Reabilitar ...by Descla

Page 1

Reabilitar

... by

novembro | 2016


Ficha técnica Propriedade, edição e dis­ tribuição: Gomes & Canoso, Lda. Rua São João, nº. 39, Repeses 3500­727 Viseu Telefone: 232 407 544 Telemóvel: 969 474 853

04

Directora: Olinda Mar­ tins Redacção: Ana Margari­ da Gomes e Lino Lopes Ramos Publicidade e marketing: Joaquim Gomes e Tia­ go Canoso Telefone: 232 407 544 Telemóvel: 969 474 853 Visite o nosso website em www.descla.pt.

2 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016

08


30

04 — Reabilitar, reabilitar 16 — O esforço municipal: cinco casos 30 — O esforço privado: turismo rural ou regresso às origens?

44

44 — Do Carrapichel à Ínsua

novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 3


Reabilitar, reabilitar Texto: Lino Ramos Fotografia: Tiago Canoso

Dos programas URBAN às SRU´s, passando pela Expo 98, a Descla apresenta, em traços gerais, a história da reabilitação urbana em Portugal nas últimas décadas. Os programas de desenvolvimento urbano em Portugal iniciaram­se com o URBAN I, em 1994. Esta iniciativa fi­ nanciada pela União Europeia (UE) apoiou a revitalização económica e social de algumas cidades, concentrando­se, em particular, nos seis bairros mais carenciados das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, onde combateu a exclu­ são social e melhorou a qualidade ambiental. O projeto te­ ve um custo de 67,8 milhões de euros e foi considerado um sucesso, levando o Governo a apostar no Programa de Reabilitação Urbana (PRU), que entre 1997 e 2003 apoiou com quase 60 milhões de euros a criação de empresas, o melhoramento de infraestruturas ou o desenvolvimento de equipamentos comunitários em onze cidades portugue­ sas. O URBAN II, implementado a partir de 2000, voltou a incidir sobre as duas áreas metropolitanas, aplicando 19,2 milhões de euros. Expo 98 O século XX estava a acabar, assim como “o tempo das vacas gordas”, durante o qual o país registou um cresci­ mento económico assinalável, mas em 1998 Portugal ha­ veria de receber ainda a grande Exposição Mundial, que deu origem ao maior projeto de reabilitação urbana reali­ zado até então em território luso. Tudo começou no final da década de 80 quando o Ministério do Planeamento e

4 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Ponte Vasco da Gama

Ordenamento do Território e a Câmara Municipal de Lis­ boa promoveram o programa de valorização da cidade co­ nhecido por VALIS, que propunha, entre outros projetos, candidatar a cidade à organização da Expo 1998, a ter lu­ gar em terrenos adjacentes aos da antiga Doca dos Olivais, construída após a Segunda Guerra Mundial para o tráfego de hidroaviões. O evento era uma espécie de grande festa universal, que celebraria os 500 anos das viagens dos navegadores por­ tugueses dos séculos XV e XVI e os grandes encontros ci­ vilizacionais. Os oceanos foram o tema escolhido. O objetivo era colocá­los no foco das atenções da comunida­ de internacional, olhando­os numa perspectiva de futuro e relacionando­os com a ciência, a política a tecnologia e a arte. O projecto da Expo 98 propunha assim uma nova éti­ ca na relação do Homem com o meio ambiente, tema que se afigurava como central na política do século XXI. A preocupação ambiental foi, de resto, um dos pilares da candidatura, que pretendeu evitar o desperdício e abando­ no que marcaram outras exposições internacionais do sé­ culo XX. A escolha da zona foi, por isso, quase natural, ainda que outras tenham sido estudadas. A zona de Cabo Ruivo e Beirolas (topónimos do local até então) era um es­ novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 5


paço poluído, ocupado por instalações industriais obsole­ tas, depósitos petrolíferos, velhos armazéns militares, um matadouro obsoleto e até uma lixeira a céu aberto. “A realização da Expo 98 oferece a possibilidade única de intervir, no plano urbanístico, numa zona da cidade de Lis­ boa que, desde há muito é das mais degradadas”, sublinha­ va a Resolução do Conselho de Ministros nº 15/93 de 18 de março. O solo dos terrenos ocupados pela actividade petro­ lífera foram descontaminados e recuperado e promoveu­se o desvio de embarcações petrolíferas do estuário do Tejo, evitando o risco de uma catástrofe ecológica no seu interior. A 23 de junho de 1992, o Bureau International des Expo­ sitions (BIE) escolheu a cidade de Lisboa para a última ex­ posição mundial do século. Este evento planetário serviu para promover a regeneração urbana de uma área de 340 hectares, com cinco quilómetros de frente de rio, enqua­ drando a EXPO numa extensa operação imobiliária. Deci­ diu­se ainda o uso, após a exposição, das estruturas a edificar para a mesma, evitando a dificuldade sentida no dia do encerramento por outras cidades que organizaram eventos do género, bem como a concentração nesta zona urbana de projetos de grandes equipamentos metropolita­ nos, anteriormente previstos para locais afastados entre si. Onde antes havia indústrias, fábricas, matadouros e em­ presas de gás foram construídos inúmeros pavilhões cien­ tíficos e culturais, alguns dos quais permanecem ao serviço do público, como o Oceanário, o maior aquário do mundo, e o Pavilhão Atlântico, hoje denominado Meo Arena. Na zona foram ainda erguidas réplicas de edifícios de outros países, jardins e até um teleférico. Em paralelo, lançaram­se grandes obras públicas, como a Ponte Vasco da Gama, à data a maior da Europa, com 17,3 km, e a Gare do Oriente, uma nova linha de metro com sete estações e um interface rodoferroviário. Aquele que viria a ser conhecido como Parque das Na­ ções ficou pronto em 1998, a tempo de receber a exposição

6 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


que juntou160 países e organizações internacionais, um número muito superior ao inicialmente previsto. No en­ tanto, os 11 milhões de visitantes, contra os 15 milhões es­ perados, não chegaram para superar os 1,2 milhões de contos pedidos para financiar a ideia de Vasco Graça Moura e Mega Ferreira. O fiasco de alguns negócios levou a que a Expo’98 terminasse com uma dívida que hoje, 18 anos depois, se mantém acima dos 150 milhões de euros. A empresa Parque Expo, encarregada da gestão do evento e do espaço, encontra­se em processo de extinção. Nos anos que se seguiram à Expo 98, o Parque das Nações mudou a sua configuração, transformando­se numa das mais importantes áreas urbanas e arquitectónicas da Euro­ pa. A entrada principal, frente à Gare do Oriente, foi recon­ vertida em centro comercial Vasco da Gama, administrado pelo grupo Sonae. A zona internacional norte passou a aco­ lher a Feira Internacional de Lisboa. A Torre de Lisboa, res­ taurante de luxo com vista panorâmica sobre o rio Tejo, foi transformada em hotel, igualmente luxurioso. O Pavilhão do Conhecimento deu lugar a um museu de ciência e o Pa­ vilhão do Conhecimento transformou­se em Casino Lisboa. Muitas zonas da antiga Expo 98 foram sendo gradualmente vendidas para habitação e escritórios. A zona oriental de Lisboa é hoje o bairro mais moderno da cidade, concentrando áreas comerciais, culturais e de lazer com uma vista privilegiada do rio Tejo. Ao longo dos anos atraiu diversas instituições e empresas de grande no­ me, que aí basearam as suas sedes ou representações (Vo­ dafone, Microsoft, Sonaecom SGPS e Sony são alguns exemplos.). Cerca de 28 mil pessoas habitam este espaço, integrando a freguesia do Parque das Nações Programa Polis A Expo 98 foi o mote para o segundo grande plano naci­ onal de reabilitação citadina, conhecido por Polis, onde a novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 7


Parque Expo viria a desempenhar um papel importante, já que o Governo lhe atribuiu a definição da estratégia de in­ tervenção em diversas cidades. O êxito que foi a recupera­ ção da zona oriental de Lisboa, aliado à melhoria das condições de vida das pessoas em consequência do cresci­ mento económico, levaram a que, no final da década de 90, os cidadãos desenvolvessem uma consciência cada vez mais crítica e se tornassem mais exigentes relativamente à qualidade do espaço que os rodeia. Assistia­se, por essa al­ tura, a uma “expansão desqualificada das cidades”, como notam Cândida Pestana, José Pinto­Leite e Nuno Marques no estudo O Programa Polis como impulsionador da rege­ neração urbana. Esse fenómeno criou vários problemas, como o cresci­ mento não planeado das periferias e, em consequência, a intensificação das extensões suburbanas, com bairros de­ masiado densos, sem infraestruturas adequadas e com fracas condições de vivência urbana. Ao mesmo tempo, a procura de habitação motivou fenómenos de especulação imobiliária e consequente crescimento da construção re­ cente, o que, entre outros efeitos, contribuiu para o despo­ voamento dos centros históricos e tradicionais das cidades e para a degradação do património edificado. A fraca mo­ bilidade, a degradação ambiental e a perda de legibilidade urbana, com a diminuição de espaços verdes e outros de uso colectivo, foram outros problemas que marcaram o fi­ nal do século XX em Portugal. A nova consciência crítica dos cidadãos surgiu numa al­ tura em que, a nível europeu, as questões do ambiente ur­ bano e da sustentabilidade das cidades estavam na ordem do dia. É nesta década que é publicado o Livro Verde do Ambiente Urbano (1990), que ganhou forma no 5º Pro­ grama de Ambiente da Comissão Europeia (1993). O Pla­ no Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (MEPAT, 1998) veio ao encontro desta corrente, alertando para a necessidade de desenvolver acções prioritárias no

8 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Ponte Pedro e Inês em Coimbra

domínio do ambiente urbano, dirigidas, entre outros aspe­ tos, à melhoria da qualidade ambiental e social dos espa­ ços urbanos. Em 2000 o Governo aprovou o Programa Polis, cujo principal objetivo era o aumento da qualidade de vida nas cidades através de acções de requalificação urbana e am­ biental, de forma a aumentar a competitividade de pólos de média dimensão, recuperando o seu “protagonismo”. Em Coimbra, por exemplo, procurou­se atenuar o impacto regional da criação das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. A água foi um elemento importante de muitos pro­ jetos, daí que se tenha assistido à construção de diversas travessias entre as margens dos rios. Na “cidade dos estu­ dantes” criou­se um parque verde funcional que envolveu um rigoroso tratamento paisagístico das margens do rio Mondego e construiu­se a ponte pedonal e ciclável de Pe­ dro e Inês. Os centros históricos também foram intervencionados, quase sempre com a preocupação de regenerar o espaço público e o património classificado e edificado e, simulta­ neamente, fomentar a utilização pedonal criando alterna­ tivas para o estacionamento dos veículos. Tal aconteceu em Viseu, Leiria ou Viana do Castelo. A criação de espaços verdes – jardins e parques urbanos – foi outro dos pontos fortes do Programa Polis. Em Viseu foi criado um novo parque linear, ligado em rede com os dois novos parques novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 9


Torre dos Clérigos, Porto

urbanos, o que deu continuidade à estrutura verde da cidade. O reforço da mobilidade foi comum a todas as inter­ venções, mas sempre com a preocupação de “afastar os automóveis das cidades, sem afastar as pessoas”: surgi­ ram passagens desniveladas, parques de estacionamen­ to subterrâneos e percursos pedonais ou para bicicleta e promoveu­se o uso do transporte coletivo. Em Coimbra foi construído mesmo um elevador para ligar a zona al­ ta e a zona baixa da cidade, que melhorou os acessos na zona central da cidade. Ao todo, o Programa Polis realizou 40 intervenções em 39 cidades do continente e ilhas, que envolveram um in­ vestimento total directo de 1,173 milhões de euros, finan­ ciado principalmente por fundos públicos, sendo que os fundos estruturais europeus contribuíram com cerca de 36% do montante total. O envolvimento dos cidadãos na construção dos projetos foi um dos aspetos inovadores deste programa e foi conseguida graças a uma estratégia de comunicação que envolveu um posto de informação permanente, acções de sensibilização, folhetos informa­ tivos, spots informativos, sessões de esclarecimento e inúmeras reuniões com a população afetada. Concluído em 2008, o Polis foi o maior programa de requalificação feito até à data em Portugal. Nesses oito anos foram criados ou recuperados mais de 5 milhões de m2 de áreas verdes, desenvolvidos projetos ao longo de 17 km de frentes de mar, requalificados mais de 80 km de frentes de rio e criados cerca de 110 km de ciclo­ vias. O projecto regenerou cerca de 2,5 milhões de m2 de espaço público e criou 24 mil novos lugares de esta­ cionamento e cerca de 230 mil m2 de praças e arrua­ mentos. No total foram desenvolvidos 75 Planos de Pormenor ou Planos de Urbanização, todos sujeitos a discussão pública. O programa foi uma espécie de em­ brião de uma política de cidades, que ganhou forma no

10 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Publicidade


Programa Polis XXI. Apresentado pelo Governo em 2006, este plano visou apoiar a regeneração, competitividade, diferenciação ur­ bana e integração regional. Mais de mil milhões de euros do FEDER financiaram os quatro instrumentos da Política de Cidades Polis XXI entre 2007 e 2011. Um deles, cha­ mado de Ações Inovadoras para o Desenvolvimento Urba­ no (AIDU), destinou­se a apoiar projetos­piloto que desenvolvessem ou transferissem para as cidades portu­ guesas soluções inovadoras de resposta às procuras e aos problemas urbanos ainda não ensaiadas em território na­ cional ou, tendo­o sido com resultados positivos, ainda não aplicadas a uma escala mais alargada. As SRU’s e novos desafios Os progressos foram evidentes mas não resolveram todos os problemas das cidades, que em muitos espaços continu­ aram a perder população e a ter uma estrutura etária enve­ lhecida, bem como desemprego, alojamentos vagos e um estado de degradação física generalizada. Daí que o Gover­ no português tenha criado, ainda em 2004, as Sociedades de Reabilitação Urbana, conhecidas por SRU's, que altera­ ram o modelo de ação pública, favorecendo a reestrutura­ ção da propriedade, a intervenção forçada, o recurso à expropriação e a maior agilidade dos processos de licencia­ mento. Estas organizações, geridas pelos municípios ou por estes em parceria com o Estado, têm um campo de ação ter­ ritorialmente delimitado e estão orientadas sobretudo para captar investimento privado em reabilitação urbana. No país existem sete sociedades: Porto Vivo, Viseu Novo, Coimbra Viva, Lezíria Tejo, Lisboa Ocidental, SERPOBRA e GAIURB, Urbanismo e Habitação. No caso do Porto, a visão estratégica da SRU, definida num documento de 2005, o chamado Masterplan, alargou o conceito de revi­ talização urbana e social, incorporando, entre outros obje­

12 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016



tivos, a re­habitação, a promoção do negócio, a revitaliza­ ção do comércio ou a dinamização do turismo, da cultura e do lazer. O centro histórico, Património da Humanidade desde 1996, foi uma das principais áreas abrangidas. A zona histórica é igualmente um dos espaços primordi­ ais do Viseu Novo, que tem procurado atrair para o centro da cidade novas famílias e comerciantes e ao mesmo tem­ po promover o emprego. De 2006 a 2013 foram reabilita­ dos 11 edifícios, num investimento global de 4,8 milhões de euros. Em 2014 foi criado o Plano de Acção Viseu Viva, que visou recuperar a vitalidade social e cultural do centro histórico bem como a sua capacidade de atração residenci­ al, económica e turística. No mesmo ano a Câmara Muni­ cipal lançou concursos para a reabilitação de sete edifícios e para a construção e exploração do primeiro hostel na­ quele espaço, cuja reabilitação é particularmente relevante dado que a autarquia pretende candidatá­lo a Património da Humanidade. Além daquela zona, o Viseu Novo actua no Bairro Municipal, na Zona da Ribeira e na Cava de Vi­ riato, o que se traduz num total de 1154 edifícios e cerca de 103,7 hectares, segundo dados da SRU. Durante muitos anos falou­se das “cidades do século XXI”. Eram realidades a construir, suposições, conjeturas urbanísticas tantas vezes guiadas pelo imaginário puro e simples. Essas cidades tornaram­se as cidades de hoje e por isso aos problemas urbanos identificados somaram­se outros, primeiro ao desenho da cidade e depois à sua ges­ tão. Promover a inter e a multiculturalidade, mas também o respeito pela identidade das cidades enquanto espaços de qualidade para quem os habita e visita, “evitando os possíveis fenómenos de “disneyficação” ou da má “turisti­ ficação”, são dois dos principais desafios, como alertam Cândida Pestana, José Pinto­Leite e Nuno Marques no re­ ferido estudo. Lisboa é um dos exemplos mais paradigmáticos e as opi­ niões variam entre o relativo isolamento, a abertura total e

14 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Praça D. Duarte no Centro Histórico de Viseu durante o evento Jardins Efémeros.

a procura do equilíbrio possível, sobretudo pela importân­ cia que o turismo assu economia do país e, em particular, da cidade. Foi ele que nos últimos anos esteve na base de diversos investimentos, muitos deles estrangeiros, no mercado imobiliário de zonas históricas como a do Caste­ lo, Alfama, Baixa, Chiado ou Santos. Casas em ruínas fo­ ram recuperadas, prédios devolutos foram novamente habitados e muitas fachadas foram pintadas. O reforço da participação cívica e da coesão social, promovendo, por exemplo, manifestações efémeras de arte pública, e a aposta numa lógica de territórios em rede, que partilhem recursos e explorem afinidades, são outros dos desafios que os especialistas entendem como decisivos nas cidades atuais.


O esforço municipal: cinco casos Texto: Lino Ramos

Por todo o país as câmaras municipais têm desenvolvido ao longo dos anos esforços no sentido de requalificar espaços e edifícios, de modo a fixar a população e atrair novos turis­ tas e residentes. Essas intervenções decor­ rem sobretudo na zona histórica de cada vila ou cidade, o que se compreende pelo valor cultural e simbólico da mesma e pela necessi­ dade – tantas vezes urgente – de salvaguar­ dar um património de séculos. Em Elvas, a classificação das muralhas da cidade como património mundial, em 2012, deu uma responsabilidade acrescida à autarquia e aos diversos agentes culturais no sentido de manterem a herança da cidade, que teve um papel decisivo na defesa estratégica de Portugal. A decisão da Unesco impulsionou o turismo na região: só em 2015 os monumentos de Elvas foram visitados por mais de 242 mil pessoas, sem contar com as que se deslocaram para desfrutar da hotelaria e da restauração, números que, para a autarquia, “justificam a importância do tema da reabili­ tação urbana para as políticas do município”. A importân­ cia da reabilitação urbana nas políticas do município levou­o a aderir, recentemente, ao programa “Reabilitar para arrendar – habitação acessível”, no âmbito do Portu­ gal 2020, destinado à reconversão de edifícios com 30 anos ou mais e unidades industriais abandonadas locali­ zados no centro histórico. A zona histórica está também no centro das ações de re­

16 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


abilitação urbana da autarquia de Chaves, essa importante cidade do Império Romano, então de­ signada por Aquae Flaviae. Os diversos progra­ mas adotados ao longo dos anos permitiram a criação de edifícios emblemáticos como o Museu das Termas Romanas ou o Museu de Arte Con­ temporânea Nadir Afonso, mestre da arquitetura e pintura falecido em 2013. Em São Brás de Al­ portel, o programa “Memórias da Terra – Da Fonte Velha ao Poço Novo” tem promovido a atração turística do concelho, ao reabilitar diver­ sos espaços e monumentos, como o jardim da An­ tiga Fonte Nova e Lavadouro e um antigo calvário de 1680, e ao valorizar a arte de trabalhar o barro, identificando telheiros tradicionais. Como muitos outros municípios, também este quer avançar com novos projetos no âmbito do quadro comuni­ tário de apoio Portugal 2020, entre os quais a transformação de um antigo armazém no Centro de Experimentação Artística da Cortiça e da Pe­ dra ou de um antigo depósito de água num mira­ douro panorâmico. Olhando para o esforço municipal no que res­ peita à reabilitação urbana, analisamos ainda os casos de Arganil e Sátão. No primeiro, a icónica Cerâmica Argalinense, há muito inativa, sofreu uma importante remodelação, dando lugar a uma infraestrutura moderna com piscina, banho turco e sauna. No futuro vai nascer ali o Museu Inter­ nacional do Rally, numa vila que para muitos é a capital da modalidade no país. No Sátão, a reabi­ litação da Capela de Nossa Senhora da Esperança, concluída em 2009, é a obra de maior envergadu­ ra dos últimos anos no concelho e serviu a pro­ moção de todo o património turístico do mesmo, atraindo turistas de diversas nacionalidades.


Elvas: visita à maior fortificação aba­ luartada terreste do mundo Texto: Lino Ramos Fotografia: CM Elvas

Colégio Jesuíta

Museu de Arte Contemporânea

No dia 30 de junho de 2012 a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) classificou a muralha de El­ vas como Património Mundial. A maior fortifi­ cação abaluartada terreste do mundo passou assim a estar protegida, numa área total de 690 hectares que inclui o centro histórico da urbe fronteiriça, as muralhas do século XVII, os for­ tes de Santa Luzia e da Graça, o Aqueduto da Amoreira e três fortins: São Pedro, São Mame­ de e São Domingos. “Essa classificação atribuída pela Unesco re­ forçou, mais ainda, a obrigação de manter a herança recebida pelos nossos antepassados, como sinal da identidade de uma cidade cuja história se perde no tempo e que desempe­ nhou um papel tão importante na defesa e na integridade de Portugal”, sublinha a Câmara Municipal de Elvas. A autarquia destaca o au­ mento do número de visitantes que se tem ve­ rificado nos últimos anos, que veio “reforçar a necessidade da reabilitação do património co­ mo roteiro turístico” e como forma de manter vivo o centro histórico, “potenciando não só o turismo mas também o comércio local”. Em 2015 a região do Alentejo ultrapassou o meio milhão de dormidas de turistas interna­ cionais e, no total, atingiu cerca de 1.300.000 dormidas, segundo dados do Instituto Nacio­ nal de Estatística (INE). No mesmo ano, os monumentos de Elvas foram visitados por mais de 242 mil pessoas, sem contar com as que se deslocaram para desfrutar da hotelaria

18 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Aldeia serrana do séc. XVIII

Numa encosta da Serra da Lousã vira­ da a Nascente, entre 600m e 650m de altitude, no Concelho de Miranda do Corvo e a 9 km do centro de Miranda, estende­se a Aldeia Serrana de Gondra­ maz. O “Pátio do Xisto” descobre­se descendo pela rua principal até ao fim da aldeia, onde a calçada de xisto dá lu­ gar ao caminho que nos leva ao Penedo dos Corvos. Depois da caminhada na natureza descanse nos nossos quartos com banho privativo. Venha conhecer o nosso restaurante. Aberto aos fins de semana, de sexta­ feira ao fim da tarde a Domingo as 17 horas, com possibilidade de marcação para segunda­feira ao almoço ou quin­ ta­feira ao jantar. E­mail: info@patiodoxisto.pt Telemóvel: (+351) 919 759 877 Telefone: (+351) 239 538 012

Publicidade

Gondramaz


Obras de recuperação da sinagoga

e da restauração, números que, para a autar­ quia, “justificam a importância do tema da re­ abilitação urbana para as políticas do município”. Recentemente, Elvas aderiu ao programa “Re­ abilitar para arrendar – habitação acessível”, no âmbito do Portugal 2020, destinado à recon­ versão de edifícios com 30 anos ou mais e uni­ dades industriais abandonadas localizados no centro histórico. A autarquia concede ainda di­ versos benefícios para obras realizadas no con­ celho, como a isenção do pagamento de taxas municipais em intervenções no centro histórico e nas freguesias rurais em imóveis com mais de 30 anos ou o licenciamento zero, que simplifica o regime de exercício das atividades económi­ cas, através da agilização burocrática. Já em agosto deste ano, a Câmara Municipal assinou um memorando de entendimento com o Governo para a concessão a privados de edi­ fícios públicos. O Convento de São Paulo foi o primeiro imóvel a concurso e, mais recente­ mente, foi anunciada uma proposta do Grupo Vila Galé para aí construir uma unidade hote­ leira com 64 quartos e dois restaurantes, num investimento de cerca de 5 milhões de euros que vai criar entre 25 a 30 postos de trabalho. Ainda no centro histórico, no último mês de setembro decorreu uma operação de limpeza e pintura do interior das Portas da Esquina, que concluiu o plano de intervenção estabelecido para as três portas de acesso àquele espaço. Atualmente está em curso a obra de recupera­ ção da sinagoga, que deverá estar concluída no próximo ano, permitindo ao visitante aceder ao antigo edifício.

20 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Publicidade

novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 21


A reabilitação urbana na antiga Aquae Flaviae Texto: Lino Ramos Fotografia: Tiago Canoso

O centro histórico de Chaves tem sido, ao longo dos anos, um espaço privilegiado da política de reabilitação urbana do município. A Operação de Reabilitação Urbana, cuja alteração foi recentemente aprovada, é o culminar de diversas outras ações que começaram nos finais dos anos 80 do século XX, com a elaboração do Plano Integrado de Reabilitação e Revitalização daquele espaço, e que tiveram continuidade em diversas iniciativas, como os programas de dinamização do urbanismo comercial PROCOM/URB­ COM e o Programa POLIS, no âmbito do qual foi elabora­ da uma proposta de Plano de Salvaguarda do Centro Histórico de Chaves, para além de diversas outras ações, entre elas a reabilitação das áreas envolventes de duas Fortificações da Restauração e Monumentos Nacionais (Fortes de S. Francisco e S. Neutel). Mais recentes, os programas “Mais Chaves” e “Chaves Monumental”, também focados no centro histórico, origi­ naram a construção do Museu das Termas Romanas e do Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso. Em 2012 começou a ser elaborado o “Masterplan do Centro Históri­ co”, que suportou a delimitação de uma Área de Reabilita­

22 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


ção Urbana (ARU), em 2013, e a subsequente Operação de Reabilitação Urbana (ORU), aprovada em 2015. Nesse mesmo ano foi ainda aprovada a ampliação da ARU. As­ sim ficaram definidos “diversos instrumentos de apoio à reabilitação urbana, com destaque para um leque alargado de benefícios fiscais, acessíveis aos proprietários que pro­ movam a reabilitação dos seus imóveis”, explica a Câmara Municipal de Chaves. A reconstrução do “Grande Hotel” é uma das grandes obras dos últimos anos em Chaves, a par de outras inter­ venções de menor dimensão, como a reabilitação do Balu­ arte e Ilha do Cavaleiro Cavaleiro (2007­2012) e do edifício do antigo Magistério Primário, para instalação do Centro de Artes Criativas e da Juventude (2009­2012). Mais recentemente foi elaborado ainda o Plano de Ação de Regeneração Urbana (PARU), que prevê vários investi­ mentos no espaço público, na reabilitação de equipamen­ tos, na promoção das atividades económicas e no apoio à reabilitação do edificado privado. O plano surge no âmbito do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PE­ DU), integrado no programa Portugal 2020.

novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 23


Arganil: da cerâmica ao rally Texto: Lino Ramos

Há 20 anos que a Cerâmica Arganilense estava ao aban­ dono. Edifício histórico e simbólico da vila, a infra­estru­ tura clamava por nova vida. As obras de reabilitação começaram em 2012 e transformaram o imóvel numa in­ fraestrutura moderna com novas valências, onde se desta­ cam a piscina, o banho turco e a sauna, um auditório com capacidade para 250 pessoas e um multiusos. Num futuro próximo o espaço vai acolher o Museu In­ ternacional do Rally, o único dedicado exclusivamente a esta prática automobilística e que, segundo a Câmara Mu­ nicipal de Arganil, “surgirá como potenciador de desen­ volvimento económico e coesão social no concelho”, considerado por muitos a catedral dos ralis em Portugal. O projecto representou um investimento de mais de seis milhões de euros e foi co­financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do POVT – Programa Operacional Temático Valorização do Territó­ rio, e do MAIS CENTRO – Programa Operacional Regio­ nal do Centro. Para a autarquia, a reabilitação urbana assume “particu­ lar relevância” nas políticas do município, “num tempo em que se pretende tornar as vilas e aldeias do concelho como os melhores lugares para viver, num ambiente urbano atrativo e ordenado”. Uma das principais medidas toma­ das nesse sentido foi a criação das áreas de reabilitação urbana na sede do concelho e em cada uma das freguesias, com benefícios fiscais para os proprietários dos prédios objeto de intervenção. A autarquia de Arganil lançou ainda o Plano de Ação pa­ ra a Reabilitação Urbana do concelho, que vai permitir uma ampla intervenção de requalificação do espaço públi­ co do centro e a criação da Casa das Coletividades, a partir da requalificação do antigo Quartel da GNR.

24 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Publicidade

novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 25


São Brás de Alportel: reabilitar para habitar Texto: Lino Ramos Fotografia: CM São Brás de Alportel

O jardim da antiga Fonte Nova e Lavadouro é hoje um dos principais locais de interesse turístico do centro histó­ rico de São Brás de Alportel. A reabilitação do espaço, em 2015, integrou o projeto “Memórias da Terra – Da Fonte Velha ao Poço Novo”, com o qual a autarquia pretendeu valorizar o património do concelho, nomeadamente luga­ res com história e vivência comunitária que ficaram es­ quecidos no tempo. Como em outros municípios, também em São Brás de Alportel o centro histórico está no centro das políticas de reabilitação urbana. Em 2008 foi publicado o Plano Por­ menor de Reabilitação daquela zona e em 2012 surgiu a Comissão Municipal de Preservação do mesmo. Já este ano, a Câmara Municipal aprovou a delimitação de uma Área de Reabilitação Urbana (ARU), coincidente com os limites do centro histórico, com o objetivo de “reforçar a atractividade e qualidade deste espaço nobre da vila”, re­ vela a autarquia. O município preparou ainda um Plano de Ação e Rege­ neração Urbana (PARU) no qual participaram ativamente os proprietários do centro histórico e que prevê diversos projetos de reabilitação não só camarários como também privados. Entre essas intervenções destaca­se a reabilita­ ção do Quarteirão 4 olhos, que vai permitir acolher uma

26 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


retrosaria tradicional e criar um Centro de Empreendedo­ rismo para novas empresas. O plano inclui ainda um conjunto alargado de cerca de quatro dezenas de projetos de reabilitação por parte de proprietários particulares do centro histórico, o que, se­ gundo a Câmara Municipal, “é bem representativo da in­ tensa dinâmica de revitalização que o centro histórico está a viver neste momento”. No entanto, a recuperação da Fonte Nova e do Lavadouro é, para a autarquia, “a mais emblemática das intervenções recentes de reabilitação urbana” do município. O projeto “Memórias da Terra ­ Da Fonte Velha ao Poço Novo” in­ cluiu diversas outras intervenções, como o restauro de mu­ ros antigos, a reparação de um antigo Calvário datado de 1680 e a criação de dois novos percursos pedestres. Mais no âmbito do património imaterial, o programa, quer repre­ sentou um investimento superior a 150 milhões de euros – 60% dos quais vindos do PRODER – procurou ainda valo­ rizar a arte de trabalhar o barro, identificando telheiros tra­ dicionais em zonas do concelho onde estes predominam, o que levou à criação de um novo percurso turístico. Entre as obras de reabilitação urbana levadas a cabo pela Câmara de São Brás de Alportel ao longo dos últimos anos destaca­se ainda a transformação do antigo Palácio Epis­ copal, do século XVI, em Centro de Artes e Ofícios e da antiga Central Elétrica em Oficina dos Sons ou a recupera­ ção de antigas escolas primárias para criar jardins­de­in­ fância e centros comunitários de educação ambiental. A autarquia tem ainda em curso outros projetos que pre­ tende executar ao abrigo do novo quadro comunitário, en­ tre os quais a reabilitação do antigo Lagar de Azeite para dar origem à Fábrica das Artes, a recuperação de um anti­ go armazém que há de acolher o Centro de Experimenta­ ção Artística da Cortiça e da Pedra ou a valorização do antigo Depósito de Água onde pretende criar um miradou­ ro panorâmico.


Sátão: uma capela que mexeu com o turismo Texto: Lino Ramos Fotografia: Tiago Canoso

Os azulejos azuis e brancos que se encontram à entrada da Capela de Nossa Senhora da Esperança, no Sátão, mos­ tram cenas de caça, amor, galanteio, música. A vida dos homens, numa mistura de sagrado e profano. Quem entra sem guia não se apercebe de uma relíquia de valor incal­ culável: na parede estão dois documentos que muitos jul­ gam ser da história do espaço mas que, na verdade, são duas indulgências, de João Baptista e João Evangelista, concedidas pelo Papa Alexandre VIII, que libertam de qualquer pecado quem ali for. O templo é um dos mais importantes monumentos da

28 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


época barroca em toda a Beira Alta e foi requalificado há pou­ cos anos. Antes disso, pouco se sabia das pinturas e indulgên­ cias. Quem conheceu a capela antes do restauro diz que esta está irreconhecível. O antes e o depois pode ser visto na zona da sacristia e a provar a curio­ sidade e o interesse da obra es­ tá o aumento do número de turistas de ano para ano, revela Sandra Correia, guia do espaço desde 2010. “A requalificação da Capela de Nossa Senhora da Esperança foi de uma impor­ tância fundamental para o de­ senvolvimento turístico do concelho de Sátão”, garante a Câmara Municipal. A autarquia tem outros proje­ tos de reabilitação urbana em andamento, como a requalifi­ cação do Bussaquinho, da en­ volvente do edifício da Câmara Municipal, da Biblioteca Muni­ cipal e da Igreja de Santa Maria em Sátão. A curto prazo o mu­ nicípio pretende requalificar a Quinta das Vigárias. Outras obras estão já concluídas, com destaque para a Praia Fluvial do Trabulo, a Rua Dr. Hilário de Almeida Pereira, a Praceta do Poço, a Praceta do Túnel ou a Casa da Cultura de Sátão. novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 29


O esforço privado: turismo rural ou regresso às origens Texto: Lino Ramos Fotografia: Tiago Canoso

A par do esforço público, estatal ou camarário, a reabilitação urbana em Portugal tem assistido a diversas iniciativas privadas. O turismo em espaço rural é uma forte aposta de empresas e particulares, uma espécie de regresso ao pas­ sado sem deixar de olhar para o futuro.

Traços d'Outrora

30 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Nas próximas páginas apresentamos três exemplos neste domínio, começando pela ilha de São Miguel, nos Açores, onde há quatro casas de campo amigas do ambiente, com salamandras a lenha, painéis so­ lares ou lâmpadas de baixo consumo. Os clientes são sensibilizados para atividades ao ar livre, dispondo, por exemplo, de bicicletas que podem usar gratuita­ mente. Uma preocupação ambiental que já valeu à empresa Tradicampo Ecocountry Houses o prémio Green Key em 2012. Situadas em pequenos povoa­ dos rurais que mantêm o equilíbrio entre a natureza e a paisagem humanizada, as habitações preservam o traço arquitetónico original e têm vistas deslum­ brantes para o mar e a montanha. O imponente Mosteiro de São Cristóvão de Lafões, no concelho de São Pedro do Sul, terá sido o primei­ ro mosteiro circense fundado em Portugal, ainda no século XII. O abandono progressivo levou­o à ruína completa, até que, na década de 80 do século passa­ do, um casal recuperou o espaço e adaptou­o a turis­ mo de habitação. No pequeno promontório circundado por uma verdejante paisagem reina o sossego, tão procurado pelos monges de Cister. O lu­ gar guarda a magia dos tempos antigos, com as típi­ cas paredes em granito, as manjedouras ou a prensa de moer uvas. No último artigo apresentamos Custódio, Rosalina, Derminda e Matilde, antigos habitantes da aldeia de Trebilhadouro, perdida nas encostas da Serra da Freita, concelho de Vale de Cambra. O último mora­ dor saiu da aldeia na década de 80 do século passa­ do e, quase 20 anos depois, a empresa Traços d’Outrora adquiriu e reabilitou as casas desses qua­ tro residentes, dando a cada uma o nome do seu an­ tigo dono e adaptando­as ao negócio do turismo rural. novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 31


Nas casas de Custódio, Rosalina, Paço de Mato e Matilde Texto: Lino Ramos Fotografia: Tiago Canoso

O tempo parou na pequena aldeia de Trebilhadouro, em Va­ le de Cambra. A empresa Traços d’Outrora recuperou quatro casas de antigos habitantes e adaptou­as ao turismo rural. Custódio, Rosalina, Paço de Mato e Matilde foram, ou­ trora, habitantes da recôndita aldeia de Trebilhadouro, em Vale de Cambra. Hoje dão nome a quatro casas de turismo rural muito especiais onde cada parede, cada janela, cada canto guarda memórias. Pertencem à empresa Traços d’Outrora, que iniciou esta “aventura” há nove anos. Em 2007 Isabel Fonseca e Horário Pereira andavam à procura de uma casa de campo e encontraram o antigo lar de Rosalina. Foi amor à primeira vista. Adquiririam o imóvel e, dois anos depois, candidataram­se a fundos co­ munitários com o compromisso de o explorar como casa de campo em espaço rural. Além desta, compraram mais três casas pequenas. “A aposta iniciou­se para concretizar um gosto de família, sendo complementado pela oportunidade da projeção que o país estava a ter no mercado externo na área do turismo, de forma transversal”, revela Isabel Fonseca, proprietária da Traços d’Outrora. Pela mesma altura, o território onde se situa a aldeia candidatou­se à Carta Europeia de Turismo Sustentável e criou a marca Montanhas Mágicas, no cen­ tro/norte do país, uma área que engloba quatro sítios da Rede Natura 2000 e um geoparque da Unesco, e aposta num modelo turístico responsável e sustentável, focado no ecoturismo, no geoturismo e no turismo ativo. O município recebeu fundos comunitários para as infra­ estruturas públicas e os promotores particulares candida­ taram a programa do Programa de Desenvolvimento Regi­ onal (Proder), com apoio de cerca de 60 %, explica a responsável, que destaca o papel relevante da autarquia “quer ao nível do acompanhamento na requalificação dos

32 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


espaços, como na dinâmica contínua das aldeias, permi­ tindo a deslocação de massa humana aos locais”. A recuperação das casas coube ao arquiteto André Tava­ res, que tentou dar um traço de modernidade, mantendo a tradição. Enquanto as habitações eram restauradas, Trebi­ lhadouro recebia a classificação de “Aldeia de Portugal”. As antigas casas de Custódio, Rosalina, Paço de Mato e Matil­ de abriram portas em 2014 e desde então Isabel Fonseca e Horário Pereira já receberam pessoas de diversas nacionali­ dades, sobretudo de Espanha, França, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Alemanha, Finlândia, Itália e Estados Unidos, que procuram essencialmente estadias superiores a cinco dias. O público português, maioritário, prefere o fim de semana. novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 33


“O negócio encontrava se em crescimento contínuo até ao passado mês de agosto, mas devido aos incêndios na zona envolvente sofreu uma queda acentuada”, lamenta a proprietária, que explica que a procura neste tipo de turis­ mo “tem por base a exploração da natureza e o pedestria­ nismo”, ambos afetados pelos fogos. As pitorescas aldeias, a Serra da Freita, as pedras parideiras e a Frecha da Miza­ rela, uma das maiores cascatas de Portugal, são alguns dos atrativos para quem visita esta zona.

34 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Prémio IHRU distingue boas práticas A Traços d’Outrora foi distinguida, em 2015, com o Prémio IHRU, que reconhece “ações de reabilitação ur­ bana exemplares” e as “boas práti­ cas” neste domínio, públicas ou privadas. Um dos seus objetivos é captar o interesse dos cidadãos pela preservação e revitalização do patri­ mónio habitacional e das áreas urba­ nas, através da divulgação das melhores intervenções. Além da Traços d’Outrora, o prémio do Instituto de Habitação e Reabilita­ ção Urbana distinguiu as Casas dos Avós ­ Turismo Rural, na mesma al­ deia. Áurea Marques nunca viveu no pequeno povoado mas tem lá as suas raízes familiares – é a terra da mãe – e sempre o visitou com regularidade. Após herdar cinco habitações devolu­ tas, decidiu recuperá­las, como forma de manter viva uma parte da sua vida. Com a colaboração do arquiteto André Tavares, o que começou por se chamar de projeto “Reviver Trebi­ lhadouro” transformou­se em cinco casas cujos nomes são uma homena­ gem aos pais da proprietária, Samuel e Derminda, e aos avós, Barbosa, Clara e Quitas. As habitações, em pe­ dra, dispõem 12 quartos e, segundo a empresa, preservam “todas as carac­ terísticas da arquitetura tradicional rural portuguesa”.


Casas amigas do ambiente Texto: Lino Ramos Fotografia: Tradicampo

Uma paisagem de sonho rodeia as casas, que mantêm os traços arquitetónicos característicos da ilha de São Mi­ guel, nos Açores. Pertencem à Tradicampo, empresa que faz da sustentabilidade ambiental o seu ponto de honra Vermelho, cor­de­rosa, azul. O colorido das hortências e azáleas ladeia as estradas de Nordeste, na Ilha de São Mi­ guel, arquipélago dos Açores. Neste concelho montanhoso com vista privilegiada sobre o oceano Atlântico, há um conjunto de casas amigas do ambiente. Pertencem à Tra­ dicampo Ecocountry Houses, uma empresa de turismo em espaço rural criada em 2008. A localização das casas, as vistas para o mar e a monta­ nha e a existência de terrenos circundantes foram fatores decisivos na compra das casas. Além disso, a empresa pro­ curou edifícios que não estivessem descaracterizados do ponto de vista arquitetónico, de forma a mais facilmente reabilitar ou manter a sua traça original. “Na recuperação das casas houve a intenção expressa de reabilitar a arqui­ tetura existente, através da reposição de volumetrias origi­ nais com recurso ao uso de materiais e técnicas tradicionais”, explica a Tradicampo. Nos terrenos envolventes foram criadas zonas ajardina­ das, que dispõem de um misto de plantas ornamentais, al­ gumas endémicas, e árvores de fruta, tipicamente usadas nos quintais das quintas rurais açorianas. O interior foi decorado com mobiliário antigo tradicional, a par de “so­ luções contemporâneas”, de forma a obter elevados níveis de autenticidade e conforto”. “Estes novos espaços deve­ rão ter uma leitura contemporânea mas, simultaneamen­ te, estabelecer uma relação harmoniosa com os edifícios originais”. O grande objetivo é, segundo a empresa, criar espaços com “alma”. Os primeiros hóspedes chegaram em 2009 e cedo perce­

36 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Antes da reabilitação

Depois da reabilitação

beram que a sustentabilidade ambiental é um dos pontos de honra da Tradicampo, que até já lhe valeu alguns prémios. O uso de painéis solares, lâmpadas de baixo consumo, ou salamandras a lenha e a existência de tanques de recolha de água das chuvas para regar os jardins são alguns dos cuida­ dos que se observam nas quatro casas de campo. Os clientes também são chamados a esta causa e sensibi­ novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 37


Antes da reabilitação

Depois da reabilitação

lizados para atividades ao ar livre, dispondo, por exemplo, de bicicletas que podem usar gratuitamente. Em alternati­ va, há trilhos pedestres, banhos termais, observação de aves, passeios de todo­o­terreno, praias semi­desertas vi­ sitas a parques florestais, jardins botânicos, faróis ou mu­ seus. Uma preocupação ambiental que desde 2012 vale à Tradicampo o prémio Green Key, que promove o turismo sustentável. As casas da Tradicampo estão distribuídas por três pro­ priedades, nas freguesias rurais de Algarvia e São Pedro Nordestinho, que estão entre as zonas mais preservadas da ilha de São Miguel, pequenos povoados rurais onde se mantém o equilíbrio entre a natureza e a paisagem huma­ nizada e, além disso, com bons acessos rodoviários. Os cli­ entes são maioritariamente estrangeiros (cerca de 90%), chegam sobretudo da Alemanha e ficam, em média, sete noites. “Procuram o contacto com a natureza, sendo a ac­ tividade principal o pedestrianismo”. Os proprietários sentem que o turismo na região está nu­ ma fase de crescimento acentuado, mas esperam que este seja “acompanhado da manutenção da preservação ambi­ ental da região e da sua imagem de natureza intocada”.

38 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Publicidade

O silêncio, a paisa­ gem verdejante e o ambiente serrano que caracterizam o Trebilhadouro fazem da Traços de Outrora um espaço de turis­ mo rural ideal para umas férias repou­ santes, em contacto com a natureza.

CONTACTOS Tel: +351 918 795 674 Tel (EN): +351 914 907 248 Email: reservas(a)tracosdoutrora.com Morada: Lugar de Trebilhadouro 3730­704 Rôge Vale de Cambra · Aveiro Portugal GPS: 40°52"03.87 N | 8°20"30.54 W Facebook: www.facebook.com/traços­de­ outrora­lda


Na casa dos monges de Cister Texto: Lino Ramos

Na década de 80 do século passado, o emblemático Mosteiro de São Cristóvão de Lafões, no concelho de São Pedro do Sul, estava em ruínas. Domingas Osswald e o marido recuperaram o edifício e transforam­no em espaço de turismo rural Um portão de ferro preto dá acesso ao mosteiro, um edifício imponente. O espigueiro e o tanque com uma argola para prender os cavalos, ambos em granito, lembram os tempos em que os monges de Cister aqui viveram alheados do mundo. É um local propenso ao refúgio, estrategicamente situado num pequeno promontório rodeado por uma verdejante paisagem de carvalhos e pinheiros onde o silêncio apenas é quebrado pelo som do rio Varoso, um afluente do Vouga que corre lá em baixo. Estamos no Mosteiro de São Cristóvão de Lafões, no concelho de São Pedro do Sul, que muitos historiadores dizem ser o primeiro mosteiro circense fundado em Portugal, algures entre 1138 e 1140. Depois do abandono a que foi votado no século XIX o edifício entrou em ruína progressiva, ora destruído por incêndios, ora despojado de azulejos, pias de pedra, portadas e todo o seu travejamento em madeira, até que, já na década de 1980, foi requalificado e hoje funciona como turismo de habitação. Domingas Osswald e o marido adquiram o imóvel em 1984. “Só as paredes estavam em pé, o mosteiro estava sem pisos, sem telhado e quase engolido pela vegetação”, lembra. Durante cinco anos reconstruíram o edifício “sem ajuda de subsídios” e fizeram dele a casa de férias. Os anexos, bem como a casa dos Irmãos Conversos, continuaram em ruínas, mas em 2002 os proprietários resolveram recuperá­los para ajudar à manutenção do mosteiro, “que é muito dispendiosa”. Também reabilitaram dois quartos do mosteiro, os únicos que

40 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


tinham tamanho para fazer quartos de banho ensuite. A candidatura ao programa SIVETUR teve um apoio de 25% a fundo perdido. A intervenção respeitou, em traços gerais, o estilo original do edifício, e as características arquitetónicas decorativas de muitos dos equipamentos iniciais, tais como as manjedouras de granito dos antigos estábulos, agora usadas como mesas com tampo de vidro ou parte das bancadas de lavatório dos banhos. O espaço foi inaugurado como turismo de habitação em março de 2004. Depois do portão entramos no pátio, formado pelo edifício principal, do lado esquerdo, e por uma casa em granito – a casa dos Conversos –, do lado direito. Em frente, as antigas instalações, onde se guardava o gado e os produtos alimentares e se fazia o pão, funcionam hoje como requintados quartos autónomos. O granito das paredes é acompanhado do travejamento castanho na zona de acesso aos aposentos, que tem azulejos pintados à mão, com nomes próprios como Frei Tomás ou Frei Francisco. No antigo refeitório de bancos e mesas corridas está o lava­ mãos em granito lavrado e os azulejos azuis que cobrem até meia altura toda a sala. Todo o piso térreo está à disposição dos hóspedes. É aqui que fica a adega, cuidadosamente decorada, e a ampla cozinha abobadada com uma enorme chaminé onde ainda hoje se preparam várias iguarias. No piso superior, onde outrora funcionou uma hospedaria, fica o aposento do abade, a enfermaria e a biblioteca. No acesso à piscina e ao jardim ainda se conservam alguns instrumentos antigos, como uma prensa para moer uvas. As refeições são servidas mesmo ao lado, de frente para uma grande janela que dá para o interior do vale. Entre as atividades que o Mosteiro de São Cristóvão de Lafões propõe aos hóspedes destacam­se as caminhadas, a canoagem ou os passeios de bicicleta. À noite, os livros, arrumados nas prateleiras, convidam­nos a conhecer a história da região, e também há jogos de mesa, sempre na companhia de música clássica.


A riqueza do Xisto Texto: Lino Ramos Fotografia: Pátio do Xisto

42 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


O Pátio do Xisto, situado em Gondramaz, Miranda do Cor­ vo, distrito de Coimbra, é mais um exemplo de reabili­ tação. Em 2005 a proprietária do espaço, Lúcia Rola, apre­ sentou um projecto para a re­ abilitação do imóvel centenário, assim como do restaurante que o comple­ menta. Esse projecto veio aprovado e a “Casa de Cam­ po” foi alvo de restauro. Com paredes de xisto tão caracte­ rísticas da região, a Casa manteve a traça original, ape­ nas revestindo as paredes por dentro para manter o isola­ mento térmico. Esta “Casa de Campo” inte­ gra a rede das aldeias do Xis­ to, constituída por 27 aldeias em que foram reabilitadas vá­ rias casas para se transforma­ rem em alojamento local e casas de campo. E numa casa tão tradicional quanto é pos­ sível, não pode faltar uma boa gastronomia. A chanfana, o arroz de cabidela, o lombo e o entrecosto com castanhas e o galo à Gondramaz são os principais petiscos do “Pátio do Xisto”, sendo que os visi­ tantes dizem que esta é “a melhor chanfana do mundo”. novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 43


Do Carrapichel à Ínsua Texto: Ana Margarida Gomes Fotografia: Grupo Visabeira

Na procura por mais casos de reabilitação fo­ mos entrevistar José Luís Nogueira, Presiden­ te da Visabeira Turismo. A responsabilidade de restauro e reabilitação de alguns hóteis da empresa coube­lhe a ele. Descla (D) – Relativamente aos hotéis que perten­ cem ao grupo e que foram alvo de algum tipo de reabilitação, quais os mais emblemáticos? José Luís Nogueira (JLN) – A Casa da Ínsua e o Mon­ tebelo Vista Alegre Ílhavo Hotel são os dois mais emble­ máticos. Temos outros, mas estes são os casos mais visíveis da nossa oferta turística. Foi nestes que houve in­ tervenções de fundo e em que nós não só recuperámos edifícios, como também preservámos a sua história, a sua identidade. Tirámos partido disso para que as pessoas ao visitarem percebam o que aquilo foi no passado e a mais­ valia que pode trazer para as gerações futuras. É não só preservar as pedras e paredes mas também o que não é fí­ sico, o que está por detrás disso. D – No caso da Casa da Ínsua estamos a falar em século XVIII… JLN – … é muito mais antiga. A Casa da Ínsua que hoje conhecemos deverá ter sido construída por volta de 1780, mas já existia uma Casa da Ínsua nessa altura. A capela é muito anterior, os terraços de pedra da casa são dessa ver­ são anterior. Engraçado que é irmã de um monumento que está no brasil que é o Forte Príncipe da Beira, que é algo no meio da amazónia completamente megalómano, até o Marquês de Pombal achava que era grande demais.

44 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


D – Quais foram os desafios na recuperação des­ tes edifícios? JLN – Começando pela Casa da Ínsua o principal desafio era manter toda aquela ambiência e transformar aquilo num hotel que conseguisse transferir para as pessoas que o iam utilizar essas sensações, quer associadas à constru­ ção, à arquitectura, à pintura, à actividade militar portu­ guesa da época, aos jardins. O primeiro grande desafio foi construir uma unidade ho­ teleira com alguma dimensão sem destruir aquilo que era a essência da Casa. O desafio era recuperá­la no sentido de voltar aquilo que era antes, não destruir nada, não modifi­ car absolutamente nada. Isso foi feito, nomeadamente nu­ ma das salas mais imponentes, a sala dos retractos, em que se descobriu que por baixo da parede que estava pin­ tada de amarelo havia pinturas mais antigas. Há uma ex­ cepção que é a sala chinesa. Foi decorada por volta de 1900, cerca de 100 anos depois de ter sido construída a Casa e nós reparámos que por trás do papel de arroz que novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 45


hoje lá está e das canas de bambu estava um papel de pa­ rede às risquinhas azul e branco, que seria anterior. Por este critério devíamos tirar tudo que era chinês, mas isso era tirar a identidade à casa, aquele ambiente tinha sido criado com uma lógica, não só o que está nas paredes, co­ mo todo o mobiliário, todo aquele encanto. Há um porme­ nor interessantíssimo que é um samurai mecanizado, que hoje infelizmente já lhe faltavam peças e não foi possível recuperá­lo integralmente. O desafio era integrar a Casa com algo mais, porque os 12 quartos não eram suficientes para criar uma unidade ho­ teleira. Passou­se para a recuperação de algumas casas que havia e que foram transformadas em apartamentos, o que que permitiu ampliar a capacidade.

D – Relativamente ao Montebelo Ílhavo. Quais fo­ ram os desafios da reabilitação? JLN – Nós comprámos a Vista Alegre, que normalmente é conhecida como marca de porcelana, associada também

46 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


aos cristais e aos vidros, em 2009. O fundador quando cri­ ou a marca criou um conjunto de outras funcionalidades: um bairro operário, muito inovador para a época. Era uma pessoa muito preocupada com as condições, as pessoas andavam descalças e ele obrigava­as a calçarem­se por questões de higiene, mas também segurança para os pró­ prios trabalhadores. Criou escolas, um teatro, uma banda e mais tarde os bombeiros. É neste contexto de bairro que aparece o nosso projecto para a Vista Alegre, revitalizar indo mais além. Conseguimos criar um conjunto de vonta­ des com a direcção de cultura, com a câmara municipal e com uma série de outras entidades. No fundo, envolvendo toda esta gente no projecto para não só construir o hotel, como ampliar a fábrica e recuperar o espaço, pegar no conceito de museu e levá­lo mais além e recuperar o tea­ tro, a capela e todo o bairro, que é um projecto que ainda não está concluído. A fábrica começou em 1824 e há desenhos do primeiro mestre pintor, Victor Rousseau. Recuperámos uma sala em que as paredes são desse tempo. Neste hotel respira­se porcelana, é um hotel que este decorado com peças de arte únicas, que foram desenhadas exclusivamente para o es­ paço. Temos três pisos de quartos e cada um tem uma te­ mática associada à decoração da porcelana. No primeiro temos a presença dos moldes, a génese da porcelana; no segundo mais dos brancos, a pureza da porcelana e no ter­ ceiro muita cor, a exuberância da arte. D – Podemos afirmar que para além de serem ho­ téis, são muito mais do que isso. Por exemplo na Casa da ínsua há eventos e visitas guiadas. JLN – Isso é o grande ativo deste tipo de hotelaria, temos lá tido pessoas que depois voltam várias vezes porque en­ contram outros pontos de interesse que não estavam à es­ pera. Pode­se ir à Casa da Ínsua e fazer a vindima, andar com as ovelhas e fazer o queijo. No fundo, a casa está num novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 47


sítio que tem o vinho, o queijo e as maças bravo de Esmol­ fe, três pontos que são atractivos.

D – E em Ílhavo? JLN – Em Ílhavo nós levamos isto a um exponencial mui­ to maior, o visitar, o estar num hotel é muito mais do que

48 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


uma estadia. A pessoa que está no hotel tem logo direito a fazer o circuito expositivo do museu. O museu da vista alegre é talvez, um dos primeiros museus nacionais, desde o princípio que houve a filosofia de guardar as peças. Ha­ via mesmo salas que eram visitáveis, primeiro mais anti­ gas nesta zona da capela, depois aquilo que hoje chamamos o varandim dos pintores que é o hall central de todo o palácio. A partir de 1964 o museu já tinha instala­ ções próprias. Em 2000 muda de sítio, deixa de estar ao fundo do terrei­ ro, passa para toda a ala direita, à frente da fábrica. No cir­ cuito expositivo do museu estão alguns dos fornos, um primeiro que é alemão, dos anos 40, e na sala seguinte um forno idêntico com algumas inovações tecnológicas interes­ santes, deixou de ser a carvão e passou a ser a lenha, e já foi feito pela própria fábrica. Percorrer o museu é realmente uma experiência completamente nova. Está organizado por salas temáticas: uma tem a ver com a fundação, outra com os vidros, depois o pó de pedra que é antes da porcelana, a seguir vem a cor, quando no final do século XIX inícios do século XX os grandes artistas portugueses e estrangeiros chegaram à vista alegre e revolucionaram tudo. Há bastan­ tes mais salas, até aos contemporâneos e há uma coisa que tem sido um sucesso muito grande que é a pessoa no final poder tirar uma selfie num vídeo monitor que lá está e dei­ xar uma frase sobre a vista alegre que depois recebe no seu email. O percurso conflui para a loja, que foi também uma coisa que nós criámos, uma loja de fábrica.

Curiosidade: A fonte Carrapichel será, segundo tudo indica, a cé­ dula de nascimento do to­ pónimo “Vista Alegre”. A fonte está datada de 1693 e tem lá um texto que nos últimos 4 diz: “Bebe pois, bebe à vontade. Acharás que é (muitas vezes) Tão útil para a saúde Quão pa­ ra a Vista Alegre”.

D – Têm programas que englobem outros espaços culturais? JLN – O museu está associado a outros museus de Ílhavo. Dentro da óptica da visabeira temos um programa que con­ siste em fazer a visita aos nossos museus. Temos a Casa da Insua, o museu da vista alegre, o museu bordalo pinheiro nas Caldas da Rainha e o museu do cristal em Alcobaça. novembro 2016| ...by Descla | Reabilitar | 49


50 | Reabilitar |...by Descla | novembro 2016


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.