ALGARVE INFORMATIVO 5 de novembro, 2016
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SARA NAVARRO utiliza técnicas ancestrais para criar esculturas contemporâneas Albufeira recordou 1 de novembro| Mauro Amaral em estúdio ALGARVE INFORMATIVO 1 Águas do Algarve lança nova ETAR |Olhão recebeu Terra Chã #82
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OPINIÃO 8 - Daniel Pina 26 - Paulo Cunha 28 - Paulo Bernardo 32 - José Graça 34 - Augusto Lima
ATUALIDADE 10 - Águas do Algarve lança ETAR Faro-Olhão 18 - Albufeira recordou heróis da tragédia do 1 de novembro
ENTREVISTAS/ REPORTAGENS 36 - Sara Navarro 46 - Terra Chã 58 - Mauro Amaral 66 - Não faz mal ser diferente
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Vira o disco e toca o mesmo! Daniel Pina
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s anos vão passando e, para não variar, apercebemo-nos que, nos meandros da política e da alta finança, continua tudo na mesma. Mudam os partidos que estão à frente do país, mudam os figurões que estão à frente das principais instituições financeiras do país, mas as práticas, essas, não mudam. O pior é que, ontem, como hoje, vão subsistindo as más práticas, enquanto as boas se vão desvanecendo no tempo, subjugados que estamos às decisões e interesses da União Europeia e do Banco Central Europeu. Serve a breve introdução para dizer que, em vez dos portugueses estarem a fazer contas à vida face ao Orçamento de Estado para 2017, andam mais entretidos a acompanhar os desenvolvimento em torno das falsas licenciaturas que foram descobertas lá para os lados do Ministério da Educação, e das declarações de rendimentos dos administradores da Caixa Geral de Depósitos. A mim surpreende-me que as pessoas ainda percam tempo com coisas que acontecem há não sei quantos anos e que vão continuar a acontecer, porque não temos poder nenhum para influenciar os maus hábitos das nossas elites. Eu sou do tempo em que tínhamos que dar ao litro para conseguir entrar na universidade, e ainda mais se queríamos ir para o curso que pretendíamos. Era a média do Secundário, a Prova Geral de Acesso, as provas de aferição e se, no fim disso tudo, não tivesse uma média superior aos 16 valores, nem valia a pena pensar em inscrever-me em Organização e Gestão de Empresas no ISCTE. Depois de alcançado o primeiro objetivo, vários familiares e amigos afiançaram-me que bastava tirar uma média final de curso igual ou superior aos 14 valores para conseguir ir às entrevistas de emprego e que essas, sim, eram decisivas para arranjarmos trabalho nas áreas do marketing e consultadoria. Ou seja, não valia a pena sermos uns crânios exagerados, nem abdicar da vida social e do convívio com os colegas para se acabar a licenciatura com 18 ou 19 valores. Assim fiz, terminei com média ligeiramente superior aos tais 14 valores e, verdade seja dita, ALGARVE INFORMATIVO #82
consegui ir a várias entrevistas de emprego e até me meteram um contrato na mão para rumar à Andersen Consulting. Quis o destino, porém, que viajasse para o Algarve e que fosse parar ao jornalismo, opção da qual nada me arrependo. Contudo, o que vislumbro nos últimos anos é jovens entrarem para a universidade com médias cada vez mais baixas, às vezes até negativas, e muitas vezes sem sequer saberem que futuro querem dar à vida. Sobre as falsas licenciaturas nos currículos, acredito que isso sempre tenha acontecido, porque os portugueses gostam imenso de exagerar nas suas aptidões académicas e nas suas experiências profissionais. A diferença é que, desde o célebre caso do antigo Ministro Adjunto Miguel Relvas, a comunicação social anda sempre à caça de mais escândalos e, pasme-se, eles até são abundantes e bem fáceis de desmascarar, tal a «lata» de alguns dos nossos políticos. Quanto à polémica em torno dos rendimentos dos administradores da Caixa Geral de Depósitos, é mais do mesmo, até porque o seu negócio é, de facto, trabalhar, às vezes jogar, com os números. Uns não querem apresentar os seus rendimentos, outros apresentam-nos de forma descontraída porque só mostram o que lhes interessa. O que não interessa está em nome de familiares, diretos ou indiretos, ou na conta bancária de amigos de confiança de longa data. Enquanto isso, o Orçamento de Estado para 2017 é aprovado e ninguém percebe muito bem como é que ficam, afinal, as coisas. Uns dizem que aumentam os impostos, outros dizem que não. Uns dizem que vamos ter mais dinheiro na carteira, outros garantem que vamos ficar ainda mais tesos. Uns dizem que, com estes números, se beneficiam os mais carenciados e que Portugal vai entrar na senda do crescimento, outros torcem o nariz e não acreditam muito nessa conversa. Enfim, algo a que já estamos acostumados, porque o disco vira, mas a música é sempre a mesma .
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Secretário de Estado do Ambiente colocou primeira pedra da ETAR Faro-Olhão O Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Manuel Martins, deslocou-se ao Algarve, no dia 31 de outubro, para a colocação da primeira pedra da futura Estação de Tratamento de Águas Residuais de Faro-Olhão, projetada para dar resposta aos desafios crescentes da atualidade e com um orçamento de 21 milhões de euros. A construção da infraestrutura permitirá desativar os sistemas de lagunagem das ETAR de Faro Nascente e Olhão Poente, contribuindo, desta forma, para a melhoria global do meio ambiente. Texto:
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arte significativa das águas residuais geradas nas cidades de Faro e Olhão são tratadas na ETAR de Faro Nascente e de Olhão Poente, respetivamente, que se encontram subdimensionadas face às condições de afluência (qualitativa e quantitativa) atuais. Para além disso, as duas infraestruturas assentam em sistemas de lagunagem que se revelam desadequadas devido aos níveis de qualidade agora exigidos para o efluente tratado a descarregar no meio recetor, ou seja, na Ria Formosa. A solução mais vantajosa, técnica e economicamente, encontrada pela «Águas do Algarve» passa pela construção da futura ETAR de FaroOlhão, no local da atual ETAR de Faro Nascente, com a consequente desativação das ETAR de Faro Nascente e ETAR Olhão Poente e ligação do subsistema de saneamento de Olhão Nascente à nova ETAR,
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mediante a construção de um Sistema Elevatório. O orçamento previsto é de 21 milhões de euros, cofinanciados em 85 por cento pelo Fundo de Coesão da União Europeia, no âmbito do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR). A nova ETAR permitirá servir uma população equivalente de 113 mil e 200 habitantes, correspondendo o caudal médio diário de 28 mil e 140 metros cúbicos/dia. A solução adotada contemplará, na fase líquida, as etapas de tratamento preliminar, biológico e desinfeção, possuindo ainda uma desinfeção adicional para produção de água de serviço. A fase sólida do tratamento inclui espessamento gravítico, desidratação de lamas por centrifugação e armazenamento temporário em silos. Quanto ao ar das etapas de tratamento mais
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odoríferas, será captado e tratado num sistema por lavagem química. A infraestrutura marca, assim, um novo paradigma na conceção de instalações deste tipo, com um tratamento biológico inovador assente numa tecnologia de grânulos aeróbicos, que permite diminuir o volume global de construção, reduzir as emissões de carbono e contribuir para a sustentabilidade global da instalação. Após as explicações técnicas, aconteceu a colocação simbólica da primeira pedra pelo Secretário de Estado do Ambiente, seguindo-se as intervenções das várias entidades envolvidas no processo. “A Ria Formosa estava ameaçada em função da não resolução de um problema que se arrastava há vários anos, daí estarmos satisfeitos por, finalmente, alguém ter decidido avançar com uma obra tão estruturante como esta”, frisou na ocasião Teresa Correia, Vereadora da Câmara Municipal de Faro, manifestando total disponibilidade da autarquia farense para ajudar a solucionar quaisquer problemas que possam surgir durante a construção.
por verificar que o Ministério do Ambiente está preocupado em defender a Ria Formosa e em dar luz verde e apoiar os investimentos que são necessários realizar nesta zona do Algarve, desde as ETAR aos esgotos que as autarquias terão que fazer. “Mas também as aberturas das barras e as dragagens dos canais. São pilares fundamentais do ponto de vista da sustentabilidade ambiental e a «Águas do Algarve» dá agora o primeiro passo para resolver um deles”.
Grande satisfação exibiu, igualmente, António Miguel Pina, presidente da Câmara Municipal de Olhão, embora entenda que esta ETAR devia ter sido a primeira a ser construída pela «Águas do Algarve». “Encontra-se num espaço muito rico ambientalmente, um dos espaços húmidos mais importantes da Europa, daí justificar-se este investimento”, afirmou, grato também
O outro concelho que será servido pela nova infraestrutura é São Brás de Alportel e Vítor Guerreiro depressa expressou o desejo dos autarcas algarvios em deixarem um legado para as novas gerações que tenha uma perspetiva de futuro. “O Algarve é uma zona turística, a nossa economia assenta essencialmente sobre o turismo e
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não nos podemos esquecer das questões ambientais. Têm sido feitos muitos investimentos ao longo da última década em termos de ambiente, há bastante ainda por fazer, mas esta obra vem marcar toda a diferença”, sublinhou, confirmando que as câmaras municipais têm ainda que ampliar as suas redes de tratamento de águas residuais, bem como torná-las mais eficientes, isolando-as das redes de águas pluviais. “Contamos com o apoio do quadro comunitário para avançarmos para esses investimentos, para que possamos ter um Algarve mais limpo e apetecível”, reforçou o edil sãobrasense. Em nome da «Águas do Algarve» falou Joaquim Peres, indicando ser esta a última grande obra de tratamento de efluentes prevista para a região algarvia e que irá utilizar, pela primeira vez num sistema de raiz, um 13
método de tratamento inovador em Portugal. “Experimentámos numa ETAR em Lisboa, funcionou perfeitamente, e com dois resultados extremamente importantes: por um lado, a economia de energia, que é significativa; por outro, a diminuição da ocupação de superfície de todo este espaço”, explicou o presidente do Conselho de Administração, acrescentando que esta infraestrutura só agora nasce pela possibilidade das várias entidades envolvidas colaborarem entre si. “Toda a gente se juntou para que este trabalho fosse para a frente e desejo que esta situação se prolongue no futuro porque, só uns com os outros, é que somos capazes de fazer crescer obras desta natureza”. Seguiu-se nas intervenções oficiais o presidente da «Águas de ALGARVE INFORMATIVO #82
Teresa Correia, Vereadora da Câmara Municipal de Faro
António Miguel Pina, Presidente da Câmara Municipal de Olhão
Vítor Guerreiro, Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel
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Portugal», João Nuno Mendes, que enfatizou a preocupação ambiental existente em torno desta moderna ETAR, que deverá entrar em funcionamento no final de 2018, sendo que a de Portimão está prevista para março de 2018. “Estamos a associar a estes investimentos sistemas de lagoas, que têm uma mais-valia ambiental extraordinária, portanto, se conseguirmos prolongar este excelente quadro de colaboração das diferentes entidades para a questão da requalificação das lagoas, de maneira a construir um cronograma compatível com o início de exploração das duas ETAR, estaremos a criar um valor muitíssimo grande do ponto de vista ambiental e económico para o Algarve”, afirmou. A cerimónia terminou com as palavras do Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Manuel Martins, que estava certo da ETAR de Faro-Olhão ser imprescindível para a qualidade de vida dos algarvios e dos visitantes da região, assim como para a Ria Formosa e para os municípios de Faro e Olhão. “Trata-se de requalificar uma ETAR que já não tinha um desempenho ambiental à altura dos desafios que temos pela frente e a dar um upgrade em termos de eficiência de tratamento e de controlo do processo. Demos também o pontapé de saída, na Companheira, para outra obra bastante importante para o Algarve e, em conjunto com esta ETAR e o sistema elevatório que lhe está associado, ultrapassam-se os 30 milhões de euros de investimento da «Águas do Algarve», que é a empresa, dentro do grupo «Águas de Portugal», com melhor desempenho na execução dos fundos comunitários”, destacou o governante. 14
Carlos Manuel Martins chamou ainda a atenção para a questão das lamas que serão produzidas pelas duas novas ETAR e que poderão gerar mais-valias do ponto de vista energético, num país que é tão carenciado de matéria orgânica nos seus solos. Por outro lado, face à sofisticação tecnológica das novas infraestruturas, o Secretário de Estado do Ambiente disse ser apologista de uma maior ligação do Grupo às universidades e politécnicos, no sentido de se promover mais investigação e conhecimento. “Quanto mais soubermos, quanto mais competências houver a nível nacional, mais facilmente poderemos conquistar os mercados internacionais ou, neste caso, levar o nosso saber para outros territórios”, justificou, deixando ainda um desafio para a criação de empresas intermunicipais para lidar com esta matéria concreta. “Não nos podemos esquecer que temos, em Portugal, 160 municípios com menos de 20 mil habitantes e 100 municípios com menos de 10 mil habitantes, ou seja, geralmente não têm escala, nem competências instaladas, para os desafios de gerir os sistemas de água e saneamento com as suas exigências atuais. Não queremos baixar o nível de serviço às populações e todo este trabalho é feito para o cliente final, para lhe chegar água de qualidade às torneiras, para termos uma bandeira azul à nossa espera quando vamos a uma praia. Não podemos hipotecar o caminho que foi percorrido nestes últimos 20, 25 anos”, concluiu .
Joaquim Peres, Presidente da «Águas do Algarve»
João Nuno Mendes, Presidente da «Águas de Portugal»
Carlos Manuel Martins, Secretário de Estado do Ambiente
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Albufeira recordou heróis da tragédia do 1 de novembro No dia 1 de novembro de 2015, o mar galgou a terra e a chuva caiu dos céus de forma impiedosa, com o caos provocado pelas forças da natureza a tomar conta da Baixa de Albufeira. Um ano depois, a Câmara Municipal de Albufeira prestou uma merecida homenagem a todas as entidades, empresas, clubes, associações e cidadãos que ajudaram a salvar vidas naquele dia e a restaurar a normalidade num dos principais cartões-de-visita do Algarve. Texto:
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proteção civil, que deram as mãos e fizeram frente à terrível intempérie que assolou o concelho de forma geral, mas a baixa da cidade em particular, a mais grave sentida até à data. Volvido um ano, a autarquia pretendeu que o 1 de novembro não fique eternamente ligado a memórias negativas, mas que seja recordado como o dia em que se reavivaram a união, solidariedade e generosidade das gentes de Albufeira. “Todos se envolveram na recuperação de Albufeira, chegaram a ser mais de mil voluntários num dia, cerca de mil meios no terreno, entre viaturas e outros equipamentos. Não nos podemos esquecer do evento, pela gravidade que teve e pela prontidão das forças da proteção civil que agiram na hora e que salvaram vidas. Felizmente, não houve vítimas mortais e isso deveu-se à coragem de alguns, portanto, não podíamos deixar passar esta data em branco”, frisou Carlos Silva e Sousa, com a memória bem viva daqueles dias trágicos.
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Salão Nobre da Câmara Municipal de Albufeira foi pequeno para acolher quem quis participar na homenagem feita pelo executivo liderado por Carlos Silva e Sousa a todos aqueles, cidadãos individuais, entidades, empresas, associações, clubes, forças de segurança e da
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De tragédia igual não há, de facto, memória, embora Albufeira tenha sido afetada, no século passado, por duas grandes cheias, e dizem os especialistas que não é de esperar que a mesma confluência de fatores se venha a repetir nos próximos 100 anos. “Contudo, garantias não me foram dadas, pelo que não podemos ficar de
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Carlos Silva e Sousa, presidente da Câmara Municipal de Albufeira
braços caídos à espera que venha outro acontecimento destes. Assim, estamos a preparar um Plano de Drenagem de Albufeira que seja eficaz, e que vai exigir um sacrifício grande do erário público, mas que se justifica plenamente”, adiantou o edil social-democrata, acrescentando que este plano colheu a unanimidade de todas as forças partidárias do município de Albufeira. Sobre as distinções que iam ser feitas neste dia, Carlos Silva e Sousa assegurou não serem suficientes para agradecer a onda de solidariedade que se gerou em torno dos eventos do 1 de novembro de 2015 em Albufeira. “Foi uma lição para todos nós, de humildade, generosidade e de esperança no ser humano. Por muito que andem aí más-línguas e ALGARVE INFORMATIVO #82
pessoas que só veem o lado negativo das coisas, eu prefiro realçar o que é positivo. Há situações que ainda não estão totalmente resolvidas, como sejam as indemnizações e os acessos às linhas de crédito às pessoas que sofreram avultados prejuízos e que estão a sentir dificuldades em se reerguerem, mas estamos a tratar desses assuntos”, assegurou o presidente da Câmara Municipal de Albufeira. Visivelmente emocionado nas palavras que dirigiu à assistência, Carlos Silva e Sousa recordou as inúmeras palavras de incentivo que recebeu de cidadãos anónimos, dirigentes associativos, empresários, colegas autarcas. “Muitos me disseram que não nos 20
Ana Vidigal, José Carlos Rolo, Carlos Silva e Sousa, Teresa Paulino, Hélder Sousa e Rogério Neto junto à escultura «Onda Solidária», localizada na Avenida da Liberdade, na baixa de Albufeira
O Salão Nobre da Câmara Municipal de Albufeira encheu por completo com elementos das forças de segurança e proteção civil, dirigentes associativos, autarcas e cidadãos anónimos 21
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iam deixar sozinhos naquele momento de aflição. Isto toca. Os portugueses são um grande povo, já fizemos grandes coisas e temos muitas coisas grandes ainda para fazer. O sentimento é de imensa gratidão e o dia, tendo sido trágico, deve ser enaltecido por todos aqueles que nele trabalharam, de uma forma completamente desapaixonada, sem qualquer interesse pessoal, apenas para ajudar os outros. Essa é uma lição que nos fica na memória e no coração”, reforçou. Depois do reconhecimento público às entidades envolvidas nesses dias difíceis para Albufeira, a cerimónia mudou de palco, para a Avenida da Liberdade, onde foi inaugurada a escultura «Onda Solidária», da autoria de Teresa Paulino. Uma escultura em ferro, pintada em tom de cobre, que pretende personificar as mãos de todos os que ajudaram na recuperação da baixa de Albufeira. “Representa o dinamismo, a força de vontade e a solidariedade de todas essas pessoas”, explicou a escultora, com o presidente da Câmara Municipal de Albufeira a concordar que a obra interpreta na perfeição o sentimento que se estava ali a recordar. “Foi um momento mau, a que se seguiu o melhor que tem o ser humano e esse lado positivo deve ser homenageado. As cheias foram destrutivas, ainda estamos a sofrer algumas das suas consequências, mas comprovamos que todos fazemos parte de um todo e que há sempre ALGARVE INFORMATIVO #82
uma mão amiga que nos ajuda nos momentos em que mais precisamos”, sublinhou Carlos Silva e Sousa. O autarca não poupou elogios à entreajuda que se assistiu após a tragédia do 1 de novembro de 2015 e defendeu que essa solidariedade deve continuar a ser cultivada. 22
“Estiveram cá bombeiros e elementos da proteção civil de toda a região, a Cruz Vermelha e os Escuteiros estiveram presentes, a Santa Casa da Misericórdia, os empresários, os clubes, as associações, os indivíduos anónimos. Toda a gente esteve aqui a trabalhar, de galochas, de mangas arregaçadas, porque tínhamos uma data simbólica
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para Albufeira ao virar da esquina, o Réveillon. Havia quem estivesse descrente, de braços caídos, mas houve muitos outros que acreditaram, que não se renderam”, recordou o presidente. “Vão sempre existir profetas da desgraça, quem diga mal, temos pena que isso aconteça, mas o nosso espírito é construtivo” .
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Terá a Cultura que ser elitista? Paulo Cunha
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omeço este «desabafo» com uma pergunta provocatória que, inevitável e naturalmente, induz resposta imediata. Negativa, obviamente! Quem é que, vivendo em democracia, negará e afrontará duas das premissas básicas de um estado de direito: o direito à Educação e o direito à Cultura? Direitos constitucionalmente consagrados, mas que depois de mais de quatro décadas parecem continuar ainda arredados de um pleno e consequente usufruto por parte de todos os nossos concidadãos. Fruto de realidades assentes em desigualdades de oportunidades geradas por assimetrias económicas, financeiras, geográficas, culturais e educacionais, continuamos a constatar que muitos portugueses continuam ainda a olhar para a cultura «por um canudo». Em meados do século XVIII, Johann Gottfried Herder referiu que a cultura é o próprio sangue vital das pessoas, o fluxo da energia moral que mantém intacta a sociedade. A cultura de um povo define-o! Segundo os românticos alemães (Schelling, Schiller, Fichte, Hegel e Holderlin), a cultura dá forma à linguagem, à arte, à religião e à história, deixando o seu carimbo no mais pequeno acontecimento. Nenhum membro da sociedade, por mais mal-educado que seja, está desprovido de cultura, uma vez que cultura e pertença social são a mesma coisa. Outros, mais clássicos que os românticos, interpretaram a expressão no seu significado a partir do latim. Para Wilhelm von Humbolt, fundador da universidade moderna, a cultura estava associada não ao crescimento natural mas ao seu cultivo. Nem todos a possuiriam, uma vez que nem todos teriam o desejo, o tempo, a inclinação ou a habilidade para aprender o que era preciso. O objetivo da universidade era a preservação e destaque da herança cultural, e a sua passagem à geração seguinte. Herder define a cultura como algo separado, uma ilha do «eu» no oceano do «eles». ALGARVE INFORMATIVO #82
Humboldt defende que a pessoa culta olha a humanidade como um todo, conhece a arte e a literatura de outros povos e simpatiza com a vida humana em todas as suas superiores formas e aspirações. As duas ideias mantêm-se vivas, sem que grande parte de nós as divida entre «baixa» e «alta» cultura… e ainda bem! Fazê-lo deixará, inevitavelmente, alguém de fora e, consequentemente, provocará querelas e criará fações entre aqueles que procuram definir o que é afinal cultura. Defendo que quem mais contribui para a elitização da cultura é todo aquele que, de forma preconceituosa, lhe aponta o dedo como fonte de elitismo! Tal como uma fonte de água cristalina pronta a saciar a sede de qualquer alma sequiosa, a própria vida jorra fontes de cultura, prontas a serem consumidas por quem as quiser e delas estiver disposto a usufruir. As elites culturais constroem-se na estratificação social e no isolamento grupal, e desconstroem-se com o acesso a uma linguagem cultural comum que permita ao comum dos mortais «descodificar» a oferta cultural que lhe é proporcionada. Seja individualizada ou de «massas», não há razões para apresentar justificações para não a consumir, quando, não raras as vezes, nos quer entrar pela porta a dentro e somos nós que não lhe franqueamos a entrada. Só com uma real e consequente educação para a descoberta, para o conhecimento, para a interpretação e para a fruição da cultura - de uma forma aberta e extensível a todas as gerações, condições socioeconómicas e proveniências geográficas - poderão apagar esse estigma que teima manchar uma palavra tão bonita (cultura) com outra tão feia (elitista). Como em tudo o que realmente importa, é inevitável: a solução encontra-se na Educação… de preferência a começar no berço! .
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Os números que não atendem Paulo Bernardo
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unca tivemos tanta oportunidade de comunicar como hoje, Skype, FaceTime, Facebook, telemóvel, email, telefone, etc, etc, etc. Oportunidades não faltam, basta muitas vezes dizer apenas o nome e já estamos em contacto. Isso faz-nos ter uma relação estranha com o telemóvel, elemento que para muitos é o prolongamento do braço ou do ouvido. Mais facilmente saímos com sapatos diferentes ou sem a carteira do que sem o telemóvel. Até já existe o nome para a fobia que é causada pela falta do telemóvel: nomofobia. O nome tem origem no definitivo inglês «No-Mo», ou NoMobile, que significa sem telemóvel. A minha relação com este equipamento é um pouco estranha pois posso dizer que sou um pouco nomofobico, pois, para a minha vida de grande mobilidade, o telemóvel é uma ferramenta vital para me manter perto da família e dos negócios, é um instrumento de amor e trabalho. Esta dependência faz que este equipamento participe ativamente na minha vida, como eu costumo definir, é o meu amigo virtual. Ajuda-me a guardar apontamentos, a indicar-me o caminho correto, a guardar fotografias e muito mais. Também serve para guardar os números de telefone de com quem nos relacionamos. Dentro da máquina está um pouco de cada pessoa que conhecemos, o número que nos coloca a um toque de ouvir/ver esse nosso contacto. Assim, não sei bem porque não consigo apagar os números de quem parte, seja a pessoa mais próxima, seja apenas um conhecido. Não consigo apagar o número, parece uma falta de respeito ou a ilusão que poderei pegar no telefone e ligar para quem partiu, falar do futuro, do que estou a fazer, o
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que podemos fazer em conjunto, como estão os filhos, a família, como vai o negócio em comum. Máquina tramada que me pôs a pensar o que diria a quem já não atende. Contudo, e por esta máquina ter uma característica maravilhosa, para além de ter um botão que o consegue desligar, consegue ligar para quem atende. Para o familiar com que não falamos, para o amigo que já não ligamos há algum tempo, para contatar com tanta gente que nem conseguimos num único dia. Por isso, estas máquinas que todos usam, que uns criticam e outros adoram, são aquilo que nós quisermos que elas sejam. Existe um psiquiatra que define o Homem atual como um saco plástico transparente com um telemóvel dentro. A metáfora que somos completamente vazios e o único fator de interesse é a máquina é interessante, mas demasiadamente redutora. Eu diria mais, o Homem atual é uma rede com a máquina no meio. Isso sim, o telemóvel é um fator incrível de contacto entre todos nós, não existindo fronteiras nem, em breve, idiomas diferentes. No entanto, existiram sempre os detratores que apontam todos os defeitos à máquina, como apontaram aos livros, ao rádio, ao televisor e a tudo o que seja novo. A inovação, seja a criação da impressão por Gutemberg ou do Iphone por Steve Jobs, sempre deu origem a discussões que o mundo era melhor antes. Podemos todos imaginar o mundo sem livros ou o mundo sem Iphone. Não sou detentor da verdade, por isso, escolham em que mundo querem viver .
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Políticas com gente dentro José Graça
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sta semana ficou marcada pela aprovação na generalidade da proposta de Orçamento de Estado para 2017, apresentada pelo Governo, com o apoio parlamentar do Partido Socialista, Bloco de Esquerda, Partido Comunista Português e Partido Ecologista Os Verdes, demonstrando que havia alternativa ao empobrecimento das famílias e à destruição do emprego e da economia. Há muito caminho a percorrer, mas os números não enganam. Sublinho dois pequenos exemplos que certamente fizeram uma grande diferença para muita gente. Oitenta mil pessoas para ser mais exato. O setor do turismo foi responsável pela criação de mais de metade destes oitenta mil empregos, entre janeiro e setembro deste ano, com a restauração a gerar 28 mil postos de trabalho, o que poderá ser já um reflexo palpável da descida do IVA de 23% para 13%, concretizada no segundo semestre de 2016. “Pela primeira vez nos últimos seis anos, o turismo em vez de estar a perder empregos está a criar. Há um crescimento significativo no número de pessoas declaradas à Segurança Social", anunciou a secretária de Estado Turismo. Ana Mendes Godinho admite um abrandamento até ao final do ano devido à sazonalidade, reforçando a necessidade de maior empenho no reforço da sustentabilidade do setor e na diversificação da oferta e dos produtos turísticos. Segundo o Diário de Notícias, os setores com maior crescimento englobam a animação turística (+28,28%), alojamento (+22,6%) e restauração (+12,85%), tendo este responsável por uma fatia de 69% do total dos empregos criados até ao final de setembro. Sem surpresas, o Algarve é a região que mais cresce, registando um aumento de 58,4%, face ao período homólogo de 2015. Só para termos uma ideia da importância do turismo, refira-se que o setor representou já 6,4% do produto interno bruto (PIB) em 2015, gerando receitas de 11,4 mil milhões de euros e é responsável por 15,3% das exportações portuguesas. Para este ano, a previsão é de 12,4 mil milhões de receitas geradas e, até 2026, espera-se que o setor represente 7,3% do PIB nacional,
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segundo dados do Conselho Mundial de Viagens de Turismo. Como os números não enganam, o balanço mensal provisório de outubro da atividade do setor regista um crescimento de 13,5% da faturação dos hotéis e os empreendimentos turísticos no Algarve em comparação com o mesmo período de 2015, beneficiando muito da continuidade da instabilidade política noutros mercados concorrentes. Segundo a Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), a taxa de ocupação global média/quarto acompanhou o aumento do volume de vendas, tendo registado um aumento de 6,4%, situando-se nos 71,8%, verificando-se igualmente uma subida de 7% na taxa de ocupação/cama. Segundo a AHETA, a generalidade dos mercados externos apresentou subidas, com destaque para o Reino Unido, Holanda, França e Alemanha, embora o mercado espanhol tenha continuado a descer, numa tendência preocupante que urge analisar e contrariar. Fica demonstrado que a descida da carga fiscal sobre setores específicos, como foi o caso do IVA na restauração ou está a verificar-se nas taxas do IMI, feita de forma articulada entre a administração central e as autarquias locais, pode ser um fator de maior justiça social e constituir um incentivo aos empresários para requalificarem as suas atividades e criarem mais postos de trabalho. Porém, o combate à sazonalidade implica um esforço conjunto e continuado de toda a região para garantir que o turismo se transforme numa atividade que acontece durante todo o ano e promova a criação de emprego qualificado, saudando-se a aposta renovada na oferta formativa das escolas de hotelaria e turismo do Algarve ou no reforço da oferta cultural na época baixa. Sabendose que todos os dias contam, é bom saber que há políticas com gente dentro! . (Membro do Secretariado Regional do PS-Algarve e da Assembleia Intermunicipal do Algarve)
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Criticar um Restaurante I Augusto Lima
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uem anda à chuva molha-se, é sabido, mas ninguém, de modo geral, gosta de receber uma crítica. Apesar disso, os mais inteligentes até a sabem usar a seu favor, capitalizando ainda mais interessados, ou, ainda melhor, admitindo, pois sabiam há muito o que tinha que ser alterado e não fizeram. Só lhes resta dar continuidade à inteligência e modificar o que falhou. Manter o erro, ignorar os alertas, é sempre sinal de estupidez, ponto. Mas atenção, há como tudo o resto, saber e não saber criticar. Criticar deve ser sempre imbuído de um espírito de bom-senso e conhecimento e deve em primeira instância ser feita no local, pedindo para que seja retificado o erro se o houve. Vender comida não é a mesma coisa que vender sapatos ou outro artigo completamente finalizado. Sapatos têm sola e alguns bifes podem ficar como solas de sapato, se forem indevidamente tratados (qualidade e tempo são por norma antagónicos), muitas vezes a pedido dos próprios clientes. Hoje, o mediatismo trazido por sites como o Trip Advisor trouxe alguma notoriedade, mas também exposição que nem sempre se deseja. Mas, mais uma vez, convém ter em conta que, quando andamos à chuva, molhamo-nos., certo? Um site ou programa sobre restaurantes estará quase perfeito quando se analisa não só a comida, mas também o atendimento ou ainda o espaço e comodidades e a relação preço/qualidade. Dar uma nota negativa a um espaço que se visitou sem sequer ter provado a comida, não me parece muito bem e há gestores/responsáveis/donos de ERBs (Estabelecimento de Restauração e Bebidas) que também não, mas dão demasiada atenção às críticas de alguns sites, esquecendo ou descurando a enorme importância das pessoas que nada escrevem e simplesmente acham que estava tudo ok! Essas, se gostam, falam ao seu melhor amigo ou numa conversa casual mas, se não gostam, fazem questão exacerbada de o dizer ao mundo inteiro. E sabem porquê? Se vamos comer fora, gastando dinheiro num ERB, estamos no mínimo expectando gostar. Muitas vezes, mais do que as que deveriam acontecer, ficamos indignados quando percebemos que faríamos melhor em casa.
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Como exemplo, deixo-lhes a história de uma das muitas deceções aliadas às saídas para comer fora de casa. Decidido a almoçar fora num fim-de-semana, optei por visitar um restaurante de que há muito me vêm falando, no barlavento algarvio. Entrei. Deu para perceber que estava quase sem mesas vagas. Sabedor do meu papel, esperei à porta, que me viessem atender/receber/indicar uma mesa/dar uma palavra, sei lá. Dos empregados da sala, recebi olhares furtivos, de soslaio. Nem um acenar de cabeça, uma boa tarde, um seja bem-vindo, um momento, sei lá. Esperei cinco minutos, contados pelo relógio e saí, à procura de um espaço onde o meu dinheiro fosse bem-vindo e encontrei. Tão cedo ou jamais lá voltarei. Há a critica negativa, a destrutiva e a construtiva. A primeira reage apenas ao que foi observado como mau, simples, direto, a cru; a segunda refere de forma vilipendiosa todo o momento com início, meio e fim, um verdadeiro inferno que implora a todos que não devem crer conhecer o espaço; a terceira refere o que está mal ou menos bem, realçando outras coisas boas, incentivando a que os proprietários melhorem, pois você quererá conferir na próxima vez que visitar o espaço. O bom-senso e o conceito de liberdade de expressão devem estar sempre presentes no momento da crítica. A primeira trata da assertividade com que se diz algo negativo; a segunda é um direito que comporta sempre o outro lado da moeda, pressupondo que quem analisa está a ser também analisado, o mesmo que dizer quem critica está também vulnerável a ser criticado. Pessoalmente, sou dos que acredita que o cliente não tem sempre razão, mesmo. Um dia vou querer muito ter um espaço onde possa dizer – Aqui quem sabe sou eu. Você pode contudo opinar de forma inteligente! Sente-se confortavelmente e passeie pelos sabores e aromas desta viagem que lhe proponho. No final, dê o seu parecer de forma inteligente e construtiva. Boa viagem! . (Presidente da Associação de Cozinheiros e Pasteleiros do Algarve)
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Sara Navarro utiliza técnicas ancestrais para criar esculturas contemporâneas Combinando a sua formação em escultura com a experiência profissional na área da museologia, Sara Navarro mostra como a arte contemporânea se pode encaixar na investigação arqueológica, procurando, deste modo, criar novas formas de pensar e representar, de comunicar e expor. O resultado prático são esculturas contemporâneas de cerâmica criadas com métodos ancestrais, concebidas em projetos independentes e a pensar em instalações com narrativas para transmitir aos observadores. Texto:
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numa «cela» da antiga Cadeia de Lagos, agora Laboratório de Atividades Criativas, que encontramos o ateliê de Sara Navarro, licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, embora ainda tenha hesitado entre a Arquitetura e a Pintura. De regresso ao Algarve, entrou ao serviço do Museu Municipal de Portimão, onde teve o primeiro contato com a arqueologia. “Tinha alguns conhecimentos da cerâmica e pensei que, através da escultura, podia trabalhar no campo das réplicas arqueológicas. Mais do que isso, queria fazer esculturas com técnicas de produção muito antigas, daí ter proposto um projeto à Fundação para a Ciência e a Tecnologia para uma bolsa de investigação e doutoramento, que foi aceite”, recorda, enquanto ia preparando as maquetes das peças em que está envolvida presentemente.
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O projeto implicava uma investigação teórica e a produção de uma tese, mas também a conceção de um trabalho de escultura, que culminou na criação de 24 peças e que deu origem a diversas exposições. “Foi o início de um caminho que ainda estou a percorrer, se bem que o gosto pelas artes e pelos saberes manuais já vinha de pequena. Os meus pais têm um grande interesse pela arte e sempre me levaram a museus mas, como gosto imenso de ar livre, tanto podia ter ido para a agricultura como para as artes”, indica Sara, com um sorriso, acreditando que a sua indecisão e ALGARVE INFORMATIVO #82
apreço por diversas áreas acaba por enriquecer o seu trabalho. “No secundário interessava-me bastante por História. Se fosse para Ciências, não ia ter essa cadeira, também não queria ir para as Línguas e Humanísticas e, nas Artes, tinha a História das Artes”.
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Decidido o rumo a seguir, Sara Navarro elegeu a Escultura, embora as preferências dos jovens, na Faculdade de Belas Artes, recaiam normalmente sobre o Design ou a Pintura, de uma forma geral menos exigentes em termos de materiais utilizados e processos de produção e onde existe a 39
perceção do retorno financeiro ser mais fácil, melhor dizendo, menos difícil. “Os escultores sabem, realmente, o que é carregar pesos todos os dias. Trouxe quatro maquetes para esta conversa e elas já pesam bastante, imagine agora em tamanho real. Depois, se não as vendemos, é preciso ter espaço ALGARVE INFORMATIVO #82
para as guardar. Quando trabalhamos com grandes formatos, é tudo muito complicado e dispendioso”, reconhece a entrevistada, daí ainda ter experimentado o curso de Pintura. “Mas aquilo não me corria bem, perdia os pelos dos pincéis, queria furar as telas e cortar os desenhos, era o apelo às três dimensões. Em Arquitetura sentia o mesmo, por isso, voltei à Escultura”. Indecisões que, por vezes, não batem certo com esta forma de expressão plástica, já que, em determinados materiais, não há grande espaço para ALGARVE INFORMATIVO #82
correções. Tal não é, porém, o caso da cerâmica, a matériaprima de eleição de Sara Navarro. “Enquanto não está cozida, posso voltar sempre atrás e, em muitas das minhas peças, o material cerâmico andou por uma série de esculturas. Aliás, na faculdade, diziam frequentemente que a melhor argila é aquela que já foi muitas vezes trabalhada. Apesar disso, neste momento procuro fazer maquetes e esbocetos para, quando vou para a peça de escala maior, ter mais segurança no que pretendo alcançar”, explica, um processo que mudou em relação ao seu anterior projeto, onde começava logo a construir a peça. “Depois, ela própria ia-me dizendo os caminhos a seguir. Ambos os métodos são válidos e não tenho nada contra o anterior, mas interessa-me também, neste novo projeto, a escala, o que é fazer um objeto pequeno. No princípio, o nosso corpo é quase uma paisagem e conseguimos controlar o objeto, depois, vou-lhe aumentando a escala para perceber quais são as diferenças do observador em relação a esse objeto”, acrescenta.
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Cerâmica que tem sido, desde o início, o material preferido por Sara Navarro, que nunca se deixou seduzir pela pedra, e por uma simples razão: gosta de trabalhar no silêncio. “Numa oficina de pedra temos o pó, a maceta, a rebarbadora, todo aquele barulho me faz confusão. É por esse motivo que também não trabalho com a madeira, apesar de ser um
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material que me agrada bastante”, justifica, uma razão que a levou igualmente a optar pela fotografia, também ela uma arte silenciosa. “Na faculdade, trabalhava de uma maneira mais concetual, onde até pode existir um texto a complementar a peça. Em certa altura desinteressei-me pela Escultura por entender que era um curso muito académico, mas depois ALGARVE INFORMATIVO #82
mudei de opinião. Dominar as técnicas, o saber fazer, não implica o não saber pensar e as tecnologias onde aprendi mais foram, efetivamente, a fotografia e a cerâmica. Na pedra, muitas vezes as peças são modeladas em argila, em barro, e depois é um canteiro, que pode nem ser o escultor, que faz a passagem à pedra”. E sobre as suas orientações artísticas, Sara Navarro recorda um episódio enquanto esteve no Museu de Portimão, quando lhe pediram para fazer a réplica de uma peça antropomórfica da época do calcolítico da coleção de Alcalar. “Fui com a ALGARVE INFORMATIVO #82
responsável pela conservação e restauro à reserva e ela passou-me a peça para as mãos. Pensar na quantidade de anos que ela tinha, quem a fez, como a fez, o toque, a escala, o peso, criou uma grande curiosidade em mim sobre aquela época da préhistória e que outros objetos existiriam daquele período. Foi uma experiência fantástica”, garante. “A cerâmica é um material frágil, mas super resistente ao mesmo tempo. É frágil porque se parte com facilidade, mas esses fragmentos duram eternidades. Deixamos uma marca e dou por mim frequentemente a pensar se devo juntar ao mundo mais não sei quantos objetos ou não. Se achar que não valem a pena, vão à água, amasso outra vez e faço outro. Sou cada vez mais exigente comigo própria nesse aspeto”.
Não se pode andar a correr na Arte Uma característica de Sara Navarro é produzir esculturas a pensar logo numa instalação e depressa se nota uma grande diferença entre o seu projeto anterior, que está exposto na «Mar de Histórias», em Lagos, e aquele em que está envolvida atualmente. “Acabam por fazer um discurso em conjunto, o que não 42
impede que uma pessoa possa ter apenas uma das peças e que ela não tenha o seu significado. Mas penso geralmente em série e para uma instalação”, aponta a artista. Assim sendo, há que criar uma narrativa, uma história, para o conjunto de esculturas, que surgem da investigação que realiza sobre temas que lhe interessam. “Isso dá-me sentidos daquilo que quero trabalhar, a que se segue a parte formal, a fase de passar o que temos na cabeça para a matéria, e ela vai gerando outras formas durante o processo. É preciso acreditar que vai aparecer outra escultura a seguir àquela que estamos a produzir e que até vai ser melhor. Se não superar, volto para atrás, porque não se deve andar a correr quando se quer trabalhar com criatividade e originalidade”, defende. Sara Navarro não entra, por isso, em competições sobre quem produz mais, sobre quem faz mais exposições, sobre quem vende mais. Preocupa-se, essencialmente, em criar ao seu ritmo próprio, peças com sentido e significado, num ambiente calmo que veio encontrar no LAC, em Lagos. E, como a pressa é inimiga da perfeição, o processo criativo toma-lhe imenso tempo. “Estou agora a começar um projeto para o expor daqui a um ano. Todo o objeto é «duro» de fazer, é pesado, há que relacionar com a matéria, há que fazer a peça crescer, e isso pode demorar 15 ou mais dias, a trabalhar de forma ininterrupta, numa peça de cerca de 80
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centímetros. Depois, é um mês para secar, a seguir é a cozedura, e posso optar por cozer primeiro num forno a gás ou elétrico antes de ir para a fogueira. Para a fogueira, tenho que juntar uma grande pilha de materiais combustíveis e o tempo tem que estar bom e seco”, descreve. Um processo lento e que exige matéria-prima, ferramentas, espaço físico, ou seja, despesas que podem não ser acessíveis a qualquer bolsa. “A argila é barata, mas eu uso uma especial, de Montemor-o-Novo, e o seu transporte e as viagens encarecem logo o trabalho. A minha sorte é que alguns municípios do Algarve me pedem para realizar algumas oficinas e ajudam-me na fase da cozedura. O simples facto de custearem eles a presença dos bombeiros junto à fogueira, se estivermos numa época de risco de incêndios, é um tremendo apoio”, sublinha Sara Navarro, revelando, deste modo, também a sua faceta de pedagoga. Oficinas que são frequentadas normalmente por estudantes de artes visuais e de belas artes, que já estão cientes das dificuldades desta carreira, mas igualmente por profissionais de outras áreas que querem produzir peças de cerâmica para as suas casas, ou por apaixonados pela arqueologia. “Eu adoto exatamente o mesmo processo que era utilizado, na préhistória, na cozedura das cerâmicas.
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Não estou a fazer arqueologia experimental, a produzir réplicas, mas sim a utilizar essa tecnologia antiga para criar coisas contemporâneas”, esclarece. Sara Navarro não descarta utilizar tecnologias mais atuais no futuro mas, para já, são as técnicas ancestrais que mais a fascinam, os efeitos da cozedura pelo fogo, a própria cozedura como ato em si. Resta saber como reage, depois, o público às esculturas únicas da algarvia. “Quando comecei, tinha um apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, portanto, não estava minimamente preocupada em vender ou não essas peças. Voltei agora a concorrer a outro apoio, no âmbito do PósDoutoramento, mas todos nós sabemos como é cada vez mais difícil seguir carreira na investigação em Portugal”, conta, pelo que uma das maneiras de conseguir prosseguir com o seu trabalho, na eventualidade desse apoio não ser concedido, seria criar peças a pensar, efetivamente, na sua venda. “Mas isso é super arriscado. Viver das artes é como viver na ponta da navalha, tenho que trabalhar um ano para montar uma exposição, onde posso ou não vender peças”, refere. Como no meio é que está a virtude, Sara Navarro encontrou uma solução ALGARVE INFORMATIVO #82
intermédia, dando algumas aulas no Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, a que se somam os workshops e oficinas. “De tempos a tempos vou alternando a escultura com um trabalho mais convencional nas áreas da cultura e do ensino e é nesses períodos que acabo por encontrar temas e motivações para desenvolver na minha faceta artística. A escultura não é um hobby de fim-de-semana ou finais de tarde e quero que as minhas peças tenham sentido, que me levem a fazer investigação de temas, que me levem a produzir novas formas de comunicação . 44
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Os intensos contrastes do Alentejo retratados na dança de «Terra Chã» O Auditório Municipal de Olhão acolheu, no dia 29 de outubro, a mais recente produção da Companhia de Dança Contemporânea de Évora, «Terra Chã», um espetáculo que cruza a dança contemporânea com o cante alentejano e os sonetos de Florbela Espanca. A noite foi, sem dúvida, inesquecível para todos os amantes da cultura, em geral, e da dança, em particular, que assistiram à obra idealizada e coreografada por Nélia Pinheiro, que já habituou o público a produtos vibrantes, em três dimensões, onde o bailado substitui as palavras. Texto: 47
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espetáculo «Terra Chã» foi criado por Nélia Pinheiro e produzido e interpretado pela Companhia de Dança Contemporânea de Évora, colocando em palco, em simultâneo, a dança contemporânea, o cante alentejano, considerado Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, e os sonetos de Florbela Espanca. O resultado é uma peça, sem palavras, mas dançada, que fala da expressão da terra, das vozes e expressão dos homens, da força que os une, do peso, da densidade do ar, do vazio, do silêncio, do grupo e da solidão, dos extremos e dos seus limites, dos amores e dos desamores. O conceito foi transmitido, na perfeição, por Nélia Pinheiro e pelos
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bailarinos Gonçalo Andrade, Fábio Blanco, Ivanoel Tavares e Constança Sierra Couto na noite de 29 de outubro, em Olhão, sendo a música da autoria de Ólafur Arnalds, incorporando as referidas modas de cante alentejano, ao passo que os figurinos são assinados pelo conceituado estilista José António Tenente. No final, ainda a recuperar o fôlego após tão exigente performance, Nélia Pinheiro contou que o processo de criação de «Terra Chã» se iniciou em junho de 2015 e a ideia era, de facto, ir buscar a expressão do cante alentejano. “O cante é grupo, é força dos homens, é energia, acima de tudo, é a forma catártica que os alentejanos têm para se 49
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expressarem, porque são um povo mais fechado e introspetivo. Contudo, o Alentejo tem uma expressão bastante forte a nível da poética e é uma terra de fortes contrastes: é tudo muito quente e tudo muito gélido e as relações entre as pessoas também são de extremos”, observa a coreógrafa Não admira, por isso, que Nélia Pinheiro tenha escolhido os sonetos de Florbela Espanca para utilizar na sua «Terra Chã», uma peça caracterizada por uma dramaturgia bastante teatral, à imagem da própria coreógrafa. “É uma espetáculo de dança que gira em torno das relações amorosas, da separação, dos encontros e desencontros entre as pessoas. Há muitos dramas destes no Alentejo, homens e mulheres que se amam mas, porque as famílias são rivais ou de diferentes classes sociais, não podem ficar juntos”, indica a entrevistada. Contrastes de uma região que foram transpostos para o palco e depressa se nota a diferença entre o cante alentejano, tipicamente
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mais pausado e monorrítmico, com os movimentos eletrizantes, em grande velocidade, ininterruptos, sem pausas, dos bailarinos, alicerçados numa banda sonora mais moderna e agitada e de forte influência árabe. “A intenção era ter, de facto, um ritmo diferente e o trabalho coreográfico é muito físico e extremamente difícil de executar. Dançar em cima de areia é bastante complicado, mas queria lembrar que há zonas do Alentejo que estão completamente desertificadas. Já nem sequer é terra e, daqui a 50 anos, provavelmente será tudo apenas areia”, lamenta Nélia Pinheiro. “É uma peça tecnicamente complexa, mas muito expressiva e teatral. Podia perfeitamente ser uma peça de teatro, porque há ações que decorrem a três dimensões”. Mesmo os leigos na matéria confirmam que «Terra Chã» não é um bailado tradicional, de composição coreográfica linear, com entradas e saídas perfeitamente definidas. Aqui, a coreografia não segue propriamente a música, mas os sentimentos. “Os movimentos fazem parte de um texto com pontuação, há pausas, olhares, toques, empurrões, abraços, carinhos. É tudo bastante intenso e genuíno”, descreve a autora. “A dança é uma linguagem, é a minha forma de comunicar, e cada gesto pode ter uma ALGARVE INFORMATIVO #82
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intenção e transportar uma emoção. O interessante na peça foi precisamente criar essa dramaturgia, a forma como a história é contada através das emoções e colocar o movimento no lugar das palavras. O meu trabalho é muito físico e teatral e tem um pensamento sempre subjacente. Em «Terra Chã» há imagens extremamente poéticas, o Paulo Graça fez umas luzes bastante bonitas, os figurinos do José António Tenente são lindíssimos dentro do contexto do que é o Alentejo, pelo que a peça tem uma plástica bastante interessante”. O objetivo de Nélia Pinheiro é que o público se esqueça que está a ver um espetáculo e entre dentro da história, que viva os sentimentos transmitidos em palco, e tal foi conseguido. “Nota-se uma forte comunicação entre os dois lados, o público mergulha, porque não há nada vazio, está tudo preenchido, no 53
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sítio certo. Nada acontece por acaso e tenho bailarinos que são excelentes intérpretes e que comungam desta forma de estar na dança”, destaca. “Acontecem cenas completamente diferentes à frente e atrás em simultâneo e isso ajuda o público a envolver-se. Há momentos em que tapamos, de forma intencional, o que está a acontecer atrás de nós, pois queria que a peça fosse tridimensional. O palco é um espaço físico que só ganha vida quando é ocupado e isso pode acontecer de todas as maneiras que possamos imaginar. A «Terra Chã» é uma peça viva em que cada bailarino vive as suas emoções, os seus filmes, as suas histórias, e eles passam para fora por serem tão reais. Existe bastante cumplicidade e confiança e isso é fundamental para o sucesso de qualquer projeto” .
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Mauro Amaral lança-se a solo com «SOMOS» Depois de projetos em torno do reggae e jazz e de um interregno dedicado à Sétima Arte, Mauro Amaral está de regresso à música, agora a solo, e num estilo que bebe de várias fontes, do pop aos ritmos africanos, passando pelas canções de intervenção. A primeira amostra foi dada a conhecer há alguns meses com «Movimento», mas o EP «Somos» está a ser gravado a todo o vapor e deverá conhecer a luz do dia ainda em 2016. Texto:
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o interior do concelho de Faro, no estúdio da «Mentecapta», está em fase avançada a gravação do EP «Somos», a estreia de Mauro Amaral a solo que surge após seis anos de afastamento da música, período durante o qual esteve mais dedicado à sua outra faceta artística, a de cineasta. Para desenferrujar, tem tocado covers nos últimos tempos, mas os originais sempre fizeram parte da sua vida. “A grande diferença é que, agora, estou sozinho. O início da minha carreira foi dedicado sobretudo ao reggae e ao jazz, sobretudo com os «Eletrogroove», que tocavam regularmente com os Terrakota e Primitive Reason”, conta Mauro Amaral, numa pequena pausa das gravações. Em paralelo com a música caminhava o teatro ao serviço da ACTA, mas encenar e dirigir atores era o grande objetivo de Mauro Amaral, algo mais complicado de concretizar. “Cheguei a escrever algumas peças e a encená-las, participei como ator em alguns vídeos institucionais, produzi um videoclip que andou muito tempo na MTV e fiz o documentário «Ilha», que foi transmitido na RTP2 e nos canais internacionais da RTP”, recorda o entrevistado, que não conseguiu continuar na ficção por isso exigir avultados investimentos financeiros. “Eu próprio não era um produto comercial e percebi que tinha que voltar atrás, regressar às minhas origens, à música”, explica. As covers foram, entretanto, o meio mais fácil e rápido de tocar com ALGARVE INFORMATIVO #82
frequência, de recuperar rotinas, de aprender com outros músicos, enquanto ia escrevendo e reescrevendo os seus originais. “Ao tocar variadíssimos autores ficamos com uma leitura completamente diferente e, nestes três anos de covers, se calhar aprendi mais do que no resto da vida, em termos musicais”, reconhece, lembrando que o primeiro tema do disco, «Movimento», foi lançado em março do corrente ano. Seis meses depois, Mauro Amaral está de novo em estúdio, um compasso de espera necessário enquanto a agenda do produtor Francisco Aragão ficava mais liberta de compromissos. “Tenho uma química criativa única com o Xico mas, como ele toca com o Diogo Piçarra, tem andado numa roda-viva nos últimos tempos. Preferi aguardar e maturar as ideias do que ir gravar para outro sítio”, frisa o entrevistado. Não foram, contudo, meses perdidos, garante Mauro Amaral, porque aproveitou o tempo para promover o «Movimento» e perceber o feedback do público e das pessoas a quem pediu opiniões. “Recebi muitas reações positivas e de vários quadrantes, que me motivaram imenso para continuar o trabalho”, afirma. Depois da experiência com banda, aventurar-se a solo é um risco que assume de peito aberto, o tal regresso às bases para ganhar uma autonomia que lhe permita cativar, posteriormente, músicos para o 60
acompanharem em palco. E isto porque os originais requerem muito mais trabalho do que executar covers, que podem ser ensaiadas de forma individual por cada instrumentista no conforto das suas casas, antes de se encontrarem para um espetáculo. “Na nossa geração, é mais difícil termos tempo disponível para ensaios, ao contrário de quando somos adolescentes, onde temos demasiado tempo livre”, compara Mauro Amaral, que completa 40 anos em dezembro. A solo ou com banda é uma das escolhas a fazer pelos músicos que têm igualmente a capacidade de escrever e compor os seus temas. Outra, é eleger a língua em que vão transmitir a sua mensagem e o português foi a opção do entrevistado, embora admita que sempre lhe foi mais difícil escrever e
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cantar no seu idioma materno. “Parece que o momento se torna mais íntimo, mas quero passar a minha matriz de pensamento e sentimento na minha língua. Houve uma altura em que eramos mais «quadrados» a cantar em português, mas nota-se uma maior evolução nesse aspeto, quebrou-se o tal cinzentismo pré-25 de abril. A nossa geração e a posterior já não têm problemas em assumir os seus sentimentos e a musicalidade sai mais natural, não precisam esconderse no inglês”, analisa.
Quero comunicar e criar sensações Cinco temas compõem «SOMOS», canções que nos fazem pensar, mas
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que não pretendem ser de intervenção, intelectuais, de contestação ou de demasiada crítica social. São músicas que se entrecruzam e nas quais Mauro Amaral se expõe ao público, sem querer provocar ou gerar sentimentos negativos. “Não é assim que se consegue qualquer transformação no médio e longo prazo, prefiro transmitir emoções positivas, mas também uma observação crítica sobre a realidade”, indica, acrescentando não ter um processo criativo pré-definido. “Há fases em que me aparece uma melodia na cabeça e depois a letra encaixa-se nela, outras vezes as letras surgem primeiro e descubro posteriormente a melodia na guitarra. Quase todos os temas do «SOMOS» foram escritos o ano passado numa quebra de rotina. Estava muito saturado da música, estive uma semana, em Lisboa, a trabalhar em vídeo e tinha que andar de comboio todos os dias, antes das oito da manhã. Foi o anti boémio, sem pensamentos filosóficos ou grandes sentimentos à mistura, simplesmente escrever num comboio a caminho do trabalho”. Correrias desenfreadas em que todos andamos no nosso quotidiano e que nos impedem de digerir, sorver, assimilar, as palavras e as melodias das músicas como antigamente, quando nos sentávamos no sofá a apreciar uma cassete, vinil ou CD. Hoje, ouvimos canções nas rádios ou nas playlists de uma qualquer aplicação móvel ou plataforma digital, muitas vezes sem sabermos de quem são as palavras que cantarolamos, uma realidade que não influencia nem atemoriza Mauro Amaral. “Vou fazer uma tiragem grande ALGARVE INFORMATIVO #82
de CD’s, vou apostar por cima, para me ter que esforçar na promoção, distribuição e venda. Estou mais preocupado com a coerência do trabalho do que com aquilo que irá acontecer a seguir, porque há autores e discos extraordinários que só passados 10 anos é que tiveram sucesso. Acima de tudo, quero que esta mensagem musical passe para as pessoas e que as leve para um ponto um bocadinho mais à frente, ou atrás, se for disso que precisem”, refere, considerando que a música é uma extraordinária ferramenta de contraprogramação. Percebe-se pelo discurso que Mauro Amaral sabe que tem pela frente um caminho árduo, mas não anda em busca de estrelato, de sucesso instantâneo, de aparecer em capas de revistas ou fazer músicas para telenovelas. “A mim interessa-me comunicar e preparar concertos dos meus originais, onde as pessoas sintam coisas. Quero criar sensações”, garante. “Claro que ser reconhecido é maravilhoso, mas o meu objetivo é tocar em espaços 62
onde as pessoas respeitem a música que faço e que me ajudem a crescer, e vice-versa. As covers são um meio bastante duro porque, na maior parte das vezes, estamos a tocar e os clientes fazem mais barulho do que nós e não nos prestam atenção nenhuma”. Com roupagem de música alternativa, sentem-se, em «Somos», as influências angolanas de Mauro Amaral, mas também a multiculturalidade das suas experiências noutros países. Assim, temos a guitarra e a voz do cantautor e os baixos são linhas de voz com uma 63
grande carga africana, mas as melodias são facilmente transpostas para o palco com outros instrumentistas, assegura o entrevistado. “Terei dois formatos distintos para os espetáculos, a solo e com músicos convidados, que levarão as minhas músicas a expoentes que nem eu imagino. O «Somos» personifica o poder da música e da ligação entre os músicos”, sublinha, adiantando que o lançamento oficial do EP acontecerá no Club Farense, na capital algarvia, em meados de dezembro . ALGARVE INFORMATIVO #82
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Não faz mal ser diferente As emoções andaram à solta na tarde de 20 de junho, no Auditório Municipal de Olhão, o palco escolhido pelo Centro de Atividades Ocupacionais da Associação Cultural e de Apoio Social de Olhão (ACASO) para levar a cena o espetáculo «Sentir a diferença». Ao longo de duas horas, dezenas de utentes participaram na peça de tom informal, sob intenso aplauso do público que encheu a sala e ficamos com a certeza que, no final, poucos terão ficado indiferentes a estas incapacidades que afetam tantos portugueses, filhos, filhas, netos e netas, pais e mães, avós e avôs de todos nós. Texto:
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dia estava uma brasa, muito calor, pouco ou nenhum vento, mesmo a convidar a uma ida à praia, à piscina ou a um parque aquático, como o fizeram, certamente, milhares de algarvios no passado dia 20 de junho. Apesar disso, a lotação de mais de 400 lugares do Auditório Municipal de Olhão esgotou por completo para assistir ao espetáculo solidário «Sentir a Diferença», da responsabilidade do Centro de Atividades Ocupacionais da ACASO – Associação Cultural e de Apoio Social de Olhão, cujo presidente de direção é o conhecido António Pina, antigo presidente da Região de Turismo do Algarve, antigo Governador Civil do Distrito de Faro, antigo Delegado Regional de Educação do Algarve, entre outros cargos, e que há
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quatro assume o desafio de liderar esta instituição particular de solidariedade social com 82 anos de vida. “Tem desde a creche e jardimde-infância a lar de idosos, centro de dia, apoio domiciliário, loja social, cabeleireira social, apoio a pessoas com problemas de deficiência e, desde há três, uma unidade de cuidados continuados. São 190 trabalhadores a contrato, mais 23 prestadores de serviços, somos o segundo maior empregador do concelho de Olhão, logo a seguir à Câmara Municipal”, explica António Pina. Com um orçamento bastante avultado face a tantas valências, as verbas chegam do Ministério da Saúde, no que toca à Unidade de Cuidados Continuados, da Segurança Social, das
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quotas dos cerca de 400 sócios, que pagam pouco mais de um euro por mês, e das famílias dos utentes. “Apoiamos, por dia, 800 pessoas e fazemos à volta de 600 almoços, o que dá muito trabalho, mas também um imenso prazer. Quando entrou em funções há quatro anos, esta direção decidiu que ia derrubar o «muro das lamentações», que ia descruzar os braços, falar menos e tentar trabalhar mais, embora conscientes das dificuldades que o país atravessa, porque apanhamos a crise. Mas não vale a pena fazer manifestações à porta desde ou daquele, tínhamos que criar e fazer com o dinheiro que estava disponível”, frisa o presidente de direção, reconhecendo
vendemos, e isso tem-nos ajudado a superar as dificuldades do dia-a-dia”. De qualquer modo, o trabalho meritório da ACASO nas suas múltiplas facetas tem sido amplamente reconhecido pelas forças vivas de Olhão e António Pina garante que, sempre que há um pedido da instituição para lidar com um problema pontual inesperado, tem sido ouvida e atendida, seja pela autarquia, pela Segurança Social, pelos empresários locais ou pelas famílias. “E os pagamentos estão em dia, o que é fundamental numa IPSS. Qualquer atraso que aconteça, da parte do Ministério da Saúde ou da Segurança Social, significa que os
que, apesar dos esforços, o ano de 2014 terminou com um défice nas contas da associação. “Felizmente, temos algumas propriedades que, ou alugamos, ou
ordenados já não são pagos no dia certo e os funcionários e colaboradores têm que pagar a casa, luz, água e isso tudo. Apesar da crise, o português continua a ser solidário e ALGARVE INFORMATIVO #82
só não é mais porque não consegue”, atesta o dirigente. Prova dessa solidariedade é que os 410 lugares do Auditório Municipal de Olhão estavam totalmente preenchidos, sendo que as receitas do espetáculo solidário revertiam na totalidade para a ACASO e com destino já definido. “Estamos a criar outro Centro de Atividades Ocupacionais para podermos ajudar mais pessoas diferentes, e queremos criar mais três ou quatro quartos, para acolher outros miúdos que estão em casa e que os pais têm grandes dificuldades em tomar
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conta deles. Depois, esperamos a compreensão da Segurança Social para aumentar o valor dos protocolos, mas as obras são da nossa responsabilidade”, sublinha António Pina, lamentando que a instituição não consiga dar resposta a todas as solicitações que recebe. “Eram necessárias mais instalações para acolher todos os idosos que precisam de ir para um lar, porque sofrem de Alzheimer ou Parkinson. Na vertente do «Ser diferente», se tivéssemos mais lugares vagos, também chegávamos a mais pessoas”. A crise, como é óbvio, também se fez sentir no bolso dos familiares destes utentes e António Pina confirma que houve uma altura crítica em que estes, ou não pagavam as mensalidades, ou o faziam às prestações, ou nem sequer colocavam os pais ou mães na
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instituição, porque lhes fazia falta o dinheiro dessas reformas. “Desse ponto de vista, as coisas estão um pouco melhor”, salienta, aproveitando a ocasião para destacar a qualidade e profissionalismo dos colaboradores da ACASO. “Quanto assumimos a direção, percebemos que não bastava ter muitos soldados, aquelas pessoas que estão todos os dias no terreno. Notava-se uma falta de quadros médios, que começamos a contratar, depois viramos atenções para os técnicos auxiliares, mas ainda precisamos de mais funcionários, porque somos muito exigentes na escolha das pessoas. Os que estão não chegam, mas fazem muito”. Uma dedicação à instituição que sobressai neste género de eventos e António Pina lembra que a ACASO também está diretamente envolvida na organização da «Semana do Bebé» do concelho de Olhão, juntamente com
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outras entidades. “E vamos ter mais um arraial dos santos populares que, no ano passado, atraiu cerca de 500 pessoas. Queremos que os utentes estejam sempre ocupados, para estarem sentados ficavam em minha casa, que tenho um sofá grande”, diz, com a sua conhecida boa disposição. “Isto é para trabalhar a sério e é fantástico sentir-me útil nos meus quase 70 anos. Agradeço muito aos sócios por permitirem que seja presidente desta associação, quatro membros da direção já estão
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reformados, e isto é melhor do que ir à farmácia comprar medicamentos”. A iniciar o segundo mandato de três anos, António Pina explica que os desafios são constantes e, por exemplo, mais salas implica igualmente mais funcionários, o que obriga a analisar se a despesa extra é compensada pela receita que entra. “Vamos fechar «Os Saltitões», um edifício antigo, provisório há mais de 20 anos, e que tinha péssimas condições, porque compramos um novo espaço. Custou a módica quantia de 800 mil euros, mas o Montepio emprestou-nos o dinheiro a pagar a 20 anos, o que é uma grande ajuda. Mas estamos aqui por gosto e não podemos cair na rotina da gestão do dia-a-dia”, finaliza, porque era hora de entrar na sala para assistir ao espetáculo. ALGARVE INFORMATIVO #82
A importância das relações humanas Começou o espetáculo com uma avó e a sua neta sentadas em torno de uma manta de retalhos, cada retalho a ilustrar uma história, uma mensagem, uma experiência de vida destes jovens e menos jovens, homens e mulheres, irmãos e irmãs, mães e filhas, com um ponto em comum: sofrem de algum tipo de deficiência motora ou mental, nascida ou adquirida. A plateia começou em silêncio, como tinha sido pedido, mas o silêncio durou pouco, mas não por aquela habitual falta de respeito que se assiste tradicionalmente nas salas de cinema, 72
com conversas ao telemóvel ou de uma fila para a outra. O silêncio foi quebrado por iniciativa dos utentes que, de forma natural, começaram a interagir com a assistência, pedindo palmas nas músicas e canções, despedindo-se de forma entusiástica no final de cada história, sorrindo e acenando para os familiares que vislumbravam entre o público. E perante tal à vontade nas suas novas funções como atores e atrizes, ninguém resistiu e o espetáculo assumiu um tom informal em diversos momentos, com pais, mães, avós e avôs, irmãos mais novos ou mais velhos, a bater palmas ao som da música, de braços levantados, rindo das graçolas que a avô ia contando à neta enquanto descrevia os utentes, os seus gostos, as suas vaidades ou birras. Ao longo de duas horas, centenas de fotos foram mostradas enquanto se mudavam os cenários e foi possível constatar que estas pessoas ditas «diferentes», com mobilidade reduzida, com paralisia cerebral, com incapacidades de maior ou menor grau,
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têm dias mais preenchidos que grande parte do comum mortal, em atividades desportivas, culturais, recreativas, dentro dos espaços da ACASO ou em visitas ao exterior, a parques aquáticos, à praia, ao campo. Muito melhor, sem sombra de dúvida, do que passar os dias sentados nos sofás a olhar para a televisão ou, pior do isso, trancados no quarto, quiçá até presos a uma cama. Mas o dia era de festa, portanto, era melhor nem pensar nessas situações que são reais, que não acontecem apenas em filmes de cinema ou telenovelas. Duas horas que, de tão animadas e agitadas, passaram num instante e, de repente, estavam os utentes todos em palco, as técnicas da ACASO, as auxiliares, a cantarem a música de despedida, com o público todo de pé a bater palmas. Depois, a distribuição de flores aos familiares, as palavras de parabéns, os abraços de agradecimento, e lágrimas, muitas lágrimas, umas escondidas, outras de rosto aberto, porque não há que ter
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vergonha em momentos assim felizes. Por isso, não nos admiramos ao ouvir essa emoção nas palavras tremidas de Joana Rafael, a Diretora Coordenadora da área da deficiência da ACASO, da Ana Sofia Bexiga, monitora de ateliês, e de Raquel Faustino, psicóloga. “Sabemos as muitas horas de trabalho e dedicação que este evento envolveu, não temos nenhuma preparação no mundo do espetáculo e foi tudo feito de forma informal. Há uma grande equipa por detrás deste trabalho e um conjunto de utentes que, com as suas limitações,
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abraçaram este desafio e corresponderam às expetativas que depositámos neles. Acho que conseguimos, nesta tarde, fazer sentir a diferença”, sublinha Joana Rafael. O evento acaba por ser uma compilação dos melhores momentos da instituição, “um espelho das atividades realizadas individualmente e que foi reunido num espetáculo único”, revela Ana Sofia Bexiga, ao que Raquel Faustino acrescenta que a mentalização dos utentes para a experiência de subirem a um palco foi feita de forma gradual e natural. “Graças a Deus correu tudo, não houve nenhum problema e eles estão super felizes, que era o nosso grande objetivo”, observa a psicóloga. “O ponto de partida era tentar incluir todos no espetáculo e tentar passar mensagens. Era importante sensibilizar para a questão da deficiência, mostrar como é possível atingir sonhos e objetivos de vida, mostrar o quão importante são as relações humanas”, reforça Ana Sofia Bexiga. Joana Rafael indica que a ACASO apoia 55 utentes através do CAO – Centro de Atividades Ocupacionais, e
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40 em lar residencial. “É uma população bastante heterogénea, temos desde deficiência mental de grau leve a muito grave, pessoas portadoras de deficiência motora de diferentes naturezas, outras com paralisia cerebral, mas vivem todos juntos e ensinamnos muito sobre as relações humanas. Independentemente do perfil e da patologia de cada um, há forma de nos relacionarmos, de nos amarmos e apoiarmos uns aos outros e eles transmitiram isso nesta tarde e com toda a segurança”, destaca a Diretora. Utentes de várias idades e, em alguns casos, da mesma família, cada um com o seu feitio e personalidade, pelo que não deve ser fácil gerir tantas pessoas no quotidiano, mas é esse o desafio que toda a equipa assume diariamente, explica Raquel Faustino. “Apesar de todas as diferenças, têm que funcionar em grupo, com regras que eles compreendem, com pessoas em quem eles confiam, em comunhão. E se as coisas resultarem lá dentro, cá foram também conseguem fazer resultar”.
Uma realidade que não se pode esconder Infelizmente, tudo isto só é possível se as pessoas deixarem de fechar os olhos a esta realidade, que é difícil de lidar com, mas que não se pode ignorar, daí ter surgido o programa «Sentir a Diferença».
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“Durante muitos anos, a ACASO tem prestado os cuidados básicos na área da deficiência, sempre com toda a dedicação e mérito, mas a equipa sentiu que havia que ir um pouco mais além. Há realidades escondidas, as famílias e a comunidade não estavam presentes no nosso dia-a-dia e tivemos que arranjar estratégias, que se traduzem em diferentes atividades, para que todos conheçam o que se faz no interior de uma instituição”, salienta Joana Rafael. “A comunidade tem que estar preparada para responder o melhor possível às necessidades das pessoas portadoras de deficiência, e das suas famílias”. Pegando nas palavras da responsável da ACASO por esta secção, parece inacreditável que, em pleno século XXI, num país dito civilizado, haja quem prefira esconder em casa os filhos portadores de deficiência, em vez de pedir ajuda, mas Joana Rafael confirma que a maior parte destes utentes já chegou à instituição com uma idade avançada. “Vão ficando em casa
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porque os pais pensam que não há nada a fazer, que já não vão aprender muito mais, e acabam por não desenvolver as suas competências e potencialidades porque estão cingidas a um núcleo familiar muito protegido”, lamenta a entrevistada. “Quanto mais novos chegarem até nós, mais fácil será criar uma forma de ser, estar e trabalhar. Os mais idosos não têm o mesmo potencial, mas consegue-se sempre alguma coisa”, garante Raquel Faustino, a avó da história. “Apelando aos sentimentos, tudo se alcança. Podem não atingir um determinado nível que podíamos ambicionar, mas a dimensão humana, dos afetos, do amor, consegue-se sempre trabalhar”, prossegue Ana Sofia Bexiga. E se, em apenas duas horas de espetáculo, muitas pessoas não conseguiram conter as emoções, como será trabalhar todos os dias, várias horas por dia, semanas, meses, anos a fio, com estas pessoas especiais e todas diferentes, questionamos o trio de especialistas. “É um trabalho onde é impossível evitar as emoções, porque
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temos que nos entregar a eles de corpo e alma. Muitos não conseguem comunicar ou manifestar os seus gostos e interesses, temos que arranjar estratégias para chegar até eles e cada resultado atingido, por menor que seja, faz-nos ganhar o dia”, indica Joana Rafael, com Ana Sofia Bexiga a resumir o sentimento da colega na palavra «orgulho». “Orgulho na equipa que levou a cabo este trabalho, no que se fez, mediante todos os obstáculos, mas, acima de tudo, orgulho neles, porque se portaram muito bem. Mesmo os improvisos correram maravilhosamente. As lágrimas vêm naturalmente por causa desse orgulho, porque sabemos o que eles trabalharam para realizarem este espetáculo”, aponta a monitora de ateliês, que interpretou o papel de netinha na história. Espetáculo que serviu quase como arranque oficial para o programa de atividades de Verão, que contempla idas à praia e parques aquáticos, bem como campismo. “Queremos que eles
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tenham momentos felizes e experiências únicas. Enquanto IPSS, existem algumas limitações de natureza financeira, mas queremos proporcionarlhes o máximo de oportunidades e, para tal, precisamos da comunidade. Evitamos a rotina, a estagnação, isso não lhes faz bem, e só temos um dia-adia saudável e equilibrado se houver essa novidade”, esclarece Joana Rafael. E a pergunta inevitável é, como reage a comunidade, o cidadão anónimo, quando contata com estes utentes nas tais saídas de campo. “Ainda ficam a olhar”, reconhece Ana Sofia Bexiga, com tristeza, embora Joana Rafael acredite que as pessoas já estão mais recetivas a esta realidade. “Há o olhar, o sentimento incómodo, mas notamos 77
que muitas pessoas ficam surpreendidas com tudo aquilo que eles conseguem realizar. Temos esta semana uma viagem programada a Lisboa, vamos receber um grupo de utentes de Machico, na Madeira, portanto, acabamos uma atividade, começamos logo outra, porque este trabalho tem que ser feito todos os dias”, culminam as três, antes de irem festejar com os utentes, colegas e auxiliares o grande sucesso do espetáculo «Sentir a Diferença» .
A CAMINHO DO CENTENÁRIO Reportagem publicada no número 13 da Revista Algarve Informativo, no dia 27 de junho de 2015 ALGARVE INFORMATIVO #82
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