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desporto cultura lazer

Geoparques Setembro de 2018


ficha técnica Propriedade, edição e distribuição: Gomes & Canoso,lda. Rua São João, nº.39, Repeses 3500-727 Viseu

Missão Verde 06

Telefone: 232 407 544 Telemóvel: 969 474 853 Directora: Olinda Martins

Arouca

Redacção: Ana Margarida Gomes e Lino Ramos

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Colaboradores: Mariana Rodrigues Paginação: Filipa Pinto, João Barbosa e Tiago Canoso Publicidade e Marketing: Joaquim Gomes e Tiago Canoso

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Terras de Cavaleiros 50


Naturtejo 10

Aรงores 24

Serra da Estrela 56 Geoparques | ...by Descla 3


Caros leitores, Em Setembro escrevemos, finalmente, sobre um tema que já há muito tempo andava nas nossas cabeças: geoparques. O conceito é relativamente frequente mas nem sempre devidamente compreendido. Muitos olham para o prefixo geo e pensam que se trata de um parque com importância geológica. É verdade, mas não se resume a isso: para ser assim classificado, o território em questão tem que possuir não apenas um forte património natural mas também cultural, e a gestão dessa área tem que procurar o desenvolvimento sustentável. Ou seja, tem que se apostar no turismo, na criação de riqueza, mas sempre respeitando os

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modos de vida das populações que vivem no geoparque e protegendo os geossítios, as espécies de fauna e flora e os seus habitats. Em Portugal existem quatro geoparques e um aspirante a esse título. Nesta revista vamos de Trás-os-Montes às ilhas açorianas para lhe dar a conhecer vulcões, lagoas e cascatas mágicas, praias selvagens, fósseis com milhões de anos, vales glaciares, muralhas imponentes, tradições reinventadas. É uma viagem por paisagens grandiosas, histórias milenares e infindáveis segredos da natureza. Vem connosco?

Boas leituras!



Missão Verde Mais do que um estatuto, o título de Geoparque é um compromisso assumido: defender o ambiente, a história e a cultura dos territórios. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Tiago Canoso Aigra Nova, Aldeias do Xisto

Tesouros em ponto grande à espera de serem desvendados. Poder-se-ia descrever assim os Geoparques, não fossem estes locais onde a natureza exibe a sua mestria. Mas o conceito, tal como criado pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – obedece a definições mais rígidas. Esta é uma ideia que nasceu da força conjunta de

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vários parques europeus e chineses que, em 2004, propuseram àquele organismo o desenvolvimento da Global Geoparks Network. O objectivo: relançar a visão sobre o património natural que muitas vezes passa despercebido, de modo a canalizar recursos mais fortes para a conservação dos parques. A ideia passou para a acção em 2015, quando os 195 países membro da Unesco lan-


çaram a Unesco Global Geoparks. Actualmente, existem 140 Geoparques espalhados por 38 países. O que torna um parque num geoparque? Segundo a Unesco, trata-se de uma área geográfica unificada, com um forte património não só natural como cultural, cuja gestão obedece a uma visão holística. Ou seja, é imperativo que as entidades responsáveis pelo parque assegurem o seu desenvolvimento sustentável e promovam a educação ambiental. A meta da organização é assim incentivar o geoturismo de forma atenta e proteger as comunidades cujo modo de viver faz parte do território.

Um pedaço da identidade portuguesa

Pena, Aldeias do Xisto

O estatuto de geoparque é reavaliado de quatro em quatro anos. Em Portugal, a gestão dos geoparques cabe ao Fórum Português de Geoparques Mundiais, criado sob a égide da UNESCO em 2011. São membros do Fórum Português de Geoparques Mundiais da Unesco o Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional, o Geoparque Arouca, o Geoparque Açores e o Ge-

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oparque Terras de Cavaleiros. Em linha de espera está o Geoparque Estrela, um membro observador, cujo estatuto permitirá, no futuro, juntar-se a este clube. O que têm em comum estes parques, espalhados em cantos tão diferentes do país? Simplesmente,

Alvarenga, Arouca

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um ideal de actuação que passa por preservar testemunhos geográficos e saberes de uma comunidade. De Trás dos Montes às Ilhas açorianas, é possível descobrir em todos a mesma grandiosidade de paisagens e segredos da Natureza irrepetíveis.


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O Pioneiro Foi o Geopark Naturtejo o primeiro geoparque portuguĂŞs a ser reconhecido. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Geopark Naturtejo

Garimpo de Ouro

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Foi ele o precursor. O Geopark Naturtejo da Meseta Meridional juntou-se à Rede Europeia e Global de Geoparques em 2006, fazendo dos seus mais de 5000km2 a primeira zona de interesse geoturístico protegida em Portugal pela alçada da UNESCO. A área do geoparque estende-se pelos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor, Proença-a-Nova, Nisa, Oleiros e Vila Velha de Ródão. Aqui, há segredos com 600 milhões de anos banhados pelo Tejo, o maior rio de Portugal. Também o Zêzere pinta a paisagem, com os seus meandros e a garganta - classificados como geomonumentos - que atravessam a região das Aldeias de Xisto. Do património construído do Naturtejo fazem parte duas aldeias históricas (Idanha-a-Nova e Idanha-a-Velha), o conjunto das aldeias de xisto, castelos, fortificações, igrejas, e vestígios arqueológicos.

Duplo Tesouro O Geopark Naturtejo inclui no seu território o Parque Natural do Tejo Internacional, que por sua vez constitui uma reserva da biosfera transfron-

Cerdeira, Aldeias do Xisto

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Aigra Nova, Aldeias do Xisto

teiriça pela UNESCO desde 2016. Assim, a criação do Parque Natural do Tejo Internacional reforça a colaboração com Espanha no sentido de unir forças para resguardar e classificar o legado geomorfológico, geológico, paleontológico e geomineiro. Sem esquecer, claro está, os rastos de culturas que por aqui passaram:

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pagãos, romanos, árabes, judeus e cristãos deram azo a uma herança multicultural muito própria. No total, o Naturtejo tem em si 16 geomonumentos, dos quais constam as Portas de Ródão, um dos destinos portugueses mais populares para observação de aves. Consistem numa formação geológica resultante da in-


Portas de Ródão

tersecção do duro relevo quartzítico da Serra das Talhadas com o curso do rio Tejo. Aqui há um estreitamento do vale que faz lembrar duas "portas" - uma em Vila Velha de Ródão e outra em Nisa. Por estes lados costumam habitar grifos, cegonhas pretas e milhafres reais - não é por acaso que o Naturtejo dispõe de variados progra-

mas para a observação de aves. Perto das Portas de Ródão situa-se a Área Arqueológica do Conhal, uma área de mais de 90 hectares com indicadores de uma actividade mineira antiga: sabe-se que aqui houve explorações de jazigos secundários de ouro, cujo auge foi atingido no período romano.

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A Lenda do Rei Wamba e da Maldição de Ródão A história do Naturtejo não se faz só da paisagem... no parque também habitam mitos da realeza. Foi nas Portas de Ródão que teve lugar o famoso episódio de traição do Rei Wamba. Este rei visigodo, que terá vivido na zona por volta de 672, habitava no castelo juntamente com a sua mulher. Mas a esposa de Wamba tê-lo-á preterido em favor de um rei mouro que habitava do outro lado. O amante construiu um túnel por debaixo do Tejo, mas falhou o percurso e acabou por sair acima do nível das águas por um buraco que ainda hoje existe. Ao saber da paixão secreta, o Rei Wamba decidiu entregar livremente a esposa ao mouro… atando-a à pedra duma mó e fazendo-a rolar pela encosta abaixo. Diz a lenda que a rainha terá amaldiçoado a terra para nunca mais crescer vegetação na encosta do Tejo. Mas, mitos à parte, o castelo de Ródão continua em pé e da sua torre de menagem pode-se ter uma vista espectacular sobre o rio. Castelo do Ródão

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Senhoras Antigas de Verde… Um dos tesouros mais bem guardados do Naturtejo são as árvores, algumas centenárias e até quase milenárias. Com a Rota das Árvores Monumentais, é possível aprender-se as curiosidades e lendas associadas a este discreto património verde. É o caso da oliveira de Senhora da Alagada, em Vila Velha de Rodão, a árvore

mais “idosa” do Naturtejo – conta já com mais de 700 aniversários! Reza a história que a Senhora da Alagada terá feito uma aparição no interior do tronco da oliveira, e que a sua imagem foi transportada pelo Tejo durante as cheias. Por três vezes a imagem foi levada para a igreja matriz de Vila Velha de Ródão, mas acabava por voltar sempre para a oliveira… Portanto, fez-se a vontade da Senhora

Azinheira de Perais

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Cerdeira, Aldeias do Xisto

de ficar na árvore, e foi precisamente aí que ergueu-se a capela. Em Idanha-a-Nova encontra-se um freixo com 200 anos de idade, que terá sido plantado para que o visigodo Wamba pudesse ser Rei. Diz a lenda que Wamba andaria a lavrar as terras quando os servos da corte lhe comunicaram que ia ascender ao trono, ao que Wamba terá retorquido que só aceitaria mediante a vontade de Deus, e que para isso a vara que empunhava teria que se transformar em árvore. Dito e feito: a vara transformou-se no freixo e assim Wamba soube que estava destinado a reinar. Apesar de não serem igualmente lendárias, as restantes árvores da Rota são também impressionantes. Disso são exemplo a azinheira com cerca de 400 anos e 20 metros de diâmetro na

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copa situada à entrada de Perais, em Vila Velha de Ródão, e a oliveira de Montes da Senhora, em Proença-a-Nova (com a mesma idade), considerada uma Árvore de Interesse Público pela Autoridade Florestal Nacional. Da Rota fazem também parte os troncos fósseis de anoneira, que têm nada mais nada menos do que 5 a 15 milhões de anos. São restos petrificados de árvores, incluindo as suas folhas e frutos, que terão sido fossilizado em terrenos arenosos e postos a descoberto pelo Rio Tejo há quase 1 milhão de anos. Crê-se que os romanos descobriram os fósseis quando exploravam as cascalheiras em busca de ouro. Ou seja, já há muitos séculos que se sabe que as terras do Naturtejo são uma relíquia por si mesmas…


BTT

Uma descoberta a Pedalar No Geopark Naturtejo existem quatro centros BTT e até uma rede de Bikotels, ou seja, hotéis certificados para receber biciclistas. Os fãs da bicicleta de

montanha podem ainda lançar-se à Via BTT da Serra do Muradal, integrada na Grande Rota Muradal-Pangea, do Trilho Internacional dos Apalaches.

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Arouca Geopark, um baĂş de maravilhas da Natureza

A maior parte dos portugueses conhece os Passadiços do Paiva, mas o Arouca Geopark tem mais (muito mais) para dar a conhecer. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Arouca Geopark

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Um município, um parque, um sem fim de descobertas. Assim é o Arouca Geopark, constituído como geoparque em 2009. Os seus 328 quilómetros, que encerram mais de 500 milhões de anos com 41 geossítios, estão espalhados desde a Serra da Freita até ao rio Paiva. Por cá, há vestígios das passagens de povos primitivos e dos romanos, e dos saberes ancestrais portugueses nas suas muitas aldeias.

Pedras Parideiras e Livrarias de Quartzo É uma tarefa injusta resumir os geossítios mais interessantes de entre os 41 que este geoparque alberga. Mas vale a pena tentar destacar alguns, como é o exemplo ilustre da Panorâmica do Detrelo da Malhada, que oferece uma vista impressionante desde a serra de Montemuro e o encaixe do vale do Douro, até à região litoral entre Espinho e o Porto e a serra do Marão. Um dos geossítios mais emblemáticos do Arouca Geopark – pode-se dizer mesmo que é inclusive uma imagem de marca – são as Pedras Parideiras. Este nome (bem mais

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curioso do que o termo geológico, ou seja, granito nodular da Castanheira) deve-se ao facto de ser uma extensão de granito com nódulos que libertam-se e acumulam no solo, deixando no granito uma cavidade cujas paredes estão revestidas por uma capa biotítica. Foram os habitantes da aldeia da Castanheira que assim baptizaram este granito com cerca de 1 quilómetro2. As Pedras Parideiras apresentam como minerais essenciais quartzo, ortoclase, albite, biotite e moscovite, e também zircão, apatite, rutílio, titanite-leucoesfena, clorite, fibrolite e silimanite.

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São o único fenómeno do género em Portugal, e são tão raras a nível mundial que a extensão mereceu o seu próprio Centro de Interpretação, aberto desde 2012. E para quem gostar de livros de pedra… Brincadeira, falamos apenas da Livraria do Paiva que encontra-se sobre a ribeira de Mourinha. Não é nada mais nada menos do que um conjunto de estratos quartzíticos verticais cuja disposição faz lembrar estantes de biblioteca. Estes afloramentos quartzíticos são resultantes da deposição de areias, há cerca de 480 milhões de anos. A sua vertica-


lização deve-se à colisão continental que veio dar origem à Pangeia e à cadeia Varisca.

Os Passadiços que são Património da Humanidade É no Arouca Geopark que se situam os Passadiços de Paiva, porventura o percurso ao ar livre mais famoso do território português. E a sua popularidade é merecida: são 8 quilómetros que passam por pontos de beleza singular, como as praias

fluviais do Areinho e de Espiunça. A sua fama procura não é fruto do acaso, já que os Passadiços do Paiva são considerados Património Geológico da Humanidade pela UNESCO. Os Passadiços foram inaugurados em 2015, e desde então têm atraído tanto turistas portugueses como internacionais. A sua reputação é tal que ganharam no passado Julho os títulos de “Melhor Projecto Europeu de Desenvolvimento Turístico” e de “Melhor Atracção Turística Europeia de Aventura” na edição europeia dos

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World Travel Awards. Nem o facto de possuírem um nível de dificuldade alto impedem os Passadiços de serem altamente procurados, tanto que em 2016 a venda dos bilhetes teve que ser limitada para prevenir danos na estrutura de madeira. Aliás, no Verão desse mesmo ano, parte da plataforma foi destruída devido a incêndios que assolaram Arouca. Mas os Passadiços foram entretanto reabilitados e estão de novo abertos para os turistas que queiram conhecer as margens do rio Paiva a pé.

Passo a Passo… Das quatro rotas contempladas no Arouca Geopark, uma inclui três itinerários dedicados só aos geossítios. O Itinerário A - Freita, A Serra

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Encantada, está localizado, na sua maioria, no planalto da Serra da Freita. São 11 geossítios para conhecer ao longo de mais de 20 quilómetros. O Itinerário B - Pelas Minas e Meandros Desconhecidos do Paiva é o mais desafiador: são 62 quilómetros na altitude máxima dos 680 metros. É o itinerário mais longo, e nele vislumbram-se as explorações mineiras da 2ª Guerra Mundial. Ao longo da zona sudeste, é possível relembrar as minas de volfrâmio. Já o Itinerário C - Paiva, o Vale Surpreendente, localiza-se na zona oposta do Arouca Geopark, a nordeste. É ideal para quem prefere caminhar a pé, pois 11 dos seus 27 quilómetros só podem ser conhecidos a passada. Para além dos três itinerários de geossítios, o Arouca Geopark oferece 16 percursos pedestres e uma


Grande Rota de 90 quilómetros para os mais aventureiros. Designada como GR28 “Por Montes e Vales de Arouca”, esta rota envolve o vale de Arouca, a serra da Freita, os vales do Paivó e do Paiva, o Museu das Trilobites Gigantes e o santuário da Senhora da Mó. Esta é uma rota de dificuldade média, apta para ser percorrida em qualquer altura do ano. Nem só de história natural vive o Arouca Geopark. Também há vestígios de Arqueologia dignos de interesse, nomeadamente: o conjunto megalítico de escariz, o dólmen da portela da anta, a mina romana da gralheira d´água, o sítio arqueológico da malafaia, o tumulus pré-histórico de Monte Calvo 2, e a Via romana. Não se pode esquecer o Mosteiro de Arouca, o ponto mais importante

para quem desejar gostar de praticar turismo religioso… ou simplesmente quem queira adoçar a boca. O Mosteiro foi fundado no século X e extinto em 1886. Os bens transitaram para a Fazenda Pública devido à morte da última freira, sendo que o espólio artístico foi mantido e guardado no Museu de Arte Sacra, entretanto aí instalado. É ao Mosteiro de Arouca que pertencem algumas das criações de confeitaria mais originais da região, e portanto torna-se imperdível conhecê-lo quando se “dá um salto” pelo Arouca Geopark. Portanto, propostas não faltam. Com pacotes de experiências pensados desde para os mais aventureiros aos mais românticos, o Arouca Geopark tem tudo para deslumbrar todos que o visitam.

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Nove ilhas, muitos vulcões, um geoparque

O Geoparque Açores é composto por 121 geossítios, que representam a enorme geodiversidade do arquipélago. Texto: Lino Ramos

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Fotografia: Azoresphotos.visitazores – Tristan Shu

Vulcões, caldeiras, lagoas, águas termais, fumarolas, cascatas e grutas. Isto e muito mais é o Geoparque Açores, composto por mais de 100 geossítios ao longo das nove ilhas do arquipélago. Cada qual é único, raro, fascinante, mas o encanto deste paraíso natural não se esgota na

riqueza geológica: os espectaculares miradouros, as plantações de chá, a paisagem vinhateira património da humanidade, a gastronomia regional, as baleias e os cachalotes, entre muitos outros atractivos, fazem com que o tempo pareça sempre pouco para quem visita.

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Santa Maria

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Fotografias: Azoresphotos.visitazores – Turismo Açores / Azoresphotos.visitazores – stoneplace

“Nove ilhas, um geoparque”. Assim resume o slogan. Na primeira, Santa Maria, encontramos o “Deserto Vermelho dos Açores” ou Barreiro da Faneca, criado pela lava de basalto que fluiu e foi sobreposta por uma camada de cinzas. A cor vem do clima quente e húmido do período Pliocénico, há mais de dois milhões de anos, que originou argilas avermelhadas. É um dos geossítios

mais visitados e uma das paisagens mais características da ilha, a primeira que os portugueses descobriram, em 1427. Bem diferente é a Ribeira do Maloás e a sua famosa cascata com cerca de 20 metros, onde a água cai por entre rochas em forma de polígonos hexagonais, formados quando a lava de basalto tocou no mar – fazem lembrar a mundialmente conhecida “Calçada dos Gigantes”, na Irlanda.

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São Miguel

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Fotografias: Azoresphotos.visitazores – Turismo dos Açores

O próximo destino dispensa apresentações – é, porventura, a imagem de marca dos Açores: a Caldeira das Sete Cidades e as célebres lagoas

Verde e Azul, assim chamadas devido à cor das águas. Formada há cerca de 36 mil anos, a cratera tem um diâmetro médio de 5,3 km e profundidade máxima de 630 metros. São Miguel é a ilha com mais geossítios, 27. Paramos depois no Vulcão das Furnas, local de grande geodiversidade, destacando-se a Lagoa das Furnas, diversos pequenos vulcões, campos fumarólicos e muitas nascentes de água termais e minerais. Trata-se do gesossítio açoriano terrestre de maior relevo internacional. É neste solo quente que se faz o célebre “Cozido das Furnas”, mas o lugar também é famoso pelos banhos termais em poças ou piscinas e pelo uso de lamas vulcânicas e de águas, como as conhecidas “águas azedas”, para tratamentos. Não podemos sair de São Miguel sem visitar a melhor praia selvagem de Portugal, junto à caldeira do Vulcão do Fogo, nem a Caldeira Velha, cuja nascente termal alimenta duas quedas de água, a segunda das quais tem uma represa na base, envolta por exuberante vegetação. Mais a jusante, numa segunda piscina termal, é possível desfrutar das águas a 38ºC…

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Terceira

Fotografia: Azoresphotos.visitazores – Mauricio de Abreu DRT

A melhor praia selvagem de Portugal Ilha Terceira. Pensamos logo na bela cidade de Angra do Heroísmo, cujo centro histórico foi o primeiro em Portugal a ser reconhecido como património da humanidade. Estamos na Ilha Lilás, assim chamada pela cor do seu pôr-do-sol, especialmente

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Fotografia: Azoresphotos.visitazores – Turismo dos Açores

belo se estivermos na baía de Angra. Ao lado desta encontramos o famoso Monte Brasil, um antigo vulcão de origem marítima que ainda conserva fósseis de moldes da flora que existia aquando da erupção, há alguns milénios. A montanha é protegida por uma das maiores muralhas do mundo, a Fortaleza de São João Baptista, com 4 km, construída para defender a cidade

dos ataques de piratas e corsários – na época dos Descobrimentos, Angra do heroísmo era um porto de escala obrigatória para as frotas da Índia, do Brasil e de África. Mais para dentro da ilha, abaixo da superfície está o Algar do Carvão, conhecido pelas belas e raras estalactites e estalagmites, que chegam a ter um metro de comprimento e 50 cm de diâmetro.

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Fotografias: Azoresphotos. visitazores –Turismo dos Açores

Parece uma baleia, de facto, daí o nome do ilhéu que encontramos na Graciosa. É a chaminé de um antigo vulcão marinho, posta a descoberto pela erosão, que assim traz à superfície estruturas geológicas que de outra forma nunca seriam vistas. Mais acima está o Farol da Ponte da Barca, que possui a torre mais alta de todos os faróis açorianos. Os mistérios do vulcanismo prosseguem na Caldeira da Graciosa e na sua Furna de Enxofre, à qual acedemos por uma escada de 183 degraus em forma de caracol. Encontramos então uma lagoa de água fria e uma fumarola de lama, de onde vem o cheiro a enxofre.

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Graciosa

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Mais de 1.700 vulcões, nove activos Os Açores são uma terra de constantes descobertas. A beleza vem, sobretudo, da intensa actividade vulcânica ao longo de milhões de

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anos – 1.766 vulcões, nove ainda parcialmente activos, fizeram do arquipélago um verdadeiro santuário do geoturismo. Diversos centros de ciência espalhados pelas ilhas ajudam a entender este património natural.


Fotografias: Azoresphotos.visitazores – caisdopico.blogspot.pt / Azoresphotos.visitazores – Maurício de Abreu DRT

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São Jorge

Fotografia: Azoresphotos.visitazores – Maurício de Abreu DRT

A ilha de São Jorge é conhecida pelas inúmeras fajãs, terrenos criados pela lava que avançou mar adentro ou por terras e rochas que

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caíram da encosta devido a sismos, chuvas intensas e outros fenómenos naturais. Uma das mais famosas é a Fajã do Ouvidor, formada pela lava


que escorreu do Pico Areeiro há mais de 2.500 anos. A abundância de água e os microclimas em muitas fajãs permitem a existência de cultu-

ras raras e de excelente qualidade, como o café e os inhames, outrora um importante meio de subsistência das gentes mais pobres.

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Pico

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Montanha do Pico. Eis que avistamos o ponto mais alto de Portugal, com 2330 metros. Não é preciso subir ao topo para nos deslumbrarmos: a 1.250 metros já vemos as ilhas do Faial e São Jorge, e em dias de céu limpo o olhar alcança a Graciosa e a Terceira. O vulcão do Pico é o terceiro maior do Atlântico Norte. Os extensos campos de lava marcam a paisagem da ilha. A alguns, as pessoas deram o nome de “mistérios”, por temerem e não compreenderem as erupções. Por estranho que pareça, nestas terras faz-se vinho de excelente qualidade, o verdelho, que chegou a andar na mesa dos czares russos e cuja cultura é património da humanidade – é cultivado em “currais”, pequenas áreas de lava preta quase sem terra vegetal.

Fotografia: Azoresphotos.visitazores – caisdopico.blogspot.pt

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Faial

Fotografias: Azoresphotos.visitazores – Helder Afonso / Azoresphotos.visitazores – Maurício de Abreu DRT

O vulcão dos Capelinhos lembra a paisagem lunar. O acontecimento de 1957-58 mudou a história do Faial, a sétima ilha desta viagem pelo Geoparque Açores. Parece milagre ninguém ter morrido naquele ano fatídico. Muitos partiram para os Estados Unidos, ao abrigo do célebre Azorean Refugee Act, que atribuiu vistos a 2 mil faialenses. O Centro de Inter-

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pretação do Vulcão dos Capelinhos recorda esse episódio. A maior parte da “Ilha Azul” – assim chamada devido às inúmeras hortênsias – é ocupada, no entanto, por outro vulcão, o da Caldeira, com cerca de 2 km de diâmetro. No seu interior encontramos uma zona húmida que outrora foi uma lagoa, drenada aquando do fenómeno dos Capelinhos. Se houver tempo, vale a pena visitar o Museu de Scrimshaw, que tem uma colecção de dentes de baleia e cachalote gravados pelas mãos de hábeis pescadores.

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Flores 42 ...by Descla | Geoparques


O ponto mais ocidental da Europa Uma, duas, três…há muitas quedas de água na costa das Flores. Lá em baixo, dão origem a vários poços, como o do Bacalhau e o da Alagoinha, também conhecido por Lagoa das Patas. As mais impressionantes cascatas são as da Ribeira Grande, na zona da Fajã Grande e Fajazinha, que chegam a ter cerca de 300 metros de altura. A ilha é famosa pelas diversas caldeiras, geradas por explosões, quando o magma, ao subir, contactou com a água. A mais funda é a Caldeira Negra, que atinge 108 metros. É nas Flores que alcançamos o ponto mais ocidental da Europa, o ilhéu de Monchique. O nome, esse, vem da abundância de flores amarelas, as “cubres”, cujas sementes terão sido trazidas por aves desde a península da Flórida.

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Corvo Ilha do Corvo. A única vila, com o mesmo nome, é a mais pequena dos Açores, com pouco mais de 400 habitantes, que vivem em casas baixas

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dispostas ao longo das ruas estreitas que sobem as encostas. Poucos mas bons, diz-se desta gente, que tem fama de corajosa, o que levou


os baleeiros norte-americanos a recrutarem aqui tripulação, no século XVIII. No topo do vulcão central fica uma grande caldeira, mais conheci-

da por “Caldeirão”, com uma lagoa e alguns cones vulcânicos, que segundo a cultura açoriana representam as nove ilhas do arquipélago.

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Dorsal Atlântica e Banco D. João de Castro

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Fotografias: Azoresphotos.visitazores – Nuno Sá

Termina a viagem por terra. É preciso mergulhar para ver a Dorsal Atlântica, o mais extenso vale de rifte do mundo, com cerca de 16 mil km de extensão que atravessam a quase totalidade do oceano. Trata-se de uma zona sísmica e vulcanicamente muito activa, que está associada à formação do Atlântico e à sua expansão, à média de 2 cm por ano, bem como das ilhas açorianas – é precisamente no arquipélago que fica um dos seus pontos mais interessantes do ponto de vista científico, pois aqui confluem três placas tectónicas. A cadeia montanhosa localiza-se entre os grupos ocidental e central, entre os 840 e os 3 mil metros de profundidade.

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A origem da vida Não menos impressionante é o Banco D. João de Castro, um monte submarino que surgiu por volta de 1720 após uma erupção vulcânica que originou uma ilha circular. Esta foi desaparecendo devido à erosão marinha, até ser dada como extinta dois anos depois. Em meados do século XX, descobriu-se que a ilha, na realidade, tinha-se transformado num recife e encontrava-se apenas uns metros abaixo da linha de água, podendo ter sido, por isso, a causa de alguns naufrágios. O mergulho é a melhor forma de contemplar este fenómeno da natureza, situado numa zona conhecida como Rifte da Terceira, entre esta ilha e a de São Miguel, e conhecer de perto a sua enorme biodiversidade – cerca de 300 espécies já foram detectadas, com destaque para a jamanta, a serra e a cavala-da-Índia. Mas muito mais há a descobrir: o arquipélago dos Açores é uma importante rota de migração, daí que no Banco D. João de Castro possam existir espécies raras que não tenham sido registadas

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nas expedições anteriores, como o tubarão-frade, o tubarão-baleia, as orcas ou as baleias-azuis. Este poderá ser ainda um óptimo local para entender a origem da vida, nomeadamente através do estudo dos extremófilos, organismos que vivem em condições extremas, como falta de luz, baixa temperatura, pressão elevada e abundância de elementos tóxicos, algo que caracteriza esta formação geológica. Além disso, é um excelente local para o estudo da tectónica das placas e consequente actividade sísmica e magmática. Tudo isso levou a que o Banco D. João de Castro seja Sítio de Interesse Comunitário e integre a Rede Natura 2000 da União Europeia. E assim acabamos a longa viagem pelo Geoparque Açores. Passámos por alguns dos geossítios mais importantes, com a certeza de que neste arquipélago há muito mais para ver e fazer. A Floresta Laurissilva, a biodiversidade infinita, os jardins, as plantações de chá, o património arqueológico subaquático ou as festas do Divino Espírito Santo valeriam, por si só, uma nova jornada…

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No pulmão Transmontano Macedo de Cavaleiros é a definição de museu ao ar livre: todo o concelho abrange o geoparque. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Terras de Cavaleiros Geopark

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São 700 km2 em pleno Nordeste Transmontano que fazem do concelho Macedo de Cavaleiros um geoparque em si mesmo. Coroado em 2015, o Geopark Terras de Cavaleiros é o último dos parques portugueses a juntar-se à lista da UNESCO. Mas a vivência do território é bem mais antiga: nele, encontram-se vestígios geográficos de 540 milhões de anos. O geoparque encontra-se no planalto de Trás os Montes, sendo abraçado pelas Serra de Nogueira, Serra de Ala, Serra do Cubo, e a Serra de Bornes. A limitá-lo a Este está o Monte de Morais, que perfaz a transição da Terra Fria planáltica para a Terra Quente do Tua e Douro Superior. Estas altitudes desafiam o olhar: nem por menos, um dos geossítios

classificados do parque é o miradouro Panorâmica Bornes Sul, que permite vislumbrar o grande vale da depressão da Vilariça. O vale constituiu uma falha geográfica que se estende por 250 quilómetros, desde Portelo até ao maciço central da Serra da Estrela. A par com as imensas serras, esta zona do país distingue-se pelo clima agreste. Quem não conhece a expressão popular “Nove meses de Inverno e três de Inferno”? É assim que a gíria popular retrata a esmagadora diferença de temperaturas entre as estações do ano. Se, porventura, esta austeridade de paisagem pode não parece muito convidativa, a verdade é que estas particularidades da fisionomia geográfica fazem de Trás-os-Montes um destino único.

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Mil e Um Planos Aventurar-se ou relaxar: a escolha fica difícil em Terras de Cavaleiros, já que no geoparque tanto pode-se praticar BTT, canoagem, asa-delta, escalada, motocross ou equitação. Para quem for fã de desportos na água, há remo, canoagem, vela e windsurf à escolha. Se preferir aventurar-se intelectualmente, o parque dinamiza os cursos de iden-

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tificação e conservação de Cogumelos Silvestres e de Orquídeas Selvagens. E, com o programa “Ciência Viva”, os interessados em Geologia, Biologia e Astronomia podem saciar a sua curiosidade com passeios guiados por técnicos especializados. A alternativa mais simples e descontraída é descansar na Praia Fluvial da Fraga da Pegada ou na Praia Fluvial da Ribeira, esta última eleita em 2012 uma das 7 Maravilhas de Portugal…


Geossítios Quando os técnicos da Rede Europeia de Geoparks visitaram o parque Terras de Cavaleiros para auscultar a candidatura à UNESCO, foram levados a visitar geossítios como os Gnaisses de Lagoa e o Poço dos Paus. Claramente o charme resultou, pois até hoje são pontos muito procurados. Os Gnaisses de Lagoa são de uma imensa importância geográfica, pois

calcula-se que possuam entre 500 a 1000 milhões de anos. São, portanto, um testemunho do supercontinente primitivo que esteve na origem dos continentes actuais. Outro caso que que prova isso mesmo é o Maciço de Morais, apelidado de "umbigo do mundo" pelos geólogos. Isto porque apresenta vestígios de dois continentes e de um oceano desaparecidos e envolvidos na formação daquela cadeia de montanhas, há mais de 280 milhões

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de anos, quando continentes chocaram e empurraram a placa do fundo do mar que os separava. Do Poço dos Paus diz-se que é um autêntico oceano… à superfície da terra. Isto porque o Poço resulta de uma expansão dum fundo oceânico que originou rochas com características próprias (diques máficos e gabros) após uma colisão e subducção; tal deu azo a que uma cordilheira montanhosa

irrompesse e depois fosse erodida. Fora de água, o geoparque possui minas a céu aberto - assim é o Complexo Mineiro de Murçós. Constituído por diversas frentes de exploração, o complexo remonta ao ano de 1940, altura em que se começaram a extrair volfrâmio de Murçós. Estes são apenas alguns dos 42 geossítios que constam na lista do Geopark Terras de Cavaleiros.

Terra de um Cavaleiro Heróico O nome “Terras de Cavaleiros” advém de Martim Gonçalves de Macedo, o cavaleiro que impediu um desferimento fatal a D. João I, Mestre de Avis, durante a Batalha de Aljubarrota de 1385. Foi por isso considerado um herói salvador da pátria, e a ele deve-se a designação da região.

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A Estrela quer

ser geoparque O Vale Glaciar do Zêzere, a vila de Belmonte a as Penhas Douradas são algumas das atracções do Aspiring Geopark Estrela. Texto: Lino Ramos Fotografias: Tiago Canoso

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Alta, imensa, enigmática, a sua presença física é logo uma obsessão. Mas junta-se à perturbante realidade, uma certeza mais viva: a de todas as verdades locais emanarem dela. Há rios na Beira? Descem da Estrela. Há queijo na Beira? Faz-se na Estrela. Há roupa na Beira? Tece-se na Estrela. Há vento na Beira? Sopra-o a Estrela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e eterno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. No livro Portugal, de 1950, Miguel Torga descreve assim a importância da serra mais alta de Portugal continental para toda a região envolvente. É a Estrela que dá nome ao aspirante português a geoparque da Unesco - Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. A candidatura foi entregue em Novembro do ano passado, esperando-se agora uma decisão favorável até à Primavera de 2019. Hoje, como há 20 mil anos, é a natureza que dita a vida e a morte neste local. Nessa época, o que actualmente conhecemos como Serra da Estrela era uma enorme e compacta placa de gelo, com uma superfície de cerca de 70 Km2 e espessura de 80 metros, que cobria o planalto onde está a Torre. Com o aumento da temperatura, o gelo começou a derreter, deslizou encosta abaixo e formou cinco vales, que moldam a paisagem que vemos.

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O mais conhecido é o do Zêzere, um dos maiores da Europa, com cerca de 13 km. Da estrada que nos conduz à vila de Manteigas, lá ao fundo, contemplamos esta obra de arte criada por forças naturais. Na descida, o gelo arrastou grandes blocos de granito, que deram origem a um planalto de rocha, com lagos, charcos e prados húmidos. Um dos locais mais bonitos é o Covão d’Ametade, uma antiga lagoa glaciar, mal drenada, por onde corre o rio Zêzere, ladeado por bétulas, conhecidas por criarem um ecossistema com grande biodiversidade. Daqui observamos os famosos cântaros Gordo, Raso e Magro, três afloramentos graníticos

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com 1875, 1916 e 1928 metros de altura, respectivamente. O Magro é atravessado pela Rua dos Mercadores, uma fenda profunda e estreita que surgiu numa zona de rocha dolerítica, menos resistente à erosão. Mais adiante fica a Nave de Santo António, uma zona plana ocupada por sedimentos e blocos rochosos conhecidos por “moreias”, formadas pelo deslizamento do gelo, que aqui largou o célebre Poio do Judeu, o maior bloco errático da Serra da estrela, com cerca de 150 m3. E eis que chegamos ao ponto mais alto de Portugal continental, o planalto da Torre, onde as lagoas e rochas polidas e estriadas pelo gelo evidenciam a presença glaciar.


O Centro Interpretativo do Vale Glaciar do Zêzere, em Manteigas, permite ao turista simular uma viagem de balão por esta maravilha da natureza, sujeito às intempéries que se fazem sentir na Serra da Estrela e que tornam a experiência mais real. O espaço, inaugurado em 2013, dispõe de um ecrã gigante onde podemos percorrer milhares de anos de história e conhecer de perto covões, rochas, lagoas e cascatas, tudo graças à tecnologia 3D.

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Esperar pela Unesco até 2019 O Aspiring Geopark Estrela abrange uma área de 2.216 km2, na qual vivem 170 mil pessoas, distribuídas por nove municípios: Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Fornos de Algodres, Gouveia, Guarda, Manteigas, Oliveira do Hospital e Seia. Os trabalhos da candidatura começaram em 2014. No ano seguinte foi assinado o memorando de entendimento com os municípios e em 2016 surgiu a Associação Geopark Estrela, com sede na Guarda. O objectivo é proteger, estudar e valorizar o património natural e cultural deste território, especialmente a riqueza geológica, cuja história começa há mais de 650 milhões de anos. Ao mesmo tempo, os responsáveis pretendem contribuir para o desenvolvimento sustentável dos nove municípios, melhorando a qualidade de vida das populações através da aposta no turismo, no desporto, nas artes e na cultura. Nem poderia ser de outra forma, tendo em conta que essa é uma das bases para uma possível classificação pela Unesco. A pensar no amanhã, o Aspiring

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Geopark Estrela criou já uma rede de percursos interpretativos, “Turismo para todos” e “Património e paisagem”, com cinco trajectos por alguns dos pontos mais emblemáticos deste vasto território. O primeiro, que em parte já descobrimos nas linhas acima, chamase “Da Egitânia aos Montes Hermínios”, referências clássicas que despertam a curiosidade dos visitantes. O segundo percurso, “Da história à montanha”, começa na linda vila de Belmonte, onde nasceu o navegador Pedro Álvares Cabral, que dirigiu a segunda armada portuguesa à Índia, descobrindo oficialmente o Brasil no caminho. Somos guiados, depois, a um dos mais belos locais da Serra da Estrela, o Vale Glaciar de Alforfa, em forma de ‘U’, como o do Zêzere. Estes e outros vales servem de pastoreio aos rebanhos de ovelhas que dão o famoso Queijo Serra da Estrela e a lã da qual se faz o burel, exportado para todo o mundo (ver caixa). Já não há tantos pastores como outrora, mas os que resistem ainda usam no Inverno as capas deste tecido, conhecido por ser muito duradouro.

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Das Penhas Douradas ao Poço do Inferno “Do Alva ao Mondego” leva-nos a uma das aldeias mais altas de Portugal, Sabugueiro, onde o Forno Comunitário mostra bem a adaptação do Homem a este ambiente de montanha. Daqui observamos o último arco morénico: o gelo, ao deslizar, largou vários sedimentos e blocos rochosos, que formaram uma espécie de arco. Adiante encontramos a

nascente do rio Mondego, o “Mondeguinho”, a uma altitude de 1525 metros. O melhor ficou para o fim: as Penhas Douradas, com uma vista deslumbrante para a singela vila de Manteigas e todo o vale do Zêzere. É talvez a paisagem granítica mais sublime do território candidato a geoparque. Em 1880, o médico José Tomás de Sousa Martins, especialista no combate à tuberculose, considerou este o lugar mais saudável de Portugal, devido aos “bons ares”.

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Uma tradição reinventada A tradição já não é o que era: há menos pastores na Serra da Estrela e a transumância (deslocação sazonal dos rebanhos para terrenos com melhores condições) é feita em muito menor escala. Ainda assim, a criação de gado continua a ser um dos pilares da economia regional, com o fabrico de queijo e de produtos à base de lã. Só na pequena vila de Manteigas há duas fábricas dedicadas à produção de burel e que exportam para diversos pontos do globo: a Ecolã e a Burel Factory. A primeira, fundada em 1925, produz os famosos capotes com lã de ovelha, além de diversos artigos com design contemporâneo, como casacos, mochilas, malas, cobertores, mantas, sacos para bebé ou chapéus. A Burel Factory surgiu apenas em 2010 e desde então tem vindo a reinventar o burel, recorrendo a criativos para elaborar peças originais com cores e texturas ligadas à tradição e à cultura manteiguenses. Entre os grandes projectos da empresa destacam-se o revestimento das paredes da nova sede da Microsoft em Lisboa e dos escritórios da Google em Madrid. O burel é um material com muitas aplicações e um excelente isolante térmico e acústico, resistente ao fogo, muito flexível, confortável e de fácil manutenção. A história deste tecido,

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100% lã de ovelha, começa na Idade Média, associado à Serra da Estrela, à montanha e aos pastores. Inicialmente era associado às camadas mais pobres, sendo vendido a um preço muito baixo, mas pelas suas características também a realeza começou a utilizá-lo, tendo sido D. Leonor de Lencastre (14581525) a primeira rainha a envergar o burel preto como vestimenta de luto. A sua autenticidade resulta de uma sequência de operações bem definida no processo de fabrico. A lã é tosquiada, lavada, fiada, urdida no órgão e tecida no tear. Depois é pisada numa máquina, o pisão, que a bate e escalda, transformando o tecido em burel e tornando-o mais apertado, resistente e impermeável.


Como é que um rochedo deste tamanho se equilibra assim há tanto tempo? É a pergunta que fazemos ao ver o Penedo do Sino, também conhecido por “pedra sineira”, uma espécie de pedestal que descobrimos perto de Celorico da Beira, ponto de partida do quarto percurso, “Entre o granito e o glaciarismo”. Neste local fica a grande necrópole medieval de São Gens, com 54 sepulturas abertas no granito. Encontramos a seguir a Fraga da Pena, um povoado pré-histórico da Idade do Bronze com uma extensa estrutura defensiva semicircular. No interior, foram descobertos objectos em cerâmica, pontas de flecha, colares

e machados de pedra, entre outros artefactos. Parece, realmente, a cabeça de um velho, e é assim mesmo que chamam à rocha de granito que a natureza desenhou a 1.500 metros de altitude. Avançamos mais um pouco e eis que chegamos, então, à Lagoa Comprida, a maior do maciço superior da Serra da Estrela, resultante da última glaciação, há cerca de 30 mil anos. Desse período resistem diversas rochas nuas, polidas e estriadas, além de blocos erráticos. Aproveitando o covão, construiu-se aqui uma barragem, cuja albufeira tem capacidade de cerca de 12 milhões de m3 de água

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e inunda uma área de 800 mil m2. Poço do Inferno. O nome poderá assustar quem não conhece, mas a curiosidade fala mais alto: milhares de turistas arriscam subir a íngreme escadaria para ver o poço, a 1080 metros de altitude, que ostenta uma das mais belas cascatas de

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Portugal, com cerca de dez metros e uma pequena lagoa de água cristalina. Assim começa o último trajecto, “No coração da montanha”, que na verdade são dois percursos para outros tantos dias. Há locais conhecidos e outros novos, como a Lagoa Seca, cheia de blocos


morénicos, vestígios de quando uma língua de gelo com 300 metros de espessura ocupava o Vale Glaciar do Zêzere. O Seixo Branco é diferente de tudo o que vimos até aqui – tratase de um filão de quartzo róseo que brota como uma flor neste canteiro

cinzento de granito. Alcançamos, por fim, a famosa Lagoa das Salgadeiras, uma das mais visitadas da região por ser de fácil acesso e ter uma paisagem deslumbrante. Até parece que alguém, ao comando do glaciar, desenhou cenários como este, tal a sua perfeição.

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