saraiva HANNA
Barbera O estúdio da alegria
Façam suas apostas: Revelações de 2010 apontam quem vai brilhar no cenário musical de 2011
GLAUCO MATTOSO O poeta aos 60
Hilda
HILST
e o espírito da Casa do Sol
ADRIANA CALCANHOTTO contaminada pelo micróbio do samba MAR/ABR 2011 • Ano 2 • Nº 3 • Distribuição Gratuita
editorial
Realizar cada edição da Revista SaraivaConteúdo é algo que nos toma cerca de dois meses. Entre escolher as pautas, apurá-las, criar os textos, o visual, negociar anunciantes e entrar em gráfica vai se moldando uma fatia de tempo, que de certo modo fica associada ao que é pensado para a revista naquele período. Neste verão, entre calor e tempestades, passando pelo intervalo do carnaval que demorou a chegar, tivemos o privilégio de conhecer em primeira mão o novo (e belo) álbum de Adriana Calcanhotto, O micróbio do samba. Ela nos recebeu em sua casa, no Rio de Janeiro, para uma conversa, ao cair da tarde, e contou sobre o brotar deste disco, a febre do samba tomando conta das canções e o processo de criação com os músicos em estúdio. Mergulhamos no universo de Hilda Hilst para entender o fascínio exercido pela Casa do Sol – o emblemático sítio onde a escritora criou grande parte de sua obra e viveu com escritores, amigos e pensadores – que agora motiva a criação do Instituto Hilda Hilst e um movimento para a sua preservação. Conversamos com o poeta Glauco Mattoso sobre os lançamentos e relançamentos de sua obra para celebrar os seus 60 anos. Privado da visão desde 1995, Glauco já escreveu mais de 4 mil sonetos, seu “maior vício, que serve de válvula para desabafar a revolta contra a cegueira”. Avistamos uma nova onda literária a caminho: histórias futuristas associadas aos anseios da vaidade parecem ser a nova pedida para os adolescentes. Pelo menos este fenômeno tem sido
observado em vários países e prepara-se para desembarcar por aqui. Revisitamos a história e os bastidores que levaram à criação da Hanna Barbera – fruto do encontro fortuito de William Hanna e Joseph Barbera que passaram a trabalhar lado a lado na MGM, em 1937 –, o principal estúdio de animação para a televisão no século passado, que nos legou Tom e Jerry, Os Flintstones, Os Jetsons e Scooby-Doo, entre dezenas de outros personagens e desenhos animados. Centramos o foco também no cinema documentário realizado no Brasil nos últimos anos, cuja produção e interesse por parte do público vem crescendo, e onde o Festival É Tudo Verdade – que chega a sua 16ª edição no Rio e em São Paulo a partir do dia 31 de março – tem um papel fundamental. E em meio à esta diversidade de assuntos, vimos os dias ficarem mais frescos, e uma nova estação se aproximar, abrindo outros ciclos e novidades que devem dar o que falar nas próximas edições. O gosto pela palavra é um vício. Mal se coloca um ponto final, já se quer recomeçar. Boa leitura!
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SARAIVACONTEÚDO MARÇO / ABRIL 2011
MAR/ABR. 2O11 06
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Revelações de 2010 apontam quem vai brilhar no cenário musical de 2011
Instituto Hilda Hilst reacende o espírito da Casa do Sol
24 Adriana
Calcanhotto e seus sambas por acaso
22 Literatura futurista
A nova febre no mercado editorial para jovens
32 O cinema documentário entre a realidade e a imaginação
44 Guia de Compras 46 Um trecho de o remorso de baltazar serapião, de valter hugo mãe
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Glauco Mattoso O poeta “pornosiano e barrockista” chega aos 60
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Joseph Barbera e William Hanna criaram o principal estúdio de animação para a televisão no século passado www.SARAIVACONTEUDO.com.br
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literatura | especial
Hilda Hilst, José Luís Mora Fuentes e Gisela Amaral, entre 1976 e 1977
Uma Casa deslumbrante O Instituto Hilda Hilst reacende o espírito da Casa do Sol, o emblemático sítio onde a escritora criou grande parte de sua obra e onde viveu com escritores, amigos e pensadores a partir dos anos 1970 até a sua morte em 04 de fevereiro de 2004 Por Claudia Barbosa Fotos Fundo Hilda Hilst / Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (CEDAE), Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas
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Hilda Hilst vive na Casa do Sol - sítio a 10 km da cidade de Campinas, estado de São Paulo. Lá está ela embaixo da frondosa figueira centenária, rodeada de cachorros, a trocar impressões metafísicas com seu amigo Caio Fernando Abreu. No dia da morte de Caio, em 25 de fevereiro de 1996, Hilda sabia que ele viria despedir-se dela. E foi o que aconteceu. Ela revela em entrevista que deu ao Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles (IMS), em 1999: “Ele veio com um cachecol que tinha uma fita vermelha. A gente tinha combinado: o vermelho ia significar que estava tudo bem. Eu abracei o Caio, muito, e disse: ‘Nossa, como você está bonito! Está jovem!’. Mas ninguém acredita”. São encontros que não morrem. Mágicos, eternos. Morte e vida se fundem na excepcional obra de Hilda Hilst. O surgimento da escritora Hilda Hilst e da Casa do Sol Nascida em Jaú (SP), bacharel em direito, filha de Apolônio de Almeida Prado Hilst e Bedecilda Vaz Cardoso, Hilda surge de uma relação de amor, como ela própria diz na referida entrevista: “Meu pai e minha mãe tiveram uma paixão daquelas de perder mesmo o senso.” E este lugar de suspensão deste grande amor parece permanecer na busca de Hilda Hilst. Amor distante, reverente, não completamente vivido, mas amor contado por sua mãe e sentido profundamente por ela própria desde pequena. Seus pais se separaram quando Hilda ainda era muito nova. Amor engolido, interrompido. E Hilda acrescenta: “Desde o início minha mãe tinha problemas com a família dele; naquela época um Almeida Prado só se casava com um Almeida Prado. Eles acabaram se separando quando eu era bem pequena. Apesar da separação, minha mãe falava dele sem parar, do amor que tinha por ele”. Morando com a mãe, veio a rever seu pai somente aos 16 anos. Adolescente repleta de expectativas, “empoçada” de admiração pelo poeta, escritor, e pai. Já esquizofrênico à época, Apolônio chega a confundir Hilda com a mãe, e acaba por lhe pedir “só três noites de amor”. Apesar do constrangimento deste encontro quando jovem, Hilda Hilst sempre disse ter conseguido separar a vida dele como louco, da vida que conheceu através da mãe. Hilda dizia ter feito sua obra para o pai: “Quase todo meu trabalho está ligado a ele porque eu quis. Eu pude fazer toda minha obra através dele. Meu pai ficou louco, a obra dele acabou. E eu tentei fazer uma obra muito boa para que ele pudesse ter orgulho de mim. Então eu me esforcei muito. Meu pai foi a razão de eu ter me tornado escritora”. O pai de Hilda escrevia em jornais de Jaú entre os anos 1920 e 1930. Nestes textos é possível perceber de que escrita Hilda falava, e que herança singular e revolucionária ela absorveu. Como neste trecho de Apolônio Hilst: “O casamento é uma
A escritora no pátio da Casa do Sol, em dezembro de 1969
imoralidade. Faz do que temos de mais sagrado, o amor, uma coisa legal, isto é, pública e indecente...”. Quando estava na faculdade de direito, Hilda conhece a também escritora Lygia Fagundes Telles. A partir deste encontro tornaram-se amigas por toda a vida. A solidez desta amizade pode ser percebida no texto escrito por Hilda para o Cadernos do IMS de 1998, dedicado a Lygia e sua obra: “Quero demais morrer segurando a mão da Lygia, porque sei que ela vai entender tudo nessa hora H. Ela vai dizer: ‘Hilda fica calma e tal que é assim mesmo’”. Na época que conheceu Lygia, Hilda Hilst tinha não mais que 18 anos e já escrevia de tal forma a dar os primeiros sinais da obra que nascia: “Somos iguais à morte, ignorados e puros e bem depois o cansaço brotando nas asas seremos pássaros brancos, à procura de Deus”. Como nos revela a entrevista concedida ao IMS, tais escritos levaram ao comentário promissor da escritora Cecília Meireles à jovem Hilda Hilst: “Quem disse isso precisa dizer mais”. Em 1963, Hilda conhece o escultor Dante Casarini, que viria a se tornar seu primeiro marido. Era período de festas, beleza e extroversão, todavia Hilda parecia guardar um dilema interior.
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literatura | especial
Estava à beira de uma importante escolha. Escrever significaria abrir mão desta vida, do mundo que se expõe, optando por um mundo que pulsava em si. Desvelar o incerto. Foram possivelmente as influências do escritor grego Nikos Kazantzakis, de quem Hilda gostava sobretudo de Carta a Greco (Editora Ulisseia, Lisboa, 1961), que lhe deram as primeiras luzes para o que viria: “Toda a minha vida é um grito e toda a minha obra a interpretação desse grito”. Era preciso isolar-se para aprofundar a escrita, e fazer de sua obra o grito de sua alma. Hilda convida Dante a viver em um sítio que era de sua mãe. Ele aceita e os dois começam a construção da casa, que seria a futura Casa do Sol. Dante e Hilda têm muitas afinidades, dentre elas o amor pelos cães. Aqui começa então a história da Casa do Sol. A partir daí, e da mesma forma que Hilda fez sua escolha, e também Dante, foram muitos os que escolheram por lá passar ou viver: Lygia Fagundes Telles, Ana Lúcia Vasconcelos, José Mora Fuentes, Olga Bilenky, Milton Bernardes, Maria Luíza Mendes Furia, Edson Duarte, Caio Fernando Abreu, Léo Gilson Ribeiro, José Castello, Bruno Tolentino, Yuri Vieira, Daniel Bilenky Fuentes entre outros. Um comentário do jovem escritor Yuri Vieira ilustra bem o impacto destes encontros na Casa do Sol: “Hilda Hilst me ensinou que a vocação literária, o chamado da Literatura, se dá tal qual o convite a participar do Reino dos Céus: dirige-se à criança eterna que existe dentro de você. A faceta adulta de um escritor sempre duvida de seus talentos, mas sua criança interna jamais deixa de acreditar! Porque, afinal de contas, é ela quem de fato cria. Havia dias em que eu e Hilda ficávamos a conversar como se ambos tivéssemos dez anos de idade.”
A Casa do Sol em busca da imortalidade Na edição do Cadernos do IMS de 1999 dedicado à Hilda Hilst, há o texto da amiga Lygia em sua homenagem, intitulado “Da amizade”. No parágrafo final, Lygia relembra os planos, os sonhos de formarem uma “espécie de comunidade” com os amigos reunidos, “bordando almofadas”, “lareira acesa”, “num clima como nos clássicos museus”. Talvez pudéssemos nos transportar para a Casa do Sol utilizando esta imagem terna de Lygia, mas imaginando este belo quadro em movimento permanente. Novos personagens, cores, temas, descobertas em fluxo constante. O escritor José Mora Fuentes, que viria a ser um dos herdeiros da Casa do Sol, viveu 30 anos lá. Muito jovem conheceu Hilda e, encantado com sua obra, recebeu dela grande influência. Tinham trocas fecundas para o trabalho literário de ambos. Mora Fuentes faleceu em 2009 e, hoje, seu filho Daniel Fuentes preside o Instituto Hilda Hilst – Centro de Estudos Casa
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Hilda aos 12 anos, com os cães Pitti e Fine
do Sol (www.hildahilst.com.br/instituto.php), criado pelo pai. Questionado sobre a afinidade dos dois, Daniel enfatiza: “meu pai e Hilda eram irmãos de alma, como diziam. Tiveram uma relação amorosa em um período, mas o que ficou foi mesmo a alma. Foi a relação de amizade mais bonita que eu já vi; inclusive de troca intelectual”. Depois da morte de Hilda, em 2004, evidenciaram-se vários problemas financeiros e fundiários na Casa do Sol. Com o falecimento de Mora Fuentes, Daniel e sua mãe, Olga Bilenky, estão à frente do projeto de reerguer a Casa do Sol, tornando-a um patrimônio cultural vivo. Olga, artista plástica, amiga de Hilda Hilst, viveu na Casa do Sol por 20 anos e hoje está engajada, junto com o filho, nas atividades em prol do Instituto. Nestes últimos anos, grandes avanços ocorreram. Além da renegociação das dívidas, o início do processo de tombamento da Casa do Sol foi um marco importante. Não por acaso, aconteceu em 21 de abril de 2010 – data em que Hilda faria 80 anos. Daniel nos conta que foi gerado na Casa do Sol e que, embora morando em São Paulo, suas férias de verão eram sempre lá. Tem lembranças encantadoras destes tempos: “Eu era
criança, fui crescendo em meio àquele convívio. A memória mais antiga que tenho é do lançamento do Amavisse (Massao Ohno, 1989). Lembro muito das crônicas. Esta é a memória mais fantástica que tenho. Eu já era mais velho. Hilda escrevia periodicamente para um jornal. E antes de enviar para o jornal ela lia para nós em voz alta, no café da manhã, na Casa do Sol. As crônicas são ótimas, engraçadas. Hoje estão publicadas em Cascos e carícias – Crônicas reunidas, 1992-1995 (Nankin, 1998, 1. ed.; Globo, 2007, 2. ed.)”. Nestes últimos dois anos, segundo Daniel, as conquistas em relação ao Instituto foram inúmeras, mas muito voltadas a sanear problemas legais e financeiros: “Nos relacionamos mais com a secretaria de finanças do que com a de cultura”. Uma vez tendo sido encaminhada esta etapa, já parece ser possível vislumbrar o futuro. Daniel tem por objetivo resgatar o espírito da Casa do Sol, ou seja, mantê-la como o “porto seguro” do artista: “É um patrimônio cultural por tudo que lá aconteceu. Esta escolha que Hilda fez foi a mesma que todos que lá moraram fizeram, meu pai, Caio e muitos outros. A Casa era o fôlego, o porto seguro.” Dentre as ideias para o Instituto, além da necessária reforma da Casa, Daniel salienta três principais iniciativas que gostaria de estimular: o teatro, a residência de bolsistas e a biblioteca. “Há um eco forte da obra de Hilda com o teatro. Seria ótimo ter um espaço para grupos amadores que queiram desen-
volver novas linguagens. E ainda: ter de fato uma residência para bolsistas; e aprimorar a biblioteca da Hilda que já existe lá. Hilda escrevia muito nos livros, os personagens e histórias dela surgem nestes escritos.” Este projeto do Instituto vem mobilizando amigos e intelectuais. Lygia Fagundes Telles esteve bem ativa nas iniciativas para o tombamento, e tem se mostrado disposta a auxiliar na concretização do projeto. Neste sentido, o depoimento do crítico literário José Castello resume bem a preocupação e desejo de muitos. Ele nos diz que, embora não tão próximo do projeto, é “um fervoroso admirador dos que lutam pela preservação do sítio de Hilda. É uma casa mágica, ali se guarda não sua história, mas seu espírito. Na figueira imensa que existe no quintal. Nos cachorros, dezenas. No grande pátio interno, ao estilo espanhol. Nos livros. Na cozinha, em que passamos longas tardes conversando, ela tomando seu uísque e eu tomando meu café. Sim, é uma casa que deve ser preservada e cultuada, que faz parte da história da literatura brasileira”. O curioso é que a própria Hilda Hilst já tinha planos bastante ambiciosos para aquele local. Ela revelou suas expectativas muitas vezes em entrevistas; por exemplo, ao IMS: “Tenho tanta vontade de fazer aqui uma fundação, a Fundação Apolônio de Almeida Prado Hilst, que cuidaria de estudos psíquicos e da imortalidade”. Em outro ponto da entrevista, ela detalha: “Aí viriam escritores interessados nessas coisas [vida após a
A obra de Hilda Em um poema da coletânea Do desejo (Pontes, 1992, 1. ed.; Globo, 2004, 2. ed.), Hilda parece transmitir a gênese da sua escrita:
“Empoçada de instantes, cresce a noite Descosendo as falas. Um poema entre-muros Quer nascer, de carne jubilosa E longo corpo escuro. Pergunto-me Se a perfeição não seria o não dizer E deixar aquietadas as palavras Nos noturnos desvãos Um poema pulsante Ainda que imperfeito quer nascer. Estendo sobre a mesa o grande corpo Envolto na sua bruma. Expiro amor e ar Sobre as suas ventas. Nasce intensa E luzente a minha cria No azulecer da tinta e à luz do dia”
A brincadeira do desvelar do imperfeito como perfeição absoluta. O próprio poema é o herói capaz de ousar o “nãodizer”. Hilda deixa claro que é preciso que haja um ritual, uma morte, uma transcendência, um sopro capaz de o fazer nascer, ser poema, se poemizar. Há ao mesmo tempo ternura, pensamento pulsante e crueza nestes versos. Sobre este poema, o crítico literário José Castello acrescenta que este “nãodizer” de que nos fala Hilda é “o ideal do escritor. Dizer tão bem, dizer tudo, esgotar, e chegar ao silêncio. Hilda apreciava o silêncio de seu sítio, as tarde quietas, os ventos, o barulho dos bichos – tudo o que é anterior à palavra. Escritores como ela conhecem bem o quanto a palavra guarda de artificial e também de insuficiente. Escrever provoca sempre grande frustração – e Hilda vivia essa frustração de forma dramática”.
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No jardim da Casa do Sol, com quatro de seus cães, entre 1972 e 1973
morte], fariam estudos, conferências. Eu deixaria esta casa, alguns terrenos e tal para sustentar esta fundação”. Sobre este desejo declarado por Hilda em vida, Daniel Fuentes nos diz que acredita “que tudo que ela falou sobre transformar o Instituto em uma Fundação acabe por se materializar neste projeto que estamos pensando”. Mas alerta: “Um Instituto deste porte custa caro. Precisa ter fôlego para manter. O que quero é fazer algo viável, fazer com que a coisa se realize. Não precisa ganhar dinheiro. Acredito que hoje no Brasil temos condições de conseguir isto, viabilizando parcerias; tornandose o porto seguro para o artista que precisa disto”.
Deslumbrante Hilda Hilst utilizava esta palavra nos mais diversos contextos. Por isso hoje, por entre amigos que compartilharam a Casa do Sol, é muito comum ouvir o “deslumbrante” de Hilda, em tom de cúmplice brincadeira, uma forma de sentir a sua presença e trazê-la de volta ao grupo. “Deslumbrante” parece ser uma palavra generosa, ou mesmo sagrada para Hilda Hilst, no sentido de acolher do obsceno ao
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sublime. A Casa do Sol, a física quântica, sua própria obra, a fenomenologia, muitos amigos e livros – tudo que a movia era deslumbrante. Na entrevista ao Cadernos do IMS, Hilda talvez explique a origem do termo: “Aí minha mãe engravidou. Quando ele [o pai] soube que era uma menina, falou daquele jeito. Uma palavra que me impressionou demais: azar. Aí eu quis mostrar que eu era deslumbrante”. Castello, ao ser indagado sobre o que seria o deslumbrante de Hilda, se arrisca a traduzir: “Creio que expressa o imenso assombro que Hilda tinha diante das coisas. Seu espanto com as coisas do mundo e com as pessoas. Seu atordoamento. A palavra fala de sua sensibilidade radical, do modo como as coisas e os eventos não só a tocavam, mas a devastavam. Hilda pagou um alto preço por essa sensibilidade especial. Afogou parte desse espanto no álcool. Soube transformá-lo em amor intenso, pelas criaturas mais simples – por exemplo, seus lendários cachorros, cegos, pernetas, doentes, velhos, que ela apanhava das ruas, para salvar. Todo escritor deseja, um pouco, salvar o mundo. Salvar o homem das misérias de existir. Todo escritor se apega a deslumbramentos. Hilda foi um exemplo extremo disso”.
O escracho às avessas O caderno rosa de Lori Lamby (Massao Ohno, 1989, 1. ed.; Globo, 2005, 2. ed.): “Querido tio Lalau: o senhor foi o único que falou uma coisa bonita do meu caderno rosa. Que agora eu não lembro mais mas na hora que o senhor falou eu gostei. Sabe, tio, queria muito que o senhor guardasse um segredo comigo. Eu ainda estou na casa do tio Toninho e da tia Gilka e papi e mami estão lá onde o senhor sabe, na casa grande de repouso. Eles estão demorando para repousar, não é, tio? Mas olha, tio, o segredo é que eu estou escrevendo agora histórias para crianças como eu e só quero mostrar para o senhor pra ver se essas também o senhor quer botar na máquina. Eu acho que elas são lindas. São histórias infantis, sabe, tio. Se o senhor gostar eu posso fazer um caderno inteiro delas. [Lori]” Em determinado momento, Hilda diz ter “finalmente” escrito para o público, para ser lida. O assombro foi geral, como nos conta a jornalista e amiga de Hilda, Ana Lúcia Vasconcelos, em entrevista concedida a Amanda Bigonha Salomão, em 2009: “Quando [Hilda] escreveu O caderno rosa de Lori Lamby nós ficamos escandaliza-
dos. Eu estava lá quando ela leu um trecho de O caderno rosa – eu, o Leo Gilson [Ribeiro], o [Décio de] Almeida Prado e outros amigos. E ficamos mudos, quando ela terminou. Ficamos pasmos, sem palavras. Eu fiquei abaladíssima, achei que seria o fim dela como escritora genial, mas não foi. E o Leo rompeu amizade com ela; depois retomou, lógico. Enfim, foi uma catástrofe relativa, porque ao contrário do que pensávamos foi a partir destes textos que ela começou a ser mais conhecida. E daí que escreveu outros dois: Contos d’escárnio/ Textos grotescos (Siciliano, 1990, 1. ed.; Globo, 2002, 2. ed.) e Cartas de um sedutor (Paulicéia, 1991, 1. ed.; Globo, 2002, 2. ed.). Lendo mais distanciada, achei a trilogia genial como tudo dela, porque afinal eram eróticos, mas cheios de cultura, com aquela mesma linguagem inovadora e comecei a rir muito lendo os livros. Aliás, gargalho lendo os livros da Hilda, mesmo os outros, porque como ela mesma dizia, colocava uma dose de humor em tudo para ‘a corda não ficar muito esticada e dar um tempo para o leitor respirar’”.
música
Façam suas
APOSTAS Artistas que despontaram em 2010 dão seus palpites de quem deve ser destaque na cena musical brasileira neste ano Por vicente condorelli
Humor ácido Antes de entrar em estúdio para gravar seu disco de estreia, Tulipa Ruiz não imaginava o turbilhão que passaria por sua vida. Desde o lançamento de Efêmera no ano passado, a jovem cantora recebeu elogios entusiasmados de críticos e fãs. A edição brasileira da revista Rolling Stone elegeu Efêmera como o melhor disco nacional de 2010. E a canção título do álbum recebeu o prêmio de música do
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Tulipa Ruiz
DivulgaÇÃo
Em 2010 eles estiveram nas paradas musicais de todo o país. Vindos de diferentes vertentes da música brasileira, Thiago Pethit, Tulipa Ruiz, Móveis Coloniais de Acaju, Luan Santana, Restart, Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, Karina Buhr, Vitor Garbelotto e Paula Fernandes deram o que falar no último ano. Mesmo quem não é ligado em música, em algum momento de 2010 ouviu um desses nomes. Alguns foram campeões de vendas e angariaram fãs por todo o Brasil, outros tiveram seus trabalhos incensados pela crítica especializada. Em comum entre eles, reconhecimento, prêmios, sucesso e uma grande expectativa para o futuro. Ao serem questionados sobre quem seriam os seus sucessores como as novas revelações musicais de 2011, surgiram respostas que dizem muito da personalidade de cada um. E além de conhecer mais intimamente os destaques do cenário musical do ano passado, ganhamos de brinde um panorama musical com as possíveis revelações da música em 2011. Guarde bem os nomes a seguir, em pouco tempo você vai ouvir falar deles.
Rafael e os Monumentais
Thiago Pethit
Darren Keith
Leandro Ribeiro
ka
ano da mesma publicação. Com uma voz ao mesmo tempo doce e pulsante, Tulipa escreve e interpreta suas canções com autoridade de gente grande. “Eu fiquei muito surpresa com a recepção do álbum. Depois do lançamento do disco tudo mudou. A internet tem uma participação muito grande no retorno do meu trabalho. Mas foi muito bom ver que o disco ainda tem peso”, diz a cantora. Tulipa acredita que 2011 será o ano do paulistano Rafael Castro, de 24 anos. O cantor e compositor tem nove discos lançados diretamente na internet e disponíveis para download gratuito [www.myspace.com/Sabesp]. Em fase de mixagem do seu décimo álbum, Rafael se apresenta atualmente com a banda Os Monumentais. Suas canções trazem o humor ácido do bom rock sem firulas. “O Rafael é um virtuoso. Ele fez nove discos quase sozinho, tocando todos os instrumentos. Também gosto da maneira que ele disponibiliza sua música na internet. Acho que ele vai estourar esse ano”, afirma Tulipa.
Cabaré fashion Thiago Pethit é um cantor do mundo. As canções do seu disco de estreia Berlim, Texas são cantadas em inglês, francês e português. Com artigos elogiosos em publicações estrangeiras como o diário inglês The Guardian, Thiago criou um cabaré musical misturando Berlim e Texas e aconteceu. Suas letras melancólicas e confessionais ajudaram o cantor/ator a ganhar prêmios como o Aposta VMB, da MTV, e elogios de nomes como Caetano Veloso. “Ano passado foi um divisor de águas. Eu sinto que muita coisa mudou com o disco e eu também tive um crescimento”, garante Thiago. O cantor aposta que 2011 será o ano da cantora ka. A ex-modelo, que rodou o mundo com o trio francês Nouvelle Vague, prepara o lançamento do primeiro disco solo. Dona de uma beleza estonteante, ka bebe na mesma fonte de Pethit. “A Karina fez muito sucesso fora do Brasil com o Nouvelle Vague. Ela faz um som novo, canta em outras línguas e compõe muito bem”, explica o cantor.
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música Fenômeno teen Goste ou não da música do Restart, é impossível negar que 2010 foi o ano dos garotos. Pe Lanza, Koba, Pelu e Thomas ultrapassaram a esfera da música e se transformaram no maior fenômeno teen brasileiro dos últimos anos. A agenda de shows está lotada, os discos vendem como água, as fãs se multiplicam e até uma biografia dos garotos, escrita pela jornalista Fátima Gigliotti, já será lançada em abril pelo selo Benvirá, da Editora Saraiva, com tiragem inicial de 40 mil exemplares. “O ano passado mudou nossas vidas. Em seis meses tudo aconteceu. Éramos apenas uma banda de amigos do colégio e quando vimos estávamos ganhando prêmios e fazendo shows pelo Brasil”, diz Pelu, guitarrista do Restart, que já vendeu mais de 50 mil cópias do seu primeiro CD.
A aposta de Karina para 2011 segue a mesma trilha da artista baiana criada em Pernambuco. Anelis Assumpção tem genes musicais. Filha do lendário Itamar Assumpção, Anelis parece estar cercada das pessoas certas. Quem já viu a artista ao lado de Céu e Thalma de Freitas interpretando a canção “Bubuia” sabe do talento dessa cantora, compositora e percussionista. Sua voz grave e uma atitude descompromissada valorizam o trabalho dessa paulista que lança seu primeiro disco solo neste ano. “As composições da Anelis têm a cara dela. Adoro o jeito dela de cantar. Sua voz também tem muita personalidade”, resume Karina.
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Restart
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Malemolência Karina Buhr já tinha conhecido o afago da crítica com sua banda Comadre Fulozinha. No entanto, o lançamento do primeiro disco solo, Eu menti pra você, levou o trabalho da cantora para outra esfera. Eleita a artista revelação de 2010 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Karina brilhou ao misturar música regional com batidas eletrônicas. Seu azeitado álbum solo tem a participação de nomes de peso como Marcelo Jeneci, Fernando Catatau e Edgar Scandurra. A caprichada produção é outro ponto alto do disco.
Diogo Ciarlarielo
Anelis Assumpção
Kiko Ferrite
Karina Buhr
O Restart aposta que, em 2011, outra banda teen chegará ao estrelato. Trata-se do CW7, composto por três irmãos (Pipo, Leo e Paulo) e uma prima (Mia), da família Witchoff. E o sucesso do CW7 parece já ter começado. O videoclipe da música “Será você” soma quase meio milhão de acessos no YouTube. O som do CW7 lembra muito o pop feito pelo Restart. Ainda no primeiro semestre deste ano, o grupo lança seu novo CD, com produção de Guto Campos. “Eles são uma banda diferente, com o vocal feminino. O CW7 está chamando a atenção das pessoas. A banda deles passa pelas mesmas coisas que vivemos no ano passado”, afirma Pelu.
Vitor Garbelotto
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Meretrio
Gabriel Wickbold
CW7
Talento erudito O violonista Vitor Garbelotto estreou em disco com um trabalho arriscado. Garbelotto decidiu gravar a obra integral de violão de Radamés Gnattali (1906–1988). O arranjador, compositor e pianista foi uma das figuras mais emblemáticas da música brasileira. Radamés, que sempre passeou entre o erudito e o popular, era parceiro de nomes como Pixinguinha e Tom Jobim. O risco provou ser válido. O disco de Garbelotto, Radamés Gnattali: integral para o violão solo, foi sucesso de crítica e gerou prêmios como o de artista revelação da música erudita de 2010 da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). “Eu me dediquei sete anos para realizar esse disco. Ano passado foi super produtivo. Muitas pessoas ficam surpresas quando veem um cara novo fazendo esse trabalho. A música do Radamés é diferente de tudo que eu já tinha ouvido, por isso decidi fazê-lo”, explica. E a aposta de Garbelotto para 2011 também vem do cenário instrumental. O violonista acredita que o grupo Meretrio – formado em 2003 pelos músicos Emiliano Sampaio, Gustavo Boni e Luiz Andre “Gigante” – encontrará o seu nicho de mercado. O Meretrio lança seu quarto disco neste ano. Um aperitivo do que está por vir é dado durante os shows do grupo, que apresenta um repertório dividido entre composições
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originais e releituras de standards da música instrumental. “O Meretrio faz um trabalho sério e conta com grandes músicos. O Emiliano, na minha opinião, é um dos melhores guitarristas brasileiros”, finaliza Garbelotto.
Lucas Azevedo
música
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Independência O Móveis Coloniais de Acaju sempre se orgulhou de ser independente. Uma das bandas mais interessantes a surgirem no cenário indie da música brasileira, o Móveis caiu nas graças da crítica com o segundo disco C_mpl_te, lançado em 2009. A popularidade veio com canções de fácil assimilação. No início deste ano, o grupo lançou o primeiro DVD, gravado ao vivo no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. No registro, a apresentação elétrica da banda que venceu o prêmio Experimente de 2010, do canal Multishow. Para Esdras Nogueira, saxofonista do grupo, o momento musical do Brasil é estimulante: “Está sempre surgindo algo legal”.
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Leonardo Wen
Móveis Coloniais de Acaju
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Grupo Cascadura
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O músico acredita que 2011 será o ano do fortalecimento do trabalho de artistas como Gaby Amarantos e a banda Nevilton. A cantora paranaense que fez o tecnomelody, o eletrônico do Pará, conhecido em todo o Brasil, garimpa as músicas para o disco de estreia que será lançado ainda em 2011. O repertório promete misturar guitarrada, carimbó e, claro, tecnobrega. Já a banda Nevilton, do Paraná, teve o ano de 2010 marcado por elogios ao EP Pressuposto. O frescor do grupo formado por Nevilton de Alencar, Thiago Lobão e Eder Chapolla despertou o interesse da crítica especializada.
Com músicas que não deixam ninguém parado, em refrões simples e certeiros, o trio gera uma grande expectativa sobre o primeiro disco. A força do Recôncavo baiano O ano de 2010 foi marcado por prêmios para Letieres Leite e a Orkestra Rumpilezz. No Teatro Municipal do Rio de Janeiro, durante o 21º Prêmio da Música Brasileira, os 20 músicos da orquestra subiram duas vezes ao palco para receberem os prêmios de Revelação do Ano e Melhor Grupo Instrumental. “Foi um ano que marcou nossas vidas. Ganhamos espaço no cenário da música de uma forma espontânea e positiva”, garante Letieres. Formada pelo arranjador e maestro Letieres Leite, a Orkestra Rumpilezz tem inspiração na cultura do centro de Salvador, no candomblé e em agremiações percussivas como o Ilê Ayê e o Olodum. A orquestra se prepara para gravar um DVD e ainda excursionar por 20 cidades brasileiras em 2011. E quanto às apostas musicais do grupo, Letieres Leite deixa o seu recado: “O Brasil é pulsante ao falarmos de música. É pos-
sível destacar um movimento entre os compositores da Bahia que é bastante profundo. São músicos que estão comprometidos com a cultura afro-baiana”, diz o maestro. Entre os nomes que participam deste movimento, Letieres destaca o grupo Cascadura e a cantora Márcia Castro.
Paula Fernandes
Emoções Quando Paula Fernandes subiu ao palco montado na praia de Copacabana, no final de 2010, para participar da gravação do especial de fim de ano de Roberto Carlos, a sensação era de dever cumprido. Em um vestido azul que realçava suas belas formas, Paula chamou a atenção do país inteiro. “Ela é linda e maravilhosa em tudo que faz”, disse Roberto. O reconhecimento da mídia apareceu em um momento oportuno para a cantora, que está na batalha pelo seu espaço há mais de 18 anos. O CD e DVD Paula Fernandes ao vivo, lançado no início de 2011, lidera diversas listas dos mais vendidos e prova que o sertanejo pop romântico veio para ficar. “O ano passado foi de plantio e semeadura. Ainda tenho muito o que fazer e aprender, mas acredito que vivo um momento de colheita pelos anos de trabalho”, explica Paula.
Guto Costa
Para a cantora, o ano de 2011 será de afirmação de um nome que brilhou nos últimos dois anos na música brasileira: Maria Gadú. “Ela é uma excelente cantora e violonista. A Maria Gadú tem tudo para continuar fazendo sucesso por muito tempo”, finaliza.
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Luan Santana
Meteoro Sertanejo Com apenas 19 anos, Luan Santana recebe hoje um dos maiores cachês da música brasileira. Quem quiser ter um show do astro sertanejo terá que desembolsar em média R$ 500 mil. Ao longo do ano passado, Luan fez mais de 250 shows por 26 cidades brasileiras. “Lançamos o DVD no final de 2009, mas foi em 2010 que o Brasil começou a conhecer minha música através de programas de TV e dos shows que apresentamos pelos quatro cantos do país”, explica o jovem cantor, que lança o segundo DVD, com participações de Ivete Sangalo e Zezé Di Camargo e Luciano, em abril deste ano. Luan não vê novas revelações musicais surgindo na música sertaneja em 2011. “Eu acho que o segmento sertanejo não contará com nenhuma novidade neste ano. O mercado dá sinal que os artistas que fizeram sucesso em 2010 continuarão em 2011 com novos trabalhos. Mas espero que em 2012 apareçam novos nomes para a música sertaneja”, diz o cantor.
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animação
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d a a b B b Joseph Barbera criou, junto com William Hanna, aquele que foi o principal estúdio de animação para a televisão do século passado, e por décadas vem garantindo alegria e bom humor a crianças de todas as idades Por Bruno Dorigatti
É quase impossível alguém ter crescido no mundo ocidental depois dos anos 1960 sem ter contato com a criação de William Hanna e Joseph Barbera. Os dois foram responsáveis por todo um universo lúdico, que habita a memória dos adultos que conviveram com a televisão. Basta mencionarmos os nomes de Tom e Jerry, Os Flintstones, Zé Colmeia, Os Jetsons, Scooby-Doo e Manda-Chuva. Ou ainda Dom Pixote, Pepe Legal, Homem Pássaro, Formiga Atômica, Jonny Quest e Zé Buscapé. A lista não para por aí, mas estes bastariam para ativar a memória afetiva de quem conviveu com os personagens, acompanhou suas aventuras e ainda se lembra de algum jargão ou trilha sonora dos desenhos. Tudo isso só foi possível devido ao encontro um tanto casual dos protagonistas desta história, William Hanna e Joseph Barbera — que completaria 100 anos em 24 de março —, fundadores da companhia que leva seus sobrenomes. William Hanna, cujo centenário foi comemorado no ano passado, começou aos 20 anos como editor e letrista em um estúdio independente. Depois de ter trabalhado como contador, Joseph Barbera entrou para os Estúdios Van Beuren aos 21 anos. Ambos iriam se encontrar na Califórnia, quando passaram a trabalhar um ao lado do outro na Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), em 1937. Foi no estúdio que criaram, junto com Fred Quimby, o primeiro desenho animado de uma longa e prolífica parceria. Tom e Jerry subverteu a ordem vigente dos filmes de animação ao arriscar o riso através de uma violência imaginada e possível somente na fantasia. Em 1945, Jerry chegou a dividir a tela do cinema com ninguém menos que Gene Kelly dançando “The
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ba-d o o Joseph Barbera e William Hanna. Comparável a eles, só Walt Disney
worry song”. A dupla que protagoniza a clássica perseguição entre gato e rato ganhou sete Oscars de melhor curta de animação, entre 1943 e 1952. Mas a parceria deslancha mesmo quando a MGM resolve fechar seu departamento de animação em 1957, e os dois se unem para criar o Hanna-Barbera (HB). “No início do mercado de animação, o único cliente eram as companhias cinematográficas, que tinham até estúdios próprios para a criação de desenhos animados. Mas a chegada da televisão criou uma série de novas oportunidades e o Hanna-Barbera foi o primeiro grande estúdio a produzir material exclusivo para a TV. Nesse sentido, a empresa foi fundamental em um momento de transição na história dos desenhos animados de uma mídia para outra”, afirma André Morelli, autor dos livros Super-Heróis nos desenhos animados (Europa, 2010) e Super-Heróis no cinema e nos longas-metragens da TV (Europa, 2009) e redator da revista Mundo dos Super-Heróis.
diferente: para criar uma série de TV, eles teriam que produzir muitos episódios em pouco tempo e com um orçamento muito menor do que eles estavam acostumados nos tempos da MGM”, continua Morelli. A estreia se deu no mesmo ano de criação da HB, em dezembro, no canal NBC, com The Ruff and Reddy Show, conhecidos aqui como Jambo (o gato) e Ruivão (o cachorro). Ainda no final da década, criaram Pepe Legal, Olho Vivo e Faro Fino, Dom Pixote e Mister Magoo. “O traço era mais estilizado, as cores eram chapadas, havia muita repetição de cenas para economizar no trabalho dos animadores e cada episódio tinha cerca de quatro minutos. Era uma forma de driblar as limitações, e tornou viável a produção de desenhos animados para a TV”, acrescenta.
Até então, os desenhos animados eram produzidos para o cinema, já que a televisão, surgida no início dos anos 1950, ainda não havia tomado conta dos lares norte-americanos. Os filmes animados tinham custos elevados, que nem sempre eram cobertos com a bilheteria. Ao criarem desenhos mais curtos e menos dispendiosos, com cenários mais simples e menos detalhados, a dupla conseguiu equacionar o que parecia impossível. Passaram a fazer duas horas e meia de animação por semana, enquanto anteriormente se levava um ano para chegar a 40 minutos. “O problema é que era um mercado completamente
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Mas a conquista definitiva do público aconteceria na década seguinte. Nos anos 1960, Os Flintstones e seu peculiar e arquetípico retrato da tradicional família suburbana norte-americana – com a diferença de ser ambientada na Idade da Pedra – conseguiu emplacar no horário nobre. Foi o primeiro desenho com personagens humanos, em episódios de meia hora, e a partir daí, tudo mudou no que diz respeito aos desenhos animados na televisão. Naquela década surgiram Zé Colmeia e Scooby-Doo, Os Jetsons e A Formiga Atômica, A Tartaruga Touché e o Coelho Ricochete, Bob Pai e Bob Filho, Corrida Maluca e Jonny Quest, Space Ghost e Os Herculoides, Space Ghost e Wally Gator. Seja humanizando animais ou criando super-heróis, a Hanna Barbera construiu uma incrível, e até então impensável, linha de produção de personagens e situações muito mais próximas da nossa realidade do que os desenhos de Walt Disney, o único estúdio com produção comparável. E apesar de não ter criado um ícone à altura de Mickey Mouse, provavelmente atingiu um público equivalente.
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Tentar desvendar os mecanismos que colocaram estes desenhos na memória afetiva de todas as gerações que cresceram acompanhando-os é sempre difícil, mas Morelli arrisca alguns: “Carisma era um dos principais ingredientes na fórmula da HB. Willliam Hanna era um animador nato, com grande senso de ritmo e construção de histórias. Já Joseph Barbera tinha um traço preciso e era um grande criador de gags, pequenas situações de humor físico ou verbal. Juntos, os dois criaram personagens que se tornaram eternos graças a suas frases de efeito e movimentos característicos, que sempre se repetiam diversas vezes no mesmo episódio”. Outra característica importante do estúdio, segundo Morelli, é a simplicidade na ideia básica das histórias: “um gato que persegue um rato, um urso que adora cestas de piquenique, uma família pré-histórica. Temas simples, que qualquer pessoa pode identificar, de adultos a crianças bem pequenas. Isso tornou a temática dos desenhos universal”. Joseph Barbera imaginava que não fosse se dedicar a vida inteira à animação. “Eu nunca me cansei de Tom e Jerry, mas eu tive um sonho de fazer mais com minha vida do que desenhos animados”, chegou a afirmar. Mas se orgulhava do seu trabalho, considerava-o uma forma de alívio. “A animação é um alívio para o que está acontecendo no mundo. Você se levanta de manhã e, ao ligar o rádio, ouve que uma ponte caiu em Albany, explodiu uma bomba aqui e há uma inundação na Costa Leste. Então você liga a TV e vê tudo isso, ao vivo. Onde está o alívio? É isso que fazemos: proporcionamos alívio em forma de fantasia. É importante fazer as pessoas esquecerem o que realmente está acontecendo”, sentenciou Barbera em uma das mais conhecidas opiniões sobre o seu próprio trabalho.
Como já dito, a importância da Hanna-Barbera só pode ser comparada a do estúdio criado por Walt Disney. O que seria do panorama da animação se eles tivessem chegado a trabalhar juntos? “No início de sua carreira Joseph Barbera mandou uma carta para Walt Disney, com alguns desenhos do Mickey. Walt respondeu à carta e disse que gostaria de marcar um encontro de negócios com Barbera, o que nunca aconteceu. Se a Disney tivesse contratado Joseph, é possível que ele nunca tivesse conhecido William Hanna e a história da animação seria completamente diferente”, completa Morelli.
foi adaptado para o cinema, o que já havia acontecido com Os Flintstones (em 1994 e 2007) e Scooby-Doo (em 2002), com personagens em carne e osso. Já a adaptação de Os Smurfs, outro desenho surgido nos estúdios Hanna-Barbera nos anos 1980, estreia em agosto em versão digital, quando os pequenos e azulados vão parar em Nova York. Há também livros, como Art of Hanna-Barbera (1989), de Ted Sennett em parceria com a dupla, Hanna-Barbera Cartoons (2005), de Michael Mallory, The Hanna-Barbera Treasury (2007), de Jerry Beck, e o recém-lançado William Hanna and Joseph Barbera, de Jeff Lenburg; nenhum deles ainda publicados no Brasil.
Nos anos 1990, o estúdio HB foi comprado pelo conglomerado de comunicação de Ted Turner, criador da CNN, e que inclui outros canais, como TNT e Cartoon Network. Mais tarde, este último foi adquirido pela gigante Time-Warner, e hoje alguns dos mais famosos desenhos criados pela Hanna-Barbera são exibidos no Cartoon Network. Além disso, é possível deliciar-se com as aventuras de Os Flintstones, Scooby-Doo, Os Jetsons, Jonny Quest, Corrida Maluca e Manda-Chuva nos DVDs que a Warner lançou nos últimos anos. Recentemente, Zé Colmeia
“Acredito que o grande legado deles para qualquer artista seja a forma criativa que o estúdio encontrou para superar todo tipo de limitação. Acima da técnica ou de grandes orçamentos, o segredo estava nas suas ideias e no bom humor. Uma parte do público de hoje pode acreditar em um primeiro momento que as animações clássicas são ingênuas e de um visual pouco chamativo. Mas duvido que essas mesmas pessoas consigam assistir a um episódio do Manda-Chuva sem dar pelo menos uma boa gargalhada”, finaliza Morelli.
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literatura
Literatura futurista mais uma febre no mercado editorial PARA OS JOVENS Feios, a série de Scott Westerfeld, e Destino, de Ally Condie, são os novos fenômenos que devem aquecer o mercado brasileiro Por Renata Megale
O mercado editorial brasileiro já começa a viver nova tendência para os adolescentes, ou YA – young adults (jovens adultos, em tradução literal), como são chamados nos Estados Unidos. Depois da febre dos vampiros, que dominou a lista de mais vendidos por vários meses, vislumbra-se a chegada de uma onda de lançamentos sobre cidades futuristas, onde quase tudo é possível. Até aí, não há muita novidade. Os leitores juvenis já devoraram livros ambientados em um mundo fantástico, como Harry Potter, sucesso mundial de venda e responsável por deixar sua autora J.K. Rowling a mulher mais rica da Inglaterra, ou O Senhor dos Anéis, onde lutas entre o bem e o mal, com magias e feitiços, arrebataram os leitores. Mas nesta nova safra de lançamentos adiciona-se a este ambiente fantástico dilemas e soluções associados à vaidade humana. As histórias passam a trazer cirurgias em busca da perfeição ou mesmo sociedades em que tudo pode ser controlado através de pílulas. É o caso da série Feios (Record), de Scott Westerfeld, e Destino (Objetiva), de Ally Condie. Esta nova temática fantástico-futurista dos livros reflete certo
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cotidiano vivido pelos jovens no mundo atual. “Os personagens destes romances passam por dilemas que o próprio leitor se identifica, como a perda de privacidade e a luta com o espelho em busca da perfeição física”, comenta a psicóloga Renata Carolo Nepomuceno. A série Feios, de Scott Westerfeld, por exemplo, tem suas raízes na beleza estética, uma referência ao culto do mundo das celebridades, à busca pelo corpo perfeito e de um modelo ideal inatingível. A série já foi traduzida para mais de 25 línguas e é considerada um fenômeno de vendas, alcançando o topo da lista dos mais vendidos em muitos países, dando a dimensão de que talvez estas questões sejam realmente relevantes preocupações no universo dos adolescentes dos dias de hoje. Feios é protagonizada por Tally Youngblood que, antes de completar 16 anos, fica extremamente ansiosa por se tornar perfeita. No mundo de Tally, a chegada a esta idade significa passar por uma operação que a transformará de “feia” em um ser incrivelmente belo e perfeito, o que lhe dará passe livre para uma vida de glamour, festas e diversão, onde seu único trabalho é aproveitar muito.
Scott Westerfeld, é formado em filosofia no Texas e tem mais de 15 livros publicados. Já ganhou diversos prêmios, como o Victorian Premier e Aurealis, além de ter recebido o título de Melhor Livro para Jovens Adultos pelos livros Vampiros em Nova York (Record, 2008) e Feios (Record, 2010). Ambos entraram na lista de mais vendidos do New York Times desde quando foram lançados. Aqui no Brasil, o selo Galera Record lançou os dois primeiros volumes, Feios e Perfeitos. O próximo, Especiais, está previsto para o primeiro semestre de 2011 e o último, Extras, ainda não tem previsão de lançamento. Em entrevista por e-mail à revista SaraivaConteúdo, Westerfeld afirmou que a vontade e a ideia para a série vieram através de uma conversa com a sua cunhada, que trabalha com efeitos visuais para o cinema. “Ela estava me contando sobre os efeitos especiais de embelezamento das atrizes nestes filmes e como elas se tornavam praticamente perfeitas nas telas através destes recursos. Isso aguçou uma curiosidade muito forte em mim: até onde a tecnologia vai chegar para nos tornarmos seres perfeitos e atender as demanda do mercado?”, questiona o escritor. “O que eu gosto na ficção científica é que os temas podem ser simples e superficiais. As mensagens são meros desdobramentos. Por exemplo, os rusties (nossa civilização) destruíram o mundo. Em Feios, as pessoas não têm tempo para filosofar sobre isso, elas têm que simplesmente consertar o estrago. Elas também não têm tempo para pensar no significado da beleza e porque ela é tão importante. Elas estão muito ocupadas fugindo de pessoas que querem arrancar seus rostos e lhes dar outros melhores”, conta Westerfeld, que acredita ser esta a única série que vai escrever. Ser adolescente é algo muito intenso e Westerfeld tenta imaginar como isso se dá em um futuro distópico. “Os dias bons na adolescência são mais excitantes do que qualquer outro que você viverá na vida adulta, e os dias ruins são o fim do mundo.” O autor acredita que os adolescentes leem de modo tão intenso quanto vivem: conversam com seus amigos na linguagem dos livros, gritam alto quando algo dá errado. “Então e-mails de fãs adolescentes são igualmente intensos. Eles não hesitam em me dizer onde errei ou onde acertei. Muitas vezes são bastante encorajadores, mas sempre honestos. Acredito que todos os jovens se identifiquem com estas questões pontuais do meu livro. Historicamente, grande parte da ficção é fantástica – mitos, contos de fadas etc. A tendência do chamado ‘realismo’ é a grande novidade, e ela ainda não provou ser algo que irá durar para sempre. Acredito que os adolescentes estejam mais próximos ao modo primordial de se contar uma história, onde alguém é levado a um lugar diferente daquele onde vive”, acrescenta. Além de Feios, um dos grandes lançamentos aguardados para abril deste ano é o livro da norte-americana Ally Condie,
Destino (Objetiva). Primeiro volume de uma trilogia homônima, o livro foi lançado em novembro de 2010 nos Estados Unidos. O segundo volume, Crossed (Encontro), está programado para novembro deste ano e o último volume, ainda sem nome, para dezembro de 2012. A autora, que abandonou a carreira de professora de inglês do ensino médio para se tornar mãe, começou a escrever por hobby. Antes de Destino, publicou outros cinco romances para jovens. Segundo ela, o universo do livro foi inspirado em uma série de pequenas experiências ao longo de sua vida. “Coisas aparentemente simples, mas que me marcaram de forma profunda, como uma conversa com meu marido sobre o futuro e o meu baile de formatura. Acho que o meu livro é diferente das obras do mesmo gênero exatamente por estar centrado em questões mais introspectivas”, afirma Condie. Poucas semanas após a publicação nos Estados Unidos, o livro já figurava na lista de mais vendidos do New York Times, e três meses depois os direitos do primeiro livro da série já haviam sido vendidos para mais de 30 países. Na história criada pela autora, o futuro parece muito tranquilo. Os indivíduos têm acesso à educação, emprego e todo o bem-estar que um governo pode proporcionar – as ruas são extremamente limpas e organizadas e os meios de transporte são modernos. Mas é esse mesmo governo, a quem todos chamam agora de Sociedade, que decide onde se deve morar, o que comer, onde trabalhar, como se divertir, com quem se casar e quando se deve morrer. A protagonista Cassia tem absoluta confiança nas escolhas que a Sociedade lhe reserva. Como a maioria das meninas, aos 17 anos, ela já está pronta para conhecer seu Par. Quando surge numa tela o rosto de seu amigo mais querido, Xander – bonito, inteligente, atencioso, íntimo dela há tantos anos –, tudo parece bom demais para ser verdade. Mas depois logo outro nome surge como um possível futuro para ela e, a partir deste impasse, o livro cria um clima de angústia e expectativa em função da culpa que a adolescente sente por estar se desviando do que a Sociedade espera. O ciclo das duas obras vai percorrer também o circuito cinematográfico, como virou praxe para os livros que se destacam neste segmento editorial. Destino já está com os direitos vendidos e será produzido pela Disney em associação com a Offspring Entertainment, após uma acirrada disputa com a Paramount Pictures. De acordo com Westerfeld, a adaptação de Feios ainda está sendo negociada. “Essa ainda é uma possibilidade e há financiadores e roteiristas envolvidos. Mas ainda não há diretores ou atores, então nada irá acontecer em breve.” Para se tornar algo ainda mais verossímil com a série, o autor acredita que o ideal seria fazer com atores pouco conhecidos, “porque todos sabemos lá no fundo que as grandes estrelas de cinema são lindas, mesmo quando fingem ser feias”, conclui.
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Adriana Calcanhotto e seus sambas por acaso Por MARCIO DEBELLIAN FOTO TOMÁS RANGEL
“Batuque é um privilégio / Ninguém aprende samba no colégio”, dizem os versos de Noel Rosa na canção “Feitio de oração”, feita em parceria com Vadico. Parece até que o Poeta da Vila se inspirou em Lupicínio Rodrigues, que foi expulso do colégio São Sebastião depois de apenas uma semana de escola porque batucava sambas em sala de aula. Orgulhoso, ele disse: “veja, que desde pequeno trazia no sangue o micróbio do samba, esse micróbio que cresceu comigo e não quer me abandonar, quanto mais velho eu fico mais ele se apega a mim”. Adriana Calcanhotto assina embaixo, e o seu “micróbio”, que já se mostrava evidente desde o disco de estreia, com o passar do tempo rejeitou qualquer complexo de coadjuvância e impôs o seu lugar: “Foi uma febre, eu sentava para compor e só saía samba, não sei o que aconteceu, mas saía tudo pro caminho do samba”, conta a compositora. O resultado desta contaminação irremediável está em seu mais novo trabalho, O micróbio do samba (Sony), que chega às lojas no dia 21 de março, no Brasil e em Portugal. Gravado no Rio de Janeiro pelo trio formado pela própria Adriana (voz, violão, piano, guitarra, caixa de fósforos, cuíca e bandeja de chá), Alberto Continentino (contrabaixo) e Domenico Lancellotti (bateria e percussão), com “auxílio luxuoso” de Davi Moraes (viola morna, violão e cavaquinho) em três faixas, o disco passa longe de um disco de samba tradicional. “Esse disco não quer isso. O samba é uma influência muito forte, é o motor propulsor do disco e não a meta. Eu não quero fazer e entender de samba. Eu quero continuar sendo uma impostora de música, como sou.”
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capa | Adriana Calcanhotto
Esse seu disco foi surgindo meio por acaso? Já era uma ideia, você tinha vontade de fazer um disco com repertório de sambas? Adriana Calcanhotto Nunca tive ideia de fazer um disco de samba, nunca achei que fosse fazer um disco de samba, e na verdade não fiz um disco de samba. Eu tinha uns sambas – durante uma fase, fui fazer canções e tudo que saía era samba. A Thaís Gulin me pediu uma canção, eu estava bem no meio dessa safra e disse isso pra ela: “Só sai samba, não sei o que aconteceu, não sei porque, mas sai tudo pro caminho do samba”. E foram aparecendo. Tinham os dois sambas que já tinham sido gravados: o “Beijo sem”, pela Teresa Cristina, e o “Vai saber” pela Marisa Monte. E eu não sei, foi uma febre. Eu e o Leo, meu empresário, costumamos dizer que esse disco brotou. Ele não vem de um desejo, ele não vem de um sonho antigo, uma ideia, um “ah, um dia eu vou fazer isso”. Ele aconteceu assim: a gente foi pro estúdio gravar uma outra coisa – uma música para uma novela, uma canção que fiz por encomenda – eu, Domenico Lancelotti e o Alberto Continentino, e daquilo, da gente estar ali naquele estúdio, veio a vontade de registrar alguns sambas. Mas com a empolgação do Domenico e do Alberto, e a fluidez com que a coisa aconteceu, começou a ficar mais forte a ideia de ser um disco. Já que a gente ia registrar os sons, em vez de ele ficar só organizadinho na prateleira da editora, as pessoas poderiam ouvir. E foi indo assim. Depois que a gente combinou, “então vamos fazer o disco”. Aí eu acho que fiz mais uns três ou quatro sambas, porque estava na inércia, já tinha onde registrar e queria tocar com os meninos.
o Alberto está olhando para a minha mão. Quando a gente foi gravar os outros, de maneira diferente, separar o som do violão e isso tudo, ele não via a minha mão. Aí o Daniel [Carvalho, produtor do disco] inventou lá um sistema com o meu laptop, puxou uma camerazinha, uns cabos, não sei o que mais e então ele gravou me olhando tocar na sala de cima, no vídeo [risos].
O processo, por exemplo, com o Alberto Continentino, que o Domenico descreve no encarte do disco, de você estar tocando violão, e ele olhando para sua mão para fazer os acordes no contrabaixo. Tinha esse quê de improviso de jazz, nesse sentido? Totalmente, totalmente jazz nesse sentido. Porque a gente tocou junto, muito junto, e um olhando para o outro. E o Alberto, na verdade, foi chamado para ir para o estúdio tipo “vai ter uma gravação com a Adriana dia tal, tal hora, você pode? Então vai lá e leva o baixo acústico”. Então ele achou que estava indo gravar uma faixa e chegou e gravou um disco, praticamente. A gente tocando de primeira as bases saíram muito coesas, e a gente terminava junto, como se sempre tivéssemos tocado aquilo. Mas isso é muito porque
E quando você pensa no seu repertório, para o show, por exemplo, o que você acha que dialoga mais com esse trabalho? Olha, estou pensando sobre o show ainda. Imagino que tenha a mesma fluidez e a facilidade que teve a gravação. A Marisa Monte me disse uma coisa, quando falei “olha, aqueles sambas vão virar um disco”. Ela disse assim: “Você vai ver, samba é um negócio que você senta, grava e tudo flui”, e ela tem toda razão. Não tem muitas coisas dos arranjos híbridos, de coisas que eu já fiz, de timbres eletrônicos misturados com acústicos, que dão um pouco de trabalho na gravação, e depois na transposição para o palco. E essas coisas com o samba, você senta e toca, e é verdade, Marisa tem razão. Uma das primeiras coisas que pensei para o reper-
E nas letras eu ouço umas coisas que eu gosto, que são ecos de sambas antigos. Embora sejam absolutamente contemporâneos, tem um diálogo com coisas que Aracy de Almeida poderia ter cantado, um vocabulário do samba. Coisas que me fazem pensar “poxa, isso aqui me lembra um samba do Noel”... Eu acho que assim, parecido com os outros trabalhos que fiz, esse tem uma conversa com o imaginário, com os sambas antigos, com as coisas que me formaram, tem muito. Eu enxergo totalmente as minhas influências, onde é que está o Lupicínio [Rodrigues], o Ismael [Silva], onde é que estão as conversinhas e tal. Porque o samba, e essa coisa que o Lupicínio fala do micróbio do samba, né... Pode-se ter o micróbio, não necessariamente você é do mundo do samba, pretende ser sambista. Eu não tenho a menor pretensão, esse disco não quer isso. Na verdade, acho que quanto mais você tira, quanto mais uma canção minha fica no osso, mais o samba vai ficar explícito. O samba como influência. O samba é uma influência muito forte, é o motor propulsor do disco e não a meta. Eu não quero fazer e entender de samba. Eu quero continuar sendo uma impostora de música, como eu sou.
A Marisa Monte me disse uma coisa, quando eu falei “olha, aqueles sambas vão virar um disco”, ela disse assim: “você vai ver, samba é um negócio que você senta, grava e tudo flui”, e ela tem toda razão. 26
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Por que não vai tocar violão? Gravei os violões do disco, menos uma faixa, e assim que acabaram as gravações toquei cuíca, caixa de fósforo, brinquei com esses timbres do samba, e aí tive uma lesão no punho direito, provavelmente por excesso de uso, porque eu estava fazendo um projeto de desenho também, e não estou podendo tocar. Então, num primeiro momento me senti totalmente de castigo. Sou completamente destra, não faço nada com a mão esquerda, fiquei um tempo sem poder escrever, mexer no laptop, tocar violão, sem desenhar. Encarei como um castigo, mas depois encarei como uma grande oportunidade. Na verdade, eu tenho tocado piano, que é uma coisa que não dói o punho. Tenho feito canções sem instrumento, que é uma coisa que alarga o espectro melódico. Enfim, está interessante assim, engraçado. Com isso, tem umas novidades no jeito que eu posso selecionar o repertório para o show. Posso escolher sambas complicadíssimos, coisas atonais, o Paulinho da Viola mais encrencado, porque é o Davi Moraes quem vai tocar [risos]... Acho que isso vai ajudar a construir um roteiro que é pensado só do ponto de vista da intérprete e não da limitação da instrumentista, entendeu? O Domenico quer que eu me comporte no show como crooner, vou ter que estudar, aprender. É um desafio, acho que vai ser engraçado [risos]. Já escolheu a música de trabalho do disco? “Tá na minha hora”, porque acho que tem a ver com o disco todo. Se você não ouve o disco todo, só ouve essa, ali tem uma síntese, tem a clave da Mangueira, aquela caixa, aquilo tudo dentro da levada da Mangueira. Isso tudo é uma síntese, porque o universo da Mangueira para mim é muito importante, para além dos sambas feitos pelos compositores da Mangueira. Tem a coisa das cores, tem a coisa do Hélio Oiticica. A Mangueira é muito importante para mim, sempre foi. E acho tão bonito aquele canto de pastora que o Domenico faz ali, acho comovente aquele “laiá laiá”... Você soltou esta música no seu site no dia 13 de fevereiro, como forma de comemorar a data em que você chegou ao Rio de Janeiro em 1989. Quando você veio para o Rio, já sabia que ia gravar o Enguiço, seu primeiro disco?
GILDA MiDANI
tório foi o Domenico abrir o show fazendo “Te convidei pro samba” [de Pedro Sá, Maurício Pacheco e Domenico Lancelotti], um samba que adoro, pra mim é um clássico, apesar de ser novinho, contemporâneo. Acho que vai ter um Noel, um Lupicínio, as principais influências de O micróbio... Mas tudo é possível. Eu não esperava, não sabia, que no show não ia poder tocar. Então isso também, essa condição de crooner, que nunca tive, nunca vivi, me dá muita liberdade em relação a repertório. Se eu não vou tocar violão, posso escolher as canções de outra maneira. Vai ser divertido pensar no show.
Adriana Calcanhotto com os músicos que participaram da gravação do disco: Alberto Continentino, Domenico Lancellotti e Davi Moraes
Nããão... Quando a Maria Lúcia Dahl foi fazer uma peça em Porto Alegre, caiu na mão dela uma fita minha de show, onde eu cantava “Caminhoneiro” (Roberto Carlos / Erasmo Carlos), e ela achou aquilo incrível, quis me conhecer e disse “olha, não conheço nada, não sou de música, minha turma não é de música no Rio, mas eu adoraria te ajudar, sem compromisso”. E essa ajuda dela, totalmente sem compromisso, como ela tem amigos incríveis, fez as pessoas ficarem curiosas. Enfim, aquilo virou um negócio, as pessoas começaram a ir para o Mistura Fina, que era onde o show estava, começaram a prorrogar aquela temporada. E as pessoas de gravadora então começaram a aparecer. Eu não esperava aquilo, naquele momento só estava vivendo para fazer shows, pensando em palco. Gravação era uma coisa tão distante. Mas aquilo apareceu e intuí que não era uma coisa de se dizer “não, obrigada, passo aí mais tarde”, entende? Daí assinei. Quando vim para o Rio não tinha noção de nada. Na
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capa | Adriana Calcanhotto
“Quanto mais você tira, quanto mais uma canção minha fica no osso, mais o samba vai ficar explícito. O samba é uma influência muito forte, é o motor propulsor do disco e não a meta.” época, estava indo muito para São Paulo. Frequentemente, todo show que eu estreasse em Porto Alegre, levava para São Paulo também. Fiquei ali, fiz alguns amigos, fiz contato com o Caio [Fernando Abreu], alguns amigos atores do sul que estavam lá, outros amigos paulistas, Rubens Caribé me hospedou na casa dele... Como era a sua relação com o Caio? Minha relação com o Caio era difícil. O Caio era como... Era um escritor, que conheci primeiro pelos livros, então para mim já estava naquela categoria “o escritor”. Não achava que podia chegar perto, conhecer, nem nada assim. E depois que o conheci, a gente tinha uma relação afetiva muito íntima, quando estávamos juntos. Era uma coisa muito calma entre nós dois. Mas ele fez muitas coisas por mim que não dizia, não contava, eu não sabia. Coisas que fico sabendo hoje, que ele ligou para alguém no jornal e falou, mandou ir ao show, deu uma foto para alguém publicar numa coluna e não sei o quê. Ele fez coisas incríveis assim, que me surpreendem até hoje. O seu segundo disco, Senhas, já é um disco mais pensado, menos de susto? A diferença do primeiro para o segundo foi o desejo. O primeiro eu não tinha desejo de fazer. Quer dizer, fiz porque apareceram as condições para fazer e, afinal de contas, fui para um estúdio, profissional, onde gravava todo mundo, com um produtor que gravava todo mundo, músicos incríveis, arranjos do Dori Caymmi, tudo certo. Mas não sabia muito bem, não tinha pensado as coisas em termos de disco. E o que é que a gente fez? Transferimos o meu repertório, de show, para o disco. Aí é que a Maria Lúcia Dahl põe a questão, na época: “O disco não transmite o que você estava fazendo no palco”. Porque essas versões tinham muita ironia, e é praticamente impossível imprimir ironia num disco. Ainda mais armado do jeito que ele [Enguiço] foi armado, um negócio que não ficou nem lá nem cá. O Senhas eu tive vontade de fazer, tive vontade de mostrar minhas canções. “Mentiras”, “Negros”, “Graffitis”, tudo isso foi uma coisa que fiquei no meu apartamento, sentada com o meu violão, compondo para o disco, mas ele teve um início um pouco confuso. Quando fui no Jô Soares, dei uma entrevista, e falei que tinha cantado numa churrascaria em Porto Alegre, chamada Moenda. E foi verdade, eu cantei duas noites. Agora sei que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, “churrascaria” é um termo que remete a uma coisa que
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não é a mesma coisa que no Rio Grande do Sul. Então no momento em que eu disse “churrascaria”, virei a “cantora das churrascarias”. Não entendia bem o que as pessoas estavam esperando de mim, era a expectativa errada de um negócio apressado. Ou eu era a nova Elis Regina, que não era, ou era a “cantora de churrascaria”, que também não era. Eu estava por aí fazendo apresentações em lugares alternativos, no Espaço Off, no Madame Satã [extintas casas de shows no Rio]... A coisa tinha ficado tão confusa que ninguém quis produzir o meu segundo disco. Ninguém quis se meter com uma pessoa que ninguém estava entendendo quem era. As pessoas ficaram meio ameaçadas. Não encontrei parceiros para produzir o disco. O que foi ótimo, porque aí tive que botar a mão na massa, fiz as canções e chamei pessoas que me ajudaram a inventar o disco. Eles diziam, Sacha [Amback], Marcelo Costa, Ricardo Rente... O Péricles Cavalcanti foi a última pessoa a quem eu disse “produz o meu disco?” E ele falou: “Para quê? Produz você. Você, melhor do que ninguém, vai saber o que quer”. Eu me achava incapaz e os músicos também diziam “faz, faz o negócio para ser bem feito”. E aí foi assim, o Senhas foi assim. Em Marítimo, gosto de você ter gravado com Caymmi, ter Hermeto Pascoal no disco. Vejo essa coisa do sonho, de você chegar e dizer “poxa, quero encontrar com essas pessoas e tê-las no meu disco”. Fiquei pensando sobre isso em relação a O micróbio do samba, de não ter convidados, você assinar quase todas as canções sozinha, gravar com um trio. É um estágio de quase autossuficiência, de algo mais contido, uma turma menor? Nunca pensei sobre isso assim. Como O micróbio... é um negócio que nasceu e vem do meu violão, do meu jeito, da minha batida do violão... Nem sei muito como explicar... Acho que poderia fazer um disco mais tarde com pessoas que gostaria muito de ver trabalhando. Porque isso é incrível, você fica perto, e vê a maneira das pessoas trabalharem. Dentro do estúdio, você ver o Caymmi gravando voz, o Gil tocando violão no Maré, foi incrível aquilo. É muito rico. Com O micróbio, eu não sei o que aconteceu. A primeira participação, o primeiro convidado foi o Rodrigo Amarante, e foi meio assim “o Rodrigo está aí no Rio, vamos aproveitar” para ele fazer uma música que eu queria que ele fizesse. Mas quando ele chegou, fiquei com um pouco de ciúmes do disco. Porque até ali, só tínhamos nós três, o disco era nosso. Aí ele entrou... Eu adorei o que ele fez, mas foi uma sessão
GILDA MiDANI
tensa, foi meio “por que esse cara tá botando essa guitarra no meu disco?” [risos]. Eu falei com o Daniel: “Quem chamou esse cara?”, ele disse: “Foi você!” [risos].
também era para isso, para interferir e não para enfeitar –, foi interessante isso. Até ele se colocar, achar o instrumento, foi uma sessão difícil.
O disco passa mesmo essa coesão entre vocês três ali, uma coisa de grupo... Domenico e Alberto estavam comigo na banda Partimpim. Davi também. Mas Domenico e Alberto já estavam na banda Maré. Então no jeito de me relacionar com eles musicalmente, cada vez a gente fala menos. Se eles chegarem aqui agora, a gente senta e toca, ninguém vai falar. Isso é uma coisa tão bacana e acho que não é toda hora que isso se dá. Porque o Domenico, Alberto e Davi são compositores também. Então isso ficou durante um momento ali, que a gente teve aquilo só nosso, tão bacana, sem ter conversado muito. Ficamos muito donos daquilo ali. Achando também tudo tão essencial, um violão, baixo, e uma coisa que o Domenico gravou nesse disco, um surdo que ele deita no chão. Ele fez uma pecinha que prende no chão, e usa aquilo como bumbo, mas é um surdo. E uma caixa Hollywood, que ele ganhou na Itália, estava perseguindo há um tempo. Esse é o set dele. É samba sem prato... Enfim, ele armou o set dele, o Alberto escolheu lá aquelas levadas, aquele jeito de encarar a minha batida, os meus sambas. Aí o primeiro que entrou foi o Rodrigo [Amarante], o que foi bom, ele ficou experimentando guitarras. Ele viu que não foi também chegar nessa coisa tão coesa e interferir – que
Quando você olha para a sua discografia, salta um disco preferido? Você tem isso, de falar, de todos os meus discos, gosto mais desse? Não, não sei. Eu não saberia escolher um disco da Maria Bethânia, por que saberia escolher um meu? Acho que meus discos são tão diferentes entre si e a cada momento em que foram feitos queriam coisas tão diferentes que é difícil escolher. Talvez assim, pensando numa condição que jamais vai se repetir, é a A fábrica do poema. De ter aquele tipo de pessoa, com aquele mesmo desprendimento, aquela liberdade em relação a gravadoras. Não estava nem prestando atenção no que eu estava fazendo. E as loucuras que a gente fez naquele estúdio, para produzir os sons, alguns não são nem reconhecíveis dentro do disco. Mas em vez de você pegar um sample de uma caixinha de arroz fazendo não sei o quê, você vai lá no banheiro do estúdio, microfona, passa cabo, a gente fez muita coisa assim. Enfim, um disco que tem convidados também. Eu acho que não saberia fazer aquele disco de novo. Você não se ouve? Não. Eu não me ouço. Difícil, Marcio. Difícil. Olha, vejo muitas entrevistas em que as pessoas dizem “eu não ouço meus discos”. Esses dias, fiz um show e o motorista tinha comprado o meu disco, para botar no carro, para eu ouvir indo para o show. Entendo que aquilo é carinho, é o máximo, mas não dá para ir para o seu show ouvindo o disco. Não dá! [risos]. Você viu na internet várias pessoas falando que o nome do seu disco poderia ser uma referência ao Micróbio do frevo (2005), do Silvério Pessoa? Não tem nada a ver, né? Não tem nada a ver! Eu, por ignorância, também, só li sobre Micróbio do frevo por causa d’ O micróbio do samba e fui ouvir a música, vi que o Gil cantou com o Silvério. Mas não, sabe que O micróbio do samba, estava lendo sobre Lupicínio e aí ele diz essa coisa, que está no encarte do disco: ele foi expulso do Colégio São Sebastião e o motivo foi que ficava batucando na classe os sambas, umas músicas que ninguém entendia. Isso é o que ele diz e fala com orgulho dizendo: “Está vendo? Desde pequenininho eu trazia o micróbio do samba, que quanto mais velho eu fico, menos quer me abandonar”. Eu li isso e transportei para o encarte do meu disco, que é assim que me sinto, picada, contaminada, infectada, mas ainda assim uma impostora, pelo amor de Deus, uma impostora. Deixa a menina sambar! Assista à entrevista com Adriana Calcanhotto no site www.saraivaconteudo.com.br
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Shuffle: Um passeio pelos discos de Adriana Calcanhotto Enguiço, 1990: Disco de estreia, traz a versão de “Caminhoneiro” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), que chamou a atenção de Maria Lucia Dahl e abriu o caminho para a sua ida para o Rio de Janeiro. A contaminação pelo micróbio do samba já dá sinais em “Disseram que eu voltei americanizada” (Vicente Paiva e Luiz Peixoto) e “Orgulho de um sambista” (Gilson de Souza). Senhas, 1992: Alem de “Mentiras”, que projetou Adriana ao grande público, traz “Esquadros”, uma de suas canções mais bonitas. Ouça também “O nome da cidade”, escrita por Caetano Veloso inspirado em Macabéa, personagem de A hora da estrela, de Clarice Lispector. A fábrica do poema, 1995: Preste atenção na canção que abre o disco, “Por que você faz cinema”, um texto do cineasta Joaquim Pedro de Andrade em resposta a uma pergunta feita pelo jornal francês Libération, musicado por Adriana. É o disco que traz “Metade”, “Cariocas” e “Inverno”, a bela parceria entre Calcanhotto e Antonio Cicero. Marítimo, 1998: Com participações de Dorival Caymmi e Hermeto Pascoal, o álbum traz também homenagem a dois outros mestres: “Parangolé Pamplona”, inspirada em Hélio Oiticica, e “Vamos comer Caetano”, escrita por Adriana em 1996 depois de vê-lo na primeira página dos jornais, pelado, devorado pelas “Bacantes” da encenação de José Celso Martinez Corrêa.
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Público, 2000: Primeiro registro ao vivo, traz sucessos da carreira, a gravação de “E o mundo não se acabou”, de Assis Valente, além de um poema do português Mário de Sá-Carneiro musicado por Adriana, que narra de maneira deliciosa a forma como conheceu o poeta. Cantada, 2002: “Eu nunca mais ouvi, talvez seja o que menos conheça dos meus discos. A gente gravou Cantada no estúdio de casa. Ele é tão misturado com a vida naquele momento”, conta Adriana. Além de sucessos como “Justo agora” e “Pelos ares” (em parceria com Antonio Cicero), vale procurar conhecer a “manipulação das identidades oscilantes entre ‘Sou seu’ e ‘Sou sua’” [palavras de Antonio Cicero e Waly Salomão], ambas de autoria de Péricles Cavalcanti. Maré, 2008: Além de jogar luz à canção “Mulher sem razão” (Dé Palmeira, Cazuza e Bebel Gilberto), o disco traz “Sargaço mar”, de Dorival Caymmi, gravado ao vivo, o violão de Gilberto Gil e a voz de Adriana Calcanhotto, e guarda pérolas como “Um dia desses”, poema de Torquato Neto musicado por Kassin.
Adriana Partimpim foi procurada, mas preferiu ficar brincando a falar com esta reportagem.
Os Sambas de Adriana 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.
eu vivo a sorrir aquele plano para me esquecer pode se remoer mais perfumado beijo sem já reparô? vai saber? vem ver tão chic deixa, gueixa você disse não lembrar tá na minha hora
Todas as composições de Adriana Calcanhotto, exceto “vem ver” de Dadi e Adriana Calcanhotto
Ela morreu em 1951, mas suas células continuam vivas. Henrietta Lacks, você ainda vai ouvir faLar desta muLHer.
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cinema
O escritor congolês Lwei, no filme O céu sobre os ombros, grande vencedor do Festival de Brasília de 2010.
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O cinema documentário entre a
Por Bruno Dorigatti
A importância e o espaço para o cinema documental vêm crescendo nos últimos anos, um número maior de produções alcança mais salas de cinema, além de outros meios, como a internet. Mas talvez a principal “novidade” esteja na forma como estas histórias estão sendo narradas e contadas. Um diálogo crescente com a ficção, sobretudo na forma narrativa, uma busca por embaralhar, caminhar entre a linha tênue que separa a realidade da imaginação, o vivido e documentado do imaginado e ficcionalizado. E novidade aí em cima vai entre aspas, pois, ao observarmos o começo do cinema documental, veremos que ele nasce procurando representar a realidade, e não registrá-la. O conceito de não intervenção na realidade que se registra surgiria anos depois e mostrar-se-ia igualmente frágil
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e passível de crítica, já que ao ligar uma câmera, posicioná-la, ainda que não instigando a quem se filma como agir, já se está interferindo no que se procura documentar. Conversa antiga também. Mas a produção documental recente tem sugerido que os documentários vêm, cada vez mais, optando por sair do clássico formato de entrevistas e imagens de arquivo, arriscando-se em caminhos próprios ao tempo em que vivemos. Exemplos recentes deste cinema são filmes premiados no ano passado. Terra deu, terra come, de Rodrigo Siqueira, acompanha seu Pedro e um cortejo fúnebre – onde a comunidade quilombola de Minas Gerais entoa vissungos (cânticos negros). No filme, Pedro é creditado como codiretor, dada a interfe-
realidade e a imaginação rência que tem no filme, onde é impossível distinguir entre o que é encenado e o que seria o registro das cerimônias de despedida do mais velho membro do quilombo, João Batista, falecido aos 120 anos. Segundo Eduardo Escorel, o documentário de Siqueira “é o registro de uma descoberta, não de algo conhecido de antemão. Para poder apreciar esse processo, o espectador precisa ter disposição para reviver, concentradas em 89 minutos, dúvidas, hesitações, e ambiguidades do longo caminho percorrido na realização dessa obra notável”. O filme ganhou em 2010 os prêmios de melhor longa no Festival É Tudo Verdade e no Amazônia Doc.2 – Festival Pan-Amazônico de Cinema (onde Siqueira também foi escolhido melhor diretor), além do International Young Talent Competition, no Dok Leipzig, Alemanha.
tem permitido o barateamento dos custos. “Produzir documentários tornou-se mais ágil e barato do que nunca com as novas tecnologias de captação e edição de som e imagem. O crescimento na produção foi imediato”, afirma Amir Labaki, diretor do É Tudo Verdade, principal festival dedicado às obras de não ficção no país e que chega à sua 16a edição em 2011. Mas há outros: “Sob a perspectiva do público, creio que o documentário assumiu o papel de uma pausa iluminista frente à inflação informativa e audiovisual a que estamos submetidos. Ao mesmo tempo, a produção passou a lançar mão de recursos de sedução do espectador historicamente mais vinculadas ao cinema ficcional, visando a consolidar um mercado para a não ficção também nas salas de cinema, para além do mais tradicional nicho da TV”, continua Labaki.
Já O céu sobre os ombros foi o grande vencedor do Festival de Brasília em dezembro passado, quando levou os prêmios de melhor filme, melhor direção, melhor montagem (Ricardo Pretti), melhor roteiro (Manuela Dias e Sérgio Borges) e o prêmio especial do júri. O longa de Sérgio Borges apresenta a história de três personagens de Belo Horizonte – o transexual Everlyn, o operador de telemarketing e hare krisha Murari e o escritor congolês Lwei –, onde não fica definido o que seria interpretação ou apenas o registro de suas vidas. Outra estreia programada para abril e que vai por este caminho é Amor?, de João Jardim. O codiretor de Janela da alma (2001) e Lixo extraordinário (2010) aborda o delicado tema das relações amorosas que envolvem algum tipo de violência, onde atores interpretam o depoimento daqueles que passaram por situações extremamente delicadas.
Em 2010, estrearam nas telonas em circuito comercial 45 documentários, dos quais 32 produções nacionais. O público total foi de 503 mil espectadores, o que dá uma média de pouco mais de 11 mil por filme, e chega a 0,40% do total de público. Se contabilizarmos apenas os 32 filmes nacionais – 42,67% do total de estreias –, elas levaram aos cinemas 238.771 ou 0,99% do total do público que foi assistir a uma produção nacional, com média de 7.462 espectadores por filme. Números ainda muito baixos, dada a qualidade e o vigor da produção. O grande destaque ficou com Uma noite em 67, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, que reconta como foi o festival da canção naquele ano, e levou aos cinemas 82.258 espectadores. Em segundo lugar, veio Soberano – Seis vezes São Paulo, de Carlos Nader, sobre o time paulista, com público de 35.212.
Inúmeros fatores vêm contribuindo para o crescente interesse e uma maior realização de documentários, e talvez o mais pragmático e de fácil detecção seja a revolução digital, que
A surpresa, porém, ficou com Viajo porque preciso, volto porque te amo, dirigido por Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, em terceiro, com 26.623 espectadores. O roadmovie documenta o sertão do Nordeste, onde acompanhamos um geólogo entre
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Tomás Rangel
cinema
idas e vindas, sempre a narrar em off a sua vida, ler as cartas que escreve para o amor deixado para trás e entrevistar os moradores das localidades por onde passa, questionando o ideal de vida destas pessoas simples. Como nos recentes títulos acima citados, o filme da dupla embaralha o que é documentado e o que é encenado, residindo aí a força do que vemos na tela. E se a relevância dos números é pequena, o que realmente importa aqui é essa opção narrativa deixar de ser exceção experimental de poucos para ser incorporada cada vez mais, seja por novos ou nem tão novos diretores assim. Eduardo Coutinho, por exemplo, aclamado diretor de Cabra marcado para morrer (1984) e Edifício Master (2002), optou por embaralhar os limites da encenação e do registro em seus dois filmes mais recentes, Jogo de cena (2007) e Moscou (2009). A linha tênue Assunto antigo, a proximidade entre o cinema de ficção e o documentário, entre realidade e imaginação, surge junto com o nascimento do próprio cinema, mas de uns tempos para cá este diálogo ampliou-se. “Creio que houve uma espécie de fadiga frente à ficção metarreferente pós-moderna, aquela de filmes que revisitam essencialmente o imaginário cinematográfico clássico”, afirma Labaki. Segundo ele, a estratégia crescente tem sido um diálogo maior entre as linguagens. Pelo lado da produção não ficcional, este diálogo tem marcado a história do gênero, desde o fundador Nanook, o esquimó (1922), de Robert Flaherty ao revolucionário Eu, um negro (1958), de Jean Rouch, nos recorda Labaki. Em Nanook, acompanhamos um ano na vida de um esquimó e sua família, as dificuldades diárias para sobreviver às baixas temperaturas, sem falar na pesca e na caça em condições adversas. É considerado um dos primeiros registros documentais produzidos para o cinema, com uma ressalva: ele foi todo encenado por Nanook, sua família e os demais participantes da película. Naquele momento, quando o cinema ainda era uma linguagem em formação,
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não havia essa clara separação que se buscaria incessantemente em poucos anos, entre a realidade e o seu registro. Já em Eu, um negro (1958), Rouch, um dos fundadores do cinema vérité (ou cinema direto) procura subverter o simples registro etnográfico, quando, além de filmar os imigrantes nigerianos interpretando personagens criados por eles mesmos, os convida para autofabular a partir do que foi filmado. O resultado caminha na fronteira entre ficção e realidade, confundindo-os. Se muitos identificam esse diálogo (ou a recusa a ele) no nascimento do cinema, para o premiado diretor Sérgio Borges o assunto é muito mais antigo do que o cinema. “Ele existe pela autorreflexividade do ser humano. Quando nós pensamos, projetamos nossos desejos e sonhos, criamos com nós mesmos uma ficção de como queremos existir no espaço-tempo que chamamos de realidade. E é o roteiro dessa ficção criada que estrutura, que materializa a realidade da forma que a percebemos. Realidade e imaginação são conceitos separados para tentar explicar a existência, mas no fundo uma se retroalimenta da outra, estão em um mesmo sistema.” Segundo Borges, no que diz respeito ao cinema, ficção e documentário sempre se misturaram, e é isso o que complexifica um filme, a tensão entre a vida e a representação da vida. “Mesmo o mais ‘genuíno’ filme do gênero de ficção é a documentação dos corpos dos atores, dos espaços do mundo, dos pensamentos do autor. Assim como qualquer documentário é o recorte visual e sonoro de uma realidade, um olhar subjetivo, e portanto uma representação da vida”, acrescenta. Em O céu sobre os ombros, o diretor trabalha com “esse borrão entre criação e realidade”, como ele mesmo definiu seu trabalho, onde atores não profissionais representam a própria vida. “Cada vez mais nos reconhecemos com a representação de nós mesmos. Cada vez mais vemos a imagem do nosso
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Sérgio Borges, Walter Carvalho e Amir Labaki. Nomes que pensam e fazem o documentário no século 21
próprio corpo. E mesmo sem a mediação de uma câmera, participamos de uma grande encenação. Adotei esse olhar, essa forma de percepção pelo simples fato de que, quanto mais próximos estamos do que chamamos de realidade, mais complexa será a expressividade da representação da realidade. O cinema é a linguagem artística em que mais temos a sensação de que estamos vivendo a vida, e não observando a representação da vida.” Conhecido pelo seu trabalho como cineasta, documentarista e diretor de videoclipes de bandas, o francês Vincent Moon é responsável por boa parte do acervo da série em vídeo “Concerts à Emporter”, do site francês La Blogotheque. Esta série consagrou-se pela forma particular de filmar a música, e se concentrou em registrar bandas em início de carreira, o que chamou a atenção de nomes como R.E.M. e Arcade Fire. “Meu cinema favorito não é aquele que questiona quais informações você quer dar ao espectador, mas sim o que não quer dar. [O diretor iraniano Abbas] Kiarostami costumava dizer sobre seus filmes: ‘Eu faço apenas metade do filme, a outra metade é feita pelo espectador’. É uma relação bonita. O que tento explorar é uma linguagem de cinema bem específica, que não se consegue explicar completamente com palavras. O único jeito de responder seria usando o mesmo meio”, afirma Moon. As dificuldades ao encarar tal desafio são as mesmas inerentes à criação de expressividade com o uso de uma linguagem artística. “Mas quando lidamos com personagens que vão continuar a existir na realidade, temos que estar seguros de que eles estão realmente de acordo em sustentar aquilo que o filme revela”, diz Sérgio Borges. Para ele, O céu sobre os ombros é um filme “muito íntimo, em que os personagens abrem a porta do banheiro para a câmera entrar, e isso só é possível porque essa abertura é algo natural para eles. Por mais que a história do filme seja apenas um recorte de suas vidas, não vejo pes-
soas no filme, mas sim personagens que dizem algo a mais do que as idiossincrasias pessoais”. Estaria então o cinema caminhando para um total desaparecimento daquilo que separa a realidade da ficção? Segundo Labaki, não há nada a temer: “Não creio. O diálogo persiste e é fertilizador desde a aurora do cinema.” Já Borges responde com outra indagação: “Quem sabe a forma como percebemos a realidade está caminhando para o desaparecimento dessas fronteiras? Mas não me parece que o cinema vai complexificar tanto a relação entre ficção e realidade em sua forma narrativa hegemônica em curto prazo. A diluição entre esses gêneros tende a deixar a obra mais aberta, mas a criação dos filmes que nós vemos na TV e nas salas do shopping tem interesses comerciais associados. E uma narrativa primária é mais eficaz para uma estratégia de consumo de larga escala, ao menos no modelo industrial que ainda vivemos”. A imagem dessacralizada Para Walter Carvalho, um dos principais fotógrafos do cinema brasileiro contemporâneo, “o que faz as fronteiras se diluírem, se entrelaçarem e se aproximarem umas das outras sem quase que você perceba a diferença do que é ficção e do que é documentário é o processo criativo de gerações, equipamentos e tecnologias novas, e de um volume de trabalho que se faz hoje no mundo inteiro com
“O problema todo é saber manter a sinceridade, a verdade para com o espectador, nunca esconder o fato de que estamos diante de um filme”, acreditava Jean Rouch
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a imagem, a ponto inclusive de torná-la banal”. Além de banalizada, ela está dessacralizada e desacreditada, afirma o fotógrafo de filmes como Terra estrangeira (1995), Central do Brasil (1998), Notícias de uma guerra particular (1999), Lavoura arcaica (2001), Madade Satã (2001), Carandiru (2003) e diretor de Budapeste (2009). “Dessacralizada porque ela está em qualquer lugar. Você não precisa mais comprar um ingresso em busca de emoção, entrar em um cinema e passar pelo rito de apagar a luz, abrir as cortinas e começar o ritual de sombras projetadas na parede e você acreditando que aquilo ali é verdade, sai emocionado dali de dentro. O cinema é um truque, nasceu de uma curiosidade científica. E é esse truque que fascina a todas as plateias do mundo, independente da história. E o que dessacralizou é exatamente o excesso dela, na internet, nas televisões, na rua, nos monitores, em toda forma de comunicação visual remota. Tudo isso é inegável, confluente e importante para que modifique a linguagem, e que essas fronteiras cada vez mais se diluam, ao ponto que, quando você utiliza da linguagem ficcional dentro do documentário, não consegue mais saber o que é aquilo.” Outro sintoma desta obsessão crescente pelo real seria os reality shows, que paradoxalmente não deixam de ser encenações. Não estaríamos limitando o espaço e o tempo para a imaginação? “Discordo da premissa de que o real sufoque a imaginação. A rica história do documentário, no que diz respeito à experimentação formal, indica justamente o contrário”, aponta Labaki. No entendimento de Borges, a imaginação não estaria ameaçada pela obsessão do real, apenas estaríamos mudando a
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forma de entender o que é real e o que é imaginação. “É a qualidade da utilização da linguagem, é a capacidade de invenção, que pode fomentar ou não a imaginação, entendida enquanto maravilha de desdobrar a criação.” Assim, os reality shows seriam a forma da indústria da imagem lucrar com a potência dramática da fricção entre vida e ficção. Segundo ele, o melhor seria pensarmos isto “como reflexo do entendimento de que o que firmamos subjetivamente como realidade é apenas fruto de nossa imaginação. E que a realidade ‘objetiva’ é um grande improviso de um incessante desdobrar de cenas”. Neste jogo de espelhos, talvez o melhor seja ficar com Jean Rouch, para quem o importante é a honestidade com que se apresenta o filme, independente do gênero. “O problema todo é saber manter a sinceridade, a verdade para com o espectador, nunca esconder o fato de que estamos diante de um filme... Uma vez que estabelecido esse pacto de sinceridade entre filme, atores e espectador, quando ninguém está enganando ninguém, o que interessa para mim é a introdução do imaginário, do irreal. Usar o filme para contar aquilo que apenas pode ser contado em forma de filme.” Talvez seja essa a mais difícil tarefa do cinema realizado no século 21, contar aquilo que somente um filme poderia fazê-lo, sem emular o teatro, a TV ou qualquer outra forma de representação. E que, para muitos, ainda está por nascer. Assista às entrevistas com Walter Carvalho e Vincent Moon no site www.saraivaconteudo.com.br
É Tudo Verdade, 16 anos Um dos principais responsáveis pelo crescente interesse que o documentário vem despertando por aqui é o festival É Tudo Verdade, que neste ano chega à sua 16ª edição e acontece entre 31 de março e 10 de abril no Rio de Janeiro e em São Paulo. A homenageada em 2011 é a documentarista russa Marina Goldovskaya, que completa 70 anos em julho. Diretora de clássicos da era da glasnost como O regime Solovki (1987), Goldovskaya estreará no festival O gosto amargo da liberdade (2011), que aborda sua longa amizade com a jornalista russa Anna Politkovskaya, assassinada em Moscou em 2006. Na competição nacional de longas e médias-metragens, sete obras inéditas, entre elas, Assim é, se lhe parece, de Carla Gallo, um perfil do artista plástico Nelson Leirner; Carne, osso, de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, um mergulho no mundo dos frigoríficos brasileiros; Dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes, a visão da nova classe média brasileira, através do perfil de uma família moradora na Vila Brasilândia paulistana, dez anos depois; e Tancredo, a travessia, de Silvio Tendler, sobre a trajetória do político. A Retrospectiva Brasileira deste ano, “Poesia É Verdade”, conta com 15 documentários focados na vida e obra de grandes poetas brasileiros, como Ana Cristina Cesar, João Cabral de Mello Neto, Vinicius de Moraes, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade e Waly Salomão. Criado em 1996, o festival surgiu para garantir uma vitrine anual no país para a nata da produção brasileira e internacional. “Quando criei o festival, estava convencido de que uma janela nobre, regular e específica para o documentário nas salas de cinema encontraria um público interessado e, diante da pluralidade desta produção, ajudaria a romper o estigma de mercado. Todo mundo quer ver bons filmes, independentemente do gênero.” Naquele momento, tínhamos em torno de três estreias por ano; em 2010, tivemos 45 documentários estreando em circuito comercial, com público total de 503 mil espectadores. O que dá uma média de pouco mais de 11 mil por filme, e chega a apenas 0,40% do total de público. Comparado com o cinema comercial clássico, pode ser ínfimo, porém, no que diz respeito ao documentário indica um crescente interesse.
tário, facilitando o acesso à riquíssima história do cinema não ficcional, sobretudo o brasileiro. Na TV aberta, por exemplo, apenas as TVs públicas exibem documentários com regularidade. A TV Brasil mantém em sua grade horários exclusivos para o formato, como o Doc TV, Nova África, Tal como somos e A TV que se faz no mundo. E a TV Cultura ampliou o espaço para documentários no final de 2010, exibindo ao menos uma produção por dia, com curadoria de Labaki. “O espaço para documentários na TV aberta se comprimiu no Brasil durante o regime militar, não se recuperando com a volta à democracia.” Labaki aponta “um certo conservadorismo das emissoras, apostando na fórmula teleficção/jornalismo/esportes/auditório”, que manteve a produção documental distante da telinha. Agora, com a revalorização do gênero, teríamos uma oportunidade para aproximar os docs do público não tão familiarizado com eles. Além disso, a coprodução com autores independentes como uma política efetiva, algo já arraigado na Europa e nos Estados Unidos, seria fundamental para aumentar o pequeno espaço que o documentário ocupa na TV.
Abaixo, na ordem, Seu Pedro em cena em Terra deu, terra come, de Rodrigo Siqueira, grande vencedor do festival em 2010; e a jornalista russa Anna Politkovskaya, assassinada em 2006. Retrospectiva internacional do É Tudo Verdade 2011 celebra a obra de Marina Goldovskaya, que estreia no festival O gosto amargo da liberdade (2011), sobre sua amizade com a jornalista
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“O festival ajudou a concentrar as atenções de público, imprensa e mercado, comprovando a vitalidade do documentário”, continua Labaki, para quem ainda há muito a fazer. Segundo ele, é preciso aumentar os mecanismos de apoio à produção, distribuição e exibição dos documentários nas salas de cinema; fomentar a parceria com a televisão; ampliar o número de publicações sobre o cinema documentário; estimular programas de formação de público para o documen-
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perfil
GLAUCO MATTOSO “POETA DA CRUELDADE”
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O anti-herói cego, “pornosiano, barrockista, deshumanista, anarchomasochista, pós-maldito”, como gosta de se rotular, completa 60 anos com lançamentos e relançamentos por diferentes editoras Por Ramon Mello FOTO Claudio Cammarota
Autor de uma “poesia viril”, o poeta paulistano Glauco Mattoso completa 60 anos no dia 29 de junho deste ano, produzindo literatura intensamente. Para quem desconhece sua história, seu nome é uma alusão direta ao poeta satírico Gregório de Matos (1633–1695), o Boca do Inferno, além de trocadilho com a doença congênita – o glaucoma – que lhe privou progressivamente da visão. Pedro José Ferreira da Silva é o seu nome de batismo. Mestre do pastiche literário, já perverteu mais de quatro mil sonetos, série iniciada em 1999, superando o poeta italiano Giuseppe Belli (1791-1863), recordista no gênero, que teria composto 2.279 sonetos em uma obra produzida entre 1830 e 1839. Desde a cegueira total em 1995 – trajetória que lembra a do escritor argentino Jorge Luis Borges –, Mattoso escolheu o soneto como modo de organizar seus escritos. A forma fixa de poema (14 versos compostos por dois quartetos e dois tercetos) auxilia o poeta cego a escrever mentalmente os poemas, sem abandonar a transgressão dos temas. Autor do romance autobiográfico Manual do podólatra amador: aventuras e leituras de um tarado por pés (All Books/ Casa do Psicólogo), Glauco Mattoso cultiva a fama de escritor maldito com suas preferências excêntricas. Ele é obcecado por pés masculinos, fetiche retratado tanto na prosa quanto na poesia. O pé e a cegueira são temas centrais de muitos de seus livros. Através da perversão sexual, o autor denuncia as perversidades sociopolíticas. Sua temática, que funciona como alicerce do próprio soneto, abusa da pornografia e escatologia, assim como os versos do poeta fescenino do século 17, cuja referência é explícita. Mattoso cursou biblioteconomia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo e letras vernáculas na USP, sem concluir. Além dos sonetos, já escreveu dezenas de contos, dois romances, centenas de crônicas, vários ensaios, um dicionário de palavrões, um tratado de versificação, publicou dezenas de volumes de poesia e editou um fanzine durante quatro anos. “Mas o soneto é meu maior vício, e só como vício posso definir esse gênero que me serve de válvula para desabafar a revolta contra a cegueira. Parafraseando o Zé Dirceu, eu não posso, não quero e não devo deixar de sonetar...”, ironiza.
Prestes a se tornar sexagenário, o poeta relembra que o interesse pelos sonetos é anterior a cegueira: “Eu já admirava os clássicos pelo rigor com que eram compostos, especialmente um tipo de poema tão difícil como o soneto. Mas, enquanto ainda enxergava, minhas influências eram mais iconoclastas (modernismo, concretismo, tropicalismo e marginalismo), por isso raramente sonetei naquela fase. Quando fiquei cego, percebi que minha capacidade mnemônica era magicamente imensa. Passei, entre a insônia e o pesadelo, a compor freneticamente, salvando na memória os versos que, graças à rima e à métrica, mantinham-se intactos até que eu os digitasse no computador falante. Atribuo tal capacidade, também, a alguma ‘assistência espiritual’, já que me considero um bruxo...”, relata Glauco Mattoso, que trabalha diariamente com um programa de leitura de voz no computador (desenvolvido pela UFRJ), sem perder as subversões que pratica na sua escrita desde a época da poesia marginal nos anos 1970. Celebração Em comemoração ao 60º aniversário do “poeta da crueldade”, diversos lançamentos estão programados. A editora Annablume lançará uma caixa com 10 livros, sete já editados e três inéditos: O poeta da crueldade, O poeta pornosiano e Poemídia e sonetrilha. A Annablume detém os direitos de publicação da série de poesias Mattosiana pelo selo literário Demônio Negro e a obra Contos hediondos (2009). É também responsável pela obra ensaística de Mattoso, da qual publicaram, na Coleção Língua, Literatura e Discurso, o Tratado de versificação (2010) – acordo onde o poeta propõe “revisitar as trilhas da versificação e revalorizar o conceito da ‘musa’ no aspecto ‘musical’ do poema”. O selo Tordesilhas também adquiriu toda a prosa escrita do autor, repleta de ironia e humor negro, longe de tudo que se pode classificar como literatura bem comportada. Além de publicar os romances A planta da donzela (Lamparina, 2005) e Manual do podólatra amador, a editora prepara uma nova versão da coletânea Contos hediondos, incluindo textos inéditos. A prosa mattosiana, irreverente como a poesia, é muito bem elaborada, o que elimina a proximidade com a simples pornografia.
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As referências de Glauco Mattoso passam de Camões a Augusto de Campos, de Gregório de Matos a Luiz Delfino, de Sade a Cego Aderaldo, de Olavo Bilac a Millôr Fernandes Ao longo dos anos, o Conde Glauco Mattoso – como o nomeou o poeta Roberto Piva (1937–2010) – passou a publicar em diversas editoras, o que dificulta a concentração de sua obra em um único selo. A produção poética inclui 35 títulos fora de catálogo ou com contrato para vencer, sem contar os poemas publicados na internet. O editor Luiz Fernando Emediato, da Geração Editorial, que o conhece desde os anos 1970, o considera “um grande escritor, polêmico e alternativo, implacável diante do mercado, para o qual não faz nenhuma concessão”.
Rebel without a cause, vômito do mito / da nova nova nova nova geração, / cuspo no prato e janto junto com palmito / o baioque (o forrock, o rockixe), o rockão. / Receito a seita de quem samba e roquenrola: / Babo, Bob, pop, pipoca, cornflake; / take a cocktail de coco com cocacola, / de whisky e estricnina make a milkshake. / Tem híbridos morfemas a língua que falo, / meio nega-bacana, chiquita-maluca; / no rolo embananado me embolo, me embalo, / soluço - hic e desligo - clic - a cuca. // Sou luxo, chulo e chic, caçula e cacique. / I am a tupinik, eu falo em tupinik.
Fase Visual e Face Cega As referências de Glauco Mattoso passam de Camões a Augusto de Campos, de Gregório de Matos a Luiz Delfino, de Sade a Cego Aderaldo, de Olavo Bilac a Millôr Fernandes. Não é à toa que Caetano Veloso citou o poeta na música “Língua”, do disco Velô, de 1984. O cantor baiano o conheceu através do concretista Augusto de Campos, na época em que Glauco assinava o Jornal Dobrabil (trocadilho com o Jornal do Brasil e com o formato dobrável), um fanzine poético-panfletário feito com uma datilografia minuciosa que imitava as famílias tipográficas utilizadas pelos grandes jornais.
A musicalidade de seus versos pode ser conferida no CD Melopéia (Rotten Records), nas vozes da MPB como Itamar Assumpção, Humberto Gessinger, Inocentes, Billy Brothers, Laranja Mecânica e Arnaldo Antunes. Trata-se de uma antologia de seus sonetos misturada a diferentes ritmos: samba-enredo, techno-samba, samba-canção, punk-rock e bluejazz. O álbum, que tem a capa assinada por Lourenço Mutarelli (uma paródia da capa do disco Tropicália, 1967) está esgotado.
Mattoso também é conhecido pela sua intensa colaboração na imprensa alternativa na década de 1980, como Tralha, Mil Perigos, Som Três, Top Rock, Status, Around e Chiclete com Banana – esta última criada em parceria com o cartunista Angeli, publicada pela Circo Editora. Nos últimos anos, o poeta tem escrito para o site de literatura Cronópios [www.cronopios.com. br] e colaborado para revistas impressas, como a Caros Amigos.
Glauco Mattoso fabrica a própria lenda com a sua obra e sua história: cego, gay, podólotra e masoquista. Sempre que se escreve sobre o poeta, há uma tentativa de definilo: marginal, punk, pós-concreto, maldito... “Todos esses rótulos estão corretos. Eu próprio me colei mais alguns: pornosiano, barrockista, deshumanista, anarchomasochista, entre outros. Mas, para melhor sintetizar todos eles, pode me chamar de pós-maldito...”, explica o ícone do “malditismo literário” no Brasil.
O crítico e ensaísta carioca Pedro Ulysses Campos já dividiu a poesia de Glauco Mattoso em duas fases: “a primeira seria a Fase Visual (1970–1980), enquanto o poeta praticava um experimentalismo paródico de diversas tendências contemporâneas; e a segunda a Fase Cega (1999 até hoje), quando o autor, já privado da visão, abandona os processos artesanais, tais como o concretismo datilográfico, e passa a compor sonetos e glosas”. “Spik (sic) Tupinik” (1977), um dos sonetos mais famosos dá a dimensão da relevância da poesia de Glauco Mattoso:
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E agora, poeta, como é completar 60 anos? “Acho que é como estar prestes a completar 18 quando a gente é menor de idade, ou 100 quando a gente ainda tem 99. Parece que subimos um degrau e só podemos olhar para frente, sob risco de tropeçarmos e cairmos. A partir deste ano, posso ser chamado de ’edoso’ e tenho que me vacinar contra a gripe. Minhas fantasias masturbatórias, entretanto, prosseguem a todo vapor...”, revela o poeta maldito que se tornou um clássico, um dos melhores sonetistas do Brasil.
PROFANO PROPHETA [3390] Esperma de palavra se deriva em fertil mente e em lyra creativa. Semantica ou syntaxe, só, não basta nem são imprescindiveis metro e rima si a escripta surprehende e a penna é vasta. Conheço um tal poeta e nelle vejo de olympicas metropoles o exgotto, o gozo azul de impubere garoto, o samba em harpa e o rock em realejo. É magico e sublime o pederasta que do maldicto mytho se approxima e do castiço canone se afasta. No orgasmo oral dos jovens está viva a chamma que deixou Roberto Piva.
Jornal Dobrabil, um fanzine poético-panfletário feito com datilografia minuciosa que imitava as famílias tipográficas utilizadas pelos grandes jornais
SONETO DA CASA INVADIDA [1294] Bandidos, cada vez mais attrevidos, estão entrando em casas de familia! O bando macta os donos, rouba, pilha, saqueia, até em cadaveres cahidos! Agora ja não fogem, nem ruidos evitam que se escutem! A mobilia carregam, ou alli mesmo a quadrilha partilha joias, ternos e vestidos! Num lar de classe media, tomam conta do proprio immovel! No creado-mudo da cama de casal, a extrema affronta: Está o portaretracto alli, mas tudo que a photo mostra, um rosto que amedronta, é o delle, do assaltante bigodudo!
SONETO LINGUOPEDAL [35] Massificada está toda massagem holística que, como a acupuntura, em pontos energéticos procura curar com científica roupagem. Em tudo vejo logo a sacanagem: A planta do pé fiz numa gravura e em vez da mão a língua, menos dura, propus como sistema de lavagem. Criei assim um vivo tipo novo: o podofelador profissional. Meu nome andou na má língua do povo. Já cego estou, mas não me saio mal: Frieiras mentalmente inda removo do pé de quem me xinga de anormal.
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Uma seleção de títulos de artistas que se aventuraram por outras áreas LOBÃO coloca no papel primeira etapa da sua vida Foi ao lado do jornalista Claudio Tognolli que o músico Lobão decidiu escrever a autobiografia. Motivado pela chegada aos 50 anos (hoje ele já contabiliza mais 3), contou sua trajetória sem recriminação em publicação extensa, com 600 páginas. Abrange desde a infância no Rio de Janeiro, o primeiro contato com a música e os sucessos em bandas e carreira solo. Não faltam bastidores, polêmicas e música na vida de Lobão; seus fãs de diversas gerações poderão ter contato com os períodos distintos vividos pelo músico. Além de histórias, 50 anos a mil também traz entrevistas de Elza Soares, Ritchie e da produtora Maria Juçá. Duas canções inéditas — “Das tripas, coração” e “Song for Sampa” — e amplo material fotográfico completam o lançamento recente da editora Nova Fronteira. Assista à entrevista com Lobão no site www.saraivaconteudo.com.br
No caminho da FICÇÃO O ator Hugh Laurie e os músicos Pedro Luís e Tony Bellotto partiram em busca da criação na literatura. Laurie, que faz o famoso médico ranzinza protagonista da série House escreveu O vendedor de armas (Planeta). Já Tony Bellotto lançou seu sétimo título, No buraco (Companhia das Letras). Ainda nos primeiros passos está o vocalista da banda Pedro Luís e a Parede. Em Logo parecia que assim sempre fora (Língua Geral), Pedro Luís cria poesias em cima das canções do álbum Olho de peixe, de Lenine e Marcos Suzano.
Eu, por Ricky Martin
Assista à entrevista com Pedro Luís no site www.saraivaconteudo.com.br
É PROIBIDO FUMAR Enquanto Tony Bellotto foi para as letras, seu colega de palco no Titãs, Paulo Miklos, iniciou uma carreira paralela no cinema e na TV. A estreia completa uma década, foi no filme O invasor, de Beto Brant, disponível em DVD pela Europa Filmes. Depois, fez outros dois papéis, em Boleiros 2 e Estômago. Há dois anos, encarou o posto de protagonista ao lado de Gloria Pires. Ele vive Max, um músico que se apresenta em churrascarias, em É proibido fumar, de Anna Muylaert, lançado pela Playarte em DVD.
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Em Eu, que acaba de sair pela Planeta, Ricky Martin relata a sua relação com a música e o duro processo pessoal até assumir publicamente a sua homossexualidade.
Cantoras ATRIZES Para interpretar personagens em filmes que precisam ter talento para o canto, é comum produtores e diretores recorrerem a profissionais dos palcos. Na adaptação do musical Dreamgirls para os cinemas não foi diferente: Beyoncé e Jennifer Hudson foram escaladas. Beyoncé já havia atuado em outros longas, como A Pantera Cor-de-Rosa e Austin Powers, mas era a estreia de Jennifer, que acabou levando o Oscar de atriz coadjuvante. As duas pegaram gosto pelo ofício e podem ser vistas, respectivamente, nos recentes lançamentos Obsessiva (DVD e
Blu-ray pela Sony Pictures) e A vida secreta das abelhas (DVD pela Fox Home). Para quem prefere conferir somente o talento musical, as dicas são o CD e DVD I am... World tour, de Beyoncé, e o álbum de Jennifer Hudson, homônimo, ambos da Sony Music. Neste mês, Jennifer lança mais um, I remember me, nos EUA.
Um desafio para NORAH JONES A cantora Norah Jones estava com sua carreira musical solidificada quando decidiu aceitar um desafio e tanto. Ao receber a ligação do diretor de cinema chinês Wong Kar-wai, achou que o convite seria para a criação da trilha sonora de seu próximo filme. Mas ele a queria na tela, como protagonista. Norah concordou e o resultado você pode conferir em Um beijo roubado, disponível em DVD e Blu-ray (Europa Filmes). Norah também está presente na trilha. Em áudio, a dica é seu último álbum, a coletânea Featuring (EMI).
SHE & HIM A atriz Zooey Deschanel encantou o público com o filme 500 dias com ela. Lançado em 2009, o longa deu um novo frescor para o já conhecido gênero da comédia romântica e está disponível em DVD e Blu-ray (Fox Home). E a atriz, em 2008, ao lado do produtor e guitarrista M. Ward, estreou na música. Os dois álbuns lançados pela dupla, intitulada She & Him, estão disponíveis no Brasil: Volume one e Volume two (Microservice). Quem também fez o mesmo caminho foi Scarlett Johansson que, ao lado de Pete Yorn, solta a voz no CD Break up (Warner Music).
Repetindo o SUCESSO Justin Timberlake se tornou um astro da música, acumula vendas altas, críticas positivas e muitos prêmios. Mas há uma parcela dos fãs que reclama que nos últimos anos ele tem se direcionado muito à carreira de ator. Seu mais recente trabalho acaba de sair em DVD e Blu-ray, A rede social (Sony Pictures), e também foi aclamado pela crítica e criou uma legião de fãs.
Difícil separar a carreira de ator e músico de Seu Jorge. O sucesso veio com a segunda, com canções como “Carolina” e “Burguesinha”. Mas, paralelamente, ele construiu também uma sólida atuação no cinema. Cidade de Deus e Casa de areia são alguns exemplos. Agora, acaba de sair em DVD e Blu-ray mais uma atuação de Seu Jorge, desta vez em Tropa de Elite 2 (Vinny Filmes).
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literatura
valter hugo mãe: uma escrita sem remorsos
valter hugo mãe, escritor angolano radicado em Portugal, acaba de publicar seu primeiro romance no Brasil: o remorso de baltazar serapião (Editora 34). Com uma linguagem inventiva e peculiar, hugo mãe narra a tortuosa existência dos sargas, “nascidos de pai e vaca”, através das desventuras de seu primogênito, baltazar serapião,
[...] abríamos os olhos pirilampos à fraca luz da vela, porque a sarga mugia noite inteira quando havia tempestade. davalhe frio e aflição de barulhos. era pesado que nos preocupássemos com a sua tristeza, se havia algo na sua voz que nos referia, como se soubesse nosso nome, como se, por motivo perverso algum, nos fosse melódico o seu timbre e nos fizesse sentido a medida da sua dor. por isso, custava deixá-la sem retorno, sem aviso de que a má disposição das nuvens era fúria de passagem. com vento a bater nos tapumes da janela mal coberta, água a inundar esterco no chão, velha, ela ficava à espera de que algo repusesse o dia e a libertasse para o campo, a fazer nada senão comer erva, vendo-nos labor ininterrupto. [...] quando perguntavam pela mãe, pelo pai, perguntavam pela vaca, magra, feia, tonta da cabeça, sempre pronta a morrer sem morrer. e riam-se assim com o nosso disparate de ter um animal tão tratado como família, e não entendiam muito bem. não fazia mal, achávamos que éramos muito lúcidos, e adorávamos a sarga, mesmo nas noites de tempestade quando se amedrontava e nos obrigava a acordar. O aldegundes vinha dizer-nos que ela tinha água nas patas e que em pressas se devia varrer dali inundação que lhe dava medo, e ele não reparava que também se sujara nos pés e fedia, enquanto cheirávamos e agoniávamos de tormento sem mais sono. o meu pai pagava ainda a ousadia de se chamar afonso. afonso segundo um rei, mas sobretudo em semelhança ao senhor da casa a que servíamos. uma ousadia disparatada, um sarga chamado afonso, um verdadeiro familiar da vaca como se viesse de rei. quem não tinha do que se honrar, que diabo honraria aludindo a tal nome, perguntavam as pessoas ocupadas com nossa vida. dom afonso, o da casa, era-o por herança e vinha mesmo das famílias de sua majestade, com um sangue bom que alastrava por toda
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tragicamente enamorado por ermesinda. O texto combina tempos, ritmos e oralidades arcaicos, primitivos, com recorte narrativo contemporâneo. E se são minúsculas as letras que iniciam os nomes do autor e seus personagens, são grandiosas e avassaladoras as imagens que nos invadem. Leia um trecho do romance.
a sua linhagem. nobres senhores do país, terras a perder de vista, vassalos poderosos, gente esperta das coisas do nosso mundo e de todos os mundos vedados. por isso, esqueciamse quase sempre de que ele, o meu pai, se chamava afonso, e só lhe chamavam sarga, o da sarga, como ele e ela, como um casal. à minha mãe chegavam a dizer que fora à vaca que ele fizera os filhos, e ela revoltava-se. era sempre ela quem barafustava furiosa até que o meu pai viesse e impusesse o juízo e a calma. o meu pai entrava em casa muito tarde, quando estávamos recolhidos à luz da fogueira, e era feito silêncio para que aliviasse o cansaço e pedisse o que lhe aprouvesse. normalmente, tínhamos refeição da noite, jantar quente com vantagens sobre o desamparo da nossa condição social, e escutávamos as impressões do dia, as instruções para o que viria, e os votos de boa noite. por vezes, eu podia perguntar coisas. em noites de maior paz, faria perguntas sobre as mulheres e as promessas do corpo delas feitas ao desalento do nosso corpo de homens. e deixaríamos coisas ditas no ar, para continuar interminavelmente. eram coisas que se suspendiam sobre nós, como roupa a secar, e com que nos deparávamos mais tarde, como se lhes batêssemos com a cabeça numa distração qualquer, quando o trabalho era satisfeito e o tempo se permitia preciosamente ao convívio. o meu pai, o sarga, dizia-me que, se pudera pacificamente chamar-se afonso, sentiria maior felicidade.[...]
valter hugo mãe nasceu em Saurimo, Angola, em 1971. É escritor, editor, artista plástico, cantor e DJ. Como poeta, publicou 11 livros, além da coletânea contabilidade, poesia 1996-2010, que inclui o inédito o inimigo cá dentro. É autor de quatro romances, entre eles o remorso de baltazar serapião, vencedor do Prêmio José Saramago (2007), e a máquina de fazer espanhóis, que será publicado aqui pela Cosac Naify e lançado na Flip, em julho de 2011.
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