GESTÃO
/ LIXO ELETRÔNICO
O DESTINO DO LIXO ELETRÔNICO Foto: thinkstockphotos
Por Danilo Sanches, especial para a CRN Brasil
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A RESPEITO DA DESTINAÇÃO DO LIXO ELETRÔNICO AINDA NÃO ESTÁ DEFINIDA PARA TODO O PAÍS, PORÉM INICIATIVAS DE FABRICANTES, DISTRIBUIDORES E ATÉ PESSOAS FÍSICAS TÊM LEVADO À PRATICA A DESTINAÇÃO RESPONSÁVEL DOS EQUIPAMENTOS TECNOLÓGICOS
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Por outro lado, fabricantes, distribuidores e o poder público preparam-se para uma atuação mais responsável e para uma legislação mais exigente quanto à destinação destes resíduos. O Brasil comemora o primeiro ano da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que, no caso da tecnologia, regulamenta a responsabilidade dos fabricantes e distribuidores no planejamento do descarte adequado de equipamentos. A política define diretrizes para que estados e municípios regulamentem e criem leis. E o principal debate atualmente está em torno da definição das responsabilidades de cada player desta cadeia. Por exemplo, existe uma questão quanto à responsabilidade sobre equipamentos e componentes importados. Uma característica importante do PNRS é que a regulamentação deverá ser feita no âmbito municipal. E mesmo com um prazo estabelecido para o próximo aniversário da política, em agosto de 2012, algumas iniciativas relevantes já estão sendo tomadas tanto por municípios, quanto por fabricantes e distribuidores. O vice-presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Tecnologia da Informação (Abradisti), Mariano Gordinho, cita o caso do município de Curitiba (PR). Segundo ele, é um dos poucos casos em que uma regulamentação concreta já foi feita e implantada. “O que define a prática, neste caso, é a lei. E a lei existe, mas precisa ser regulamentada”, afirma Gordinho. “No âmbito nacional, existe uma política, mas não existe regulamentação. E foi o que foi feito em Curitiba. É preciso definir os papéis de todos os envolvidos no processo.”
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o que depender das estatísticas, o mundo tem poucas esperanças em função do avanço dos resíduos derivados de equipamentos eletrônicos. Os números mundiais indicam que 61% da população mundial tem ao menos um aparelho celular e ele é trocado a cada 22 meses. Os desktops têm ciclo de troca de dois anos. O mundo produz entre 20 milhões e 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano e apenas 18% disso é reciclado. Definir papéis, segundo ele, significa designar os responsáveis pela coleta dos materiais descartados, indicar o destino correto de cada equipamento e também as certificações dos responsáveis pela destinação e reciclagem dos resíduos. “No mundo todo só existem três ou quatro usinas certificadas para fazer o desmanche de placas-mãe e de vídeo, por exemplo, e retirar delas metais como mercúrio e ouro”, explica Gordinho. As iniciativas que apontam para uma solução desta questão não estão apenas atreladas ao cumprimento de uma lei. Orientações contratuais muitas vezes exigem a responsabilidade do fornecedor pela destinação dos equipamentos que estão sendo negociados, tanto em contratos com empresas multinacionais, que têm políticas internacionais, quanto em editais do governo. O vice-presidente de Operações da fabricante brasileira Itautec, Ricardo Bloj, vê esta tendência como um movimento crescente no mercado nacional. “Existem casos em que é parte do negócio, que o fabricante que se proponha a substituir equipamentos de um cliente, se responsabilize pelos equipamentos que estavam anteriormente instalados”, afirma. Segundo ele, estes casos acontecem principalmente em editais do governo.
Reciclagem
Mariano Gordinho, da Abradisti: “No mundo todo só existem três ou quatro usinas certificadas para fazer o desmanche de placas-mãe e de vídeo, por exemplo, e retirar delas metais como mercúrio e ouro”
A Itautec mantém desde 2007 um centro de reciclagem de equipamentos, localizado em Jundiaí (SP), onde destina cerca de 500 toneladas de resíduos gerados por equipamentos eletrônicos obsoletos anualmente. A capacidade de processamento da unidade é de mil to-
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José Carlos Valle, do Museu do Computador: de criar iniciativas para reduzir os impactos dos resíduos gerados por equipamentos de tecnologia é considerado pelo mercado como um amadurecimento do Brasil, que é o sexto maior mercado de TI no mundo.
Rentabilidade
Ricardo Bloj, da Itautec: No último ano, mais de 50 toneladas de placas foram destinadas para reciclagem em países como Bélgica e Cingapura, por não haver tecnologia certificada no Brasil para este tipo de operação
neladas anuais, o que equivale a cerca de 140 mil desktops, que são desmembrados, descaracterizados e destinados a empresas homologadas para a reciclagem dos materiais específicos. No último ano, mais de 50 toneladas de placas também foram destinadas para reciclagem em países como Bélgica e Cingapura, por não haver tecnologia certificada no Brasil para este tipo de operação. A fabricante inaugurou recentemente também outro centro de reciclagem em Curitiba e até o final do ano, pretende abrir mais duas unidades, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. A intenção é chegar a oito centros regionais desse tipo. Bloj explica que os centros são destinados principalmente ao processamento de produtos fabricados pela Itautec. Porém, em algumas negociações corporativas, e até mesmo de varejo, a empresa processa equipamentos de outros fabricantes. O caso específico do varejo, segundo o executivo, faz parte da negociação que o varejista receba o equipamento antigo do cliente em troca até mesmo de desconto. “O grande desafio, pelo que a gente tem acompanhado em reuniões com associações de classe e também
em Brasília, é na logística reversa”, afirma Bloj. Este desafio é maior ainda, segundo o executivo, em função da expectativa de crescimento no volume de equipamentos reciclados a partir da regulamentação do PNRS. “O que a gente está projetando para o futuro é um aumento neste volume, com certeza. Não apenas em função da lei, mas pelos tipos de negócio que a gente está fazendo.” Até agora foram investidos cerca de 3 milhões de reais no projeto do centro de reciclagem e não faz parte dos planos da empresa transformar isso em negócio. A receita proveniente da venda de materiais para reciclagem não cobre os gastos com a operação. Mesmo porque, segundo o executivo, para transformar esta etapa em negócio seria necessário um investimento bilionário. “O que eu vejo é que seria necessária uma grande escala, e então começa-se a falar em investimentos para automatização de algumas operações”, explica o executivo. “E para operações como a separação de metais, que fazemos com um parceiro na Bélgica, seriam investimentos bilionários.” O avanço da legislação no sentido de apontar responsabilidades e
Obsolescência não é problema para a CSI Leasing. Ao contrário, a subsidiária brasileira da companhia norte-americana especializada em leasing de equipamentos de tecnologia faz o gerenciamento dos recursos de TI destinando a outros mercados equipamentos usados por empresas. A companhia, que distribui grandes marcas, como HP e Dell, fornece um serviço de atualização programada no formato de leasing e mantém um laboratório de recondicionamento de computadores onde prepara máquinas para o que eles chamam de remarketing. O grande apelo do modelo de negócios da empresa é que as máquinas recondicionadas são destinadas a mercados que não demandam equipamentos de ponta. Setores como o telemarketing, além de profissionais liberais e pequenas e médias empresas movimentam cerca de sete mil desktops recondicionados por mês. E este número deve chegar aos 12 mil até o final deste ano, segundo Ricardo Abdalla, gerente de remarketing da CSI Leasing. O recondicionamento de um computador pode estender em dois anos a vida útil do equipamento. Além disso, a empresa conta com a vantagem competitiva de oferecer estes computadores a 500 reais, dependendo do contrato. “O resultado financeiro da nossa operação de leasing aparece na segunda fase, que é no remarketing”, explica Abdalla. “Durante os primeiros 36 meses do contrato nós carregamos as máquinas contabilmente, mas o modelo de negócio permite que nossos clientes programem a troca por equipamentos novos e estas máquinas passem a gerar receita.” O executivo explica que, em alguns casos, os clientes demandam uma extensão da garantia de fábrica e fazem um escalonamento da substituição de seus parques. “Muitas vezes
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/ lixo eletrônico
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gestão
5 mil peças recicladas ao ano Em Itapecerica da Serra, município da grande São Paulo, está ganhando forma a iniciativa de um visionário da reciclagem de equipamentos de tecnologia. Desde 1998, José Carlos Valle cultiva a ideia de erguer o Museu do Computador. Aliado ao trabalho de coletar máquinas para seu acervo que hoje passa das 10 mil peças, Valle destina cerca de cinco mil itens para reciclagem anualmente. Trabalho de formiga, como ele mesmo denomina sua saga, o projeto de Valle deve se concretizar nos próximos dois anos. “Em outubro deste ano começo a captação de recursos para a construção do museu, que será o meu legado para uma história que não é de conhecimento de todos”, afirma Valle. A iniciativa de Valle é pela memória das pessoas em relação à história do computador. Fabricantes e distribuidores olham para as oportunidades de negócios e para a construção de suas marcas ante um mercado cada vez mais exigente. Mas o resultado disso tudo é um só: caminhamos para um uso mais consciente dos recursos e para uma atuação mais responsável dos fabricantes e parceiros.
os clientes, inclusive, conseguem descontos significativos na extensão das garantias em função do volume de máquinas”, completa Abdalla. A expectativa é que a partir da regulamentação do PNRS, a demanda por equipamentos de remarketing dobre, segundo o executivo. Por outro lado, ele afirma que a cultura das empresas no Brasil ainda não está voltada para uma consciência de uso responsável dos recursos tecnológicos. “Hoje, o que vale no Brasil é muito mais a cultura das organizações que a legislação”, afirma Abdalla. “As empresas importam das matrizes a postura de que se tenha responsabilidade sobre a destinação dos equipamentos.”
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