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REPÚBLICASP Número Zero Dezembro 2004 – Ano I www.agencia21.com.br República SP é uma publicação da Agência21 tendo como referência o Plano de Requalificação Socioeconômica do Centro Novo de São Paulo. Canais de comunicação: São Paulo São Paulo Minha Cidade Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2344 – 9° andar Tel.: (11) 3283-1900 CEP 01402-000 spminhacidade@uol.com.br Rio de Janeiro Agência21 Praia do Flamengo 278 grupo 91 Tel.: (21) 2553-9017 22210-030 agencia21@agencia21.com.br www.agencia21.com.br Coordenação Agência21: Márcio Calvão Equipe editorial: Leticia Parente Ribeiro, Márcia Costa, Maurício Limeira, Flavia Domingues e Roberto Tostes Jornalista Responsável: Thais Schettino Reportagem: Flavia Domingues e Manuela Neves Pesquisa e Documentação: Silvia Lopes Raimundo Cartografia: Natasha Gracia Colaboradores desta edição: Graciela Hopstein, Guilherme Quentel, Beatriz Fialho, Nilton Alves, Márcia Costa, Maurício Limeira, Lílian Alves, Silvia Lopes Raimundo, Thais Schettino, Manuela Neves, Flavia Domingues Fotos: Edson Marlede Santana Projeto Gráfico: David Amiel e Diana Acserald Ilustrações: David Amiel Revisão e Produção Gráfica: Roberto Tostes Fotolito e Impressão: Gráfica Minister Circulação dirigida Tiragem: 2.000 exemplares Ilustração segunda e terceira capas e pgs. 14, 15, 16 e 17: Planta Perspectiva de São Paulo, 1972 © Cota Territorial SCL (www.bottura.eng.br)



“EU GOSTO, NOS FILMES, DAS CENAS QUE SÃO FEITAS NO CENTRO DA

CIDADE. PORQUE EU NÃO FICO PRESO SÓ ÀQUELA CENA PRINCIPAL,

EU FICO VENDO O CARRO QUE TÁ PASSANDO POR TRÁS DA CÂMERA,

AS PESSOAS QUE TÃO PASSANDO NO MEIO DA RUA. DE UMA FORMA

OU DE OUTRA, AQUELE MOMENTO É O MOMENTO QUE EU TENHO PARA

CONHECER O CENTRO DAQUELA CIDADE, DAQUELE PAÍS.”

(THAÍDE, NO PONTO CHIC DO LARGO DO PAISSANDU)

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“Nem a todos é dado o prazer de tomar um banho de multidões; gozar a turba é uma arte; e só pode fazer festim de vitalidade à custa do gênero humano aquele a quem uma fada insuflou no berço o gosto do disfarce e da máscara, ódio ao domicílio e a paixão pelas viagens. [...] (Charles Baudelaire – As Multidões) Quando deixo nas calçadas do Centro Novo as marcas de minha passagem, ninguém vê. Meu andar ensimesmado na multidão, na praça, na galeria abarrotada, é tão desinteressado quanto falso. Erra quem me vê distante. A pequena fúria que a cidade emana me engole e eu a capturo. Sou e quero fazer parte disso. Tenho o vírus da observação ligado ao da vadiagem, como dizia João do Rio. Sei a arte de gozar a turba, como Baudelaire. Quero essa realidade febril da maneira exata como ela se oferece a mim. É assim que a coisa funciona. Eu pequeno inquieto na multidão pulsante, e a cidade larga, repleta de senhas que só cabe aos incautos decifrar. Essa gente pela qual circulo, esses vãos por onde entro e saio, compõem o cenário de uma cidade que é parturiente o dia inteiro. Tudo aquilo que a preenche se transforma com o virar das horas. Vem se transformando com o virar das décadas. Em trânsito sempre. Como se casa não houvesse para voltar. Sigo sem planos no miolo dessa massa colorida, ruidosa, irreversivelmente afrodisíaca, mosaico urbano que a cada dia se renova no rodízio do detalhe. Há que se gostar disso. De ser pedaço, resíduo, como o são os tijolos, o asfalto, a fumaça. Me pergunto se não há limite. Para onde vai todo esse povo, quando o espaço acaba? Não busco no desleixo de meus passos a resposta. Viro a esquina e renuncio à tarefa de refletir. Fico com as imagens colhidas ao acaso e alinhavadas pela imaginação ... E deixo que digam, que pensem, que falem ...

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EPICENTRO DE UM TERREMOTO A MAIOR TREMEDEIRA 4|

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“De vez em quando você está andando no meio da rua e acontece aquele imprevisto e você vê gente correndo pra tudo quanto é lado e você fica meio perdido! Isso é a cara do centro.” (1) “Agora mesmo eu fui buscar uma roupa ali e até brinquei com o dono: “eu sei porque que a tua mercadoria é mais cara, é porque você tem show na porta da loja!” Tinha um rapaz cantando lá, fingindo segurar um microfone na mão, cantando até afinadinho. Ele tava dando um show lá! E o pessoal pára, uns fazem gozação, outros admiram ... só aqui pra acontecer um negócio desses!” (2) “Barulho. Movimento. Agitação. Aqui você encontra uma diversidade muito grande e uma movimentação constante, dá a impressão que as pessoas não param, você esbarra com as pessoas e todo mundo passa uma imagem de preocupação, de eu tenho que fazer.” (3)

“... no dia-a-dia o paulistano é muito preocupado, ele dá muita atenção ao trabalho, ele tá sempre correndo, sempre visando uma meta, trabalho, corre-corre. Talvez ele não pare, não se aperceba do que se passa ao redor, às vezes ele fica bitolado rumo àquele sentido, ao que ele tem a fazer. Então eu me familiarizo com pessoas que saem cedinho de casa, vão trabalhar, pegam uma condução afoitas, no semi-atraso, comem um sanduichinho numa barraquinha lá, um cachorro-quente, vão correndo pro trabalho, na hora do almoço é a mesma coisa, tomam um lanchinho rápido e retornam, então realmente a vida é corrida e isso aí me envaidece inclusive de estar participando desse corre-corre, eu sou grato a isso.” (4) “Movimento, correria, estresse, pessoas tentando fazer tudo de uma vez só, pessoas correndo.” (5)

“Trabalhar no centro é legal porque você se sente fazendo parte deste movimento todo. Aqui, enquanto eu estou falando com você tem carro, barulho na rua e é normal. Você se habitua a isso, a esse “barulhão”. Quando eu tiro férias, sinto a diferença. É muito silencioso você morando em bairro. É tudo silêncio, é quieto demais, chega a incomodar ...” (3) “Eu trabalhava de dia aqui e à noite no Jardim Europa. À noite eu passava aqui. Era tão bom! Era um silêncio, em 72. Era uma felicidade medonha ... era tranqüilo. Agora, barulho e medo.” (6) “Eu gosto de trabalhar aqui no centro mas não moraria aqui. Venho de metrô e pego mais uma condução pra chegar em casa mas hoje tem a facilidade das peruas.” (3)

“A movimentação do centro pode ser estressante, mas também tem um fator positivo, às vezes, aconteceu alguma coisa no trabalho, você está extremamente preocupada “com a cabeça cheia” e então sai pra almoçar, vai andar.” (3)

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É DIFÍCIL FALAR O CENTRO É ISSO “Você vê muita coisa, mesmo não querendo. Aqui as pessoas se sentem parte da cidade. É um bagulho muito louco! “ (Thaíde, no ponto chic do Largo do Paissandu)

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GENTE, MISTURA DE GENTE, RAÇAS, CHEIROS

“A cara do centro é o seguinte: um vai-e-vem de pessoas com idéias, pensamentos e profissões diferentes. Então, a questão dos ambulantes, da sobrevivência, os próprios catadores de material reciclável que a gente vê, o empresário, o bancário, o banqueiro... ah, isso é muito bom! Essa mistura é muito importante, assim como a mistura de raças e credos.” (4) “Pessoas diferentes, com várias formas diferentes de viver e convivendo nos mesmos lugares, acho isso interessante, coisa de São Paulo.” (8)

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“Todas as colônias estão aqui no centro, desde os japoneses, chineses, peruanos, bolivianos, nigerianos, cada uma com a sua forma de agir, cada uma com a sua relação com a própria cidade. Todos vêm pra ficar, acredito eu, e todos eles se adequam e se encaixam

da maneira que é possível até conquistarem seu lugar. Cada grupo conquistou um espaço, um respeito na cidade diferenciadamente. Então, tudo isso faz com que o centro seja um misturado de coisas, não só de valores, mas de pessoas, de prédios, de sentimentos, de cheiros, de culturas. Então é uma coisa assim: aqui nasce tudo e depois começa se ramificar pra que depois cada um possa realmente atingir a sua identidade.” (9) “O que você pode falar do centro é que ele é talvez uma colcha de retalhos onde você tem várias realidades costuradas. Mas eu não sinto uma integração de tudo isso, eu sinto um cruzamento de várias forças, de várias culturas mas sem uma coisa que você possa sintetizar.” (10)


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2 UMA PANELA DE PRESSÃO “Eu sinto esses conflitos, esse choque, essa tensão constante mas não aquela tensão positiva a partir da qual algo se cria, uma tensão de segregação mesmo. O centro é um lugar de exclusão.” (10) “Uma vez, eu estava indo almoçar e vi dois garotos assaltando um restaurante e o que me chocou foi que enquanto estava acontecendo o assalto, as pessoas andavam na rua com se nada estivesse acontecendo. E é assim também com relação às pessoas caídas no chão, morrendo de fome ou cheirando cola, naquela região.” (8) “Você pode ser abordado à qualquer momento por alguém invadindo a sua privacidade, mas isso faz parte. Apesar de ter muitas opções, a maioria delas tem que ser descartada se você não quiser se expor, se você não quiser se misturar, e acaba tendo que escolher aquela que dê mais segurança ou pelo menos uma insegurança menor.” (2)

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A MAIORIA TÁ NO MESMO BARCO “Antes de vir mais pra cá pro centro, eu não gostava porque eu imaginava coisas de violência, de assalto, trombadinhas pegando bolsa... hoje não, eu vejo com outros olhos. É uma família, quer dizer, se você se entrosar você vai ver que é um lugar comum, um lugar em que todos vivem juntos.” (14) “A perseverança do pessoal, a amizade... tem concorrência também, mas tem muita amizade, o pessoal aqui é companheiro ... 90% um procura ajudar o outro.” (15) “... tem algo particular aqui que é esse espírito de acolhimento. Há uma vontade muito grande do povo em ser acolhido, e o centro tem esse carisma de acolher e dizer você é gente, você tem um valor, você tem dignidade.” (16)

MISTURA GENTE DE GRANDES POSSES COM GENTE FALTANDO PEDAÇO A 100 METROS DALI ... “A própria desigualdade social que existe no Brasil você também vê no centro. Desde altos executivos, grandes corporações e grandes investidores até a população em situação de rua, pessoas morando em cortiços, em ocupações precaríssimas.” (10) “Tem uma coisa que é intrínseca ao centro que é a “Boca do Lixo”. Isso eu acho que sempre vai existir, sempre vão ter os excluídos, sempre vai ter o subemprego. E o centro é onde isso se concentra. Não é expulsando uns e privilegiando outros e fazendo com que espirre essa população de rua que as coisas vão mudar. Toda essa parte que é tida como podre faz e sempre fez parte do centro, como faz parte do centro de qualquer grande cidade do mundo.” (12)

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“Pessoas subindo e descendo esta rua. Pensativas e sem rumo à procura de aventura. Moços, velhos, pessoas de idade. Vejo tudo isso no centro da cidade”. Jackson A. B. de Moraes (Sim São Paulo, Baratos Afins, São Paulo, 2004)

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...NO MUNDO CENTRO “O Centro seria um miolo, um recorte deste grande caos que é a cidade de São Paulo. É o miolo não só no sentido de confusão mas também da diversidade, da multiplicidade que a gente encontra aqui.” (10) “... gosto daqui, gosto de trabalhar aqui, já tive oportunidade de trabalhar em outras regiões não centrais e eu estranhei muito. Aqui você tem tudo, você sai na hora do almoço e tem tudo à sua disposição: tem farmácia, mercado, você tem uma série de opções.” (3) “... Porém é muito, é um lugar muito conturbado.” (13) “Para mim, o centro é facilidade de vida. Hoje, por eu estar em uma cadeira de rodas, morar no centro torna tudo mais fácil: eu tenho supermercado, eu tenho feira, tudo que é necessário e posso ir e voltar com a minha cadeira motorizada. Eu acho que é o único local que ainda tem rampas de acesso, de travessia, apesar de serem poucas, tem sinal de pedestre pra gente poder atravessar, etc.” (17)

“Pra mim o centro de São Paulo é tudo! É onde eu sempre vivi e onde eu vivo, e sou muito feliz por aqui ...” (18) “Eu acho muito lindo, muito importante, tanto que eu comprei meu teto aqui, porque eu adoro o centro da cidade” (19) “Uma das facilidades como morador do centro é que você tem tudo aqui, tipo, eu trabalho aqui, vou a pé de porta a porta, não pego carro pra nada. Eu vivo no mundo centro, não saio daqui pra nada. Eu circulo muito no submundo também. Adoro ir no cine Ipiranga que hoje está detonadíssimo, mas é maravilhoso aquele cinema! Vai você e tudo quanto é boy da cidade gritando no filme do Stalone, todo mundo participa, é divertidíssimo! Mas nem todos gostam disso.” (12) “O centro sempre foi da boemia, a cultura vivia borbulhando aqui. Vi um documentário sobre a cultura popular das décadas de 60 e 70 e apareciam cenas da Av. São Luís e da Galeria Metrópole. Ali todos os escritores, boêmios e artistas se encontravam. Hoje em dia está tudo fragmentado: os cinemas acabaram onde era a cinelândia, foram todos para os

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shoppings. Não é mais a mesma coisa, não tem mais um lugar onde os artistas e boêmios possam se reunir pra criar uma cena cultural forte.” (20) “Eu sei que eu estou no centro pelo movimento cultural que começou de 98 pra cá.” (21) “Como a gente estuda de manhã, a gente acaba aproveitando a tarde aqui no centro mesmo fazendo os roteiros culturais que têm aqui. Cada dia fazemos uma coisa diferente, mas o centro acaba sendo nosso ponto de partida para as nossas atividades culturais.” (22) “Eu imagino um lugar de comércio, eu imagino isso, eu vejo essa imagem.” (23) “Em São Paulo as coisas acontecem na rua, o lugar do comércio nunca é uma praça, nunca a gente toma como referencial um lugar de estar, mas sim o da passagem que é uma forma do homem não se fixar numa idéia por muito tempo.” (24)

ELES VÊM BUSCAR SEGURANÇA, ESPERANÇA DE ALGO DIFERENTE. “Muita concorrência por empregos, o ponto “x” é o centro que concentra muitas vagas de emprego da cidade. Aqui o pessoal procura bastante nas agências, nos prédios, nas lojas, qualquer tipo de comércio eles arranjam um jeito de procurar.” (25) “Acho que São Paulo é uma cidade do trabalho, e acho que uma das coisas que representa as pessoas trabalhando são os grandes prédios, os escritórios de advogados, essas coisas que você vê no centro.” (26) “Muitas disputas, não só pelo trabalho. Várias pessoas procurando meios de sobrevivência. Só venho ao centro a trabalho.” (25)

“Vem pessoal de todos os níveis, desde o mais pobre até o mais rico, de todas as culturas, de todas as raças. Você tem gente pobre de todos os estados que se aglomeram no centro em busca de um status, um emprego e do centro partem para a periferia.” (16) Minha história no centro é triste, mas é maravilhosa. Quando eu cheguei em São Paulo eu tinha 13 anos. Sou do sul de Minas, morava com uma tia minha e ela começou a me tratar mal e eu fugi da casa dela. E aí fui pra perto do Hilton hotel, e eu estava sem dinheiro e sem nada e eu entrei na Igreja da Consolação e dormi lá uma semana. Hoje me casei, separei, tive filhos, mas toda minha vida começou aqui no centro e é por isso que eu amo o centro de São Paulo: do meu sítio, lá no mato, pro centro de São Paulo!” (27)

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PAISAGEM E MEMÓRIA O centro da cidade ele vai crescendo, crescendo, mas não sai do lugar. Ele cresce dentro de si. (Thaíde, no ponto chic do Largo do Paissandu)

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... É BONITO, TEM UMA HISTÓRIA

“Ah, sei lá, coisas novas, coisas antigas, tudo misturado dando uma coisa bem legal ...” (28) “Eu sei que estou no centro pelos prédios históricos, assim eu sei que eu estou no centro.” (21) “A poluição visual muito grande que tem, a degradação de prédios antiquíssimos, lindos que estão absolutamente deteriorados...” (29) “Deslargo, largado, lembra isso, largado.” (23) “Acho que a tradição, isso me lembra tradição. Por exemplo, às vezes eu páro na frente de um prédio e fico olhando... é bonito, tem uma história, o centro de São Paulo é muito rico. As grandes obras, a arquitetura. Quando você acha uma coisa, um lugar, um local muito bonito, é muito mais fácil recordar dele. Então eu tenho a imagem dessas grandes construções (apontando para o Teatro Municipal).” (26) “... é muita memória, vejo os edifícios e é muito bonito, todos os bairros que se formaram depois não têm essa cultura toda, essa arquitetura, essa maravilha que existe no centro.” (18)

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...O CENTRO É UMA ANGÚSTIA MUITO GRANDE DE QUERER REVIVER O QUE É O CENTRO... CRÉDITOS DOS DEPOIMENTOS:

“Eu lembro do antigamente realmente, agora eu espero que volte a ser um pouco como era antes. Eu acho que está caminhando pra isso, eu espero que sim, que pelo menos dê pra gente voltar a freqüentar, sair.” (30) “Me vêm boas memórias, boas lembranças. Não vamos falar só da Praça da Sé, vamos falar do Viaduto do Chá, Santa Efigênia, Praça da República... são coisas que me tocam ainda porque quando eu passo por lá eu lembro quando eu cheguei aqui, como era a coisa e como está a caminhar...” (4) “A Av. São João, Barão de Itapetininga, 24 de Maio e a Dom José de Barros marcaram a minha juventude pelos passeios e pelos flertes. As moças andavam de um lado e os rapazes andavam de outro, íamos até a Ipiranga e voltávamos. À noite só se entrava nos cinemas de terno e gravata. Tinha o Cine Rivoli que fechou, você comprava o ingresso e tinha uma orquestra que tocava 15 minutos antes do espetáculo começar pra você relaxar e assistir o filme. Hoje nada disso acontece. Então eu guardo na minha memória a imagem do centro que eu convivi e que era muito bonito...” (31) “Trabalhei no Mappin em 48/49, por oito anos, era a Casa Anglo-brasileira. O centro era uma coisa linda, maravilhosa! A elite ia lá, tinha porteiro uniformizado, lugar pra deixar o guarda-chuva, se precisasse, o porteiro buscava as madames no carro com o guarda-chuva, tinha tapete vermelho na escadaria, aparadores com vasos de flores, os empregados eram delicados, dedicados, todo mundo muito educado! A educação das pessoas mudou muito e não volta mais.” (32)

(1) Aprendiz, 16, Guaianases (2) Gerente da qualidade de entidade de classe, 52, São Bernardo (3) Analista de recursos humanos, 30, Cangaíba (4) Separador de lixo da RECIFRANS, 59, morador do albergue do Glicério (5) Estudante, 20, Perus (6) Senhora, 87, trabalha em edifício no centro (7) Separadora de lixo da RECIFRANS, 28, Liberdade (8) Analista de sistemas, 35, Moema (9) Assistente social aposentada, 50, filha de italianos, Bom Retiro (10) Gerente de trabalho social, 39, Vila Mariana (11) Estudante,18, tentando bolsa de estudos para a Faculdade São Bento, Jabaquara (12) Morador do Centro (13) Estagiário em entidade de classe, 21, Vila Alpina (14) Diarista, 52, Líder comunitária, Guaianases. (15) Ambulante, 26, Sé (16) Frei da Igreja São Francisco (17) Terapeuta alternativa portadora de deficiência de locomoção, moradora do Copan

(18) Zelador de edifício de serviços, 45, morador do Centro (19) Aposentada, 60, pagando promessa na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos homens Pretos (20) Moradora do Centro, 24, formada em Rádio – TV, trabalha na Galeria do Rock (21) Cantor lírico e violinista do teatro Municipal, 30, Paraíso (22) Estudante de Direito, 19, Osasco (23) Carroceiro, 35, Itaim paulista (24) atriz, arquiteta, pianista e professora universitária, 31, Higienópolis (25) Office Boy, 20, Santo Amaro (26) Estudante de Direito, 18, Tatuapé (27) Corretora de imóveis do sul de Minas, 50, Vila Mariana (28) Estudante, 15, São Bernardo (29) Advogado, 28, Campo Belo (30) Senhora, 70, Campo Belo (31) Gerente de Hotel no Centro, 60, Higienópolis (32) Senhora, 82, antiga moradora do Brás, mora hoje no Embu das Artes

Todos os depoimentos utilizados aqui foram extraídos da pesquisa para a dissertação de Mestrado “Em Busca do Centro: o significado do centro da cidade de São Paulo para seus habitantes”, de Ana Lúcia Krodel Rech, defendida em 2003 (FFLCH – USP)

“Eu lembro quando era pequena e eu ia com a minha mãe pro Correio e eu ficava andando por lá. Ele era alto, tudo tão grande, aqueles lustres, eu descia as escadas imaginando que estava naqueles bailes de princesa. Estou querendo passar lá pra tirar fotos, eu não tenho nenhuma e me arrependo tanto, porque aquele prédio era lindo! Senti a mesma coisa quando entrei no Municipal, naquele saguão que tem na parte de cima, é tudo aberto! Eu viajei no tempo, me senti chegando pra “Semana de Arte Moderna”, ai que lindo!” (20) “Era mais quente, com calor humano, até os anos 80, 85. Depois a coisa foi mudando, tornou-se mais, como eu diria, cimento e ferro. Antes, nós tínhamos algumas árvores ainda, hoje quase não se vê. O próprio pessoal não tem mais aquele entusiasmo de ir até a Praça da Sé, passear, ou à Praça da República. Hoje, infelizmente, principalmente à noite, existe um certo receio da violência em si. A melhoria está sendo feita, a limpeza sem dúvida está melhorando e a própria segurança também já está se aprimorando para enfrentar os problemas que ocorrem. Então eu creio que a coisa caminha pra um melhor, mas eu ainda sou solidário a que a coisa no Centro de São Paulo evolua mais ainda em belezas...” (4)

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Sou meio que obrigado a pensar nela, ou a criar a partir dela.

Eu tinha 18 anos. Trabalho formal era uma coisa abstrata, distante. Hoje a feira hippie é um lugar disputado a tapa. Antes não... tinha bastante gente, mas era informal, era uma moda, tinha roupas de couro, só os artesãos mais “encorpados” vendiam lá. As roupas de couro eram o meu fetiche, meu sonho era ter uma. Tinha muito argentino também.

Um dos traços mais marcantes de seus quadrinhos é o fato de você retratar a vida urbana. Um exemplo disso é a tirinha “Piratas do Tietê”. Por que grandes metrópoles, como São Paulo, te inspiram? Essa é a realidade em que vivo.

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Ah, uma salada enorme.

Que personagens a República inspira?

O espaço era totalmente plural, em todos os sentidos que você possa imaginar. (risos)

Era um lugar plural?

Não conheço outra realidade.

Até mesmo tentando fugir, giro em torno dela.

Por Thaís Schettino

Qual o seu envolvimento com a região da República?

Bom, por volta de 1970 eu ia muito à feira hippie da Praça da República vender colar de couro. Esse era o meu projeto de vida, transar um artesanato.

Motoboys, prostitutas, mecânicos, ciganos, mendigos, pessoal de escritório, contadores, negociadores de carro, traficantes, advogados, policiais, balconistas, estudantes, gente que circula, que mora, que vaga. Mas digo de novo: não sou um autor-retratista, exatamente

Gosto de trabalhar a partir de elementos de fantasia, mesmo que sejam estereótipos (piratas, palhaços, Deus, fadas etc.), misturados a um cenário realista. Meu cenário realista é essa cidade. No caso dos “piratas”, acabou acontecendo um cruzamento da pirataria com o Tietê de São Paulo. Fora que a pirataria é algo que constitui parte vivíssima da vida paulistana.

Um observador. É assim que Laerte Coutinho, o premiado quadrinista, criador de “Deus” e “Piratas do Tietê”, se define. Sua atenção está voltada para o cotidiano e principalmente para os “tipos” paulistanos. Interessado pela cidade em que vive, ele não poupa críticas à estrutura urbana e à maneira como o espaço público tem sido aproveitado. Com saudosismo, lembra dos tempos das praças, das feiras livres, das brincadeiras, coisas que não acontecem mais. No entanto, não perde o humor. “Essa é a cidade em que eu vivo e pronto. Mas, é uma piada.”.


Lembro do Paulo (Caruso) junto com um amigo vestido de gorila amestrado. (risos). As feiras eram um espaço de criação. Hoje está totalmente careta, com as barraquinhas todas do mesmo jeito.

A cidade em si se tornou mais careta. Na verdade, as cidades se formam para que as pessoas f iquem juntas, se amem, se lambam, se curtam, cometam crimes ... O espaço urbano livre, público, não existe mais, pois, quando há a primeira oportunidade, o espaço é loteado, chegam lá e colocam um número e pronto.

O que me bloqueia nessa conversa de imagem é que tem muita gente lá, de todos os lugares, de outros bairros ... não sei se já formou uma identidade...

Como um observador, se você pudesse reduzir a cidade ao Centro Novo, que imagem viria à sua mente?

Mas, é uma piada.

Naquela época já dava para fazer esse diagnóstico, da desumanização, de que o trânsito é o grande Deus. Dizem que o que atrapalha São Paulo é o trânsito e também a violência. Mas, as pessoas não têm medo de serem assaltadas andando na praça da República. Elas têm medo de serem roubadas dentro dos seus carros, paradas no engarrafamento. Do ponto de vista da busca por uma solução urbana, não tem jeito. Mas, essa é a cidade em que eu vivo e pronto.

Você ainda passa ou visita essa região?

O pouco que tenho ido ao Centro são momentos em que existe o encontro, um nervosismo. Passeio pela São João e me divirto. Acho que as pessoas estão voltando a morar lá.

Laerte Coutinho, ou só Laerte, como é conhecido, nasceu em 10 de junho de 1951. Fez várias faculdades (jornalismo, arte...), mas não terminou nenhuma. Pertence à geração de desenhistas que retratam o cotidiano de São Paulo. Em 72 fundou, com Luiz Gê, a revista em quadrinhos Balão. Três anos depois, criou a Editora Oboré, que atuava na área de comunicação dos sindicatos de trabalhadores. Nos anos 80, seus quadrinhos começaram a ser publicados em jornais e revistas, como Veja, Isto é, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Em 85 e 86, nas revistas Chiclete com Banana e Circo da Circo Editorial, foi publicada, pela primeira vez, os Piratas do Tietê. No currículo ainda constam a presença nas exposições em Cuba (Bienal de San Antonio de Los Baños e Bienal de Havana), Itália (Convegno Internazionale de Prato), Colômbia (Taller de Humor/Feira del Libro) e França (Angouleme). Já recebeu vários prêmios da HQ MIX (história em quadrinho) como melhor desenhista nacional, melhor tira nacional por “Piratas do Tietê” e melhor exposição por “Laerte no Museu de Artes Gráficas”. Site oficial: http://www.uol.com.br/laerte

As coisas hoje estão bem mais caretas. Vejo as feiras como lugares pasteurizados. Por exemplo, as feiras da Vila Madalena eram um “circão”, com happenings, com tudo. Tinham senhoras que vendiam compotas, hippies com cachimbos feitos de durepox.

Que diferenças você vê entre a região do Centro Novo no passado e hoje?

?...

NÃO TEM SAÍDA.

A cidade perde ali, como no resto dela, o espaço para seres humanos; e o perde para os negócios associados ao automóvel e à circulação baseada no proveito mercantil imediato. Atualmente, não importa a gestão, a cidade é voltada para o automóvel. Qualquer “break” nesse caminho, cria um exército de desempregados, e aí as pessoas são contra.

O que é aquele coreto

Me dá dó e só. Quando olho o contorno da praça da República pressuponho uma cidade que não sabe mais o que fazer com aquilo, que não sabe para o que ela serve.

Como você vê a passagem do tempo no Centro Novo?

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ITINERÁRIOS

“Eu sinto um prazer imenso em estar no meio desta multidão, circulando por estas ruas. É uma sensação maravilhosa pôr uma roupa confortável, um sapato baixo e andar, andar...” São Paulo é cenário recorrente na obra da escritora e dramaturga portuguesa Maria Adelaide Amaral — como a minissérie da TV Globo “Um só coração”, escrita em co-autoria com Alcides Nogueira para homenagear os 450 anos da capital. Desde que chegou ao

Maria Adelaide Amaral

Brasil — em 1954, com 12 anos — vive nesta cidade e com ela mantém uma intimidade de paulistana. Hoje moradora de Higienópolis,

 3259 3039 / 3257 3799 Funcionários treinadíssimos mantêm o padrão desta casa fundada em 1968 por Miguel Giannini. Esteta e consultor ótico mais famoso do país, especializouse em óculos personalizados que combinam e encaixam perfeitamente ao formato do rosto. N Tarcísio Meira, Lula, Marta Suplicy, Fernando Henrique, Antonio Ermírio de Moraes, Ana Paulo Padrão e Boris Casoy

Çóculos moldados no próprio rosto do cliente Dê um pulo: Museu do óculos Gioconda Giannini – Rua dos Ingleses, 108, Bela Vista

hábito de caminhar pela cidade. — Estou sempre arranjando pretexto para ir à rua. Convidamos a escritora para um passeio pelas ruas do Centro Novo, lugar de suas primeiras vivências brasileiras. Ela o melhor, muitas referências.

TEMPO Duração do Passeio: aproximadamente 1 hora © da ilustração: Cota Territorial SCL

lugares de frequentação

Rua Barão de Itapetininga, 37 / Rua 7 de Abril, 154, Galeria Nova Barão - rua Alta lj. 66 (apontando para a Galeria): “É aqui que eu encomendo os meus óculos” N 9h-18h seg-sex; 9h-13h sáb

Maria Adelaide conserva o

tem como uma referência, ou

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Miguel Giannini Óculos

Condições meteorológicas: Manhã de sol, quente... Clima: Descontração, familiaridade e um quê de nostalgia.

Livraria e Sebo Brandão Rua Xavier de Toledo, 234, sobreloja Recebida por Brandão Junior, MAA pede que sejam separadas todas as publicações referentes a Juscelino Kubitschek.

N 8h-19h seg-sex; 8h-14h sáb  Tels: 3214 3325 /

3214 3646 / 3214 3647 Há 50 anos no ramo, com sede em Pernambuco e filiais na Bahia e no Centro de São Paulo, tem como diferencial o atendimento especializado. Os vendedores não medem esforços para satisfazer o cliente, mesmo que para isso seja necessário recorrer a outras lojas em São Paulo e no Brasil.

N Delfim Neto, Tinhorão, Eduardo Baione, Daniel Piza Ç vasto acervo de livros esgotados, raros, primeiras edições e usados em geral


Gerasom Rua Barão de Itapetininga, 255, Galeria Califórnia, lj. 21 Aqui MAA compra cds, vídeos e dvds

N 10h-18h30 seg-sex;

Galeria Califórnia Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer em 1953, a Galeria possui um raríssimo painel abstrato de pastilhas de vidro de Candido Portinari. O piso do primeiro andar foi baseado em um quadro doado por Di Cavalcanti para o projeto.

10h-13h30 sáb

 3259 5191 / 3259 5057 Há mais de 20 anos, Íris e Walter atendem aos amantes da boa música erudita nesta loja de propriedade de Silvio Romeu que oferece o que há de melhor em óperas, shows, recitais e concertos. N Paulinho da Viola, Marco Nanini, Sílvio de Abreu

Loja de consertos de roupas

Rua 24 de Maio, 62 / Av. São João, 431, Galeria do Rock, subsolo, 57 Passando na frente de uma pequena loja no subsolo da Galeria dos Punks, como costuma chamar o local, MAA é saudada com um carinhoso “Há quanto tempo!”. Dirigindo-se à atendente, esclarece: “Ela quebra todos os galhos para mim”. Aproveita para mostrar o meticuloso trabalho das costureiras exposto em um cabideiro atrás do balcão.

N 8h30-19h30 seg-sex; 8h30-18h sáb. Não fecha para almoço  223 1823 Antiga “Reformadora Pollis”. O sr. Edivaldo está na Galeria desde a década de 70, período em que nela concentravam muitas alfaiatarias; só no subsolo tinham 10. Com a concorrência de lojas de roupas prontas e mais baratas, deixou de fazer peças sob medida e passou a se concentrar em ajustes e consertos. N Carlos Nascimento

Reformadora Neoppan Rua 24 de Maio, 62 / Av. São João, 431, Galeria do Rock, subsolo, 62 MAA aprecia as roupas de couro do estabelecimento localizado em frente à loja onde conserta suas roupas.

N 9h-19h30 seg-sex; 9h-18h sáb  221 7662 Consertos de roupas de couro. Há 15 anos Maria do Socorro é proprietária, ao lado de sua irmã Lia, desta loja que presta um serviço especializado e sem concorrência na região. “Até hoje não tivemos que fechar sequer um dia, cliente é o que não falta!”

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ITINERÁRIOS Maria Adelaide Amaral lugares da memória 16 |

“Pois, se a vida é errante, sedentária é a memória, e, embora sem cessar deambulemos, nossas lembranças, fixas nos lugares que deixamos, aí continuam sua rotina cotidiana, como os amigos ocasionais, abandonados pelo viajante com a cidade onde os encontrou, terminam em sua ausência, do mesmo modo, seus dias e sua vida, ao pé da igreja, na soleira das portas, sob as árvores da praça.” M. Proust, O Tempo Redescoberto

TESTEMUNHAS DA MEMÓRIA: Bento Prado Junior “Foi em 1954 que comecei a freqüentar a Biblioteca Municipal. [...] Principalmente à noite, seus freqüentadores se espraiavam pelas imediações. A começar pelos bancos do jardim [...]. A praça revelava-se excelente local para o desdobramento das tertúlias lítero-políticasmetafísicas [...]. Bastava, no entanto, que alguém dispusesse de mais recursos, para que o seminário permanente migrasse para o outro lado da rua, em direção ao espaço privilegiado dos bares. [...] Passar de um lado para o outro não implicava em salto ou descontinuidade. No máximo, talvez, uma sutil promoção [...]. Nossos bares eram sincréticos e ignoravam qualquer tipo de especialização, como a que se esboçaria em meados da década de 60 [...]. Numa palavra, todo mundo se conhecia e São Paulo aparecia ainda como uma cidade docemente provinciana. [...] Cidade que nos vestia como roupa feita sob medida, sobretudo enquanto nosso olhar não alcançava muito além dos limites da Praça Dom José Gaspar e da Avenida São Luis [...]. Na verdade, tenho a impressão de que, mesmo depois da maturidade, continuamos a trazer conosco, como uma espécie de prótese mental inalienável, a paisagem urbana de nossa adolescência.” (De onde saiu isso? Bento Prado Junior, A Biblioteca e os Bares na década de 50, Revista da Biblioteca Mario de Andrade, no 50, 1992). Manoel Carlos “Na Biblioteca Municipal formávamos, em 1949, um grupo que ficou conhecido como os “Adoradores da Estátua”. A estátua era a de Minerva que penso estar ainda no saguão de entrada. Nosso grupo ficou por lá por uns 10 anos mais ou menos [...]. Freqüentávamos a Biblioteca como se ela fosse propriedade nossa. E para isso tínhamos até uma cabine no 2o andar para as reuniões. Conhecíamos todos os funcionários pelo nome e entrávamos na sala de Sérgio Milliet com grande desembaraço. Bons tempos.” (De onde saiu isso? Manoel Carlos, Os bons tempos dos “Adoradores da Estátua”, Revista da Biblioteca Mario de Andrade, no 50, 1992).

Barão de Itapetininga 262, 2o andar “Aqui ficava a oficina para consertos de jóias de meu pai, ao lado do escritório do poeta e ensaísta Guilherme de Almeida”. Dê um pulo: Casa Guilherme de Almeida – Rua Macapá, 187, Perdizes. Museu biográfico onde pode ser encontrado o diversificado acervo do poeta e ensaísta moderno, eleito “Príncipe dos poetas brasileiros”, em 1959, pelo jornal carioca Correio da Manhã.

Biblioteca Municipal Mário de Andrade Rua da Consolação, 94 MAA também costumava encontrar aqui com o pessoal que fazia parte da famosa ‘turma da Biblioteca’ (Bento Prado Junior, Silvia Lesser, Carlos Henrique Escobar, Flávio Rangel, Antunes Filho, etc.) Criada em 1925, a Biblioteca teve como primeiro endereço o número 37 da Rua Sete de Abril. Em 1942, com o aumento do acervo e dos usuários, foi transferida para o edifício, considerado um marco da arquitetura Art-Déco em São Paulo, situado na praça Dom José Gaspar. Importante centro de pesquisa, a Biblioteca tornou-se âncora da agitação cultural que tomou conta da cidade nas décadas de 50 e 60. Para além das letras e dos livros havia também em seus arredores um roteiro de bares, cafés e livrarias que atraía os principais grupos de artistas e intelectuais da época.


Confeitaria Vienense Barão de Itapetininga 262, 1 andar “No final da década de 50, era na Confeitaria que eu vinha encontrar um grupo de jovens poetas e o pessoal interessado em teatro, como o Manoel Carlos”. Instalada neste prédio construído em 1913, foi, até a década de 60, lugar privilegiado de freqüentação de diversos grupos representativos da modernidade cultural paulistana. Além de um grande salão à frente, possuía uma sala nos fundos, ideal para abrigar as novas idéias de uma juventude ainda acanhada. Na década de 40, era ali que se encontravam os jovens críticos do grupo Clima, cuja revista, financiada por Alfredo Mesquita, teve como patrono intelectual Mário de Andrade. o

TESTEMUNHAS DA MEMÓRIA: Gilda de Mello e Souza “Nós saíamos muito juntos. A partir de um certo momento, creio que só conseguíamos nos divertir se estivéssemos juntos. [...] Os plátanos, a algazarra dos pardais, o vento frio, o eco francês da voz de Mangüe (professor da USP), tudo isso nos envolvia numa doce miragem civilizada. Se não tínhamos nenhuma tarefa escolar urgente, seguíamos dali para o nosso quartel-geral, a Confeitaria Vienense, na Barão de Itapetininga. Era então que entre um croissant e um ice chocolat alemão (pois ninguém bebia em nosso grupo) combinávamos uma esticada ao cinema, quase sempre um filme francês, já visto e fora do circuito, que íamos caçar em qualquer cinema de bairro”. (De onde saiu isso? Heloisa Pontes, Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-1968), Companhia das Letras, 1998, p.124)

Livraria Jaraguá Rua Marconi, 48 “Aqui funcionava a livraria Jaraguá. Tinha uma sala de chá nos fundos que foi um importante ponto de encontro para uma geração anterior à minha. Estão todos retratados na minissérie Um Só Coração”. Inaugurada pelo escritor e diretor teatral Alfredo Mesquita — da família dos fundadores do Jornal O Estado de São Paulo —, a antiga livraria de aspecto europeu, era uma referência tanto para comprar livros quanto para encontrar pessoas. Em sua sala de chá acotovelavamse grupos de intelectuais e estudantes.

Mappin Stores Barão de Itapetininga, esquina com Conselheiro Crispiniano “Nos anos 40 e 50, seus salões de chá e de leitura reuniam aqueles que queriam ver e ser vistos”. Primeira loja de departamentos de São Paulo, fundada em 1913. Originalmente ocupava um pequeno prédio na rua XV de Novembro e em 1919 mudou-se para um novo edifício na Praça do Patriarca. Transferiu-se, em 1939, para sua sede definitiva na praça Ramos de Azevedo. Acompanhava, assim, a efetiva expansão da cidade para além do Vale do Anhangabaú, consolidada a partir da construção do segundo Viaduto do Chá (1936) e da abertura da rua Marconi (1938). A loja britânica passou a funcionar como pólo de atração de uma série de outros estabelecimentos comerciais, assim como também do próprio footing do Triângulo Histórico. Lojas elegantes fixaram-se na rua Barão de Itapetininga e adjacências, constituindo a nova área de circulação da elite paulistana. No final da década de 90, a empresa entrou em crise. Fechou suas portas.

TESTEMUNHAS DA MEMÓRIA: Antonio Candido “Nós marcamos: “Vamos nos encontrar na Jaraguá”! Tem uma livraria muito requintada na frente, um corredor e no fundo uma casa de chá com broinha brasileira. Muitos intelectuais passam por ali, não é só um grupo fixo: Mário de Andrade, Oswald de Andrade etc. Um grupo fiel que já dura algum tempo é: Carlos Lacerda, Sergio Milliet, Lourival Gomes Machado, um médico chamado Osíris, que é sobrinho do Paulo Magalhães e Luiz Martins.” (De onde saiu isso? Lucia Helena Gama, Nos Bares da Vida, produção cultural e sociabilidade em São Paulo – 1940/1950, Ed. SENAC, São Paulo, 1998) Décio de Almeida Prado “As pessoas iam muito lá, depois começaram a ir menos, porque havia os sobrinhos do Alfredo que faziam uma algazarra muito grande... Eles tomaram conta inteiramente da livraria e prejudicou até a casa de chá também, porque para chegar à casa de chá você tinha de atravessar a sala onde estavam os sobrinhos do Alfredo. Ele encontrou uma coisa escrita que ele colocou na livraria: “Para quem Deus não dá filhos, o diabo dá sobrinhos...” (De onde saiu isso? Depoimento publicado no Estado de São Paulo em 15 de junho de 2001)

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Por Maurício Limeira

Colaboraram Flávia Domingues e Sílvia Raimundo

Um paulistano que circulasse pelo Centro nas primeiras décadas do século XX teria à sua disposição todo o luxo e requinte que a cidade oferecia. Descendo a charmosa ladeira de São João, no local onde hoje se encontra o edifício Martinelli, passava-se pelo afamado Café Brandão freqüentado pela elegante e abastada sociedade local. Deste ponto de observação privilegiado, era possível contemplar a topografia da cidade, repleta de ladeiras confluindo para o Vale do Anhangabaú, que durante séculos marcou o limite de expansão da cidade.

ATRAVESSANDO O VALE DAS ASSOMBRAÇÕES

homens negros, que lá realizavam suas procissões, batuques e sambas, a Igreja da Irmandade Nossa Se-

Ultrapassando o Vale, chegava-se à Avenida São João,

nhora do Rosário dos Homens Pretos foi, desde sua

ambiente do footing das moças e moços recatados do

origem, uma demonstração de resistência. À revelia

início do século XX. Aí se concentravam os cafés,

das autoridades da época, seu entorno foi ocupado

confeitarias, bailes e casas de espetáculo afinadíssi-

pelo patrimônio da Igreja, constituído de casas sim-

mas com a moda européia, principalmente francesa,

ples voltadas para atividades religiosas, acolhimen-

na qual a cultura local procurava espelhar-se. Mora-

to de alforriados e para a própria administração da

dores das ruas Direita e São Bento, os membros da

Irmandade. Com o crescimento da cidade, passou

alta sociedade paulistana vinham divertir-se nos te-

a destoar da paisagem idealizada pela aristocracia,

atros Eldorado, Polytheama e Provisório, no Ginásio

acabando por ser demolida no rastro das reformas

Dramático, no Cassino Paulista e no Moulin Rouge.

urbanísticas implementadas durante a administra-

Ou ainda nas sofisticadas casas comerciais que pro-

ção do prefeito Antônio Prado. Transferiu-se assim,

liferavam em torno: tabacarias, chapelarias, joalhe-

em 1906, para a Praça das Alagoas, atual Largo do

rias, camisarias e livrarias como a Teixeira, uma das

Paissandu, onde permanece até hoje como lugar de

mais freqüentadas da cidade.

memória da cultura negra em São Paulo.

Ainda que a região se adequasse ao desfrute das eli-

A poucos metros, no mesmo Largo do Paissandu, o

tes, a cultura popular também encontrava espaço no

paulistano do início do século XX tomava contato

Centro de São Paulo. Construída no século XVIII, no

com outro espaço destinado à cultura popular, mas

Centro Velho, como local agregador de mulheres e

voltado exclusivamente ao lazer. Durante 30 anos ali ENSAIO

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funcionou o Circo Piolin, do palhaço Abelardo Pin-

sem citar a construção grandiosa de estilo neoclás-

to, cujo apelido, que batizava o circo, teria sido dado

sico, projetada por Ramos de Azevedo, que se er-

por companheiros de palco espanhóis que viam na

gue imponente no limite entre o Centro Antigo e

figura magra e de pernas longas a semelhança com

o Centro Novo. Alugado por 847 mil réis, o Teatro

um piolin (barbante, em espanhol). O circo atingiria

Municipal, ícone da cultura erudita, palco de com-

o auge de seu prestígio em 1922, durante a Semana

panhias de ópera e música clássica, seria tomado

de Arte Moderna, quando intelectuais como Mari-

pelo happening dos vanguardistas.

netti, escritores como o francês Blaise Cendras, e até o presidente Washington Luís, saudaram seus espetáculos como um exemplo de arte genuinamente nacional e popular. TOMANDO DE ASSALTO O MUNICIPAL

Da leitura de Os Sapos, poema de Manuel Bandeira debochando do parnasianismo, das figuras sem perspectiva, dos versos sem rima e das temáticas desafiadoras, aos pontapés que algumas obras receberam da parte menos tolerante do público, tudo era intensidade, inovação, provocação. Nas palavras de

O movimento que aglutinou jovens artistas e intelec-

Di Cavalcanti “Uma semana de escândalos literários

tuais como Sérgio Milliet, Di Cavalcanti, Guiomar

e artísticos, de meter os estribos na barriga da bur-

Novaes, Victor Brecheret, Menotti del Picchia, Ro-

guesiazinha paulistana”.

nald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Oswald e Mário de Andrade, Anita Malfatti e Heitor VillaLobos transformaria a geografia cultural da cidade, passando a articular lugares de produção, mecenato, divulgação e consumo.

Épater les bourgeois. O que poderia ser mais apropriado do que golpeá-los exatamente onde vinham se exibir? No intuito de dar mais eloqüência ao embate, reza a lenda que Oswald teria comprado um grupo de estudantes garantindo que as manifesta-

Nas mansões da Avenida Paulista, Mários e Oswalds

ções tímidas de desagrado da elite ajuizada se trans-

garantiam seu ócio criativo bajulando as senhoras

formassem em uma verdadeira batibarba. As vaias

de fino trato em saraus literários promovidos pela

ecoaram e aquela Semana de apenas três noites

aristocracia local. Não é à toa que o estabelecimento

permanece, ainda hoje, ainda agora, provocando e

de um mercado de arte para as obras modernistas se

influenciando as cabeças mais inquietas.

deva ao mecenato de figuras ilustres como o senador Freitas Valle, que reunia seus protegés nos disputados almoços da Villa Kyrial.

Passadas quatro décadas desde a Semana de 22, em

Menos convencionais, os espaços na área central da

meados dos anos 1960, o Centro Novo voltaria a ser

cidade incitavam os jovens à ousadia e à experimen-

berço de uma geração de intelectuais e autores cuja

tação criativa. No caso dos Andrade, a relação com

atividade conjunta caracterizou uma ocupação cul-

o centro remonta à primeira infância e aos anos de

tural. O Brasil vinha abrindo-se para o mundo desde

formação. Na juventude, era nas galerias, livrarias

o governo Juscelino Kubistchek, e a informação mais

e cafés espalhados pela região que eles se reuniam

rápida e acessível tornava-se, para os jovens paulis-

com outros expoentes do movimento. O grupo dis-

tanos de classe média ávidos por novidade, objeto

punha ainda, para suas travessuras, da garçonnière

de voraz consumo. Nas ruas do centro um mar de

de Oswald, primeiro na Rua Líbero Badaró, e depois

livrarias, cinemas e bares ofereciam a contestação, o

na Praça da República, na esquina da Pedro Améri-

novo, a transformação e a revitalização que a arte de

co. O hábito desses encontros íntimos, não neces-

tempos em tempos parece carecer. A arte e a vida.

sariamente românticos, daria ensejo à produção de obras tão iconoclastas quanto o diário coletivo “O Perfeito Cozinheiro das Almas desse Mundo”.

Para os expoentes do período, poetizar tornou-se o modo de expressão predominante. Em comum, os movimentos poéticos do início dos sessenta experi-

O Centro Novo também viria a ser o local adequa-

mentavam com o retorno ao lirismo e professavam o

do, a justa caixa de ressonância, para tornar públi-

cosmopolitismo e um milenarismo antecipado que,

ca a cultura produzida na intimidade das mansões,

de certa forma, profetizava a metrópole que estava

dos cafés e das moradias para rapazes solteiros.

por nascer, abandonando sua cara provinciana.

Neste sentido, não se pode falar da Semana de 22

20 | ENSAIO

RONDANDO A BIBLIOTECA


Quem primeiro percebeu a qualidade do que estava

no Avenida Danças localizado na avenida Ipiranga.

sendo produzido por essa nova leva de artistas foi o

Após a impecável apresentação da banda que toca-

editor Massao Ohno. Sua coleção Novíssimos lançou

va todas as noites, Gilberto Gil foi anunciado para

nomes como o de Roberto Piva e de Cláudio Willer,

cantar Miserere Nobis, e em seguida todas as outras

autores ainda hoje atuantes, ainda férteis, e recente-

faixas do disco.

mente reunidos, junto com os contemporâneos Antonio Fernando de Franceschi, Jorge Mautner e Rodrigo de Haro, no documentário Uma Outra Cidade, produzido pela TV Cultura e dirigido por Ugo Giorgetti.

Outra noite tropicalista aconteceu na Rego Freitas, em 1968, na antiga gafieira Som de Cristal, quando 2000 pessoas assistiram à gravação do primeiro programa Tropicália com Gil e Caetano. Naquele dia a

Esta outra cidade era, nas palavras de Franceschi, uma

festa só não foi perfeita porque um dos convidados,

cidade visual, onde os atores, considerando o espaço

o cantor Vicente Celestino, havia falecido horas an-

de circulação da área central, eram todos conhecidos

tes, no Hotel Normandie, bem próximo dali.

e estavam disponíveis para casuais encontros. Circulavam por livrarias como a Francesa, a Brasiliense ou a Parthenon, na Rua Barão de Itapetininga. Não faltavam às sessões no cineclube do Centro Dom Vital. Reuniam-se nos tantos bares em torno da Biblioteca Mário de Andrade, na Avenida São Luiz e na Galeria Metrópole. E discutiam, aprendiam, trocavam. Bebiam. Cometiam desatinos. E produziam.

GANHANDO AS RUAS E AS PRAÇAS A partir dos anos 60 a área central sofre importantes transformações decorrentes da expansão da cidade. Em paralelo à progressiva incorporação de novas áreas de concentração, sobretudo para as atividades econômicas mais dinâmicas, consolidaram-se novos bairros para uso residencial das classes média

Reeditavam assim, cotidianamente, circuitos familia-

e alta. O patrimônio construído, progressivamente

res, compartilhando a freqüentação de lugares referen-

deixado para trás, vem, entretanto, sendo reocupado

ciais. Dias circulares. Em seus percursos urbanos, si-

por outros agentes sociais, estabelecendo assim um

mulavam o fluxo poético, inscrevendo na cidade seus

constante diálogo entre os novos usos e aqueles que

trajetos. Passos perdidos e palavras encontradas.

ainda persistem.

as cidades não existem só os encontros são reais, as prolongadas conversas

Entretanto, com a aproximação do fim do decênio e

Grupos de jovens das camadas populares, provenien-

capazes de transformar qualquer lugar em praia deserta ao anoitecer

o recrudescimento do regime militar, as produções e

tes, sobretudo, da periferia, elegeram o Centro como

só existe o diálogo,

folias coletivas dos movimentos de poetas urbanos

espaço privilegiado para estabelecer relações e refor-

sofreriam um processo de dispersão. Tempos estra-

çar vínculos identitários. Exibindo seu pertencimen-

nossa primitiva capacidade de nos sentar ao redor da mesa

nhos, pouco propícios às deambulações.

to grupal por meio de trajes, gestos, cabelos e sons, as

Ainda assim, nos primeiros anos da ditadura, a região voltaria a ser dominada pelo inconformismo em forma de arte. Os arredores da biblioteca acolhiam novas levas de contras da cultura. Tropicalistas como

chamadas tribos urbanas (ver box) delimitam territó-

para atravessar a noite contando histórias

rios vinculados a certos lugares. Uma Galeria. Uma

de viagens, descobertas, visões

praça. Uma esquina. Aí se esbarram, se reúnem, trocam, compram, combinam outros passeios, fazem-se ao largo. Chegam, permanecem, e circulam.

com a candura de garotos trocando figurinhas

noites no Bar Ponto de Encontro e Os Mutantes se

Para certos grupos a ocupação da área central resul-

investidos, porém, de nossa identidade de bruxos

apresentavam na Galeria Metrópole.

tou de uma conquista literal de um espaço para ma-

fazendo soar seu tambor noturno

nifestação. Da mesma forma que, no século XVIII, os negros tiveram que confrontar as autoridades em

sabendo-nos observados o tempo todo, de relance

prol da preservação da Igreja de Nossa Senhora do

pelo rosto insone do Belo

Rosário dos Homens Pretos como espaço de expres-

(Cláudio Willer, Anotações de Viagem)

Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé fechavam as

Duas casas de dança das cercanias viveram momentos inesquecíveis tanto para a história do lugar, como também para a do Tropicalismo. Numa das noites mais agitadas, o movimento, que já era conhecido pelo programa Divino Maravilhoso da

antiga

Tupi,

saiu do espaço da Galeria Metrópole para reunir uma pequena multidão

são cultural, na década de 1980, jovens da periferia enfrentaram a polícia para trazer às ruas e praças da região o Funk, e posteriormente o Hip Hop (ver depoimento). À semelhança do que havia ocorrido na Semana de 22, a caixa de ressonância urbana volta a ecoar. Desta vez um outro Festim Pagão, o Ritmo e Poesia da periferia.

ENSAIO

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rentes relações com sua mídia preferencial: a cidade

SUBINDO PELAS PAREDES Um paulistano que circule pelo Centro na primeira década do século XXI, não terá mais a sensação de familiaridade que advém do encontro habitual com uma paisagem relativamente durável. Na Avenida Amaral Gurgel, embaixo do Minhocão, ou em qualquer muro, tapume ou coluna autorizada pela prefeitura ou por proprietários particulares, a arte do Graffiti altera e traveste, em ritmo vertiginoso, a imagem da cidade. Integra-se a ela.

descoberta. O pichador investe na marca ou, como afirma um grafiteiro de Tijuana, México: “a cidade é um quadro eu só a assino”. O grafiteiro aposta na recriação da paisagem, de forma perene ou efêmera: “Têm espaços que podem ser espaços de referência histórica para o Graffiti, espaços mais sagrados, espécies de murais que fiquem por muito tempo, como têm espaços que podem ser grandes lousas, podendo ser reciclados a todo o momento. Como um jornalmural que fica tendo reedições... onde todo mundo

Celebrada pela indústria cultural e com espaço de di-

possa pintar”. A fala é de Eymard Ribeiro, grafiteiro,

vulgação garantido em diversas mídias tradicionais,

artista plástico de formação acadêmica que hoje tra-

a atividade nem sempre gozou do reconhecimento

balha como Arte Educador no Projeto Aprendiz.

que desfruta nos dias atuais. Vista como mero passatempo de delinqüentes juvenis, foi durante muito tempo entendida como atividade desvinculada da esfera da produção. Atualmente, embora conserve elementos da dita “arte marginal”, é cada vez menos objeto de repressão policial, ao menos em São Paulo e em outras capitais do país.

Para estas novas expressões de muralismo urbano, o Centro desempenha papel preponderante. Além de estimular seu aspecto performático, pela constante presença de público, funciona também como ambiência inspiradora, seja pela diversidade e contrastes sociais que apresenta e aglutina, seja pelo ritmo, pelo compasso que impõe ao trabalho. Gente passando.

A legitimidade crescente, ad-

Ônibus passando. Buzinas. Espetáculo de sons e fú-

O conceito de tribo urbana foi criado pela imprensa para definir

quirida com o aumento do nú-

rias cotidianas a agitar a lata.

a ação, geralmente destrutiva, de grupos de jovens nas grandes

mero de outorgas para utiliza-

metrópoles. As pichações, as brigas em bailes e shows e outros atos

ção de espaços públicos e pri-

de vandalismo seriam exemplos dessas ações.

vados da cidade, permite aos

Mas o termo também pode ser visto (principalmente nos cadernos

grafiteiros

de cultura) qualificando pequenos agrupamentos de indivíduos

mais autorais, que incorporam

que mantêm entre si laços de identidade visual (roupas, cortes de

estilos inovadores e diferentes

cabelo, tattuagens, piercings) e de comportamento (preferências

materiais. Tal liberdade, entre-

musicais específicas, freqüência em lugares determinados, criação

tanto, esbarra na tendência de

de códigos particulares de comunicação).

se transformar o Graffiti quer

Professor e coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da

em peça publicitária, quer em

Universidade de São Paulo, José Guilherme Magnani aponta

arte decorativa para o desfrute

problemas no uso de metáforas como esta para categorizar

das elites, reeditando assim o

fenômenos específicos. “Tribo” é conceito vindo da etnologia, e

secular conflito entre artistas e

define, entre sociedades indígenas, associações de indivíduos mais

seus mecenas.

amplas do que o clã, a linhagem ou a aldeia. Algo que vai além dos particularismos de grupos domésticos e locais. Quase o oposto, portanto, da definição adotada em nossa sociedade urbana e industrial. Utiliza-se metáforas quando se quer delimitar uma questão cujas fronteiras ainda não estão bem estabelecidas. Quando se quer evocar um outro conceito através da semelhança. No caso das tribos urbanas, evoca-se a idéia de pequenas comunidades utilizando códigos e preferências comuns, associando essa idéia à visão que os habitantes da cidade costumam ter dos índios. Por mais próxima ou distante que ela esteja. (M. L.)

22 | ENSAIO

realizar

trabalhos

[Desde a travessia do Vale, diferentes ocupações culturais revelaram outras tantas cidades. Se antes era natural descer até a rua e encontrar, provincianamente, as relações de troca, identificação e afetividade que permitiram a existência espontânea de agrupamentos como os modernistas de 1922 ou os Novíssimos da década de 1960, vizinhos no espaço e nas idéias, hoje isso não existe. Ampliaram-se as distâncias. Em alguns casos, criaram-se novas formas para superá-las. Mas, em todos os casos, outrora como hoje, é possível entrever, nestes movimentos, a possibilidade de se ampliar aquilo que o escritor Cláudio Willer chamou de “comunicação entre a cultura e a vida”. As pessoas que vivem precisam produzir. Essa produção é sua

Formas de linguagem distintas,

Cultura. Faz parte de sua natureza. Vem junto com o

ainda que afiliadas, a pichação

pacote.]

e o Graffiti estabelecem dife-


(No ponto Chic, do Largo do Paissandu)

No início da década de 80 começou a aparecer no Brasil. Desde essa época eu já vinha observando. Não demorou muito para que eu começasse a participar ativamente da cultura: dançando Break primeiramente, escrevendo letras depois e, por fim, fazendo Rap. O Hip Hop mais característico é o do Brasil. O Rap brasileiro é desenvolvido com o samba, com o Maracatu e com o Berimbau. É a injeção de autoestima que faltava ao povo, principalmente ao jovem brasileiro. A polêmica, a contundência, a liberdade que o trabalho demonstra. Porque o diferente é que faz o mundo girar. Queremos fazer as pessoas sentirem inveja da nossa liberdade. A gente tá todo dia correndo da polícia, correndo do bandido, correndo do racista, correndo de tudo aquilo que a gente possa se deparar em termos de negatividade. Correndo o risco de apanhar, correndo o risco de morrer, mas, também, correndo o risco de ser feliz. A gente quer seguir adiante da nossa maneira.

e Cia iam para lá, mas todas as pessoas. Gente de Jundiaí, de Campinas, São Bernardo, São Caetano e Santo André. E foi aí que ferveu. E apesar dos confrontos com a polícia, com o batalhão de choque, a gente resistiu, porque a gente sabia que ali é um direito nosso. Não só um direito. É um dever. Chegou um momento em que a juventude, desacreditada, deu o pontapé para uma nova cultura. Na época eu morava do outro lado da Zona Sul (Vila Missionária, na região de Santo Amaro), que é como se fosse o outro lado da cidade de São Paulo. Eu comecei dançando ali, no meu bairro mesmo. Até que a gente começou a vir para o centro da cidade, depois fomos para o parque do Ibirapuera. E isso começou a criar buchicho.

Na década de 80, a rua 24 de maio era usada pelo Nelson Triunfo e seu grupo Funk e Cia. Com o surgimento do Hip Hop, eles começaram a dançar o Break. Mas aí, a burocracia começou a impedir, alegando que eles estavam obstruindo a passagem. Foi proibido dançar na 24 de maio.

No centro existem vários pontos de encontro. Vários mesmo. Sem dúvida nenhuma o centro é uma força que chama a atenção das pessoas. E todo mundo se encontra aqui. A rapaziada tá sempre se espalhando por aí. E também para as imediações, para os bairros vizinhos. Mas o principal ponto de encontro e consumo da cultura Hip Hop é a Galeria mesmo. Hoje, quando a gente fala da Galeria “24 de Maio”, a gente está se referindo ao lance do Hip Hop, da música, da roupa, do sapato, e tudo mais.

E foi aquela procura toda para encontrar um novo lugar. Aí surgiu a São Bento. Quando começou a fazer um certo barulho, não só o Nelson e o Funk

Eu adoro vir para o centro da cidade. Principalmente à noite, gosto de andar sozinho. Caminhar. Encontrando as pessoas. (Apontando):

aquele cara que tá passando ali, por exemplo, é o cara que faz o baile nostalgia. O nome dele é Gringo. Então, quer dizer, eu tô sempre vendo as pessoas que eu conheço, pessoas famosas, os anônimos, e tudo isso é importante. Quando eu venho para o centro, se eu não tenho nada para fazer, fico aqui o dia inteiro. Posso ir lá no Green Express (Avenida Rio Branco, 90, em frente ao Largo do Paissandu) que tem loja de disco no fundo do salão. Tem salão de cabeleireiro. É uma pequena vila. Então eu vou lá no Tony Hits ver uns discos antigos, vou no sebo comprar alguma coisa velha, vou na galeria ver os amigos e conversar. E aqui você fica sabendo das novidades. E é tudo aqui. A SICAM (Sociedade Independente de Autores e Compositores Nacionais) é aqui do lado (Largo do Paissandu, 51 - conj. 1002), aonde os músicos vêm receber os seus direitos autorais. Tem o sebo Ventania, que é muito famoso, e tem muitas raridades em vinil (Rua 24 de Maio, 188 - cjs. 113/117). Têm muitas coisas que acontecem aqui que eu posso não saber. Mas se eu tirar uma noite para procurar eu vou achar. Eu sei onde fica o ninho da cobra. Não vou falar que é um paraíso. É um caos. Mas não adianta, se o cara levantar pensando que tem que comprar disco, roupa, sapato, alimento, ele vem aqui e fica sossegado.

Você não sabe de onde eu vim | E não sabe pra onde eu vou | Mas pra sua informação vou te falar quem eu sou | MEU NOME É THAÍDE E não tenho R.G. / Não tenho C.I.C. | Perdi a profissional / Nasci numa favela De parto natural | Numa Sexta feira | Cinco que chovia | Pra valer (Corpo fechado, Thaíde e Dj Hum)

| 23


24 | AÇÃO


por Sílvia Lopes Raimundo

Originalmente Centro Comercial Grandes Galerias, a Galeria do Rock, como atualmente é conhecida, localizada na rua 24 de Maio, 62, tornou-se nos últimos anos um exemplo de sucesso comercial no Centro Novo da cidade de São Paulo. Recebe diariamente milhares de visitantes dos mais diversos lugares e emprega cerca de três mil pessoas em oito pisos. São seis mil metros quadrados que abrigam 450 lojas, das quais aproximadamente 200 comercializam produtos relacionados à cultura do rock e outras 80 à do hip-hop.

Um mix de comércio e serviços diversificados en-

tas, bares e cursos, além de ofertas de trabalho para

contra-se distribuído por seus andares, compondo

músicos, produtores e iluminadores, criando um

pequenos e distintos universos que assumem certa

sistema que ultrapassa seu sentido comercial.

identidade:

Para além da venda e compra de produtos e servi-

Na Galeria do Rock, tudo deve ser feito com muita

ços, a Galeria é palco de encontros que, cheios de

calma. Ao contrário dos clientes da antiga loja Map-

trocas simbólicas, cristalizam certas identidades.

pin que subiam de elevador e, depois de acompanha-

Com opções que vão desde o rockabilly até a músi-

rem atentamente o ascensorista anunciar os produtos

ca eletrônica, passando pelo hard core, atrai punks,

de cada andar, saltavam naquele de interesse, aqui o

rappers, metaleiros, clubbers, góticos e uma varie-

visitante deve flanar sem pressa pelos corredores e

dade de outras tribos.

explorar bem o local, pois todos os cantos guardam surpresas. A própria disposição dos acessos aos diversos andares é um convite à deambulação.

Assim como no passado era comum ver o cantor Roberto Carlos dando um trato em sua cabeleira em algum salão do local, atualmente, os freqüentadores

Na Galeria, o visitante também tem acesso a todo um

podem esbarrar com seus ídolos caminhando pelos

universo de informações sobre um circuito alterna-

corredores em busca de uma daquelas raridades

tivo geralmente excluído dos veículos de comunica-

que fazem a fama do lugar. Por ali já passaram inte-

ção de massa. Em suas paredes, encontra-se grande

grantes de bandas nacionais e internacionais como

variedade de material de divulgação de shows, fes-

Metallica, Sepultura, Iron Maiden, Planet Hemp,

ENSAIO

| 25


Hammnerfall e Êxodos. E entre os mais assíduos

elétricas e hidráulicas era mais um forte indício de

estão Marcelo Nova (Camisa de Vênus), Nasi (Ira!),

que os tempos eram outros, e eram difíceis.

Clemente (Inocentes), Branco Mello e Charles Ga-

Quando as escadas rolantes pararam, a área, con-

vin (Titãs), Roberto Frejat (Barão Vermelho) e Nando Reis, entre outros.

siderada por muitos como intransitável, sofreu um processo de esvaziamento. Os que resistiram, como

Construídas entre 1959 e 1962 para abrigar casas co-

as lojas Baratos Afins, Devil Discos e Palácio do Silk

merciais, escritórios e lojas de prestação de serviços,

Screen e alguns bares e boates, presenciaram, dia

as Grandes Galerias — empreendimento de Alfredo

após dia, as portas se fecharem e os antigos condôminos mudarem-se para outras regiões

Mathias — são bastante representativas do

da cidade. Com o fechamento de aproNa Galeria, o visitante ximadamente 75% das lojas, o espaço a concentrar funções urbanas diversas. também tem acesso passou a ser utilizado como moradia Durante a década de 60, com a plea todo um universo de informações sobre por famílias de sem-teto e abrigo para na ocupação de seus espaços, foram um circuito alternativo material e carrinhos de camelôs. o endereço de inúmeros advogados e geralmente excluído outros profissionais liberais, alfaiatados veículos de Em 1993 uma nova administração assucomunicação. rias, chapelarias, sapatarias e ateliês de período onde certos edifícios passaram

miu a Galeria obtendo importantes resul-

roupas sob medida. Além de bares, cafés,

tados. Através de investimentos em limpeza

restaurantes e boates — como a Cabrinha que, sempre animada, era freqüentada por diversos artis-

e segurança, reformas estruturais e de um bem sucedido plano de marketing — que entre outras ações

tas e boêmios.

criou a marca Galeria do Rock —, o edifício, quase

Antes da construção do Shopping Iguatemi (em

interditado pelo Contru (Departamento de Controle

1966), o primeiro da cidade, as Grandes Galerias eram

do Uso de Imóveis), ganhou uma nova identidade.

ponto de encontro da elite paulistana, lugar da moda

Um projeto baseado na organização e modernização

para onde iam os que desejavam ver e ser vistos. Em

do espaço atraiu novos lojistas mudando a imagem

suas escadas rolantes, novidade para a época, muitos

e o conceito do lugar. De insegura e até mesmo som-

desfilavam as últimas tendências da moda.

bria, a Galeria tornou-se atraente a um público jovem que busca uma experiência diferente daquela

O local, contudo, experimentou um grande perío-

oferecida pelos shopping centers.

do de decadência. O cenário outrora elegante e glamouroso passou a freqüentar o imaginário paulista-

Depois de mais de dez anos paradas, as escadas ro-

no como um palco de brigas entre gangues, tráfico

lantes voltaram a funcionar dando início a um novo

de drogas, assaltos e atos de vandalismo contra o

período de sucesso.

patrimônio. A visível precariedade das instalações

k c o R o d a i r e l A Ga o centro

: Vista d BERTURA

CO

critórios

NDAR: es QUINTO A

e espaço

pa

os.

desativad

itoração

os.

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grafo.

misetas órios, ca ´s, acess cd , is in etes, v AN QUARTO s, lanchon s, ependente d in s lo s, tatuagen Se ANDAR: acessório s, O a IR et E is C m TER ôsteres, ca s. is, cd´s, p e pôstere entes, vin d en ep . d is, cd´s, los in drinhos etes, vin ANDAR: Se cas e qua , lanchon op sh SEGUNDO áquinas fotográfi x se m ediário, piercings, r interm ao anda o ss ce A : O ANDAR posters. PRIMEIR misetas e . ca s, io ór chonetes eireiros acess nicos, lan uro, cabel rô et el s, fin eças de co a p e e d te a os r, sk , consert etes. street wea de costura rônicos, lanchon TÉRREO: oficinas et , el op s, n -h fi ip a usic, h r, skate e : black m street wea SUBSOLO ´sTérreo: cd e s co afros, dis grafia, DAR: Seri

26 | AÇÃO

s de autó

s e sessõe

os show ra pequen

a

tolito, ed lfaiates, fo


(Na ‘Baratos Afins’, Galeria do Rock)

Vim pra Galeria e aqui não tinha nada... A maioria das lojas estava vazia. Aliás, esse imóvel só é meu porque era super acessível. Eu paguei uma merreca nessas três salas (que agora são quatro porque a gente comprou a parte aqui detrás...). O dono da loja nem me cobrou luvas... Me pediu uma coleção de Roberto Carlos que eu tinha: olha, me dá esses discos aí e tudo bem. Eu topei. Não era um bom ponto... Era meio desertão... Tinham alguns cabeleireiros, técnicos em microeletrônica, conserto de barbeadores elétricos, boates. Aliás, a minha loja era uma boate. Era tudo vermelho, cheio de fotos de garotas nuas coladas nas paredes. Deu um trabalho danado arrancar aquilo porque eles passavam uma cola tipo cola d’água... E eu tinha que fazer muita publicidade. Chegava a pegar aqueles papéis de pasteleiro mesmo e botar um carimbo assim: “Discos raros, você encontra na Baratos Afins”. Ia a tudo quanto é cinema que passava filmes de rock, a tudo quanto é show, para distribuir aquilo. Minha propaganda inicial foi na base do boca a boca. Sem contar que eu investi pesado em vários jornais e revistas, e tal... E, é claro, a clientela começou a aparecer. Até porque era uma coisa nova, o meu negócio de discos usados... Tinha muito pouca gente mexendo com isso... E o que tinha não era

selecionado, era tipo sebo, eles misturavam tudo. Aí eu comecei a fazer uma coisa com um certo critério seletivo de qualidade de uso e conservação, e também de qualidade artística... Eu comecei a fugir do lugar comum e ficar na área da MPB mais clássica mesmo, do Jazz, e do Rock. E aí, felizmente, eu consegui fazer a minha clientela. E, é claro, tudo que dá certo nesse país vêm as cópias, né? A concorrência começou a encostar e aí foi muito melhor ainda... Foi muito bacana. Até porque a Galeria virou um point. Na época em que a Galeria tava na bancarrota era uma degradação total. As gangues não eram um problema. Porque gangue é o seguinte: são jovens que querem expressar os seus sentimentos, vestem aquela camisa escrita alguma palavra de ordem ou então o nome da banda preferida deles... E, é claro, todo mundo se acha melhor do que os outros... A banda que eu curto é melhor do que a tua, a cerveja que eu bebo... Enfim... Nunca vi problema. Chegaram a sair algumas brigas. Por exemplo, quando imperou o Punk, tinham umas gangues que de vez em quando se raspavam com o pessoal do Heavy Metal. Nada demais, principalmente pela quantidade de gente que freqüentava a Galeria. Mas em função de um episódio em que dois garotos tavam consumindo drogas aqui na frente

eu fui falar com um amigo, que era advogado, e ele me disse: ó, a gente precisa fazer alguma coisa... Vamos fundar uma associação de lojistas. Topei. Criamos a Associação dos Lojistas das Grandes Galerias e passamos a pagar o condomínio em juízo. Acabamos quebrando o condomínio e forçando uma assembléia para eleições de síndico. E elegemos o Toninho (Antonio Souza Neto). Hoje, quem chegou depois, pode até discordar da gestão atual. Mas qualquer um pode sacar que mudou...

Não Sim Naquela época, em 85, o Brian Eno fez uma produção de bandas underground que ele chamou de “No New York”. Então nós falávamos: a gente tem que fazer o “Não São Paulo”. Era um apelido. Uma idéia para um disco de coisas underground. E fizemos. O apelido já tinha colado. Já o “Sim São Paulo” era um disco que eu ia fazer para comemorar os 450 anos da cidade. Eu cheguei a fazer uma pesquisa com mais de 200 canções que falam da cidade e dava pra fazer um Box com 6, 8, 10 Cds, tranqüilamente. Mas a gente esbarrou no problema dos direitos autorais. Não consegui apoio. Acabei fazendo um álbum só. E surgiu o nome: Já fiz o Não, agora põe o Sim.

MEU NOME É LUIZ CALANCA. EU TÔ AQUI HÁ 25 ANOS.

ENSAIO

| 27


28 | AÇÃO


por Graciela Hopstein

Os recentes sucessos de bilheteria verificados tanto no âmbito nacional quanto internacional são um indicador de que o cinema latino-americano atravessa um momento de significativa efervescência criativa, marcando um ponto de inflexão em sua história. A entrada no mercado de jovens cineastas, a propagação de diversas escolas de cinema e abordagens originais sobre antigas e recentes problemáticas fundam um novo olhar acerca da realidade social do continente.

Neste contexto, a questão urbana adquire um visível

daram radicalmente a paisagem destas cidades que

protagonismo: a cidade é caracterizada não apenas

hoje se apresenta caótica e “invadida” por catadores

por seus problemas de violência, marginalidade, cor-

de lixo e moradores de rua. Porém, concomitante à

rupção, e exclusão, mas pelo resgate do cotidiano de

deterioração dos espaços públicos e ao crescimento

sujeitos que vivem, circulam, consomem, trabalham,

descontrolado, emergem novas manifestações cultu-

se relacionam e se divertem num espaço comum.

rais e formas de organizar o desenvolvimento social.

Compartilhar a cidade não significa desconhecer sua

Assim, todos os modos de vida, de deslocamento e

diversidade e seu pluralismo cultural. Neste ponto,

de comunicação se disseminam pela metrópole e co-

é possível identificar alguns dos elementos distinti-

existem em todos os espaços, propondo uma estética

vos do cinema latino contemporâneo: a valorização

que convida à valorização do acontecimento, e dos

de uma subjetividade urbana materializada nas lin-

processos espontâneos de construção do real.

guagens e nos comportamentos dos personagens, e a escolha de cenários que permitem ao espectador transitar, sem mediações, por ambientes “refinados”

CINEMA ARGENTINO E MEXICANO: A INSTALAÇÃO DE UMA “OUTRA” URBANIDADE

e mundos marginais, quase simultaneamente. Trata-

A cinematografia argentina recente aborda, a partir

se de exibir os grandes contrastes da vida urbana la-

de perspectivas inovadoras, as problemáticas vin-

tino-americana, caracterizada por uma dinâmica de

culadas à situação atual de crise social e econômi-

crescimento vertiginosa resultante de contínuos e in-

ca que assola o país. As narrativas giram em torno

tensos processos migratórios. Estes fenômenos mu-

do risco a que estão sujeitas as novas gerações, do

ENSAIO

| 29


desemprego que atinge uma importante faixa da

entrando sem muita convicção em esquemas de

população, das reações xenófobas emergentes tan-

corrupção que se apresentam como as únicas estra-

to frente ao migrante do interior quanto do exterior

tégias para “sobreviver” na corporação policial (El

(principalmente dos países limítrofes) – como no

Bonaerense). Em muitas oportunidades, as histórias

caso do filme Bolívia – e das múltiplas respostas

narradas são apenas um pretexto para resgatar pe-

que as diversas situações de violência e “exclusão”

quenas situações trágicas e cômicas do cotidiano. O

suscitam nos sujeitos envolvidos.

filme El Abrazo Partido, por exemplo, acompanha

Muitos críticos chegaram até a falar de uma tendência neo-realista na produção cinematográfica argentina atual. O uso “abusivo” do preto e branco e de cenas rodadas quase exclusivamente em cenários naturais, contribuiram para instalar uma estética documentarista. Porém, a adoção desta estética de-

A idéia da emergência de um “novo cinema latino” ainda é, contudo, discutível.

monstraria uma intenção de fugir dos temas e estilos “clássicos”. Rompendo com o “olhar de fora”, os novos diretores oferecem ao espectador a possibilidade de mergulhar em cada uma das cenas e his-

pequena galeria localizada no centro da cidade de Buenos Aires. O protagonista, um jovem judeu, é proprietário de uma loja e enquanto trabalha com a mãe tenta obter a cidadania polonesa, que o permitirá sair da Argentina e morar na Europa. A aventura e a viagem – no sentido da procura por novos horizontes e experiências — também se apresentam como formas alternativas de pensar a existência. No filme Tan de Repente, é a idéia do movimento, literalmente, que leva o espectador a imaginar que tudo pode acontecer, a qualquer momento e em qualquer lugar.

tórias apresentadas. As imagens propostas são tão

O cinema mexicano contemporâneo também apre-

reais quanto os diálogos dos personagens que, além

senta interessantes elementos para retratar a com-

disso, demonstram uma dificuldade constante para

plexa realidade característica de uma mega-metró-

se comunicar e para encarar projetos de vida, dado o

pole como a Cidade do México. O filme Amores

contexto de crise no qual estão inseridos.

Perros, por meio de diversas histórias entrelaçadas,

A nova cinematografia não adotou formas mais sofisticadas de apresentação da narrativa. Ao contrário, baseia-se em retratos íntimos de problemas do dia-a-dia na vida de pessoas comuns: um bando de adolescentes marginais vivendo, na mais pura adrenalina, sua rotina de delito e violência (Pizza, Birra y Faso); um homem gordo, morador do subúrbio de Buenos Aires, que faz de seu trabalho como operador de guindastes seu mundo e procura novos “mundos” na sua viagem pelo sul do país (Mundo Grúa); um homem que vive no “pacato” interior da Província de Buenos Aires e que, após envolver-se

30 | ENSAIO

a rotina de diversos personagens que habitam uma

retrata uma vida urbana que se apresenta dramática, trágica e anônima. Porém, em contraste com esta visão totalizadora, os sujeitos protagonistas, suas trajetórias de vida e seus desejos, aparecem bem delineados e, em sua maioria, procuram romper com o destino que a cidade lhes impõe. Aqui o espaço urbano é tratado com crueza, embora a cidade não seja apresentada em tons de cinza. Ao contrário, ela está sobrecarregada (até saturada) de cor, procurando mostrar a intensidade das histórias dos personagens: sua alienação total, sua rebeldia radical e seu amor sem limites.

num confuso “incidente”, acaba trabalhando para a

A idéia da emergência de um “novo cinema latino”

Polícia Bonaerense (do subúrbio de Buenos Aires),

ainda é, contudo, discutível. Muitos críticos até re-


sistem em utilizar a expressão, pois, embora possuam

cidade de São Paulo, que aparece como um labi-

alguns elementos comuns, as diversas produções não

rinto gigantesco, com caminhos que se entrelaçam,

têm vinculação entre si. O fato é que a incorporação

do mesmo modo que as histórias dos personagens.

definitiva de inúmeras problemáticas da vida urbana

Trata-se de um filme tipicamente urbano que, ao

e a abordagem subjetiva das narrativas representam

abordar as problemáticas sociais por uma ótica ni-

uma virada radical na produção cinematográfica no

tidamente subjetiva, demonstra que a corrupção e

continente latino-americano.

a violência são inerentes à sociedade e não apenas

O CINEMA BRASILEIRO: VELHAS E NOVAS URBANIDADES As produções cinematográficas brasileiras, contrariamente ao que ocorre no cinema argentino e mexicano, vêm, desde a década de 70, abordando a questão da violência urbana, produto da profunda desigualdade social que caracteriza a sociedade. Podemos lembrar aqui filmes tais como Pixote e Eles Não Usam Black Tie, dentre outros.

produto de uma política social implementada de cima para baixo. Sem dúvida, o grande filme da “retomada” do cinema brasileiro é Cidade de Deus, filmado por Fernando Meirelles em 2002. Um de seus méritos reside no fato de que o contexto totalizador da favela não é dado de antemão, mas apresentado a par-

Muitos críticos até resistem em utilizar a expressão.

tir da vida daqueles que integram

Com a retomada da produção filmográfica brasileira

esse mundo, e principalmente, da

na década de 90, a questão urbana passa a ser abor-

manifestação de seus desejo por uma vida melhor, o

dada a partir de um outro olhar, voltado principal-

que de fato implica a necessidade de sair, de aban-

mente para as histórias dos indivíduos inseridos nas

donar a comunidade onde nasceram. Neste caso, a

diversas realidades sociais.

saída deve ser entendida como movimento de ins-

Neste sentido, o filme Sábado de Ugo Giorgetti, filmado em 1994, pode ser considerado como uma obra

crição em outros percursos, como possibilidade de construir formas alternativas de vida.

inaugural. Desenvolve-se em um único cenário: um

Ainda que isso pese na consciência de determinados

prédio antigo, agora deteriorado, situado no centro

setores sociais, o filme Cidade de Deus apresenta de

de São Paulo, no qual convivem sujeitos pertencen-

forma nua e crua a cidade do Rio de Janeiro, onde

tes a mundos completamente diferentes e contrastan-

não existe uma fronteira muito marcada entre “cen-

tes, e que não têm nenhuma intenção de estabelecer

tro” e “periferia”, entre as noções de crime e lei, en-

relações entre si. Como afirma o próprio Giorgetti,

tre “o bem” e “o mal”, pois que estas constantemente

no prédio, assim como na cidade, convive-se obri-

convivem no espaço urbano e nos modos de vida dos

gatoriamente num espaço único, o que faz com que

sujeitos que o habitam.

a maior parte das interações ocorra de maneira involuntária e até antagônica.

Para concluir, podemos afirmar que as novas abordagens na produção cinematográfica latino-americana

O filme O Invasor, rodado por Beto Brandt em

estão gerando uma autêntica revolução, não apenas

2001, expõe também, a partir de um olhar de den-

por terem conseguido desestruturar “velhas narrati-

tro, a tensão social que caracteriza as mega-cida-

vas”, mas também por instituir formas de expressão

des brasileiras. Mas neste caso, o aspecto inovador

debochadas e olhares novos, colocando a subjetivi-

reside na estética utilizada para a apresentação da

dade urbana no centro das histórias.

ENSAIO

| 31


ANA PAULA

A

Centro

A Vila Carrão

B Trabalho

B

Lazer

B Trabalho

Veio encontrar com os amigos

37

SANDRA

Insólita demais

11:25

Presta serviço de assistência de microondas na região

A Diadema Visitar o irmão que

obs.

B trabalha no local

Aproveitou para dar uma olhada no comércio

DOM JOSÉ DE BARROS | 24 DE MAIO

Visitar os amigos do

B antigo trabalho

32 |

Apressada e estressada

A Freguesia do Ó B Trabalho Funcionária do Bingo Olido

EDVALDO

16:20

26

A Brás B Entrega de salgados obs.

A Itapevi

54

FRANCISCA

15:17

FABIANA

obs.

20

16:00

vai ver se eu tô na esquina

obs.

obs.

A Vila Nova Cachoeirinha

12:55

28

obs.

DOUGLAS

obs.

MARCOS

11:25

26

11:25

35

Apressado para terminar as entregas e preocupado com a chuva que estava para cair


22

B Trabalho

A Osasco

MONIQUE

B Passeio

na região

É pela coincidência, pela superposição ou pelo conflito de funções que o intercâmbio se realiza na esquina. Lugar de encontro, por excelência, aqui, dinâmicas e intenções divergentes dialogam. Interpelação à experiência homogênea e contínua, a esquina é um marco na frisa do tempo das ruas.

ADRIANO

43

B Olhar vitrines

Passear e fazer pesquisa de preço de roupas na Galeria do Rock

obs.

obs.

14:32

RUTH

A República

A Suzano B

“Vim pagar uma prestação na C&A”

Simpática e solícita

14:32

22

CARLA

obs.

Procurar emprego

B nas agências localizadas

Quem virá ao meu encontro / na rua que cruza com a minha? Ângulos do acaso, / encruzilhadas do tempo, / cotovelos do espaço, / face a face com o inédito, / sustos com o irreconhecível, / encontrões com o imprevisto: / esquinas do mundo. / A vida mora nas esquinas. Guilherme de Almeida

31

A Capreúva

14:32

Tranqüilo, na boa, curtindo a sua hora de almoço

obs.

“Vim gastar meu 13o”

Muito apressado

A Avenida Rio Branco

Moradora do Centro, parecia estar no quintal de casa

27

MARCELO

A Jardim Paulista B Trabalho obs.

obs.

B Consulta médica 14:32

obs.

A Jardim Guarani

FRANCISCO

“O movimento hoje tá fraco. Acho que vai chover”

ENSAIO

| 33

13:10

45 13:10

ANDRÉ

15:12

32


Quando a Galeria do Rock, o camelô de Aparecida do Norte, um shopping ou o Mercado em Guaianazes transformam-se em prateleiras do modo de vida: Letícia não escolhe uma delas, conquista autonomia para usar todas. Exercícios diários de encontrar, mantendo antenas em perfeito estado de funcionamento.

34 | ESQUINAS

LETÍCIA, 14 | Tênis All Star preto, no Shopping Tatuapé. Meia, Galeria do Rock. Bermuda capri, camelô de Aparecida do Norte. Cinto de couro, Galeria do Rock. Camiseta com estampa da Avril Lavigne, Guaianazes. Jaqueta, presente da tia. Mochila, a tia que fez. Colar, mercado em Guaianazes. Brinco, idem. Anéis, idem. Pulseira, Galeria do Rock. Cabelo, em Guaianazes. “Com um cara que parece o Elvis Presley. Inclusive ele se chama Elvis.”

moderna versus Palavras selecionadas do Vocabulário arcaico, adicionada de uma ou outra Gíria. (igual a mix de Marca + Brechó + Rua). Checar ‘A Linguagem das Roupas’, de Alison Lurie.

GIOVANI, 22 | Sapato Puma, Galeria do Rock. Calça jeans, camelô. Jaqueta Adidas, num brechó (em Pinheiros). Fita no pulso, República. Touca hippie, República.

Giovani é Língua

“Geralmente tô todo de preto. De luto com o mundo.” De repente a caneta que anotaria impressões sobre essas images ficou calada, o papel permaneceu em branco. Pausa para receber a frase, e perceber o uso que Cristiano faz de seu corpo-mensagem.


MARY, 43 | Sapato, Besni. Calça de algodão, Besni. Jaqueta, da Julian Marcuir. Blusa, Dona Go, da D. José de Barros. Boina, ganhou de uma cliente (é cabelereira). Brincos, Feira hippie da República. Piercing, Galeria do Rock.

tem um swing jazzeado ao fundo. Estética provocativa que contradiz qualquer imagem estática...

KARINE,18 | Sapato Penalty, na Dic, de Jabaquara. Calça jeans, na C&A do Plaza Sul. Camiseta com estampa da banda System of a Down (ela mesma cortou as mangas), Praça da Árvore. Pulseira, Galeria do Rock. Cabelo, não lembra onde fez.

CRISTIANO, 18 | Coturno, brechó na Av. S. João. Calça, ganhou, já desfiada, no Pará. Blusa, ganhou em São Paulo. Piercing na boca, mandou fazer. (“É novo”) Alfinete na orelha, ganhou de um camelô. Bandana preta, Galeria do Rock. Karine: enquanto no corpo os vários rostos gritam, no rosto, a face serena. Basta olhar de relance a camiseta de banda (ícone), com auto-interferência manual (ela cortou as mangas) , e se deixar prender no pensar sobre estilos de vida. Como este que se assina no imprevisível tênis de futsal que, transportado das quadras, bate um bolão visual em pleno Largo do Paissandu.

A imagem de Mary pode ser ouvida:

PS: O que portam as pontas superiores curiosas ativas cansadas em trânsito dos corpos que perambulam pelas ruas do início do século? Chapéus, boina, lenço ou moicano: uma prova real de que ninguém aqui perdeu a Cabeça. E de que o tempo é bumerangue, assim como a arte e a moda têm cronologia espiral. E você, já tinha parado para PenSar? Além de apaixonada por encontros a céu aberto sob o céu do Centro de São Paulo, Lilian Alves é assistente de Estilo, figurinista e co-editora do Jornal da Praça Benedito Calixto, SP.

ESQUINAS

| 35


E

36 |

FLÁVIA DOMINGUES M Á R C I A C O S TA

Rotina e Roteiro “Minha rotina começa às quatro da madrugada e vai o dia todo” Praça Dom José Gaspar: encontra-se mais papelão do que qualquer outra coisa. Av. São João e Rua Araújo, mais próximo ao Copan: melhor lugar para encontrar jornais, garrafas de plástico, vidro e também roupas e acessórios. Barão de Itapetininga e proximidades: o lugar certo para encontrar móveis e aparelhos inutilizados por empresas. Lugares mais disputados: Lojas da Barão de Itapetininga e da região da 25 de Março porque oferecem muito material, principalmente papelão. Há disputa pelos territórios entre os catadores. Alguns conseguem estabelecer um relação de maior exclusividade ou privilégio com os lojistas de determinadas áreas.

Francisco, 32

Biografia

- Como o senhor prefere ser chamado: catador de papel ou carroceiro? - Não, Não. Eu gosto que me chamem de Marconi mesmo.

1988. Vindo do Ceará, Francisco Marconi chega em São Paulo. 1989. Mora numa pensão na av. São João onde conhece a maranhense com quem se casará. 1995. Nasce seu primeiro filho. 1997. Nascem mais dois. Gêmeos. Hoje em dia. Quando a mulher vai procurá-lo, contribui para o sustento dos filhos, que não vê há muito tempo.

Experiência profissional

POR

São Paulo tem aproximadamente 10,4 milhões de pessoas que geram 201.502 toneladas de lixo por dia. A prefeitura da cidade estima que a maioria dos catadores no Brasil trabalham nas ruas de São Paulo.

TRAMPO DE CATADOR

“O centro é muito bom para a pessoa que tiver coragem pra trabalhar e quiser ganhar uns trocados. É muito bom. Dá mais dinheiro. E tem os prédios, eu gosto de ver os prédios. (Fazendo um gesto largo): Isso aqui é um paraíso”.

• Fez um curso de panificação • Durante 3 anos foi chapeiro de sanduíches e confeiteiro em Santo Amaro • Perdeu o emprego • Passou a vender frutas e cocos na esquina da Rua 7 de Abril com a Rua Marconi • Em 2000, quando a fiscalização aumentou, teve seu carrinho apreendido • Passou a catar papel e outros • Fixou-se na esquina em frente

p


Instalações A Praça Dom José Gaspar é o escritório de Francisco. É nesse local que ele “faz os seus negócios”. “Fico sempre na Dom José Gaspar. Aqui tem muitas empresas. As pessoas já me conhecem. Sabem que comigo podem encontrar móveis usados, peças, ventiladores, papéis. Os artistas também me procuram muito”.

O Celular: Usado

para atender os clientes interessados em seus produtos e ligar para seus “fornecedores” para saber se têm material disponível para buscar. Há poucos dias, o aparelho caiu na privada de um banheiro. Planeja comprar outro. No momento, faz contatos por orelhão.

A Mesa: Francisco abriu

mão do dinheiro que poderia conseguir pela peça para com ela compor e decorar seu ambiente de trabalho. A mesa deteriorou-se com a chuva. Por enquanto, não conseguiu outra para substituí-la. Os últimos móveis que encontrou foram uma cadeira e um arquivo, vendidos, respectivamente, por 10 e 20 reais.

Clientes: Francisco vende o que arrecada Dormindo no trampo: Francisco dorme na para particulares e para os depósitos. Não é vinculado a nenhuma cooperativa.

a

Entre seus clientes, gosta de citar um famoso comerciante, bem sucedido proprietário de lojas de eletrodomésticos da rua Conselheiro Crispiniano. Mesmo que não compre nada, sempre passa por lá, “conversa um pouco, paga um café, um almoço. Ele é muito conhecido em São Paulo.”

Renda e outros ganhos:

“Tiro cerca de R$ 10 a 15 reais por dia. Quando encontro móveis e coisas que dão para ser melhor aproveitadas, ganho uma grana a mais”. Uma vez encontrou até uma filmadora que depois foi roubada por um engraxate. “Não tenho coragem de ficar com nada de ninguém. Pode ser uma pessoa que esteja precisando tanto quanto eu. No outro dia encontrei um cheque no valor de mil reais. Liguei pro dono dizendo que ia entregar. Mas ele não tinha dinheiro na conta, por isso nem se preocupou em tomar alguma providência. Depois, veio até aqui pegou o cheque, prometeu que ia me compensar com uma graninha e sumiu, nunca mais voltou”.

praça Dom José Gaspar de dia, “mas só dá pra descansar. Aqui é impossível dormir à noite. Já tentaram me matar a facadas durante a madrugada pra me roubar”.

Dormir na rua é muito ruim, mas dormir nos albergues é pior, diz ele. “Lá tem gente de má conduta que fica de olho no dinheiro e nas coisas de valor dos outros. Eles ficam só mapeando quem tem grana. Quando a gente sai de um pernoite, já estão esperando na rua pra roubar. Além disso, tem uns albergues que tem até sarna e são cheios de muquirana que tiram o sangue da gente todinho! Os da prefeitura, até que são limpos e arrumados”.

Neguinha e neguinho do pastoreio:

Para tentar solucionar o problema dos roubos, Francisco arrumou fiéis companheiros: dois cachorros — o Neguinho e a Neguinha — e um menino que é órfão de mãe e cujo pai é alcoólatra. “Enquanto um dorme, o outro pastora o material”.

h

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Nesta seção vamos conhecer e acompanhar projetos que estão em fase de elaboração e viabilização, ou ações que já estejam sendo implantadas visando a requalificação socioeconômica do Centro Novo de São Paulo.

GALERIA DO LIVRO

Projeto de caráter cultural e comercial para o Centro Novo de São Paulo, que visa promover a formação de público leitor e o fortalecimento do mercado editorial por

RESUMO EXECUTIVO

meio de uma ação conjunta e integrada de representantes do setor.

Função

por meio da atuação em parceria, segmentação,

Projeto de caráter cultural e comercial, que

promoção de atividades de marketing e comunicação

visa promover a formação de público leitor e o

e qualificação profissional

fortalecimento do mercado editorial por meio de uma

Público-Alvo

ação conjunta e integrada de representantes do setor

já instalados no na área central de SP), leitores e

• Atuar na mudança de uso de espaços comerciais

público em geral

deteriorados

Local de Instalação

• Atuar como Pólo de atração de fluxos com

Em estudo (prospecção: Galeria Metrópole)

circulação integrada à cidade, dotado de um mix

Parceiros

alinhado à vocação comercial e cultural da área • Ampliar a competitividade das empresas do setor 38 | AÇÃO

Autores, editores, livreiros (preferencialmente aqueles

Objetivos

Câmara Brasileira do Livro, Associação Nacional de Livreiros, Editora Fundação Perseu Abramo


C ONCEITO

erencialmente nos distritos Sé e República. O setor

Condomínio comercial com características de um

de comercialização conta com livrarias altamente es-

Shopping Cultural para abrigar atividades e serviços

pecializadas – com destaque para os segmentos téc-

voltados para o Mercado do Livro no Centro Novo de

nico, religioso e de livros estrangeiros – e com livrar-

São Paulo. Pólo de atração de fluxos com circulação

ias tradicionais focadas em obras gerais. O segmento

integrada à cidade, dotado de um mix alinhado à vo-

de sebos está organizado como um circuito consoli-

cação comercial e cultural da área central. A Galeria

dado na região.

atende às atuais necessidades do mercado de comer-

Para não perder sua competitividade frente aos no-

cialização de livros, propiciando vantagens como a concentração espacial, a utilização compartilhada de serviços, a ampliação do período de funcionamento, e uma estrutura completa de divulgação e marketing. Conjuga serviços à cidade, integrando atividades produtivas, comerciais, de qualificação profissional, culturais e de entretenimento.Espaço de referência para autores, editores, livreiros, leitores e para o público em geral, contribuindo para a requalificação socioeconômica da área central da cidade. J U STIFICATIVA A área central possui a maior concentração de em-

vos entrantes do setor (em especial as megastores), as livrarias independentes encontram-se diante do desafio de incorporar novos atributos que garantam um maior conforto para o cliente, estimulando a permanência do público leitor e o acesso a informações relevantes. Atuação em parceria, promoção de atividades diversificadas e qualificação profissional são estratégias que permitirão às empresas do setor a manutenção do foco em públicos-alvo e ganhos advindos da atuação conjunto.

presas vinculadas à cadeia do livro no município. Livrarias, sebos, gráficas e editoras localizam-se prefAÇÃO

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FUNÇÕES E MIX PROPOSTO

Galeria do Virtual (www.galeriadolivro.com.

Comercialização

br). Portal da galeria na internet voltado para:

Livrarias. Livrarias independentes e especializadas segundo uma segmentação pré-definida pelo condomínio. Segmentos prioritários: Arte / Cinema / Música / Quadrinhos / História de São Paulo / Ciências Humanas (Psicologia, Filosofia) / Religiosos / Infantis / Livros Técnicos (Medicina, Jurídico, Ciências exatas, Informática, Tecnologia) Turismo / Hotelaria / Administração / Banca de Revistas especializadas / Sebos

e-commerce (venda de livros); divulgação de eventos da Galeria; divulgação de lançamentos; informação acerca das livrarias; distribuição de e-books de autores novos; fóruns de discussão de comunidades de Interesses segundo os gêneros literários. Revista virtual: entrevistas; matérias; centro de São Paulo na Literatura; exposições virtuais. Produção editorial / Gráfica Gráfica Galeria do Livro. Gráfica expressa para confecção de material de divulgação da Galeria do Livro (eventos, lançamentos, exposições, etc.).

EM PESQUISA REALIZADA COM LIVREIROS E DONOS DE SEBO DO CENTRO DA CIDADE FORAM IDENTIFICADAS AS SEGUINTES POTENCIALIDADES E DIFICULDADES:

Potencialidades • Requalificação da área central • Acessibilidade • Pólos atratores de fluxos (equipamentos culturais e comerciais) • Concentração espacial • Público diversificado (universitários, estudantes de idiomas, pesquisadores, entre outros) • Circuito de sebos

A gráfica poderá servir ainda como apoio à Escola do Livro para realização de cursos específicos de Design e Produção. Irá operar também como editora para novos autores que queiram divulgar seus trabalhos através do Portal Galeria do Livro como e-books ou para a produção de pequenas tiragens impressas. Suporte Quiosques. Rede de quiosques localizados em pontos estratégicos da Galeria permitindo aos usuários o acesso a informações acerca do perfil das livrarias, grade de eventos, parceiros institucionais e patrocinadores, e a um mapa de localização dos estabelecimentos. Nos quiosques

Dificuldades

encontram-se ainda informações acerca da área

• Restrição de funcionamento pela falta de

central da cidade, principais pontos turísticos,

segurança em horários noturnos • Dificuldade de circulação em horários alternativos

eventos e localização (mapa) / perfil das livrarias e sebos situados no centro. Escola do Livro. Espaço da Câmara Brasileiro

• Baixo investimento em divulgação e marketing

do Livro (CBL), destinado à promoção de cursos

• Esparsas iniciativas de atuação em parceria

e seminários voltados ao desenvolvimento

• Competição com megastores situadas em outras

profissional do setor, nos diversos segmentos do

áreas da cidade • Conflito de uso nas áreas de tráfego intenso

mercado editorial e livreiro: gestão empresarial e de pessoal; marketing; vendas; produção gráfica; logística e distribuição; finanças; direitos autorais.

40 |


Promoção e Marketing

Parceiros operacionais

Espaço do Livro. Espaço multifuncional adaptado

• Câmara Brasileiro do Livro

para a realização de eventos com grade pré-

• SENAI: Gráfica da Galeria

definida (como lançamentos de livros, leituras públicas, exposições, performances, etc.). Conta

Patrocinadores

com um Cybercafé e um ambiente do tipo lounge

Patrocinador principal: responsável pela

para a circulação e leitura.

manutenção do Espaço do Livro

Loja Temática. Espaço de exposição e

Outros patrocinadores: empresa de tecnologia

comercialização dos produtos temáticos da Galeria

responsável pela instalação de quiosques

do Livro. Venda de material institucional: produtos

multimídia e manutenção do portal de Galeria

temáticos como: camisetas, bags, adesivos, itens colecionáveis, etc. Serviços

Parceiros institucionais • Associação Nacional de Livrarias (ANL) • Câmara Brasileira do Livro (CBL)

A Galeria do Livro poderá ainda abrigar um

• Liga Brasileira de Editoras (Libre)

conjunto de atividades de entretenimento que

• Ventura Livros

explorem a expansão do fluxo de usuários na

• Prefeitura Municipal da cidade de São Paulo

área como: Cinema (reativação e requalificação

(PMSP)

do antigo Cine-Metropole); Bar-Restaurante e

• Consórcio São Paulo Minha Cidade

Estacionamento (viabilizado por intermédio de um acordo entre o condomínio e estacionamentos

Localização (proposta inicial)

situados no entorno, garantindo desconto aos

Galeria Metrópole

usuários da Galeria) GESTÃO E LOCALIZAÇÃO PROPOSTA Gestão comercial A gestão da galeria ficará sob responsabilidade de um condomínio comercial. Organizado como uma associação de empresas dotada de estatuto regimentar próprio, o condomínio será formado por livreiros e editoras que se instalem na Galeria e pelos parceiros operacionais do projeto.

• Situada na Praça D. José Gaspar, recém reurbanizada no âmbito do projeto do Corredor Cultural, abriga a maior biblioteca do município – a Biblioteca Mario de Andrade. • Dispõe de diversas lojas vazias e espaço para a instalação dos serviços e atividades propostos • Acessível pela Avenida São Luis, uma das principais vias de circulação do Centro Novo e integrada, via Corredor Cultural, à circulação de pedestres.

Em seu estatuto, o condomínio deverá definir a segmentação dos negócios que compõem o mix do espaço e os serviços que serão compartilhados pelos associados (como a galeria virtual, loja temática, assessoria de imprensa, marketing e promoção, segurança, entre outros). O condomínio disporá ainda de uma grade para a programação de eventos no Espaço do Livro.

AÇÃO

| 41


LIVRARIAS INESQUECÍVEIS

ÁREA CENTRAL: LIVRARIAS E SEB O S

Circuito das Livrarias durante as décadas de 1950 e 1960 Centro Tradicional Praça João Mendes: livraria do Povo Rua Alvares Penteado: livraria Tóquio Avenida Liberdade: Papelivros Rua Senador Feijó: livraria Catedral Praça da Sé: Edições Paulinias Praça Clóvis Bevilacqua: livraria das Irmãs Paulinas Rua XV de Novembro: livrarias Feitas Bastos e Nobel Rua José Bonifácio: livrarias Saraiva e São Bento Centro Novo Rua Marconi: livraria Teixeira (Fechou) Largo do Arouche: livraria Melhoramentos (Fechou) Rua Barão de Itapetininga: livraria Brasiliense (Fechou) Esquina das ruas Dom José de Barros e Barão de Itapetininga: livraria Emos (Fechou) Avenida São João: livraria Avenida (Fechou) Avenida São João: livraria Dinut (Fechou) Avenida São João: livraria Ibresc (Fechou) Praça da República: livraria Palácio do Livro (Fechou) Praça da República: livraria Sal (Fechou)

Rua Barão de Itapetininga: livraria Francesa Rua Barão de Itapetininga: livraria Triângulo Rua Sete de Abril: livraria Herdler (hoje Editora Pedagógica) Esquina das ruas Marconi e Sete de Abril: livraria Jou Avenida São Luis: livraria Italiana

Circuito das Livrarias após a década 1970 Centro Tradicional Rua São Bento: livraria Saraiva Praça da Sé: livrarias Saraiva e Paulu’s Rua Senador Feijó: livrarias Florense, Jurídica, Ventura Livros, Vozes, Loyola Rua Quintino Bocaiúva: livraria Loyola Rua XV de Novembro: livraria Paulinas Rua São Bento: livrarias Saraiva e Quintino Centro Novo Avenida São Luis: livraria Italiana Barão de Itapetininga: livrarias Francesa, Triângulo e Loyola Rua 7 de Abril: Livraria Saraiva Avenida São João: livrarias Nova Emos e Duas Cidades

Fonte: Jair Canizela (ANL)

42 | AÇÃO


A ÁREA CENTRAL DA CIDADE DE SÃO PAULO SEMPRE TEVE VOCAÇÃO PARA MODERNISMO, SUAS LIVRARIAS, ESPECIALMENTE A CASA EDITORA O LIVRO, NA RUA XV DE NOVEMBRO, E A ITALIANA, DO LARGO DE SÃO BENTO, ERAM O PONTO DE ENCONTRO DA RAPAZIADA QUE IA CONSPIRAR CONTRA O PASSADISMO. NO FIM DOS ANOS 20, NA RUA DOM JOSÉ DE BARROS, COM O NOME DE AGÊNCIA SICILIANO, INICIAVA AS ATIVIDADES UMA REDE QUE ATUALMENTE SE ESPALHA PELO BRASIL. A PARTIR DESTA DÉCADA, O MERCADO DE LIVROS DA CIDADE COMEÇA A EXIBIR SUA FACE COSMOPOLITA: INSTALAM-SE, NO CENTRO, ALÉM DA LIVRARIA ITALIANA, A BOTTEGA DI COLTURA ALIGHIERI, A GENOUD, A HISPANO AMERICANA E A H.G.J. VAN EYKEN. OUTRAS DUAS VENDIAM EXCLUSIVAMENTE LIVROS HÚNGAROS, A MAGYAR KÖNYVÜZLET E A DOUTOR ALEXANDRE BRÓDY.

REPÚBLICA – O que fez com que livrarias tradicionais como Livraria Brasiliense, na Barão de Itapetininga e Melhoramentos, no Largo do Arouche, fechassem? Canizela – Um dos principais motivos para a queda no mercado de livrarias do Centro Novo foi o surgimento de novas centralidades na cidade. Muitas pessoas que frequentavem a região se deslocaram para outras áreas, como a avenida Paulista. A livraria Cultura, por exemplo, quando surgiu foi instalada na Paulista e não no Centro. Por outro lado, a má administração e a concorrência entre editores e livreiros resultaram na desestruturação do mercado de livro.

EM 1942, NA RUA MARCONI, FOI CRIADA A LIVRARIA JARAGUÁ E, NO ANO SEGUINTE, NA RUA DOM JOSE DE BARROS, A LIVRARIA BRASILIENSE. JÁ EM 1954, NA PRAÇA DA BANDEIRA, FOI INAUGURADA A LIVRARIA DUAS CIDADES, QUE DEPOIS SE MUDOU PARA A BENTO FREITAS, ONDE PERMANECE ATÉ OS DIAS DE HOJE. OS ANOS 60 MARCARAM A EXPLOSÃO DO MERCADO EDITORIAL EM SÃO PAULO, COM O SURGIMENTO DE CADEIAS DE LIVROS COMO A SARAIVA, NOBEL, MELHORAMENTOS, ENTRE OUTRAS. POR VOLTA DA DÉCADA DE 70, O PROCESSO DE ESVAZIAMENTO DO CENTRO FEZ COM QUE MUITAS LIVRARIAS FECHASSEM AS PORTAS OU MIGRASSEM PARA OUTRAS REGIÕES DA CIDADE.

REPÚBLICA – Então existe uma concorrência desleal? Canizela – Há, e passa pelo desrespeito da lei do preço fixo do livro. Muitas vezes, as editoras vendem diretamente ao público, principalmente para as escolas, por preços menores que os praticados nas livrarias.

A CULTURA LIVRESCA. NA ÉPOCA DO

JAIR CANIZELA, PROPRIETÁRIO DA REDE DE LIVRARIAS LOYOLA E PRESIDENTE DA ANL (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE LIVRARIAS) ESTÁ HÁ 49 ANOS NO CENTRO DE SÃO PAULO. NESTA ENTREVISTA, ELE FAZ UMA ANÁLISE DO MERCADO LIVREIRO NA REGIÃO E APONTA COMO UMA DAS SOLUÇÕES PARA MOVIMENTAR O SETOR, A CRIAÇÃO DE PEQUENAS LIVRARIAS ESPECIALIZADAS.REPÚBLICA – Sua vida foi sempre

dedicada ao livro. Conte um pouco dessa trajetória até a criação da rede de livrarias Loyla. Canizela – Comecei nesse mercado trabalhando como office-boy. Aos 13 anos, era responsável pela entrega de livros na Editora Vozes, onde trabalhei durante 38 anos. Tornei-me gerente da Editora e abri sete filiais. Depois, decidi montar a Livraria Loyola.

REPÚBLICA – Quando foi fundada a ANL e qual o seu papel? Canizela – A Associação Nacional de Livreiros (ANL), da qual sou presidente, surgiu em 1978. Na época, os livreiros estavam preocupados com fato das editoras estarem vendendo livros didáticos diretamente para as escolas. Os objetivos dela são: congregar as livrarias existentes e defender seus interesses e incentivar a cultura através da promoção de debates e cursos. Em conjunto com a Câmara Brasileira do Livro (CBL), incentivamos a formação de novos leitores e a participação na Bienal do Livro. REPÚBLICA – Livrarias de shoppings centers também contribuíram para desestruturar o mercado livreiro do Centro? Canizela – Apesar da instalação de grandes redes,

inclusive em shopping centers, não vejo esse fato como o maior motivo para o fechamento das livrarias do centro. Estas redes, com exceção da livraria Cultura, vivem da venda de best sellers. Hoje o livreiro precisa fazer girar a sua mercadoria para pagar suas duplicatas. Isso faz com que necessitem não somente de livros de bom conteúdo, mas também que sejam vendidos com facilidade. Outro dilema a ser enfrentado é a reprodução em xerox. A qualificação dos vendedores e dos livreiros é outro desafio. Eles devem conhecer os livros profundamente. Além do espírito de liderança, um vendedor de livros deve conhecer o básico de todas as áreas trabalhadas no estabelecimento. REPÚBLICA – Na sua opinião, quais seriam as soluções para aquecer o mercado livreiro do Centro Novo de São Paulo? Canizela – Em primeiro lugar é necessário resolver o problema da circulação na área. Veja o caso dos estacionamentos, por exemplo. Na minha opinião eles só atrapalham o fluxo das ruas e não dão nenhuma segurança para quem deixa seus carros. Acho que deveriam existir linhas circulares de ônibus na área central, diminuindo assim as filas que tomam as calçadas e atrapalham o comércio. Com relação ao mercado de livros propriamente, a solução está na criação de pequenas livrarias especializadas, com foco em determinados segmentos, aproveitando o baixo custo dos imóveis na área central. Haveria assim uma diferenciação m relação às livrarias de shopping que para sobreviver precisam trabalhar com mercadorias de maior giro (best sellers), pois o custo da loja é muito alto. Outro caminho é a criação de uma grande rede de livrarias.

O LIVRO NO CENTRO

AÇÃO

| 43


Não apenas ocupar mas fazer da moradia e do trabalho um meio de transformação, dinamizando áreas urbanas degradadas. implantando um novo conceito de morar e trabalhar, incorporando novas formas de geração de renda e incentivando o

LOFTS PRODUTIVOS

44 | AÇÃO

RESUMO EXECUTIVO

empreendedorismo local.

Função

• Ser um modelo de intervenção urbana que atue

Transformar espaços vazios e prédios deteriorados

diretamente no desenvolvimento econômico e social

em espaços demoradia e de trabalho para jovens

do território

empreendedores sustentáveis

Público-Alvo

Objetivos

Jovens empreendedores entre 18 e 30 anos de idade,

• Atuar como um mecanismo de ocupação e/ou

preferencialmente em situação de desvantagem

recuperação de espaços desocupados e/ou deteriorados

social

através de construção e/ou reforma de prédios de uso

Local de Instalação

misto, nos quais jovens empreendedores podem viver e trabalhar na área central da cidade de São Paulo

A instalação da Sede do Programa e dos Lofts Produtivos será realizada na Vila Buarque,

• Reintroduzir o uso residencial na região, reduzindo a

potencialmente nas quadras 84 e 86 (edifícios em

demanda por transporte e aumentando suas condições

estado de conservação precária) ou quadras 69 e

de manutenção e zeladoria

90 (terrenos vagos ocupados por estacionamentos)

• Oferecer espaços de instalação de novos

de acordo com o estudo de Requalificação Urbana

empreendimentos a preços acessíveis para o público

realizado pela EMURB

jovem, evitando a especulação imobiliária decorrente

Impacto

de processos de recuperação e requalificação de

Atender 200 jovens empreendedores em 3 anos com

espaços urbanos

incubação de primeiros empreendimentos sustentados

• Promover o surgimento de uma comunidade de

e moradia

empreendimentos de perfil diversificado adaptada à

Parceiros

vocação econômica do território em que se inserem

Instituto Dialog e Núcleo Cooperativo Integra


A PRESENTAÇÃO

F U N Ç Õ E S

A Dialog – Instituto do Conhecimento, executora dos

O programa Lofts Produtivos baseia-se na transfor-

programas IniciativaJovem (em parceria com a Shell

mação de espaços vazios e prédios deteriorados em

Brasil Ltda) e Jovem Empreendedor Sustentável,

unidades práticas e atraentes para acomodar novos

acredita que a experiência e o sucesso adquiridos

empreendimentos sustentáveis e espaços de mora-

devem ser multiplicados para outros territórios do

dia para jovens empreendedores, criando uma nova

Brasil de forma a institucionalizar a capacidade de

política de habitação e trabalho voltada para as ne-

empreendedores e territórios para competir, prosper-

cessidades da população jovem. O jovem empreend-

ar e perdurar econômica e socialmente, aumentando

edor sustentável passa a ter garantido seus direitos de

o retorno do capital humano, social e financeiro

cidadão: direito de habitação e direito de estabeleci-

investido nessas iniciativas pela transformação de

mento de qualquer atividade econômica.

territórios em comunidades empreendedoras.

Trata-se de um instrumento de requalificação

O Instituo Dialog, Em parceria com o Núcleo Coop-

urbana, focado na atração de novos moradores e

erativo Integra - grupo interdisciplinar que realiza

empreendimentos para áreas da cidade caracter-

projetos integrados nas áreas de engenharia civil,

izadas pela ociosidade do patrimônio construído

arquitetura, urbanismo, saúde e segurança alimentar

e pela deterioração do perfil de suas atividades

no Estado de São Paulo – desenvolveu o programa

econômicas. Como benefícios correlatos espera-se

Lofts Produtivos visando a formação de uma comuni-

que o programa estimule a reversão da desvalori-

dade empreendedora na Vila Buarque, na área central

zação imobiliária da região, minimizando riscos de

da cidade de São Paulo.

processos especulativos descontrolados, e gere melhorias para a circulação interna a partir da redução do fluxo de veículos. Os jovens empreendedores AÇÃO

| 45


da redução de gastos com deslocamento, aliviando

A Vila Buarque foi caracterizada como uma área de

a pressão sobre sua renda mensal, e da desburoc-

intervenção urbana pelo Plano Diretor Municipal,

ratização do processo de abertura de novos negó-

desfrutando assim de Leis de Incentivo Coletivo

cios, atualmente excessivamente oneroso.

como o Direito de Preempção. A área apresenta

Os Lofts Produtivos não são apenas mais um projeto de realização de obras públicas, pois oferecem a oportunidade de criação de sinergias entre o poder público, o setor privado, organizações da sociedade civil e instituições de ensino. Caracterizam-se, então, por ser um modelo de geração de políticas públicas de juventude e de geração de trabalho voltadas para o incremento dos ativos do território,

outra vantagem competitiva: foi realizado, pela EMURB, um o estudo de Requalificação Urbana de Vila Buarque, o qual demonstra ser absolutamente viável uma nova lógica de ocupação do solo nessa micro-região. Em várias de suas quadras há prédios deteriorados e espaços desocupados. Neste sentido, algumas quadras poderão ser quase que completamente ocupadas por lofts produtivos.

o desenvolvimento de novos arranjos produtivos

Sabendo que o mercado imobiliário falha em não

locais e a inserção social do jovem em desvanta-

oferecer espaços para a instalação de negócios a

gem social sob os aspectos de geração de renda e

preços compatíveis com o perfil dos jovens em

moradia.

fase inicial de seu ciclo de vida empreendedora, o Programa Lofts Produtivos dispõe de uma estrutura

46 | AÇÃO

CARACTERIZAÇÃO DE PROUDOTS E SERVIÇOS

gerenciável, compartilhada e disponível para uso

Realizar a reocupação estratégica dos espaços urbanos

dos jovens empreendedores em fase de incubação

de Vila Buarque, no centro da cidade de São Paulo, é

de seus primeiros empreendimentos sustentáveis.

uma oportunidade única de promover um novo uso

Neste espaço, os jovens empreendedores receberão

do solo nessa região, otimizando as condicionantes

treinamento e mentoria no próprio local de trabalho,

políticas, sociais e econômicas identificadas pelo

e quando estiverem em fase de pós-incubação, terão

Plano de Requalificação Socioeconômica do Centro

a oportunidade de alugar e/ou adquirir seus imóveis

Novo de São Paulo, uma parceria entre a Shell Brasil

de trabalho e de moradia. A estrutura física de in-

Ltda, a Empresa de Urbanização Municipal (EMURB)

cubação de empreendimentos, localizada em prédios

e o Consórcio São Paulo Minha Cidade.

de uso misto, é concedida aos empreendimentos


certificados pelo Programa como a estrutura física de operação de negócios.

PERFIL DO JOVEM:

Os equipamentos necessários para a instalação de incubadoras, como lojas, escritórios de serviços, peças de design, ateliês, laboratórios como restaurantes, cafés, etc. serão originalmente de responsabilidade

TRABALHO • 13.800.000 jovens fazem parte da PEA brasileira

do Programa, que passará – ao término dos dois anos

• 8% nunca trabalharam e procuram emprego

de incubação – essa infra-estrutura operacional ao

• Dos jovens que estão trabalhando, 64% estão na informalidade

jovem empreendedor em um sistema tipo leasing financiado.

Fonte: IBGE, 1999

EMPREENDEDORISMO ESTRUTURA DE USO Os lofts produtivos são prédios construídos ou restaurados, cujo andar térreo e/ou primeiro andar seria ocupado por incubadoras de empreendimentos e, posteriormente, com micro e pequenos empreendimentos de jovens empreendedores. Em seu desenho arquitetônico, seria ideal pensar a criação

• 3.000.000 jovens brasileiros são empreendedores [1]; • A TAE (Taxa de Atividade Empreendedora) por necessidade de 47% [1]; • Existem no Brasil 207 incubadoras de empresas[2]; • Essas incubadoras são responsáveis pela criação de 3600 empreendimentos [2];

de um espaço também no andar térreo para uma

• Esses empreendimentos geraram 16.700 empregos[2];

lavanderia de uso de todos os moradores.

• 60% de insucesso para novos empreendimentos nos primeiros

O projeto arquitetônico de construção dos lofts deverá ser realizado por estudantes e professores de uma Faculdade de Arquitetura, de preferência local-

3 anos [3]. Fonte: 1 Global Entrepreneurship Monitor (GEM), 2003. 2 Panorama Anprotec, 2003. 3 SEBRAE, 2004.

izada no território, que passaria a ser uma parceira do Programa Jovem Empreendedor Sustentável.

AÇÃO

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