. Para Lídia Jorge, o que se passa em Angola é bastante claro, é um caso chocante, uma nódoa no mundo. “E, parece-me a mim, está à beira de rebentar. Contudo, o facto do mundo inteiro estar de olho aberto e de Portugal, e a Europa, terem tido a coragem de não dar todos os doces à filha do presidente de Angola, já é alguma coisa. Portugal tem uma situação muito delicada com Angola e Moçambique, porque 62


aparece como antigo colonizador e permanecem laços afetivos bastante fortes, e interesses concretos, relações comerciais e políticas difíceis de gerir”, indica, salientando que Portugal se tem portado, apesar de tudo, com alguma altivez neste processo. “É preciso paciência, mas acho que não existe um único português que esteja de acordo com o regime de Eduardo dos Santos. As pessoas podem não levantar a voz, mas acho que desprezam aquele regime”, reforça. E regressando ao contexto nacional, Lídia Jorge não esquece que Portugal viveu muitos anos numa ditadura, que foi branda para alguns, mas bastante feroz para outros, o que deixou os portugueses numa apatia difícil de combater. “Uma das coisas que a 63

pobreza e os plutocratas fazem é esmagar a vontade dos povos. As pessoas têm medo de perder as coisinhas poucas que possuem, receiam pela sua sobrevivência e o histórico transformou-se em genético”, alerta, preocupada. “Os portugueses perdem facilmente a cabeça, ficamos logo desvairados, não temos frieza, ficamos com medo de nós próprios. Nós somos livres, mas não sabemos utilizar a liberdade”, lamenta, exemplificando esse sentimento com o que acontece na política. “Os políticos têm medo uns dos outros, não dizem as coisas e, quando querem argumentar, insultam. Temos medo até de omitir a nossa opinião, enervamo-nos, batemos com a porta, vamo-nos embora. É uma herança terrível” . ALGARVE INFORMATIVO #63


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Filipe da Palma regista em fotografia um Algarve já esquecido Filipe da Palma tem percorrido o Algarve de lés-a-lés nos últimos anos para registar em fotografia testemunhos das riquezas arquitetónicas de uma época anterior ao boom do turismo de massas, que deitou por terra muita da história da região para dar lugar a empreendimentos turísticos e blocos de betão. Especializado em platibandas, o fotógrafo tem um olhar clínico sobre o que é tradicional, o que faz parte da traça genuína algarvia, que depois partilha com os outros através das suas exposições. Texto: ALGARVE INFORMATIVO #63

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oi na sessão inaugural do ciclo «Obra Aberta», que aconteceu no dia 21 de junho, na Biblioteca Municipal de Albufeira, que estivemos à conversa com Filipe da Palma. O portimonense de 45 anos, fotógrafo de profissão, ia participar numa tertúlia literária com a escritora Lídia Jorge mas, antes disso, houve oportunidade para se dar a conhecer um pouco melhor ao «Algarve Informativo», revelando que a paixão pela fotografia apareceu por volta dos 16/17 anos, durante o ensino secundário. Como no Algarve não existia nenhuma escola para se tirar um curso especializado, mudou-se para Lisboa, frequentou o ArCo – Centro de Arte e Comunicação Visual e entrou ao serviço

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de um grupo editorial que possuía diversas revistas, ou seja, estava a fazer aquilo que gostava. “Sempre me fascinou o ato da tomada da imagem e, depois, estar com a imagem impressa na mão. Era um processo que implicava bastante trabalho no laboratório a preto e branco até se conseguir uma fotografia boa”, recorda, considerando que fotografar e imprimir são duas artes bem distintas. Uma distinção só possível de fazer porque Filipe da Palma ainda faz parte da geração da fotografia analógica, do velhinho rolo fotográfico, da sala escura com a luz vermelha, mas não é um saudosista, antes pelo contrário, aderiu rapidamente ao digital e às novas ferramentas desta profissão.

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O nascimento do primeiro filho acabou por motivar o regresso às origens, ao Algarve, diriam alguns que foi um passo atrás em termos profissionais, mas a família estava em primeiro lugar. “Vida de estudante em Lisboa é uma coisa, para se criar uma família, a história é completamente diferente, a não ser que tenhas excelentes condições, o que não era o meu caso. Por isso, vim para baixo e deu-se uma redescoberta do Algarve”, conta, um género de epifania em que teve papel preponderante um livro de Jacinto Palma Dias – «O Algarve Revisitado». “Comecei compulsivamente a fotografar os sinais ainda tangíveis, pulsantes, de um Algarve que ainda fez parte da minha infância, mas que estava a desaparecer rapidamente. O Algarve era uma 69

região diferente de todas as outras mas, com o passar do tempo, vai ficando igual a tudo o resto”, desabafa. Não são, assim, as paisagens algarvias sobejamente conhecidas dos turistas por via dos postais e das revistas que encantam Filipe da Palma, que o fazem parar e sacar de repente da sua objetiva. “O turista tradicional do Algarve conhece essencialmente a praia. Aliás, se fizermos uma pesquisa na rede com o termo «Algarve», só aparecem imagens de praias. Isso para mim não significa nada, o Algarve que me interessa está acima da EN 125, da Via do Infante”, confirma, triste por constatar que esse «Algarve» está cada vez mais abandonado, deixado à sua sorte, por não estar no ALGARVE INFORMATIVO #63


mediático litoral, junto à costa, nos grandes centros urbanos. Testemunhos fotográficos que vão ganhando quantidade consoante a disponibilidade, pois estas buscas implicam coordenar a atividade profissional com o tempo dedicado à família, mas também estão dependentes de existirem condições climatéricas propícias para o ato de captar a imagem. “Fotografar exige sempre um céu imaculadamente azul para que os elementos, principalmente os arquitetónicos, consigam saltar facilmente à vista. Tenho andado atrás de uma arquitetura que era única e que se vai tornando difícil de encontrar. Às vezes regresso a locais

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que visitei há uma ou duas décadas à procura de uma platibanda ou chaminé e, ou estão adulteradas, ou ruíram, ou têm uma edificação nova. No sotavento é mais fácil de encontrar precisamente porque a atividade turística se começou a desenvolver mais tarde do que no barlavento”, analisa. Mas se a perda deste património entristece Filipe da Palma, mais preocupado fica ao verificar que muitos algarvios nem estão cientes da sua cultura, das suas raízes. “Não se reveem na sua arquitetura, nas suas cores. Se tivessem carinho e amor, tentavam manter o máximo possível desta traça”, critica,

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consciente que este cenário dificilmente se vai alterar, até porque boa parte das pessoas que residem no Algarve, neste momento, não são naturais da região.

Fotografia está de boa saúde Os registos de Filipe da Palma permitem que esse património não caia no esquecimento das novas gerações, mas ajudam o próprio entrevistado a lidar com o stress do dia-a-dia, com as exigências do trabalho de fotógrafo, de modo que nem está com demasiadas preocupações artísticas no momento do clique. “A minha principal preocupação é tentar chegar ao maior número possível de testemunhos ainda existentes e captá-los enquanto lá estão”, garante o portimonense.

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Maiores cuidados existem quando está a montar exposições, uma faceta que surgiu por desafio de Rosa Mendes, quando este era diretor da Biblioteca da Universidade do Algarve, nas Gambelas. “Convidoume a fazer uma exposição e concebi um género, um estilo, que dura até hoje, volvidos que estão vários anos. Pegando na ideia de que a imagem que temos do Algarve é só areia, utilizo mesas com tampos em vidro, coloco areia por cima, e as pessoas, num exercício quase arqueológico, para terem acesso às imagens do «outro» Algarve, têm que destapálas, tirar a areia dos olhos”, descreve. Descobrir uma região diferente da promovida pela comunicação social de massas e pelas agências de turismo que implica, pelos vistos, um

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esforço menor do que se possa imaginar, considera Filipe da Palma, cujo próximo projeto passa pela produção de um livro de fotografias. “É uma edição bastante cara e há uns anos fiz uma primeira tentativa, mas as portas fecharam-se uma atrás da outra. Entretanto, já me deram força para voltar a tentar e, desta vez, sou eu que estou a falhar”, reconhece o entrevistado. “Houve uma série de percalços, não sinto que as coisas estejam prontas para o livro e vai levar algum tempo para bater outra vez às mesmas portas”, justifica.

em termos de qualidade e de quantidade, como agora. Pelo aparecimento das câmaras digitais, pela facilidade com que se utilizam os programas e pela internet, que nos permite conhecer trabalhos que, de outra maneira, teriam pouquíssima visibilidade. Hoje, contatamos com uma pessoa que está no Paquistão e que faz um trabalho fantástico sobre cabos de eletricidade numa cidade”, exemplifica, embora haja sempre necessidade de se separar o trigo do joio.

Quanto à fotografia na atualidade, defende que está de boa saúde, apesar da proliferação de amadores que tiram imagens sem saberem muito bem como, já que as máquinas modernas e os telemóveis de ponta fazem praticamente tudo sozinhos. “Há espaço e tempo para todos e a fotografia nunca conheceu um boom,

Com a tertúlia prestes a arrancar, Filipe da Palma teve ainda tempo para indicar que vai participar em duas exposições em julho, uma em Ferragudo, coletiva, outra em Messines, individual. “O livro, vai-se pensando e fazendo devagarinho, mas é o grande projeto para os próximos tempos”, confirma .

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profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. 76


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