Na Fronteira da História: Um País Armado - Pelas fortalezas do Norte

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desporto cultura lazer Outubro de 2018

Na Fronteira da HistĂłria: Um paĂ­s armado Pelas fortalezas do Norte


ficha técnica Propriedade, edição e distribuição: Gomes & Canoso,lda. Rua São João, nº.39, Repeses 3500-727 Viseu

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Telefone: 232 407 544

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Telemóvel: 969 474 853 Directora: Olinda Martins Redacção: Ana Margarida Gomes e Lino Ramos

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Colaboradores: Mariana Rodrigues Paginação: Filipa Pinto, João Barbosa e Tiago Canoso Publicidade e Marketing: Joaquim Gomes e Tiago Canoso

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Um país armado Caros leitores, O turismo militar é uma área de negócio que vem suscitando um crescente interesse em Portugal. O país, intimamente ligado à história militar europeia e mundial, começa a ganhar consciência do valioso património que tem e do seu potencial económico, com a atracção de turistas. Já existem algumas rotas, como a de Defesa do Alentejo, dos Templários ou das Linhas de Torres, e outros projectos devem arrancar brevemente – é o caso da rede de turismo militar para o Médio Tejo (ReTurMil), cujo objectivo é estender a todo o país, numa lógica de desenvolvimento social e económico do interior. A execução de uma estratégia para o turismo militar é, de resto, uma das medidas da Estratégia para o Turismo 2027 definida pelo Governo. Nesta edição percorremos a fronteira portuguesa, cheia de castelos, fortalezas e muralhas que durante séculos protegeram o reino dos ataques castelhanos. Algumas são construções sublimes, como a de Valença, cujos muros têm mais de cinco quiló-

metros de extensão, ou a de Elvas, cidade das quatro muralhas classificada como património da humanidade. Optámos, assim, por um ângulo que nos pareceu interessante dentro do turismo militar: a raia, essa linha condutora repleta de história, lendas e mistérios. Há monumentos bem conservados e sobejamente conhecidos, mas também há outros que muitos portugueses nem sabem existir e que pedem uma intervenção urgente. O país tem 35 municípios que tocam na fronteira, cada qual com as suas defesas. Falar de tudo numa única edição seria excessivo, por isso resolvemos dividir este trabalho em quatro: as duas primeiras revistas, publicadas em Outubro, percorrem o Norte e Centro; a terceira e a quarta, em Novembro, vão do Alentejo ao Algarve. Acompanhe-nos nesta viagem e descubra heróis de mil façanhas, soberbas obras de arte militares e inúmeras histórias de resistência que moldaram a actual fronteira portuguesa.

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Boas leituras.



A Estrela Forte Impossível falar em turismo militar e não começar por uma dos fortalezas mais renomadas do país. É em Valença que começa esta viagem à descoberta da História. Fortaleza de Valença

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Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: C.M Valença

Vista de longe, bem do alto, parece um conjunto de estrelas. A Fortaleza de Valença marca o ponto de arranque da viagem. Não é por acaso que este monumento tem uma configuração única; trata-se de uma construção militar abaluartada, pensada para defender Valença dos ataques desde tempos imemoriais. Tal tem sido a história da actual cidade: sucessivos invasores tentaram-na tomar, não fosse ela um ponto central da pátria. Foi aqui que nasceu São Teotónio, o primeiro santo português a ser canonizado. Nascido em 1082, o padroeiro da cidade foi um importante aliado e conselheiro de D. Afonso Henriques. Mas nem a protecção santa impediu Valença de ser constantemente assaltada – situação essa, aliás, comum às zonas raianas. De tal maneira que, ao longo da existência

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Fortaleza de Valença

da região foram vários os privilégios concedidos aos seus habitantes de maneira a cativá-los e fixá-los. D. Afonso II concedeu o foral à então Contrasta, em Agosto de 1217, dotando-a de prerrogativas como a dependência exclusiva do rei, a isenção de pagamento de portagem em todo o reino, algumas vantagens judiciais, protecção do domicílio, entre

outros. Passado quase meio século, o nome Contrasta foi simbolicamente mudado para Valença, numa decisão de D. Afonso III que procurava reavivar o dinamismo da zona. Para além da mudança de nome, o monarca ordenou ainda uma profunda reforma do sistema militar da vila, passando as muralhas a abarcar toda a povoação. Ainda hoje

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Fortaleza de Valença

é possível detectar algumas dessas transformações nos vestígios da fortaleza medieval. Se resultou? No século XVIII, Valença era já uma das mais importantes praças fortes da linha fronteiriça de Portugal. Voltando à Fortaleza: é ela o orgulho maior da cidade. Por isso é que, em 2011, a Câmara Municipal de Valença quis propor o monumento a Pa-

trimónio da Humanidade; e em 2016, juntamente com os municípios de Almeida, Marvão e Elvas criou-se a ficha da inscrição das “Fortalezas Abaluartadas da Raia” a Património Mundial da Unesco. Para já, está classificada como Monumento Nacional, e não é por falta de títulos pomposos que a Fortaleza deixa de receber milhões de turistas todos os anos…


Na Coroa de Portugal Não há nenhum concelho mais a norte do que Melgaço. O Castelo da vila há muito que vigia quem por aqui passa.

Castelo de Melgaço

Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Município de Melgaço

O muro é alto, maciço e imponente. Dir-se-ia que a muralha do Castelo de Castro Laboreiro, no coração de Melgaço, permaneceu intocada

ao longos dos séculos. Está acima de tudo e de todos, impondo-se a 1000 metros de altitude, entre as serras de Peneda Gerês, desafiando

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Vista do Castelo

Um Roteiro Possível Melgaço tem outras belezas para além do seu castelo. É sobejamente conhecido o vinho verde da região, que se pode provar em locais como o Solar do Alvarinho. E porque não relaxar de seguida no Parque Termal do Peso? Também há propostas para quem gostar de museus: como

o Espaço Memória e Fronteira, no qual aprende-se sobre os movimentos migratórios, ou o Museu de Cinema, fruto do amor que o crítico francês Jean Loup Passekse tinha por Melgaço. Anualmente, o Museu exibe o Festival Filmes do Homem e contém a colecção pessoal do cineasta.

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Castelo de Castro Laboreiro

os planaltos galegos que se avizinham ali perto. O Castelo vigia quem passa por Melgaço já desde a reconquista primitiva do território português. Contudo, pouco se conhece sobre a sua construção. Sabe-se, no entanto, que o Castelo foi conquistado por D. Afonso Henriques, assumindo um papel fulcral para a formação do país. Mas o auge de Castro Laboreiro, que durante muito tempo foi vila, culminou no reino de D. Dinis, altura em que

a fortaleza ganhou o aspecto que ainda hoje tem. Aliás, este monarca dedicou uma atenção particular à criação de póvoas ribeirinhas, reforçando a defesa na raia. Depois, a importância do Castelo caiu em desuso e não voltou a ser reformado até ao ano de 1979, altura em que foi alvo de restauros. Talvez por isso se possa dizer que o Castelo de Castro Laboreiro envelheceu bem e confere a Melgaço uma graça medieval muito própria.

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Baluarte de S.Filipe Neri

História de um Castelo e Pães, e de um Palácio e Vinhas

Unida a Espanha pela ponte que atravessa o Rio Minho, Monção foi das últimas terras raianas do distrito a ganhar importância. 14 ...by Descla | Na fronteira da história : Um país armado


Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Município de Monção

“As origens de Monção são obscuras. Tudo sugere que seria uma terra reguenga, sem grande importância, no dealbar da nossa nacionalidade”. Quem assim o escreveu foi Carlos Alberto Ferreira de Almeida, na sua obra Alto Minho. Mas, apesar de não ter começado com igual protagonismo que as terras suas vizinhas, Monção foi ganhando importância aos poucos e poucos, até ser sido nomeada vila no reinado de D. Afonso II, em 1258. Hoje em dia, este concelho do distrito de Viana de Castelo possui um património cheio de lendas e histórias. A ter que fazer um percurso, poderíamos visitar monumentos como o Castro de São Caetano, a Igreja de Valadares, a Igreja de Longos Vales, a Igreja de Ceivães, as Termas de Monção, a Torre de Lapela, a Ponte da Barbeita e o Museu do Alvarinho. Contudo, não é injusto dizer que há dois locais que roubam a atenção: o Castelo de Monção e o Pa-

Muralhas de Monção

lácio da Brejoeira. O primeiro, à semelhança do pouco que se sabe sobre as gentes de Monção, carece de estudos que consigam apontar com exactidão as suas origens. Crê-

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A Heroína que atirava Pães aos Espanhóis

Quem é a mulher que figura no brasão de Monção a arremessar pães duma fortaleza? É a mítica Deu-La-Deu, a quem se deve a expulsão dos castelhanos que procuravam tomar Monção. Diz a lenda que as tropas invasoras, aquando das Guerras Fernandinas, invadiram a vila e cercaram as muralhas da fortaleza. No interior, os habitantes, cansados e esfomeados, estavam prestes a render-se quando a mulher do capitão-mor, de seu nome Deu-La-Deu, ordenou que se recolhesse o pouco trigo que ainda havia. Com ele cozeram-se pães que Deu-La-Deu lançou aos inimigos. Isto fez com que as tropas julgassem que Monção era afinal bem mais abundante e poderosa do que julgavam, e por isso desistiram de tomar-la Monção.

-se que foi no reinado de D. Dinis que terá sido erguido, altura em que a vila recebeu Carta de Feira. A partir daí, Monção foi ganhando lentamente o seu estatuto; a povoação e seu castelo constaram do Livro das Fortalezas de Duarte de Armas, que o escudeiro redigiu a pedido de D. Manuel I. Aquando da Guerra da Restauração da independência portuguesa, modernizaram-se as suas defesas, que o francês Miguel de L’Ècole redesenhou para serem uma fortaleza

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Muralhas de Monção

de planta poligonal abaluartada. Em 1910, o Castelo de Monção foi classificado como Monumento Nacional. E em segundo lugar, o Palácio da Brejoeira, conhecido sobretudo pelo vinho da casta Alvarinho que aqui é produzido há décadas. Este Palácio, que possui uns verdejantes 18 hectares de vinha, foi mandado erguer em finais do século XIX. Pertenceu inicialmente a Luís Pereira Velho de Moscoso, e foi sendo passado de proprietário em proprietário em fases

de menor ou maior decadência. Só em 1901 é que foi vendido em hasta pública a Pedro Maria da Fonseca Araújo, que revitalizou o Palácio com obras de restauro, concedendo-lhe um lago e jardins – foi também nesse ano que foi classificado como Monumento Nacional. A história do Palácio fica marcada no ano de 1977, quando Feliciano dos Anjos Pereira faz nascer a marca própria do vinho. Em 2010 o Palácio da Brejoeira abriu as suas portas ao público por visitas guiadas.

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Castelo de Montalegre

No Reino Maravilhoso Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Tiago Canoso

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Assim chamava Miguel Torga à província de Trás os Montes, da qual Montalegre, com a sua história e mitos, é uma orgulhosa representante. Na fronteira da história : Um país armado | ...by Descla 19


No limite do distrito de Vila Real, há uma vila onde o azar dá sorte. Montalegre contraria a crença de que as sextas feiras 13 são dias azarentos com celebrações que já ganharam aderentes além-fronteiras, e que têm lugar precisamente no seu castelo. Este é apenas um dos vários motivos pelos quais a terra assegura a sua fama de terra de folclore – ou não fosse a zona transmontana rica em superstições populares. Montalegre distingue-se pelo seu castelo que remonta ao final do século XIII, altura em que a vila recebeu Carta de Foral e se tornou cabeça das chamadas Terras de Barroso, designação essa que a liga a Boticas

e que perdura até hoje na linguagem das suas gentes. O castelo foi um elemento crucial na crise de 1383-85 e na Guerra da Restauração, quando o seu valor estratégico-defensivo foi essencial para a manutenção da raia. Não é à toa que está classificado como Monumento Nacional, e que serve de palco às muito aguardadas sextas feiras 13.

Postais Típicos A vila de Montalegre tem em si o autêntico espírito transmontano, que bem se nota quer na sua paisagem, quer nas suas celebrações. Miguel Torga estava certo em chamar à re-

Castelo de Montalegre

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gião transmontana o “Reino Maravilhoso” no qual a vista alcança “um mar de perdas” até ao horizonte. A Aldeia da Ponteira é um exemplo típico disso, com as suas casas em granito empoleiradas nas rochas (a que habitualmente se chama ciclópicas penedias); é nela que se encontra a famosa a Pedra Bolideira, uma rocha que balança ao toque da mão, parecendo tão leve que até uma criança a pode fazer abanar. E, se há pouco referimos o Dia do Azar, é mesmo porque as sextas feiras 13 em Montalegre são a melhor desculpa para celebrar o esoterismo num ambiente tão entusiasmante como tenebroso. Já desde 2002 que a vila organiza uma festa cheia de música e teatro em tons negros que reaviva as lendas obscuras de Trás os Montes. É no Castelo que ocorrem os espectáculos - dos quais o mais importante é a Queimada, o momento em que o Padre António Fontes prepara um elixir à base de aguardente, limão, maçã, canela e açúcar que “esconjura todos os males”. Os visitantes, vestidos de duendes, fadas e demónios, agradecem o brinde, pois sabem que é Montalegre a terra mais mística…

Castelo de Montalegre

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Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Tiago Canoso Cidade de Chaves, ...

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Chaves, a Eterna Disputa De Chaves quase se pode dizer que foi berço de todas as nacionalidades que moldaram “a” nacionalidade. Romanos, mouros e cristãos: todos insistiram em tomar a cidade como sua. É a Roma que Chaves deve muito da sua originalidade. Não que esta cidade transmontana seja em tudo igual à capital italiana, mas certamente que ambas partilham algumas semelhanças na sua história. Se a comparação parece desfasada, passamos a explicar: é que Chaves conheceu um período glorioso na sua existência durante o Império Romano que até hoje se faz notar nos encantos do concelho. Os romanos instalaram-se no vale do Rio Tâmega, e logo ergueram muralhas e a famosa ponte de Trajano - que fazia parte do caminho que ligava Braga (Bracara Augusta, naquele tempo) a Astorga (Asturica Augusta). Tal foi a marca que deixaram,

que Chaves (contrariando a tendência nacional de assinalar feiras medievais) prefere fazer um festival dedicado aos romanos: a Festa dos Povos ocupa a agenda do concelho há já vários verões, e nela os gladiadores voltam a aparecer… Mas, nem só os romanos fizeram questão de deixar as suas pegadas por estes lados. Mouros e cristãos viveram em constante desafio até ao século IX, altura em que D. Afonso a conquistou… não sem Chaves voltar a ser moura mais uma vez. Valeu a reconquista de D. Afonso III, que não só a resgatou como a cercou de muralhas. Foi em 1160 que Chaves se integrou oficialmente no país, mas isso não impediu os forasteiros de a tentar trespassar.

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O MUSEU MILITAR É na Torre de Menagem de Chaves que está instalado o Núcleo Militar, criado em 1978 aquando das “Comemorações dos XIX Séculos do Município de Chaves”. O Núcleo Militar tem em exposição permanente material militar, armas, espadas, uniformes, bandeiras, peças de

artilharia, assim como diversas outras peças, que ao longo dos tempos, foram sendo utilizadas pelo exército português. Cada piso está consagrado a um tema: logo no primeiro, temos a Sala D. João I, dedicada à época da Reconquista. Nela, encontra-se uma réplica do elmo e espada de D. João I,

Castelo de Chaves

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uma bandeira da fundação de Portugal e da Ordem de Avis, bem como uma armadura e espadas do séc. XVII, para além de miniaturas de guerreiros dos distintos povos que passaram por Chaves até ao século XIV. O 2.º piso surge ligado ao tema das Guerras Peninsulares (18081815), ao qual a cidade de Chaves se encontra fortemente ligada, uma vez que foi através desta cidade que a Segunda Invasão Francesa, liderada pelo Marechal Soult, penetrou em Portugal, bem como outras peças de

campanha do século XVIII. A Sala da Primeira Guerra Mundial ocupa o 3º piso, onde se pode contemplar o espólio do General José Celestino da Silva, um capacete das tropas alemãs, alguns modelos de espingardas, uniformes de infantaria e várias peças de artilharia. Por último, o 4º piso recebe espólio da Guerra Colonial: canhangulos, uma espada gentílica, uma metralhadora ligeira, uma espingarda de repetição, uma pistola-metralhadora de tambor, azagaias, catanas e mocas gentílicas.

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Memórias das Lutas

Em Bragança, o Castelo guarda em si um Museu Militar com recordações de várias batalhas travadas pelos portugueses. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Tiago Canoso

Fotografia aérea,Bragança

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Torre de Menagem

Impossível montar um roteiro de turismo militar e deixar Bragança de lado. A capital distrital tem pontos de interesse incontornáveis para os maiores fanáticos de História – e vá, até para os que simplesmente só querem passear. Mal se chega à cidade, o Castelo aguarda bem lá no cimo, no centro histórico. Atrás dele, vislumbram-se as Serras de Montesinho, Sanabria, Rebordões e de Nogueira. Na cidadela subsiste o Pelourinho, a Igreja de Santa Maria , a “Domus Municipalis”, e a Torre de Menagem – na qual está instalado o

Museu Militar, cujo acervo resulta da recolha dos habitantes de Bragança que participaram na 1ª Guerra Mundial e na Guerra do Ultramar. Nem sempre o Museu esteve aqui instalado. Na verdade, a sua fundação data a 1929, quando o Regimento de Infantaria 10, e, posteriormente, o Batalhão de Caçadores 3, estava aquartelado no Castelo. Quando foi necessário reabilitar o Castelo e deu-se a extinção do batalhão, o Museu partiu – mas voltou em 1983, exibindo uma colecção que vai desde o século XII até à 1ª Guerra Mundial.

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A lenda da Torre da Princesa No Castelo existem duas portas com nomes singulares que carregam consigo toda uma lenda. Conta-se que em tempos idos, no Castelo habitavam uma bela princesa órfã e o seu tio. A certa altura, ela apaixonouse por um jovem nobre que retribuía o seu amor – mas que não possuía a fortuna suficiente para se casar com ela. Posto isto, ambos prometeram unir-se quando o nobre conseguisse angariar os bens necessários para o casamento. A princesa comprometeu-se a esperar e rejeitou todos os seus pretendentes ao longo de dez anos. O tio quis obrigá-la a casar com um cavaleiro da sua confiança, mas a princesa preteriu mais uma vez, afirmando que iria continuar a esperar pelo seu amado. Enraivecido, o tio resolveu mascarar-se de fantasma nessa noite, entrando por uma das portas dos aposentos da princesa. Disse-lhe, em tom de ameaça, que ela estaria condenada para sempre se não se casasse com o cavaleiro. Mas precisamente nesse momento,

Torre de Menagem

um raio de sol invadiu o quarto pela outra porta, desmascarando o tio. A princesa pôde então cumprir a sua promessa, e recolheu-se numa torre até hoje chamada de Torre da Princesa. As duas portas ficaram a ser conhecidas pela Porta da Traição e a Porta do Sol.

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Um Castelo por Uma Terra Construído por Mendo Bonfino, o Castelo de Algoso serviu outrora como moeda de troca para ganhar Vimioso. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Município de Vimioso

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Arquivo Municipal

Na terra fria, as temperaturas gélidas desafiam a coragem de quem por aqui passa, mas os verdadeiros audazes sabem como conquistar esta terra. A prova disso são os testamentos como o castelo de Algoso, em Vimioso, que ergue-se duma es-

carpa rochosa a mais de meio quilómetro de altitude. No inverno, a neve cobre-o como um manto real. A sua data de construção é incerta, se bem que se crê que terá sido erguido durante a fase final do reinado de Afonso Henriques, quando Sancho I se

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Arquivo Municípal

A Serpente da Traição Há muito, muito tempo, a lenda conta que no castelo viviam um rei mouro com a sua filha. A jovem, ignorando as inimizades políticas, apaixonou-se por um fidalgo cristão, tanto que… traiu o pai e ajudou o amado a conquistar o castelo. Furioso, o pai fê-la reencarnar numa serpente, condenada a guardar o tesouro escondido numa parte subterrânea ligada a uma mina. Segundo o povo, a mina segue pelo monte da Penenciada adentro, e que em noites

de S. João é possível ver a donzela, de cabelos soltos, a chorar, sentada sobre uma fonte. Ao despertar da madrugada, aparece no seu lugar uma serpente gigante com uma cabeleira farta, que lentamente também dali se evade… Por isso, não há quem se atreva a entrar dentro da mina e a procurar o seu tesouro. A fonte é conhecida pelo nome de “Fonte de S. João Baptista” e o povo reconhece-lhe poder na cura de certos males.

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Desenho do castelo de Vimioso no “Livro das Fortalezas”, de Duarte D´Armas

encontrava próximo do exercício do poder régio. As Inquirições de 1258 contam que este castelo foi mandado construir por Mendo Bonfino, o senhor da região, apoiante da causa portuguesa, que queria vigiar atentamente a fronteira com Leão. Mendo Bofino propôs a troca do castelo pelo senhorio de Vimioso a D. Sancho I, que terá aceitado dada a importância de reforçar a sua autoridade na periferia. Mendo Bofino havia defendido a luta de D. Afonso Henriques contra D. Teresa, e a oferta que propôs aconteceu na fase final do reinado deste, pelo que D. Sancho já se começava a afirmar como seu sucessor. Foi, portanto, uma troca natural

e que permitiu a D. Sancho reforçar a vigilância de Vimioso. De Mendo Bonfino o castelo passou para os cavaleiros da Ordem de Hospital em 1224, com o objectivo de promover a defesa da fronteira, após um longo período de guerra com o reino de Leão. Estes Hospitalários transformaram-no numa fortaleza gótica. Mais tarde, a expansão de Trás-os-Montes passou por criar julgados e vilas novas de carácter urbano, relegando assim os castelos para segundo plano. De facto, o castelo de Algoso foi perdendo a sua importância até chegar ao completo abandono no século XVII; a sua última ocupação militar ocorreu no contexto da Guerra de Sucessão de Espanha.

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Castelo de Miranda do Douro

Terra de Miranda, o

canto mais independente de Portugal

Miranda do Douro é senhora de si mesma. Nela, até as lendas associadas ao Menino Jesus nasceram do seu espírito de combate… Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Câmara Municipal de Miranda do Douro

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Catedral de Miranda do Douro

Lendas do Menino Jesus da Cartolinha A maior catedral de Trás-os-Montes é a de Miranda do Douro, e é nela que se pode contemplar o Menino Jesus da Cartolinha, que tem direito a um altar próprio. Até hoje, os mirandeses fazem tanta fé neste Menino que, em momentos de aflição, exclamam “Ai, Meu Menino!”. Tudo começou quando Miranda foi cercada durante muitos meses pelas tropas espanholas, ao ponto de os habitantes terem perdido todas as forças para continuar a resistir. A certa altura, vindo do nada, apareceu um jovem enérgico que incitou à revolta, de tal modo que, como por magia, a população ganhou uma força renascida e conseguiu expulsar os invasores. Uma vez salva a vila, procurou-se o jovem prodígio para lhe prestar as devidas homenagens, mas ele havia desaparecido misteriosamente… Disse então o povo: “Foi um milagre de Jesus”. Mas outra lenda

explica que o Menino Jesus da Cartolinha surgiu porque morava em Miranda um jovem oficial, noivo de uma senhora da Corte. O jovem foi chamado a a enfrentar os espanhóis, mas morreu em combate. A noiva fez então a promessa de lhe honrar a memória, oferecendo ao Menino Jesus a farda correspondente à que o seu noivo iria vestir depois da guerra.

Concatedral de Miranda do Douro

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Castelo de Miranda do Douro

Uma cultura própria e uma língua independente fazem de Miranda do Douro não só um concelho ímpar, como um recanto original. Aqui, as placas das ruas sinalizam os topónimos em mirandês, a segunda língua de Portugal, reconhecida oficialmente em 1999. Apesar de serem uma minoria, é com orgulho que os habitantes da

chamada Terra de Miranda ostentam os seus costumes. A história de Miranda do Douro começou com os primeiros reis que tutelaram a terra com castelos românicos, numa altura em que essas divisões davam pelo nome de Terras – tal como Terra de Miranda, designação que perdura até hoje entre os falantes

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de mirandês. Foi a D. Dinis quem se deveu o segundo momento de povoamento e ordenamento de Trás os Montes, altura em que foi fundada a vila, no ano de 1286, e se ergueu o castelo de Miranda do Douro. Daí transferiu-se o poder do antigo castelo de Algoso, que era cabeçade-terra até então. Os anos passaram e o Castelo soube resistir, até à primavera de 1762: cercada por tropas espanholas, a praça tentava resistir mas um paiol acabou por explodir, levando consigo alguns troços que não mais se reconstruíram. Até hoje, em Miranda do Douro, tudo o que se vê são ruínas, fragmentos de uma narrativa despedaçada…

Castelo de Miranda do Douro

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Castelo de Mogadouro

No domínio dos Távoras Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Município de Mogadouro - Emanuel Campos

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Mogadouro deve muito do seu património às gerações da família Távora. Condenados à morte pelo Marquês de Pombal, os Távoras foram as figuras maiores do concelho por vários séculos. Na fronteira da história : Um país armado | ...by Descla 39


O Castelo Palácio dos Távoras É a Duarte d’Armas que se deve a descrição do Castelo medieval de Mogadouro como residência apalaçada dos Távoras. Para além de escudeiro, Duarte d’Armas foi também escrivão e, sob as ordens de D. Manuel I, foi ele que organizou o já referido Livro das Fortalezas. Duarte d’Armas soube desenhar e descrever o castelo tal como ele era na primeira metade do século XV durante o governo dos Távoras, afirmando que se parecia como um palácio. O Castelo de Mogadouro possuía então três torres e dois pisos para o castelo, com três corpos principais, e sabe-se que as antigas dependências trecentistas foram transformadas em estrebarias. Se não fosse por Duarte d’Armas, nada se saberia sobre a antiga residência dos Távoras, já que no século XVIII o Castelo foi destruído. Nos dias que correm, só se vislumbra a torre de menagem e parte das antigas muralhas. Mas a aura dos Távoras ainda se sente por lá…

Castelo de Mogadouro

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20 de Novembro de 1433 foi um desses dias que determinam o curso da História. Para Mogadouro, foi a data em que o seu estatuto mudou, e muito. A vila foi doada a Álvaro Pires de Távora, um nome que poderia passar despercebido se não fosse pelo apelido sonante. Os Távoras, cujas raízes já estavam há muito ligadas à região transmontana, conheceram a partir daí uma ascensão notável – até atingirem o título de Marqueses. Se fizermos uma lista de todo o património que os Távoras edificaram ou reabilitaram, ela prima por ser longa e imponente: o convento de São Francisco, a ponte de Remondes, o pontão entre Zava e Mogadouro, a ponte entre Meirinhos e Valverde e o Monóptero de São Gonçalo. De acordo com o investigador Antero Neto, estes são alguns dos monumentos que estiveram sob a alçada dos Távoras. Apesar de terem sido despojados dos seus bens e títulos em 1759, por ordem do Marquês de Pombal, ainda hoje perduram vestígios dos Távoras: a extinta Quinta de Nogueira, que não parece mais do que um terreno perdido no campo, conserva a sua entrada e o monóptero.

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Freixo.

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A Árvore Armada

É na margem direita do Rio Douro que repousa Freixo de Espada à Cinta. Texto: Mariana Rodrigues Fotografias: Município de Freixo de Espada à Cinta

Castelo de Freixo de Espada à Cinta.

Por aqui levam-se as “estórias” a sério: no centro de Freixo de Espada à Cinta, junto da Igreja Matriz, está plantado um freixo no qual - literalmente – está atada uma espada. Assim se faz jus à lenda que declara que, já antes de Portugal ser uma nação, havia população nesta terra. Diz a história (incerta, é verdade) que foi um fidalgo, apelidado de “Feijão”, que fundou Freixo de Espada à Cinta. O fidalgo seria primo de S.

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Vila de Freixo de Espada à Cinta.

Rosendo e faleceu em 1997; no seu brasão, estaria uma árvore com uma espada cintada. Se o fidalgo fosse vivo, com certeza que gostaria de ver o seu mito tornado realidade no centro da vila. Aliás, são incertas não só as lendas, mas também as origens de Freixo Espada à Cinta. Alguns estudos afirmam que na zona já habitavam povos muito antes da nacionalidade. Foi um palco particularmente aguerrido: D. Afonso II travou, aqui sem

sucesso, uma disputa contra Afonso IX de Leão. A terra acabou nas mãos leonesas em 1211. Mais tarde, em 1236 no reinado de D. Sancho II, D. Afonso, filho de Fernando III de Castela, quis cercá-la, mas os habitantes de Freixo defenderam-se com audácia, obrigando os castelhanos a bater em retirada. Como recompensa, o monarca português concedeu-lhe a categoria de Vila em 1240. Em 1342, os seus habitantes pediram a D. Afonso IV que lhes conce-

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desse o uso da Terça da Igreja, a fim de concluírem as muralhas da vila, ao que o rei acedeu. E foi com estes meios que se começaram a lançar as primeiras pedras da actual Igreja Matriz, cuja edificação só ficou concluída em no reinado de D. João IV. No entanto, o sofrimento estava longe de acabar: Freixo de Espada à Cinta ainda veio a ser atormentada durante a “Guerra de Fronteira”, de 1580 e 1640. As pilhagens e destruição de Lagoaça e Fornos em 1644,

são testemunhos disso mesmo. Em 1896 o concelho de Freixo de Espada à Cinta foi testado mais uma vez: foi ordenada a sua supressão e consequente anexação a Torre de Moncorvo. Mas a sua população, denotando mais uma a sua capacidade de luta, opôs com energia a esta decisão - e, volvidos dois anos, foi restaurado o foro municipal. Não fazia sentido nenhum a falsa união: afinal de contas, que tem Torre de Moncorvo a ver com a célebre terra da árvore armada?

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