Amostra Grátis

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Amostra Grรกtis POESIA 25 000

XXVintecinco


Chacal Gabriel Gorini Thiago Gallego Catarina Lins Lucas Matos Andr茅 Aranha Clara de G贸es Mariano Marovatto Guilherme Ottoni Fernando Arosa Pedro Rocha Yassu Noguchi Thiago Diniz Pedro Lago Guilherme Zarvos

11 fls marfim chamex: 0,39 1 fl marfim sulfite da diplomata: 0,24 1 tinta bulk ink da cdrcia: 0,36 = custo deste exemplar: 0,99


Intro

É difícil diferenciar do mito o fato, quando se trata de CEP 20 000, inda mais para quem está chegando agora, nesse quarto de século de existência do Centro de Experimentação Poética. Nessa data querida, preparamos uma gazetinha como forma de legar aos vindouros um registro de alguns dos poetas que por aqui passaram nesse início de 2015. Que venham os próximos 25 anos!


CENA 2: ZARVOS / CHACAL: O ENCONTRO

Corria o ano da graça de 1990. Era abril, talvez maio. Eu vagava pelo mal assombrado pátio interno da escola da comunicação da UFRJ, na urca. À convite de alunos, tentava fazer um recital e vender alguns livros. O tempo era de vacas esqueléticas. Collor, recém eleito, confiscara a poupança. O mercado se retraíra ao osso. Minha língua seca não conseguia atrair nenhum incauto inquieto para degustar o verbo. Eu dava voltas e não saía do lugar. Corta. Guilherme Zarvos, escritor inédito então, ativista político, entrava pelas portas da rua, para promover um evento chamado terças poéticas, na Faculdade da Cidade. Ele vinha com o gás de quem tem ouro nas mãos. Corta. Sem um mínimo de audiência, com a palavra amarfanhada pelo desuso, pensei em correr dali. Para o Pinel, ali do lado. Ou para o bar mais próximo. Então deu-se o encontro. Corta. Guilherme me convidou para participar da última terça poética que iria versar sobre a poesia dos anos 70. Heloísa Buarque de Holanda, professora e ensaísta, iria pintar o painel pânico da época e eu, apresentar poemas meus e de outros vates d’então. Agradeci o convite e fomos secar umas geladas. A ECO ficou para trás.

Chacal


POEMA À MODA CONTEMPORÂNEA Nº15

dizem por aí que o presidente mao ao ser perguntado sobre a revolução francesa respondeu "ainda é cedo demais pra saber" hoje me perguntaram o que eu pensava da revolução francesa mas como eu não sou chinês nem nada bebi o último gole de cerveja meu parceiro eu ainda tô tentando entender como os dinossauros desapareceram e arrotei

Gabriel Gorini


meu teste

ontem à noite comecei a ler o livro novo da marília garcia um teste de resistores comecei a ler pelo último poema a poesia é uma forma de resistores? comecei a ler pelo último poema porque já tinha ouvido uma versão dele lida pela marília na casa de leitura dirce côrtes no humaitá e tinha vontade de ouvir de novo acontece que quando li o último poema a poesia é uma forma de resistores? não era a minha voz na minha cabeça que lia o poema era a voz da marília nos encontros da casa de leitura dirce côrtes e hoje no ônibus quando comecei o primeiro poema e o que vem logo depois dele ainda era a voz da marília na minha cabeça fiquei fascinado pela ideia de ler com uma voz e um ritmo tão diferentes do meu fiquei fascinado e imaginei que todo o livro seria isso desci do ônibus pensando com aquele ritmo aquela voz e escrevendo [com eles também ao contrário do que eu esperava conforme avançava no anfiteatro da puc em outros dois ônibus a voz na minha cabeça foi se tornando um híbrido entre a da marília e a minha


ora era como eu e quase só eu lendo ora era a marília mas na maior parte um dueto escrevo com algum medo de que soe uma tentativa de imitar um texto tão vivo ainda assim escrevo num híbrido algo tosco de vozes porque acho bonito muito bonito quando uma coisa dessas um ataque direto do poema no corpo feito bactéria acontece

Thiago Gallego


Knaus 11:11

porque sempre que chegas derramo o café e meu barco de madeira cai da estante quando escondo tudo pra que não leias nada do que tenho escrito parece — que o capitão haddock já se cansou de ser de plástico e te detesta tanto quanto eu agora mas se te detesto tanto por que passo o tempo todo pensando precisamente sobre isso? it seems they were all cheated of some marvelous experience which is not going to go wasted on me which is why i’m telling you about as cascas de pistache a luz neon do posto e o tempo que certas têmporas perfeitamente concha-acústicas levam [tentando decidir se deveriam ou não entrar, dormir no sofá ou se mudar pra berlim aposto — que faríamos sucesso tocando dominguinhos e a medida obsoleta das verstas, idem. Catarina Lins


garage sale.

vou separar o borges o borges ao menos não vou vender seria mais fácil queimá-lo seria mais fácil rasgar todas as páginas borges por 12 reais o exemplar mesmo o que borges assinou 12 reais exemplar 12 reais não compram 12 dólares 12 reais não compram 12 pesos 12 reais não compram uma dúzia de ovos muito caros por exemplo ovos de páscoa com 12 reais se vai à roma havendo boca com 12 reais com ou sem boca não se vai à ilha de páscoa

Lucas Matos


o que ouve no ouvido

a tua testa me testando os pés pesados me pisando peitos pintados me peitando a tua pele, pelada, pelando não me queixo olho o olho (toda língua passa pelo corpo) a língua do linguado e ela na goela coloração linda coração da cor

André Aranha


A poesia não é triste nem alegre nem pesada ou leve a poesia é de passagem, avara de tempo, cria um cinto de solidão à sua volta e sucumbe ao olhar que vai embora. O poema me constrange à vida o poeta me conduz, à cama a saudade restitui-me ao canto e o veneno faz do risco aurora.

Clara de Góes


Hoje depois do banho você apareceu com os olhos brilhando. Disse que faria um suco, que esperasse, que provasse. Está sujo aqui. De café. Pronto, saiu. Eu pela rua, tão desarmado, tão calado. Você de verde numa pista de dança. Você sentada numa cadeira de praia. Você me leva para lugares próximos. Eu não consigo levar ninguém para as ilhas porque são muito distantes. Mas você está lá, de verde, nua, no meu colo, seriíssima, dormindo, bebendo água, na minha casa. Não dizem palavra os cartógrafos, apenas desconfiam e verificam. A terra é firme debaixo das tuas botas. Estou em casa, estou na ilha, na mesma esquina. Você salta do táxi, sem o sorriso, você está de rosa. Nua, você diz que é um macacão rosa. Você ainda está vestida. Você me dá a mão. Damos uma volta no quarteirão para despedir dos amigos. Os amigos notam nossos dedos entrelaçados. Os dedos estão na sua gaveta. A gaveta está na sua casa. Seus brincos estão na minha gaveta. O endereço da ilha é o mesmo da casa. Estão na mesma língua e por isso você não entende. Nas ilhas se caminha com extrema dificuldade por conta dos ventos. Suas botas supõem impensável caminhar dessa forma. Não há diferença entre o abrigo das nuvens e o abrigo das árvores. As ilhas são umbigos do mundo. Imagino sua rotina e sua cozinha acesa. Imagino o trator na janela derrubando paredes. Imagino você me escrevendo um bilhete. Imagino sua letra garranchosa porque nunca vi sua letra. Imagino você se despedindo. Imagino você culpando o trator pelo sumiço. Imagino os seus filhos. Eu não tenho filhos. As ilhas não estão em guerra. Luto por um pedaço de continente que não é meu. Imagino meus pés firmes esperando o meu próprio trator. O trator é o senhor das ruínas.

Mariano Marovatto


Versos para uma flor morta

Minha linda flor, agora já morta, Teu corpo inerte e são me faz pensar, Quando triste, no pulso que se corta Para a dor neste instante aliviar... Minha linda flor, agora já morta, Tua alma está flutuando no mar E parece que, tão alegre brotas, Torna-te uma flor humana a brotar! E cresce a dor que tenho no meu peito, Pois contigo deitada em nosso leito, Santificada, já pálida e fria... A virgem com olhos de violeta Se apagou brilhante como um cometa, Está agora para sempre vazia...

Guilherme Ottoni


Silêncio

Sou daqui bem de perto De um lugar com nome de santo Perto demais de injustos Não quero lembrar seu nome Sei, mas não digo. Nasci em madrugada De chuva forte, choro forte, Túnel escuro e claridade. Contam-me uma história De um homem bêbado Que gritava pela Revolução Naquela madrugada De chuva forte De choros fortes

E da revolução, grito de dor. Pouco restou. Soube mais tarde, que O homem bêbado que gritava Era bem apessoado Era dali, no entanto, Poucos creditavam nele um futuro. Eu nasci ali No meio da chuva e do grito O meu e o dele, fortes. O mundo sempre se cala.

Fui dali algum tempo, Hoje sou de outros lugares Sinto arrepios, angústias Carrego do mundo alguns [desasossegos. Quanta coisa hei ainda De pensar e esquecer!

Fernando Arosa


O homem probo

todo homem que se solta solitário pela vida tem os ombros tensos e não distrai o coração sabe de si e não fala com estranhos e se calado, dentro urge um leão o homem probo conhece seus dotes e não é palavroso pois se priva da fome ufana aceita qualquer argumento e não discute futebol trabalha todo feriado e final de semana todo homem que se presa sede seu lugar para a senhora não reclama se o troco está errado nem incomoda a mocinha do vestido decotado - oh deus, obrigado! eu tinha tanta coisa pra dizer mas eu fico satisfeito [em ser travado...

Pedro Rocha


cada momento de amor n/o/s/s/o time-lapse em cada fotograma ama ama ama ecoa o momento anterior menor, que em sua verdadeira [reprodução: do desejo um segundo é pouco é muito é suficiente não é cabe

não cabe o tempo - dentro dessa câmera ora clara ora escura obs: cura salta lapsing - daquele que bate involuntário dizem, há um estado normal no qual se pode ver as coisas são sutis - evidente o amor também é uma forma de manipulação lenta.

Yassu Noguchi


Revolta

Todos estão revoltados Comigo, com o frentista, com a Caixa do supermercado Todos revoltados com a atenção dispensada pelos médicos nos hospitais Todos Revoltados com os impostos pagos e mal empregados Todos revoltados com a motorista lerda No carro da autoescola Todos revoltados e na merda Talvez por serem atores Revoltados com o circo dos horrores Todos revoltados com pessoas tendo suas casas removidas devido a especulação imobiliária onde as empreiteiras responsáveis financiam a [campanha do candidato ao governo Revolta O médico assassinado na porta de casa Revolta O aumento dos autos de resistência No alto do Vidigal No Baixo Leblon Todos Revoltados Tanta revolta que só mesmo uma passeata em silêncio Revoltados calados Assim, quem sabe, serão escutados

Thiago Diniz


O GRITO DE BOTIKA

“sem mais o Rio é uma bosta” Pedro Rocha O estrago não abrange mais o tamanho do susto, nas margens, não sobraram pedaços de madeira, paus fincados na terra para lembrar o que existiu ali um dia. O grito não é sobre o cheiro da fumaça que cega e lacrimeja, o grito não é sobre o rumor oculto que alimenta o imenso reino de sombras que cresce como um dilúvio antes do fato. O grito é muito mais que simples temor, angústia, desmedida. O grito é o que não se curva diante da desgraça, do domínio enriquecido pela gula de uns, enriquecida pela fome de outros.


O grito é o excremento, o miasma que resta no corpo quando a podre e crua comida forma um banquete de vermes O grito é o sal que escorre pela carne exposta e dói e treme e causa ira e provoca e faz surgir o soco. Eliminar a ameaça como quem explode um vilarejo que resiste, cuja lágrima vem da mesma fonte do grito, ébrio, puro, genuíno e entranhado grito para o que conduz a ordem, o progresso, a vigência, as hordas de seguidores que arrancam com os dentes a pele de quem não tem mais como existir. O grito é a própria cidade, que sofre, perde seus órgãos, cabelos, membros, sangue, e se parece cada vez mais com um deus de pedra, rachado, puído, esquecido no futuro, entre plantas, musgos e lixo, sem memória feito uma aldeia vulcanizada. Pedro Lago


MONTE PASCOAL

Daqui de cima do Monte Pascoal viu. Neste bosque encantado, nesta floresta que é parque quando tudo era parque – correu morro: trinta quilômetros. lá de cima havia enxergado. o coração desejava explodir, o pé precisava voar – ar pulmão ar – queria chegar na praia, em Corumbau e conferir: nunca vira Deus tão lindo. correu por meio de ipê caixeta pinha cupuba gameleira pau-brasil sapucaia jacarandá oiti pequi e deixou marcas das solas ligeiras no manto tapete amarelo na trilha que tantas vezes percorreu e nem sentiu o perfume doce da floresta que ontem chovera. era manhã e orvalhava e ele não viu os pingos ainda agarrados nas folhas em todos os tons semitons verdes que dependem das mudanças das horas do dia e o do tempo e da Terra e das marcas dos raios de sol. E uma codorna passou mansinha e tentou lhe avisar que não se apressasse e outros bichos tentaram lhe pedir que não fosse, gritando estridentes, uivando, que parasse – ar ar pulmão eu lhe estouro mas quero chegar – e correu como nunca, em nome de todos os seus Deuses, de todas as suas mulheres, não muitas, na sua juventude. O corpo rijo acostumado à caça à derrubada ao sexo às guerras aos jogos correspondia. porém a Impaciência já havendo lhe tomado exigia mais: passou batido por borboletas brancas amarelas azuis que


aspiravam por enfeitar acariciar seu braço guerreiro como só Bela sabia, mas não era a hora. Apenas a praia lhe interessava e num descuido uma raiz traiçoeira passou-lhe uma banda e o guerreiro caiu de boca no chão, no tapete de folhas de sêmen de óvulo de adubar terra, e um sapo o encarou: dez centímetros era a distância. não cuspiu, não era disso. tinha a cor das folhas. caleidoscópio se protegia dos inimigos. o sapo não falou absolutamente nada já que não era um sapo falante mas o encarou preenchido – na completa imobilidade de sapo que encara – e Zinho, por alguns segundos, não pensou na areia que precisava alcançar e lembrou de seu avô, do olhar grave de tuxaua em momentos de decisão. de tomar rumo, de falar o que o Tempo lhe ensinou. a cara do sapo esculpida por pai e mãe e pai e mãe e pai e mãe do sapo, dez centímetros de seus olhos, o hipnotizava e ele deitado de bruços, corpo todo no chão tapete de folhas, por um minuto permitiu que maus pressentimentos dominassem sua cabeça. o corpo do forte fraquejou. foram apenas estes segundos e o corpo do forte já corria e Fantasia e Impaciência eram novamente suas donas e Zinho já avistava a praia e não era só ele ali: toda a aldeia, do mais velho à mais pequenininha se grudava perto da água dentro da água para ver: A Fundação do Brasil.

Guilherme Zarvos


XXVintecincoanos


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