O turismo pode ser para todos

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O turismo pode ser para todos

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Ficha técnica

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Propriedade, edição e distribuição: Gomes & Canoso, Lda. Rua São João, nº. 39, Repeses 3500-727 Viseu Telefone: 232 407 544 Telemóvel: 969 474 853 Directora: Olinda Martins Redacção: Ana Margarida Gomes e Lino Ramos

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Design e paginação: Tiago Canoso Publicidade e marketing: Tiago Canoso Telefone: 232 407 544 Telemóvel: 969 474 853 Visite o nosso website em www.descla.pt

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04 — Editorial 06 — Turismo de Portugal 12 — “Trazer para o turismo acessível o turismo inclusivo” 18 — Turismo para todos 24 — Um refúgio no monte 26 — Centro de Portugal, um destino turístico para todos

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32 — Acessível e inclusivo 34 — Viseu: uma cidade acessível 38 — Turismo acessível em Sátão 40 — “TUR4all”: informação de todos para todos 46 — Uma lei por cumprir

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54 — Acessibilidades pelo páis todo

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Editorial Turismo para todos O turismo acessível é uma grande oportunidade de negócio se pensarmos que há 140 milhões de pessoas na Europa com necessidades especiais quando viajam e as previsões apontam para que em 2020 haja, só neste continente, cerca de 862 milhões de viagens anuais na área de turismo acessível. Os agentes turísticos começam a compreender o potencial deste segmento e adaptam-se cada vez mais às necessidades dos clientes. Um pouco por todo o lado surgem restaurantes com menus em braille ou hotéis com quartos adaptados a pessoas de mobilidade reduzida, só para referir alguns exemplos. Os empreendimentos turísticos Selão da Eira, Refúgio do Monte e Villa Batalha são três dos casos que se destacam nesta área e que apresentamos nesta edição. A acessibilidade é, de resto, um dos eixos prioritários da estratégia de turismo para os próximos dez anos em Portugal, como nos conta o presidente do Turismo de Portugal, Luís Araú-

jo. Entre o trabalho que está a ser feito ou em preparação realçamos o TUR4all, uma plataforma onde os turistas com necessidades especiais vão poder consultar informação sobre condições de acessibilidade em hotéis, monumentos e museus ou a existência de transportes adaptados, e o projecto Brendait, que procura fazer da região Oeste de Portugal um destino turístico acessível a todos. No entanto, há alguns problemas que urge resolver. A começar pelo decreto-lei nº 163/2006, que estabeleceu um prazo de dez anos para que os edifícios públicos e privados, turísticos e comerciais se adaptassem e que ainda não está devidamente cumprido. A mentalidade e a formação são outras questões que precisam de ser trabalhadas para que os turistas com necessidades especiais sejam tratados da melhor forma e sem qualquer tipo de discriminação. Boas leituras, A equipa da Descla

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Turismo de Portugal O turismo acessível é um dos eixos prioritários da estratégia de turismo para os próximos 10 anos em Portugal (2017-2027). A melhoria e a diversificação da oferta hoteleira, da restauração e de operadores turísticos, assim como a qualificação de recursos humanos que trabalham directamente com o segmento da acessibilidade são alguns dos exemplos das medidas a ser tomadas. “O desenvolvimento do turismo acessível em Portugal, para além de constituir uma obrigação social que decorre da lei em vigor, constitui igualmente uma oportunidade de negócio para as empresas turísticas”, refere Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal. Infelizmente, ainda existe

muito a tendência para associar o turismo acessível apenas a pessoas com mobilidade reduzida, mas a acessibilidade é mais do que isso. “Assim, este mercado não se cinge às pessoas com deficiência, mas é, na verdade, composto por todo aquele que enfrenta ou pode enfrentar uma limitação

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temporária ou definitiva. Não estamos, por isso a responder a um “nicho” de mercado, mas antes a criar as condições para poder constar entre os destinos escolhidos pelos turistas com necessidades específicas”, frisa o presidente do Turismo de Portugal. Não nos podemos esquecer que a população está a envelhecer e também o turismo sénior tem de ser tido em conta. Um mercado competitivo No ano de 2016 Portugal atingiu valores históricos na área do turismo, que foi considerada a maior actividade económica exportadora do país (16,7%). Só na Europa prevê-se que em 2020 haja cerca de 862 milhões de viagens anuais apenas na área de turismo acessível. “Ao tornarmos Portugal

num destino turístico acessível para todos, responde-se às necessidades individuais de cada visitante, oferecendo um serviço com maior qualidade e reforçando a sua atractividade e sustentabilidade, levando ao aumento do número de turistas que procuram o nosso país”, afirma Luís Araújo. Este segmento de turistas viaja várias vezes por ano, aumentando a média de noites que permanecem num hotel e baixando o índice de sazonalidade, pois não viajam apenas no Verão. Estes factores são determinantes para aumentar a taxa de turismo em Portugal. Mercados como o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Itália e a Espanha são de extrema importância, pois cada um deles reúne mais de 10 milhões de pessoas com necessidades específicas de acessibilidade.

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ARTE

PÚBLICA

JUNHO 17›25 2017

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LOURES


Portugal tem aqui uma oportunidade de ser competitivo, pois a nível de turismo acessível na Europa, ainda há uma grande carência. Os hotéis, restaurantes e operados turísticos que apostarem no turismo acessível, estarão, assim, um passo à frente. ALL FOR ALL Em Setembro de 2016 foi lançado o programa ALL FOR ALL, que consiste em capacitar e adaptar o turismo português para se tornar acessível para todos. “Este Programa pretende informar, incentivar e fidelizar a procura turística através da divulgação da oferta turística acessível existente em Portugal, com recurso ao canal visitportugal e a uma campanha audiovisual, com filmes de curta duração que mostram as possibilidades de visitação em

cada região turística por parte de turistas com necessidades específicas”, explica. “Temos vindo a registar com agrado um número crescente de equipamentos culturais que apostam na acessibilidade física e comunicacional. Existem vários equipamentos premiados por essa aposta e também no âmbito da Linha de Apoio ao Turismo Acessível existe um esforço dos municípios e das entidades privadas gestoras de equipamento cultural em apresentar projectos relacionados com a adequação destes espaços a uma cada vez maior diversidade de públicos”, sublinha. Assim, é muito importante “consolidar o nosso país como um destino turístico inclusivo”, dando seguimento ao projecto “Tornar Portugal um destino acessível para todos”, frisa Luís Araújo.

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“Trazer para o turismo acessível o turismo inclusivo” Fotografia: Tiago Canoso

No âmbito do Turismo acessível a Descla entrevistou Maria João Martins, responsável pela área de Turismo Acessível na Associação de Hotelaria de Portugal (AHP). Descla (D) – A Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) foi um dos parceiros que estiveram na base do projecto Brendait. O objectivo deste projecto foi alcançado? Maria João Martins (MJM) – A ideia foi que o projecto conseguisse criar uma rede, e isso foi conseguido. Agregámos uma série de parceiros externos de diversas actividades dentro do sector turístico: alojamento, restauração, animação turística, Postos de Turismo e museus. O Brendait funcionou não só como um espelhar de experiências, mas

principalmente como uma forma de apresentar soluções. D – Muitas vezes as pessoas que têm mobilidade reduzida são tratadas de forma diferente. O que está a ser feito para lidar com essa situação? MJM – Fizemos algumas acções de formação dentro do projecto Brendait para trazer para o turismo acessível o turismo inclusivo, o qual necessitava reforço formativo na forma de atendimento e postura. é importante perceber que um hotel precisa de todo um conjunto de serviços, como um restaurante

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que responda com condições de acessibilidade e inclusão, e precisa saber indicar aos turistas o que é que estes vão fazer: qual a praia que é adaptada, qual o museu que tem condições. Por exemplo, um cidadão cego ou surdo ao ir a um museu tem de conseguir fazer a visita de forma perceptível. No caso dos restaurantes podem, por exemplo, colocar os menus em braile. D – Quais os hábitos a nível de estadia dos turistas com

necessidades reduzidas? MJM – Este cliente traz uma série de benefícios directos para a hotelaria. Primeiro, ficam muito mais tempo, há um aumento imediato na estadia média de hotel. Depois, consomem muito mais no hotel, sobretudo se o hotel tiver restaurante: 98% das refeições no período nocturno. E têm outro factor que é a questão do combate à sazonalidade, porque são um tipo de segmento que

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Arouca | Castelo de Paiva | Castro Daire | CinfĂŁes SĂŁo Pedro do Sul | Sever do Vouga | Vale de Cambra O turismo pode ser para todos ...by Descla | Junho de 2017 | 15


não vem cá só no período de sol e praia. Vêm muito à procura do turismo fora da designada época alta, de que a região Oeste é muito dependente. D – A nível dos hotéis que trabalham convosco, quantos estarão devidamente preparados? MJM – Em Portugal todas as unidades licenciadas após 2006 têm que cumprir as normas de acessibilidade previstas pela legislação. Tudo o que eram barreiras arquitectónicas tiveram que ser eliminadas. Mas uma coisa é cumprirem com as obrigações, outra é tentarem não só cumprir as normas, mas terem todo um hotel adaptado e, inclusivamente, poderem aumentar o número de camas para este tipo de segmento. D – Qual o futuro deste tipo de turismo a médio/longo prazo? MJM – Em 2020 30% da população terá, à partida, algum tipo de condicionante, seja por idade ou por algum tipo de deficiência. Enquanto destino turístico preferencial da Eu-

ropa do Sul temos todas as condições e devemos posicionar-nos para receber o maior número possível deste tipo de cidadãos e clientes, que podem favorecer muito não só o destino mas também as unidades hoteleiras. D – E em termos de transportes, por exemplo de aviões, linhas aéreas, acha que vão conseguir adaptar-se? MJM – Nesse aspecto o Norte do país prima não só por terem sido dos primeiros, mas também por haver sempre a preocupação de tornar as cidades o mais acessíveis possível. Porque quando falamos de turismo acessível pensamos sobretudo em turistas que vêm do Norte da Europa, mas temos que pensar também nos nossos próprios cidadãos, todos nós, que de forma temporária ou permanente, em qualquer momento da nossa vida podemos ficar incapacitados. Há muitas empresas que já estão a adaptar-se. No caso do transporte aéreo, já existe há muito por parte da ANA Aeroportos uma grande preocupação num melhor acompanhamento.

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Turismo para todos Fotografia: Tiago Canoso

Foi em 2010 que abriu o SELÃO DA EIRA, um espaço de turismo rural no Alentejo onde a natureza reina. Entramos e respira-se natureza e tranquilidade por todo o lado. São hectares e hectares de terreno onde se podem fazer caminhadas, relaxar e estar em contacto com o ar puro. Estamos no SELÃO DA EIRA - Turismo Rural no Alentejo, na costa alentejana, no concelho de Odemira. Este turismo de natureza abrange três sítios,

cada um com 2/3 alojamentos de alta qualidade e com piscina. Dois dos espaços têm uma vista panorâmica, pode ver-se o nascer-do-sol sobre a Serra do Monchique e o pôr-do-sol sobre o mar. O terceiro localiza-se num barranco fluvial em plena Reserva Ecológica Nacional. Aqui as famílias podem passar uns dias e usufruir do me-

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lhor que o local proporciona. Há muito espaço para as crianças brincarem e os animais são bem-vindos. Os alojamentos proporcionam o máximo de privacidade e têm espaços exteriores privativos, o que permite aos visitantes fazerem um “retiro” e desligarem das preocupações do dia-a-dia. São também disponibilizadas massagens e terapias naturais. Na “Thai Ayurveda Sala para Terapias Naturais” uma médica de Medicina Tradicional Tailandesa e terapeuta profissional de Ayurveda (sistema curativo ancestral da Índia) proporciona tratamentos de saúde e bem-estar. A partir do Setembro vão passar a estar disponíveis “Pacotes Terapêuticos” com ciclos de 5, 7 e 10 dias de tratamentos e yoga. Uma outra particularidade deste turismo na natureza é que duas casas e uma das piscinas, a que se encontra na Casa de Campo “Salgadinho”, são adaptadas para pessoas com mobilidade reduzida. Aliás, esse foi um dos princípios inerentes à construção do espaço. Os três sítios são ecológicos e aliam a natureza ao conforto. O turismo pode ser para todos ...by Descla | Junho de 2017 | 19


Um espaço acessível Na Casa de Campo “Salgadinho”, bem como no adjacente “Sítio das Rolas”, o espaço verde e as piscinas têm uma vista deslumbrante, de onde se podem ver hectares de terreno arborizado e, lá ao fundo, o mar. O que nós não vemos é que a piscina do Salgadinho foi construída a pensar em pessoas que utilizam cadeira de rodas, que conseguem utilizá-la de forma completamente autónoma. A Casa Peixe, com um amplo alpendre com acesso directo a esta piscina, está preparada para receber pessoas com mobilidade reduzida, tendo armários inferiores na cozinha, para facilitar o acesso à loiça, espaço suficiente e uma cama

ligeiramente mais alta do que comum, assim como uma casa de banho espaçosa e adaptada, mas de forma discreta; tudo para permitir a maior autonomia e mobilidade. O outro alojamento adaptado para cadeira-de-rodas, no sítio ao lado, alberga durante este ano a “Thai Ayurveda Sala”, enquanto a construção de um espaço próprio para a parte da medicina natural está em projecção. Quando pensamos em mobilidade reduzida, tendemos a associar a pessoas que estão em cadeira de rodas, mas é muito mais do que isso. Com o aumento da esperança média de vida temos cada vez mais uma população envelhecida, que gosta de fazer turismo e necessita de algumas acessibilidades

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que poucos hotéis e ainda menos os turismos em espaço rural disponibilizam. “Natureza” acessível No Selão da Eira Velha, o terceiro espaço deste turismo, que também deu o nome ao empreendimento, está actualmente a ser transformado num espaço de recreio público. A proprietária e gestora, Cornélia Kuhnle, explica que este é um local onde não só os hóspedes do próprio turismo, como também os passantes podem usufruir de um tempo relaxante nos terraços e no pavilhão com um café-esplanada e apreciar o ambiente, na presença dos pavões, cisnes e patos que habitam o Selão da Eira. O “Caminho Histórico” da Rota Vicentina passa neste local, uma rota pedestre de grande extensão, integrando vários passeios num circuito dentro da propriedade, pelo que este espaço de recreio é uma mais-valia também para os desportistas. Grande parte do vale Selão da Eira Velha está a ser desenvolvido de forma a permitir que pessoas com mobilidade reduzida, até em cadeira-de-rodas, lá circulem. “Vejo que neste país pessoas em cadeira de rodas não têm para onde ir, o máximo que podem fazer é ir ao bar da esquina, mesmo no Verão. Então pensei que já que estamos a criar um espaço de recreio público, vamos torná-lo, nas partes onde é possível, também acessível O turismo pode ser para todos ...by Descla | Junho de 2017 | 21


a cadeira de rodas. Vejo isto também como uma responsabilidade social e não só como um mercado. Acho que já que investimos, deveríamos olhar para este aspecto também do ponto de vista da responsabilidade social”, sublinha Cornélia Kuhnle. O panorama nacional Nos dias de hoje a maioria das reservas são feitas através de plataformas na internet, o que se pode revelar um problema quando se trata de acessibilidades. “As plataformas habituais não são de confiança para pessoas que procuram um sítio adaptado. Para já, há publicidade enganosa com alojamentos que declaram que têm “Acessibilidade para cadeira-de-rodas”, a qual de facto simplesmente não existe”. Recentemente saiu uma legislação que vincula o licenciamento dos empreendimentos turísticos

que obriga a que pelo menos um quarto tenha casa de banho adaptada a cadeira de rodas. “Muitas vezes, apenas o mínimo necessário é feito, e os tais quartos ficam como uma “ilha” nos empreendimentos ou, na realidade, nem sequer servem para quem chega em cadeira-de-rodas. Para não criar um malentendido: a legislação é positiva e necessária, mas sozinha não muda atitudes. Para fazer de Portugal um destino verdadeiramente “Accessible4All”, precisamos de ensino, de sensibilização, de guias práticos em todos os sectores e vertentes que constituem o sector de turismo e contribuem para o seu desenvolvimento”, frisa a proprietária. Um passo importante, actualmente a decorrer na responsabilidade do Turismo de Portugal, é a criação de uma plataforma específica para divulgar o turismo acessível. A plataforma “Tur4All” vai

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listar locais e empreendimentos turísticos preparados para receber pessoas com mobilidade reduzida e com outras necessidades específicas. O futuro O turismo acessível é cada vez mais uma realidade a nível mundial, e está também incluído no quadro estratégico do turismo nacional para os próximos dez anos (2017-2027). Cornélia Kuhnle imagina um futuro promissor para Portugal na área do turismo acessível, por ser um país tranquilo

com muito a descobrir e com um povo que é muito cordial e hospitaleiro. Se pudesse existir algum apoio, não apenas financeiro, por algumas entidades de turismo, o sonho dela era criar um programa turístico tipo “Descubra Portugal em Cadeira de Rodas”, descobrindo, promovendo e articulando alojamentos, transportadoras, restaurantes e gestores de patrimónios naturais ou edificados que se comprometessem a desenvolver e manter em conjunto uma oferta turística atractiva e acessível para pessoas com mobilidade reduzida.

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Um refúgio no monte Fotografia: Tiago Canoso

O espaço hoteleiro Refúgio do Monte surgiu há três anos e vai investir em tendas de luxo, preparadas para receber pessoas com mobilidade reduzida. Localizado em pleno Parque Natural da Costa Vicentina, o Refúgio do Monte é, como o nome indica, um hotel onde reina a tranquilidade e a paz, afastado dos grandes centros urbanos. O hotel faz lembrar uma típica casa alentejana, mais em ponto maior. Tem apenas um piso, as

paredes são brancas e os rebordos das janelas estão pintadas ora de amarelo, ora de azul. Este hotel disponibiliza seis quartos e duas suites. Para Abril do próximo ano está prevista uma expansão, vão ser colocadas na propriedade tendas de luxo, que serão ecoló-

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gicas. “São tendas tipo safari, cada uma distanciada da outra em cerca de 800 metros, o que permite às pessoas terem a sua privacidade. As pessoas têm todo o serviço, toda a comodidade, de forma independente. O pequeno-almoço é servido na própria tenda, assim como outras refeições. Todas essas tendas serão equipadas para pessoas com mobilidade reduzida”, revela João Macias, proprietário do espaço rural Refúgio do Monte, acrescentando que duas delas estarão equipadas para dar apoio a cães-guia. Desta forma, o hotel vai expandir a capacidade para pes-

soas com mobilidade reduzida, que até agora estava restrita a um quarto. Apesar de o hotel ter algumas escadas, tem rampas próprias que coloca quando alguém em cadeira de rodas ou com outro tipo de limitação física fica hospedado. Neste momento, o único local que ainda não está adaptado é a piscina. O espaço hoteleiro já recebeu algumas pessoas com mobilidade reduzida, na sua maioria turistas estrangeiros. Perto do hotel há várias praias, muitas delas acessíveis. Aliás, o concelho de Odemira é conhecido por ter algumas das mais belas praias de Portugal.

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Centro de Portugal, um destino turístico para todos Fotografia: Pedro Machado

O projecto Brendait procura fazer da região Oeste, no Centro de Portugal, um destino turístico acessível e inclusivo. Um dos grandes problemas quando se fala de turismo acessível prende-se com a falta de “oferta qualificada” e em rede. Os turistas com algum tipo de necessidade especial têm à disposição um número cada vez maior de hotéis, restaurantes, transportes ou monumentos adaptados, mas, de uma forma geral, ainda há pouca qualificação – por exemplo a nível dos profissionais do sector – e esta gama de serviços quase nunca funciona em rede, o que acaba por afastar muitos potenciais clientes. O projecto Brendait (Building a Regional Network for the De-

velopement of Accessible and Inclusive Tourism) foi lançado no início de 2016 para resolver esse problema na região Centro de Portugal, mais precisamente no Litoral Oeste. O objectivo foi criar um destino turístico acessível a todos. A ideia tinha sido lançada pela empresa Perfil, de consultoria e formação especialista na área do turismo acessível e inclusivo, e teve a adesão do Turismo do Centro, da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP), Escola Superior de Hotelaria e Turismo e European Network for Accessible Tourism (ENAT). O projecto iniciou-se em

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Março de 2016 em oito municípios – Alcobaça, Batalha, Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche e Torres Vedras –, envolvendo 44 entidades ligadas ao sector do turismo, entre alojamento, restauração, animação turística ou património cultural. Um dos primeiros desafios foi mudar mentalidades, motivar os agentes turísticos locais a desenvolverem uma “oferta de turismo acessível e inclusivo”, recorda o presidente do Turismo Centro de Portugal, Pedro Machado. Um dos problemas apontados ao sector da hotelaria, por exemplo, é o facto de geralmente as unidades disporem

de apenas um quarto adaptado, o que à partida afasta potenciais clientes com necessidades especiais, dado que muitos viajam em grupo ou família. Esses agentes teriam, depois, de criar uma parceria regional, “já que cada um, por si só, não constitui um destino”. Como qualquer outro turista, aquele que tem necessidades especiais não procura apenas um quarto e um restaurante: precisa também de saber o que pode fazer durante a sua estadia, a que praia ir, que museus visitar ou que transportes usar. O terceiro passo seria “qualificar o território”, isto é, qualificar os prestadores de serviços tu-

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rísticos para proporcionar experiências de “elevada qualidade”. Neste ponto, um dos aspectos mais importantes é evitar lidar de modo diferente com esses clientes, para que não sintam ainda mais discriminação. O projecto Brendait promoveu, por isso, acções de formação para os profissionais do sector, de forma a alterar a mentalidade, o atendimento, a postura. A última etapa é a promoção desta oferta. “É fundamental criar “produtos”, construir uma rede de serviços, comunicar com a “procura”, promover o destino, conquistar clientes”, sublinha Pedro Machado. 140 milhões de potenciais clientes Estes e outros obstáculos ao turismo acessível já haviam sido identificados por diversas entidades, entre as quais a Comissão Europeia. De resto, a própria União Europeia concedeu apoio à concretização do

Brendait através do programa COSME, para a Competitividade das Empresas e PME’s. A escolha da região Oeste deveu-se ao facto de ser uma zona com um conjunto de produtos turísticos e condições que à partida são mais indicadas para este tipo de segmento. “Tem não só a parte de turismo de lazer, de praia acessível, e depois também a parte de cultura, de património. Temos o Mosteiro da Batalha, o de Alcobaça, uma série de património arqueológico e arquitectónico”, explica a Associação de Hotelaria de Portugal (AHP). Durante o ano de 2016, 54 entidades e 148 participantes integraram acções de formação, no quadro dos seus processos de qualificação para o turismo acessível e inclusivo (autodiagnóstico, atendimento, gestão). Um ano depois de ser lançado, o projecto envolvia já 68 entidades. O Brendait ficou concluído no final do primeiro trimestre, mas o presidente

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do Turismo Centro de Portugal quer dar-lhe continuidade, “apoiando e estimulando as entidades interessadas, não deixando “esfriar” a motivação dos que já estão a trabalhar neste campo, consolidando a dinâmica iniciada no território do Oeste”. Pedro Machado fala mesmo em aplicar o projecto noutros territórios, algo que é bem visto pelas diversas entidades nacionais ligadas ao sector, que apontam duas grandes vantagens ao negócio do turismo acessível: permite aumentar a taxa de ocupação, dado que estes clientes ficam, em média, mais tempo, e combater a sazo-

nalidade, dado que é frequente viajarem fora da época alta. O Brendait segue a linha de um programa mais vasto, o “All for All”, do Turismo de Portugal, que tenta promover o país como “destino acessível”. O mercado é imenso: de acordo com Ivor Ambrose, director geral da European Network for Accessible Tourism (ENAT), “há três milhões de operações turísticas na Europa e só 300.000 dizem ser acessíveis para todos – apenas dez por cento! E a procura é grande: há 140 milhões de pessoas na Europa com necessidades especiais quando viajam. É uma oportunidade óbvia”.

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Acessível e inclusivo O Villa Batalha Hotel é um bom exemplo de espaços preparados para receber pessoas com mobilidade reduzida. Desde a sua construção que tudo foi planeado nesse sentido. Fotografia: Tiago Canoso

Começando pelo parque de estacionamento, passando pela recepção, restaurante, jardim, quartos… o Hotel Villa Batalha tem todos os seus espaços adaptados a pessoas com necessidades especiais. Com uma arquitectura moderna, este hotel possui 93 quartos e suites espaçosos, 8 deles já equipados para receber pessoas com mobilidade reduzida. Os restantes quartos estão preparados para neles poderem ser instaladas barras de apoio amovíveis, o que permite ao visitante escolher o quarto onde quer ficar, que pode facilmente ser adaptado às suas necessidades. Cada vez mais há pessoas com algum tipo de limitação na

mobilidade a procurar hotéis para fazer umas férias. De acordo com a direcção do hotel: “de há uns anos a esta parte sido feito um esforço adicional em termos de promoção e divulgação, pois sabemos que esta zona não é um destino em si, ainda, e sabemos que quem viaja não viaja só para ficar num hotel. Portanto, temos que conjugar tudo e fazer um esforço no sentido de sensibilizar parceiros para que as pessoas que vêm possam ter também uma componente de actividades para desenvolver”. Para além de portugueses, o hotel já recebeu clientes com mobilidade reduzida da Polónia, do Brasil, do Reino Unido e, mais recentemente, de Israel.

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Mas o turismo acessível vai muito para além de pessoas em cadeira de rodas. O restaurante deste hotel vai passar a disponibilizar ementas em braille. Uma questão que para a direcção do hotel também é considerada acessível são as alergias alimentares, pelo que a ementa assinala os alergénios através de símbolos. Também a área das alergias não alimentares tem grande relevo, nomeadamente na higienização de colchões e no piso dos quartos, que é em madeira flutuante, para não acumular tanto pó e ácaros. “Na piscina não temos nenhuma solução fixa aplicada, mais uma vez porque queremos trabalhar a óptica não do acessível mas do inclusivo: em vez de termos uma coisa fixa, temos um equipamento que levanta até à beira da piscina e permite à pessoa fazer a transição da cadeira para a piscina”, frisa. “O hotel foi pensado para vários anos e acreditamos que daqui a alguns esta área seja vista de forma completamente diferente”, refere a direcção em relação ao turismo acessível. O turismo pode ser para todos ...by Descla | Junho de 2017 | 33


Viseu: uma cidade acessível Uma cidade pensada para quem visita, mas também para quem cá mora. Viseu já recebeu três certificados de acessibilidade, um para o edifício da Câmara, outro para os Paços do Concelho e para a Biblioteca D. Miguel da Silva, tendo esta última conseguido um certificado de excelência e outro para alguns espaços de atracção turística na cidade que, juntos, criam um percurso acessível. “Toda a cidade é pensada para ser acessível para quem nos visita, mas também, obviamente, para quem cá vive, seja acessibilidade de pessoas com deficiência, de pessoas idosas, cadeiras de rodas, carrinhos de bebés… Por outro lado, em tudo o que seja deslocação pedonal,

toda a cidade está pensada numa perspectiva de acessibilidade, com rampas e guias para os invisuais. Em termos de infra-estruturas da autarquia, somos muitos exigentes. Os nossos museus são acessíveis e obviamente que procuramos também influenciar aquilo que é relevante em Viseu. Por exemplo, o Grão-Vasco é um museu acessível, o tesouro da Sé já é mais complexo mas estamos também a trabalhar com a diocese no sentido de cada vez mais termos tudo o que sejam monumentos com acessibilidade”, refere o presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques.

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Uma realidade cada vez mais premente é o turismo sénior, que em Viseu está em crescimento. Não só a nível de visita a espaços museológicos, como também na área do turismo de natureza. Há vários trilhos disponíveis no concelho, assim como a ecopista do Dão. Aliás, está a ser projectada uma ligação desta ecopista à do Vouga. “O turismo de pessoas com mais idade é cada vez maior. É uma fonte também de riqueza para os hotéis, restaurantes, para as cidades. Aqui na região acho que os principais estabelecimentos estão já bem preparados e quem não estiver fica para trás. Penso que é quase o mercado que exige. Mesmo que não houvesse a preocupação do responsável de uma cidade em seguir este caminho, são os próprios utentes da cidade que o exigem”, frisa. No ano oficial para visitar Viseu, 2017, a autarquia pretende “pôr Viseu no mapa do ponto de vista do turismo sénior”. 36 | Junho de 2017 | O Turismo pode ser para todos ...by Descla



Turismo acessível em Sátão Fotografia: CM Sátão

O concelho de Sátão dispõe de vários espaços turísticos e religiosos acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida. Era uma vez um cavaleiro que fugia de um grupo de ladrões pela terra de Avelal. Quando estava prestes a cair num precipício rogou a Nosso Senhor da Agonia. O cavalo parou e as suas ferraduras ficaram marcadas num penedo, por baixo do qual havia uma imagem do santo. Ao saber do ocorrido o Bispo de Viseu or-

denou que trouxessem a figura para a Sé, mas no dia seguinte ela apareceu de novo por baixo do rochedo. O bispado decidiu então ir buscá-la, em procissão. No Avelal ficou uma imagem mais pequena, do Senhor da Agonia crucificado. A lenda acompanha este santuário, acessível a pessoas com mobilidade reduzida. O

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altar, debaixo do enorme rochedo, lembra o santuário de Nossa Senhora da Lapa, que avistamos daqui. A festa do Senhor da Agonia é muito antiga, realizando- se, anualmente, no segundo domingo de Julho, com andores bem ornamentados, cheios de cor e alegria. Ainda no concelho de Sátão, outro espaço acessível a pessoas com dificuldade de locomoção é o Santuário do Senhor dos Caminhos, cuja origem está associada à romaria da Lapa. Quando, no século XVI, aumentou o culto à santa, peregrinos de todo o país aproveitavam para descansar neste local. Terá sido com o contributo deles que foi construída uma pequena capela em honra do Senhor dos Caminhos, para que Deus os guiasse sempre por bons trajectos. O edifício que hoje vemos é do início do século XX. Perto deste santuário encontramos a Praia Fluvial do Trebule, também ela acessível. É um espaço bastante agradável, com uma extensa área de relvados, que atrai anualmente milhares de veraneantes.

Senhor da Agonia

Santuário de Nosso Senhor dos Caminhos

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“TUR4all”: informação de todos para todos E se numa única plataforma os turistas com necessidades especiais pudessem obter informação sobre condições de acessibilidade em hotéis, monumentos e museus ou a existência de transportes adaptados? É o que propõe a “TUR4all”, que vai estar disponível em Portugal a partir de Setembro. A partilha de informação é uma das bases das sociedades contemporâneas e um instrumento fundamental no sector turístico, onde a oferta e a procura andam muitas vezes desencontradas. Tal parece quase irrisório no mundo actual, cada vez mais apetrechado de tecnologias que permitem o acesso rápido e em qualquer lugar a essa mesma informação.

Neste campo, as pessoas com mobilidade reduzida – seja por que motivo for, doença, velhice ou outro – sentem ainda mais o problema, não só porque o turismo ainda não responde a todas as suas necessidades e desejos, mas principalmente porque não dispõem de plataformas de divulgação em número suficiente. A “TUR4all” pretende ser

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essa plataforma a nível ibérico. Trata-se de uma ideia lançada pela Accessible Portugal, a Fundação Vodafone Portugal e o Turismo de Portugal com o apoio da ENAT – European Network for Accessible Tourism, em colaboração com a PREDIF em Espanha e a Fundação Vodafone Espanha. Em conjunto, estas entidades querem criar uma ferramenta dinâmica que permita consultar a oferta turística nos dois países, disponibilizando informação objectiva e actualizada sobre as condições de acessibilidade em hotéis, monumentos e museus, a existência de transportes adaptados, restaurantes com menus em braille, entre outras valências. Em Portugal, a plataforma vai estar disponível a partir do próximo mês de Setembro, através de website e aplicação móvel que vão incluir informação analisada por especialistas em acessibilidade para todos, avaliada e comentada pelos pró-

prios utilizadores. Os dados vão estar disponíveis em português, castelhano, francês, inglês, alemão, italiano e mandarim. “Numa sociedade cada vez mais global torna-se imperativo desenvolver soluções inclusivas. A TUR4all apresenta-se assim como uma ferramenta importante de inclusão, que posiciona Portugal como país acessível a todos e que permitirá aos seus destinatários usufruírem de uma experiência turística única”, sublinhou a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, em Março, aquando da apresentação do projecto. Utilizadores podem partilhar informação Quem usar a plataforma vai poder escolher os locais que considere mais acessíveis face às necessidades especiais que tem em determinado momento e assim planear a viagem e as actividades de

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lazer. Na TUR4all o utilizador vai ter a oportunidade de comentar, pontuar e recomendar cada uma das unidades e serviços disponibilizados, bem como comunicar com outros utilizadores que tenham o mesmo tipo de interesses ou necessidades específicas. A plataforma TUR4all insere-se num dos eixos fundamentais da estratégia do Turismo em Portugal para os próximos anos: tornar o país um destino acessível para todos. Com esse mesmo objectivo o Turismo de Portugal criou o projecto “All for All”, numa tentativa de mobilizar os empresários do sector a actuarem de forma concertada para a oferta turística nacional. Na apresentação do “TUR4all”, o presidente da entidade, Luís Araújo, destacou precisamente o potencial de negócio que uma oferta acessível para todos poderá representar para as empresas e para o país. Da42 | Junho de 2017 | O Turismo pode ser para todos ...by Descla


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dos divulgados pela Vodafone indicam que em Portugal existe cerca de um milhão de pessoas com necessidades específicas, 2,5 milhões de seniores e 550 mil crianças com menos de cinco anos. Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Espanha são os principais mercados emissores para Portugal, os países com o maior número de pessoas com necessidades de acesso – mais de dez milhões, em cada caso, segundo o Turismo de Portugal. A presidente da Accessible Portugal, Ana Garcia, junta a essa perspectiva uma certeza de futuro, o envelhecimento da população. “A idade dos turistas está aumentar e é necessário criar condições para que todos possam viajar em segurança e com a qualidade de que necessitam para apreciarem os destinos. Trata-se de uma questão de dar resposta às necessidades do mercado e igualmente uma questão de ética”, referiu na apresentação do projecto. 44 | Junho de 2017 | O Turismo pode ser para todos ...by Descla


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Uma lei por cumprir O decreto-lei nº. 163/2006 obrigava os espaços públicos e privados, turísticos e comerciais a adaptarem-se a pessoas com algum tipo de incapacidade. Onze anos depois ainda não foi devidamente cumprido. Em Portugal há uma lei que não está a ser cumprida. Para muitos leitores tratar-se-á apenas de mais uma notícia sobre o mau funcionamento da justiça, mas o problema não é tão superficial como parece: trata-se da lei sobre a acessibilidade a edifícios públicos e privados, turísticos e comerciais, que por ainda não estar devidamente implementada provoca diversos constrangimentos a pessoas com algum tipo de incapacidade, permanente – deficientes motores, surdos, cegos – ou temporária, como sejam grávidas, crianças ou idosos. O decreto-lei nº 163/2006 estabeleceu um período de dez anos para que os espaços se adaptassem, fazendo as obras

necessárias. Esse prazo aplicava-se a instalações, edifícios, estabelecimentos, equipamentos e espaços cujo início de construção fosse anterior a 22 de Agosto de 1997. Para os seguintes o limite era de cinco anos. Ou seja, em ambos os casos o prazo já terminou. O Palácio Nacional de Mafra é um dos edifícios que não cumprem as recomendações de 2006. Visitá-lo é impossível para turistas com mobilidade condicionada, que não passam da entrada. Para aceder à Basílica, que guarda uma das maiores colecções de esculturas barrocas italianas fora de Itália, há uma rampa seguida de escadas e o piso é acidentado, feito de calçada e cheio

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de atrito. O mesmo acontece no Paço Real, onde só as escadas permitem aceder aos pisos superiores, nos quais fica, por exemplo, a Biblioteca do Convento de Mafra, uma das mais bonitas do mundo. Isabel Iglesias, técnica do monumento nacional, reconhece o problema. “Temos como projectos prioritários para este ano a instalação de um elevador que torne acessível a todos a visita ao Palácio Nacional de Mafra e também a disponibilização de áudio-guias inclusivos para apoio à

visita”, revelou no final do ano passado em entrevista à Descla. A comemorar 300 anos, o Palácio está a ser alvo de obras de requalificação, destacando-se o restauro dos dois carrilhões do século XVIII, os maiores do mundo, e da pintura mural da Sala do Trono. O cenário é um pouco diferente no Mosteiro dos Jerónimos, onde há uma rampa de acesso à igreja, um dos pontos mais emblemáticos de Lisboa. No entanto, o declive é um pouco exagerado e obriga os turistas em cadeira de


rodas a terem algum cuidado nos movimentos, daí que seja preciosa a ajuda do funcionário presente no local. “Se fizéssemos a inclinação que a lei pede, não seria compatível com a arquitectura própria do edifício”, justificou ao jornal Observador a directora do monumento, Isabel Cruz Almeida. A Direcção-Geral do Património Cultural, entidade que gere o espaço, tem um plano para substituir a rampa por outra com melhor inclinação. O mosteiro organiza ainda visitas específicas para deficientes visuais e aconselha as pessoas com mobilidade reduzida a agendarem as visitas ao local, que devem ser feitas preferencialmente à tarde, quando há menos movimento. Por todo o país há inúmeros equipamentos culturais que não cumprem o decreto-lei de 2016 e se não o fazem é, em grande parte, porque há poucas queixas dos cidadãos (pouco mais de 500 no ano de 2015, segun-

do um relatório do Instituto Nacional de Reabilitação – INR) e porque a responsabilidade pela aplicação da lei não cabe apenas a uma entidade mas a vários organismos que gerem o património histórico e cultural do país ou promovem políticas de acessibilidade, entre Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), só para falar de alguns. Formação e mentalidade A falta de adaptação de espaços e serviços a pessoas com algum tipo de deficiência obriga-as muitas vezes a planearem antecipadamente as suas deslocações, especialmente quando se trata de férias ou visitas turísticas. Muitos fazem uma espécie de “trabalho de casa”: telefonam a amigos a pedir informação sobre determinado local ou mesmo

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a solicitar ajuda, pesquisam na internet que transportes existem, como é feito o acesso a determinados edifícios, quais os restaurantes que têm ementas em braille ou os hotéis com quartos adaptados, por exemplo. E mesmo que encontrem boas condições e possam fazer a deslocação que pretendem, deparam-se às vezes com outro problema quando chegam ao destino: nem sempre quem os atende sabe como o fazer, sobretudo por medo de fazer algo mal. Além do problema da lei existe, assim, um problema de mentalidade. Daí a importância da formação. “Para além de fornecer informação técnica e recomendações de comportamentos adequados, contribui para a mudança de mentalidades, pois traz luz para as reais necessidades destes clientes, chamando a atenção para as barreiras diárias que podem ter que enfrentar, contribuindo para a eliminação dessas barreiras,

através da actuação individual”, sublinha o presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo. “Cada um de nós, possuindo esse conhecimento, pode facilitar a mudança de mentalidades, já que cada um de nós pode, nalgum momento da nossa vida, necessitar de uma envolvente acessível. Tendo esse facto presente, as mentalidades mudam e aumenta a inclusão”, conclui o responsável. Luís Araújo reconhece que muitas vezes “o desconhecido ou o medo de fazer algo incorrectamente” leva a que os empresários e os seus colaboradores evitem este mercado “em vez de procurar formas de como aproveitar esses desafios”. Ainda assim, revela que tem crescido o número de equipamentos culturais que apostam na acessibilidade física e comunicacional. “Existem vários equipamentos premiados por essa aposta e também no âmbito da Linha de Apoio ao Turismo Acessível existe um

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esforço dos municípios e das entidades privadas gestoras de equipamento cultural em apresentar projectos relacionados com a adequação destes espaços a uma cada vez maior diversidade de públicos”. Oportunidade de negócio O All for All e o TUR4All são dois projectos criados para garantir uma crescente acessibilidade no sector turístico em Portugal. O primeiro tem como objectivo precisamente fazer do país um destino turístico para todos. O segundo é uma plataforma ibérica de turismo acessível que vai disponibilizar informação actualizada sobre as condições de acessibilidade a hotéis, monumentos e museus, a existência de transportes adaptados, restaurantes com menus em braille, entre outros. O Turismo de Portugal, que apoia ambos os programas, diz que não se trata apenas de responder a um nicho de

mercado, mas sim preparar-se para poder integrar os destinos escolhidos por turistas com necessidades específicas, os quais se estima que, em 2020, poderão representar 862 milhões de viagens na Europa, revela a entidade. Além destes projectos existem ainda guias técnicos de apoio à implementação de soluções de acessibilidade e o programa de formação “Turismo Inclusivo”, para capacitar recursos humanos. Para a Organização Mundial do Turismo (OMT), a acessibilidade é “um imperativo dos direitos humanos e uma oportunidade de negócio excepcional”. Por isso aconselha a que essa palavra seja um elemento central de qualquer política de turismo responsável e sustentável”. “Temos que começar a compreender que o turismo acessível não beneficia apenas as pessoas com deficiência ou com necessidades específicas, beneficia-nos a todos”, sublinha a OMT.

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Alqueva ganha praia acessível

Passeios de barco no rio menos poluído da Europa

No dia 1 de Junho abriu a primeira praia fluvial nas margens do Alqueva,

O rio Mira, considerado o mais limpo da

já com bandeira azul e classificação de

Europa, é um dos melhores locais para

“Praia Acessível”. Com 120 metros de

um passeio de barco, sobretudo ao fim

extensão e 7.000 metros quadrados de

da tarde, quando a vida animal regres-

areal, o novo espaço de lazer fica situa-

sa às margens: avistamos a garça-real

do no concelho de Reguengos de Mon-

e, com sorte, exemplares de flamingos e

saraz, junto ao centro náutico. A praia

lontras. É este percurso que a empresa

tem posto médico, duches públicos,

Duca, de Vila Nova de Milfontes, convida

chuveiro duplo com lava-pés, rampas de

a descobrir através de passeios de barco

acesso à água para utilizadores com di-

acessíveis a pessoas com mobilidade re-

ficuldades de mobilidade e 120 lugares

duzida. Atravessando vários quilómetros

de estacionamento, incluindo para veí-

de paisagem natural, entre praias fluviais

culos de pessoas nessa condição. Uma

de água límpida e sapais fervilhantes de

das atracções é a piscina de 100 metros

vida, conhecemos por dentro o Parque

quadrados integrada numa estrutura flu-

do Sudoeste Alentejano e Costa Vicen-

tuante, com solário e dividida em zona de

tina, o maior de Portugal, com uma área

crianças e adultos.

total de cerca de 131.000 hectares.

Lisboa para Todos

Hands to Discover

A Câmara Municipal de Lisboa lançou,

A plataforma electrónica “Hands to

em 2016, o Guia de Turismo Acessí-

Discover”

vel Lisboa para Todos, que apresenta a

criada em 2013, disponibiliza informação

(www.handstodiscover.com),

oferta turística adaptada a turistas com

a pessoas surdas, em Portugal e no es-

mobilidade condicionada. O guia inclui

trangeiro, acerca do que podem encon-

informação sobre alojamento, restaura-

trar no país a nível de hotéis, diversão,

ção, percursos pedonais, espaços cultu-

restaurantes, património, bem como in-

rais, espaços públicos e transportes não

formação sobre onde ir e o que ver/visi-

só na cidade de Lisboa, mas também em

tar. Os utilizadores também têm a opção

Sintra e Cascais, estando disponível em

de ser acompanhados por um intérprete

português e inglês.

certificado em linguagem de sinais.

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“Concelho Mais Acessível”

Mosteiro do Leitão: um restaurante para todos

A requalificação do centro his-

O Restaurante Mosteiro do Leitão, na Batalha,

tórico de Viana do Alentejo foi um

é um exemplo de inclusão, uma vez que procura

dos projectos vencedores do Pré-

atender as necessidades de todos os clientes,

mio “Concelho Mais Acessível”,

independentemente das suas necessidades físi-

anunciados no final de 2016. A

cas, intelectuais ou cognitivas. O estabelecimen-

obra, que envolveu a renovação

to dispõe de ementas em braile e de um sistema

do pavimento e do mobiliário ur-

de ementas digitais com áudio-descrição, vídeo-

bano, venceu a categoria Edifi-

-guia e apoio pictográfico. Entre as soluções para

cado/Espaço Urbano. O Museu

pessoas com necessidades especiais há ainda

de Leiria foi o melhor em “Lazer/

espaço de cão-guia, casas de banho adaptadas,

Património/ Turismo”, ao passo

iluminação direccionada ou estacionamento re-

que o projecto de alargamento e

servado, entre outras valências. O restaurante

optimização da rede PomBus -

criou ainda amplos espaços de passagem e al-

Transportes Urbanos de Pombal

ternativas às escadas.

conquistou a categoria “Transportes/ Comunicação/ Tecnologia”. O Prémio “Concelho Mais Aces-

“Não temos oferta suficiente”

sível” é promovido pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P.

“É um nicho de mercado, não temos oferta

e tem como objectivos incenti-

suficiente”. É desta forma que Paul Gamito, em-

var as autarquias a garantirem

presário de hotelaria, fala do negócio do turismo

as acessibilidades ao território e

acessível em Portugal. O responsável considera

às tecnologias de informação e

que deve haver uma maior aposta neste seg-

comunicação, combater a discri-

mento, mesmo que os apoios sejam poucos, ou

minação e promover a igualdade

nenhuns. “Os apoios se vierem são bem-vindos,

de oportunidades e cidadania das

mas se a pessoa quiser pró-activa não pode es-

pessoas com deficiência/incapaci-

tar à espera…” Paulo Gamito é proprietário da

dade na sociedade portuguesa e

Casa Azul, em Vila Nova de Milfontes, e do futu-

diminuir o impacto das barreiras

ro The Alentejano Tradicional Hotel, em Santiago

sociais, culturais, comportamen-

do Cacém, que está a ser requalificado. O espa-

tais e físicas à inclusão e partici-

ço tem um quarto adaptado a pessoas com mo-

pação destas pessoas.

bilidade reduzida mas vai aumentar essa oferta.

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