Património da Humanidade em Portugal

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Fotografia de capa: Azoresphotos.visitazores – Turismo dos Açores

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Sugestões:

REAL EDIFÍCIO DE MAFRA

21 DE OUTUBRO

22 DE OUTUBRO

20h00

11h30

Vamos servir o rei mostra gastronómica por ocasião do aniversário de D. João V

Missa presidida por Sua Eminência Reverendíssima o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, por ocasião da Sagração da Basílica

Restaurantes participantes do Concelho de Mafra

Basílica do Palácio Nacional de Mafra

21 DE OUTUBRO

17 DE NOVEMBRO

22h00

21h00

Ópera

Grande concerto comemorativo do lançamento da 1.ª pedra

Claustro sul do Palácio Nacional de Mafra INFORMAÇÕES: CÂMARA MUNICIPAL DE MAFRA | T. 261 817 170

Real Edifício de Mafra INFORMAÇÕES: CÂMARA MUNICIPAL DE MAFRA | T. 261 817 170

INFORMAÇÕES: www.cm-mafra.pt/municipio/300-anos-do-palacio-de-mafra


Ainda não conhece?! Fotografia: Montanhas Mágiacas®

As Montanhas Mágicas® são um território único, com um património natural e cultural de valor incalculável.

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Parta à descoberta! E se num único território pudesse ver das maiores cascatas de Portugal, monumentos megalíticos, aldeias típicas de xisto e granito, fósseis com milhões de anos? Aprender tradições, danças e cantares seculares? Observar espécies raras de fauna no meio de bosques ribeirinhos ou de florestas que fazem lembrar a Laurissilva da Madeira? Provar doçaria conventual, carne e vinho de alta qualidade? E se além disso pudesse praticar BTT, canoagem, rafting ou canyoning? Tudo isto e muito mais pode ser feito nas Montanhas Mágicas®, um vasto território que abrange sete municípios de Portugal Continental. Trata-se de uma marca turística criada para promover uma história e um património natural e cultural únicos. Uma das melhores formas de o descobrir é ir ao encontro dos habitantes, entrar num café, passear pelas ruas de uma aldeia, visitar os merca-

Lobo Ibérico

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Ilha do Castelo

dos locais e ouvir as histórias que têm para contar. Os mais velhos hão de falar sobretudo, do tempo em que quase todos viviam da agricultura e da criação de gado, mas também do trabalho nas minas, aquando da primeira e segunda guerras mundiais. Hão-de lembrar-se de como dançavam e cantavam à noite no largo da aldeia ou nas eiras, pois não havia televisão. São eles quem melhor conhece as montanhas e nos podem contar as melhores histórias. 6 | Património da Humanidade em Portugal ...by Descla

As Montanhas Mágicas localizam-se no Centro e Norte de Portugal e integram os municípios de Arouca, Castelo de Paiva, Castro Daire, Cinfães, São Pedro do Sul, Sever do Vouga e Vale de Cambra. São mais de 1.500 km2 de área entre os rios Douro e Vouga, que abarcam as serras da Freita, Arada, Arestal e Montemuro. O território está certificado como destino turístico sustentável e inclui um Geoparque da Unesco, o Arouca Geopark, e quatro Sítios de Importância


Comunitária (SIC) da Rede Natura 2000. As maiores trilobites do mundo Um geoparque é um território com um património geológico de excepcional importância, reconhecido como tal pela Rede Europeia e Rede Global de Geoparques da UNESCO, e tem como principais objetivos a geoconservação, a educação para o desenvolvimento sustentável e o turismo. O geoparque destaca-se por albergar os maiores fósseis de trilobites do mundo, animais marinhos com cerca de 465 milhões de anos, e por possuir fenómenos geológicos como as Pedras Parideiras, rochas graníticas com discos incrustados que, por força da erosão, se soltam da pedra-mãe. Diz a lenda que dormir com uma destas pedras debaixo da almofada aumenta a fecundidade… Nas Montanhas Mágicas®

Lontra

Melro de Água

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Fóssil carbonífero, Vale do Douro, Castelo de Paiva

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estão inventariados 78 geossítios. Trata-se de locais de interesse geológico que se destacam pelo seu relevante valor científico, didático e turístico. Na Serra da Freita, onde se localiza o geossítio das Pedras Parideiras encontra- se, também, a célebre Frecha da Mizarela, uma das maiores cascatas da Europa, com cerca de 75 metros de altura. Não longe descobrimos o geossítio das Pedras Boroas do Junqueiro, dois blocos graníticos que lembram boroas (ou broas) de milho. No Vale do Paiva, há a destacar os Passadiços do Paiva, um lugar de destaque no panorama das Montanhas Mágicas®, Trata-se de uma infraestrutura em madeira, com cerca de oito quilómetros, que nos permite acompanhar de perto o rio Paiva, um dos mais belos e selvagens do país. Graças aos passadiços os visitantes podem percorrer desfiladeiros íngremes e aceder a lugares


Serra da Arada

O projeto Montanhas Mágicas® foi

contribuem de forma directa para o de-

criado em 2010 pela ADRIMAG – Asso-

senvolvimento turístico e para a dinami-

ciação de Desenvolvimento Rural Inte-

zação da economia local – , garante o

grado das serras de Montemuro, Arada e

coordenador da ADRIMAG, João Carlos

Gralheira, em colaboração com os seus

Pinho. A oferta turística melhorou, so-

parceiros locais. Foi uma de diversas ini-

bretudo com a criação da Rota da Água

ciativas para valorizar os recursos endó-

e da Pedra®, e a marca é cada vez mais

genos mais revelantes daquele território:

conhecida em Portugal e no estrangeiro,

os 4 sítios de Rede Natura 2000- Rio Pai-

defende.

va, Rio Vouga, serras da Freita e Arada e

Entre os projectos em cima da mesa

Serra do Montemuro e o património geo-

está o alargamento do Arouca Geopark

lógico do Arouca Geopark.

aos restantes concelhos das Montanhas

Sete anos depois, o balanço é po-

Mágicas e a criação de uma grande rota

sitivo. – As acções desenvolvidas no

pedestre e de BTT que una os sete mu-

âmbito do projeto Montanhas Mágicas®

nicípios.

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onde não seria possível chegar de outra forma. Modelo Turístico Responsável e Sustentável Um dos grandes objetivos do projeto Montanhas Mágicas® é desenvolver um modelo turístico responsável e sustentável focado no ecoturismo, no geoturismo e no turismo ativo. Para isso muito contribui a excecionalidade dos fenómenos geológicos e a notável biodiversidade, que aqui existem tornando este território um

destino de excelência para a observação e interpretação da natureza e para a prática de inúmeras actividades desportivas, como o rafting, a canoagem, o kayaking, o pedestrianismo e o BTT. Entre as muitas espécies faunísticas que vivem nas Montanhas Mágicas® destacam-se espécies raras e protegidas como a lontra, o lobo ibérico, o lagarto-de-água, a salamandra lusitânica, a rã-verde e o furapastos. As escarpas são ideais para aves de rapina como o falcão-peregrino e o bufo-real, que as aproveitam para pro-

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Passadicos do Paiva | Fotografia: João Martins

criarem. Nos incontáveis rios e ribeiros de montanha vive uma ave que aprende a nadar antes de voar, o melro-de-água, que muitas vezes aproveita as quedas de água para criar a sua prole. Lembra-se do filme Batman e dos morcegos que habitam a gruta junto à mansão do protagonista, Bruce Wayne? O cenário não é muito diferente em algumas minas espalhadas pelo vasto território das Montanhas Mágicas®. Os morcegos ocuparam as antigas galerias e as florestas de folhosas, fazendo com que aqui encon-

tremos algumas das mais importantes populações destes curiosos mamíferos. É nestas montanhas viradas para o Atlântico, que sobrevivem florestas tropicais do Terciário. Nos rios Paiva e Teixeira reparamos nos adernais, formações dominadas pelo aderno e por outras espécies de folha persistente e que são muito parecidas com a Laurissilva da Madeira. Alguns cursos de água são quase totalmente cobertos pelas copas de amieiros, salgueiros, freixos, aveleiras, choupos e outras árvores – são os famosos

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Pastoreio - Serra da Freita | Fotografia: Avelino Vieira

bosques ribeirinhos. Um território com História O Homem ocupa este território desde tempos imemoriais, algo que pode ser comprovado pelas gravuras rupestres, descobertas em vários municípios, e pelos monumentos megalíticos (antas e dólmens), que nos permitem conhecer os rituais fúnebres dos nossos antepassados. As gravuras do Outeiro dos Riscos, a Anta da Cerqueira, a Mamoa da Portela da Anta e a Sepultura do Rei são alguns dos melhores exemplos. Depois dos povos castrejos chegaram os roma-

nos, que aqui construíram pontes e estradas , nas quais colocaram marcos miliários para indicar as distâncias. Este povo descobriu, ainda, as propriedades curativas das águas termais de São Pedro do Sul, pelas quais haveria de passar o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, para recuperar de uma fractura sofrida na batalha de Badajoz, em 1169. Por essa altura já tinha sido construído o Mosteiro de Arouca, um dos mais belos do país, onde viveu e está sepultada D. Mafalda, neta do rei Conquistador . Neste Mosteiro, como noutros templos, foram

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confeccionadod os famosos doces conventuais de Arouca: as castanhas doces, barrigas de freira, roscas e charutos de amêndoa, entre outros. O mosteiro tem um Museu de Arte Sacra, um dos melhores da Península Ibérica, que guarda vários objectos de culto e peças raríssimas de escultura, pintura, tapeçaria e ourivesaria. Estamos perante uma magnífica herança da época medieval, da qual encontramos diversos testemunhos à medida que percorremos as Montanhas Mágicas®. Em Cinfães, Castelo de Paiva, Castro Daire e Arouca deparamo-nos com

diversos monumentos românicos, como templos, memoriais e torres sineiras. Por todo o lado se ouvem as lendas de cavaleiros cristãos que se apaixonaram por belas mouras de olhos negros... Passaram-se séculos, milénios, construíram-se ricos solares, imponentes casas senhoriais, santuários e calvários, igrejas e capelas, muitas delas hoje classificadas como Monumentos de Interesse Público e, em menor número, Monumentos Nacionais. Já em pleno século XX os habitantes das Montanhas Mágicas® viram uma nova oportunidade de trabalho: era a corrida ao

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Serra da Freita – Mizarela

volfrâmio, minério usado no fabrico de armas durante as duas guerras mundiais. As minas de Regoufe, Rio de Frades, Chãs, Moimenta e Fraga da Venda guardam sinais dessa época. O território é habitado, atualmente, por cerca de 127 mil pessoas que se dedicam, essencialmente, à Indústria e aos

serviços. Contudo, ainda há uma forte ligação à agricultura, à silvicultura e à pastorícia. As ótimas condições que este território possui para o desenvolvimento da agricultura tem contribuído para o surgimento de novas empresas ligadas à produção de chás e ervas aromáticas, mirtilos e frutos vermelhos.

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Arouca | Castelo de Paiva | Castro Daire | Cinfães São Pedro do Sul | Sever do Vouga | Vale de Cambra


A arte do homo sapiens sapiens Portugal guarda o maior museu do mundo de paleolĂ­tica ao ar livre.

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Ao longo de anos os pastores e os moleiros andaram pelo vale do Côa sem saberem o tesouro que ali estava. Viam as gravuras, tentavam adivinhar o que representavam, e alguns faziam os seus próprios desenhos nas pedras de xisto. Nos anos 30 do século passado, o médico e escritor José Silvério de Andrade deu conta, num artigo de jornal, de algumas gravuras que descobrira, mas só na década de 90 o jovem arqueólogo Nélson Rebanda haveria de descobrir oficialmente os achados. Por essa altura estava para ser construída a barragem do Côa e o cientista foi encarregue de fazer um estudo complementar aos já realizados, que haviam permitido avançar com a obra. Em 1994 conseguiu reconhecer quatro rochas com gravuras paleolíticas, graças aos abaixamentos momentâneos da água do rio, e pediu à EDP, empresa concessionária da infra-estrutura, que baixas-

se o nível da barragem do Pocinho para tentar descobrir se havia mais gravuras submersas, o que lhe foi recusado. As obras começaram nesse mesmo ano e pouco depois foram encontradas novas gravuras, em Vale de Videiro, Vale de Figeiro e Ribeiro dos Piscos. Nélson Rebanda convidou então Mila Simões Abreu, membro do Comité Internacional da Arte Rupestre, a visitar o local, e esta informou a comunidade científica internacional do achado e do que estava a acontecer no Côa, levando o caso aos grandes meios de comunicação social. Os jornais The New York Times e The Sunday Times são dos primeiros a revelar a polémica. Jean Clottes, presidente do Comité de Arte Rupestre na Unesco, admitiu tratar-se da “maior estação paleolítica ao ar livre da Europa, senão do mundo”, mas aceitou a construção da barragem, assim como outros arqueólogos.

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Contra eles estavam muitos outros investigadores e a sociedade civil de um modo geral. Com o slogan “As gravuras não sabem nadar”, milhares de estudantes do secundário criaram um grande movimento de denúncia e pressão, apoiado por cidadãos das mais variadas áreas. O Governo acabou por suspender a obra no final de 1995.

“Génio criativo” O Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) foi criado no ano seguinte com o objectivo de gerir, proteger, musealizar e promover a arte rupestre do Vale do Côa – é um território de duzentos quilómetros quadrados que abrange os concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo, Meda, Pinhel e

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Vila Nova de Foz Côa e que a Unesco classificou como Património Mundial em 1998. Trata-se do mais importante conjunto de figurações paleolíticas até hoje descoberto, datadas de 25.000 a.C. a 10.000 a.C. e distribuindo-se ao longo de dois grandes eixos fluviais: os rios Côa, numa extensão de quase 30 quilómetros, e Douro, em cerca de 15. Actualmente são conhecidas mais de mil rochas com manifestações rupestres, em mais de 70 sítios, com predomínio para as gravuras paleolíticas, seguidas por motivos da Idade do Ferro, Época histórica e Pré-história recente, respectivamente. “A Arte Rupestre do Paleolítico Superior do Vale do Côa é uma ilustração excepcional do rápido desenvolvimento do génio criativo do homem/mulher, na alvorada do seu desenvolvimento cultural; […] é uma extraordinária demonstração da vida social, económica e espiritual do primeiro antepas-

sado da humanidade”, sublinhou a Unesco no relatório da 22ª sessão da Comissão do Património Mundial, realizada em Tóquio em 1999. O PAVC organiza visitas guiadas a três dos principais sítios: Canada do Inferno, Penascosa e Ribeira de Piscos. As viagens são feitas numa carrinha todo-o-terreno com capacidade para oito pessoas, sem contar com o guia, que

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tem formação especializada em arte rupestre. Muitas vezes usando uma erva comprida com a função de indicador, é ele que vai revelando aos turistas as gravuras de animais feitas na pedra pelos nossos antepassados. Quase todas retratam auroques (touros selvagens), cavalos, veados e cabras montesas. “Se eles não tivessem conseguido caçar, não tinham sobrevivido e não estaríamos aqui hoje”, sublinha o arqueólogo António Batarda, que tem estudado as gravuras do Côa. Não havendo lápis ou marcadores, essas representações eram feitas com uma pedra. “As rochas são como que folhas de um livro, estão mesmo a pedir que

sejam riscadas, desenhadas”. Conscientes ou não, esses homens e mulheres estavam a fazer arte. “Homo sapiens sapiens quer dizer o homem que sabe que sabe, o que lhe permite ter uma coisa que mais nenhum animal tem: cultura”, nota o investigador. No século passado, os moleiros acrescentaram algo a este museu ao ar livre, usando também eles as rochas antigas para desenhar peixes, barcos, comboios, aves, custódias ou o Sol e a Lua antropomorfizados. Visitas nocturnas As gravuras paleolíticas foram bastante patinadas pelo tempo e isso, aliado às frequen-

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tes sobreposições de motivos – técnica muito usada na arte paleolítica –, torna-as difíceis de ver e interpretar, daí que os horários das visitas sejam escolhidos em função da melhor luminosidade natural. Os sítios da Canada do Inferno e da Ribeira de Piscos são visitados apenas durante a manhã, quando os painéis são iluminados pela luz solar mais ou menos rasante. Já os painéis da Penascosa, na margem direita do rio, encontram-se à sombra durante a manhã, pelo que este sítio é visitado apenas de tarde. Se é difícil ver as gravuras de dia, podemos pensar que a noite nunca seria uma opção. Mas a verdade é que o PAVC também organiza visitas nocturnas. O guia incide uma luz forte em posição rasante sobre as gravuras para criar efeitos de luz/sombra e assim consegue realçar os motivos gravados, fazendo-os “emergir” da superfície da rocha. Além disso, destaca determinados motivos em relação a outros,

“isolando-os” na aparente confusão criada pelas sobreposições intencionais de motivos. Qual o significado, a intenção destas gravuras? Ainda hoje os investigadores não conseguem dar uma resposta definitiva. “Decerto a marcação territorial de uma área considerada vital, envolvendo a água e o rio como entidades que contribuíram para identificar estes lugares como sítios de potenciais hierofanias [manifestações do sagrado] ”, revela a Comissão Nacional da Unesco. Senhor Lopes, um jovem com 5.000 anos A conservação deste vasto património é uma das grandes preocupações desde que o parque foi criado, há mais de 20 anos. O número de visitantes por dia/sítio é limitado e criou-se um sistema integrado de gestão e acompanhamento das intervenções humanas com impacto na paisagem. Em todo o caso, este museu ao ar

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livre não pode receber turismo de massa, razão pela qual foi criado, em 2010, o Museu do Côa, a cerca de três quilómetros de Vila Nova de Foz Côa. O edifício parece uma continuação das gravuras: tem a forma de uma rocha, gigante e rectangular, em betão e xisto, material predominante na zona. Parece que entramos numa gruta onde se ouvem sons de animais e homens com milhares de anos. Os visitantes até deram nome a um desses antepassados, o “senhor Lopes”, jovem que terá morrido há cerca 5.000 anos e cujas ossadas foram descobertas nas escavações de 1984. O museu tem quatro pisos e é no 0 que funciona a exposição permanente, com fragmentos e artefactos do Paleolítico Superior, como lanças e facas em pedra. A claridade indica uma saída. A paisagem deslumbra qualquer um, até mesmo aqueles cujo olhar ainda procura habituar-se à luz do exterior. O rio Douro

corre sereno pelo meio das encostas, marcadas pelos típicos socalcos da vinha. “Um concelho, dois patrimónios mundiais” é o slogan de Foz Côa, fazendo referência ao Alto Douro Vinhateiro, classificado pela Unesco em 2001, três anos depois das gravuras rupestres. Este bem da humanidade foi actualizado em 2010, quando a Unesco incluiu a estação de arte rupestre de Siega Verde, localizada na província de Salamanca, em Espanha. O conjunto, descoberto nos anos 80, tem grandes semelhanças com as gravuras do Côa e integra actualmente 94 painéis espalhados por 15 quilómetros, com mais de 500 representações de animais e alguns signos esquemáticos que foram feitos pelos homens do Paleolítico Superior entre 20.000 e 12.000 anos antes da nossa era – é o maior achado do género em Espanha. As estações portuguesa e espanhola constituem desde então o património do “Côa e Siega Verde”.

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Um refúgio por descobrir É em Murça, Vila Nova de Foz Côa, que se encontra o Bairro do Casal, espaço de Turismo d’Aldeia que convida ao relaxamento e puro contacto com a natureza. Estamos junto a dois patrimónios mundiais da UNESCO, as pinturas rupestres do Vale do Côa e o Alto Douro Vinhateiro, num recatado e tranquilo hotel de turismo de Aldeia: o Bairro do Casal. Situado em Murça, perto de Vila Nova de Foz Côa, o espaço está longe dos grandes centros urbanos, podendo o visitante respirar ar puro e sentir a natureza.

Quando chegamos somos recebidos por uma das proprietárias, que logo nos traz um cálice de vinho do Porto de boas vindas. Odete Marques conta-nos que a ideia de criar o Bairro do Casal surgiu porque a sócia, Anabela Costa, queria recuperar o bairro mais antigo da aldeia que era dos seus antepassados e fazer dele um espaço onde os seus hóspedes pudessem estar em

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pleno contacto com o campo. Neste momento o Bairro do Casal dispõe de cinco casas que podem ser alugadas tanto para passar uns dias relaxantes em família, como uma saída a dois ou para um retiro empresarial. As Casas Formosinda e Aida são ideais para duas pessoas, as J. Faustino, Belmira e J. David dispõem de dois quartos de casal. As casas mantiveram a traça original, havendo uma ligação entre o antigo e o moderno. Vemos bancos feitos em madeira, lareiras como antigamente, recantos na pedra a fazer de prateleiras, fogões a lenha, em perfeita harmonia com a modernidade do ar condicionado e rede wi-fi. Quando vamos ao espaço exterior experimentar a piscina, somos recebidos pelo Bebocas, o gato do hotel em Turismo d’Aldeia. Gosta muito de se aninhar e da companhia das pessoas. Na proximidade há muito para ver, destacando-se as pinturas rupestres do Vale do Côa, considerado um dos mais importantes sítios de arte rupestre do mundo e o mais importante com arte rupestre paleolítica de ar livre. Em Freixo de Numão, é possível visitar o museu e o Centro Histórico, o Castelo Velho, o Prazo, o Moinho das Regadas e outras ruínas romanas. Pode ainda optar por passeios de barco, visitas a Quintas Vinícolas, baptismo de Voo, passeios de Jeep, BTT ou canoagem. Um local onde ninguém morre de tédio! Património da Humanidade em Portugal ...by Descla | 25


O encanto do Douro Texto: Lino Ramos

O homem e a natureza criaram uma das mais belas paisagens do mundo. O Alto Douro Vinhateiro é património da humanidade desde 2001. “Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo

o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam

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as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.” Tal como a Serra do Marão, Miguel Torga é único a descrever o que vê. No Marão viu um milagre, não quis acreditar como esta terra dava pão e vinho. Dá, e muito, um vinho tão bom que todo o mundo o conhece. A região integra o Alto Douro Vinhateiro, um vasto território

classificado como património da humanidade e que resultou de uma ligação ancestral entre o homem e a natureza. vale do rio Douro é feito de encostas íngremes e solos pobres e acidentados, o que parecia impedir, à partida, qualquer cultura agrícola de valor nesta terra. No entanto, os durienses adaptaram-se, construindo os famosos socalcos, parcelas de terreno suportadas por muros que parecem degraus de uma grande escadaria. Neles começaram a produzir vinho há

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mais de 2 mil anos. O Vinho do Porto é o mais conhecido. A sua “descoberta” é polémica, uma vez que alguns produtores ingleses defendem que os mercadores britânicos foram os responsáveis pela invenção, quando adicionaram brandy ao vinho, para que este não azedasse. Contudo, o processo já era utlizado desde os Descobrimento para conservar a bebida durante as longas viagens marítimas. O segredo está no clima único mas também na fermentação, que não é completa, sendo interrompida numa fase inicial

para adicionar aguardente vínica neutra. Assim o açúcar natural das uvas não se transforma completamente em álcool e o Porto é naturalmente mais doce e ao mesmo tempo mais forte. A bebida alcançou fama mundial na segunda metade do século XVII, quando começou a ser exportada da cidade que lhe deu nome, especialmente para Inglaterra. Entre 1680 e 1749 o crescimento foi notável, tendo passado das 800 pipas iniciais para cerca de 19 mil. A empresa Croft foi das primeiras a exportar o néctar, seguida de outras companhias

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inglesas e escocesas. No entanto, os elevados lucros geraram situações de fraude, abuso e adulteração da qualidade do vinho, levando os principais produtores durienses a exigir intervenção do Governo. Em 1756 o rei português, D. José, e o seu ministro Marquês de pombal, criaram a “Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro”, formada pelos principais lavradores do Alto-Douro e homens bons da cidade do Porto”, sendo-lhes “confiada a missão de sustentar a cultura das vinhas, conservar a produção delas na sua pureza natural, em benefício da lavoura, do comércio e da saúde pública”. Esse diploma deu origem à mais antiga Região Demarcada do Mundo e permitiu praticar preços mais justos. Em 2016, as exportações de vinho da Região Demarcada do Douro atingiram os 365 milhões de euros. A área demarcada tem aproximadamente 250 mil hectares,

dos quais cerca de 45 mil são ocupados por vinha, e é dividida em três áreas: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. Em 2001, a Unesco classificou o Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade. A superfície reconhecida corresponde a aproximadamente 10% dessa região e abrange 13 municípios: Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Lamego, Mesão Frio, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, Tabuaço, São João da Pesqueira, Torre de Moncorvo, Foz Côa e Vila Real. A classificação aumentou o turismo na região, bem visível nas viagens de comboio pela antiga Linha do Douro, com uma extensão de cerca de 200 quilómetros. A histórica locomotiva 0186 e as cinco carruagens percorrem a distância que vai da Régua ao Tua, numa viagem marcada pelo encanto natural: as encostas repletas de vinhedos e socalcos que se reflectem no rio, as

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quintas que vão aparecendo na margem, o comboio a passar por pontes e túneis. O veículo ferroviário faz parte de uma série fabricada pela empresa Henschel & Son que chegou a Portugal em 1924 como parte das indemnizações que a Alemanha teve de pagar devido à primeira Guerra Mundial. Esta é a viagem mais histórica. Há uma outra muito apreciada pelos turistas, feita em barcos de cruzeiro. Alguns são autênticos hotéis flutuantes e as estadias chegam a prolongar-se por uma semana… Mais simples mas mais carismáticos são os famosos barcos rabelos, tradicionalmente usados para transportar as pipas de Vinho do Porto. São os últimos vestígios de uma época muito diferente da actual, marcada por uma profunda mudança na região. Os desportos náuticos vão ganhando força, surgem novos hotéis de cinco estrelas, o Douro aparece frequentemente na televisão. O turismo veio para ficar. 30 | Património da Humanidade em Portugal ...by Descla



A obra magnânima A comemorar 300 anos, o Palácio Nacional de Mafra é a imagem do rei D. João V, “O Magnânimo”. As más-línguas dizem que o príncipe D. Carlos foi apanhado pela mãe na biblioteca de Mafra a ler um volume sobre civilizações clássicas com gravuras de mulheres seminuas. Não se sabe se Maria Pia de Sabóia castigou o futuro rei de Portugal, que com o irmão mais novo costumava andar de patins naquela sala. O local de que se fala é enorme. As paredes estão cobertas por dois andares com estantes cheias de livros, cerca de 30 mil volumes sobre todas as áreas do conhecimento, a maioria encadernados em pele e com inscrições a dourado. A biblioteca do Palácio Nacional de Mafra é a imagem de D. João V, o rei que mandou construí-la: magnânima. Os 30 mil volumes são apenas uma estimativa: jamais alguém contou as obras, até porque cada volume pode ter 100

lá dentro. Entre as peças mais valiosas está a Bíblia Complutense, de 1520, a primeira edição poliglota impressa – é composta por seis volumes e a maioria das poucas bibliotecas que a têm só possui os cinco primeiros, mas Mafra conseguiu também o último. Outras obras raras são a primeira enciclopédia ou a Crónica de Nuremberga, de 1493, um dos primeiros livros impressos e um dos maiores volumes ilustrados da época. Os livros proibidos são cerca de 800 e incluem, por exemplo, uma raríssima edição do Corão. Para os ter na biblioteca era preciso autorização do Papa, e esta era sinónimo de grande prestígio. Todos estes livros são guardados por uma colónia de morcegos que come as traças e outros insectos destruidores de papel e madeira. Parece anedótico, para mais

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tratando-se de uma das mais importantes bibliotecas do mundo, mas é verdade. A Casa da Livraria, como era chamada, é um dos espaços mais icónicos do Real Edifício, que inclui o palácio, a basílica e o convento, e que juntamente com a Tapada de Mafra e o Jardim do Cerco concorre a Património da Humanidade. O dossier da candidatura está a ser revisto pela Comissão Nacional da Unesco e só depois poderá chegar ao Comité do Património Mundial, organismo que vai decidir a classificação. Isabel Oliveira, técnica superior do Palácio Nacional de

Mafra, acredita que o parecer vai ser positivo. “Será o reconhecimento da importância deste complexo monástico-real não só em Portugal, como no contexto europeu”, refere. Se a aprovação acontecesse ainda em 2017, seria perfeito, uma vez que o monumento está a comemorar os 300 anos do lançamento da primeira pedra. Comprar o melhor do melhor Ao longo deste ano tem havido concertos, espectáculos de teatro e artes performativas, recriações históricas, exposições

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ou conferências, sempre com grande adesão do público. “O Palácio tem vindo a aumentar regularmente o número de visitantes nestes últimos anos e os eventos da programação do tricentenário têm estado cheios”, garante a responsável. Além dos eventos, o programa festivo inclui a recuperação dos dois famosos carrilhões e da pintura mural da sala do trono, assim como a melhoria dos acessos. D. João V mandou construir Real Edifício para cumprir um voto de sucessão. Além da biblioteca, o conjunto inclui um convento e uma basílica, ocupando no total 38.000 metros, com 1.200 divisões, 4.700 portas e janelas e 156 escadas, magnificência paga com o ouro que chegava do Brasil. Trata-se do mais importante monumento barroco do país, projectado pelo arquitecto e ourives alemão João Frederico Ludovice. A obra é decorada por uma notável colecção de esculturas e pinturas de mestres portugueses e italianos, bem como dois carrilhões com 98 sinos, os maiores daquela época. O rei estava disposto a tudo

para competir com as restantes cortes europeias. As encomendas de livros e peças de arte de grande valor eram uma espécie de recurso diplomático, um instrumento de promoção de Portugal. Conta-se mesmo que quando lhe disseram que cada carrilhão custava 400.000$00 réis, ele terá respondido: “Não supunha que fosse tão barato, quero dois!” A candidatura inclui ainda o Jardim do Cerco e a Tapada de Mafra, espaço privilegiado de lazer e caça dos monarcas portugueses,especialmente nos reinados de D. Luís (1861-1899) e D. Carlos (1899 – 1908). Este último foi mesmo considerado um grande caçador, não tanto pelo número de animais que abateu, mas sobretudo pela forma como aliou a caça a outros saberes, já que era também um distinto pintor, naturalista e fotógrafo. A tapada tem mais de 800 hectares e é habitada por veados, javalis, raposas, coelhos-bravos, cágados e diversas cobras, entre outras espécies, algumas com grande valor conservacionista, como é o caso da águia-de-Bonelli e do bufo-real.

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Heróis no meio do Atlântico Situada na ilha Terceira, a cidade de Angra do Heroísmo destaca-se pela marina e pelo centro histórico, o primeiro do país a ser classificado como Património Mundial. As pessoas são simpáticas, e isso nota-se até em algo tão banal como o trânsito: todos param mal nos aproximamos de uma passadeira. Notamos o mesmo ao entrar numa loja, num café ou restaurante, ou quando pedimos informações no meio da rua. Angra do Heroísmo fica na Ilha Terceira, assim chamada por ter sido descoberta depois de Santa Maria e São Miguel, no século XV. O centro histórico foi o primeiro do país a ser classificado como Património Mundial, em 1983. A Unesco destacou especialmente o traçado e a arquitectura da

cidade, testemunhos da história portuguesa e de toda a navegação no oceano Atlântico. A imponente Sé Catedral, do século XVIII, demorou 48 anos a construir e é o maior templo dos Açores. Muito perto encontramos o Palácio dos Capitães-Generais, sede do primeiro governo unificado do arquipélago. Reparamos numa ampla praça com pequenos blocos de pedra de calcário e basalto. Chamam-lhe Praça Velha e foi a primeira em Portugal a ser projectada como ponto de encontro entre dois arruamentos, seguindo os ideais do Renas-

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Casas típicas na ilha Terceira. | Fotografia: Azoresphotos.visitazores – Turismo dos Açores

cimento. Ao longo dos anos acolheu mercados de galinhas e gado aos domingos, corridas de toiros, e foi palco de enforcamentos, durante as lutas entre liberais e absolutistas. A nobreza das formas e o exotismo e preciosidade dos materiais marcam não só a arquitectura como também a escultura, talha, porcelana, azulejaria e mobiliário de Angra do Heroísmo, criando um legado artístico de valor incalculável. Avistamos o oceano ao fundo, e é encostado a ele que descobrimos a bela Igreja da Misericórdia, no local onde funcionou o primeiro hospital do

arquipélago. Estamos na marina de Angra do Heroísmo, uma das mais importantes da história portuguesa. Do lado oposto da praia podemos conhecer os parques arqueológicos subaquáticos da cidade: um cemitério de âncoras e o que resta do naufrágio do Lidador, navio português do século XIX. Da marina avistamos a enormidade do oceano, as mesmas águas rasgadas pelos descobridores portugueses, que cedo perceberam que a baía tinha excelentes condições para uma aportagem segura – desde o século XV que é considerada “porto de escala

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dos mares ocidentais” e paragem obrigatória para os navios que cruzavam o Atlântico. A cidade era frequentemente atacada por piratas e corsários que queriam apoderar-se das riquezas trazidas da Índia, por isso foram construídas várias fortalezas, com destaque para a de São João Baptista, uma das maiores de sempre, com quatro quilómetros de muralhas a envolverem o Monte Brasil, um vulcão extinto. Por essa altura a cidade chamava-se apenas Angra, nome que se manteve até ao século XIX. Durante a Guerra Civil de 1832-1834, D. Pedro organizou

aqui a expedição que levou ao desembarque no Mindelo, decisivo para a vitória dos liberais sobre os exércitos do rei de Portugal, absolutista. Foi também nesta cidade que depois promulgou alguns dos decretos mais importantes do novo regime, como o que reorganizou o exército português, o que aboliu as sisas e outros impostos ou o que promulgou a liberdade de ensino no país. Em reconhecimento por tantos e tão destacados serviços, o decreto de 12 de Janeiro de 1837 conferiu à cidade o título de mui nobre, leal e sempre constante cidade de Angra do Heroísmo.

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Brindar com verdelho e subir ao Pico A Paisagem da Cultura do Vinho da Ilha do Pico é um local mágico, onde a beleza e o mistério se cruzam junto à montanha mais alta de Portugal.

A primeira sensação é a estranheza. Porquê este solo preto aquartelado em muros de pedra escura e de onde brotam videiras? Ao fundo, a montanha mais alta de Portugal parece inalcançável…O belo e o misterioso fundem-se para criar a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, património da humanidade desde 2004. Desde o século XV, quando os navegadores portugueses aqui chegaram, o homem começou a construir longos muros de

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basalto em direcção ao interior da ilha como forma de proteger a vinha da água e dos fortes ventos marítimos. As videiras foram plantadas nos extensos campos de lava, guardados por esses milhares de pequenos recintos rectangulares, os “currais”, colados uns aos outros. Foi árduo trabalhar a rocha negra e dura, fabricar uma área até então totalmente improdutiva. O verdelho, assim de chamou a esse vinho, andou pela mesa dos czares russos. Ao longo dos anos os habitantes foram construindo casas, solares, quintas, adegas, ermidas, portinhos e poços de maré. O Museu do Vinho, na vila de Madalena, guarda um alambique e um lagar de três bicas, memórias de uma cultura construída com resignação e suor ao longo de séculos. É um local mágico, envolvido por uma mata de dragoeiros de idade estimada entre 500 e 1.000 anos. O canal do Pico-Faial, o mar, a montanha, a arquitectura tradicional combinada com uma outra típica da América, completam o cenário de um espaço que se transfor-

mou pólo de atracção turística. A escolha desta localidade deve-se à força da história e da paisagem, não só pela extensão da vinha mas também pela existência de um espaço que, durante séculos, foi dedicado ao fabrico do vinho: as instalações agrícolas que pertenceram ao Convento do Carmo, mansão de veraneio dos frades carmelitas sedeados na cidade da Horta. O território classificado pela Unesco abrange parcialmente as costas Norte, Sul e Oeste da ilha, tendo como referência emblemática dois sítios, o Lajido da Criação Velha e o Lajido de Santa Luzia, espaços de uma enorme riqueza e beleza geológica e paisagística.“Estes sítios foram classificados por constituírem excelentes representações da arquitectura tradicional ligada à cultura da vinha, do desenho da paisagem e dos elementos naturais”, revela a Comissão Nacional da Unesco. Para valorizar a Paisagem Cultural da Vinha da Ilha do Pico, o Governo dos Açores criou em 2006 um programa de apoio financeiro destinado aos viticultores que visa a rea-

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bilitação das suas vinhas localizadas em áreas do Património Mundial e na zona tampão. Os agriticultores que assinam um contrato de dez anos podem receber um máximo de 3.500 euros anuais por hectare para manter as vinhas em produção. Os que aceitam um contrato por 15 anos poderão receber um máximo de 20.000 euros por hectare para reabilitarem vinhas abandonadas, usando castas e métodos tradicionais da ilha do Pico. Segundo a Comissão da Unesco em Portugal, após nove anos de projecto a área em produção cresceu de 75 para 126 hectares. Este vasto património mundial está hoje à distância de um clique, graças a uma aplicação para as plataformas Android e iPhone com imagens e infor-

mação oficial e actualizada sobre a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico e o seu Parque Natural, bem como os centros de interpretação e os trilhos pedestres. Na área protegida foram criados três percursos – Caminhos de Santa Luzia, Santana – Lajido e Vinhas da Criação Velha, este último considerado um dos oito “trilhos únicos” do mundo pela editora de guias de viagens independentes BootsnALL. A diversidade de fauna e flora é outro dos tesouros da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, pois aqui vivem muitas espécies e comunidades endémicas, raras e com estatuto de protecção, como a Myrica faya, uma planta de crescimento rápido frequentemente utilizada para fazer abrigos.

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